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ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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DOI:10.1590/permusi20163502
ARTIGOCIENTÍFICO
Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger
RhythmandMusicinthecontemplationofpoetsandphilosophers:fromHölderlintoRilkeandHeidegger
KathrinRosenfieldUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul,PortoAlegre,RS,[email protected]:Desdeopré‐romantismoalemão,amúsicamantémrelaçõescadavezmaisíntimascomapoesiaealiteratura.Rastreamosaquialgunsdosmodosdeaproximaçãodestas duas formas diversas de expressão artística, mostrando como a literaturaexploraaalteridadedamúsicaparaintensificarasdimensõesafetivasereflexivasdapoesia. Trata‐se de uma tradição poderosa que se estende de românticos comoHölderlineTieckatéRilkeealém,ocupandoumlugardedestaquenopensamentodeSchopenhauer, Nietzsche, Heidegger. As reflexões de Rilke recebem um lugar dedestaquenesteartigo,mediantea traduçãodesuasanotaçõesde leiturado famosoensaiodeNietzsche,Onascimentodatragédiaapartirdoespíritodamúsica.Palavras‐chave:literaturaemúsica;reflexãocríticaefilosófica. Abstract: Since German pre‐romanticism, music has being keeping a closerrelationshipwithpoetryandliterature.Wehavecollectedafewwaysofapproachingthesetwodifferentformsofartexpression,demonstratinghowliteratureexploresthealterityofmusicinordertointensifytheaffectiveandreflexiveemotionsofpoetry.Itdealswithapowerfultraditionthatcomprises ‘romantic’authors fromHölderlintoTiecktoRilke,andplayanimportantroleinthereasoningofSchopenhauer,Nietzscheand Heidegger. Rilke’s reflections have been given special emphasis in this article,whichisshownbymeansofhistranslatedreadingnotesofthefamousessayTheBirthofTragedythroughtheSpiritofMusic.Keywords:literatureandmusic;criticalandphilosophicalreflection.
Dataderecebimento:12/12/2015
Datadeaprovaçãofinal:15/04/2016
ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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1‐Introdução
Nareflexão filosófica sobreamúsicadesenham‐se,entreo finaldoséculoXVIIIeo
iníciodoXX,duas concepçõesqueora seopõem,ora se combinam: amúsica como
princípiocriativoqueconstituiarazãodeserdaarteesuainteligibilidadeintrínseca
(porém diversa do pensamento discursivo); e a musicalidade como força obscura,
potencialmente irracional e pulsional (triebhaft, instintiva). Para compreender o
interesse de artistas como Rilke pelas ideias de Nietzsche, será talvez interessante
rastrear rapidamente as ideias relacionadas com o ritmo, a música e a Stimmung
(tonalidade,atmosfera)quemarcamosdoisúltimosséculos.
Schiller éprovavelmenteumadas fontespara todas as concepçõesposterioresque
derivam da poesia da música. Deriva a inspiração poética de um “estado musical
indeterminado”queprecedequalquerimagem,representaçãoouideia.Amusicalidade
é, assim, amatriz, o envelopequeabriga,numa fusãoperfeita, oEueomundo.Na
musicalidadesuperamosdemodoingênuoaclivagemcósmicaqueisolaoindivíduodo
tododocosmos.Apoesiamoderna,entretanto,tornou‐seconsciente(demais)desta
clivagem; para apagar esta tomadade consciência dolorosamanifesta na “natureza
cósmicadogritodepavor”(istoe,nomomentomıticodeclivagemdoEuedoTodo
natural, Allnatur des Schreckensschreies). Essa consciência dolorosa marca o
surgimento do “sentimental” (que contrasta com o ingênuo) da poesia romantic‐
moderna,quereforçaaexpressividadesentimentaldaperda,ocantolutuoso(BOHRER,
1998,p.141).
Hegelpareceretomaredesdobrarestavisãoquandoconcebeoritmoeo“soar”(Tönen)
sãoconcebidoscomooprópriomovimentodoespírito,comoencarnaçãoconcretada
lógica e da verdade. Na Fenomenologia do Espírito, o filósofo usa uma inusitada
metáfora que se refere à essência da verdade como ritmo delirante, «tontear (ou
delírio)báquico».Emoutraspalavras,Hegelaproximaaverdadelógicadoprocesso
(estético)deintegraçãorítmica,queamitologiaatribuiàpotênciadodeusDionysos
ouBaco:
ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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Aaparição(Erscheinung)éosurgirepassar,o[processo]queelemesmonãosurgeepassa,masqueéemsimesmoeconstituiaefetividadeeomovimentodavidadaverdade.Overdadeiroéassimodelíriobáquiconoqualnenhumelemento‐momentoescapaàembriaguez(Hegel,1970,Ph3,46,Hegel,2002,FE53).
Afrasereiteraaideia,onipresenteemtodaaintrodução,da«naturezalíquida»que
unifica osmomentos distintos e sucessivos. A ‘liquidez’ reconduz o diverso para a
unidade e, assim, constitui a necessidade lógica (atemporal); aomesmo tempo, ela
torna perceptível a unidade orgânica da coisa ela mesma no tempo. Em vários
momentos,Hegelilustraestaideiacomexemplos:obotão,aflor,afrutaeasementese
recalcam e excluem mutuamente ao longo do tempo, embora todas estas fases
constituam,para«avidadotodo»momentosde«igualnecessidade»(HEGEL,1970
Ph 3, 12); outro exemplo é o do embrião, da criança recém‐nascida e do homem
racional como figuras que desenvolvem no tempo/espaço seu potencial, efetuando
assimsuaverdadeintrínsecaeatemporal.(Ph3,18e3,25).Oritmoeamusicalidade
constituem,assim,aessênciadoespírito,otrabalhodanegatividade(movimentopuro)
quemedeiaapassagemdosaspectosenergéticosconcretos,daviolênciacruel,parao
reconhecimentodoespíritoquehabitaaprópriaconcretudedomundo1.
ComoGoethe,Hegelacentuaamediaçãoeaconciliaçãoapaziguadoradoritmoeda
musicalidade, cuja qualidade matemática permite sintetizar as tensões entre
determinações; pendor para des‐sensualizar e espiritualizar a atividade artística; a
música,comsuasanalogiasmatemáticas,presta‐separticularmentebemparaestefim.
Nomesmosentido,Hegelrefere‐setambémàpinturanãorepresentativacomomúsica
objetiva2:“purosoaremcores”(TöneninFarben),puratransição,fusão,dissolver‐se.
1Ritmo é a alteridade do Espírito diante dos conteúdos configurados em conceitos (ou figuraçõesestéticashistóricas).Necessidadelógicadoir‐adiantedoEspírito=concebidacomoritmo:racionaléoritmodotodoorgânico,saberdoconteúdoenquantoconceitoeessência:figuraçãoconcretamovendo‐seasimesma(HEGEL,1970,Ph3,55;FE60);Cf.tambématensãoentreopensamentoquedeslizapelasrepresentaçõesVSoefeitodasíntesereflexivaqueocorrecoma interrupçãodedeslizedestraído,ocontragolpedoconceito(Ph3,57‐58;FE62‐3)2Cf.aexpressãoHegeliana“einTönen inFarben”: “soar [nasinfonia]dascores”nosconfereanoçãotangível da “transição pura” (purer Übergang) que permite apreender ao mesmo tempo as coresdeterminadasedistintaseomodocomosedissolvemnumacorde(verschmelzen,auflösen) (HEGEL,1970.Ae,14,228‐30).
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Schopenhauer insurge‐se contra estas concepções racionais que espiritualizam o
prazerestético.Eledescartaocaráter“desinteressado”dojuízoestéticodeKante,mais
ainda,afilosofiadasmediaçõeshegelianasquelevamdacertezasensível,àconsciência
eàautoconsciência:istoé,aumreconhecimentoreflexivodoindivíduoedomundo.A
ideiadeumsaltológico(numconflitonoqualumsujeitofazsuaaleiesetornalivre),
éparaSchopenhauerumerrodoidealismo.EmOMundocomovontadeerepresentação,
ele concebe a individuação não como umprocesso que garante a liberdade, nem a
autonomiadosujeito.Poisoprincipiumindividuationiséapenasumdosaspectosdo
princípio da razão suficiente. Na individuação, a autoconsciência acompanha os
impulsos corporais e é inseparavelmente tingida por eles; ela não é uma instância
autônoma.Acapacidadedejulgaredeliberarsãoinerentesaosmodosdepercepção3.
Estanovaconcepçãoqueoscilaentreumadimensãomaterialistaeumamística,insere‐
senavisãoschopenhauerianadocorpo.Esteédadoparanósdeduasmaneiras:deum
lado,comoobjetofísico,e,talcomooutrosobjetosmateriaisexternos,sujeitoàsleisda
física;deoutro,atravésdanossapercepçãoimediataquesurgedohabitarconsciente
destecorpo,dosmovimentosintencionais,dasensaçãodeprazeres,doreseestados
emocionais.Noprimeiromodoonossocorpoexisteparanóscomorepresentação–
istoé,externo,comoobjeto.Nosegundoelesemanifestacomovontade,movimento
subjetivo,interno:Schopenhauernãoseparaoatodeliberado(aintençãodemover)
domovimentofísico.Ambossãounidoscomoosdoisladosdeumamoedae,portanto,
sãoinseparáveis.Aaçãodocorpoéaobjetivação,aencarnaçãodavontade.Emoutras
palavras,ohomemnãoémestreracionalquereinasobreocorpo,masaprópriarazão
écomoqueumarolhaqueflutuanosfluxosdeummardeforçasobscuras.
Comotranscenderomundorepletodeviolência,feiura,destruiçãoqueresultadeste
estar‐e‐ser‐impulsionado? Schopenhauer reconhece (na experiência estética) uma
possibilidade de ultrapassar a veemência da vontade que opõe os indivíduos e
3Schopenhauer vincula o principium individuationis com espaço e tempo, com a racionalidade e anecessidade, com sistemacidade e determinismo. Seus conceitos de princípio de razão suficiente eprincípiodeindividuaçãocomprimemtodooaparatoconceitualdeKant:asformaspurasdoespaçoedotempo,easdozecategoriasdoentendimento(unidade,pluralidade,totalidade,realidade,negaçãolimitaçãosubstância,causalidade,reciprocidade,possibilidade,atualidade,necessidade).
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fragmentaomundoemrepresentaçõesisoladasehostis.Aprópriaexperiênciainterior
viabilizaumrecolhimentoàcontemplaçãodomovimentoqueopõeospolossubjetivo
e objetivo, e esta contemplação abre o “espaço” de um estado perceptivo que nos
distanciadoimpulsivoiradianteequedeixaaparecerumaideiaalémdavontadeeda
dor(WWV,#34).Masapenasogênioartísticoécapazdepermanecernoestadopuro
dapercepçãoestéticaqueseaproximadavisãodasIdeiasplatônicas(WWV,#50).
Schopenhauerestabeleceaseguintehierarquiadasartesqueculminanapoesiaena
música:Arquitetura,escultura,pintura,poesia–amúsicatranscendetodasestasartes,
poisnela,todasasformassãotransitórias,purasrelaçõesquenãosedeixamcaptarde
modoisoladoeestático.Estaformadeexpressãoédiametralmenteopostaàlinguagem
científicaquefixaosobjetoseosisolaabstratamentesegundoparâmetrosarbitrários
(medição,número,experimentosartificiais).
Namúsicaavontadetransfigura‐seemtensõesqueunem‐ao‐opor,quemedeiamentre
contrastes,queharmonizammesmoquandousamdissonâncias.Músicaé,portanto,
umacópiapurificadadaprópriavontade.Schopenhauerconcebeaexperiênciaestética
comoharmonizaçãodosofrimentodaindividuação:
Estaencerraemsi,domesmomodo,objetoesujeito,umavezqueestessão sua única forma: nela, contudo, ambosmantêm estritamente oequilíbrio: e como também aqui o objeto nada mais é do que arepresentaçãodosujeito,assimtambémosujeito,dissolvendo‐seporinteironoobjetocontemplado,passaaseresteobjeto,namedidaemquetodaaconsciêncianãoémaisdoqueasua imagemmaisnítida(WWV,#34).
Estecompartilharfusionalseexpressanasimagensdofluir,deslizar,pairar,envolver
eentrelaçar.Amúsicaéamaismetafísicadasartes,naescutadasharmoniasentramos
nomundodasformasplatônicas,contemplamossímbolosdasIdeias,poisasrelações
dossonssãocomoosmodelossublimesdosobjetosdomundo.
Nietzsche segue Schopenhauer na oposição contra o vetor racional do pensamento
hegeliano, sem perceber num primeiro momento quão próximo suas ideias
permanecemdadialéticahegeliana.Eleoreconheceapenasposteriormente,quando
escreveoTentamedeautocríticaparaasegundaediçãodeOnascimentodatragédia
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do espírito da música. Na sua obra de juventude, ele procura pôr em evidência
princípios derivados da observação empírica mais sóbria (e despojada dos
pressupostosmoraisdosempiristasingleses).Osprincípiosdionisíacoeapolíneosão
concebidoscomo“pulsões”(Triebe)elementares.ODionisíacocomopotencialdeforça
solta, comparável ao impacto vital e emocional da música nas suas manifestações
espontâneas,populares.OApolíneocomoforçaantagônica,estabilizaçãodaenergiana
imagem.ÉnítidaaoposiçãodeNietzscheaosestereótiposclassicistasquandopõeem
relevo asmarcas vitais e cruas do sompuro damúsica popular4. Seja como for, o
filósofoassinalaumaespéciededegradédasdissonânciasparoxísticasdogritoritual
nos sacrifícios primitivos (Sacéias de Zagreus na Frígia, por exemplo) para o
refinamento rítmico, melódico e musical depurado do coro dionisíaco: o princípio
dionisíaco, tal como se manifesta no coro trágico é considerado como uma forma
avançada e complexa da arte. O equilíbrio formal é testemunho do trabalho de
harmonização que a pulsão formal e o rigor do apolíneo imprimiram sobre os
derramamentosembriagadosdopulsardionisíaco.
MasjábemantesdeNietzscheeSchopenhauersurgiram,entreospoetasromânticos
alemães, algunspensadoresqueenfatizaramopotencial estético‐afetivodamúsica:
sua capacidade de agir diretamente sobre a sensibilidade e a disposição não é
propriamente irracional; ela antes constitui uma outra dimensão da vivência e da
existênciacomoumtodo;nelasemanifestaapresençadealgoradicalmenteOutro,que
nãopodesersubsumidoaoentendimento,masantesoenvolve.Forma‐seassim,em
pleno idealismo e classicismo deWeimar (com suas preferências pela ponderação
iluminista) uma contracorrente que acompanha como um som inquietante e
ameaçador as teorias damediaçãomusical: o (pré)romantismo nas suas vertentes
atmosféricaeirônicas.
4SeriainteressantedesenvolverhipótesesemtornodaideiaqueNietzschesefaziadamúsicapopular.Poisascomposiçõesdesuaautoriaemnadalembramosfestivaisderecitaçãomusicalpopular,talcomoexistemaindahojeemCretaecujascaracterísticasseencaixamperfeitamentenasobservaçõesteóricasdeNietzsche.
ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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ApalavraStimmung refere‐se, em sentido filosófico, a umpermanecer transfixona
mera possibilidade – encontro com uma dimensão de energias e emoções que nos
ultrapassam, sensações, angústias que correspondem à manifestação de potências
irredutíveis ao domínio psicológico; a Stimmung (atmosfera, tom) é a resposta
imediata a uma alteridade extrema, potencialmente ameaçadora (o vago, outro
anônimo,inominável),masexpõe‐seaele,deslocaocentrodapercepçãodaaçãodo
Eu(falanteepensante)paraoalgoindeterminado(atmosferaoutra).
Para eosromânticos,oritmoeamúsicasituam‐senumadimensãodaexperiência
além dos sentidos conceituais que se desenham com clareza na consciência, num
horizonte no extremo limite da significação calculável – horizonte este, no qual a
“consciênciasuspendeaconsciência”.(HÖLDERLIN,1994,DKV2,917)
JáopensamentodeHölderlinconsideravao“ritmo”,i.e,apeculiaridadedomovimento
da representação, comoumprocedimentooutro e irredutível à lógicadiscursiva.A
lógicapoéticadistingue‐se,assim,da firmezadopensamentoedocálculoracionais.
Inacessível à consciência e ao entendimento, a dimensão rítmica não é, entretanto,
irracional no sentido psicológico do termo; apenas leva em consideração o
imponderáveldasconstelaçõesmuitocomplexascujohorizonteserá,evidentemente,
acontingência,oacasoeotemposempreinconcluso.ORomantismocolocouoritmoe
amúsicanocentrodareflexãoestética.Amúsicacorrespondeaopensamentocomo
formapeculiardaconsciência(elanegaopensamentodemodopeculiar).
UmdospoemasdeTieckevocao“pensamento”suigenerisdamúsicaedapoesia:Em
docessonspensaoamor/Razãolhecausaestranheza/Otompreferecomcerteza/
Para o belo ficar melhor. 5Em outras palavras, a musicalidade produz, tal como a
fantasia romântica, o “maravilhoso extremo”, o “infinito” (Hoffmann), e, com isto, a
exploração de regiões particularmente suscetíveis de suscitar angústia e medo
(Beethoven,Mozart),evocandoaomesmotempoumadimensãoradicalmenteoutra–
5LiebedenktinsussenTonen/DennGedankenstehnzufern/NurinTonenmagsiegren/Alleswassiewillverschonern(Tieck).
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que se manifesta ora de modo angelical, ora no registro demoníaco (motivo que
aparecetambémnanoveladeKleist,SantaCeciliaouopoderdamusica).
K.H.Bohrerrecordaqueoapegomusicaldospoetasromânticosaosprincípiosdosom
edoritmolevaraThomasMannaformularaseguinteequação:amúsicaseigualaao
romantismocomoumtodo–romantismoentendidocomoaquelemovimento(tardio)
de Beethoven a Wagner que começa a desenhar‐se como ameaça para o humano
normativo(BOHRER,1998,p.37‐38).Sehouverumaobraquesintetizademaneira
exemplar o intenso diálogo dos pensadores e poetas alemães com a (filosofia da)
música,estaobraé,semdúvida,DoutorFaustusdeThomasMann.Escritoentre1943
e47, este romance alegorizaos efeitos ultimamentenocivosdeuma tensãoque se
perfila desde o início do século XIX – a que opõe a fluidez dos estados sensíveis
(musicaiserítmicos)àfirmezadosconceitosejuízos.Hádoispersonagensdecaráter
diametralmenteoposto:AdrianLeverkühn,omúsicoquepactuacomMefistófelespara
assegurar‐se25anosdegenialidadeexpressiva;eSerenusZeitblom,oamigo‐cronista
pacato que narra a história do gênio comprometido com o mal como derradeira
tentativa de criar uma mediação entre o inominável dos estados maravilhosos e
angustiantes,deumlado,earacionalidadehumanista,dooutro.Odesejosedentode
maiscriatividadeevida(sobrehumanaesubumana)representamnãosomenteolado
noturnoe irracionaldo fascismoquepôsemxequearazão iluminista,masevocam
tambémasprincipaisposturasartísticasquesedesenharamaolongodoséculoXIXe
noséculoXX.EntreBeethoveneWagnercomeçaocultodapotênciaexpressiva,cujo
daimonencarnaodesejodoinfinito,absoluto,maravilhoso.
Este outromodo de ser, sentir e pensar – acessível somente através da atmosfera,
coloração e tonalidade (Stimmung) – exerce uma influência decisiva também sobre
DelacroixeBaudelaire,e,maistarde,sobreasvanguardasdomodernismo.
Nãoé amúsica como tal,masa ritmicidadee amusicalidadedapoesia ‐ ou seja, a
essência lírica – que fornece a base da reflexão filosófica sobre as relações de
determinadasqualidades atmosféricas comopensamento conceitual. Pelaprimeira
ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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vez, concede‐se umestatuto filosófico próprio aos sons, tons, timbres e ritmosque
coloramosafetossemserempsicológicos.
NoséculoXX,estaqualidadeatmosféricasetransformará,naobradeHeidegger,na
categoria ontológica da disposição. Heidegger eleva a Gestimmtheit (disposição,
afinação)aoníveldeumacategoriaetransformaaessênciado lirismo,aStimmung
românticaemcategoriaexistencial.Elaexpressaummodoespecíficodatemporalidade
do pavor (HEIDEGGER, Ser e Tempo, 2001, p.134‐141, 182), dimensão existencial
supra‐pessoal que antecede a consciência e permanece clivada da tomada de
consciênciapsicológica(BORHER,2000,p.55)6.
Heideggerapoiaseusconceitosnasconstelaçõesmetafóricas“auráticas”dedoispoetas
(Hölderlin e Rilke) que estruturam a reflexão heideggeriana em conformidade às
potencialidadesexpressivasdafalalírica:
O estar contido, no meio‐termo atmosférico entre medo eacanhamento,otraçofundamentaldaatmosferafundamental:nele,oser‐aíseafinacomaquietudedoderradeirodeusquepassa.Aosercriativonestaatmosferafundamentaldoser‐aí,ohomemsetornaoguardiãodestaquietude.(HEIDEGGER,1994,Bd.65,S.17).
2‐Rilkeeoespíritonietzscheanodamúsica:
“Amelodiacomoluzdapoesia”
Na juventudedeRilke, descoberta e o estudodaobradeNietzschemarcaramuma
etapadecisivanocaminhodestepoetalíricoqueé,semdúvida,umdosguardiõesmais
destacadosdaquietude.Nasuaobra, temosacessoaumaevidênciamusicalqueos
6Cf.Tb.SprachenderIronie,SprachendesErnstes,“DieHeideggerscheReduktionundVereinheitlichungvonHölderlinsSprache”,p.375ss.
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jogosdelinguagemespeculativosdeHeideggerconjuram,sem,noentantoalcançara
intensidadeexpressivadomodopoético.
Rilkenasceuem1875,umpoucocedodemaisparaserumjovemmodernista.Além
disto,nasceuemPraga,numcontextofamiliar,socialegeográficoburguêsresistenteà
inovaçãoedoqualelesedistancioucedo.Ébemconhecidoquesuapoesiasuscitou
algumasresistênciasentremodernistasavessosaanjoseourivesariaspoéticas,mas
mesmo assim seusDinggedichte exercem ainda hoje um impactomarcante sobre a
poesiaalemã,e,noBrasil,sobreosconcretistas.OcuidadoespecialqueRilkededicaà
forma e à superfície concretas das coisasmanifesta‐se, primeiro, na reflexão sobre
músicaefilosofia,estende‐sedepoisparaaesculturaepintura,erecebeseupolimento
definitivo graças às experiências pessoais de fracasso e sofrimento. Seus primeiros
textos críticos já mostram afinidades com Nietzsche, por exemplo, quando aborda
temas como “A melodia das coisas”. Mais tarde, Rilke se inspira na profunda e
prolongadacontemplaçãodeartistasplásticos–emparticularemRodineCézanne.A
dedicaçãoaotrabalhoseráparaRilkeagrandeliçãodeRodinnocaminhoquelevadas
convençõescotidianasdevoltaparaaconcretude“coisal”,istoé,àpresençatangível
dascoisasnasuaestranhasingularidadematerial.Veremostambémnostextossobre
Nietzschequeaforçaeaintensidade–nãoarepresentaçãodetemasemotivos–estão
nocentrodointeressedopoeta.Nietzscheelogiouasuperficialidadedospoetasgregos
comocaminhomaisdiretoparaumaprofundidadequesuperaametafísicapomposa
dospensadorescontemporâneos;demodoanálogo,Rilkeéatraídopelacapacidade‐
singelaeplana–doolhardeCézanne,cujasvisõesdissolvemostemaseastécnicas
convencionais.Comeleaprendeaverdenovo–osimplesestar‐aídascoisascaptadas
num jogode cores.O seroutrodas coisas‐cores–materiais‐e‐imateriais–exerceo
efeitodeumarevelaçãominimalistasobreoolharàprocuradesentido.Nuncafixaro
sentidoapenas,sempreretornaraocaminhodesuaevocação–aoritmoeamelodia
trazendoàtonaarevelaçãodasimplescoisidade:eisaexperiênciadeterminantepara
apoéticadeRilke.Háosmaisdiversosnomesparaestamúsicadefundo–entreeles
“oexcedentedeDeus”, istoé,a forçacriadoraqueaindanãose fixouemcriaçõese
fenômenos conhecidos. O paradoxo de forças que atravessam e ultrapassam a
concretude dos objetos dados, seu potencial assustador e eufórico, fascina Rilke
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tambémnaleituradaobradeNietzsche,emparticulardeONascimentodatragédia,
anotadoporeleem1900,aos25anos.
EstasanotaçõesmarginaissãofragmentosdelivreassociaçãodoleitorRilkeemtorno
do ensaio de juventude deNietzsche.Mais pessoal que um resumo ou uma leitura
comentada,elasfazempartedeumasériedetextosquetestemunhamdoimpactoque
Nietzsche deixou na sensibilidade e no pensamento do poeta quando jovem. O
interessepelanovafilosofiapós‐hegelianafoidespertadocedo.Em1892,Rilke,então
com17anos,recebeudopaiaediçãodasobrasdeSchopenhauer,oqueindicaqueeste
autorjácontavaentreospensadoresaceitáveisatéparaasensibilidadedaburguesia.
Estas leituras,semdúvida,prepararamocaminhoparaarecepçãomaravilhadadas
obras deNietzsche. Sentimos nos textos desta época umnítido entusiasmo com as
posturas anticristãs do filósofo e afinidades ainda mais intensas com a veemência
nietzscheana contra o espírito filisteu da sociabilidade burguesa. Estas simpatias
juvenis levam Rilke a compor, no início de 1896, um pequeno conto intitulado O
Apóstolo7,testemunhodasleiturasprecocese“mal‐digeridas”deDarwineNietzsche”
(LEPPMANNapudKA,III,809).Ocontoexpõeaaversãoaosentimentalismoqueos
hábitos convencionais teceram ao redor do amor cristão.O personagem sombrio e
misteriosodocontoproclamaumcredoaodes‐amorerecusaas fáceismentirasda
misericórdiaqueasociedadeusacomoornamentosediversões,juntocomorestodo
aparatodistinto:seuschás,pratasejoias,ricostecidosdedamascoeiguarias.
Asátiraé,naspalavrasdopróprioautor,uma“profissãodefé[nietzscheana]emparte
profundamenteséria,empartesatírica”(KA,III,809)e,também,umaversãoprecoce
daconcepçãoexigentedoamorqueRilkeelaboraráaolongodadécadaseguinte,por
exemplo,nosdoispoemasaDonJuan(1907e1908).
Uma resenha da época aponta que neste conto “[...] as doutrinas deNietzsche são
demonstradas com nitidez gritante, e servidas em pratos cheios. É obrigatório ler
7RedigidoemPraga1896(KAIII,47‐52).
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aquilo para sentirmos a confusão do Übermensch nietzscheano”. 8 O próprio Rilke
reconheceumaistardequeváriasdesuasobrasprecocesadotaramdeNietzscheum
“espíritoanti‐cristãoexcessivamenteirado”(einebeinahrabiateAntichristlichkeit)9;
assim,comoporexemplo,nospoemasGlaubensbekenntnis(profissãode fé),Christus
amKreuz(Cristonacruz),Christus‐Visionen(VisõesdeCristo)ouDerBriefdesjungen
Arbeiters(Cartadeumjovemoperário)10.
Em comparação com estas obras precoces, as anotações sobre O Nascimento da
Tragédia, que aqui apresentamos em tradução comentada, são mais maduras e
refletidas. Elas permitem entrever as convicções pessoais mais profundas e
duradourasdopoeta.OimpulsoparaumestudosistemáticodaobradeNietzscheveio
deLouAndreas‐Salome,amigapessoaldofilósofoqueredigiuváriosensaiossobresua
obra. Ela desempenhou o papel de uma verdadeira mentora e tutora para Rilke,
introduzindo‐onaculturadeseupaísdeorigem,aRússiaeviabilizandooacessodo
jovempoetaacírculospsicanalíticosefilosóficosdaépoca.Abreverelaçãoamorosae
o subsequente afastamento de Lou transformou‐se numa produtiva “educação
sentimental”que fortaleceuavocaçãodeRilkepelapoesiavoltadaparaestadosde
aberturaevisãoquemetamorfoseiamoestadoamoroso.
Oquecontanavisãoreveladoraéaestranhaconcretudedaevanescência,acoisaque
sesubtraicomoobjeto,queédeummodoqueosnomeseasrepresentaçõescaptam
inadequadamente.Éestaposturaqueconferesuaauratragicamenteangelicalàobra
deRilke:amúsicadopermanentedevir‐no‐desvanecermanifesta‐secomparticular
nitideznaobratardia(ElegiasdeDuíno),nasquaissedesvelamasafinidadesrilkeanas
com a poética de Hölderlin, cujas ideias sobre ritmo e lógica poética antecipam o
“espíritodamúsica”deNietzscheeo“ritmodefundo”deRilke.
***
8 Cf. os trechos da resenha de Leppmann (in: Musen, Heft 6, maio‐junho 1896), reproduzidos nocomentáriodaediçãocrítica(KA,III,809).9TrechodacartaaMarieVonThurnundTaxis,17dezembro,1912,(KA,III,809).10Nenhumdestespoemasfoitraduzidoparaoportuguês.
ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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NoBrasil,olirismotrágicodeRilketeveenormeimpactosobreGuimarãesRosa,cuja
procura de Sachlichkeit concreta e de elevação elegíaca ou “hímnica” (de hino,
ditirambo) manifesta‐se na estrutura rítmica e musical de Grande Sertão: Veredas.
EmboraapoesiadeRilkepossapareceralheiaàsrudespolémicasdeNietzscheouas
travessias rosianas, os três autores compartilham a mesma dedicação poética à
essênciatrágicaeà“matériavertente”.Masadescobertadestaafinidadedo“Mestre
seráfico” comos poetas‐pensadores trágicos requer uma leituramais aprofundada.
Assim,nãoédesesurpreenderqueapoesiadeRilkejáfoiassociadacom“bijusdeum
níquel”. Ninguémmenos que Décio Pignatari, naBufoneriaBrasiliensis 1 –OPoeta
Virgem, pronunciou este veredicto. Tampouco é difícil compreender porque
modernistas e concretistas mais sóbrios repudiaram os afãs erótico‐marciais do
Corneto eascelebraçõesórficasdosSonetosaOrfeu.Masesterepúdio talvezesteja
maisumrechaçodaenfáticarecepçãobrasileiradosanos1940e50,queparticipoudo
“misticismodefachada”doqualPauldeMandistanciouopoetanasuaintroduçãoàs
obrasdeRilkenaFrança(MAN,1972).Logoemseguida,entretanto,osconcretistas
superamsuaaversãoda“intensavogaderilkeanismo”(CAMPOS,2001;SARAIVA,1984)
eodesdémdepoetascomoNeruda(queesnobou“rilkistas,misterizantes,falsosbrujos
existenciales”noseuCantoGeneral,V,LosPoetasCelestes,1950).HaroldoeAugustode
Campos11simplesmentedeixaramdeladoocultomessiânicoquealgunsprestarama
Rilke e debruçaram‐se sobre o que importa – a atualidade dosNovosPoemas, dos
poemas‐coisa(Dinggedichte)easElegiasdeDuíno.
3‐Rilke:umdosmestresda“vidatrágicaesuspensa”
EmboraRilketenhapercorridotodasasfasestípicasdofindesciècle,elenãopodeser
identificadocomnenhumadelas–nemcomocredonaturalista,darwinianoeateu,com
seusbonssentimentospelopovo(daseinfacheVolk),portrabalhadoreseprostitutas;
nem como esteticismodecadentista com seuspendores por umvagomisticismo e
11Ver:CAMPOS,H.PoesiadeVanguardaAlemãeBrasileira,In:Aartenohorizontedoprovável,SãoPaulo,Perspectiva,1969.
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doutrinas esotéricas, cujos livros de cabeceira eram Schopenhauer, Wilde ou
D’Annunzio; e tampouco com o vigor nietzscheano do Zarathustra, nem com a fé
panteístadosqueconfiamnanatureza,natranscendênciadosmovimentoscósmicose
naexpressãocorporaldeartistascomoIsadoraDuncan.
Afinadocomotrágicoverterdascoisas,comafluidezdasconfiguraçõesmomentâneas
detodosossentimentos,reflexõeseatos,Rilkesedestacapelaposiçãoaquémealém
dos movimentos do seu tempo. O fascínio juvenil pelo ateísmo quase religioso de
Nietzsche, a delicadeza refinada de sua violência e a sutileza criteriosa (quase
coreográfica)deseuiconoclasmocertamenteconsolidousuadedicaçãoaotrabalhode
dissolverasimagensemnovasconstelaçõesmelódicaserítmicas.
AsanotaçõessãoumestudointuitivoeassociativodotextodeNietzschequeprocura
fortalecerapoéticadojovempoeta,nãoumapublicação.RilkeusavaaediçãoFriedrich
Nietzsche,DieGeburtderTragögie.Oder:GriechenthumundPessimismus.NeueAusgabe
mit dem Versucheiner Selbstkritik. Leipzig, Verlag von E. W. Fritzsch, 1889. O
manuscritoencontrava‐seentreospapeisdeLouAndreas‐Salomé,queestimulouo
interessedeRilkeemNietzscheeFreud.
4‐Pequenoparêntesis:ainfluênciadeSchopenhauer
easuperaçãodosofrimentoedasolidão
As leituras de Schopenhauer e de Nietzsche fazem, portanto, parte do cerne do
desenvolvimentopoéticoeexistencialdeRilke.AolerSchopenhauerem1892(aobra
completafoipresentedopai),elesedebatecomoconflitoseminaldesuavidaedesua
futurapoética–astensõesquenãosomenteseparam,masunemdoreprazer,aartee
a vida. A arte é para Rilke harmonia paralela à natureza, pois as próprias coisas
determinamasordensestéticascomoimagenspurasdasrelaçõesentreasforçasda
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vida.ÉdestaconcepçãoquedecorremtambémasreservasdeRilkecomrelaçãoao
expressionismo,quandoestecelebraacapacidadecriativadeumsujeitoquesecoloca
acima da relação com os objetos. A familiaridade com Schopenhauer e Nietzsche
permitirão compreender melhor a relação de Rilke com as “coisas” enquanto
mediadores das relações puras – visão de umUr‐Phänomen– isto é, da ideia vista
atravéseparaalémdavontadeedador(WWWV,#34).
Há,porém,umaspectodafilosofiaschopenhauerianaqueRilkerejeitadeimediato:a
ideiadequeaconciliaçãodefinitivadosofrimentopossaocorrersomentenodomínio
da moral, através da renúncia. Seguindo Nietzsche, ele se revolta contra a ideia
schopenhaueriana da grande arte como renúncia ao feixe de pulsões difusas que
impulsionama“vontade”.Artenãoé,paraele,superaçãodavontadenemdavida,mas
retraçãonumespaçoquefavoreceasforçascriativasdavidaeabreumnovoacessoàs
coisas concretas: é uma solidãono cernedavida concretaqueprotegeo artistada
dispersãoameaçadora;poisvivernomundoimplicanumaperdadasforçasartísticas
enaacomodaçãonasconvenções.Afamiliaridadeexcessivadispersaaforçarítmica,
fixaamelodiacomotemacompreensível,ordenaeclassificamotivos,domesticandoo
quehádeameaçadoreestranhosnelesemvezdedissolverastensões.
***
Certostemaseideias“nietzscheanos”afloramjánas“Anotaçõessobreamelodiadas
coisas” (cf. Anexo, no final deste texto). Comparando a pintura dos “primitivos”
italianos(figurasdesantoscujascabeçasaparecemisoladasporauréolasdouradas)
com os mestres do chiaroscuro, Rilke destaca os efeitos poéticos “musicais” da
combinaçãododesenhocomastonalidadesdacor,desombraeluz.ÉcomoseRilke
falasse,comoutrostermosepalavras,datensãoentreoprincípioapolíneo(clareza
nítida, compreensível e definida) e o dionisíaco (o fluido epifânico do ritmo e da
melodiaparaalémdasnotas),deforçasqueestãoatrásdascoisasrepresentadas,as
atravessam e envolvem. Estas forças – musicais, rítmicas ou dionisíacas, como
Nietzsche os chamará – representam o princípio de unificação e de vitalidade que
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reanima o que foi violentamente separado e isolado. Nas “Marginália” podemos
destacarosseguintestópicoscomonúcleosdaleiturarilkeanadeNietzsche:
música como energia cósmica precisa ser contida nas “vasilhas” do canto
popular;
amúsicaentendidacomo“granderitmodefundo”éo“livreexcedentedeDeus”,
istoé,umaforçaaindanãoligadaquesobroudacriação;
ritmoemúsicaconstituemopotencialcriativo;
músicacomopotênciaunificadoraepromessacomunitária;
músicacomoforçaàesperadaimagem;
música como potência fusional é promessa de liberação das formas e
convençõespetrificadas;
amelodiatransfiguraetornadispensáveloenredo(históriaracional);
amúsicacomoforçaoriginárianãopodeserinstrumentalizadacomodecoração;
oespíritodamúsicacomoalmadaintegridade(social,políticaepessoal)grega;
músicaéfluxoilimitado;
acriaçãoartística(canto,imagem,drama,escultura)sãoesforçosdecaptaro
excessomusical.
5‐Anexo1‐RainerMariaRilke:“Marginaliaemtornode
FriedrichNietzsche:‘ONascimentodaTragédia’,1900”12
Doseuinterior,amelodiadáàluzapoesia,eistosempredenovo;aformaestróficada
cançãopopularnosdizisto,enadamais:observeiestefenômenosemprecomespanto,
atéfinalmenteencontrarapresenteexplicação.
12TraduçãodeKathrinRosenfield.
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Asestrofesdacançãopopular13podemsercomparadascomvasilhasrecebendoaágua
deumafontequejorraclara.Ricaerápidaelaencheasprimeirasvasilhasfestivasque
lheforampreparadas.Maselasnãoestancamseujorro.Eopovoterminaportrazer
todasasvasilhasdeseuusocotidianoedeixaaáguaenchê‐lasatéficarempesadas.E
ascriançasestendemasmãosemconchas.
Amúsica(ogranderitmodefundo)deveria,portanto,sercompreendidacomo:aforça
intataquefluilivreequenosinspiracertopavorquandopercebemosqueelanãoentra
nas nossas obras para vir a conhecer‐se no fenômeno,mas que paira por cima de
nossas cabeças, despreocupada e alheia, como se nós não existíssemos. Como não
somoscapazes,porém,desuportaraforçaintata(i.e.opróprioDeus),estabelecemos
relaçõescom imagens,destinose figurasecolocamosnoseucaminhosempremais
coisasqueacomparamcomalgo14,poiselamesmapassa,orgulhosacomoumvitorioso,
aolargodetodososfenômenos.
AinfinitaliberdadedeDeusfoilimitadapelacriação.Comcadacoisaumpedaçodesua
forçaficouvinculado.Masnãoésuavontadetodaqueseencontravinculadanacriação.
Amúsica(ritmo)éolivreexcedentedeDeus,quenãoseesgotouaindanosfenômenos,
eesteritmoéodesafiodosartistasquandosentemaurgênciaindistinta,aposteriori,
13RilkereageàideiainovadoradeNietzschequerealçouovigordoselementospopularesnatragédia.NoentenderdeNietzsche,asformaspetrificadasdapoesiaeruditatornam‐seflexíveisaoabrir‐seàsformasdeexpressãoespontâneaseemocionalmentecarregadas.Éaatmosferaou,comodizRilke,atelade fundo rítmica que dá acesso ao que há de sofrido, cruel, grotesco na experiência (heroica). Esta“música” da vidaque se expressapara alémdo conhecidoda forma clássica eda elegância artísticaformalmenteacabada.AtragédiaclássicanãoéparaNietzsche,ofimdeumprocessoderefinamentolinear, mas uma criação oriunda de uma ruptura com convenções cristalizadas, que abre espaço àirrupção de elementos heterogêneos da cultura popular (mitos arcaicos e cortejos rituais com suaritmicidadeegestualidadepróprias).UmaafinidadenaturalcomasideiasdeNietzschejásemostranofato que as primeiras obras de Rilke, por exemplo,Larenopfer (Sacrifícios aos deuses do lar, 1895)partemdascançõespopularestchecas.Umdospoemasmaisprecoces,Volksweise,evocaaemoçãoeaintensidadedaalmanascançõesdopovodaBoémia.14Aconcepçãovitalísticadamúsica(comoforça,ritmo,movimentoelementar)quesimultaneamentesustentaeameaçaaexistênciadoindivíduoedasociedadecarregaoecodosterroresdainfânciadopoeta (muito semelhantes ao personagem Marcel de Proust). Para ambos, escrever é uma forma(existencialeterapêutica)defazerfaceàmemóriainvoluntárianaqualseentretecemreminiscênciaspavorosas e maravilhosas. Criar imagens é dar forma e manter em limites suportáveis este fundoinquietante.Aincapacidadedeabrangerapletoradaforçacriativa(musicalerítmica)éumdosmotivosdefundodoStundenbuch(LivrodasHoras),cujaprimeirapartesurgiuem1899.Ovolumeseapresentacomo um constante jorro de imagens – verdadeira maré que a criatividade precisa estancar comincessantesperífrases,comparações.
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decompletaromundonaquelesentidoqueestaforçacriariaaoprolongarsuacriação
–eestacriaçãoerigiriaimagensderealidadesqueaindaaguardamairrupção.15
O Coro: para compreender corretamente a significação do sonho é necessário que
vejamososonhador.Nossaparticipaçãoseintensificaquandonãoéumserhumano,
um ente apenas, mas vários que se sentem ritmicamente movidos pelo
compartilhamento de seu sonho; eles então ocasionamaqueles fenômenos que são
representadoscomoocorrendoforadeseussentidos,comoaçãonumpalco,talqualse
desenrolam no interior [dos sonhadores] . Estes sonhadores são aomesmo tempo
capazesdenoslivrardomedoedosconstrangimentosdaação,poiselespermanecem
sempreiguaisasimesmos.Paracompartilhar,noentanto,seuserintocável,oqualnão
deve ser triturado pela crueldade de seus sonhos, é necessário que eles sejam
parecidosconosco,fraternos,nãonascoisascontingentes,masnoquetocaostraços
permanentesdenossoser.Nósnossalvamosdojogomovimentadodopalcotomando
refúgionoscírculoscalmosdesuadança,esuasegurançaeproximidadenosdevolvem
aaptidãodenosalegrarmoscomopavorosoenquantoalgopassageiro;desejamosaté
mesmoacatástrofe,paramirarmos,atravésdaqueda,oeternoqueanimaocoro.
Tal como a cultura grega se desenvolveu através do olho, a nossa amadurece pelo
sentimento.Ondeelescriaram,comodrama,umportoseguroeumrefúgioparaoolho,
nós temosque auxiliar o sentimento. Se a tragédia ática exigiaumcorovisível, nós
temosquetentardeconstruirodramamodernoapartirdeumcorosensível16,evê‐lo
atravésdeste.
15Cf.ImGespräch1898/9“Artesignifica,nãosaberqueomundojáestáaíefazerumnovomundo[...]Nuncaacabar.Nuncaterumsétimodia.Nuncaverquetudoébom[...]Eisminharazãocontraele(i.éDeus)[...]Poiselenãofoiartista,eistoétãotriste[...],deveríamosrecomeçarnolugarondeDeusparou[...].Navidaistosignifica,comohomem.”(KA,IV,838)16Cf.“SobreaMelodiadascoisas”,umconjuntodeanotaçõesnasquaisRilkefixasuasideiassobreofundoinacessíveldavida,domundoedascoisas.Atarefadoartistaéprecisamenteestaaberturaquepermiteo confronto com a “tela de fundo rítmica” (rythmischerHintergrund). Na leitura doNascimento daTragédia, Rilke associa sua ideia do “fundo rítimico” com a dança rítmica e musical “do coro daantiguidadequeabsorveuasabedoriamaissábia(dasweisereWissen)”.Estasabedoriacriatural,arcaica,imemorial–queNietzscheatribuíaaovelhoSileno–estávoltadapara“aquiloqueune”oshomens“nascoisasàtrásdeles”(KA,IV,103‐113),emoposiçãoaovalorsemânticoouintelectualqueconferedomíniosobreomundo.
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Odeleitedoestadodionisíacocomsuaaniquilaçãodasfronteirascomunsdaexistência
contém,enquantodura,umelemento letárgiconoqualmergulhatudoquefoivivido
pessoalmentenopassado.Assimháumabismodoesquecimentoqueseparaomundo
cotidianododionisíaco.
A vida dionisíaca é um viver‐em‐tudo17ilimitado, e em comparação a ela as coisas
cotidianassãocomoumamascaradaridícula.Masaartemedeiaaexperiênciadeque
estamascaradaéaúnicapossibilidadedeentrar,oraevez,nestasconexõesimensas
queseestendemparaalémdemomentosemetamorfoses.
Umpúblicodeespectadorestalcomonósoconhecemoseraimpensávelparaosgregos:
nosseusteatroscadaum[...]eracapazdeveredominarouniversoculturalcompleto
aoseuredore,nestavisãosaciada,podiaidentificar‐secomosmembrosdocoro;[o
espectador]sentiaqueera,elemesmo,umdeles.
Comonãoépossívelcolocardiantedeumgrupodesereshumanosumarealidadeque
cadaumpossasentirecompreenderdomesmomodo,éprecisointerporentreopúblico
eacenaumolhocujoolhartranquilopercebeaaçãoacadamomentocomocorretae
verdadeira18.Eopúblicoprecisacorrigirsuacompreensãoapartirdesteolhoetornar‐
se,graçasaele,umsócorpoimenso,quetomaumaposiçãouniformecomrelaçãoaos
acontecimentosnopalco.
17Cf. as ideias análogas a este desejode viver‐em‐tudo, que encontramos quase um século antes naidentificaçãodeHölderlincomseupersonagemtrágicoEmpédocles:“Empédocles,[...]inimigomortaldetodaexistênciaunilaterale,poristo,insatisfeitotambémquandoviveemcircunstânciasrealmentebelas, [e um ser] inconstante, sofrido, simplesmente porque não suporta o que há de específico edeterminadonascircunstânciaserelações;apenasoquefoisentidonumgrandeeamploacordocomtodososviventespodepreenchê‐loplenamente;elesofresimplesmenteporquenãoconseguevivereamarcomelescomumcoraçãoonipresenteeintensocomoumdeus,elivreeespraiadocomoumdeus,simplesmenteporqueeleestá,assimqueseucoraçãoeseupensamentoapreendemascoisasexistentes,acorrentadoàleidasucessão”(DKV,2,421).18Amúsicaeadançadocorosãoumaherançadoscortejosdionisíacosrituaisarcaicos.Natragédiaamúsicaasseguraaparticipação imediatadoespectador,queestápresenteemcorpo‐e‐alma.Elanãoapenascontagia,masdáacessotambémaoprocessopoéticoocorrendoentreaslinhasdotexto,atrásdaspalavrasenofundorítmicodascoisas.EstasideiastêmgrandeafinidadecomaideiadeHölderlinàpropósitodaafinidadeentre‘lógicapoética’eoritmo:oequilíbriorítmicodaapresentaçãodapeçacomoumtodosuspendeovalorconvencional(semantismoestático)dasrepresentaçõessucessivas.(DKV,2,p.849)
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Ocorodesátirosé,numprimeiromomento,umavisãodamassadionisíaca,talcomo
porsuavezomundodopalcoéumavisãodestecorodesátiros:aforçadestavisãotem
o poder de nos tornar insensíveis às impressões da ‘realidade’, tornando‐nos
indiferentesparacomoolhardoshomenscultivadosqueocupamosgradientesdo
anfiteatro.
Nocoro,oespectadorreconhece‐seasimesmo,liberadodetudoquelheécontingente
e temporal(seinemZufälligenundZeitlichen),desuacultura,eelecompreende,por
estedesvio, a visãodaquele coroque se apresentana ação, ele a compreende e ao
mesmotemposuperaseupeso.
Agoraocoroditirâmbicorecebeatarefadeestimularadisposiçãodosespectadores
atéaquelegraudodionisíacoquelhespermitever,quandooheróitrágicoentraem
cena, não mais a máscara deformada do ser humano, mas uma visão encarnada
(Visionsgestalt)nascida,porassimdizer,deseupróprioencantamento.
Não seriam as danças e canções dos povos selvagens ditirambos congelados neste
ponto de vista preparatório, [ditirambos] que não conseguiram chegar ao
amadurecimentonodrama?
Omagnífico ‘saber fazer’ dograndegênio, oqualnão recebe suapaganemmesmo
atravésdosofrimentoeterno,oorgulhoamargodoartista–eisoconteúdoeaalmada
poesia de Ésquilo, enquanto Sófocles com seu Édipo entoou o prelúdio do canto
vitoriosodosanto.
Oatocriadordoartistatemalgoequivalentesomentenoocasosofridodonão‐artista:
ambosocasionamumaviolência imensanos seresmelancólicos (schwersinnig). Por
sobre o túmulo de um santo, despertam homens novos em número igual aos que
acordamsobreaobraimortaldeumartistacriativo(einSchaffender).
Éprecisocolocarnopalcoaquelaaçãoquepermitaestimularnosentimentodecada
indivíduoumaexperiênciaviávelequeajacomapotênciaviolentadeumaimensamão,
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arrastandoeunindoamassadosespectadores19.Oeventoestimuladordeveocorrer
deformaindependentedostatusdasfigurasrepresentadas,doseumeioedotempoda
ação,numsegundopalcoideal,queseapresentacomoocenáriodaquelereencontro
celebrado pelas almas liberadas dos espectadores que criaram afinidades nesta
intensificação.Aaçãodeveocuparosegundolugarquelhecabetambémnodrama(de
modoanálogoaoqueacontecenapintura),dandolugaraumacontecimentorealmente
artístico.Opalconãodevetornar‐semaisreal,próximadaverdade,masprecisater
maisafinidadescomaaparênciaeabeleza.Algocomumaoshomens(nãoaoshomens
deumaclasse,deumtempo,deumamoral),masaoshomenscomotais,precisasurgir
por detrás da ação, como se fosse uma lembrança que une e que convoca todos a
lembrarem‐seearefletiremsobreainfânciaquetêmemcomum;énesteponto,nãono
âmbitodocenárioedoenredorelativamentecontingentes,quedeveaconteceroque
importaeoqueredime.Nãoojogo,masamelodiadojogo20deveseraforçasintética
unificadora(dasZusammenfassende),poiscadaumseencontraráemacontecimentos
eexperiênciasqueseguiramoritmojustamentedestamelodia,(paraaqualapeçaé
somenteumaentremilinterpretações).(OrenascimentodeDionisos.[Nietzsche,cap.
8])
Depois do crepúsculo no qual findou a noite titanesca sempre pronta para a luta,
levantou‐seamanhãdeHomero,quedeulimitesdivinasàscoisas.Eseusolestendeu
sua alegria sublime sobre o rosto das coisas.Mas toda esta ordemparecia ter sido
criadacomoumabelapaisagemparaatempestadedionisíacapoderpassar.
Édesepensarquearapidezcolossalcomqueseproduzemosprogressosinteriores
emSócrates, tornouultrapassadas todas as possibilidades dopensamento, também
aquelasquepoderiamtersurgidodeseuinconsciente;assim,oinstintoempobrecido
19Segundooeditordaediçãocomentada(KA,IV,839),RilkeprojetaaquiumasnasoutrasasidéiasdeMaeterlinckedeNietzsche.NumacartaàatrizElseVonhoff,do10dedezembrode1901(KA,IV,190‐9),eleescreve:“Maeterlinck[...]procuralocalizar[comofundamento]algumsentimentoelementar[...]algosimples,próximodeumaxiomaequeseadéqüeàdimensãodacançãopopular,suasnostalgiasemedos,suacrença...eleprocuraumadasgrandesatmosferasdefundosobreasquaisrepousariam,comoqueempilares,osmúltiploseconfusoscorredoresdolabirintodasemoçõeshumanas(Empfindungen)”(193).20Cf.Anotaçõesparaamelodiadascoisas,emparticularaintrodução(KA,IV,103‐113)
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ficoudemãosvaziasepodedefender‐seapenasaodarsinaisdealertaeimpedimento.
Nãoseriaoinconscientesemprecondenadoaestepapelquandosetratadecabeças
logicamentemuito ativas e talentosas? Somentena prisão (que acontece depois da
eliminaçãodesuapersonalidadedasposiçõesdeliderançanavidapública),quandoa
força lógica ficou ociosa, este instintomanifestou‐se timidamente, ressoando como
umanostalgianosilêncioqueprecedeuamorte.Suaalmaansiavapormúsica.Eos
lábiosressequidosnoventodoverbobeberamintuiçõesnocálicedossons.E,talvez,
nãoforadascoisaspassadasqueeletirouaforçaparamorrer,talveznãoforadesua
obra,masjustodaquelanovapromessa;assimelefoiparaamortecomosefossepara
odiaseguinte,sentindoqueesteseriaodiadamúsica21.
Acreditamosna‘vidaeterna’,eisoqueexclamaatragédia;enquantoamúsicaéaideia
imediatadestavida.Étotalmentediversooalvonaartedoescultor:aquiApolosupera
o sofrimento do indivíduo através da glorificação esplendorosa da eternidade da
aparência, aquiabelezaévitoriosasobreo sofrimento inerenteàvida,adorépor
assimnegadaeborradadostraçosdanatureza.
Comrelaçãoaopretextoqueusamosparaaplicaragrandemúsicadionisíacaaocaso
particularenquantoimagemeparáboladesta,poderíamosdizerquehápretextosmais
emenossignificativosequeomaisagudoéomitoelemesmo,emparticularomito
trágico.Otrágiconãosedeixademodoalgumdeduzirdaarteenquantobelaaparência,
apenasamúsicapermitecompreenderaalegriaparacomadestruiçãodoindivíduo.
“Acreditamos na vida eterna”, grita a tragédia, enquanto a música é a ideia mais
imediatadavida.
21Fusãodasideiasnietzschianascomaideiafreudianadoinconsciente.OndeateoriadeFreudensinaqueorecalqueeacensuranãoalteramaforçadapulsão,porém(aorepresarapulsão)terminamporprejudicar a própria racionalidade (introduzindo atos falhos, lapsos, e formações neuróticas), Rilkeidentificao inconscienteeo instintocomoforçasempobrecidasedebilitadaspelarazão.Masaforçaracionalelógicaéprejudicialsomentenasuaformaaplicadaàpreceitoseconvençõessociais,nãoemsimesma contrária ao instinto. Nesta fase de sua obra, Rilke acredita que, uma vez superados osimperativosdavidasocial,aforçalógicaabrir‐se‐iadenovoàplenitudeeintensidadedodionisíaco,doinstintoedoinconsciente.
ROSENFIELD,Kathrin(2016)Ritmoemúsicanopensamentodepoetasefilósofos:deHölderlinaRilkeeHeidegger.PerMusi.Ed.porFaustoBorémeLiaTomás.BeloHorizonte:UFMG,n.35,p.15‐45.
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Nasartesplásticas,Apolosuperaosofrimentodoindividuoatravésdaglorificaçãoda
eternidadedofenômeno,enquantoaartedionisíacacelebraliteralmenteafugaeterna
dasimagens,dosfenômenoseaparências(Erscheinungen).
Omesmoabusoque sofre amúsicaquandoela é forçada a coloraraposteriori um
fenômeno(clamordabatalha,p.ex.)podemosencontrartambémnalírica,‐apenas–
quando entendemosmúsica aqui (como já tentei fazê‐lo antes) no sentido daquele
ritmoprimáriodofundo,cujosaberouviriniciaacriaçãolíricaquesealimentadesua
redençãonasimagensquesurgem.Amaioriadospoemasnãosãoimagensarrancadas
aofrêmitodamúsicaestranhaeintocadaquejorraeflui,elasnãogiramcomorodas
demoinhonacorrentezadaáguaquecai,massãocomomoinhosparaosquaisuma
imensa labuta terá de levar águas longínquas e sonolentas a mover a roda com
impulsosrelutantesevagarosos.Nos temposemqueosritmossaltameesguicham
(rauschend22),todasasvasilhastêmdeserpreparadasparabelamenteacolheraforça
movente,eteremosdeexportudoquehádematerialparaolustrodoscéus,demodo
que estes teçam na trama das coisas os fios de ouro que acabam o festivamente
desenho.
O mito trágico pode ser compreendido somente como uma trama de imagens
(Verbildlichung)dasabedoriadionisíacacomosmeiosartísticosapolíneos[...]Ste.127.
Anteriormenteaomitotrágicojádeveexistiraquelaação‘musical’cujopalco/cenário
éoespaçonoqualosespectadoresseencontram,levadospelosentimentodeuniãoe
unidade (Einheit)23. Tal como o coro da antiguidade que apresentava suas danças
ditirâmbicasnoespaçoelevado[doteatro],assimdeveosentimentocomeçaradançar
22Aconcepçãorilkeanadoritmoedamelodiacomo forçaselementaresdopoeta líricoapóia‐senãosomentenas ideiasdeNietzsche,mas tambémemMaeterlinck.Para ilustraro ladoperformáticodateoriarítmicadopoeta,HorstNalewskirelataaanedotadaestadadeRilkenacasadeHeinrichVogeler;Rilketantoacompanhavasuasrecitaçõescomgestosebatidasqueagovernantaescutava,perplexa,ospassosmovimentosrítmicosdeRilkenoquartoacima.(KA,IV,839).–MaspormaisqueRilkeapostassenaforçarítmica,elecomeçoumaistardeadesconfiardomodoassociativoedeslizantequeameaçaapoesia e a criação em geral com sua monotonia e falta de rigor do pensamento. “Eu poderia tercontinuado indefinidamente a fazer taisversos, [...] edepois, oque?”[cartaaKatharinaKippenberg](RILKE,1942,p.164).23Este ideal de uma sensibilidade compartilhada (sensus communis – condição de possibilidade dacomunidade livre) opõe‐se ao espectro da massa histérica ou fanática (cuja unidade se baseia emnecessidadessociaisecarênciaspsicológicas).
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na alma elevada do espectador único e uno que se compõe, como por milagre, de
centenasdesereshumanosquandoobservaojogoteatral.Tenhoonítidosentimento
dequeocorodeveserinstauradonoespectador,nãonoespectadorsingular,masno
estar‐junto(Gemeinsamkeit)surpreendentemente festivode todos, comunidadeesta
que deve criar‐se por um prólogo e prelúdio (Vorspiel) antes do drama. Somente
quandoumúnicohomematemporal,nãoquinhentoshomensdehoje,sesentamdiante
do palco aguardando [o drama desta re‐união], terá algum sentido o levantar da
cortina24.
Seaplicássemosestespreceitosaodrama[moderno],estariamrestabelecidostambém
aquiosdireitosdamelodiadefundo.Perseguindoesteintuito,Eurípidestãosomente
seguiuseusentimentoseguroecerteiro(gutesGefühl),quandocolocounoprólogoa
narrativado conteúdode suaspeças, pois este conteúdo jánão foimais tiradodos
mitosantigos25.Nodramanovo/moderno,omesmoteriadeacontecernesteprólogo
que tenho em mente (mesmo quando se trata de um material mítico realmente
conhecido), pois osmitos não sãomais tão vivos nos dias de hoje emais suscitam
lembrançasescolaresmortasdoqueverdadeirasrelaçõespoéticas.Oprólogoteriade
1) unir os espectadores, fundindo‐os e construindo aquele palco imaginário que
moveráseussentimentos,e,2)contarparaopúblico,duranteoprocessodesuafusão,
atramadaaçãoiminente,deformaqueaforçaque,deoutromodo,sedissipariaem
tensãoecuriosidade,ficariaguardadaparaumaverdadeiraparticipação.–
Aquelamortedatragédiafoiaomesmotempoamortedomito.Atéentão,osgregos
tinhamtãosomenteapossibilidadedevinculartudooqueviviameexperimentavam
diretamente com seus mitos, mais: de compreendê‐lo tão somente através deste
vínculo.
24Anostalgiadaunidadede todasascoisas–desereshumanosdediferentesclasseseordens,mastambémdeanimaiseplantas,coisasfabricadasouminerais–éomotordosrituaisdionisíacos,dosmitose lendas. Seus ecos ressurgem nas lembranças infantis, e, em particular, nasmelodias e narrativascompartilhadasqueconstituem,paraRilke(comoparaHölderlin),olastrounificadordasociabilidadeedacultura.25EmboraosenredosdosmitostrágicosdeEurípedespossamsernovos,esteúltimodostrêsgrandestrágicosantecipanoprólogoa“história”e,satisfazendoacuriosidade,liberaaatençãodopúblicoparaa ação poética do drama.Brecht retoma esta ideia e a combina como estranhamentopara suscitarconsideraçõescríticasdopúblico.
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À propósito Ste. 135. Na tragédia ática antiga, tudo o que é contado ainda estava
vinculado com os velhosmitos conhecidos; e como estes eram as únicas imagens‐
parábolaspelasquais fluíame jorravamos tons semprenovos como forçase cores
diversas, não havia como sobrevalorizar a “matéria” do enredo. Somente com o
aumentodospretextosocorreuemtodasasartesestasobrevalorização,simplesmente
porqueestesenredos‐pretextosnãoerammais,comoosmitos,conteúdosfamiliares,
[porém]suscitavaminteressepelanovidadedomaterial26.Assim,oolharperdeucada
vezmaisavisãodaúnicacoisaimportante,dofundo[musical,rítmico],atéperder‐se
deveznasconfusõesdaaçãodoenredo,esgotando‐seneles.Apinturafoiaprimeiraa
encontrarocaminhodevoltadestaerrância,poiselagostadesevoltar,sempredenovo
para os motivos tradicionais bem conhecidos e tem o sentido vivo e natural da
vantageminerenteaofatoqueoespectadornãoprecisacomeçaradebater‐secomo
conteúdodaimagem.
AtrásdemimhácorossombriosFlorestasruflamemareschiam;Edosombrossolta‐seopeso,Quandoportrás,nofundoOuço,maisamploqueomeu,Umhálitoqueenvolveomundo.Eseiquepossoconfiar,QueminhasmãosnãomeenganamSedelasnovasformasemanamEqueopesotodoaturamParapoder,quandorespiram,Nopeitofundooartragar.(18demarço1900)
Música,suavizadapelaaçãodoenredo:eisoqueexpressariaaessênciadodramade
modomaissucinto;enumsentidomaisamplopoderíamosdizer:aaplicação,noepara
o nossomundo, da força livre deDeus que não foi concebida paranós27. Ao gasto
aparentedesta força anosso favor corresponde a aparenteperfeiçãoda criaçãodo
26Em outras palavras: em vez da sensibilidade e do pensamento estarem abertos ao fundo rítmico(inquietanteemaravilhoso)daexistência,aconsciênciaadquireumfocomaisestreito;assim,elasedeslocaparadeterminadofoco(político,social,familiar,histórico,artísticoetc.)eadquireaformadoconhecimentoedodomínio,queviabilizamareflexãoeaaçãodosindivíduosedascomunidades.27Rilkeafirmaaquisuavisãodomundodes‐centrado.DesdeHölderlineKleist,oserhumanonãoémaisocentro,nemopontodereferênciaúnicodouniverso.Arazãodeserdaarteédamúsicaéprecisamentedenosdaracessoaoutrasdimensõesdaexistênciaedoser.
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mundoatravésdabeleza–aarteé,portanto,ocomplementodaimagemdeDeus,que
expressaomundorealapenasparcialmente.
Comaforçadapotênciadionisíaca,istoé,doelementoquefluiritmicamenteeéhostil
àsformas,forçosamentecrescemtambém,enquantoresistência,abelezaeorigorda
forma.Aquelepovocujaspulsõesdionisíacassãoasmaisveementes,rugindocommais
força, precisa ter o maior rigor na formação pessoal e na de suas obras, e isto,
simplesmenteparapodersubsistir.Ojúbilodesatadodacomoçãoíntimaintensificaa
tranquilidadeflexíveldaformaqueelemove.
Parece‐mequefoioacasoWagneroresponsávelporNietzschedeimediatodebruçar‐
se sobre esta oportunidade próxima (próxima demais!), aplicando a ela seus
conhecimentos e esperanças que tão pouco combinam com a essência alemã; isto
prejudica grandementeoúltimo terçodo livro. Estedano émaiordoqueousoda
terminologia de Kant e Schopenhauer. Se, em particular, a concepção
SchopenhauerianadamúsicacontribuiumuitoparaadiantarasintençõesdeNietzsche,
aaplicaçãoimediatadetodoomaterialrecém‐descobertoàscriaçõesdeWagnercriam
uma atmosfera decepcionante; na verdade, não queremos que todas estas coisas
elevadaseprometidasserealizemdeimediato,esobretudoacreditamosqueoredator
dolivroteriaacapacidade(enquantopoeta)paratentarde“ressuscitarDionysos”.
6‐Anexo2‐RainerMariaRilke:
“Comrelaçãoàscoisasrussas”28
Nãoseriaoelementodionisíacoaquiloquemoveoscortejos(chorowod)dosrussos?
Enquanto as cantorias dos Sentados – figuras dos antigos cantos heroicos –
representamoscorposdeformapesadaetangível,todasasfronteirasestilhaçamsob
28 TraduçãodeKathrinRosenfield.
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do impacto daquelas canções que irrompem acelerando e engolindo os giros dos
cortejoscirculares.
Enãoseriaomitorussooúnicoqueaindatemproximidadesuficientecomasmassas
parapoderserusadomaisumavezcomoparáboladavidalivredosom?–entrenós,
procuraríamosemvãofigurasquepossamsercoreutas,aopassoqueéfácilimaginar
um grupo demujiks apresentando num palco (Vorbühne) cantorias dançantes que
devemsuscitaraquelavisãonaqualoverdadeirodramaseapresenta.Oqueosátiro
expressavaatravésdesuaproximidadeesabedoriadomundoconcreto(Weltnäheund
Weltweisheit), aquilo que perdura, é o que também viria à tona no caso destes
camponesesedesuavisão.Demodoanálogo,odramaseriavisualmenteforteemesmo
assimnãopesariademaissobreosentimento.
Chamaatençãoque,emtodososefeitosmencionados,podemossempresubstituirno
lugardotermo“música”aquelaoutracoisaquenãoémúsica,masqueseexpressado
modomaispuroapenaspelamúsica.Opoetalíriconãoprecisadamúsicaparacriar,
masapenasdaquelasensaçãorítmicaquejánãoprecisariamaisdopoemasepudesse
antesganharvoznamúsica.Enãoqueriaamúsicaemgeraldizeraquelaprimeira,
obscuracausadamúsica, e com istoa causade todaaarte?Força livreemovente,
excessodeDeus?Tambémapinturaeaesculturasótêmoalvodeinterpretaraquela
“música”,degastá‐laemimagens.Eentãoamúsicapoderiaseralgocomoatraição
daquelesritmos,aprimeira formadesuaaplicação,aindanãoaplicadaàscoisasdo
mundo,masaossentimentosesensações,anós.Aistoseguiriaalíricaquenosvincula
docementecomomundoao falardenossossentimentoscomose fossemcoisasdo
mundo;ededentrodalíricadesenvolve‐se,porintermédiodasartesplásticas(quejá
tratamdeummodosimbólicodascoisasdomundo)surgeodrama,ainterpretação
mais imagética e, por isto, a mais perecível dos ritmos ocultos; esta derradeira
interpretação,noentanto,visadespertarnosespectadoresaquelacausaprimáriada
arte, ela destrói a individualidade nos espectadores singulares e cria uma unidade
entre centenas, isto é, um instrumentopara aqueles ruídos de fundodionisíacos. E
assim fecha‐se aqui o círculo. Emergindodamultidão violentamente unificadapela
embriaguezdoolhar,solta‐seumsersingulargraçasasuaforçasombria,isolandosua
figuraedesperdiçandonossonsdeumaflautaodeusquepossuiamultidãoabalada.
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Ooriginárioéobaterdasondasdoilimitadoesuamaisperfeitaecompletaexpressão:
música.Emquasetodasuaamplidãoateladefundomovimentadaganhavoznamúsica,
–aopassoquenodrama,queésuaderradeiraaplicação,encontraseulugarapenas
umapartepequenadestateladefundoqueseincorporanasfigurasdramáticasesguias;
masestaparceladateladefundotemaqueleefeitodetransformarosespectadoresem
uma coisa relativamente ilimitada, surtindo, assim, um palcomomentâneo daquela
maréoriginária(Wellenschlag).
Quantomaior amultidão que é unida pela tragédia,maior será também a cena do
originárioetantomaisimportanteseuefeito.Odramadeve,consequentemente,unir,
sintetizar,namesmamedidaemqueexpressõesartísticasqueestãomaispróximasdo
ritmo originário, (música, lírica) devem tornar solitário[o artista e o espectador] .
Quantomaisamplaecompletaateladefundo[...]
***
7‐Anexo3‐RainerMariaRilke,ParágrafosIII‐XIVde:
“AMelodiadascoisas”29
III. Lembrei: observando,meocorreuqueainda costumamospintar sereshumanos
contra um fundo de ouro. Como os Primitivos. Eles se erguem diante de algo
indeterminado.Àsvezesdiantedeumfundodeouro,àsvezestambémumcinzento.
Àsvezesnaluz,efrequentementecomumbreuimpenetrávelportrás.
IV.Istoécompreensível.Parareconhecerossereshumanoseranecessárioisolá‐los.
Mas depois de uma experiência prolongada cabe recolocar estas contemplações
29 TraduçãodeKathrinRosenfield.
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isoladas de novo numa relação, e de acompanhar comumolhar amadurecido seus
gestosamplos.
V.CompareumavezumquadrocomfundodeourodoTrecento(séculoXIV)comuma
dasnumerosascomposiçõesmaistardiasdosmestresitalianos,nosquaisasfigurasse
encontramparaumaSantaConversazionediantedateladefundodeumapaisagem
luminosa no ar luzente de úmbria. O fundo de ouro isola cada uma das figuras, a
paisagematrásdelesbrilhacomoumaalmacomum,dedentrodaqualelesbebemseus
sorrisoseseuamor.
XII.Deilhaemilhanãoháoutrapossibilidade:saltosperigososnosquaisarriscamos
maisdoqueospés.Umconstantepularparaláeparacásecria,comacasoseridículos;
poisacontecequedoisseressaltamumparaooutro,aomesmotempo,deformaque
sóseencontramnoar,edepoisdestatrocapenosaterminamtãoafastados–umlonge
dooutro–comoantes.
XIII. Istonão émuito surpreendente; pois, na verdade, aspontesque levamparaa
uniãoepelasquaisseandacompassosbelosefestivosnãoestãodentrodenós,mas
atrásdenós,bemcomoovemosnaspaisagensdoFraBartholomeooudeLeonardo.A
bemdaverdade,avidaseaguçanaspersonalidadessingulares.Depicoparapico,no
entanto,asendapassaporvaleslargos.
XIV.Quandodoisoutrêspessoasse juntam,nãoestãopor istounidose juntos.São
comomarionetescujosfiosestãoemmãosdiversas.Somentequandoumamãoguia
todos,háalgocomumqueseestendesobreeles,algoqueoslevaaseinclinaremum
diantedooutroouasebater.Etambémasforçasdohomemestão,ondeterminamos
fios,numamãoquesustentaereina.30
30 Esteparágrafo,emparticular,jáantecipaaideiadomovimentomusicalerítmicoqueguiaemovearepresentaçãoartística(esuarecepçãopelosespectadores).ParaNietzsche,ocorotrágicoéafiguradosonhadorcoletivoquepermiteaosespectadoresentrarnomovimentorítmicododrama(edavida).Emvezdesefixarnosdetalhesisoladosdoenredo,pensandonasignificaçãodecadapersonagemoupalavra,ocoropermiteperceberseumovimento:comoumagrandeonda,amúsicareconfiguraosconteúdostradicionais.
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Referências
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Main,1994,Bd.65.14.HÖLDERLIN,F.(1994)AnmerkungenzumÖdipusundzurAntigonä.In:
FriedrichHölderlin,SämtlicheWerkeundBriefe,3vols.,FrankfurtamMain,DeutscherKlassikerVerlag,1994,(DKV,vol.2,pp.849‐859;913‐921).
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FrankfurtamMain,InselVerlag.
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Brasil.EdiçõesArvore,Porto.22.SCHOPENHAUER,A.(1983)SämtlicheWerk,5vols.FrankfurtamMain,
Suhrkamp.23._______.(2014)DieWeltalsWilleundVorstellung”(WWV).
Disponívelem<http://www.zeno.org/Philosophie/M/Schopenhauer,+Arthur/Die+Welt+als+Wille+und+Vorstellung>.Acessoem:abrilde2014.
Notasobreaautora
Kathrin Rosenfield, Professora Titular no Dpto. de Filosofia da UFRGS, possuigraduação em Letras pela Université de Paris III (Sorbonne‐Nouvelle) (1980),mestradoemAntropologiaHistóricapelaÉcoledesHautesÉtudesenSciencesSociales(1981)edoutoradoemCiênciadaLiteraturapelaUniversidadedeSalzburg(1984).PósDoutoradonaÉcoleNormaleSupérieure(Ulm‐Paris)sobreHölderlineSófocles;ePósDoutoradonaUniversityofMassachusetts,Amherstsobre traduçãoecríticadaobradeRobertMusil eReleiturada versãohölderlinianadeÉdipoRei de Sófocles.AtualmenteéprofessoraassociadadaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul.TemexperiêncianasáreasdeFilosofiaeLiteratura,comênfaseemTeoriaLiterária,atuandoprincipalmente nos seguintes temas: Estética, Filosofia e Literatura, LiteraturasBrasileira,LiteraturasGermanicaeAustriaca,LiteraturaAnglo‐Saxã,Psicanálise,Arte.