Revista Tempo Do Mundo Vol. 3 n.2

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  • Modelo de Crescimento Guiado pelo Mercado Interno na Amrica Latina aps a Crise... 103

    1,9% em 1990, 3,9% em 2000, at atingir 7,4% em 2005, aumentando, agora, para 8,9% (IEDI, 2006). A globalizao do comrcio , portanto, mais rpida e mais importante na China que no Brasil. Embora o Brasil e a Argentina tenham se aberto para a economia mundial, eles ainda no so o que se poderia chamar de economias abertas. No entanto, diferentemente do que pode ser observado nos pases asiticos, a globalizao das finanas na Amrica Latina tem sido substancial; na realidade, est muito maior que nos pases asiticos, como mostrado no grfico 1.6

    GRFICO 1Abertura financeira

    Fonte: Chinn e Ito (2007).Nota: O grfico est reproduzido conforme o original fornecido pelo autor, cujas caractersticas no permitiram melhor ajuste

    para fins de impresso (nota do Editorial).

    No entanto, a abertura financeira no provocou um desenvolvimento sig-nificativo dos produtos de aes financeiras de alto risco nos bancos. Por esta razo, estes ltimos sofreram mais em funo da escassez de liquidez devido repatriao de capital no incio da crise, que pela necessidade de limpar seus balanos. Apesar de seus balanos terem sido afetados apenas levemente pelos produtos financeiros de alto risco, o comportamento dos bancos privados nesses pases tem se adaptado ao observado em pases desenvolvidos: o crdito para a economia tem diminudo e o financiamento dos investimentos e das expor-taes tornou-se mais difcil. Os crditos para a economia no tm colapsado integralmente, no entanto, porque os governos tm procurado facilitar o acesso

    6. Ver Galindo, Izquierdo e Rojas-Suarez (2010, p.12). Hoje, h abundante literatura sobre o tema; pode-se citar aos interessados o artigo de Titelman, Perez-Caldentey e Pineda (2009).

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    ao crdito e cobrar taxas de juros baixas (mltiplas taxas subsidiadas para a com-pra de carros e casas, para exportao etc.), por meio de seus bancos pblicos. Esta poltica tem sido facilitada, em alguns lugares, pela existncia de grandes bancos estatais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), no Brasil e tornada mais difcil em outros lugares por sua ausncia ou seu tamanho menor.

    3.2 Fortes desigualdades como barreiras para a recuperao do crescimen-to pelo mercado interno

    As desigualdades de renda so particularmente grandes na maioria dos pases latino-americanos (SALAMA, 2006) e, embora com trs excees, tm diminudo ligeiramente em muitos pases, entre 2002 e 2008 (CEPAL, 2009; LOPEZ-CALVA e LUSTIG, 2009; HOPENHAYN, 2009; DEDECCA, 2010).

    Esse desenvolvimento importante, e suas causas so numerosas: mudana na forma como funciona o mercado de trabalho, maiores transferncias sociais, menores polticas fiscais regressivas, diminuio da populao e aumento na taxa de mulheres empregadas embora a contribuio destes dois ltimos fatores para o declnio na desigualdade seja relativamente modesta, de acordo com Lopez-Calva e Lustig (2009, p. 40 et seq.). De fato, o nmero de adultos por domiclio contabiliza 6,6% do declnio na desigualdade entre 2000 e 2006 no Brasil, 8% na Argentina e 10,3% no Mxico. A reduo das desigualdades vem, na maior parte, de fato, da melhoria das condies trabalhistas (emprego e salrio) e, apenas em uma proporo relativamente pequena, de aumentos nas receitas no geradas pelo trabalho7 (26% na Argentina e 15,1% no Mxico). A exceo o Brasil (45,2%). Mais precisamente, observa-se no Brasil que a melhor, na renda do trabalho maior para a baixa renda que para a alta renda. A razo entre o ganho dos 5% mais ricos e o dos 50% mais modestos da populao passou de 14,3, em 1993, para 13,5, em 2008, enquanto a razo dos 5% mais ricos para os 25% mais pobres passou de 23,6 a 18,6 (DEDECCA, 2010, p.16). Estes dados podem ser surpreendentes.8 Eles decorrem, por um lado, do forte aumento do salrio mnimo e, assim, do montante das penses pagas pelo setor

    7. Essa uma categoria muito heterognea, que consiste em transferncias sociais, bem como aluguel e no rendimento sobre o capital.8. Dois comentrios: i) a renda de 0,01%, 0,1% desse 1% da populao mais rica cresceu muito mais rapidamente que o resto da populao, como, alis, em todos os pases ocidentais; ii) o rendimento sobre o capital (juros e dividendos) muito mal gravado.

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    pblico,9 e, por outro, tambm do crescimento do emprego e da mudana na estrutura dos postos de trabalho (SALAMA, 2007, 2008). Mas o ponto principal que as transferncias sociais, ao contrrio da crena comum, desempenham apenas um pequeno papel na transformao das desigualdades. Vamos analisar este ltimo ponto mais de perto.

    O trabalho da Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) (2008), bem como o de Goni, Lopez e Serven (2008), do qual foi tomado o grfico 2, mostram claramente a influncia muito fraca das transferncias sociais sobre o nvel de concentrao de renda, medido pelo coeficiente de Gini. Ao considerar a diferena entre o rendimento bruto incluindo as transferncias sociais e o rendimento do mercado na Amrica Latina e na Europa, observa-se que o impacto destas transferncias sobre a concentrao de renda alto na Europa, mas muito baixo na Amrica Latina. Se consideradas a renda disponvel incluindo as transferncias e os impostos diretos e a receita bruta incluindo as transferncias , observa-se que o impacto dos impostos sobre a reduo da desigualdade muito maior na Europa que na Amrica Latina.10 O nico efeito das remessas na Amrica Latina baixo em comparao com os pases europeus. O Gini baixou ligeiramente em 2 pontos em uma escala de 1 a 100 pontos, enquanto diminuiu, em mdia, muito mais acentuadamente na Europa ver os dois primeiros painis do grfico 2. O efeito dos impostos diretos extremamente baixo na Amrica Latina, em mdia (menos de 1 ponto no Gini), enquanto tambm muito maior, em mdia, na Europa veja os dois ltimos painis. Portanto, estas diferenas so muito mais importantes, uma vez que as transferncias, lquidas de impostos, so includas (na ordem de 20 a 25 pontos). Em mdia, o coeficiente de Gini na Amrica Latina vai de 51,6 a 49,6, enquanto na Europa ele vai de 47,6 a 28,2.

    A partir desses dados, pode-se facilmente entender por que muitos economistas, seguindo o trabalho de Celso Furtado, tm visto a tendncia de estagnao econmica como sendo causada por esses nveis de desigualdade e de gastos sociais baixos (SALAMA, 2006, cap. 1) e, inversamente, por que a

    9. Em muitos pases, parece haver uma ligao entre o salrio mnimo e os valores pagos em penses. Um aumento relativo do salrio mnimo tende a aumentar as penses totais. Em uma nota mais geral, as polticas sociais, como definidas na Amrica Latina (as transferncias de educao e sociais, bem como a proteo social, que consiste prin-cipalmente em penses e cuidados de sade) so ainda relativamente fracas, embora cada vez mais fortes em alguns pases como o Brasil. De acordo com pesquisa realizada por Afonso e Dain (2009), existem apenas trs pases (Argen-tina, Chile e Costa Rica), em que os gastos sociais ultrapassaram os 13% do PIB entre 1985 e 1990. De tais pases, houve nove em 2006-2007, incluindo o Brasil (24,4% do PIB), mas no o Chile. No Mxico, os gastos sociais foram inferiores a 9% do PIB durante o primeiro perodo, mas, durante o segundo perodo, aumentaram para 11,2% do PIB.10. A diferena provavelmente seria maior, ainda que esta pesquisa levasse em conta a tributao indireta sendo esta maior na Amrica Latina que na Europa (Cepal, 2009; Sabaini e Rossignoo, 2008). Na verdade, os impostos indiretos so geralmente mais regressivos do que os impostos diretos, porque todas as pessoas pagam os primeiros em taxa constante, ao contrrio da tributao direta.

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    ligeira reduo das desigualdades e o aumento dos gastos sociais podem ter impulsionado o crescimento nos anos de 2000 e revitalizado o mercado interno.

    GRFICO 2O papel dos impostos e das transferncias na Amrica Latina e na Europa

    Fonte: Goni, Lopez e Serven (2008).

    Nota: O grfico est reproduzido conforme o original fornecido pelo autor, cujas caractersticas no permitiram melhor ajuste para fins de impresso (nota do Editorial).

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    4 CONCLuSO

    difcil discutir os possveis futuros dos pases latino-americanos sem distinguir os diferentes caminhos que estes tm seguido durante os ltimos dez a 15 anos. Brasil, Argentina e Mxico tm algumas caractersticas em comum: desigualdade de renda alta, maior no Brasil do que na Argentina; ligeira reduo destas desi-gualdades; modesta abertura ao comrcio internacional com exceo do Mxico; as exportaes primrias, mais uma vez, compem uma proporo importante do total das exportaes na Argentina e no Brasil; dificuldade em exportar pro-dutos industriais sofisticados, menos acentuada no Brasil que no Mxico ou na Argentina; e, finalmente, tendncia para a valorizao da taxa real de cmbio, com exceo da Argentina nos anos 2000. Estes pases tambm tm diferentes experincias. No Brasil e no Mxico, a taxa mdia de crescimento do PIB tem sido modesta na dcada de 2000. Enquanto a taxa de crescimento do Brasil aumentou ligeiramente em 2004, a taxa da Argentina apareceu para decolar no estilo asitico. Em 2009, a queda do PIB foi muito forte na Argentina, mas ainda menos acentuada que no Mxico e muito menos que no Brasil. Na dcada de 2000, a desigualdade caiu mais significativamente no Brasil que no Mxico ou na Argentina, e enquanto os gastos sociais aumentaram em proporo ao PIB no Brasil e na Argentina, eles se estagnaram no Mxico (AFONSO e DAIN, 2009).

    Esses desenvolvimentos, assim como a acelerao do crescimento de 2003-2004 em diante, levantam questes sobre o incio de um novo regime de cresci-mento no Brasil e, mais timidamente, na Argentina , iniciado antes mesmoda crise irrompida em 2008, levado por um boom na demanda interna. Este boom pode ter ficado escondido pelo crescimento simultneo das exporta-es de produtos primrios, causado pelo aumento dos seus preos.

    Esses pases esto em uma encruzilhada. A recuperao econmica e as polticas anticclicas,11 decididas aps a erupo da crise internacional, poderiam servir como um trampolim para a definio de um novo regime de crescimento. Ao fazer isto, estes pases, com base no que apareceu timidamente na dcada de 2000, se beneficiariam da crise internacional para reduzir ainda mais suas desigualdades de renda e promover a contribuio do seu mercado interno para a recuperao econmica um pouco como o que aconteceu em 1933-1934 aps a Grande Depresso dos anos 1930.

    O retorno macio de capital para os chamados mercados emergentes da Amrica Latina, a retomada do crescimento do PIB, as dificuldades para sustentar a demanda na medida em que poderia aumentar os custos trabalhistas todos

    11. Estes se caracterizaram principalmente por polticas de apoio demanda interna, tanto no nvel fiscal (reduo de alguns impostos), no nvel monetrio (taxas de juro artificialmente baixas para a compra ou a venda de determinados produtos), quanto em nvel oramental devido ao aumento do salrio mnimo, penses e transferncias sociais). As polticas anticclicas foram caracterizadas relativamente pequenas pelas polticas de grandes obras pblicas de infraestrutura, tal como ocorreu na China (Khatiwada, 2009; Jimnez, 2010).

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    estes fatores reforam o peso poltico de quem gostaria de fechar o parntese da crise e voltar ao padro de crescimento excludente anterior do incio dos anos 2000. Esta tentao ainda maior agora que o retorno do capital se traduz em uma nova tendncia de valorizao da moeda nacional, aps sua queda acentuada em 2008-2009. Esta tendncia favorvel aos investidores estrangeiros, mas ruim para os exportadores de produtos industriais, pois a diminuio da competitividade causada pelo aumento nos custos trabalhistas, expressada em dlares, nem sempre compensada pela diminuio do valor de suas importaes de bens intermedirios e de capital.

    Algum poderia pensar que o Mxico estar, provavelmente, mais tentado por esse caminho, visto que seu comrcio externo quase exclusivamente orientado para os Estados Unidos e o Canad e a propriedade estrangeira no seu sistema bancrio muito poderosa. Por sua vez, a retomada da crise internacional deveria promover a continuao de uma poltica anticclica que favorea a demanda, estimule a procura de parceiros comerciais alternativos e permita uma maior depreciao do peso, compensando, assim, o aumento dos custos trabalhistas.

    Uma poltica contnua de apoio demanda interna mais provvel de acontecer no Brasil e na Argentina. Mas ela sofre de muitas desvantagens. Como foi visto, a reduo das desigualdades fraca e estas desigualdades perma-necem em um nvel extremamente elevado. O tamanho absoluto da populao que maior que a da Argentina e a existncia do Mercosul permitem ao Brasil ter um mercado interno suficientemente grande, em termos de desenvolvimento do capital, para uma ampla gama de produtos. Isto por si s parece insuficiente, no entanto, para inspirar o crescimento orientado para o mercado sustentvel, en-quanto o peso das finanas e seus efeitos sobre a distribuio de renda no forem contidos. O aumento dos salrios dos estratos sociais mais mal pagos, apesar de desejvel, dada a dimenso da pobreza, no suficiente. O obstculo da tributa-o regressiva deve ser levantado, o que no pode ser feito sem o aprofundamento de graves conflitos de interesses que tm atuado j h alguns anos.

    Nos anos 1930, o mercado foi criado por meio de uma marcha forada de monetizao, produzida pela industrializao e dando-lhe impulso. Hoje, o mercado interno s pode contribuir para o crescimento sustentvel se um verdadeiro Estado de bem-estar for estabelecido. Apenas isto tornar possvel para o mercado interno compensar a lentido da demanda externa por produtos industriais. No escolher este caminho aceitar um retorno especializao internacional de produtos primrios, sob o pretexto de que a demanda internacional forte. Isso pode significar a escolha do caminho mais fcil hoje, mas tambm a opo por uma economia frgil para o futuro. Trata-se de optar por um retorno aos anos que precederam os anos 1930 uma estranha inverso da histria.

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  • BRASIL NA AmRICA DO SuL: INTERNACIONALIZAO DA ECONOmIA, ACORDOS SELETIVOS E ESTRATGIA DE HuB-AND-SPOKES*

    Ricardo Sennes**

    RESumO

    Nos ltimos 20 anos, a importncia da Amrica do Sul para os interesses estratgicos do Brasil ampliou-se de forma significativa. Mais recentemente o fluxo de comrcio do Brasil com a regio passou a ser acompanhado tambm por um ciclo de investimentos diretos. Este movimento tem ocorrido a despeito de um baixo apoio poltico domstico para o engajamento do pas em projetos de integrao econmica ou em mecanismos de concertao poltica regional. Como resultado, o aumento da presena econmica do pas na Amrica do Sul nos ltimos anos tem ocorrido independentemente do avano dos projetos e acordos de cunho integracionista na regio. Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir a agenda regional do Brasil, destacando a estratgia brasileira frente aos acordos regionais, o ativismo diplomtico sul-americano do Brasil e a projeo comercial e de investimentos recentes do pas na regio.

    ABSTRACT

    In the last 20 years South Americas relevance for the Brazilian strategic interests has grown dramatically. More recently, the Brazilian trade relations with South American countries have also stimulated a strong cycle of direct investments. This process has occurred in despite of a low level of domestic support to Brazilian participation in the regional integration projects and regional cooperation arrangements. As a result, greater economic regional presence of the Brazilian companies has taken place independently of the regional integration efforts. This article aims to present and discuss the regional agenda of Brazil, focusing on the countries strategies to deal with regional agreements, its South American diplomatic activism and its recently investment projection toward the continent.

    1 INTRODuO

    Desde o incio da dcada de 1980 a poltica e a presena sul-americana do Brasil vm se transformando. As principais caractersticas desta mudana so, de um lado, o carter crescentemente positivo da agenda regional brasileira, em forte contraste com a do perodo anterior na qual os pases da regio eram vistos como

    * Este texto se beneficia de pesquisas e discusses que vm sendo desenvolvidas nos ltimos anos com um grupo de acadmicos, entre eles Ricardo Mendes, Carla Tomazini, Thais Narciso, Paula Pedroti, Juliana Cozar, Dbora Mira e Gabriel Kohlman.

    ** Professor da Pontifcia Universidade Catlica da So Paulo (PUC-SP) e Coordenador do grupo de Anlise Interna-cional (GACINT) da Universidade de So Paulo (USP).

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    pouco importantes ou mesmo como ameaas aos interesses brasileiros. De outro, um enorme crescimento das relaes polticas e econmicas do Brasil com pases da regio. Estas inicialmente comerciais e, mais recentemente, envolvendo tam-bm investimentos brasileiros diretos nestes pases.

    No final dos anos 1990 a agenda diplomtica regional ganha definio e contornos mais claros. A retrica e a referncia sul-americanas ganharam um novo impulso com o governo Lula, num quadro em que a nova administrao se props a aumentar o perfil da atuao internacional do pas, classificado ento como pouco assertivo na defesa dos interesses nacionais e pouco ousado na definio de suas metas.1 Nesse contexto a Amrica do Sul se torna a referncia prioritria em substituio tradicional noo de Amrica Latina e, com base nela, so formuladas vrias iniciativas de cunho integracionista e de coordenao poltica. Como explicado a seguir, no texto, as primeiras com alguma efetividade, mas fortemente concentradas em alguns setores industriais, e as ltimas com baixo grau de sucesso. Do ponto de vista econmico nos anos 1990 que o fluxo de comrcio d um enorme salto, sendo que nos anos 2000 inicia-se o ciclo de investimentos brasileiros na regio,2 ambos apenas marginalmente relacionados s iniciativas de integrao regional.

    Alguns autores identificam etapas distintas dentro desse ciclo de maior ativismo regional brasileiro, mas em geral elas so baseadas nos movimentos no mbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), e no do relacionamento mais amplo do Brasil com a Amrica do Sul.3 De qualquer modo, elas se iniciam pela fase de formao do arranjo mercosuliano entre 1991 e 1996-1997. Nesta fase houve uma tentativa de combinar um processo de integrao sub-regional com reforma econmica e liberalizao comercial. Na fase seguinte passa a predominar uma dinmica mais conflitiva dentro do bloco, derivada dos choques econmicos externos e das polticas de ajustes emergenciais domsticos. Neste momento, os acordos assinados e parcialmente implementados, da fase anterior, comearam a se corroer, em particular os compromissos de livre comrcio dentro do bloco e de implementao da tarifa externa comum (TEC). Esta fase est, em geral, associada aos anos 1997-1998 at 2002. Finalmente uma terceira fase (aps o ano de 2002), na qual predomina a retomada do crescimento econmico dos pases da regio, mas na qual se aprofundam as divergncias entre as estratgias econmicas dos pases, assim como se ampliam as assimetrias econmicas, institucionais e polticas pblicas entre o Brasil e os pases da regio. Embora a periodizao no seja consensual na literatura, a descrio deste ciclo tende a coincidir entre os principais autores.

    1. O presidente Lula citou oito vezes a Amrica do Sul e o Mercosul no seu discurso de posse em 2003, sinalizando de forma inusitada a importncia do tema em seu plano de governo.2. Ver Ribeiro e Lima (2008).3. Ver, por exemplo, os trabalhos de Pereira (2007) e Hoffmann, Coutinho e Kfuri (2008).

  • Brasil na Amrica do Sul: internacionalizao da economia ... 115

    Essa evoluo da agenda regional do pas guarda relao com as avaliaes e percepes de parte da elite brasileira. Segundo Souza (2009), entre as dez maiores ameaas internacionais ao Brasil percebidas pela elite poltica brasileira, seis se relacionam com questes globais (aquecimento global, protecionismo comercial dos pases ricos, armas nucleares, terrorismo internacional e desigualdade econmica), enquanto as outras quatro so de carter regional (trfico de drogas, governos autoritrios na Amrica do Sul, internacionalizao da Amaznia, contrabando de armas).4 Desse modo, temas regionais, embora no se mostrem os mais importantes, esto bastante presentes. Ainda com base nessa pesquisa, figuram entre os principais objetivos da poltica externa brasileira defender a democracia na Amrica do Sul, fortalecer a liderana regional do Brasil e fomentar a integrao infraestrutural da regio. Ou seja, estabeleceu-se nos ltimos anos um razovel consenso, entre o grupo de pessoas que acompanham os temas internacionais no Brasil, sobre a importncia estratgica da Amrica do Sul para o pas. Porm, no h evidncias de que esta mesma percepo seja acompanhada pelo resto da sociedade brasileira, nem de que a viso estratgica dominante seja a da integrao poltica e econmica.

    Contudo, a traduo dessa percepo da importncia estratgica da Amrica do Sul assim como da maior interao econmica com os vizinhos , para um projeto poltico sul-americano, ainda bastante precria. Esta precariedade se manifesta de vrias maneiras, tanto no baixo apoio poltico para o engajamento do Brasil em um projeto regional de integrao econmica e de convergncia po-ltica, como na baixa capacidade do governo federal de implementar programas e internalizar decises oriundas dos fruns e acordos de cunho regional. Portanto, a estratgia regional do Brasil pouco evidente, e certamente no corresponde ao que o discurso diplomtico sugere. Na verdade a dimenso diplomtica apenas um dos vetores relevantes deste processo.

    De modo geral, parece que convivem no Brasil, de forma simultnea, mas pouco articulada, a percepo da crescente importncia da Amrica do Sul para os interesses estratgicos do Brasil, um ciclo positivo de comrcio e investimentos com os pases vizinhos, e um baixo apoio poltico para um engajamento do pas em projetos de integrao econmica ou em mecanismos de concertao poltica regional. Uma hiptese possvel para explicar este fenmeno que prevalece no Brasil, ainda que de forma implcita, a preferncia por um padro de relao regional baseado na projeo das capacidades polticas e econmicas brasileiras e no por um padro de integrao regional. Trata-se mais de um modelo de relao regional baseado na ideia de hub-and-spokes, em geral utilizado para analisar a relao dos

    4. A amostragem dessa pesquisa de 400 pessoas consideradas influentes nas formulaes e nas decises relativas a temas internacionais do Brasil, envolvendo diplomatas, militares, acadmicos, jornalistas, empresrios e sindicalistas. A pesquisa foi feita em 2001 e replicada em 2008.

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    Estados Unidos com a regio latino-americana, ou mesmo dos Estados Unidos com os pases asiticos, do que um modelo de integrao regional europeu e as relaes de Frana e Alemanha com seu entorno.5 Se do ponto de vista da estratgia poltica regional prevalece o modelo hub-and-spoke, do ponto de vista econmico o crescimento do comrcio e dos investimentos regionais seria fruto do fenmeno de internacionalizao da economia brasileira e que tem nos pases da regio um espao privilegiado para o adensamento dos negcios, mas no em decorrncia da implantao de estratgia de integrao econmica regional.

    Segundo essa hiptese, a atuao do Brasil em relao Amrica do Sul estaria orientada por um importante ativismo diplomtico inclusive no mbito presidencial , mas condicionada pela preferncia por baixa institucionalidade/baixo engajamento com instncias e arranjos polticos regionais. E, como resultado, contribuindo para que estes arranjos tenham baixa efetividade ou mesmo para que no sejam internalizados. Exemplos de temas que so operados neste padro seriam os tarifrios e no tarifrios6 que tendem a caracterizar a regio mais como de preferncia comercial do que rea de livre-comrcio ou mesmo de unio aduaneira, dadas as enormes distores tarifrias existentes7 e arranjos de cooperao tcnica.

    Por outro lado, acordos e projetos mais robustos na regio envolvendo o Brasil tendem a ocorrer em bases bilaterais, ou seja, derivadas de decises governamentais e/ou privadas brasileiras e com apoio de agncias governamentais brasileiras e negociadas com atores pblicos e/ou privados do pas vizinho. Casos tpicos neste campo so: o acordo e a usina de Itaipu; o acordo energtico Brasil-Bolvia; o gasoduto Brasil-Bolvia, e mesmo os investimentos da Petrobras neste pas; o sistema de pagamento em moedas locais entre o Banco Central do Brasil e o da Argentina; assim como os projetos financiados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) na rea de infraestrutura nos pases da regio. Apenas um grupo pequeno de acordos e programas so de fato regionais e efetivos, com governana compartilhada e mecanismo de funcionamento que afeta de maneira substancial as operaes econmicas. Entre eles figurariam, de forma no exaustiva, o Acordo de Fortaleza no campo da aviao civil e o Regime Automobilstico do Mercosul.

    Alguns autores tm discutido essa temtica e sugerido hipteses sobre o lugar ocupado pela Amrica do Sul na estratgia internacional do Brasil. Vigevani et al. (2008), focando sobremaneira a poltica externa do pas, afirma que

    5. Existe extensa literatura sobre esse tema, em particular sobre temas comerciais. Ver Blyde (2004), Coe e Helpman (1995), Coe, Helpman e Hoffmaister (1997), Schiff e Winters (2003), Das e Andriamananjara (2004) e Mindreau (2001). O prprio chanceler Celso Amorim mencionou de forma crtica essa postura dos Estados Unidos na regio (Amorim, 2007). 6. Ver trabalho de Kume e Piani (2005),.7. A aprovao, no dia 03 de agosto de 2010, do Cdigo Aduaneiro Comum do Mercosul, dando as bases para a elimi-nao da dupla tributao de produtos importados que circulam entre os pases membros, se for de fato implementada poder significar uma mudana do patamar de efetividade das regras tarifrias do Mercosul.

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    dois conceitos muito importantes na formulao da poltica externa, autonomia e universalismo, enraizados na sociedade e no Estado, confluem para a construo de uma viso de insero regional que dificulta o aprofundamento do Mercosul.

    De modo geral, no entanto, no houve esforos mais amplos de coordenao e convergncia. Este baixo esforo brasileiro no sentido de avanar o programa de integrao regional, segundo Vigevani e Ramanzini Jnior (2009), est asso-ciado diluio do impulso inicial pelo desenvolvimento comum, embora sub-sista a busca de possveis vantagens econmicas de cada um dos membros. Lima (2006) sugere que a composio entre as correntes de pensamento autonomis-tas e institucionalistas pragmticos foi o que embasou o avano do processo de integrao nos primeiros anos, ambos os grupos reticentes sobre o avano de compromissos regionais. Grupos mais favorveis ao aprofundamento institu-cional do Mercosul os progressistas passaram a ter mais peso somente durante o incio do governo Lula (LIMA, 2006), mas com conquistas bastante limitadas.8

    Para Lima (2007) existe uma fraca coalizo domstica em relao aliana estratgica com a Argentina, em relao ao Mercosul, e o engajamento do Brasil em relao Amrica do Sul. Segundo esta pesquisadora, aps 20 anos este pro-jeto no produziu polticas suficientes de integrao. Mais pessimistas em relao ao engajamento do Brasil nos projetos de integrao, Veiga e Rios (2008), aps analisarem os setores com maior intensidade de trocas comerciais no Mercosul automobilstico e qumicos , afirmam que o mantra da complementao entre cadeias produtivas, adotado pelo governo brasileiro como estratgia para adensar as relaes intra indstrias entre os dois pases, no demonstrou nenhuma capaci-dade de ir alm da retrica nem para esses, nem para outros setores da indstria.9

    Dessa forma, o aumento da presena econmica do pas na Amrica do Sul, nos ltimos anos, parece ter ocorrido independentemente do avano dos projetos e acordos de cunho integracionista na regio. Em outras palavras, a regionaliza-o aumento das relaes regionais no derivadas de polticas e acordos entre Estados indica ter avanado mais rpida e profundamente que o processo de integrao regional este sim induzido, coordenado e negociado entre Estados.10

    Com base nessas premissas o artigo est organizado em sete sees. A primeira discute a estratgia do Brasil frente ao contexto de acordos regionais existentes, a segunda apresenta o perfil da agenda regional do Brasil, a terceira caracteriza o ativis-mo diplomtico sul-americano brasileiro, a quarta seo discute a projeo comercial

    8. Para uma anlise menos crtica em relao aos objetivos integracionistas brasileiros frente Amrica do Sul, ver Amorim (2009) e Erthal e Magalhes (2007).9. Outros textos incluem discusses sobre esse tema, entre eles Kume e Piani (2005), Vaz (2002), Veiga e Rios (2008), Veiga e Rios (2006).10. Sobre os conceitos de regionalizao, cooperao regional e integrao regional, ver discusso de Bouzas (1999).

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    e de investimentos recente do pas na regio, a quinta seo apresenta o programa IIRSA como exemplo de projeto bastante aderente a preferncia polticas brasileiras e a sexta seo desenvolve argumento semelhante ao da quinta, mas aplicado ao tema de energia. Finalmente a stima seo busca tecer algumas concluses gerais.

    2 A ESTRATGIA BRASILEIRA E O CONTEXTO REGIONAL

    A estratgia regional predominante no Brasil, baseada em participar de arranjos regionais rasos e operar efetivamente por meio da lgica do hub-and-spoke, parece bastante adequada diante da grande diversidade de polticas comerciais dos pases sul-americanos e dos vrios arranjos econmicos regionais existentes. Uma das caractersticas mais notveis da regio sul-americana a sobreposio de inmeros acordos regionais com escopos temticos, densidades institucionais e abrangncias regionais distintas. Acordos de carter regional, tais como a Associao Latino Americana de Integrao (Aladi), o Sistema Econmico Latino-Americano e do Caribe (SELA)11 e a Iniciativa para Integrao Infraestrutural da Amrica do Sul (IIRSA), convivem com arranjos sub-regionais como o Mercosul e a Comunidade Andina de Naes (CAN), assim como com vrios acordos bilaterais tanto previstos no mbito da Associao Latino-Americana de Integrao (Aladi) como os Acordos de Complementao Econmica (ACEs)12 quanto fora deles, a exemplo de acordos em temas como energia, transporte e telecomunicaes. Alguns pases da regio no fazem parte dos acordos mais efetivos, como o caso da Guiana e do Suriname, que so apenas parte da IIRSA. Certos acordos dispem de alguma institucionalidade embora todos sejam intergovernamentais concretizado em secretarias gerais de apoio ao conselho de ministros, como a Aladi e o Mercosul13, enquanto outros no dispem de nenhuma institucionalidade, como o caso da IIRSA, que basicamente um frum para coordenao de projetos de infraestrutura. Alguns dispem de mecanismos de soluo de controvrsia como o Mercosul14 , enquanto outros dependem integralmente de arbitragens e mecanismos extra-acordos. Alguns pases da regio praticam padres tarifrios muito baixos como o caso do Chile que, embora membro associado do Mercosul, apresentou em 2009 uma mdia tarifria de 1,1% e o teto tarifrio de 7% 15 contra um perfil de tarifas externas do Mercosul cujo modal de 14% e o teto de 35%.16 Ao contrrio do que ocorreu no processo europeu, no qual a convivncia de vrios arranjos regionais diferentes passou por

    11. Criado em 1975 pelo Convnio do Panam, tem 27 pases membros e busca a coordenao das estratgias eco-nmicas e a integrao dos pases da regio.12. As ACEs so acordos bilaterais, voluntrios e sucessivos entre os membros da Aladi para aprofundar acordos de preferncia comerciais.13. Foi criada em 1991 como Secretaria Administrativa do Mercosul, passou em 2002 a ser uma Secretaria Tcnica. O Protocolo de Ouro Preto de 1994 torna o Mercosul personalidade jurdica internacional.14. Foi criado pelo Protocolo de Olivos, assinado em 2002, e entrou em vigor em 2004.15. Boletim da Cmara de Comrcio de Santiago, julho de 2009.16. Boletim CNI. Unidade de Negociaes Internacionais. 2009.

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    fases de acomodaes e fuses,17 na Amrica do Sul os diferentes arranjos seguem coexistindo e, por vezes, at competindo entre si.

    Problemas surgiram no mbito da Aladi principal acordo do quadro comercial regional na medida em que este prev que seus membros devam estender aos seus parceiros regionais tratamento tarifrio semelhante ao que concederem para parceiros extrarregionais. Esta questo veio tona com a en-trada do Mxico no North American Free Trade Agreeement (Nafta), em 1994, zerando suas tarifas de importao para EUA e Canad. Na poca o Brasil pro-testou e chegou a pedir a sada do Mxico da Aladi. Porm, na sequncia deste evento, outros pases da regio iniciaram negociaes de livre-comrcio com os EUA, assim como com pases europeus e asiticos. Pases como Chile e Peru lo-graram firmar acordos mais amplos e profundos incluindo tarifas mais baixas e temas como comrcio de servios e propriedade intelectual com pases de fora da regio do que com aqueles existentes nos pases da regio.18

    Dessa forma, prevalece hoje na regio uma sobreposio pouco articulada de acordos que, regra geral, retira do espao sul-americano a caracterstica de espa-o econmico preferencial homogneo para seus membros. Visto do Brasil, este processo corroeu as margens de preferncias comerciais de que o pas dispunha at meados dos anos 1990 na regio, mas, ao mesmo tempo, no exigiu do pas um padro de abertura comercial semelhante ao desses parceiros. Ou seja, prefe-riu perder margem de preferncia no acesso a esses mercados a abrir mo de sua margem de manobra comercial e tarifria.

    Curioso notar que, diante desse contexto, a estratgia oficial do Brasil tem sido, do lado econmico, liderar o esforo de expanso do Mercosul19 no sentido da incorporao dos pases andinos,20 mas mantendo suas caractersticas originais como instituio intergovernamental, com razovel grau de flexibilidade em relao aos acordos firmados, com baixa coordenao macro e microeconmica e com padres tarifrios bastante prximos aos praticados pelo pas.21 O Brasil no tem logrado estabelecer negociaes mais amplas e profundas no campo comercial com os pases vizinhos do que os acordos que estes pases tm com terceiros. Isto tem deixado o Brasil em uma posio fragilizada para liderar um projeto

    17. Ver Menezes e Penna (2005).18. O acordo Chile-EUA foi assinado em 2003 e entrou em vigor em 2004, e o do Peru-EUA foi assinado em 2006 e entrou em vigor em 2008. O Chile tem mais de 40 acordos de livre-comrcio com pases europeus e asiticos.19. Embora tido como acordo basicamente de carter econmico, o Mercosul tem tambm dimenso poltica, como indica a aprovao do Mecanismo de Consulta e Concertao Poltica, da Declarao Presidencial sobre Compromisso Democrtico no Mercosul em 1996, do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrtico em 1998, e, em 2007, do Observatrio da Democracia do Mercosul (ODM).20. Em 1996 Bolvia e Chile tornaram-se associados do Mercosul, e em 2004, por meio de acordo quadro (Deciso CMC No 18/04) para entrada no Mercosul dos pases andinos, tornaram-se tambm associados a Venezuela, a Colmbia e o Equador.21. Argumento semelhante desenvolvido por Vigevani et al. (2008).

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    de integrao econmica regional. Embora problemtica no campo do comrcio de bens, esta posio particularmente significativa no campo do comrcio de servios, no qual o Mercosul dispe de acordos muito rasos internamente e apenas um acordo-quadro com um dos pases associados, o Chile.

    Uma das dificuldades para o avano do Mercosul na regio que a estrutura tarifria do bloco mais alta do que a dos demais pases da regio. Portanto, o ingresso destes pases no bloco implicaria a elevao das tarifas por eles hoje pra-ticadas. Mesmo no caso da Venezuela, cujo padro tarifrio na mdia o mais prximo ao do Brasil, as negociaes para sua entrada no Mercosul implicaro um aumento de tarifas em vrios setores industriais.22

    No obstante, o Brasil no precisou de acordos comerciais para expandir de forma substancial suas exportaes para esse pas nos ltimos anos. Como indica estudo da Confederao Nacional da Indstria (CNI, 2007), as exportaes brasileiras para a Amrica do Sul cresceram a taxas superiores ao crescimento total das exportaes de 1990 a 2006, sendo mais significativas referentes a Argentina, Venezuela e Colmbia, seguidas por Peru e Guiana. Desse grupo, apenas o caso argentino est claramente associado a um projeto de integrao econmica com o Brasil. Por sua vez, as exportaes dos pases extrarregionais para os pases sul-americanos tm crescido de forma ainda mais acelerada do que o crescimento das exportaes brasileiras e podem, j a curto prazo, alterar de forma expressiva a presena econmica regional do Brasil, com destaque para a China.23

    No que tange aos acordos na esfera poltica, tambm prevalece na Amrica do Sul um ambiente com caractersticas semelhantes s do econmico e comer-cial: uma rede de acordos sobrepostos, com objetivos, abrangncia geogrfica e institucionalidades bastante distintas, e em geral pouco relevantes. Alguns acordos de carter bilateral,24 outros sub-regionais,25 se somam a acordos continentais,26 latino-americanos27 e do hemisfrio.28 Amorim (2009, p. 21), se referindo es-pecificamente aos acordos regionais, afirma que no se trata de uma estratgia de crculos concntricos, mas que prefere a expresso 3 nveis de integrao. Estes arranjos regionais concorrem em vrios temas com outros arranjos de carter transregional, tais como a Iniciativa Brasil, ndia e frica do Sul (IBSA), Cpulas Ibero Americanas, Cpula rabe-Sul-americana, Comunidade de Pases de Ln-

    22. Ver Coelho et al. (2006).23. Ver estudo da Cepal (2010). As exportaes chinesas para a regio cresceram mais de 26% ao ano (a.a.) nos ltimos dez anos, enquanto suas importaes cresceram mais de 22% a.a. no mesmo perodo.24. Como o acordo nuclear Brasil-Argentina e a Agncia Brasil-Argentina de Controle e Contabilidade de Material Nuclear.25. Como os acordos polticos no mbito do Mercosul j citados.26. A Unio das Naes Sul-americanas (Unasul) o principal exemplo.27. Como a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, resultante da fuso do Grupo do Rio e da Cpula da Amrica Latina e do Caribe (CALC), criada em fevereiro de 2010.28. Aqui a principal referncia a Organizao dos Estados Americanos (OEA).

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    gua Portuguesa (CPLP), Cpula dos BRICs,29 entre outros. Tal qual no campo econmico e comercial, o nvel do engajamento e comprometimento do Brasil nestes arranjos baixo, baseado em encontros de cpulas e intensa agenda bilate-ral.Embora a prpria pluralidade de iniciativas sugira certa disperso de interesses, a atuao poltica brasileira tem combinado algumas estratgias no regionais como no caso das cpulas da IBSA e dos BRICs, ou bilaterais no mbito da Am-rica Latina ,30 com um esforo de articulao poltica sul-americana. Na ltima dcada, este esforo tem sido no sentido de transformar a Cpula dos Chefes de Estados Sul-americanos realizada por iniciativa do Brasil, em 2000, em Braslia em uma entidade poltica permanente e intergovernamental, com baixa institucio-nalidade. Estas estratgias combinadas tm permitido ao pas atuar ora de forma individual e com significativa margem de manobra para perseguir alguns objetivos polticos prprios, ora liderando aes coletivas regionais por meio da Unasul.

    Dessa forma, tanto no campo econmico como poltico, o Brasil no tem condicionado nem limitado suas estratgias e interesses a um projeto regional. Sua atuao regional seletiva e pouco institucionalizada, combinada com vrias iniciativas de carter bilateral e extrarregional. Assim, a crescente presena regio-nal do Brasil observada nas ltimas duas dcadas tanto na esfera poltica, como na econmica no guarda uma relao causal direta com o projeto de integrao regional. Os projetos de integrao sul-americanos so apenas parte de uma estra-tgia internacional mais ampla do pas, mobilizados na medida em que possam viabilizar ganhos sem comprometer a margem de manobra do pas, nem restringir sua capacidade de ao individual.

    Afirmar que o projeto regional do Brasil no compe o eixo central da estra-tgia internacional do pas no quer dizer que ele no disponha de uma agenda regional positiva. O Brasil construiu nos ltimos anos uma agenda de interesses regionais seletiva e pouco mediada por instituies , mas importante, em par-ticular para alguns segmentos econmicos. O prximo item apresenta e discute essa agenda positiva.

    3 A AGENDA EFETIVA BRASILEIRA PARA A AmRICA DO SuL

    A postura do Brasil frente Amrica do Sul, como visto anteriormente, fruto de certo retraimento frente ao contexto heterogneo e assimtrico da regio, assim como da opo estratgica do pas, na qual prevalece a orientao por baixo compromisso regional. Diante deste quadro, as aes e programas regionais nos quais o Brasil se envolve efetivamente, ou seja, que vo alm de acordos gerais e

    29. A primeira Cpula entre Brasil, China, ndia e Rssia foi realizada em 2009 neste pas. A segunda ocorreu em 2010 no Brasil, e a terceira, em 2011 na China.30. Aqui a atuao do Brasil em Honduras e no Haiti so casos ilustrativos.

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    cartas de intenes, passam a ser possveis apenas em algumas brechas polticas e institucionais. Estas brechas so definidas por espaos nos quais interesses especficos em temas de carter regional no conflitam com a opo mais ampla de no comprometer poltica e economicamente o pas com projetos integracionistas. Portanto, a estruturao de projetos e programas que tratam de temas regionais principalmente econmicos s se viabiliza quando estes podem ser implementados quando mobilizam acordos rasos, envolvendo medidas apenas no mbito de algumas agncias do poder Executivo mais afeitas ao tema regional, sem se exigirem ajustes em polticas pblicas ou padres regulatrios brasileiros, e, principalmente, sem se comprometer a capacidade decisria nacional. De forma geral, tais programas e projetos podem ser implementados sem o envolvimento e a aprovao do Congresso Nacional brasileiro.

    Diante dessa forma de atuao, baseada em uma agenda seletiva e em brechas polticas e institucionais, no de surpreender que no Brasil s sejam viveis temas regionais que se mostrem, de forma geral, rasos do ponto de vista de suas condicionalidades, restritos em termos de escopo e predominantemente bilaterais. Os arranjos com carter regional vigente, ou propostas ao longo desse perodo, com frequncia foram desestruturados ou fortemente diminudos em relao aos seus objetivos originais. Alguns exemplos disso so as enormes restries para a utilizao do Convnio de Crditos Recprocos (CCR)31 nos contratos comerciais regionais,32 a aprovao do Fundo para a Convergncia Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem) 33 com aportes anuais mnimos, a resistncia da Receita Federal frente implementao de vrios acordos aduaneiros e de procedimentos tributrios. As medidas que lograram avanar de maneira efetiva precisaram contar com uma forte coalizo de interesses de atores econmicos, aliada articulao de agncias do poder Executivo com capacidade decisria sobre o tema (uma vez que o Itamaraty no detm autoridade para fazer valer os acordos regionais que promove). Em geral envolveram o Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC) ou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) e no sofreram vetos ou oposio significativa dos membros do poder Legislativo.

    Em consequncia, nos ltimos 15 anos, a agenda regional brasileira foi se moldando tanto s complexidades e oscilaes do contexto sul-americano, como aos espaos polticos domsticos restritos. A diviso de vises estratgicas sobre a Amrica do Sul por parte da elite poltica do pas, somada a um engajamento bastante

    31. Trata-se de um sistema multilateral de crditos entre os pases da Aladi, operados pelos respectivos bancos centrais e que prescinde da utilizao de dlares e outras moedas conversveis. 32. Ver discusso do documento da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministrio da Fazenda (SAIN/MF) (BRASIL, 2005) sobre esse tema, em especial sobre o uso do CCR.33. O Focem foi criado pela Deciso CMC 45/04 em 2006.

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    limitado das agncias dos poderes Executivo e Legislativo, tm impactado diretamente a forma do engajamento do Brasil frente aos regimes e s negociaes regionais formais. Desenhou-se, dessa forma, uma agenda com perfil bastante particular na qual se destacam algumas caractersticas principais: i) preferncia por arranjos pouco institucionalizados e baseados em reunies de cpula, incluindo o prprio Mercosul; ii) projetos com base na noo de integrao econmica rasa, ou seja, que concentram seu foco em questes comerciais em detrimento de temas relacionados integrao produtiva, financeira e logstica; iii) integrao rasa tambm no sentido de compromissos de iniciativas e polticas microeconmicas voltadas a polticas industriais, de pesquisa e desenvolvimento, de crdito etc.; iv) predominncia de programas de cooperao em temas como aduanas, segurana, narcotrfico, polticas sociais etc.; v) iniciativas pontuais na rea de integrao em infraestrutura e energia, nas quais prevalecem as dinmicas bilaterais em detrimento das regionais; vi) preferncia por fortalecer as agncias de crdito domsticas particularmente o BNDES em detrimento da criao de agncias de carter regional; e vii) crescente apoio poltico direto do governo s iniciativas privadas de investimentos diretos greenfield ou s aquisies de ativos produtivos na regio, em detrimento da montagem de arranjos regionais de proteo e promoo de investimentos.

    No que se refere preferncia por arranjos pouco institucionalizados e ba-seados em reunies de cpula, incluindo o prprio Mercosul, so notrias as in-meras reunies presidenciais bilaterais, minilaterais e regionais que ocorrem na Amrica do Sul, em franco contraste com a inexistncia de qualquer instncia regional com algum grau de autoridade. Mesmos os arranjos mais instituciona-lizados da regio o Mercosul e a Comunidade Andina de Naes (CAN) , contam apenas com secretarias executivas e de apoio. O Tribunal Permanente de Reviso aprovado em 2002 e o Parlamento do Mercosul aprovado pela Deciso CMC No 23/05 e previsto para ser eleito diretamente pela populao dos pases membros so tentativas de maior institucionalizao desse projeto, mas com alcance muito limitado. No Brasil, pas mais populoso, maior potncia econmica e nao mais poderosa do ponto de vista poltico e militar, o tema de constituio de instncias regionais supranacionais tende a no fazer parte do rol de interesses de nenhuma fora poltica relevante.

    Alinhada com essa preferncia do pas por arranjos com baixa ou nenhuma institucionalidade, tambm se manifesta uma preferncia por modelo de integrao econmica rasa, principalmente focada em acordos que mais refletem o padro de preferncias comerciais do que de integrao econmica. Estes acordos tm focado as negociaes relativas a barreiras tarifrias e regras de origem, muito mais do que a harmonizao de barreiras regulatrias, tcnicas, fitossanitrias etc. Como o prprio Mercosul ainda no uma rea de livre-comrcio

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    consolidada, e simultaneamente uma unio aduaneira parcial, a pauta do bloco segue atolada de temas relativos a licenas automticas, aumento temporrio de tarifas etc. Avanar no sentido de aprofundar os acordos comerciais existentes, principalmente em relao a barreiras no tarifrias e questes regulatrias, tem se mostrado politicamente difcil. O principal empecilho a resistncia de vrias agncias nacionais em rever e ajustar seus padres aos acordos negociados no mbito do Mercosul, refletido na resistncia em internalizar tais acordos.34

    Uma das razes para essas disputas, levantadas especialmente pelos parceiros do Mercosul, sobre a assimetria competitiva em favor das empresas brasileiras, sobretudo as derivadas do apoio que recebem do aparato de fomento produo, ao crdito, inovao e s exportaes existente no pas. As atuaes da Agncia Brasileira de Promoo de Exportaes e Investimentos (Apex), do BNDES, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Banco do Brasil, da Petrobras e Eletrobrs, entre outros, so vistas como elementos que distorcem a competio dentro do bloco e argumenta-se que deveriam existir mecanismos semelhantes no mbito regional. Parte dessa discusso foi travada em torno da criao do Focem, cuja funo promover a convergncia estrutural e a competitividade, sendo que o Brasil responsvel por aportar 70% do valor total deste fundo e , portanto, parte essencial deste acordo. Os aportes definidos at o momento foram de R$ 100 milhes anuais. Trata-se de uma verba irrisria para fomentar a integrao regional quando comparada, por exemplo, com os R$ 150 bilhes de desembolsos anuais do BNDES.35 Esta desproporo entre polticas de fomento domsticas e projetos regionais um dos argumentos mais eloquentes sobre o baixo engajamento regional do Brasil.

    Ainda seguindo essa linha de argumento, a participao direta e indireta de agncias e programas pblicos no apenas o BNDES, mas tambm, por exemplo, o Programa de Financiamento s Exportaes (PROEX) e Fundo de Garantia Exportao (FGE),36 ou ainda empresas estatais como a Petrobras, a Eletrobrs e os Correios em investimentos, financiamento ou aquisies nos pa-ses da regio tambm reforam o carter de projeo econmica brasileira, mais prximo do modelo hub-and-spoke do que do modelo integracionista.

    Dessa maneira, possvel identificar uma agenda de interesses regional do Brasil, mas longe de ser uma agenda integracionista e ampla, ela seletiva, focada na preservao da capacidade decisria domstica e na manuteno dos instrumentos de fomento com carter nacional e voltada a alavancar projetos e interesses brasileiros.

    34. Estudo feito para a Eletrobrs em 2009 indica que o Brasil internalizou apenas dois dos 12 acordos regionais dos quais signatrio (Prospectiva Consultoria, 2009).35. Valor de desembolso em 31 de junho de 2010 acumulado nos ltimos 12 meses. Ver Boletim de Desempenho do BNDES de 31 de julho de 2010.36. Ambos so enquadrados e acompanhados pelo Comit de Financiamento e Garantia das Exportaes (COFIG), criado pelo Decreto no 4.993 em 2004.

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    Essa forma de atuao do Brasil se aprofundou ainda mais nos ltimos anos diante de um contexto poltico e econmico muito favorvel ao rpido aumento dos investimentos diretos de empresas brasileiras privadas e estatais nos pases da regio. Do ponto de vista poltico, mesmo sem novos acordos regionais significa-tivos, os contatos e negociaes polticas do governo brasileiro com os pases da regio seguem intensos, com o engajamento presidencial direto e envolvimento de parte do primeiro escalo do governo. Do ponto de vista econmico, o de-sempenho do pas nos anos 2000, combinado com a valorizao do real, ofereceu condies vantajosas para as empresas brasileiras redefinirem suas estratgias de negcios regionais e avanarem de forma rpida para projetos de investimentos e aquisies de ativos nos pases vizinhos, embora o avano dos arranjos integracio-nistas regionais no tenha caminhado no mesmo sentido.

    4 O ATIVISmO DIPLOmTICO REGIONAL: DA ALCSA uNASuR

    No mbito diplomtico, desde meados dos anos 1990, ensaiaram-se arranjos polticos baseados na ideia de convergncia de interesses entre os pases da Amrica do Sul em substituio s referncias at ento usuais de Amrica Latina. Durante o governo Itamar Franco, o ento chanceler Celso Amorim sugeriu a criao da rea de Livre Comrcio Sul-Americana (ALCSA) 1994 , no momento entendida como uma reao criao do Nafta37 e, em particu-lar, entrada do Mxico nesse arranjo, assim como ao processo de negociao da rea de Livre Comrcio das Amricas (Alca).38 Esta proposta delineava uma estratgia de desgravao tarifria automtica e linear entre os pases da Amrica do Sul, ao longo de dez anos, visando atingir 80% do universo tari-frio, respeitando a lista de bens sensveis. Este anncio, sem consequncias prticas na poca, foi entendido como um movimento do Brasil para evitar o seu isolamento na Amrica do Sul, diante do avano das negociaes comer-ciais dos EUA com vrios pases da regio, o que de fato acabou ocorrendo.39

    Entretanto essa proposta tambm antecipou algumas das questes que j pairavam no apenas na diplomacia brasileira, mas tambm em algumas reas do governo e da elite poltica nacional, qual seja, a ideia de que alguns interesses estratgicos brasileiros passavam a ser sul-americanos e estavam associados busca de um espao com certa autonomia em relao aos interesses dos EUA e aos arranjos multilaterais. De certa forma estava se processando uma aproxima-o da retrica e da estratgia diplomtica s concepes de base geopolticas at

    37. Em portugus, Tratado Norte-Americano de Livre Comrcio.38. Essa iniciativa j tinha sido anunciada, em setembro de 1993, pelo presidente Itamar Franco em reunio do Grupo do Rio em Santiago do Chile. No entanto, o documento oficial do governo brasileiro sobre o tema circulou apenas em fevereiro de 1994 na reunio da Aladi.39. Ver interessante comentrio poca em Intal/BID (1994).

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    ento mais afeitas ao campo militar e de segurana, que utilizavam a referncia sul-americana de forma mais consolidada.

    A partir desse momento, tornou-se uma meta da diplomacia brasileira mesmo sem engajamento semelhante das demais reas do governo a criao de um arranjo poltico de carter sul-americano, que afinal foi alcanado em 2000, com a reunio de chefes de Estado sul-americanos. Este foi o primeiro encontro com tal carter da histria da regio.40 Desta cpula resultou uma declarao final o Comunicado de Braslia a qual conclamava a integrao entre o Mercosul e a Comunidade Andina, embora seu foco tenha sido temas como o fortalecimento da democracia, a luta con-tra a pobreza e o narcotrfico. Neste encontro tambm foi apresentada e discutida a criao do programa Iniciativa para Integrao Infraestrutural da Amrica do Sul (IIRSA).41 As Cpulas Sul-Americanas passam a ocorrer a cada dois anos.

    Essas duas iniciativas a Cpula da Amrica do Sul e o IIRSA indicam, de um lado, a clara inteno do Brasil em liderar arranjos com carter sul-americano, no apenas buscando definir um espao de concertao poltica regional sem os EUA, como tambm sem o Mxico, um tradicional competidor poltico quando a referncia Amrica Latina (SANAHUJA, 2010, p. 105).42 De outro, o carter de ambas as iniciativas tambm aponta para um modelo de interao regional baseado em cpulas e espaos de coordenao, e no em arranjos de carter in-tegracionista. Estas suas caractersticas, j presentes na ao do Brasil nos anos anteriores, iro se tornar ainda mais evidentes nos anos seguintes, mesmo com algum esforo diplomtico brasileiro em sentido contrrio.

    A IIRSA ilustra de forma acabada esse modelo. Vislumbrado como espao de coordenao de iniciativas no campo da infraestrutura que possam ter impacto regional (pelo menos binacional), a IIRSA funciona com base em um amplo ma-peamento de potencial de interconexes fsicas da regio, denominado eixos de integrao. Com base nesse mapa, os governos negociam e ajustam entre si suas prioridades e buscam formas de viabiliz-las (TAVARES, 2009). Embora a ideia original dessa iniciativa incorporasse tanto a dimenso fsica como a regulatria, os avanos ocorridos nestes projetos, alm de bastante limitados, esto centrados no campo das interligaes fsicas principalmente vinculadas ao transporte ro-dovirio. A dimenso regulatria, mais voltada para a integrao dos mercados de oferta e demanda dos servios de infraestrutura, no tem obtido avanos sig-nificativos. Na dimenso fsica deste programa, alguns projetos tm avanado, sempre que os pases envolvidos logram mobilizar as agncias financeiras tanto

    40. Cpula dos Chefes de Estados Sul Americanos ocorrida em Braslia em 2000.41. Ver ntegra do Comunicado disponvel em .42. Outro fato relevante nesse contexto foi a vinda do Suriname e da Guiana para o arranjo regional.

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    domsticas (com destaque aqui para o BNDES brasileiro) quanto multilaterais, incluindo a Corporao Andina de Fomento (CAF), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial. Ou seja, trata-se de uma iniciati-va de coordenao bastante descentralizada e com baixssimo grau de institucio-nalidade, e que tem por base a constituio de um espao para a coordenao de projetos de infraestrutura.43

    Com a mudana do contexto poltico e econmico nos anos seguintes, tanto no Brasil como em vrios pases da regio crise aguda Argentina, tentativa de golpe de Estado na Venezuela, agitao poltica na Bolvia e eleio de Evo Morales, entre outras , a ao diplomtica regional do pas passa a enfrentar um cenrio menos favorvel sua estratgia de construir de forma lenta e gradual uma liderana poltica. No obstante, nos anos seguintes a poltica diplomtica brasileira ir tentar sustentar vrias iniciativas ousadas, mesmo diante das resistncias da Colmbia em participar de arranjos regionais que no reconheam de forma explcita e prioritria o combate ao grupo guerrilheiro Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC), da competio do projeto bolivariano lanado pelo presidente Hugo Ch-vez, das vrias crises polticas internas pela qual passaram Equador e Bolvia, alm das constantes disputas comerciais e diplomticas com a Argentina.

    A dinmica das cpulas sul-americanas nos anos seguintes ilustrou esse processo. Ainda sob o impacto da crise argentina (em 2001 e 2002), assim como dos eventos na Venezuela que se seguiram tentativa de golpe em 2002, a II Cpula Sul-americana realizada em Guayaquil, em 2002, se limitou a reafir-mar as orientaes da I Cpula. Com a inaugurao do governo do presidente Lula em 2003, o Brasil buscou retomar a ofensiva diplomtica sul-americana e concentrou seus esforos para aprovar, na III Cpula em 2004, realizada em Cusco, a criao da Comunidade Sul-americana de Naes (Casa). Seus prin-cipais objetivos foram definidos na ocasio: a integrao fsica e a integrao institucional, ambos em um prazo de 15 anos.

    Na cpula seguinte, em 2006 em Cochabamba, o clima de desconfiana com relao viabilidade do projeto de integrao regional foi notvel. Em pelo menos trs pronunciamentos presidenciais Alan Garca do Peru, Hugo Ch-vez da Venezuela e Tabar Vsquez do Uruguai o tema veio tona. Diante do clima de pessimismo sobre as iniciativas sul-americanas, tidas mais como even-tos polticos do que como espao para decises concretas, coube ao Brasil, e ao presidente Lula, argumentar que existe um projeto regional comum e que ele est em andamento.44 Tambm nessa cpula, e voltada a arrefecer os tons das crticas, definiu-se a criao de uma comisso de altos funcionrios e de grupos

    43. Para um balano das caractersticas e desempenho dos dez anos de atividade da IIRSA, ver Arajo Jr.(2009).44. Ver matria veiculada pela BBC-Brasil, em 10 de dezembro de 2006, citando trechos desses discursos.

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    de trabalho nas reas prioritrias de infraestrutura, energia e polticas sociais, cujo objetivo assegurar a implementao das decises tomadas na cpula. Ao final, duas novas cpulas sul-americanas foram definidas, uma em 2007, com foco em integrao energtica, e outra em 2008, em Cartagena, Colmbia, posteriormen-te transferida para Braslia.

    Na Cpula de 2007, realizada na Venezuela Ilha Margarita , o Brasil seguiu a estratgia de liderar a constituio de um frum poltico sul-americano, mesmo diante de um ambiente de baixo dinamismo nos projetos de integra-o. Com este intuito, a diplomacia brasileira encabeou a proposta de criao da Unio das Naes Sul-Americanas (Unasur). Embora ainda fosse fruto de uma costura poltica frgil, tanto dentro das instituies polticas brasileiras, como entre os pases da regio, a Unasur foi criada com 21 objetivos bastante audaciosos, desde a erradicao do analfabetismo at a integrao financeira.45 Na mesma linha e tambm proposta pelo Brasil, em dezembro de 2008, defi-niu-se a criao de um conselho de defesa assim como de alguns novos grupos de trabalho, sob forte ceticismo dentro e fora do Brasil sobre a viabilidade poltica deste frum e sua real relevncia, alm da resistncia explcita da Colmbia proposta.46

    Dessa forma, mesmo no contando com apoio amplo e entusiasmado dos demais pases da regio, o Brasil tem mantido um razovel ativismo diplom-tico e logrado a aprovao das propostas de criao de uma referncia poltica sul-americana.47 Vale notar que, embora recm-criado, o polmico Conselho de Defesa acabou sendo til na mediao da crise poltica boliviana em 2009, pois foi mediante o abrigo deste arranjo que os pases da regio, inclusive o Brasil, influenciaram em favor de uma soluo negociada e pacfica para esta crise.48 A Unasur tem desempenhado papel em outras crises polticas e de segurana na regio, como foram os casos da crise entre Colmbia e Equador em 2008, quando aquele atacou supostas bases de operaes da FARC, ou ainda, quando a Colm-bia denunciou na Organizao dos Estados Americanos (OEA) que o governo venezuelano mantinha relaes e apoio s FARC. Esta dinmica indica como o objetivo do Brasil de estender sua influncia e capacidade de ao na Amrica do Sul tem avanado nos ltimos anos, e como a Unasur, mesmo que de maneira ainda embrionria, tem cumprido um papel incipiente nesse sentido.

    45. A Unasur formada pelo Conselho de Chefes de Estado e Governo, Conselho de Ministros de Relaes Exteriores, Conselho de Delegados e uma Secretaria Geral. Aprovado em 2007, o tratado de fato assinado em 2008. ntegra do Tratado Constitutivo disponvel em: .46. Esse debate foi amplamente reportado. Ver, por exemplo, Jornal Folha de So Paulo. Falta de consenso impede a criao do Conselho de Defesa (24/05/2008) e Jornal Valor Econmico. Organizao regional j nasce marcada por atritos (23/05/2008). 47. Para uma anlise sobre o processo sul-americano com uma perspectiva prxima do governo brasileiro, ver, por exemplo, Biato (2010).48. Ver artigo Lula toma as rdeas na crise boliviana, diz El Pas. In: BBC-Brasil. 16/09/2008.

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    Paralelamente a esse esforo brasileiro, o presidente Hugo Chvez tem mantido uma iniciativa que, de certa forma, confronta as bases e objetivos da Unasur, que foi denominada pelo lder venezuelano de iniciativa conservadora, pois se apoia em instituies conservadoras j existentes como o Mercosul e a CAN. Trata-se da Aliana Bolivariana dos Povos das Amricas (Alba), anunciada em 2001 na Cpula da Associao dos Pases Caribenhos, mas logrando uma primeira reunio apenas em 2004, ento com apenas a participao da Venezuela e de Cuba. Nos anos seguintes aderiram Alba a Bolvia (2006); a Nicargua (2007); Repblica Dominicana e Honduras (2008); e o Equador (2009). Sua ampla agenda de desenvolvimento e integrao social, econmico, tecnolgico, energtico, entre outros temas, se manifesta de fato do ponto de vista material nos acordos envolvendo o comrcio de petrleo entre a Venezuela e esses pases (ALTMANN, 2007).

    Essa iniciativa no chega a representar uma alternativa poltica de fato ao pro-jeto e agenda regional do Brasil. A pequena tradio da Venezuela como ator poltico regional, a fragilidade do governo de Hugo Chvez, alm da baixa comple-mentariedade econmica entre os pases deste agrupamento, pesam contrariamente sua consolidao como bloco efetivo. Contudo, do ponto de vista da poltica diplomtica regional brasileira, tal iniciativa representa um rudo na medida em que capaz de mobilizar interesses e eventos polticos regionais no apenas prescindindo da presena do Brasil, como utilizando bases de relacionamento econmico e co-mercial bastante distintas das propostas brasileiras para a regio.49

    Dificuldades de outra natureza surgiram no processo de criao do Banco do Sul. A proposta inicial dos presidentes Hugo Chvez, Nstor Kirchner, Evo Morales e Rafael Correa era criar um banco que combinasse as funes de desenvolvimento, de gestor das reservas externas e de banco central regional, capaz de apoiar os bancos centrais em caso de crises cambiais e de, mais adiante, tornar-se o emissor da moeda regional. Para entrar no processo, o Brasil exigiu que as negociaes voltassem ao ponto de partida e conseguiu dos scios que o desenho do banco seguisse o modelo de um banco de desenvolvimento, como se fosse um BNDES regional. Pelo modelo ao final aprovado pelos presidentes, o Banco do Sul surgiria com capital reduzido, da ordem de US$ 7 bilhes, sendo a contribuio brasileira de US$ 2 bilhes, valor semelhante s parcelas de Argentina e Venezuela. Ademais, o Brasil no se comprometeu com um cronograma de aporte, sinalizando que este pode no ocorrer em curto ou mdio prazo. Neste mesmo perodo o Brasil realizou um aporte de US$ 10 bilhes ao FMI, o que ajudou a demonstrar o evidente baixo interesse do Brasil pelo novo banco.

    49. A postura diametralmente oposta do Brasil e da Venezuela frente crise econmica e ao calote da dvida externa Argentina, na qual o Brasil se afastou politicamente enquanto a Venezuela ofereceu ajuda, comprando mais de US$ 3 bilhes em ttulos da dvida externa desse pas no momento em que este estava excludo do mercado financeiro internacional, no passou despercebida nem pela mdia, nem pelos pases da regio. Ver, por exemplo, repercusso no Jornal Folha de So Paulo: Venezuela pode comprar ttulos da dvida do Equador. 22/02/2007.

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    Diante desse processo, interessante notar as negociaes ocorridas em re-lao reforma da CAF, a qual foi vista pelo Brasil como forma mais interessante de conduzir as discusses sobre a estruturao de uma agncia financeira regional. Originalmente controlada pelos membros da CAF, o Brasil apoiou a ideia de transform-la na principal instituio de fomento da regio, esvaziando as discus-ses relativas ao Banco do Sul. Esta instituio amplamente reconhecida pelo profissionalismo e eficincia na estruturao de projetos financeiros na regio, com relativa iseno no jogo poltico interno dos pases, e avaliado pelo mercado como de baixssimo risco (denominada tambm como triple A). A participao do Brasil nas aes da CAF, que era de US$ 185 milhes (R$ 325,4 milhes), dever alcanar US$ 467 milhes (R$ 821,4 milhes) at 2010.50

    No campo financeiro a estratgia de reprovao dos rumos das negociaes em torno do Banco do Sul, e a assertiva em relao reforma da CAF, foram tam-bm acompanhadas da tentativa por parte de alguns grupos governamentais de revigoramento de instituies tradicionais de fomento da integrao regional. So exemplos deste esforo ainda que de forma modesta a tentativa de ampliar a utilizao do CCR no mbito da Aladi diante da resistncia do Banco Central e da Secretaria do Tesouro Nacional, alm da criao do Focem, em 2006, e a reestrutu-rao do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).51

    Essas iniciativas, contudo, no revertem a postura de cautela em relao a iniciativas na regio, deixando a cargo do BNDES o apoio direto s empresas e o desenvolvimento dos instrumentos de apoio ao comrcio.

    Em suma, no obstante o interesse de uma parcela do governo em particular da diplomacia e da elite poltica e econmica do pas, a capacidade do Brasil para efetivar seus projetos regionais tem sido reduzida. O grande ativismo diplomtico do pas nos ltimos anos tem logrado produzir um ambiente integracionista din-mico. Encontrando resistncia tanto dentro da burocracia pblica brasileira, como em um ambiente regional de crescente instabilidade e descoordenao poltica, o pas tem atuado no sentido de limitar o avano dos projetos integracionistas.

    5 COmRCIO E INVESTImENTOS REGIONAIS

    O mbito comercial uma vertente interessante para se avaliar os avanos e limi-tes da referncia sul-americana nas estratgias do Brasil. Tambm neste aspecto esta estratgia tem mostrado um razovel ativismo brasileiro, mas, ao mesmo

    50. Ver ata da Assembleia extraordinria da CAF de 08/12/2009, na qual fica definido que o Brasil se tonar um membro especial (Oliveira, 2009).51. Os dois fundos contam com recursos bastante limitados. A capitalizao do Focem de US$ 100 milhes, enquanto o do Fonplata de US$ 160 milhes. Para uma base de comparao, o BNDES movimenta mais de US$ 80 bilhes em emprstimos por ano.

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    tempo, tem acumulado problemas do ponto de vista da assimetria de polticas tanto comerciais como industriais e de crdito.52 Desde os anos 1980, o Brasil passou a incrementar de forma sensvel suas exportaes para a Amrica do Sul e Latina. Hoje elas representam cerca de US$ 28 bilhes. Aps um auge do comr-cio regional em 1999, a crise argentina dos anos 2000-2002 deslocou parte deste fluxo, que foi recuperado a taxas elevadas nos anos seguintes (tabela 1).

    TABELA 1Exportaes brasileiras por regio (Em %)

    2001 2004 2007 2008 2009

    Amrica do Sul1 6,4 6,6 9,1 8,4 8,2

    Mercosul 2,4 8,6 10,5 11,0 10,3

    Unio Europeia 7,2 25,6 23,9 23,4 22,2

    China 2,6 5,9 6,4 8,3 13,2

    Mxico 3,2 3,9 2,9 2,2 1,7

    Estados Unidos 4,2 21,7 16,6 13,9 10,2

    ndia 0,4 0,7 0,6 0,6 2,2

    Japo 3,9 3,0 2,8 3,1 2,8

    Rssia 1,3 1,9 2,4 2,4 1,9

    frica do Sul 0,6 1,0 1,1 0,9 0,8

    Outros 17,6 21,1 23,6 26,0 26,4

    Total em R$ milhes 56.703 84.941 149.228 197.942 152.995

    Fonte: Ribeiro e Lima (2008).

    Nota: 1 Exclusive Mercosul.

    Do ponto de vista das relaes econmicas regionais, pode-se afirmar que a Amrica do Sul cumpre um papel estratgico ao Brasil por pelo menos trs razes. Em primeiro lugar, a regio responsvel por quase 20% das exportaes brasi-leiras nos ltimos anos. Em segundo lugar, o Brasil tem produzido supervits im-portantes com os pases da regio.53 Segundo Souza, Oliveira e Gonalves (2010, p. 23), ao invs de o Brasil ser um comprador de ltima instncia dos pases menores da regio, as relaes se inverteram, e estes tm sido os compradores de ltima instncia do Brasil. Embora politicamente pouco sustentvel, esta situao reflete a razovel margem de preferncia comercial e/ou de competitividade que o pas ainda possui nos pases vizinhos. Em terceiro lugar, chama a ateno o perfil das exportaes brasileiras para a regio, fortemente concentrado em produtos

    52. Ver discusso sobre assimetrias e poltica de integrao no Mercosul em Souza, Oliveira e Gonalves (2010).53. O Brasil acumula um saldo comercial positivo com a Argentina, Paraguai e Uruguai, entre 2004 e 2008, de apro-ximadamente US$ 22 bilhes.

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    industrializados cerca de 95%. Ou seja, a regio particularmente importante como mercado importador para o setor industrial de tecnologia mdia.

    Outra caracterstica marcante do comrcio do Brasil com a Amrica do Sul o seu carter setorial. As exportaes do setor agropecurio so muito reduzidas no mercado regional, enquanto os setores de mdia e alta tecnologia so bastante expressivos. Em alguns casos, mais de dois teros das exportaes brasileiras de setores de alto valor agregado se destinam a esses mercados como no caso de equipamentos eletrnicos, com destaque para os setores automobilstico, qumi-co, mquinas e equipamentos eletroeletrnicos (tabela 2).

    TABELA 2Totais das exportaes brasileiras e para a Amrica do Sul por setor (2008)

    Setor de atividades/ProdutoTotal brasileiro Destino Amrica do Sul Amrica do Sul

    Total (%)Valor Part. (%) ValorPart. (%)

    Indstria automotiva 15.572 12,2 6.250 26,1 40,1

    Qumicos e petroqumicos 11.768 9,2 3.347 14,0 28,4

    Siderurgia e metalurgia 14.949 11,7 2.433 10,2 16,3

    Equipamentos eletrnicos 3.797 3,0 2.259 9,4 59,5

    Mquinas e equipamentos 5.492 4,3 1.743 7,3 31,7

    leos brutos de petrleo 5.529 4,3 1.076 4,5 19,5

    Material eltrico 3.244 2,5 1.020 4,3 31,5

    Txtil 1.869 1,5 710 3,0 38,0

    Celulose, papel e grfica 3.764 2,9 693 2,9 18,4

    Minrio de ferro 8.123 6,4 341 1,4 4,2

    Calados 1.965 1,5 283 1,2 14,4

    Subtotal 76.072 59,5 20.157 84,3 26,5

    Demais produtos 51.817 40,5 3.754 15,7 7,2

    Total brasileiro 127.889 100,0 23.911 100,0 18,7

    Fonte: Ribeiro e Lima (2008).

    Tanto Benavente (2001) como Ocampo (2001) sustentam que o crescimento do comrcio intrarregional de manufaturas na Amrica Latina esteve ao longo dos anos 1990 relacionado, de um lado, s vantagens relativas de acesso aos mercados derivadas de alguns acordos de integrao e, de outro, falta de competitividade em terceiros mercados destes produtos. Em linha com este argumento, estes autores indicam uma tendncia dicotmica do comrcio internacional dos pases da regio, na qual os pases tendem a direcionar para a regio produtos manufaturados e para o mercado extrarregional produtos bsicos e de baixo valor agregado.

    Esse desempenho, que esteve associado a certa margem de preferncia co-mercial via acordos da Aladi e tambm do Mercosul, se altera nos anos 2000. Estas margens foram progressivamente corrodas ao longo dos anos 1990, tanto

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    em funo do processo de abertura unilateral de parte importante dos pases da regio, como por conta de vrios acordos de livre-comrcio firmados com pases de fora da regio. O Chile com mais de 35 acordos de livre-comrcio em vigor, inclusive com a China e o Mxico, so os casos mais marcantes desta dinmica. Mais recentemente o Peru e a Colmbia adotaram estratgias semelhantes, ambos tm acordos firmados com os EUA e outros pases.

    O Brasil, e em menor grau a Argentina, o pas que mais fortemente ainda reflete esse padro comercial. No obstante, como indica a tabela 2, a regionali-zao das exportaes de manufaturas com contedo tecnolgico mdio passou a ser muito concentrada em alguns setores.54

    O caso do setor de servios bastante distinto do setor industrial, porm igualmente interessante e estratgico para o adensamento da insero regional do Brasil. Nos ltimos 20 anos o setor de servios consolidou-se como o mais dinmico do comrcio internacional, e possivelmente ser neste campo que se concentraro as principais questes comerciais nas prximas dcadas.55

    O Protocolo de Montevidu focado em servios e negociado no mbito do Mercosul foi assinado em 1994 e apenas dez anos depois, em 2005, entrou de fato em vigor, sendo que, das cinco listas negociadas, apenas a primeira co-meou a ser implementada.

    O Brasil possui vrios exemplos de excelncia em reas de servios e de tecnologia. Servios de engenharia e construo so os nicos setores na balana de pagamentos do pas que so superavitrios. O segmento de servios de tecnologia da informao (TI) e business process outsourcing (BPO), rea de destaque da insero internacional da ndia, outro exemplo de setor onde o Brasil j demonstra grande capacidade competitiva e comea a incrementar suas exportaes e sua internacionalizao. Algumas reas de software, tais como comando de voz e aplicativos para celulares, so casos tambm de destaque. Boa parte dos celulares exportados pelo pas o boom recente de exportao de Manaus que atingiu quase US$ 2 bilhes carregam uma tecnologia embarcada de servios, embora sejam contabilizados como bens.

    A Amrica do Sul considerada estratgica para os setores de infraestrutura. A proximidade geogrfica tende a facilitar as operaes em termos de logstica e envio de mquinas, equipamentos e materiais. O conhecimento, por parte das empresas brasileiras, das particularidades do mercado e da realidade poltica nesses pases, fa-cilita as operaes na regio em comparao com outras partes do mundo. Ademais,

    54. O caso do setor farmacutico ilustra bem esse argumento. Cerca de 80% das exportaes brasileiras do setor se destinam Amrica Latina. Embora tenha ocorrido uma reduo das margens de preferncias tarifrias regionais ao longo dos anos 1990 e 2000, o Brasil logrou manter presena razovel nesses mercados, principalmente naqueles onde as preferncias foram anteriores s aberturas unilaterais desses pases ou naqueles onde a margem de prefern-cia se manteve, com destaque para os pases do Mercosul. Ver Barbosa, Mendes e Sennes (2006).55. Ver Sennes, Valls e Mulner (2010).

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    as construtoras brasileiras sentem-se mais habilitadas a lidar com o risco poltico da regio, o mesmo no ocorrendo com construtoras europeias e norte-americanas.

    Fato que evidencia a importncia da Amrica do Sul para as construtoras brasileiras a contribuio das atividades sul-americanas para seu faturamento global. As atividades internacionais correspondem a, pelo menos, 30% do fa-turamento total, sendo que em alguns casos atingem 75% do faturamento total da empresa, com forte tendncia de expanso. E a quase totalidade destas cifras advm de atividades na regio.56

    Outro dado relevante sobre a presena regional do Brasil so os investimen-tos brasileiros diretos. A presena produtiva de empresas brasileiras no exterior medida pelo estoque de investimento direto brasileiro (IDB) comeou a ser contabilizada pelo Banco Central brasileiro apenas em 2001. Neste ano, o Brasil possua estoque de IBD de pouco menos de US$ 50 bilhes, enquanto em 2006 este volume foi de US$ 114 bilhes, com alta de 129,7%. Neste processo, os pa-ses da regio ocupam um papel de destaque. A tabela 3 oferece parmetros sobre a intensidade deste movimento.

    TABELA 3 Investimento externo direto: projetos de investimentos brasileiros em pases da Amrica do Sul (2007 a 2009)

    Nmero de projetos - realizados

    Trimestre 2007 2008 2009

    1o 5 6 4

    2o 8 9 2

    3o 10 3 3

    4o 10 10 3

    n.d. 2 1 -

    Total global 35 29 12

    Fonte: IndexInvest Brasil, produzido pelo Cindes. Disponvel em .

    Na lista das maiores multinacionais brasileiras, a presena de ativos nos pa-ses da Amrica do Sul uma constante e, na maior parte dos casos, dominante. Mesmo em empresas de perfil claramente global, como o caso da Vale, a presena regional relevante. Em 2007, este grupo detinha US$ 56 bilhes investidos fora do pas e estava presente em quatro pases da regio.

    A compra das operaes sul-americanas do BankBoston, na Argentina, Chile e Uruguai pelo Banco Ita que j dispunha de associado na Argentina na figura do Banco Buenos Aires refora a presena do pas em reas at ento pouco exploradas. Os bancos pblicos como o Banco do Brasil e a Caixa Econmica

    56. Ver Prospectiva Consultoria (2008).

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    Federal sinalizam interesse em seguir tambm neste rumo, sendo que o BNDES inaugurou em 2008 agncias em Montevidu.

    TABELA 4Principais empresas multinacionais brasileiras em operao na Amrica do Sul

    Empresa Setor Pases

    Gerdau (14 pases) Siderurgia

    Amrica LatinaArgentina, Chile, Colmbia, Uruguai, Peru, Venezuela, Repblica Dominicana, Guatemala, Mxico

    Amrica de Norte Estados Unidos, Canad

    Europa Espanha

    sia ndia

    Vale (26 pases) Minerao

    Amrica Latina Argentina, Chile, Peru, Colmbia

    Amrica do Norte Estados Unidos, Canad

    frica frica do Sul, Angola, Moambique, Guin

    Europa Frana, Pas de Gales, Sua, Alemanha, Inglaterra, Noruega

    siandia, Om, Monglia, China, Cingapura, Indonsia, Coreia do Sul, Japo

    Oceania Austrlia, Nova Calednia

    Petrobras (26 pases) Energia

    Amrica LatinaArgentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru, Bolvia, Equador, Colmbia, Venezuela, Mxico

    Amrica do Norte Estados Unidos

    frica Angola, Lbia, Moambique, Nigria, Senegal, Tanznia

    sia China, Cingapura, ndia, Ir, Japo, Paquisto

    Europa Portugal, Reino Unido, Turquia

    Empresa Setor Pases

    Votorantim (14 pases) Diversos

    Amrica Latina Argentina, Bolvia, Peru, Colmbia, Bahamas

    Amrica do Norte Estados Unidos, Canad

    Europa Inglaterra, Blgica, Alemanha, Sua

    sia China, Cingapura

    Oceania Austrlia

    Camargo Corra (13 pases)

    Diversos

    Amrica LatinaArgentina, Bolvia, Peru, Colmbia, Venezuela, Paraguai, Chile, Uruguai, Mxico

    Amrica do Norte Estados Unidos

    frica Angola, Marrocos

    Europa Espanha

    JBS (14 pases) Frigorficos

    Amrica Latina Argentina, Chile, Mxico

    Amrica do Norte Estados Unidos

    Europa Inglaterra, Itlia, Sua

    frica Egito

    sia China, Hong Kong, Coreia do Sul, Taiwan, Japo

    Oceania Austrlia

    Fonte: IndexInvest Brasil, produzido pelo Cindes. Disponvel em .

  • revista tempo do mundo | rtm | v. 2 | n. 3 | dez. 2010136

    A expanso internacional de empresas de pases em desenvolvimento en-frenta a desvantagem de elas serem menos competitivas que suas rivais de pases desenvolvidos. Com isso, a atuao conjunta do Estado e da empresa, via polticas pblicas de apoio e poltica externa proativa, tendem a se tornar fatores ainda mais fundamentais na medida em que tendem a amenizar tais desvantagens.

    Esse um aspecto no qual o Brasil no possui tradio, mesmo porque o processo de internacionalizao de suas empresas como fenmeno amplo e consolidado recente. No obstante, o pas dispe de capacidade poltica e institucional em vrias reas que podem ser mobilizadas visando uma atuao internacional proativa s multinacionais brasileiras. Nesse sentido, o espao eco-nmico sul-americano ganha importncia destacada.

    6 PROJETO IIRSA

    A Iniciativa para Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), fruto da primeira reunio de presidentes da Amrica do Sul em 2000, possui o desgnio de unir fisicamente o continente, com projetos de infraestrutura nas reas de transportes, energia e comunicaes. Para tanto, tem seus objetivos especficos relacionados dinamizao do comrcio bilateral, ao estmulo ao desenvolvimento das regies fronteirias, ao apoio consolidao de cadeias produtivas a fim de fomentar competitividade nos grandes mercados mundiais e reduzir o custo Sul-Amrica por meio da criao de uma plataforma logstica articulada.

    Participam desta iniciativa 12 governos sul-americanos com o apoio tcnico de trs organizaes internacionais multilaterais incumbidas de mobilizar finan-ciamentos para tal empreitada: o BID, a CAF e o Fonplata.

    Nos ltimos anos, no mbito desse programa uma carteira de mais de 335 projetos foi definida, estes distribudos em 40 grupos, com um montante total esti-mado em US$ 37 bilhes. Seu rol de atuao pautado por dez eixos de integrao e desenvolvimento definidos conforme os fluxos atuais e potenciais de concentrao econmica. Outro foco so os processos de matizao de gargalos reguladores, ope-racionais e institucionais que impedem a efetiva integrao fsica. 57

    No que se refere ao caso brasileiro, medidas para implementar a integrao de infraestrutura fsica vinham sendo reali