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Um exercício de análise a alguns capítulos da obra «Outsiders» de H. S. Becker, tendo em conta uma abordagem crítica à sua sociologia do desvio.
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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA – 1º ANO
2009/2010
RECENSÃO CRÍTICA:
OUTSIDERS – STUDIES IN THE SOCIOLOGY OF DEVIANCE
(H. BECKER)
Autor:
Gonçalo Marques Pereira Soares Barbosa, 090713036
Docente: Paula Guerra
Unidade curricular: Teorias Sociológicas II
Porto, 5 de Julho de 2010
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
Outsiders – Howard Becker
1
Sumário
Contextualização ....................................................................................................................2
Síntese da obra .......................................................................................................................3
Crítica contextual ...................................................................................................................7
Referências bibliográficas ..................................................................................................... 10
Anexo I .................................................................................. Erro! Marcador não definido.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
Outsiders – Howard Becker
2
Contextualização
Realizada no âmbito da unidade curricular de Teorias Sociológicas II do 1º ano da
licenciatura em Sociologia da Universidade do Porto, esta recensão crítica tem como
objectivo a síntese e crítica de uma obra de um autor das escolas de pensamento abordadas
nesta unidade curricular.
Esta recensão será composta por duas partes. Primeiramente, efectua-se uma síntese à
obra escolhida, com o apoio a uma ficha de leitura da mesma. Posteriormente, e com recurso a
uma segunda obra, neste caso não necessariamente de um autor estudado na unidade
curricular, procura-se efectuar uma crítica contextual, criando-se um confronto de opiniões
que permita salientar os pontos fortes e fracos da primeira obra.
Pela relevância do interaccionismo simbólico para a sociologia americana, Outsiders
de Howard Saul Becker apresenta-se como uma das opções para esta recensão. Publicada no
ano de 1963, esta monografia é basilar no currículo deste sociólogo e encontra-se organizada
em dez capítulos. Em resultado da sua extensão e pelas implicações metodológicas da
avaliação desta recensão crítica, apenas poderão ser analisados três desses capítulos: 1 –
Outsiders; 3 – Becoming a marihuana user e 4 – Marihuana use and social control. A sua
síntese corresponderá ao primeiro eixo central desta recensão. Esta obra teve como centro
uma argumentação que demonstrasse que o desvio social é um fenómeno comum, e ao
mesmo tempo rejeitar as visões patológicas de desvio.
Howard Saul Becker nasceu a 18 de Abril de 1928, em Chicago, no estado de Illinois.
Estudou na Universidade de Chicago, onde obteve o bacharelato (1946), o mestrado (1949) e
o doutoramento (1951) em sociologia. Para a sua tese, Becker estudou os professores de
Chicago, debruçando-se sobre os problemas sociais dessa época, nomeadamente das
interacções simbólicas que envolviam questões de raça ou estatuto social.
Grande aficionado pela música Jazz, Becker encontrou no seu professor de piano uma
primeira motivação para a sociologia. Através do contacto com as carreiras de músicos
dançarinos profissionais e das pesquisas a partir daí efectuadas, resulta o livro Outsiders
(1963), objecto de análise desta recensão crítica.
Becker deu aulas nos departamentos de Sociologia de várias universidades dos EUA,
incluindo a de Washington ou a da Califórnia. A par disso, desenvolveu pesquisa, escrita e
ensino em campos da sociologia como a sociologia da arte ou dos métodos qualitativos.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
Outsiders – Howard Becker
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Obras como Boys in White: Student Culture in Medical School (1961); Art Worlds
(1982) ou Writing for Social Scientists (2007) são alguns dos destaques deste sociólogo.
A segunda obra, usada para a crítica contextual, denomina-se O poder simbólico, de
Pierre Bourdieu. Serão analisados em particular dois capítulos: I – Sobre o poder simbólico e
VI – Espaço social e génese das «classes». Esta obra é a primeira de um conjunto de ensaios
em que se privilegia a reflexão sobre o ofício do sociólogo e exploram-se conceitos como
espaço social, habitus e campo.
Síntese da obra
Após a leitura dos capítulos da obra, e após a realização da sua ficha de leitura, que se
encontra no anexo I, procede-se agora à sua síntese.
Becker inicia o primeiro capítulo com a apresentação da sua definição de desvio:
«Quando uma regra é quebrada, a pessoa que supostamente a quebrou poderá ser vista como
um tipo especial de pessoa, na qual não se pode confiar para viver sob as regras acordadas
dentro de um grupo. Essa pessoa é designada como outsider.» (Becker, 1973, p. 1)1. O autor
refere ainda que pode existir um segundo tipo de desvio, que ocorre quando o próprio
desviante considera que a pessoa que criou a regra é que é desviante, pois criou uma regra
injusta.
Posteriormente, explora as várias concepções já existentes de desvio, e apresenta
alguns argumentos que expliquem o porquê de estarem erradas ou mais distantes da realidade
do que a que é apresentada pelo próprio. Deste modo, rejeita o desvio estatístico, o desvio
patológico, o desvio como fonte de desequilíbrio numa sociedade e o desvio como
incapacidade de seguir as regras de um determinado grupo, tal como é explicado no quadro 1.
O sociólogo indica que o seu centro analítico não será as características pessoais e
sociais dos desviantes, mas antes o processo pelo qual um indivíduo se torna desviante.
Becker argumenta que o desvio é variável, isto é, pode ser sentido com intensidades
diferentes, e para isso está dependente do tipo de pessoa que comete o desvio e pelo tipo de
1 «When a rule is enforced, the person who is supposed to have broken it may be seen as a special kind of
person, one who cannot be trusted to live by the rules agreed on by the group. He is regarded as an outsider»
(Becker, 1973, p. 1)
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
Outsiders – Howard Becker
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pessoa que é prejudicada com esse desvio. Para além disso, o autor refere que varia também
com o tempo.
Quadro 1
Concepções de desvio rejeitadas por Becker
Concepções de desvio rejeitado Argumentação do autor para o rejeitar
Desvio estatístico Demasiado simplista e trivial, pois limita-se à dimensão
estatística. É desvio aquilo que foge à média.
Desvio patológico
O desvio é encarado como uma doença, contudo os conceitos de
saúde e doença são subjectivos e variam de sociedade para
sociedade.
Desvio como fonte de desequilíbrio
numa sociedade Visão funcionalista e que ignora a dimensão política do desvio.
Desvio como incapacidade de seguir
as regras
A diversidade de grupos nas sociedades contemporâneas faz com
que o simples facto de seguirmos as regras de um grupo, faça
com que passemos a ser vistos como desviantes nos restantes.
Para este sociólogo, o desvio surge pela existência de uma pluralidade de grupos, cada
qual com o seu conjunto de regras e normas, levando a que seja não só provável como
constante a existência de comportamentos desviantes.
O autor conclui o primeiro capítulo com uma referência a quem cria essas regras: é
quem detém o poder legal ou extra-legal que tem a capacidade de coagir os outros indivíduos
a seguir as regras que cria. Esse poder varia de acordo com características como género, etnia
ou idade. Becker exemplifica que normalmente são os pais a criarem as regras que os filhos
devem seguir.
Nos capítulos seguintes, Becker analisa um comportamento desviante, o consumo de
marijuana. O autor aplica a sua visão de desvio e apresenta a carreira de um utilizador de
marijuana. O capítulo 3 inicia-se com uma interrogação: o autor questiona qual será o motivo
para alguns indivíduos terem esse consumo. As explicações já existentes para este
comportamento apontam para causas psicológicas, como uma necessidade de fantasia ou de
fugir de problemas psicológicos que o indivíduo não consegue enfrentar.
O sociólogo considera que não há uma motivação desviante que leve a um
comportamento desviante, mas antes o inverso: para um comportamento desviante gera-se
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
Outsiders – Howard Becker
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uma motivação desviante. Becker tenta perceber quais as mudanças de comportamento que
ocorrem num individuo que levem ao consumo da marijuana por prazer. Ou seja, o sociólogo
desde logo assume um destaque para o consumo por prazer ou recriacional, enfatizando a
dimensão não compulsiva desse consumo.
O autor opta por seguir o método de indução analítica, que «[…] requer que todos os
casos recolhidos na pesquisa confirmem a hipótese. Se é encontrado um caso que não a
confirme, o investigador deve mudar a sua hipótese de forma a incluir o caso que provou a
sua ideia original como errada»2 (Becker, 1973, p. 45). Para a criação da sua hipótese, Becker
entrevistou 50 consumidores de marijuana.
Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história de experiências dos indivíduos com a
marijuana, tentando percepcionar quais foram as grandes mudanças e quais as razões dessas
mudanças. Como resultado, o autor identifica um conjunto de passos que, se forem todos
seguidos, deixam um indivíduo com disponibilidade e vontade de usar a marijuana por prazer,
caso surja uma oportunidade para tal. No quadro 2 estão presentes os três passos identificados
pelo autor, bem como uma breve descrição dos mesmos.
Quadro 2
Passos que um indivíduo deve seguir para ser possível o consumo de marijuana
Passo Descrição
Aprender
a técnica
Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica, não conseguirá captar a concepção de
droga como prazer. A mudança de concepção da marijuana ocorre com maior probabilidade
quando o indivíduo participa num grupo em que essa droga seja usada.
Percepção
dos efeitos
O utilizador deve ser capaz de conscientemente identificar os sintomas, e a sua ligação ao
facto de ter consumido droga. O utilizador não continua se achar que a droga não causa
qualquer efeito. O processo de aprendizagem de identificação dos sintomas passa em
grande parte pela interacção com outros consumidores.
Aprender
a gostar
dos efeitos
O gosto pela marijuana é socialmente adquirido, como qualquer outro gosto. Se este gosto
não for adquirido, a marijuana é vista como algo de desagradável e a evitar-se.
Frequentemente esta redefinição ocorre mediante uma interacção com utilizadores mais
experientes que possam ensinar ao novato a ter prazer com aquela experiência.
2 «The method requires that every case collected in the research substantiate the hypothesis. If one case is
encountered which does not substantiate it, the researcher is required to change the hypothesis to fit the case
which has proven his original idea wrong» (Becker, 1973, p. 45).
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Em todas as 50 entrevistas realizadas, quem não cumprisse um dos passos, não
continuava a usar a marijuana. De acordo com Becker, se os três passos forem completados, o
indivíduo estará com vontade e disponibilidade para consumir marijuana por prazer.
No quarto capítulo, o autor tenta mostrar que para além de se cumprirem aqueles
passos, os indivíduos ainda têm de ultrapassar outros aspectos para se tornarem consumidores
de marijuana, nomeadamente superar as forças de controlo social. O controlo social sobre os
indivíduos é feito através da aplicação de sanções para comportamentos negativos e
recompensas para comportamentos positivos. Importa perceber que acontecimentos tornam as
sanções ineficazes e que experiências alteram a concepção desse comportamento ao ponto de
um indivíduo o considerar uma possibilidade.
Becker divide a carreira de um consumidor de marijuana em três estágios:
principiante, utilizador ocasional e utilizador regular. Por seu turno, identifica três tipos de
controlo social possíveis, que são identificados e desenvolvidos no quadro 3.
Quadro 3
Tipos de controlo social ao consumo de marijuana
Tipo Descrição
Limitações no
fornecimento e
acesso à marijuana
O facto de a sua posse ser ilegal limita a distribuição a fontes subterrâneas, que não
são de fácil acesso ao indivíduo comum. Estando dentro de um grupo com acesso à
marijuana, é uma questão de tempo até que o novato tenha uma oportunidade de
experimentar a marijuana. Este contacto leva a que se inicie o segundo estágio da
carreira de consumidor de marijuana, o utilizador ocasional.
Manter o consumo
em segredo de não
consumidores
Os utilizadores em regra tentam manter em segredo o consumo da marijuana, pois
acreditam que, caso um não utilizador descubra, os poderá sancionar. Este tipo de
controlo falha quando se ganha a percepção de que os não utilizadores nunca vão
descobrir caso o utilizador seja cuidadoso. O limite de uso da marijuana é
proporcional ao grau de receio ou medo que o indivíduo tem em ser apanhado.
Definição do acto
como imoral
O indivíduo que tiver em consideração o estereótipo criado para os consumidores
de marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa droga. Apenas se esse estereótipo
for neutralizado é que será possível a manutenção do consumo de marijuana. O
contacto com um grupo de utilizadores, bem como a observação do comportamento
desses utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar a noção tradicional do
consumidor de marijuana.
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Outsiders – Howard Becker
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Crítica contextual
Esta obra revelou-se inovadora na forma como a sociologia encara o tema do desvio.
Becker propõe-se logo no início a rejeitar todas as noções de desvio já existentes ao
apresentar uma nova que tem em conta a diversidade de grupos e de regras existentes nas
sociedades. A sua importância para a sociologia do desvio é fundamental.
Outsiders é uma obra intemporal, na medida em que aborda um tema que já existia
desde o surgimento das sociedades humanas, e que se acentua na sociedade contemporânea, o
tema do desvio. Efectivamente, desde que surge uma pluralidade de sociedades com os seus
respectivos grupos e normas específicas, que surge de mão dada o conceito de comportamento
desviante. Logo, é uma obra que mantém a sua utilidade na actualidade, e que certamente
continuará a ser relevante no futuro.
O estilo da escrita é caracterizado por uma linguagem acessível e por uma grande
frequência de exemplificações dos raciocínios efectuados por Becker, o que proporcionam
uma obra com uma grande facilidade de leitura. As partes que foram objecto da ficha de
leitura apresentaram uma estruturação e organização lógica dos conteúdos, com objectivos
bem definidos para cada capítulo.
O recurso ao método da indução analítica porém, não permite uma certeza absoluta de
que a hipótese proposta por Becker seja correcta. Pois se é certo que nas 50 entrevistas
efectuadas a hipótese é confirmada, nada garante que não haverão situações em que esta
situação não se verifique.
Uma das falhas nesta obra surge quando se ignora a variável das características
pessoais e sociais dos desviantes, em detrimento de uma focalização no processo pelo qual
um indivíduo se torna desviante. Becker assume aí uma postura excessivamente
determinística, pois pressupõe que as pessoas que cumpram os passos enumerados no capítulo
3 e que superem os controlos sociais mencionados no capítulo 4, irão comportar-se da mesma
forma e consumir a droga e cometer o comportamento desviante. Por outro lado, e como o
próprio Becker afirma, o desvio é variável na sua intensidade, estando dependente da pessoa
que o comete. Contudo, falha em identificar em que circunstâncias um desvio é cometido com
maior ou menor intensidade. Ainda que tenha consciência de que são vividos de forma
diferente, Becker não distingue o desvio de acordo com características como idade, género,
etnia, actividade profissional ou história de vida.
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Nesse sentido, Bourdieu apresenta o conceito de classe, que pode ser útil para
preencher essa lacuna, isto é, «[…] conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes, e
que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm,
com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomas de posição
semelhantes» (Bourdieu, 1989, p. 136). Este conceito, aplicado ao de desvio, permitiria uma
compreensão do desvio por classe, isto é, perceber as diferenças dos indivíduos na forma de
actuar perante o desvio, no grau de resistência perante o desvio e na variabilidade da
intensidade com que cometem o desvio, dependendo da classe que ocupem. Será que um
adolescente proveniente de uma minoria étnica e com uma família instável irá reagir da
mesma forma à marijuana que um adulto de classe média, empresário e pai de três crianças?
Ainda que seja difícil criar um conjunto de classes que abarquem as inúmeras variáveis
possíveis, seria útil e benéfico para o conceito de desvio uma maior percepção das suas
diferenças, por exemplo, de acordo com a classe social de cada indivíduo e que evitaria assim
generalizações abusivas.
Ou seja, a criação de uma tipologia de classes de desvio permitiria, novamente usando
a terminologia de Bourdieu, localizar os indivíduos no espaço social, isto é, num espaço de
várias dimensões «[…] construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição
[…]» (Bourdieu, 1989, p. 133). Desta forma, «Os agentes e grupos de agentes são assim
definidos pelas suas posições relativas neste espaço» (Bourdieu, 1989, o. 134).
Por outro lado, um dos pontos fortes da obra de Becker é pôr em causa as perspectivas
psicologistas sobre o consumo da marijuana, contribuindo para a percepção de que este acto
não constitui um comportamento isolado e independente das outras pessoas, ou que é
exclusivamente associado a problemas mentais ou traumas psicológicos, mas antes o
resultado do contacto com outras pessoas que o consomem e da forte interacção com essas
pessoas, que permite uma reconfiguração do conceito da droga não como algo prejudicial mas
como uma fonte de prazer.
A importância dada à interacção com outros consumidores, bastante visível nos
inúmeros excertos de entrevistas que o sociólogo apresentou ao longo dos capítulos 3 e 4, é
compreensível mediante a inserção do autor na corrente do interaccionismo simbólico, que vê
na interacção o processo pelo qual a capacidade de pensar é desenvolvida e expressa. De
acordo com esta corrente, no processo de interacção ocorre a socialização, que pode alterar a
concepção individual do eu. Efectivamente, é com a socialização num grupo de consumidores
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de marijuana que o indivíduo altera a sua postura perante essa droga, passando de alguém que
reprova o seu consumo, para alguém que o aceita e o efectua.
Outro aspecto relevante na obra, em particular no capítulo 3 e também típico do
interaccionismo simbólico é a interacção como aprendizagem de significados e de símbolos.
É com a interacção que o consumo da droga ganha significado, ficando associado a
determinados efeitos, que devem ser percepcionados por quem consome a droga; por outro
lado, os utilizadores aprendem a usar objectos sociais necessários para o consumo da
marijuana, nomeadamente artefactos ou a linguagem – frequentemente é ao ouvir os outros
dizerem como se sentem após o consumo da droga que os novatos conseguem aprender a
percepcionar os efeitos da marijuana.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
Outsiders – Howard Becker
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Referências bibliográficas
Monografias:
BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:
The Free Press. ISBN 0-684-83635-1
BOURDIEU, Pierre (1989) – O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difusão Editorial. ISBN
972-29-0014-5
Páginas Online:
ACADEMIC DICTIONARIES AND ENCYCLOPEDIAS - Howard S. Becker [Em linha].
[Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível em: http://en.academic.ru/dic.nsf/enwiki/760061
BECKER, Howard S. – Howies Home Page [Em linha]. [Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível
em: http://home.earthlink.net/~hsbecker/
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
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Anexo I – Ficha de leitura
BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:
The Free Press. ISBN 0-684-83635-1. p. 1-18; 41-78.
Resumo: No primeiro capítulo desta obra, Becker apresenta o seu conceito de outsider e de
desvio, fazendo de igual modo uma análise crítica às concepções já existentes de desvio. Nos
capítulos 3 e 4, o autor procede a uma aplicação empírica do conceito de desvio,
nomeadamente nos consumidores de marijuana. Numa primeira fase, lista quais os passos
que um indivíduo terá de percorrer até se encontrar disponível e com vontade de consumir
marijuana caso surja uma oportunidade: aprender a técnica; percepção dos efeitos e
aprender a gostar dos efeitos da marijuana. Numa segunda fase, Becker enuncia os três
mecanismos de controlo social a partir dos quais os indivíduos poderão ser constrangidos ou
limitados ao consumo desta droga: disponibilidade da marijuana; manutenção do segredo
desse consumo e ainda a alteração da sua moral para possibilitar o consumo da droga.
Conceitos-chave: Outsider, rules, deviance, becoming a deviant, career, steps to become a
deviant, social control, kinds of social control, morality.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica
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Pag. Análise Texto Conceitos
Ideias-chave
1
2
3
Chapter 1: Outsiders
Becker inicia o primeiro capítulo apresentando a
sua definição de outsider: é uma pessoa que
quebrou uma regra, o que leva que seja vista de
forma diferente e que não possa ser confiada
para viver de acordo com as regras de um grupo.
Há também um segundo sentido de outsider, na
medida em que o quebrador da regra pode
considerar que quem o julga é que é outsider por
ter criado uma regra injusta.
É necessário ter em conta que há vários tipos de
regras, que podem ou não estar inscritas
formalmente na lei. De igual modo, há diferentes
forças para uma regra, seja a tradição, a lei ou o
consenso geral; da mesma forma, há diferentes
maneiras de cumprir uma regra, dependendo da
função que um indivíduo tem no grupo. Nem
todas as regras têm uma força coercitiva
O grau de outside pode variar conforme a
situação, da mesma forma que pode variar o
grau de aceitação da acusação de desvio.
A ciência tem procurado explicações para o
fenómeno do desvio. O senso comum e as
teorias científicas interiorizaram que o desvio é
algo de inerente à pessoa que o pratica. Isto é,
existem certas características no indivíduo que
são a causa para desvio ocorrer.
«When a rule is enforced,
the person who is
supposed to have broken
it may be seen as a special
kind of person, one who
cannot be trusted to live
by the rules agreed on by
the group.»
«What laymen want to
know about deviants is:
why do they do it? How
can we account for their
rule-breaking? What is
there about them that
leads them to do
Outsider
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4
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Esse posicionamento, na perspectiva de Becker,
é um erro pois ignora a variável carácter. Para
ultrapassa-lo, a solução passa por construir uma
definição de desvio. O autor analisa as quatro
definições existentes de desvio, analisando a
pertinência de cada uma.
A definição mais simples é a exclusivamente
estatística, que define o desvio como aquilo que
foge à média. Contudo, revela-se demasiado
simplista e trivial.
Uma segunda concepção de desvio vê-o como
algo de patológico, uma doença. Contudo, é
impossível haver um consenso sobre o que é
estar doente, dada a grande variabilidade desse
conceito de cultura para cultura ou até de pessoa
para pessoa.
O desvio como algo que provoca desequilíbrio
numa sociedade corresponde à terceira
concepção de desvio, e que teve como base o
conceito de desorganização social. Contudo,
apresenta-se como uma visão funcionalista e que
ignora a dimensão política.
forbidden things?
Scientific research has
tried to find answers to
these questions».
«For people do not agree
on what constitutes
healthy behavior. It is
difficult to find a
definition to find a
definition that will satisfy
even such a select and
limited group as
psychiatrists […]»
Quatro
concepções de
desvio
Desvio
estatístico
Desvio
patológico
Desvio como
fonte de
desequilíbrios
numa
sociedade
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Uma última visão surge como a mais relativista,
bem como a mais próxima da visão apontada por
Becker no início do capítulo: o desvio é visto
como uma incapacidade de seguir as regras do
grupo. Contudo, falha na identificação de que
comportamentos são medidos e julgados como
desviantes.
Ao partir da suposição que quem quebra uma
regra e comete um acto desviante é uma
categoria homogénea, comete-se o erro de
ignorar o facto central sobre o desvio: é criado
na sociedade, no sentido de serem os grupos
sociais de uma sociedade que criam as regras,
cuja infracção constitui um desvio.
Becker conclui então que o grupo de desviantes
não é um grupo com características homogéneas.
A única coisa que este grupo tem em comum é o
facto de partilharem o rótulo de outsider.
Becker refere que o foco da sua análise será o
processo pelo qual os indivíduos se tornam
desviantes e as reacções desse julgamento, e não
tanto nas características pessoais e sociais dos
«A society has many
groups, each with its own
set of rules, and people
belong to many groups
simultaneously. A person
may break the rules of
one group by the very act
of abiding by the rules of
another group. Is he, then,
deviant?»
«From this point of view,
deviance is not a quality
of the act the person
commits, but rather a
consequence of the
application by others of
rules and sanctions to an
“offender.”»
Desvio como
incapacidade
de seguir
regras de um
grupo
Desvio é
criado na
sociedade
Foco analítico
recai sobre o
processo pelo
qual um
indivíduo se
torna
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desviantes.
Becker refere o contributo de Malinowski, que
permitiu chegar-se à conclusão de que um acto
ser desviante está dependente de como as
pessoas reagem a ele.
De seguida, o sociólogo identifica de que forma
o grau de reacção a um desvio pode variar. Por
um lado, pode diferir com o passar do tempo.
Por outro lado, está dependente de quem comete
o desvio e por quem considera ter sido
prejudicado por esse desvio.
Se for considerado como objecto de estudo os
comportamentos considerados como desviantes,
deve-se também ter em conta que um acto
apenas será categorizado como desviante apenas
se houver uma resposta da outra parte. Isto é, o
desvio não é uma característica inerente ao
comportamento em si, mas que resulta da
interacção entre a pessoa que comete o desvio e
a pessoa que reage a ele.
«Boys from middle-class
areas do not get as far in
the legal process when
they are apprehended as
do boys from slum areas.»
«In short, whether a given
act is deviant or not
depends in part on the
nature of the act (that is,
whether or not it violates
some rule) and in part on
what other people do
about it».
desviante
Reacção ao
desvio é
variável
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As regras sociais estão na base da criação dos
vários grupos sociais. As sociedades modernas
são caracterizadas por uma diversidade de
organizações e de grupos. Ora, ao irmos de
acordo com as regras de um grupo, poderemos
estar a ir contra as de outro grupo.
Poderá ocorrer portanto, que algumas pessoas
considerem estar a ser julgadas de acordo com
regras cuja criação não tiveram participação.
Becker enuncia em que situações as pessoas
tentam forçar uma regra nas pessoas que não a
cumprem: quando uma pessoa de um
determinado grupo não cumpre uma regra do seu
próprio grupo; quando membros de um grupo
acreditam ser para o seu maior benefício que
pessoas de outros grupos sigam determinadas
regras.
Becker de seguida questiona-se sobre quem tem
poder para forçar os outros a aceitarem as regras,
concluindo que é uma questão de poder político
e económico. As regras são feitas de umas
pessoas para as outras.
«Insofar as the rules of
various groups conflict
and contradict one
another, there will be
disagreement about the
kind of behavior that is
proper in any given
situation».
«Here it is enough to note
that people are in fact
always forcing their rules
on others, applying them
more or less against the
will and without the
consent of those others».
Desvio
derivado da
pluralidade de
grupos e
regras
Regras são
criadas de
umas pessoas
para as outras
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As diferenças na capacidade de criar regras estão
essencialmente no diferencial de poder legal ou
extra-legal de cada indivíduo, de acordo com
características como a idade, o género, a etnia ou
a classe social.
Chapter 3: Becoming a Marihuana User
A pergunta de abertura para este capítulo é
porque é que eles o fazem? Porque é que
algumas pessoas consomem marijuana?
Algumas tentativas de explicar esse uso
baseiam-se na premissa errada de que algum
traço nesses indivíduos é a motivação para estes
se envolverem nesse comportamento.
Na perspectiva de Becker, em vez de haver uma
motivação desviante que leva a um
comportamento desviante, é antes o inverso:
para um comportamento desviante gera-se uma
motivação desviante.
Este capítulo e o seguinte têm como objectivo
apresentar a carreira de um utilizador de
marijuana.
O que se tenta perceber é o conjunto de
mudanças de atitude que leva ao consumo de
marijuana por prazer.
«In the case of marihuana
use, this trait is usually
identified as
psychological, as a need
for fantasy and escape
from psychological
problems the individual
cannot face».
«What we are trying to
understand here is the
sequence of changes in
attitude and experience
Qual o motivo
do consumo
de marijuana?
Quais as
mudanças de
atitude?
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O destaque será dado ao consumo por prazer ou
recriacional, enfatizando a dimensão casual e
não compulsiva desse consumo.
A pesquisa realizada por Becker tem ainda o
intuito de realçar a dispensabilidade das
explicações psicológicas deste acto.
O método escolhido foi o da indução analítica.
Para criar a sua hipótese, Becker realizou 50
entrevistas a consumidores de marijuana.
Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história
de experiências dos indivíduos com a marijuana,
tentando percepcionar quais foram as grandes
mudanças e quais as razões dessas mudanças.
Como resultado, o autor identifica um conjunto
de passos que, se forem todos seguidos, deixam
um indivíduo com disponibilidade e vontade de
usar a marijuana por prazer, caso surja uma
oportunidade para tal.
which lead to the use of
marihuana for pleasure».
«The method requires that
every case collected in the
research substantiate the
hypothesis. If one case is
encountered which does
not substantiate it, the
researcher is required to
change the hypothesis to
fit the case which has
proven his original idea
wrong».
«The steps outlined
below, if he undergoes
them all and maintains the
attitudes developed in
them, leave him willing
and able to use drug for
Destaque ao
consumo
casual
Método:
indução
analítica
Passos a
seguir para
haver se estar
disponível e
com vontade
de usar a
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O primeiro passo corresponde ao aprender da
técnica. O novato normalmente não fica sob o
efeito da marijuana da primeira vez que
experimenta, só o conseguindo após várias
tentativas, algo que deriva deste ainda não saber
fumar de forma correcta.
Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica,
não conseguirá captar a concepção de droga
como prazer.
Esta mudança de concepção ocorre com mais
probabilidade quando um indivíduo participa
num grupo em que a marijuana seja usada, pois
pode aprender com esse grupo a maneira
correcta de fumar a marijuana.
Muitos novos utilizadores têm vergonha de
admitir que não sabem como fumar e aprendem
por outras vias, como a observação e imitação.
Verificou-se em todas as entrevistas que quem
não cumpria esse passo, não continuava a usar a
marijuana.
O segundo passo corresponde à aprendizagem
da percepção dos efeitos da marijuana no
pleasure when the
opportunity presents
itself.
«Without the use of some
such technique the drug
will produce no effects,
and the user will be
unable to get high».
«[…] he must learn to use
the proper smoking
technique so that his use
of the drug will produce
effects in terms of which
his conception of it can
change».
marijuana
1º passo:
aprender a
técnica
1º passo é
corroborado
2º passo:
percepção dos
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51
próprio indivíduo.
O utilizador deve ser capaz de conscientemente
identificar os sintomas, e a sua ligação ao facto
de ter consumido droga. O utilizador não
continua se achar que a droga não causa
qualquer efeito.
O novato contudo, enfrenta algumas
dificuldades iniciais em identificar os efeitos, e
acaba por pedir auxilio a um utilizador mais
experiente, que identifica detalhes específicos
que o novato ainda não tinha percepcionado
como efeitos da droga.
Uma vez mais, o processo de aprendizagem
pode ocorrer por vias mais indirectas como a
observação dos efeitos que os outros identificam
enquanto estão sob o efeito da marijuana.
Becker realça o importante papel da interacção
com outros utilizadores para se conseguir
concluir este passo.
«It suggests that being
high consists of two
elements: the presence of
symptoms caused by
marihuana use and the
recognition of these
symptoms and their
connection by the user
with his use of the drug».
«It is only when the
novice becomes able to
get high in this sense that
he will continue to use
marihuana for pleasure. In
every case in which use
efeitos
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Verificou-se em todas as entrevistas que quem
não cumpria esse passo, não continuava a usar a
marijuana.
Quanto maior for a experiência, maior será a
capacidade do utilizador de percepcionar os
efeitos que a droga lhe causa.
Se essa capacidade se perder, o uso de marijuana
pára.
O terceiro e último passo corresponde a
aprender-se a gostar dos efeitos da marijuana.
O gosto pela marijuana é socialmente adquirido,
como qualquer outro gosto.
Se este gosto não for adquirido, a marijuana é
vista como algo de desagradável e a evitar-se.
Numa das entrevistas citadas por Becker, é
graças à interacção com os amigos que o novo
utilizador ganha o prazer pelos efeitos da droga,
tornando-se posteriormente um consumidor
continued, the user had
acquired the necessary
concepts with which to
express to himself the fact
that he was experiencing
new sensations caused by
the drug».
«Marihuana-produced
sensations are not
automatically or
necessarily pleasurable».
«Given these typically
frightening and
unpleasant first
experiences, the beginner
will not continue use
unless he learns to
redefine the sensations as
pleasurable».
2º passo é
corroborado
3º passo:
aprender a
gostar dos
efeitos
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regular.
Ou seja, esta redefinição ocorre mediante uma
interacção com utilizadores mais experientes que
possam ensinar ao novato a ter prazer daquela
experiência.
Perante um episódio desagradável ou de algum
modo assustador, um utilizador poderá repensar
a sua concepção do consumo da marijuana. Essa
possibilidade está dependente e é variável
conforme o grau de participação que esse
utilizador tem com outros utilizadores. Se a
participação for intensiva, o utilizador consegue
manter a concepção da droga como agradável;
caso não seja intensiva, poderá perder essa
concepção.
Verificou-se em todas as entrevistas que quem
não cumpria esse passo, não continuava a usar a
marijuana.
Se estes três passos forem completados, o
indivíduo está com vontade e disponibilidade
para consumir a marijuana por prazer.
«They may reassure him
as to the temporary
character of the
unpleasant sensations and
minimize their
seriousness, as the same
time calling attention to
the more enjoyable
aspects».
3º passo é
corroborado
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Chapter 4: Marihuana Use and Social
Control
Uma outra condição é obrigatória para que uma
pessoa consiga desenvolver um padrão estável
de uso de droga: o utilizador tem também de
lutar contra as forças de controlo social.
O controlo social sobre os indivíduos é feito
através da aplicação de sanções para
comportamentos negativos e recompensas para
comportamentos positivos.
Importa perceber que acontecimentos tornam as
sanções ineficazes e que experiências alteram a
concepção desse comportamento ao ponto de um
indivíduo o considerar uma possibilidade.
A carreira de um consumidor de marijuana pode
ser dividida em três estágios, cada qual a
representar um corte diferente com os
mecanismos de controlo social: principiante,
utilizador ocasional e utilizador regular.
Há três tipos de controlo social que serão
analisados ao longo deste capítulo de forma mais
pormenorizada: limitação do fornecimento e
acesso à droga; manter o consumo em segredo
dos não consumidores; definição do acto como
imoral.
«[…] what is the
sequence of events and
experiences by which a
person comes to be able
to carry on the use of
marihuana, in spite of the
elaborate social controls
functioning to prevent
such behavior».
Três estágios
de consumo
Três tipos de
controlo social
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A primeira forma de controlo corresponde então
ao fornecimento da marijuana.
O facto de a sua posse ser ilegal limita a
distribuição a fontes subterrâneas, que não são
de fácil acesso ao indivíduo comum.
Estando dentro de um grupo com acesso à
marijuana, é uma questão de tempo até que o
novato tenha uma oportunidade de experimentar
a marijuana.
O acesso a esse consumo permite que se parta
para o segundo nível de consumo, o de
consumidor irregular.
Se um indivíduo não está em contacto com
pessoas que tenha fornecimentos, este deixa de
consumir.
É necessário então que surja uma oportunidade
para estabelecer contacto com um fornecedor.
Contudo, alguns indivíduos que conseguem esse
contacto podem ainda assim não o usar, pois são
compelidos pelo risco de detenção.
Após uma experiência de sucesso, o consumidor
redefine a sua estimativa de perigo existente
pelo consumo.
«[…] he must begin
participation in some
group through which
these sources of supply
become available».
«If an occasional user
begins to move on toward
a more regularized and
systematic mode of use,
he can do it only by
finding a more stable
source of supply than
more-or-less chance
encounters with other
users […]».
1º tipo:
fornecimento
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Aqueles que conseguem estabelecer uma
conexão, pode ocorrer que esta seja quebrada
pela detenção ou desaparecimento do
fornecedor. A instabilidade do fornecimento é
uma forma de controlo social sobre o consumo
regular.
Variações na participação de um grupo levam a
variações no acesso à marijuana.
A segunda forma de controlo social corresponde
ao segredo.
Os utilizadores em regra tentam manter em
segredo o consumo da marijuana, pois acreditam
que, caso um não utilizador descubra, os poderá
sancionar.
Há uma expectativa de que se o segredo for
revelado, as relações pessoais desse indivíduo
que consome serão perturbadas.
Este tipo de controlo falha quando se ganha a
percepção de que os não utilizadores nunca vão
descobrir caso o utilizador seja cuidadoso.
«[…] changes in group
participation and
membership lead to
changes in level of use by
affecting the individual’s
access to marihuana under
present conditions in
which the drug is
available only through
illicit sources».
«[…] most marihuana
users are secret deviants».
«Further participation in
marihuana use allows the
novice to draw the further
conclusion that the act can
be safe no matter how
often indulged in, as long
as one is careful and
2º tipo:
segredo
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O utilizador deverá confinar o uso da marijuana
a locais onde o encontro do mundo dos
consumidores e dos não consumidores não seja
provável.
O uso regular não possibilita um planeamento
mais detalhado para evitar o encontro entre esses
dois mundos. A solução passa ou por uma
mudança de atitude que permita o consumo da
marijuana debaixo dos narizes dos não
utilizadores, ou por um total afastamento de
contacto social com não utilizadores.
Um consumidor regular tem em grande
consideração os efeitos no uso da droga caso se
envolva com um não utilizador. Caso seja feito
esse envolvimento, o uso tenderá a reduzir-se a
um nível ocasional.
Caso um consumidor se mude totalmente para
um grupo de utilizadores, este tipo de problemas
deixam de existir.
Face a um uso regular, será quase inevitável uma
situação em que um utilizador se encontrará sob
o efeito da marijuana enquanto esteja na
companhia de não utilizadores.
makes sure that nonusers
are not present or likely to
intrude».
«[…] it is possible for
regular use to occur
except when some new
connection with the more
conventional world is
made».
«[…] difficulty in
focusing one’s attention
and in carrying on normal
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A solução para esta situação é aprender a
controlar os efeitos da droga aquando da
companhia de não utilizadores, para que estes
possam ser enganados.
Quando um indivíduo consegue, com sucesso,
ultrapassar várias situações deste tipo, ganha a
percepção de que conseguirá manter o desvio em
segredo, desde que mantenha a precaução
necessária.
O limite de uso da marijuana é proporcional ao
grau de receio ou medo que o indivíduo tem em
ser apanhado.
O último tipo de controlo social corresponde à
moral.
O indivíduo que tiver em consideração o
estereótipo criado para os consumidores de
marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa
droga. Apenas se esse estereótipo for
neutralizado é que será possível a manutenção
do consumo de marijuana.
O contacto com um grupo de utilizadores, bem
como a observação do comportamento desses
conversation create a fear
that everyone will know
exactly why one is
behaving this way».
«He will not begin,
maintain, or increase his
use of marihuana unless
he can neutralize his
sensitivity to the
stereotype by accepting
an alternative view of the
practice».
3º tipo:
moral
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utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar
a noção tradicional do consumidor de marijuana,
sendo frequentemente o impulso necessário para
que haja pelo menos uma primeira tentativa de
uso.
Um dos entrevistados argumenta que o uso da
marijuana é menos prejudicial do que outras
práticas feitas pelas pessoas convencionais,
como o consumo de álcool.
Para que um consumidor seja ocasional, é
necessária uma reorganização da sua moral para
que este rejeite as morais convencionais sobre
essa droga. Caso o uso progrida para um nível
regular, poderá ter de ocorrer uma nova
reorganização da sua moral.
Perante o receio da dificuldade em deixar essa
droga, os utilizadores da marijuana poderão
realizar testes e ficar sem consumir durante
algum tempo. Se nada acontecer, os utilizadores
concluem que não há motivo para ter receios.
Há outros utilizadores contudo, que vêem o seu
próprio consumo como problemático e
indicativo de uma falha na sua saúde mental.
Esta linha de pensamento irá naturalmente
prejudicar o consumo regular futuro desses
indivíduos
«Tests are made – use is
given up and the
consequences awaited –
and when nothing
untoward occurs, the user
is able to draw the
conclusion that there is
nothing to fear».
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Conclui-se então que é com a experiência com a
droga na companhia de outros utilizadores que o
indivíduo consegue desmontar as concepções
morais da sociedade, criando antes uma
concepção que permita o livre uso da marijuana.