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78 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (1): 78-83, jan.-mar. 2009 Q ueloides na adolescência: a busca pelo melhor tratamento Keloids in adolescence: searching for the best treatment RELATOS DE CASOS Recebido: 24/5/2008 – Aprovado: 5/9/2008 I NTRODUÇÃO Queloides são lesões benignas de- correntes da resposta cutânea excessi- va ao trauma (1, 3). De forma caracte- rística, tendem à recidiva após trata- mento isolado por simples retirada ci- rúrgica local. Indivíduos acometidos costumam queixar-se do aspecto ines- tético, mas também descrevem sinto- mas de cicatrização em plena ativida- de, como prurido e ardência. O resul- tado é o aumento progressivo do volu- me da cicatriz, que ultrapassa os limi- RESUMO Queloides são lesões benignas que resultam de uma proliferação fibroblástica excessi- va da derme após o trauma de pele. As lesões são espessas, ultrapassam os limites da lesão inicial e invadem a pele normal. Existem diversas teorias que procuram explicar os meca- nismos de formação desse tipo de lesão, mas a real patogênese ainda não foi elucidada, o que explica a multiplicidade de tratamentos disponíveis, não havendo consenso na literatu- ra sobre a melhor abordagem terapêutica. No presente artigo, descrevemos o caso de uma adolescente que desenvolveu queloide em abdome após lesão por arma de fogo e aborda- mos os diversos aspectos do tratamento. Nessa faixa etária, deve-se atentar para a seguran- ça dos métodos terapêuticos empregados. Entre as opções existentes, a combinação de ex- cisão cirúrgica com aplicação de triancinolona representa uma opção segura e eficaz. UNITERMOS: Acetato de Triancinolona, Queloides, Cicatriz Hipertrófica. ABSTRACT Keloids are benign lesions resulting from excessive fibroblastic proliferation of the dermis after skin injury. The lesions are thick, surpass the edges of the initial injury and invade the normal skin. There is a number of theories explaining the mechanisms of for- mation of this type of lesion, but the real pathogenesis is not yet elucidated, with no con- sensus on the best therapeutic approach, which accounts for the many available treat- ments. In this article, we report the case of a teenager who developed an abdominal keloid after fire gun injury and discuss several aspects of treatment. In this age group, the safety of the therapeutic methods used must be heeded. Among the existing options, the combination of surgical resection and triamcinolone administration stands as an effecti- ve, safe choice. KEYWORDS: Triamcinolone Acetonide, Keloids, Hipertrofic Scar. ADRIANA ELNECAVE HERSCOVITZ Médica Especialista em Pediatria (MEC– SBP). Pós-graduação lato sensu em Medici- na Estética (ASSIME). LETICIA SANTOS DEXHEIMER – Gra- duação em Medicina pela Pontifícia Univer- sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Médica Residente de Clínica Mé- dica da PUCRS. MARCOS RICARDO O. JAEGER – Ci- rurgião Plástico. Membro Titular da Socie- dade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Pós-graduado em Cirurgia Plástica Infantil pela Universidade de Toronto (2002– 2003). Doutor em Medicina e Ciências da Saúde (PUC-RS). Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da PUCRS. Médico do Centro Integrado de Atenção ao Adolescente (CIAPS) do Hospital Psiquiá- trico São Pedro (HPSP). JEFFERSON BRAGA DA SILVA – Chefe do Grupo de Mão e Microcirurgia Recons- trutiva do Hospital São Lucas (HSL) da PUCRS. Professor Livre-Docente da Ponti- fícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FAMED – PUCRS). NOVAplastia Clinica Integrada de Cirurgia Plástica. Endereço para correspondência: Adriana Elnecave Herscovitz Rua Mostardeiro 780/502 90430-000 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3028-8738 [email protected] tes da lesão inicial. Existe uma gama de teorias que refletem os diferentes aspectos da formação dos queloides, mas a verdadeira patogênese deste tipo de cicatriz ainda não foi totalmente es- clarecida, o que explica a multiplici- dade de tratamentos disponíveis (1, 4). Na adolescência, queixas estéticas são comuns. O impacto de pequenas de- formidades nesta faixa etária pode ser muito grande (1, 2). Dessa forma, o tra- tamento dos queloides nessa fase da vida visa a minimizar consequências psico- lógicas mais sérias. Cirurgia, corticote- rapia e radioterapia no local afetado, iso- ladas e combinadas entre si, têm sido usa- das no nosso meio para promover o re- crudescimento da lesão. Os resultados muitas vezes são desapontadores e nem todos estes tratamentos podem estar in- dicados nesta faixa etária. O objetivo do presente trabalho é sugerir um algorit- mo de abordagem desse tipo de lesão em adolescentes e adultos jovens. Um caso clínico, decorrente de trauma por aciden- te por arma-de-fogo na região tóraco-ab- dominal, foi tratado e acompanhado du- rante mais de um ano. As peculiaridades do tratamento nesta faixa etária e o posi- cionamento do médico especialista que recebe o encaminhamento frente às mo- dalidades de terapia encontradas na lite- ratura são apresentados aqui. 21-203-Queloides na adolescência.pmd 14/4/2009, 13:45 78

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QUELOIDES NA ADOLESCÊNCIA: A BUSCA... Herscovitz et al. RELATOS DE CASOS

78 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (1): 78-83, jan.-mar. 2009

Queloides na adolescência: a buscapelo melhor tratamento

Keloids in adolescence: searchingfor the best treatment

RELATOS DE CASOS

Recebido: 24/5/2008 – Aprovado: 5/9/2008

I NTRODUÇÃO

Queloides são lesões benignas de-correntes da resposta cutânea excessi-va ao trauma (1, 3). De forma caracte-rística, tendem à recidiva após trata-mento isolado por simples retirada ci-rúrgica local. Indivíduos acometidoscostumam queixar-se do aspecto ines-tético, mas também descrevem sinto-mas de cicatrização em plena ativida-de, como prurido e ardência. O resul-tado é o aumento progressivo do volu-me da cicatriz, que ultrapassa os limi-

RESUMO

Queloides são lesões benignas que resultam de uma proliferação fibroblástica excessi-va da derme após o trauma de pele. As lesões são espessas, ultrapassam os limites da lesãoinicial e invadem a pele normal. Existem diversas teorias que procuram explicar os meca-nismos de formação desse tipo de lesão, mas a real patogênese ainda não foi elucidada, oque explica a multiplicidade de tratamentos disponíveis, não havendo consenso na literatu-ra sobre a melhor abordagem terapêutica. No presente artigo, descrevemos o caso de umaadolescente que desenvolveu queloide em abdome após lesão por arma de fogo e aborda-mos os diversos aspectos do tratamento. Nessa faixa etária, deve-se atentar para a seguran-ça dos métodos terapêuticos empregados. Entre as opções existentes, a combinação de ex-cisão cirúrgica com aplicação de triancinolona representa uma opção segura e eficaz.

UNITERMOS: Acetato de Triancinolona, Queloides, Cicatriz Hipertrófica.

ABSTRACT

Keloids are benign lesions resulting from excessive fibroblastic proliferation of thedermis after skin injury. The lesions are thick, surpass the edges of the initial injury andinvade the normal skin. There is a number of theories explaining the mechanisms of for-mation of this type of lesion, but the real pathogenesis is not yet elucidated, with no con-sensus on the best therapeutic approach, which accounts for the many available treat-ments. In this article, we report the case of a teenager who developed an abdominalkeloid after fire gun injury and discuss several aspects of treatment. In this age group, thesafety of the therapeutic methods used must be heeded. Among the existing options, thecombination of surgical resection and triamcinolone administration stands as an effecti-ve, safe choice.

KEYWORDS: Triamcinolone Acetonide, Keloids, Hipertrofic Scar.

ADRIANA ELNECAVE HERSCOVITZ –Médica Especialista em Pediatria (MEC–SBP). Pós-graduação lato sensu em Medici-na Estética (ASSIME).LETICIA SANTOS DEXHEIMER – Gra-duação em Medicina pela Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul(PUCRS). Médica Residente de Clínica Mé-dica da PUCRS.MARCOS RICARDO O. JAEGER – Ci-rurgião Plástico. Membro Titular da Socie-dade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).Pós-graduado em Cirurgia Plástica Infantilpela Universidade de Toronto (2002– 2003).Doutor em Medicina e Ciências da Saúde(PUC-RS). Preceptor do Serviço de CirurgiaPlástica do Hospital São Lucas da PUCRS.Médico do Centro Integrado de Atenção aoAdolescente (CIAPS) do Hospital Psiquiá-trico São Pedro (HPSP).JEFFERSON BRAGA DA SILVA – Chefedo Grupo de Mão e Microcirurgia Recons-trutiva do Hospital São Lucas (HSL) daPUCRS. Professor Livre-Docente da Ponti-fícia Universidade Católica do Rio Grandedo Sul (FAMED – PUCRS).

NOVAplastia Clinica Integrada de CirurgiaPlástica.

� Endereço para correspondência:Adriana Elnecave HerscovitzRua Mostardeiro 780/50290430-000 – Porto Alegre, RS – Brasil� (51) 3028-8738� [email protected]

tes da lesão inicial. Existe uma gamade teorias que refletem os diferentesaspectos da formação dos queloides,mas a verdadeira patogênese deste tipode cicatriz ainda não foi totalmente es-clarecida, o que explica a multiplici-dade de tratamentos disponíveis (1, 4).

Na adolescência, queixas estéticassão comuns. O impacto de pequenas de-formidades nesta faixa etária pode sermuito grande (1, 2). Dessa forma, o tra-tamento dos queloides nessa fase da vidavisa a minimizar consequências psico-lógicas mais sérias. Cirurgia, corticote-

rapia e radioterapia no local afetado, iso-ladas e combinadas entre si, têm sido usa-das no nosso meio para promover o re-crudescimento da lesão. Os resultadosmuitas vezes são desapontadores e nemtodos estes tratamentos podem estar in-dicados nesta faixa etária. O objetivo dopresente trabalho é sugerir um algorit-mo de abordagem desse tipo de lesão emadolescentes e adultos jovens. Um casoclínico, decorrente de trauma por aciden-te por arma-de-fogo na região tóraco-ab-dominal, foi tratado e acompanhado du-rante mais de um ano. As peculiaridadesdo tratamento nesta faixa etária e o posi-cionamento do médico especialista querecebe o encaminhamento frente às mo-dalidades de terapia encontradas na lite-ratura são apresentados aqui.

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triz. Deve-se sempre associar à opera-ção algum outro método local de tra-tamento (Tabela 1). Os métodos maisusados são: compressão e massagemna cicatriz, aplicação de placa de sili-cone, injeção de triancinolona e radio-terapia (1, 4). A radioterapia associadaà cirurgia provou ser um tratamentoefetivo, com taxas de recorrência quevariam entre 3,5 e 27%, dependendoda modalidade de irradiação (7, 8). Aradioterapia pode também ser utiliza-da como tratamento isolado. A asso-ciação se constitui no tratamento de es-colha para muitos casos em indivíduosadultos. É o método isolado com a me-nor chance de recidiva local, embora

aspecto estético no local acometido, oque por si só motiva a busca pelo tra-tamento. Não obstante o problema es-tético, podem também acarretar gravesproblemas funcionais, principalmentequando acontecem em dobras naturaisde flexão ou extensão.

Para o tratamento, nenhum métodose mostrou eficaz em todos os casos, oque explica a multiplicidade de opçõesdisponíveis (1, 4). A simples remoçãocirúrgica de uma lesão queloideana nãoé recomendada, já que apresenta taxasde recorrência acima de 80% (5,6).Quando utilizamos a remoção da cica-triz queloideana, em geral é porque sepretende a redução da largura da cica-

Figura 1 – Cicatrizqueloideana antes dotratamento.

Figura 2 – Cicatrizqueloideana apósexérese e infiltraçãolocal de triancinolona.

R ELATO DO CASO

Menina, 16 anos, branca, Fitzpa-trick IV, vítima de acidente domésticoenvolvendo arma-de-fogo com conse-quente perfuração em região abdomi-nal, foi submetida à laparotomia explo-radora três anos antes de comparecerao consultório. No episódio, desenvol-veu sepse e infecção do terço inferiorda incisão. A ferida abdominal cicatri-zou em parte por segunda intenção. Aoexame físico, a menina apresentavacicatriz queloideana vertical na linhamédia, medindo 15 cm × 2 cm, commaior largura na sua porção inferior –4 cm, de aspecto endurecido e eleva-do, com uma coloração levementeavermelhada e violácea. A lesão, vo-lumosa, ultrapassava os limites da in-cisão abdominal (Figura 1).

O tratamento realizado consistiu emexcisão cirúrgica associada ao uso decorticoterapia – triancinolona intrale-sional, aplicada em intervalos de qua-tro semanas – seis doses no total. Apaciente foi orientada a utilizar malhacompressiva nos primeiros dias de pós-operatório a fim de minimizar a ten-são sob a cicatriz e foi acompanhadaatravés de consultas periódicas, emintervalos progressivos, sobretudo como objetivo de detectar alterações ini-ciais de cicatrização. A cicatriz eramedida em cada consulta.

Seis meses após a operação de ex-cisão do queloide, a cicatriz não de-monstrava sinais de recidiva da lesão,medindo então 0,5 cm de largura emtoda a sua extensão, mas ainda encon-trava-se avermelhada, o que é comumpara cicatrizes não queloideanas ain-da no primeiro ano (Figura 2). Um anoe dois meses após a cirurgia de corre-ção do queloide, a cicatriz apresenta-va-se de aspecto normal e de colora-ção semelhante ao da pele ao redor.

D ISCUSSÃO Apesar da natureza benigna dos

queloides, com frequência pode-seobservar o descontentamento com o

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também possa permitir a recidiva daslesões (9).

Um estudo experimental recentecomparou a expressão gênica entre fi-broblastos de queloides irradiados comnão irradiados. Identificaram-se váriosgenes que foram modulados após a ir-radiação. Esta modulação consistiu emaumento da expressão de genes quepromovem apoptose, degradação dematriz e inibição de proliferação celu-lar, em paralelo com redução da ex-pressão de genes que promovem o efei-to oposto (10). O aumento da expres-são gênica de interleucina 6 (IL-6) esua superprodução por fibroblastosqueloideanos foi observado, sugerin-do que a regulação de IL-6 possui pa-pel central na patogênese de lesõesqueloideanas (11). A queda da expres-são do gene IL-6 após irradiação con-fere efeito benéfico no retardo da for-mação de queloides.

Entretanto, acreditamos que o usode radiação como modalidade terapêu-tica no controle da doença benignamerece cautela, principalmente emadolescentes. A radiação poderia indu-zir malignidade a longo prazo, comuma média de período de latência su-perior a 10 anos. Foi observado que ouso da radioterapia para o tratamentode lesões queloideanas na linha médiado corpo de adolescentes estava rela-

cionado ao aparecimento de diversostipos de câncer. A glândula tireóidea,as glândulas salivares e a mama seriamalvos preferenciais para o desenvolvi-mento de malignidade após exposiçãoà radiação ionizante (12). Pacientes ir-radiados em idade precoce estão sobrisco aumentado, e as áreas de maiorrisco são as próximas às áreas trata-das. De forma controversa, em outrostrabalhos não há evidência clara do au-mento de incidência de câncer pós-ra-dioterapia. Em uma série de 6.500 ca-sos tratados, apenas cinco casos apre-sentaram possível indução de câncerpor radiação. Uma vez que fica impos-sível quantificar o risco relativo à ra-dioterapia, não temos recomendadoesse tratamento para pacientes muitojovens, a não ser que outros métodosnão tenham obtido sucesso (13).

A utilização de aparelhos cada vezmais modernos de terapia por lasertambém encontrou espaço ao longo dasúltimas décadas no tratamento de ci-catrizes. Nos últimos anos, outro tipode tratamento por luz, a luz pulsada,ou Intensed Pulsed Light (IPL), temsido empregada de forma adjuvantepara o tratamento de cicatrizes e que-loides. Estudos mostraram que a luzpulsada induz regressão de queloidesatravés da redução de fatores de cres-cimento TGF-â1, de proliferação fibro-

blástica e de deposição de colágenotipo III (14). Uma melhora de 81% dascicatrizes após dois ciclos de tratamen-to com luz pulsada foi descrita porGoldman e Fitzpatrick (15). Esse re-sultado foi confirmado por Manuskiattie cols., que também notaram maior di-minuição da espessura da cicatriz (16).Ficou demonstrado também reduçãodo prurido local e do eritema (17). Te-mos aplicado de forma sistemática aluz pulsada policromática – aparelhoStarlux® – como método auxiliar nocontrole da cicatrização, principalmen-te quando a região da cicatriz é difícilde esconder, como nas regiões lateraisda mama e do rosto após cirurgias es-téticas. Estas regiões estão mais expos-tas à ação pigmentante e despigmen-tante dos raios solares.

Nos adolescentes acometidos porqueloides, temos preferido a utilizaçãode tratamentos consagrados na litera-tura e com resultados locais significati-vos no controle nas lesões queloideanas(Tabela 1). A associação de remoçãocirúrgica do queloide com injeção pe-riódica de triancinolona (Theracort®

20mg, Theraskin) é um método efeti-vo e seguro para muitos pacientes. Éutilizado intralesionalmente, na dosa-gem de 10mg por centímetro linear doqueloide a cada duas a seis semanas,até a resolução clínica ou até o apare-cimento de efeitos colaterais que proí-bam seu uso.

É muito importante estabelecer a di-ferença entre cicatrizes hipertróficas –que tendem a regredir mesmo sem trata-mento – e queloides (Tabela 2), que mos-tram o mesmo grau de perturbação lo-cal de tumores que esboçam similar po-tencial de crescimento. O sucesso notratamento, entretanto, depende muitode visitas periódicas ao especialista,para novas aplicações do corticoide porinjeção a cada quarenta dias aproxima-damente, conforme a situação.

Os efeitos adversos mais comunsassociados ao uso do corticoide trian-cinolona são atrofias da pele, forma-ção de telangiectasias e alterações napigmentação. Na nossa experiência,esses efeitos podem ser evitados como cuidado na aplicação da injeção so-mente dentro da lesão, não atingindo a

TABELA 1 – Alternativas de tratamento das lesões queloideanas

Terapia Observações

Crioterapia Dor durante congelaçãoHipopigmentação e hiperpigmentação

Infiltração de Atrofia de pelecorticoide Alterações na coloração da pele. Inibição da cicatrizaçãointralesional da ferida

Telangiectasias

Terapia por pressão Longa duraçãoApenas para algumas regiões do corpoMelhor utilizado de forma adjuvante

Excisão cirúrgica Altas taxas de recorrência se terapia isolada

Laser Altas taxas de recorrência

Terapias locais Eficácia duvidosa

Gel de silicone Melhor utilizado como adjuvante

Interferon gama- Ainda em estágio experimentalintralesional

Radioterapia Possíveis efeitos além da área-alvo de tratamento

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derme saudável ao redor, e respeitan-do o intervalo e a frequência de apli-cação, que não deve ser menor do quequarenta dias para este tipo de corti-coide. Todos os pacientes devem evi-tar exposição solar nas áreas tratadase utilizar cremes com filtro de prote-ção solar.

Outra forma de tratamento encon-trada na literatura é a quimioterapia.Baixas doses de corticoide combina-das ao uso do 5-Fluorouracil (5-FU) intralesional aumentaram a eficácia ereduziram efeitos colaterais normal-mente vinculados a qualquer quimio-terapia (18). Ainda encontramos a crio-terapia como outro método de trata-mento. Zouboulis e Orfanos mostraramque 52% dos pacientes queixam-se dedor durante a congelação, e 22,9%apresentaram hiper ou hipopigmenta-ção. Com a utilização de excisão ci-rúrgica associada à aplicação de trian-cinolona, não temos observado essasalterações, apesar de ser comum que acicatriz se apresente com uma tonali-dade avermelhado-parda nos pacientes

de pele mais escura dentro do primei-ro ano, o que se deve ao tipo de peledo paciente e não ao tratamento em-pregado. Ainda poderia ser utilizada deforma auxiliar no tratamento de cica-trizes a terapia de massagem e pres-são, que é indicada especialmente paraqueloides pequenos e cicatrizes hiper-

tróficas. De forma sistemática, temossugerido aos pacientes que executemmassagens circulares nas cicatrizesapós a última crosta ter caído. Isso per-mite que o paciente acompanhe o re-sultado do tratamento, percebendo pe-quenas modificações na textura da ci-catriz, o que pode ser relatado na pró-xima consulta médica. Podemos tam-bém empregar um gel de silicone, quefacilita o deslizamento dos dedos du-rante a massagem, hidratando o localda cicatriz.

Existe ainda o tratamento com aaplicação local de ácidos, como o reti-noico, o uso de heparina e a enzimahialuronidase em forma de creme. Ou-tros métodos ainda são utilizados, masapresentam baixo valor na prevençãode queloides, apesar de serem reco-mendados de forma informal, longedos consultórios dos especialistas. Al-guns estão em fase de experimentaçãoou apresentam protocolos incertospara a sua utilização. É o caso da inje-ção intralesional de interferon gama eo Imiquimod®. Também tem-se pensa-do na aplicação de células-tronco parapromover a epitelização. Seu uso ba-seia-se no fato de que queloides sur-gem em condições adversas de cicatri-zação, como é o caso de lesões extensasapós queimaduras de II e III graus. Ofibroblasto-queloide é um tipo de cé-lula que parece comandar esta reaçãoexagerada de cicatrização, e aparecetoda vez que esta não pode acontecer

Figura 3 – Aplicaçãode luz pulsada utili-zando aparelho Star-lux 500*

*Empresa Difarben Co-mércio e Representa-ções.

TABELA 2 – Características que auxiliam no diagnóstico diferencial entre queloidee cicatriz hipertrófica

Queloide Cicatriz hipertrófica

Cor Avermelhada, violácea Avermelhada

Localização Limitada à derme. Cresce Não ultrapassa os limites dae invade tecidos vizinhos ferida inicial

Regiões mais Ocorre em qualquer local, Zonas de maior tensãofrequentes mas principalmente no cutânea. Região mediana do

tórax e na face tórax, lóbulo da orelha,deltoide, cervical anterior esuperfícies flexoras dosmembros e da região cervical

Sintomas Prurido, dor, infecção, Dor, pruridoassociados ulceração

Regressão Não regride. Tendência Regride em seis mesesà recidiva

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no tempo normal. Isso ocorre porqueo ferimento não consegue cicatrizar,muitas vezes devido a infecção, isque-mia, excesso de tensão na cicatriz ououtros fatores que costumam dificul-tar o processo (19).

Temos tratado muitos adolescentescom lesões queloideanas graves emconsequência a traumatismos e agres-sões às vezes dentro das famílias.Em vários casos, observa-se o desca-so em relação à adoção de medidaspreventivas para evitar acidentes do-mésticos, o que se reflete na inabilida-de dos pais em procurar atenção mé-dica apropriada. O tratamento das se-quelas inestéticas nestes jovens podediminuir o impacto psicológico decor-rente do trauma. Uma conversa francasobre expectativas realísticas do trata-mento, grau de comprometimento dafamília e principalmente do pacienteem respeitar as consultas e nossasorientações têm demonstrado efeitossatisfatórios em nossa experiência. Émuito importante que os pacientes comtendência a queloides sejam educadospara a sua vida. Costumamos orientar

TABELA 3 – Algoritmo do tratamento dos queloides na adolescência

Cicatriz firmee elevada

Nãoultrapassaa incisão

Cicatrizhipertrófica

Regride emseis meses.Pode aplicar

terapiaslocais

(massagem,placa desilicone)

Cirurgia isolada

Utrapassalimite da incisão,evolução > seis

meses

Queloide

Cirurgia eradioterapia

*

Cirurgia ecorticoterapiaintralesional

Resultadoinsatisfatório

Considerar outras terapêuticas(quimioterapia intralesional,

radioterapia, outras)

* Evitar na região de linha média em adolescentes

nossos pacientes que informem outrosmédicos sobre sua tendência a formarqueloides, evitando operações desne-cessárias e procurando um especialis-ta sempre que houver ruptura da inte-gridade da pele. Aconselhamos usar re-pelentes de insetos nos meses de maiorinfestação, evitando pequenas lesõescutâneas, evitar o coçar da pele, tratara acne tão prevalente na adolescência einúmeras outras situações em que aruptura da integridade da pele poderiaser o mecanismo desencadeador daformação de queloides.

C ONCLUSÃO O tratamento das cicatrizes queloi-

deanas na adolescência apresenta pe-culiaridades nos tipos de terapia em-pregada. É fundamental que o pacienteseja motivado para o tratamento, queinclui visitas periódicas ao consultóriodo especialista para uma série de apli-cações e acompanhamento da cicatri-zação. A operação de remoção dos que-loides é utilizada desde que associada

a outro método de controle local. En-tre as opções existentes, a combinaçãode excisão cirúrgica com aplicação detriancinolona representa uma opçãosegura nesta faixa etária. Tão impor-tante quanto a escolha do tratamentoapropriado para esta faixa etária é tam-bém o papel educador do médico, vi-sando a evitar novos queloides em pa-cientes com maior tendência.

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