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POLIFONIA REVISTA INTERNACIONAL ACADEMIA PAULISTA DE DIREITO N. 1 NOVA SÉRIE 2018 OUTONO/INVERNO 233 QUANDO OS REGIMES JURÍDICOS DE INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS E MEIO AMBIENTE COLIDEM: UMA ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DE CORTES ARBITRAIS WHEN THE LEGAL REGIMES OF FOREIGN INVESTMENTS AND THE ENVIRONMENT COLLIDE: AN ANALYSIS FROM THE JURISPRUDENCE OF ARBITRAL COURTS Antonio Grillo Neto 347 RESUMO: As relações descompassadas entre os regimes jurídicos de investimentos estrangeiros e regulação ambiental tem gerados conflitos cujas soluções nem sempre parecem refletir a melhor alternativa no que tange ao meio ambiente e sustentabilidade. A partir do entendimento das principais regras que fundamentaram o regime de investimentos estrangeiros e o direito internacional do meio ambiente, o presente artigo tenta descobrir como e porque tais surgem. Para tanto, a análise da jurisprudência de alguns casos julgados no âmbito do Nafta e sobretudo do “Centro” - ICSID do Banco Mundial, este último o principal tribunal arbitral que decide conflitos envolvedo países receptores e investidores internacionais se fez necessária, o que permitiu identificar quatro aspectos norteadores. O Primeiro diz respeito ao momento histórico. Embora as decisões tenham evoluído no que tange a técnica jurídica, este sistema arbitral para investimentos estrangeiros foi idealizado durante a Guerra Fria cujo momento histórico já foi superado, mas, ainda continua centrado na proteção do investimento e sua compensação em casos de expropriação. O Segundo diz respeito à evolução do direito internacional do meio ambiente que ocorre desde os anos 70, acentuado pelo fato de que as mudanças climáticas precisam ser freadas nesse esforço conjunto que emergiu desde o Protocolo de Kyoto e segue com o Acordo de Paris na Convenção Quadro emblemática do tema. O Terceiro é o desafio de alinhar as expectativas entre as partes envolvidas, pois não raro essas disputas impõem aos países receptores desses investimentos decisões que contrariam leis nacionais 347 Advogado, Master of Laws with honors Northwestern University School of Law, Coordenador da Comissão de Economia e Ética da Escola Paulista de Direito.

QUANDO OS REGIMES JURÍDICOS DE INVESTIMENTOS … · 2018-09-22 · POLIFONIA REVISTA INTERNACIONAL ACADEMIA PAULISTA DE DIREITO N. 1 NOVA SÉRIE 2018 OUTONO/INVERNO 234 e até de

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QUANDO OS REGIMES JURÍDICOS DE INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS E

MEIO AMBIENTE COLIDEM: UMA ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DE

CORTES ARBITRAIS

WHEN THE LEGAL REGIMES OF FOREIGN INVESTMENTS AND THE

ENVIRONMENT COLLIDE: AN ANALYSIS FROM THE JURISPRUDENCE OF

ARBITRAL COURTS

Antonio Grillo Neto347

RESUMO: As relações descompassadas entre os regimes jurídicos de investimentos estrangeiros

e regulação ambiental tem gerados conflitos cujas soluções nem sempre parecem refletir a melhor

alternativa no que tange ao meio ambiente e sustentabilidade.

A partir do entendimento das principais regras que fundamentaram o regime de investimentos

estrangeiros e o direito internacional do meio ambiente, o presente artigo tenta descobrir como e

porque tais surgem. Para tanto, a análise da jurisprudência de alguns casos julgados no âmbito do

Nafta e sobretudo do “Centro” - ICSID do Banco Mundial, este último o principal tribunal arbitral

que decide conflitos envolvedo países receptores e investidores internacionais se fez necessária, o

que permitiu identificar quatro aspectos norteadores.

O Primeiro diz respeito ao momento histórico. Embora as decisões tenham evoluído no que tange

a técnica jurídica, este sistema arbitral para investimentos estrangeiros foi idealizado durante a

Guerra Fria cujo momento histórico já foi superado, mas, ainda continua centrado na proteção do

investimento e sua compensação em casos de expropriação.

O Segundo diz respeito à evolução do direito internacional do meio ambiente que ocorre desde os

anos 70, acentuado pelo fato de que as mudanças climáticas precisam ser freadas nesse esforço

conjunto que emergiu desde o Protocolo de Kyoto e segue com o Acordo de Paris na Convenção

Quadro emblemática do tema.

O Terceiro é o desafio de alinhar as expectativas entre as partes envolvidas, pois não raro essas

disputas impõem aos países receptores desses investimentos decisões que contrariam leis nacionais

347Advogado, Master of Laws with honors Northwestern University School of Law, Coordenador da Comissão de

Economia e Ética da Escola Paulista de Direito.

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e até de tratados internacionais. É comum em contratos e/ou tratados de investimentos bilaterais

imporem a total neutralização de mudanças no regime legal de investimentos, meio ambiente

incluso. Ao mesmo tempo alguns países que sequer detém capacidade para receber investimentos,

o que causa prejuízos para todas as partes envolvidas.

O Quarto refere-se aos regimes de governança que poderiam fazer o papel de um sistema de freios

e medidas em relação à transparência desses investimentos e a capacidade de recebimento destes

pelos países receptores, ainda não estão totalmente desenvolvidos e nem tampouco integrados.

Como mostra a jurisprudência do tema, esses fatores são as forças motrizes por trás do

desequilíbrio entre os regimes de investimentos estrangeiros e as regulações ambientais estatais,

situação que pede uma mudança de mentalidade entre as partes que celebram tratados e contratos

de investimentos e que seja capaz de incorporar valores fundamentais como sustentabilidade,

responsabilidade social e transparência.

PALAVRAS CHAVES: Investimentos Estrangeiros. Meio Ambiente. Direito Internacional.

Convenção de Washington. Banco Mundial. Tratados Bilaterais de Investimentos. Contratos de

Investimentos. NAFTA. ICSID. Corte. Cláusulas Contratuais. Expropriação. Arbitragem.

Atividade Regulatória. Soberania. Governança.

ABSTRACT: The unbalanced relation between between the legal systems of foreign investments

and environmental regulation has generated conflicts whose solutions do not always reflect the

best alternative on issues of environmental protection and sustainability.

Based on the analysis of each of these regimes, this paper aims to discuss how and why such

conflicts arise. Examining some Nafta´s and World Bank's ICSID “the Center” decisions regarding

bilateral investment treaties we identified four common traces over the main reasons on disputes

that emerge when investors and hosting States interests collide: the First relates to its Cold War

roots in which foreign investment was designed, thus reflecting old values that tends to understand

investments as an investor’s one way right and thus ignoring its social and environmental

implications over host States and its population; the Second relates to the evolution of International

Environmental Law since the 70’s presents a new challenge in the way investments had been

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designed and established. The Third, many host countries that in order to receive investments not

only abdicate its sovereignty and its power to regulate fundamental areas such as environment but

no rarely they also have no conditions to host investments at all, thus culminating in losses and

damages for all parts involved; The Fourth aspect relates to governance systems that would make

the role of checks and balances demanding investors to comply with transparency in their

investments but are not fully developed nor yet integrated.

As some decisions has showing in recent years these are driven forces behind such imbalance

relation between foreign investments and environmental regulation thus requiring a change of

mindset from host States and Investors towards values such as sustentability, social and

environmental responsability and transparency.

KEY WORDS: Foreign Investments. Environment. International Law. Washington Convention.

Bilateral Investment Treaties. Investment Contracts. Nafta´s and World Bank's ICSID. Court.

Contractual clauses. Expropriation. Arbitration. Regulatory Activity. Sovereignty. Governance.

Sumário: Introdução. 1. O Direito Internacional de Investimento. 1.1. A busca por um conceito.

1.2. Os Instrumentos legais que disciplinam os investimentos em âmbito internacional. 1.3. As

Fontes do Direito Internacional e os Investimentos. 1.3.1. Princípio da Soberania Nacional. 1.3.2.

Princípio da Nacionalidade. 1.3.3. Princípio do Tratamento Justo e Equitativo. 1.3.4. Princípios

Estritamente Relacionados a Investimentos. 1.4. Fontes Convencionais. 1.4.1. Convenção de

Washington – ICSID. 1.4.2. Convenção de Seul – MIGA. 2. Contratos. 2.1. As Cláusulas

Contratuais. 2.1.1. Cláusula de Tratamento Nacional. 2.1.2. Cláusula de Nação Mais Favorecida.

2.1.3. Cláusula de Estabilização e “Umbrella Clause”. 2.3 3. Expropriação. 3.1. “Sole Effects

Doctrine”. 3.2. “Proportionality” – A Proporcionalidade. 3.3. “The Police Powers Carve-Out”

– O Poder de Polícia como excludente. 4. Investimentos e Regulações Ambientais: alguns

antecedentes históricos e alguns precedentes jurisprudenciais acerca do tema. 5. Conclusão. 6.

Bibliografia.

Introdução

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Há uma franca concorrência entre países do Norte e do Sul que regulam suas

economias através da liberalização de setores económicos para recepcionar investimentos

estrangeiros.

Segundo o IIA Framework da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e

o Desenvolvimento – UNCTAD348, desde a década de 90 foram assinados mais de 3000 tratados

internacionais de investimentos estrangeiros diretos num movimento que não parece dar mostras

de desaceleração apesar da crise econômica global desencadeada em 2008.

Todavia, se por um lado os benefícios trazidos pelos investimentos estrangeiros são

evidentes, como por exemplo, aumento no nível de empregos diretos e indiretos, receitas

tributárias, conhecimento, “know how”, transferência de tecnologia e inovação, por outro a

inexistência de um tratado multilateral disciplinando a matéria ou, a falta de regras de governança

que incluam a proteção e preservação do meio ambiente ao regime de investimentos, podem

colocar em rota de colisão interesses sociais e ambientais com interesses econômicos, não raro em

prejuízo das populações dos países receptores.

Esses conflitos nascem nos tratados bilaterais de investimentos cujo objeto parece

privilegiar a proteção do capital investido e desatentar para a capacidade de recepção desses

investimentos por um País, gerando uma relação descompassada, na qual os interesses privados

dos investidores acabam interferindo em questões da ordem pública interna dos países receptores,

chegando ao ponto de, inclusive, limitar sua capacidade regulatória em matéria ambiental ou social

em clara sobreposição às leis e regulações internas destes, como atestam as decisões arbitrais em

matérias de investimentos que serão abordadas mais adiante.

A partir de algumas decisões desses tribunais arbitrais, sobretudo da “Corte”

(ICSID em inglês) é possível identificar algumas teses e doutrinas predominantes quando surgem

disputas que colocam frente a frente as relações entre o regime jurídico internacional dos

Investimentos e possíveis pontos de conflitos que decorrem dessa colisão de interesses das

regulamentações de ordem pública interna, mais especificamente, as que versam sobre meio

ambiente.

348 Unctad - http://unctad.org/en/Docs/webdiaeia20098_en.pdf

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Como o Brasil não ratificou a parte relativa à Corte Arbitral de Disputas de

Investimentos Estrangeiros (ICSID) da Convenção de Washington, não obstante ter ratificado

todos os demais tratados do grupo formado no Banco Mundial, além da tradição em não assinar

tratados bilaterais de investimentos que poderiam ser invocados perante esse tribunal arbitral, não

há casos envolvendo nosso País.

Todavia, essa postura poderá mudar no futuro, haja vista que é crescente o número

de empresas brasileiras que atuam diretamente em outros países.

Oportuno esclarecer que as disputas e decisões no ICSID em que o investimento

estrangeiro desafiou a capacidade de regulação interna dos países e suas normas ambientais que

foram escolhidos para este trabalho tem por objetivo espelhar as principais doutrinas para que o

texto não replicasse apenas as teorias envolvidas, mas a sua aplicação prática perante a Corte que

em alguns casos se mostraram construções fascinantes.

Enfim, cabe avançar na análise do tema.

1. O DIREITO INTERNACIONAL DE INVESTIMENTOS

Os investimentos estrangeiros são vitais para economias do mundo todo, haja vista

proporcionarem diversos benefícios às economias anfitriãs. Seu regime jurídico engloba regras de

direito internacional, contratos internacionais e direito interno, basicamente, tratando do ingresso,

retorno, proteção e garantia dos investimentos.

Poderão ser considerados investidores países, pessoas físicas ou jurídicas. Dentre

os principais investidores estão as empresas transnacionais que representam “um complexo de

sociedades de diversas nacionalidades sujeitas a diferentes leis, mas interligadas entre si

constituindo uma unidade econômica definida e clara, perfeitamente identificável”

(MAGALHÃES, 1994. p.192).

As empresas transnacionais aparecem como responsáveis pela maioria dos

investimentos que se realizam em escala global, não obstante causarem todo tipo de dificuldade

na ordem jurídica dos países que as abriga, pois, apesar de suas subsidiárias serem constituídas

segundo as leis do Estado receptor, enquanto unidade de produção, essas empresas não possuem

personalidade jurídica própria. O resultado é que as ações dessas empresas nem sempre estão

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alinhadas com regras sociais, ambientais, ou mesmo de governança; nem se pode dizer que seguem

uma diretriz central nestes tempos em que o controle da empresa e a adminitração se apresentam,

na prática, como entidades completamente distintas.

1.1 A busca por um conceito.

A dificuldade em definir o conceito jurídico de investimento se dá em virtude de

que esse não é resultado exclusivo da criação jurídica, mas também de uma série de condições e

situações políticas e econômicas. Muito embora as mencionadas ciências não sejam o foco de

concentração do estudo do jurista, fato é que sua importância não pode ser desconsiderada em

qualquer análise que se faça do tema. Os tratados internacionais sobre investimentos espelham

essa dificuldade usando definições que podem variar segundo o objetivo da política econômica

adotada pelo Estado receptor ou dos interesses do investidor.

Nesse sentido, Luiz Olavo Baptista aponta que: “A regulamentação do ingresso e

saída de capitais estrangeiros e sua implementação, são, assim, consequências diretas dos aspectos

políticos e econômicos. Varia no curso do tempo, segundo objetivos, a longo e médio prazos,

fixados pelo Estado, por via legislativa, e que são objeto de reajustes menores, a curto prazo, pelo

órgão de controle ou fiscalizador” (1998ª, p.17)

Essa dificuldade foi abordada por Bernadete de Figueiredo Dias349, para quem

inexiste um conceito padrão de investimentos no meio jurídico, alertando que tal “[...] é

estabelecido em cada instrumento legal que trata do tema, conforme os objetivos do Estado (no

caso das regras de direito interno) ou das partes contratantes (Estados, no caso dos tratados, ou

Estado e investidor, no caso dos contratos com o Estado)”350.

Sem descuidar ou ignorar a importância que os aspectos econômicos e políticos

exercem sobre o tema, ao jurista interessará somente o entendimento a partir do objeto em que este

é estabelecido, por isso o estudo dos tratados internacionais e dos contratos entre investidores e

Estados receptores se mostram fundamentais para o alcance do significado de investimento, tarefa

que deverá ser efetuada caso a caso analisando-se o instrumento legal que proteja e projete o

349 Investimentos Estrangeiros no Brasil e o Direito Internacional, p. 26, 2010, Ed. Juruá. 350 Ibid. p. 26, 2010. Ed. Juruá

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investimento, que é usualmente referido nos tratados internacionais como “qualquer tipo de bens

controlados, direta ou indiretamente, por investidores”.

1.2 Os instrumentos legais que disciplinam os investimentos em âmbito

internacional.

Uma das caracteristicas do ambiente em que os investimentos ocorrem tem sido a

livre circulação dos fatores de produção, que consiste nos direitos de ingresso, estabelecimento e

retorno do capital. O Tratado de Roma e o Código da OCDE351 de Liberalização dos Movimentos

de Capital352 comungam desse ponto em comum que é a relação entre a livre circulação de pessoas

e de capital. O anexo I do referido código funciona como diretriz para as empresas transnacionais

realizarem seus investimentos com recomendações de conduta para que operem nos países

membros da OCDE, porém sem vinculá-los juridicamente, sendo por isso tido como soft law, vista

tratar de recomendações a serem seguidas sem força cogente.

As diretrizes estipuladas no Código da OCDE reconhecem o direito internacional

como fundamental no tratamento das empresas transnacionais, assim como o cumprimento de

obrigações contratuais, situação de suma importância porque as disputas entre investidores e países

receptores são decididas por tribunais arbitrais são precedidas de uma infração ao direito

internacional para que possam ser analisadas.

1.3 Os princípios inerentes ao Direito Internacional de Investimentos.

No artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça353, as fontes do direito

internacional que interessam ao presente trabalho serão: a) não convencionais representadas pelo

costume e princípios gerais de direito internacional, quanto as b) convencionais, que são os

tratados e convenções internacionais.

351 Organização para Cooperação e Desenvolvimento – em ingles Organization for Co-operation and Development 352 O Código de Liberalização dos Movimentos de Capital foi adotado pelo conselho da OCDE em 12.12. 1961, e

vincula exclusivamente os membros da Organização, criando o dever geral de liberalização progressiva dos

movimentos de capital entre os membros, na medida necessária a uma cooperação econômica eficaz. Não obstante

ter sido revisto diversas vezes (1979, 1984, 1191 e 2000) em 1984 passou a adotar a expressão investimentos diretos

(em ingles FDI – Foreign Direct Investments) para classificar a entrada, estabelecimento e saída dos investimentos

estrangeiros. 353 http://www.un.org/spanish/aboutun/icjstat.htm

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Enquanto as normas são elementos fechados no sistema jurídico que dependem de

processo próprio de revogação parcial ou total para serem alteradas, os princípios são elementos

abertos que acompanham a evolução social e cujo conteúdo permitem ao jurista atualizar ou ainda

precisar a interpretação de um tratado internacional de investimentos quando eclodirem conflitos

entre investidores e receptores. Sobre investimentos podemos destacar os seguintes:

1.3.1 Princípio da Soberania Nacional.

Por este princípio cada Estado exerce jurisdição absoluta e exclusiva sobre as

pessoas e fatos ocorridos em seu território (UNCTAD, 1999c, p.39)354.

Todo Estado é dotado de soberania interna e externa, e tal elemento é compartilhado

por todos os Estados soberanos que coexistem entre si. Observe-se, contudo, que em meio à essa

coordenação das soberanias há o dever dos Países de observarem as regras a que se submetem nos

tratados internacionais, o que é particularmente importante quando se analisam os termos de um

acordo bilateral de investimentos.

1.3.2 Princípio da Nacionalidade.

Este princípio reconhece que cada Estado tem interesse que seus nacionais e a

propriedade deles no exterior recebam tratamento apropriado, e podem invocar as regras referentes

à responsabilidade dos Estados, por meio do exercício de proteção diplomática, pelos danos que

seus nacionais e a propriedade dos mesmos sofram em violação ao direito internacional

(UNCTAD, 1999c, p.39)355.

Sua relevância para o direito dos investimentos diretos reside no fato de que é nele

que decorre a proteção diplomática e a responsabilidade internacional dos Estados.

1.3.3 Princípio do Tratamento Justo e Equitativo.

Este princípio, de suma importância na matéria, foi originalmente incorporado na

Carta de Havana que objetivou a formação da Organização Internacional do Comércio em 1948, a

354 http://unctad.org/en/Docs/iteiit13_en.pdf 355 Ibid

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qual dispunha em seu artigo 11(2) “[...] to assure just and equitable treatment for the enterprise,

skills, capital arts, and technology brought from one Member Country to another. [...]”356.

A interpretação literal do referido princípio esbarrava no problema da imprecisão e

da insegurança jurídica já que o termo é vago, propenso à subjetividade, nem sempre coerente caso

examinada à luz tratado internacional.

Por conta dessa imprecisão, a interpretação mais aceita vê no referido princípio um

standard mínimo de tratamento no direito internacional cuja análise tem como núcleo a

imparcialidade no tratamento. Nesse sentido, de acordo com o direito costumeiro, os investidores

estrangeiros teriam direito a um certo nível de tratamento, de modo que se tal não fosse atingido,

o Estado receptor poderia ser responsabilizado. (UNCTAD, 1999h, p.13)357, decorrendo disso o

direito de expropriação que será tratado a seguir em seus dois aspectos nucleares: a propriedade

privada e a soberania estatal sobre recursos naturais.

Os princípios de propriedade privada e direitos adquiridos que por muitos anos

formaram a base de proteção dos investimentos contra as expropriações promovidas pelos Estados

receptores, encontram-se consagrados na declaração universal dos direitos humanos de 1948,

artigo XVII onde se prescreve que todo Homem tem direito à propriedade e não poderá dela ser

privado. Estes direitos seriam relativizados após a Segunda Guerra face ao reconhecimento da

soberania permanente dos Estados sobre os recursos naturais, decorrendo daí o direito de

expropriar. Não obstante essa possibilidade, tais princípios deverão ser respeitados e preservados,

porém, não se trata mais de princípio absoluto face às sucessivas expropriações ocorridas contra

investimentos estrangeiros (inclusive por países como França e Inglaterra).

Por soberania permanente dos Estados sobre seus recursos naturais emerge a idéia

de que ao ente Político Estatal é defeso usar a expropriação do investimento estrangeiro para

afirmar sua soberania.

O reconhecimento desses direitos encontra-se na Resolução 1.803 (XVII) da

Assembléia Geral da ONU358, que em termos gerais dispõe que o ingresso de investimentos e a

remessa de lucros ao exterior devem sujeitar-se às condições impostas pelos países detentores dos

recursos naturais em respeito à soberania dos Estados receptores desses investimentos, admitindo,

356 http://www.oecd.org/daf/inv/internationalinvestmentagreements/33776498.pdf 357 http://www.oecd.org/daf/inv/internationalinvestmentagreements/33776498.pdf 358 http://untreaty.un.org/cod/avl/ha/ga_1803/ga_1803.html

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242

pois, a expropriação do investimento estrangeiro mediante o pagamento de indenização

apropriada, com fundamento nas regras do direito internacional.

Com a edição da Resolução 3.281 (XXIX) que aprovou a Carta de Direitos e

Deveres Econômicos dos Estados359, o princípio da soberania permanente sobre os recursos

naturais preceituado na resolução 1.803 (XVII)360 além de reafirmado é ampliado no sentido de

que nenhum Estado deverá ser compelido a oferecer tratamento especial ao investidor estrangeiro.

Por fim, atente-se que as referidas Resoluções também impõem limites ao direito

de expropriação, com fundamento no enriquecimento ilícito e injusta dilapidação do patrimônio

do investidor em decorrência do ato de expropriação.

Nesse sentido, a expropriação deverá a) não conferir melhor tratamento ou proteção

entre nacional e estrangeiros, ou ainda entre estrangeiros de distintas nacionalidades, e, b) deverão

refletir interesses públicos legítimos em relação aos interesses do investidor que deverá, destarte,

ser indenizado.

Assim, há um standard mínimo de proteção aos investidores em caso de

expropriações e que refletem nos princípios gerais de indenização adequada, não discriminação e

justificado interesse público, cuja observação se impõe ao Estado receptor de investimentos, que

deve proteger as expectativas legítimas do investidor.

1.3.4 Princípios Estritamente Relacionados a Investimentos.

Na análise do tema ainda é possível verificar ainda alguns princípios que nascem

dos tratados internacionais de investimentos e que também compõe os instrumentos contratuais

que estruturam uma operação de investimentos. Tais, contudo, são corolários do princípio da não

discriminação: a) o tratamento nacional, e b) cláusula de nação mais favorecida. Trataremos de

ambos a seguir.

Por tratamento nacional, entende-se como a obrigação do Estado receptor de

investimentos conceder ao investidor estrangeiro tratamento compatível àquele conferido ao

investidor nacional, e nas mesmas circunstâncias, equalizando possíveis distorções de tratamento.

359 http://www.un-documents.net/a29r3281.htm 360 http://untreaty.un.org/cod/avl/ha/ga_1803/ga_1803.html

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243

A ideia defendida é incentivar a competição por méritos no país receptor de investimentos,

evitando-se a distorção da concorrência.

Este princípio está previsto no artigo 3º do GATT361 que determina o tratamento

equitativo entre produtos nacionais e estrangeiros no mercado interno de países receptores de

investimentos, e também no artigo 2.1 do acordo TRIMS362, ambos sob tutela da Organização

Mundial do Comércio, onde o tratamento preferencial dentro do mercado nacional é considerado

violação das regras internacionais do comércio, limitando as ações dos Estados no que se refere a

exigências de conteúdo local em seus instrumentos de políticas públicas industriais.

Ressalte-se que toda vez que a matéria é tratada no âmbito da Organização Mundial

de Comércio, não obstante seu caráter normativo, tal refere-se a investimentos que estejam

exclusivamente relacionados a comércio.

Já a cláusula da nação mais favorecida tem por objetivo manter a não discriminação

e igualdade fundamental, implicando na obrigação do Estado receptor de investimentos de estender

aos investidores originários de um determinado Estado tratamento igual ao concedido aos

investidores originários de qualquer outro Estado, em condições de semelhantes363.

Bernadete de Figueiredo Dias364 cita como suas características “a reciprocidade

(vincula todas as partes de um acordo), incondicionalidade e aplicação a todos os temas

relacionados a investimentos”. O princípio da boa fé no direito internacional tem sido balizador

na interpretação e aplicação destes princípios pelas cortes arbitrais nas disputas envolvendo

investimentos.

1.4 Fontes Convencionais.

São representativas da convergência de vontades das partes formalizadas num

instrumento legal: o tratado. Os tratados internacionais criam regras gerais, de cunho jurídico,

que determinam a conduta futura das partes, instituindo obrigações entre as partes.

361 http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/gatt1994_02_e.htm#article3 362 http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/trims_01_e.htm 363 Dias, Bernadete de Figueiredo. Investimentos estrangeiros no Brasil e o direito internacional. P.65, Ed. Juruá,

2010. 364 Ibid.

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244

Todas as tentativas em se obter um acordo multilateral que pudesse reger a matéria

de investimentos internacionais restaram inconclusos e sem sucesso, assim, interessará o estudo

dos tipos de tratados de investimentos e das principais convenções internacionais. O que chega

mais próximo desse anseio é a convenção de Washington que criou o sistema de arbitragem

aplicável a investimentos que será tratada adiante.

Há 03 tipos de tratados que abordam investimentos: a) os tratados bilaterais que são

os mais comuns; b) os tratados de comércio e investimentos; e c) acordos de tributação prefencial.

Os tratados bilaterais (BIT – Bilateral Investment Treaty) é o instrumento mais

usado envolvendo a matéria. Incorporam os princípios tratamento nacional, tratamento justo e

equitativo, cláusula de nação mais favorecida, proteções contra expropriação, respeito à

propriedade privada, nacionalidade, não discriminação, utilização de sistema de solução de

controvérsias por meio de arbitragem.

Os tratados de comércio e investimentos também seguem a mesma linha dos BIT

em sua concepção e objetivos que são a tentativa de diminuição de riscos para o investidor. O

NAFTA é um exemplo deste tipo de acordo.

E os acordos de tributação preferencial que conferirão ao investidor um regime

tributário privilegiado a fim de que instale no país anfitrião seu negócio, muito comum na

instalação de indústrias, como no Brasil as instalações de empresas montadoras, por exemplo.

Identificadas as formas mais usuais de acordos sobre investimentos diretos, convém

apontar os principais tratados em matéria de investimentos.

1.4.1 Convenção de Washington – ICSID

Por iniciativa do Banco Mundial, a presente convenção chegou ao mundo em

18.03.1965, e tem por escopo aprimorar os procedimentos de solução de controvérsias entre

Estados e Investidores estrangeiros privados.

A referida Convenção institui o Centro Internacional de Solução de Controvérsias

em Investimentos o ICSID365.

365 International Center for Settlement of Investments Disputes. https://icsid.worldbank.org/ICSID/Index.jsp

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245

O Centro é dotado de autonomia e personalidade jurídica de direito internacional,

ocupando-se da solução de controvérsias em matéria de investimentos entre Estados anfitriões e

investidores, na conformidade de seu artigo 25 (1).

O Centro disponibiliza regras de procedimento de conciliação e arbitragem próprias

que serão aplicadas em painéis caso a caso, atentando-se ainda para traço comum nas disputas de

que, uma vez iniciadas nesse foro, deverão as partes acatar sua decisão e abdicar tanto de jurisdição

nacional ou internacional quanto da proteção diplomática.

1.4.2 Convenção de Seul – MIGA

Tem por objetivo a promoção de investimentos privados nos países em

desenvolvimento, por meio da concessão de garantias aos investidores dos países membros contra

os riscos não comerciais.

A MIGA detém personalidade jurídica de direito internacional, é um organismo

autônomo que oferece a seus membros um sistema complementar de garantia aos investidores por

meio de um sistema de seguros e resseguros.

2. CONTRATOS

Em matéria de investimentos os contratos assumem uma posição de suma

importância porque apresentam as bases com que o investimento será realizado e como serão

regradas as condutas das partes que os assinaram, daí porque apresentará algumas características

peculiares: a) estão incorporados nos tratados bilaterais de investimentos, o que faz com que o seu

descumprimento caracterize uma infração ao tratado e por consequência ao direito internacional,

situação que funcionará como base à causa de pedir numa corte arbitral; b) face às incertezas que

envolvem as decisões dos tribunais nacionais em matéria de investimentos, a inclusão de cláusula

arbitral se mostra imperiosa para o investidor, através da qual poderá obter uma solução mais

rápida em caso de eventual litígio, além de ter duplo sentido ao limitar a ação do Poder Judiciário

local e ao mesmo tempo servir como instrumento de barganha contra os Estados receptores de

investimentos que, sob ameaça de serem processados num tribunal arbitral, desistem de suas

políticas regulatórias.

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246

Do ponto de vista dos limites da atuação do Estado, um dos principais objetivos

dos investidores será mitigar riscos e incertezas políticas que advém da regulação interna das

economias receptoras que possam afetar os investimentos, como por exemplo mudança da política

fiscal que aumente os impostos ou onere o investimento, regulações ambientais que onerem ou

prejudiquem a atividade desenvolvida pelo investidor à época da contratação, ou ainda, regulações

e medidas de impacto social que protejam minorias socialmente excluídas.

O contrato se apresenta no direito internacional como principal instrumento

garantidor do investimento por colocar em posição de desigualdade as partes que o celebram ao

permitir demasiada vantagem o investidor, afinal, não se protege a qualidade e os fins do

investimento, mas, tão somente o capital investido, e por essa razão a grande maioria desses

contratos é confidencial, assim como as disputas arbitrais que os sucedem.

2.1 As Cláusulas Contratuais.

As cláusulas contratuais refletirão os princípios gerais do direito internacional

norteadores dos investimentos internacionais já discutidas na primeira parte deste trabalho, no

entanto, verificam-se quatro principais cláusulas standards dos contratos que regem os

investimentos internacionais: 1) Proteção contra expropriação sem indenização ou discriminatória;

2) Tratamento Justo e Equitativo (“Fair and Equitable Treatment”); 3) Tratamento Nacional; e 4)

“Umbrella Clause”, ou cláusula de equalização ou estabilização, cujo objetivo é neutralizar o

poder normativo do Estado.

Outras cláusulas importantes são a) eleição do foro (renúncia implícita); b) eleição

do direito aplicável; c) cláusula de estabilização; d) cláusula de renúncia a imunidade de execução;

e) “hardships” tem por objetivo evitar multas excessivas; f) “Rebus Sic Stantibus”, para situações

de incertezas que alterem a natureza contratual significativamente; g) “Exceptio Contract Non

Adimplenti”, exceção de contrato não cumprido a ser aplicada em casos onde uma parte possa

deixar de cumprir suas obrigações caso a outra esteja inadimplente.

2.1.1 Cláusula da Tratamento Nacional.

O tratamento nacional refere-se ao tratamento igualitário entre investidores

nacionais e estrangeiros sempre que uma norma regulatória for editada. Há dois pontos

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247

fundamentais nesta cláusula que serão objeto de avaliações pelo tribunal arbitral: 1º) intenção, e

2º) comparação (“domestic comparator”).

A intenção da norma não deverá ter impacto negativo nos investimentos. O que se

regula nesta cláusula não é a discriminação em si, mas, os efeitos que ela causa. Uma norma poderá

ter consequências danosas ao investimento ainda que a intenção do Estado regulador não tivesse

sido a de prejudicar um investidor.

Em outras palavras: ao ser editada uma norma que regule um determinado setor,

caberá ao jurista avaliar se um investidor nacional em condições similares (“like circumstances”)

foi tratada de forma mais favorável que o investidor estrangeiro. Se o investidor nacional não

recebeu tratamento favorecido nessas circunstâncias, não haverá expropriação. Do contrário, o

Estado deverá compensar o investidor que sofreu impacto negativo em seus negócios.

2.1.2 Cláusula de Nação Mais Favorecida.

Esta cláusula segue o corolário de que todos os investidores devem ser tratados da

mesma forma, não importando sua nacionalidade.

Ocorre que os juristas têm emprestado um novo significado para esta cláusula, a

medida que se aproveitam dela para acrescentar obrigações previstas em tratados internacionais,

porém, não previstas no contrato de investimentos. Em outras palavras: os investimentos serão

regidos pelo tratado que conferir as melhores condições para o investimento, pouco importando se

deste o investidor faz parte ou não.

Exemplo desse tipo de manobra jurídica teve reflexos no desfecho da arbitragem

que envolveu a empresa MTD x CHILE366, no qual um investidor da Malasia requereu com base

na cláusula de nação mais favorecida que o Chile lhe concedesse os mesmos benefícios constantes

no tratado bilateral de investimentos que este mantinha com a Dinamarca e Croácia, no que foi

bem-sucedido367.

366 “By an award of 25 May 2004, the Tribunal (Dr. Andres Rigo Sureda, President; Messrs Marc Lalonde and Rodrigo

Oreamuno Blanco) held, on the one hand, that Chile had breached its obligation of fair and equitable treatment under

Article 3(1) of the BIT but, on the other hand, that the Claimants had failed to protect themselves from business risks

inherent in their investment in Chile. Responsibility for the loss being equally divided, the Tribunal concluded that

the Respondent should pay 50% of the assessed damages, viz., US$5,871,322.42, plus compound interest, and that

each party should pay its own costs and 50% of the costs of arbitration” 367 O Chile ainda tentou a anulação dessa decisão da ICSID, mas, teve seu pedido rejeitado.

http://arbitrationlaw.com/files/free_pdfs/MTD%20v%20Chile%20-%20Annulment.pdf

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2.1.3 Cláusula de Estabilização e “Umbrella Clause”.

Normalmente constante no tratado internacional de investimentos, tanto quanto nos

contratos de investimentos internacionais, as “umbrella clause” objetivam ampliar as obrigações

do Estado anfitrião dos investimentos ao determinar que a violação de qualquer cláusula contratual

constitui uma violação de tratado internacional de investimentos368.

Similar a uma quebra contratual, esta cláusula é corolária do princípio “pacta sunt

servanda” se torna um componente do tratado, e constitui-se num verdadeiro “passe livre” para os

investidores ajuizarem suas demandas nos tribunais arbitrais de investimentos. A forma de redação

mais usual desse tipo de cláusula costuma ser a seguinte: “qualquer obrigação assumida pelas

partes deverá ser interpretada em razão dos investimentos protegidos pelo contrato ou tratado

internacional de que são partes” (tradução livre e contextual)369.

Os investidores passam a dispor de liberdade no que tange processar um Estado

pelo que entenderem constituir uma violação do tratado internacional de investimentos, e com isso,

transformam qualquer situação em potenciais obrigações às quais o Estado deverá se submeter.

Uma “umbrella clause” será potencializada se interpretada em conjunto com uma cláusula de

estabilização.

As Cláusulas de Estabilização são disposições contratuais que pretendem isolar o

investidor em caso de mudanças nas leis do Estado receptor, particularmente exigidas para

investimentos de longo prazo.

Raramente são encontradas em tratados, mas, nos contratos e poderão prever as

seguintes situações: a) o congelamento do arcabouço legal para que toda relação entre as partes se

desenvolva conforme contratado; b) equilíbrio econômico, onde o investidor se sujeitará a nova

regulação, porém, deverá ser compensado por isso, e c) cláusulas hibridas que comungando das

duas anteriores, fazem com que a novas regulações tenham efeito zero sobre o investimento é

mantido no estado anterior à mudança da lei.

368 ROMSON, Asa, in “Environmental Policy Space and International Environmental Law, p.80. 2012. Ed. Stockholm

University: “The purpose of the clause is to elevate some violations of investment contracts to a violation of the IIA,

meaning to lift up a contractual breach to international law” 369 “Each Party shall observe any obligation it may have entered into with regard to investiments”, US-Argentina BIT,

Art. II(c) (signed Nov. 14, 1991, entered into force Oct. 20, 1994).

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249

3. EXPROPRIAÇÃO.

Tema sensível em matéria de investimentos, a expropriação coloca lado a lado o

direito de propriedade do investidor versus a soberania estatal sobre seus próprios recursos.

Qualquer Estado possui o direito de expropriar um investimento estrangeiro, desde

que mediante justa e abrangente compensação de expropriações diretas e indiretas.

Problemas surgem quando os investidores não se sentem seguros quanto a

imparcialidade das Cortes nacionais para discutir o valor da compensação devida, o que tem levado

os tratados internacionais a discutir essas perdas e danos nos tribunais arbitrais.

Para entender o tema, imperioso se faz retornar à metade do Século XX onde a

divisão política entre capitalismo e socialismo trazia insegurança às relações de investimentos,

tratando-se de um período de diversas nacionalizações e confiscos de propriedades de estrangeiros,

muitas vezes sem a justa compensação, como aconteceu em Cuba, por exemplo.

Era o chamado risco político que não obstante ter diminuído na atualidade,

influenciou na formatação dos tratados de investimentos e na Convenção de Washington em 1965,

não sendo de se estranhar que sua orientação seja conservadora e proteja muito mais o capital que

os interesses do Estado anfitrião.

Destarte, as expropriações representam o exercício da soberania de um Estado

Nacional, que num dado momento poderá tomar para si a propriedade ou o controle de um

investimento estrangeiro sob duas formas: direta e indireta.

A primeira seria a desapropriação ou confisco puro e simples de bens de

propriedade de estrangeiros, que após esse ato, passam a ser propriedade do Estado anfitrião.

Depois do ato de expropriação a propriedade do investidor se torna de utilidade pública e passa a

ser utilizada pelo Poder Público do Estado anfitrião do investimento. Como exemplo, a

nacionalização de indústrias, a desapropriação para fins de construções de obras de infraestrutura,

e mesmo as políticas públicas ambientais cujos objetivos sejam a preservação ou conservação de

um ecossistema pode constituir uma expropriação direta de investimentos estrangeiros.

A segunda diz respeito a situações nas quais as restrições nas atividades do

investidor são tamanhas que o investimento não se torna mais economicamente viável, ainda que

ausente a finalidade pública de uma expropriação direta. Assim, a regulação de questões de saúde

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pública ou ambientais pelo Estado anfitrião poderão impactar o investimento a tal ponto que o

mesmo não consegue se desenvolver conforme previsto contratualmente ou no tratado

internacional que o constituiu.

Sobre expropriações indiretas e questões ambientais, temas como zoneamentos ou

restrições de uso de uma propriedade tem gerados diversas discussões acerca do tipo de

impedimento que tais medidas causam nos investimentos, sobretudo quando tais regulações

resultem em perdas econômicas para os investidores.

Para aferir essa justa compensação em situações onde ocorra uma desapropriação

indireta, além das previsões contratuais possíveis, os tribunais arbitrais têm fundamentado suas

decisões com base em quatro doutrinas: “sole effects doctrine”, “proportionality”, “police powers

carve-out” e “right to regulate approach” que serão discutidas a partir das decisões arbitrais em

que foram aplicadas.

3.1.1 “Sole Effects Doctrine”

Para esta doutrina, a medida regulatória, em sí mesma considerada, não tem a

menor importância. O que realmente se busca é a extensão do impacto no investimento que foi

resultado dessa medida.

No caso Metalclad v. Mexico, submetido ao ICSID com base nas regras do NAFTA

é emblemático, e teve como ponto central a interferência do México no desenvolvimento e

operação de um depósito de lixo tóxico, configurando expropriação indireta do investimento370.

A decisão proferida em 30.08.2000 entendeu devida a indenização por lucros

cessantes no caso de expropriação de investimentos. Porém, como no caso o investimento ainda

não teria entrado em operação, a estimação dos lucros cessantes restou impossível de ser aferida.

Importa destacar um dos fundamentos da decisão arbitral para quem a finalidade

das medidas adotadas pelo governo mexicano, somente seriam relevantes, se tais constituissem

uma forma de expropriação indireta do investimento: “[...] 111. The Tribunal need not decide or

370 “Thus, expropriation under NAFTA includes not only open, deliberate and acknowledged takings of property, such

as outright seizure or formal or obligatory transfer of title in favor of the host State. But also covert or incidental

interference with the use of property which has de effect of depriving the owner, in whole or in significant part, of the

use or reasonably-to-be-expected economic benefit of property even if not necessarily to the obvious benefit of the

host State. [paragraph 103]”

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consider the motivation or intent of the adoption of the Ecological Decreee”. Indeed, a finding of

expropriation on the basis of the Ecological Decree is not essential to the Tribunal’s finding of a

violation of NAFTA Article 1110. However, the Tribunal considers that the implementation of the

Ecological Decree would, in and of itself, constitute an act tantamount to expropriation [...]”.371

A doutrina do “sole effects” alcança qualquer regulação estatal, desde que esta

interaja ou afete os investimentos. Por definição, a grande maioria das normas regulatórias acabam

refletindo economicamente e seus impactos serão avaliados e sopesados para o árbritro que adotar

essa linha de decisão.

3.1.2 “Proportionality” – A Proporcionalidade

O escopo desta doutrina está em aferir um equilíbrio entre a regulamentação

buscada no direito interno e os efeitos que tais causam no investimento. Contrastando com a

doutrina anterior, reconhece a expropriação indireta através de medidas regulatórias, porém,

entende que somente isso não basta para aferir se houve ou não uma expropriação indireta.

Para a proporcionalidade, a expropriação deverá ser analisada à luz dos benefícios

que essa nova norma gera para o público a que se destina versus as limitações que tais impõe ou

causam ao investidor, de forma tal que se poderia aferir uma justa compensação a partir da análise

dos impactos negativos que tal medida regulatória impõe ao investimento, proporcionalmente aos

impactos positivos que tal medida poderia gerar.

Caso que ilustra esta doutrina é o Tecmed v. Mexico372 foi o primeiro caso em que

o tribunal arbitral do ICSID adotou o princípio da proporcionalidade em seus julgamentos. Em

síntese a discussão do caso se deu em virtude do cancelamento da permissão administrativa para

operar uma indústria que manipulava e tratava resíduos perigosos num aterro sanitário. Houve

grande pressão popular para que a indústria fechasse, e o governo acabou cedendo e editou uma

371 Metalclad Corporation v. United Mexican States, ICSID Case Nr. Arb/AF/97/1, Award, Aug. 2000, para. 111,

https://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&actionVal=showDoc&docId=DC542_En&

caseId=C155 372 Tecmed v. Mexico, caso segue na integra no link, foi o primeiro caso na ICSID a adotar o princípio da

proporcionalidade, que emprestou da Corte de Direitos Humanos da União Européia

https://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&actionVal=showDoc&docId=DC602_En&

caseId=C186

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série de regulamentações ambientais que não foram cumpridas pela empresa Tecmed que, como

consequência, teve sua autorização administrativa cassada e encerrou suas atividades.

Ao analisar o caso, o tribunal da ICSID entendeu que o fechamento da empresa

pelo governo mexicano tinha sido exagerado e desproporcional em comparação aos benefícios

ambientais que a nova regulação deveria trazer (segundo o entendimento da Corte Arbitral do

Banco Mundial “nenhum benefício”), e assim, concedeu indenização correlata à expropriação

havida.

3.1.3 “The Police Powers Carve-Out”. O Poder de Polícia como excludente.

Sào medidas regulatórias que expressam o poder de polícia estatal, e que

geralmente não são consideradas exceções às expropriações porque adotadas de boa fé e com

legítimas preocupações de bem-estar social e ambiental.

Um dos casos que ilustram essa doutrina é o Methanex Corporation v. United

States. O Estado da California baniu o MTBE (methyl tertiary butyl ether), aditivo de gasolina,

porque descobriu-se que essa substância era altamente corrosiva e contaminava lençóis freáticos.

A empresa canadense Methanex entendeu que tal medida era expropriatória, já que essa substância

era componente fundamental na fabricação de methanol, que era a base de seu negócio (“core

business”).

Em 2005 o tribunal arbitral entendeu que o caso deveria ser julgado improcedente

com base na doutrina do poder de polícia em face de interesse público relevante e medida tomada

de boa fé pelos agentes reguladores, que se utilizaram do devido processo legal para banir a

referida substância.373

O Poder de Polícia constitui exclusão à regra da expropriação, e, uma vez entendido

que a medida provém de interesse público legítimo, de aplicação geral e não discriminatória, e que

foi editada seguindo os princípios do devido processo legal com ampla publicidade, não haverá

373 “In the Tribunal’s view, Methanex is correct that an intentionally discriminatory regulation against a foreign

investor fulfils a key requirement for establishing expropriation. But as a matter of general international law, a non-

discriminatory regulation for a public purpose, which is enacted in accordance with due process and, which affects,

inter alios, a foreign investor or investment is not deemed expropriatory and compensable unless specific commitments

had been given by the regulating government to the then putative foreign investor contemplating investment that the

government would refrain from such regulation.as a matter of general international law, a non-discriminatory

regulation for a public purpose, which is enacted in accordance with due process is not an expropriation” http://www.state.gov/documents/organization/51052.pdf (Part IV, Chapter D, p. 4)

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expropriação, e por consequência não haverá indenização. Note que não se trata de exceção à

regra de expropriação, mas, de exclusão, uma vez que o tribunal entende que a medida regulatória

não é expropriatória.

As dificuldades para aferir se determinada norma regulatória interna de uma país é

ou não discriminatória assume função central para o resultado de uma arbitragem e deverá ser feita

caso a caso. Caberá ao jurista o trabalho de interpretar a norma para aferir se essa atende ao

interesse público de forma legítima, se é emanada pelo poder competente e de forma transparente

e legal para que tal se encaixe na exceção do poder de polícia ou não, situação que nos levará à

próxima doutrina.

3.1.4. “Right to Regulate Approach”.

Segundo Newcombe, citado por ROMSON374, as doutrinas de poder polícia como

excludente e “sole effects”, além de ortodoxas, não são capazes de trazer a clareza indispensável

para distinguir quando determinada medida regulatória caracteriza uma expropriação de

investimento de uma medida regulatória ordinária. Continua o mesmo autor375 citando Fauchald

and Schiötz que existe uma diferença fundamental entre o direito à compensação contra o direito

de regulação estatal que nem sempre está clara nos tratados de investimentos.

Feitas as críticas, uma quarta via seria uma abordagem que tem fundamento na

Convenção Européia de Direitos Humanos, cujo artigo 1º, do primeiro protocolo, dispõe que os

Estados têm o direito de regular e aplicar leis para controle do uso de propriedade de acordo com

o interesse coletivo ou público.

Esta doutrina se parece com a da proporcionalidade à medida que sua aplicação

busca ser razoável e equilibrar os fins e meios entre o interesse público e àquele dos investidores,

mas, difere sutilmente no que tange ao seu ponto de partida que é a garantia de que o Estado pode

regular situações que digam respeito ao interesse público, circunstância que já consta em tratados

bilaterais de investimentos europeus. As questões regulatórias ambientais parecem melhor

protegidas nesta doutrina.

374 Op. Cit. p. 252 375 Op. Cit. p. 254/255

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254

4. INVESTIMENTOS E REGULAÇÕES AMBIENTAIS NA JURISPRUDÊNCIA.

O Direito Ambiental é um ramo do direito internacional público dotado de regras e

princípios que geram direitos e obrigações para os sujeitos do direito internacional (os Estados,

pessoas físicas, organizações governamentais e não governamentais).

Suas regras, contudo, já não são tão influenciadas por um conceito formal de

hierarquia das normas ou de formalismo legal por terem um traço bastante peculiar, um aspecto

“camaleão”, ou seja, interagem nas questões jurídica, éticas, políticas, sociais, cientificas e

econômicas que culminam na reciproca cooperação entre os Estados em um contexto global de

preocupação em preservar, entender e interagir de forma sustentável com o meio ambiente, visando

a melhoria da qualidade de vida para presentes e futuras gerações.

A Declaração Sobre o Meio Ambiente Humano de Estocolmo, 1972, representativa

de uma série de 26 princípios fundadores, que no direito internacional são enunciativas de normas

“soft laws” (formas não cogentes e não vinculantes), constituem boa parte das fontes do Direito

Ambiental Internacional, em contraste com as normas de “hard laws” (cogentes, vinculantes) que

descrevem condutas a serem adotadas e seguidas pelos Estados e não somente recomendações de

conduta.

Estes dois tipos normativos estão no foco das disputas envolvendo investimentos

internacionais e direito ambiental, ora pelo grau de normatividade de uma “soft law”, ora pelo grau

de precisão da conduta exigida num tratado ambiental que seja incompatível com o investimento

realizado.

Observa-se ainda que um tema de particular importância para a matéria de

investimentos contido no princípio 21 da declaração de Estocolmo é uma norma “hard law”376,

que referenda a soberania estatal sobre recursos naturais e autonomia para regular a matéria

ambiental e diz: “Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do direito

internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, nos termos de suas

próprias políticas ambientais, desde que as atividades levadas a efeito, dentro da jurisdição ou

sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora

de toda a jurisdição nacional”.

376 O artigo 2o. da Declaração do Rio/92 repete a mesma norma.

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255

A idéia de desenvolvimento sustentável veio a tona pela primeira vez em 1987 no

relatório Brundtland “Our Common future”377 que lançou um novo olhar sobre o modelo de

desenvolvimento que o mundo seguia. O núcleo desse conceito seria a “satisfação das

necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas

próprias necessidades”, que alerta para a necessidade de se empregarem esforços sem precedentes

na História da Humanidade em pról da sustentabilidade. A adoção de medidas como a diminuição

do consumo de energia, o desenvolvimento de tecnologias para uso de fontes energéticas

renováveis, e o aumento de produção industrial com base em tecnologias limpas passam a ser

amplamente debatidas.

Em 1992, o Brasil sediou a Conferência Eco 92, no Rio de Janeiro onde se buscou

definir políticas essenciais para o meio ambiente através do desenvolvimento sustentável,

celebrando-se na ocasião a Convenção sobre Diversidade Biológica, além da Declaração do Rio,

que também se torna norma fundamental importância ao definir uma série de princípios, dentre os

quais, o princípio da prevenção, princípio do desenvolvimento sustentável, princípio da

precaução378, princípio do poluidor-pagador379 e o princípio da responsabilidade civil380, possui

um conteúdo mais programático.

O Acordo de Paris é um tratado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações

Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC - sigla em inglês), sobrepõe o Protocolo de Kyoto

no que tange ao combate do aquecimento global, e rege medidas de redução de emissão dióxido

de carbono a partir de 2020 com metas impositivas para seus signatários com a vantagem de ser

legalmente vinculante.

377 http://ambiente.files.wordpress.com/2011/03/brundtland-report-our-common-future.pdf Nosso Futuro Comum,

tradução livre do ingles. 378 Princípio 14 da Declaração do Rio: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser

amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou

irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas

economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 379 Princípio 15 da Declaração do Rio: “As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos

custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve,

em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem

provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais. 380 Princípio 13 da Declaração do Rio: “Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e

à indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão também cooperar, de maneira

expedita e mais determinada, no desenvolvimento do direito internacional no que se refere à responsabilidade e à

indenização por efeitos adversos dos danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro

de sua jurisdição ou sob seu controle.

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Alguns tratados internacionais impõem condutas aos Estados signatários em

matéria ambiental como a Convenção da Basiléia relativo ao Controle do Transporte

Transfronteiriço de Resíduos Perigosos de 1989, que exige consentimento prévio (“prior inform

consent”) entre os países transfronteiriços em que serão transportados os lixos e resíduos perigosos

entre os países signatários da convenção, e que proibe o transporte desse material dos países que

não são parte da Convenção da Basiléia. Por sinal, esta Convenção foi invocada e serviu como

base no caso S.D. Myers v. Canada381.

A empresa norte americana S.D. Myers cuja atividade consistia no tratamento de

resíduos e lixo, operava no Canadá, mas sua planta industrial onde desenvolvia seus trabalhos

estava nos EUA. Por 18 meses, o Canadá criou dificuldades para o transporte de lixo, situação

que levou o investidor a buscar no tribunal arbitral compensação por expropriação.

Em sua defesa, o Canadá alegou ser signatário da Convenção da Basiléia, e que

agiu conforme o direito internacional, já que a exportação daquele tipo de material pelos

americanos estava fora dos parâmetros estipulados no referido tratado.

O Tribunal concluiu pela expropriação alegando que o Canadá não estava obrigado

a agir da maneira que agiu, e que poderia tomar medidas menos impactantes contra o investidor,

porém, interpretou o caso de forma a conciliar as obrigações internacionais canadenses com as

regras ambientais e de investimentos, num exemplo claro de interpretação normativa. Apesar do

resultado ser questionável do ponto de vista ambiental, a mensagem passada pareceu ter sido de

que as partes poderiam buscar uma solução negociada previamente.

As legislações ambientais internas dos países acabaram moldadas por esse

agregado de normas de “soft law” e “hard law” que o direito internacional do meio ambiente

difunde, contudo, em matéria de investimentos normas ambientais se não forem decorrentes de

uma obrigação do direito ambiental internacional serão tidas como normas de direito interno, as

quais, segundo os tribunais arbitrais, poderão constituir protecionismo ou causa a expropriação de

um investimento.

Destarte, toda vez que um conflito surge há necessidade de se observar dois

aspectos: primeiro quanto ao grau de normatividade (“soft law”, ou, “hard law”), e segundo quanto

a precisão dessa normatividade (estariam os Estados obrigados a cumprir essa norma ambiental

381 http://italaw.com/documents/SDMeyers-1stPartialAward.pdf

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por força do direito internacional, ou não?). Ainda assim, numa disputa perante um tribunal

arbitral, a norma ambiental para ser arguida como defesa de um Estado receptor de investimentos

precisaria caracterizar a exclusão do poder de polícia para que possa prevalecer sobre a proteção

do regime de investimentos.

Considere-se ainda que os tratados internacionais de investimentos garantem uma

extensa gama de prerrogativas e direitos aos investidores, e, na maioria das vezes, sem qualquer

contrapartida para o Estado receptor que sob a ameaça de ter suas políticas públicas ambientais

desafiadas num tribunal arbitral, preferem abdicar destas em pról de manter o compromisso que

firmaram com os investidores, não se sabendo os efeitos sociais, políticos e econômicos que essas

opções causarão no longo prazo.

Uma das formas para aferir a qualidade dos investimentos tem se dado por

iniciativas de governança que exigem que os investimentos sejam sustentáveis do ponto de vista

ambiental. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo constante no Protocolo de Kyoto já atua

nesse sentido ao incentivar projetos que contribuam para a sustentabilidade global e redução na

emissão de gases que causam o efeito estufa.

O Banco Mundial, através de seu braço operacional, a IFC (International Finance

Corporation), tem elaborado um campo de indicadores sociais e ambientais para investimentos382.

Tais indicadores de governança poderão ser considerados “soft law” por suas características de

recomendações de conduta, e exigência de transparência em razão da obrigação de informar

acionistas e cidadãos quanto a qualidade e a origem lícita do investimento que uma determinada

empresa realiza no exterior.

Apesar do esforço em tornar os investimentos mais responsáveis do ponto de vista

da sustentabilidade, algumas arbitragens demonstram a total falta de sintonia com responsabilidade

social e ambiental.

382 O IFC disponibiliza um manual com standards ambientais e sociais aplicáveis a investimentos em seu site

http://www.ifc.org/wps/wcm/connect/190d25804886582fb47ef66a6515bb18/ESRP+Manual.pdf?MOD=AJPERES’;

vide também

http://www.ifc.org/wps/wcm/connect/Topics_Ext_Content/IFC_External_Corporate_Site/IFC+Sustainability/Sustai

nability+Framework/Sustainability+Framework+-+2012/#SustainabilityPolicy

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Nesse sentido a arbitragem Glamis Gold Ltd. v. United States of America383 em que

a mineradora canadense desenvolvia suas atividades de mineração a céu aberto no Estado da

California, levantando não somente uma série de restrições ambientais pela agência ambiental dos

EUA, como também culturais, vista que a atividade econômica se realizava em reserva indígena

considerada sagrada pelos nativos, situação que chamou atenção da opinião pública que foi

totalmente contrária à exploração da mina pela empresa canadense, culminando com a agência de

proteção ambiental da California impondo uma série de restrições às atividades de mineração até

então desenvolvidas.

Neste caso, o tribunal arbitral condenou os EUA entendendo que as medidas

tomadas foram expropriatórias e feriam o princípio de tratamento justo e equitativo, determinando

o pagamento de indenização à empresa canadense, num claro exemplo de conflito de legitimidade

entre as normas ambientais e normas internacionais de investimentos.

O ativismo foi importante no desfecho do caso Bechtel Co. v. Bolivia384, já citado

neste trabalho como a “Guerra de Cochabamba”, no qual a empresa norte americana, após vencer

uma arbitragem, desistiu de seguir com a execução do laudo arbitral.

A Bechtel Co. obteve direito à exploração do abastecimento de água na cidade de

Cochabamba na Bolivia por meio de um processo de privatização. Ao longo do exercício dessa

atividade econômica os preços praticados subiram em mais de 50%, inviabilizando a utilização da

água pela população mais pobre, o que desencadeou um violento conflito popular que obrigou o

governo boliviano a decretar estado de emergência para conter a revolta popular e assumir o

controle da empresa.

O caso foi levado à ICSID que decidiu pela expropriação e condenou a República

da Bolivia ao pagamento de 50 milhões de dolares. Uma forte pressão popular exercida pela

opinião pública por meio de protestos, e-mails enviados à empresa, propaganda negativa junto aos

383 http://www.state.gov/documents/organization/125798.pdf Destaca-se na decisão: “The Tribunal finds that this

discussion of domestic United States procedural law does not aid this analysis. Although it is generally agreed that

the unlawfulness of an action according to municipal law will not necessarily entail a violation of international the

converse also is true: the legality of an act under domestic law does not presuppose its legality under international

law. This Tribunal instead must look to the customary international law minimum standard of treatment and determine

whether the Glamis Gold, Ltd. v. United States of America – Page 333 failure of the solicitor to first promulgate

regulations prior to the issuance of his MOpinion exhibits “a complete lack of due process.” (visto em 18.07.2017) 384

https://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&actionVal=showDoc&docId=DC628&case

Id=C210

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acionistas, levaram à desistência da execução por parte da empresa norte americana como solução

para recuperar o valor de suas ações cotadas em bolsa que despencaram, um caso peculiar e bem-

sucedido de ativismo corporativo.

Um dos casos que ilustra a obscuridade com que alguns investimentos são

desenvolvidos foi Mervin Feldman Karpa (CEMSA) v. México385, no qual o investidor era uma

companhia de cigarros que os revendia para os Estados Unidos através do México, numa operação

que envolvia Honduras, um paraíso fiscal, e assim obtinha créditos tributários com a diferença de

impostos entre o NAFTA e àquele país. Ocorre que o governo mexicano percebendo a elisão fiscal

a que estava sujeito, proibiu esses créditos tributários, criando um cenário no qual a operação desse

investidor somente se manteria lucrativa caso fosse descumprida a legislação tributária do México.

A decisão arbitral não reconheceu a mudança da legislação tributária como

expropriação, e determinou que o investidor não teria direito a indenização de US$1.6 milhões por

lucros cessantes em virtude desse novo regime fiscal, respeitando, assim, não apenas a capacidade

regulatória do México como principalmente mostrou que investimentos têm um propósito que

deve ser respeitado.

Casos como estes apontam investimentos que não cumprem seus propósitos, mas

que em contrapartida colocam os Estados receptores num eminente estado de violação do direito

internacional, acentuam uma relação descompassada onde somente uma das partes possui direitos,

enquanto a outra abdica, às vezes totalmente, de sua capacidade de regulação interna em pról de

hospedar investimentos, isso sem falar nos altos custos que envolvem uma disputa arbitral cujo

desfecho costuma pender a favor dos investidores.

6. CONCLUSÃO.

Verifica-se, em conclusão, o descompasso entre expectativas dos Estados

receptores e os objetivos dos investidores no que tange às disputas envolvendo investimentos

estrangeiros relatadas neste trabalho que, em alguns casos, chegou-se a situações extremas em que

houve completa subjugação da capacidade regulatória estatal para satisfazer exigências dos

investidores em oposição à submissão deste às leis do país que hospedou investimentos.

385 http://www.state.gov/s/l/c3751.htm

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Se bem negociados, investimentos estrangeiros são bem-vindos e conseguem, via

de regra, promover o desenvolvimento econômico. Entretanto, há que se observar o escopo desses

investimentos, sobretudo atualmente quando estamos assistindo à transição de uma economia de

alto impacto ambiental (“brown”) baseada no industrialismo e combustíveis fósseis, para uma

economia moderna de baixo impacto ambiental (“green”), baseada na sustentabilidade e em fontes

de energia limpas e renováveis, sendo de suma importância alinhar as expectativas das partes

envolvidas neste processo: investidores, países receptores, sociedade civil.

Demais disso, impõe ressaltar que a questão ambiental protegida nos tratados

internacionais possui uma característica “camaleão” que se adapta e interage com diversos ramos

do direito.

Nota-se que face à ambiguidade da linguagem contratual e da assimetria de

obrigações assumidas entre as partes signatárias dos tratados internacionais de investimentos, o

êxito na aplicação do direito internacional do meio ambiente, geralmente reproduzidas nas

legislações internas dos países receptores de investimentos, deverá ser aferida no caso concreto e

ainda se observando a pertinência da aplicação da doutrina do excludente de poder de polícia.

As decisões arbitrais envolvem investimentos individualmente considerados,

percebendo-se duas correntes na interpretação encontradas em disputas arbitrais que versem sobre

matéria relacionada a investimentos estrangeiros e meio ambiente386: uma tradicional, para quem

o direito ambiental seria protecionismo disfarçado oriundo de uma norma de direito nacional,

doméstica, e que por isso caracterizaria expropriação de um investimento; e em contraste verifica-

se o surgimento de viés mais humanista cujas preocupações com um meio ambiente equilibrado,

com o Planeta como sujeito de direitos, se tornou um reflexo do que a Sociedade busca na

atualidade e que é referendada pelos tratados internacionais que regulam o tema, portanto, em

mesmo grau de hierarquia dos tratados de investimentos em casos de disputa, se mostrando como

uma forma legítima de resguardar direitos humanos fundamentais e a sustentabilidade em caso de

conflitos.

Percebe-se que há um protagonismo da corrente de intepretação tradicional na

análise dos casos de arbitragem internacional envolvendo investimentos, o que pode ser explicado

386 Jorge E. Vinuales, “Managing Conflicts between Environmental and Investments Norms in International law”.

http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1683465

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pelo fato de já ter sido estabelecido em práticas desde a formação da Corte. Além disso, somente

agora com o esforço para debelar o aquecimento global, a economia verde está mudando a forma

com que os negócios estão sendo idealizados no mundo. É certo que neste momento não se deve

mais pensar em tratados bilaterais que não incorporaram provisões ambientais e sociais adequadas,

além da falta do indispensável compliance que precede um investimento direto, mas os casos

trazidos neste trabalho são uma pequena amostra de que há muito que se caminhar para se chegar

a um equilíbrio entre capital e proteção ambiental.

Por outro lado, é importante ressaltar o esforço da ICSID em entender essas

mudanças e trazer a questão ambiental para a Corte, o que já vem sendo feito em diversas

iniciativas. Todavia, tais mudanças ainda levam tempo para serem não só assimiladas como

também estabelecidas em guidelines ou modelos que investidores e países poderão utilizar quando

estiverem negociando a recepção de um contrato ou tratado de investimentos.

Incorporar o direito ambiental no universo dos investimentos será um trabalho

complexo, mas possível, e envolverá o gerenciamento de risco de arbitragem. Para tanto será

necessário um correto entendimento do direito ambiental internacional e local em matéria de

litígios envolvendo investimentos, como ponto de partida para tentar acabar com as assimetrias e

descompassos que hoje marcam os tratados internacionais e contratos que protegem os

investimentos, avançando no sentido de incluir medidas ambientais, sociais e de saúde nestes

instrumentos como forma de salvaguardar os direitos de comunidades locais e trabalhadores, e

sobretudo do meio ambiente.

As normas de governança instituídas pelo International Finance Corporation (IFC)

do Banco Mundial também se mostram de suma importância, afinal seus diversos indicadores

poderão despertar no investidor a preocupação com a questão ambiental, já que terão o condão de

expor de forma equilibrada, transparente e imparcial, os interesses sociais, ambientais e

econômicos envolvidos num investimento, o que contribuirá para sua sustentabilidade.

De suma importância é avaliar se os investimentos estrangeiros guardam pontos de

contato com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, hoje o principal

norteador de empreendimentos no mundo, sobretudo com o avanço do Movimento “B”

(beneficiary corporations) que une negócios e sustentabilidade.

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Além disso, poderá se tornar importante ferramenta para acionistas, governos,

stakeholders e shareholders, que poderão avaliar os impactos que os investimentos causarão,

possibilitando uma atuação preventiva capaz de ajustar o descompasso entre bens e interesses

públicos e privados.

Finalizando, importa olhar os problemas, descompassos e controversias que

atualmente emergem dos conflitos entre investimentos estrangeiros e regulação ambiental como

uma experiência que precisa ser aperfeiçoada se possível com a internalização dos efeitos

negativos que a atividade do investidor causar ao meio ambiente.

Uma mudança positiva para o tema aqui tratado depende muito mais de uma

mudança de mentalidade do que da lei.

E essa mudança de mentalidade requer a incorporação dos conceitos de

sustentabilidade ambiental e padrões governança, nos tratados e contratos de investimentos

estrangeiros, para que estes se apropriem destas questões como objetivo e como propósito.

7. BIBLIOGRAFIA

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