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Ana Rosa Chait Trachtenberg Ana Rosa Chait Trachtenberg* “Has the like of this happened in your days or in the days of your fathers? Tell your children about it and let your children tell theirs. And their children the next generation!” (I Joel,2-3) Entrada do Museu Iad Vashem – Jerusalém A transgeracionalidade, uma das temáticas mais atuais da psicanálise moderna, está presente já em vários textos freudianos. As bases teórico-clínicas da transmissão psíquica entre gerações repousam também em idéias de M. Klein, Bion e Winnicott e encontram seu de- senvolvimento pleno na escola francesa (Lacan, Green, Piera Aulagnier, René Kaes, Haydée Faimberg, entre outros), além da contribuição fun- damental e histórica de autores latino-americanos. Aparecem em realce o intersubjetivo, as diferentes manifestações do “negativo“, a pré-histó- ria e o social (situações traumáticas ou de violência social) como ingre- dientes na constituição da história e do psiquismo do sujeito. No pre- sente trabalho estão abordadas idéias relativas à transgeracionalidade, intergeracionalidade, identificações telescópicas e outros movimentos psíquicos, cuja incidência participará do destino do sujeito através das gerações. Transgeneracionalidade. Intergeneracionalidade. Iden- tificação Telescópica. Transmissão Psíquica. Negativo. * Membro Titular em Função Didática da SBPdePA.

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Ana Rosa Chait Trachtenberg*

“Has the like of this happened in your days or in the

days of your fathers? Tell your children about it and let

your children tell theirs.

And their children the next generation!”

(I Joel,2-3)

Entrada do Museu Iad Vashem – Jerusalém

A transgeracionalidade, uma das temáticas mais atuais dapsicanálise moderna, está presente já em vários textos freudianos. Asbases teórico-clínicas da transmissão psíquica entre gerações repousamtambém em idéias de M. Klein, Bion e Winnicott e encontram seu de-senvolvimento pleno na escola francesa (Lacan, Green, Piera Aulagnier,René Kaes, Haydée Faimberg, entre outros), além da contribuição fun-damental e histórica de autores latino-americanos. Aparecem em realceo intersubjetivo, as diferentes manifestações do “negativo“, a pré-histó-ria e o social (situações traumáticas ou de violência social) como ingre-dientes na constituição da história e do psiquismo do sujeito. No pre-sente trabalho estão abordadas idéias relativas à transgeracionalidade,intergeracionalidade, identificações telescópicas e outros movimentospsíquicos, cuja incidência participará do destino do sujeito através dasgerações.

Transgeneracionalidade. Intergeneracionalidade. Iden-tificação Telescópica. Transmissão Psíquica. Negativo.

* Membro Titular em Função Didática da SBPdePA.

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No ano de 1914, no fundamental texto “Introdução ao Narcisismo”,

Freud declara que o indivíduo é, em si mesmo, seu próprio fim, mas se

encontra vinculado a uma corrente geracional como elo de transmissão,

sendo beneficiário e herdeiro da mesma.

O tema da transmissão psíquica entre gerações estava já presente em

Totem e Tabu (FREUD, 1913), com destaque para o tabu do incesto, o

parricídio e o tratamento dado ao luto e aos fantasmas, logo retomados em

Luto e Melancolia (FREUD, 1917).

De acordo com Kaës (2002), as idéias freudianas foram ampliadas

com os aportes de Klein, Bion e Winnicott, através dos conceitos de rela-

ção de objeto, de função alfa e de capacidade de rêverie materna. Eles

introduziram a conjunção das alteridades externa e interna na compreensão

dos processos constitutivos da psique do sujeito. Kaës diz ainda que, com

Lacan, Green e Piera Aulagnier se qualifica a questão da fundação do in-

consciente do sujeito como efeito da intersubjetividade, do desejo do ou-

tro, do outro do objeto (KAËS, 2002).

O contrato narcísico de Piera Aulagnier (1997) nos indica que existe

um pré-investimento dos pais em relação ao bebê, ao qual reservam um

lugar legítimo. A criança demanda ao grupo o reconhecimento de que ela

lhe pertence, enquanto o grupo lhe demanda a preservação de seus valores

e leis, previamente estabelecidos.

Ela também ressalta a importância da atividade de porta–palavra da

mãe e diz que o infans, quando a palavra não é trazida, fica psiquicamente

mutilado. Apoiada em Bion, ela diz que a criança só pode constituir obje-

tos de pensamento sob a condição de terem sido transformados pela fun-

ção alfa da psique materna.

O espaço de intermediação (KAËS, 1996) (rêverie, função alfa) marca

uma fundamental escolha de caminhos sobre a forma pela qual a transmis-

são vai acontecer. Transmitir é fazer passar um objeto de identificação, um

pensamento, uma história ou afetos de uma pessoa para outra, de um grupo

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para outro, de uma geração para outra.1

Quando falo de transmissão psíquica de uma geração para outra, refi-

ro-me a duas modalidades básicas: intergeracional e transgeracional. A

primeira delas, a intergeracional, é a que acontece entre as gerações, ha-

vendo uma distância, um espaço entre o “transmissor“ e o “receptor“, pre-

servando-se as bordas da subjetividade. A transmissão transgeracional,

ao contrário, é invasiva e ocorre através dos sujeitos e gerações.

Virgem e o Menino com Sant’AnaLeonardo da Vinci – 1508-10

1 Kaës (1996b) faz uma distinção esclarecedora sobre as questões da transmissão, observandodois tipos: intersubjetiva e transpsíquica. A primeira é um tipo de transmissão que envolve asrelações imaginárias, reais e simbólicas entre os sujeitos. O grupo familiar é o espaço originárioda intersubjetividade; ele precede o sujeito singular, está estruturado por uma lei constitutiva, eseus elementos estão em relação de diferença e de complementaridade. No conjuntointersubjetivo, são apresentados os enunciados referentes às proibições fundamentais, como tam-bém as relações de desejo que estruturarão os vínculos, as identificações e o complexo edípico. Jána transmissão transpsíquica, há uma abolição dos limites e espaços subjetivos, não existindo aexperiência de separação entre sujeitos, que ficam à mercê das exigências do narcisismo. A trans-missão transpsíquica se diferencia da transmissão intersubjetiva porque esta pressupõe um espaçode transcrição transformadora da transmissão.

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Nas transmissões intergeracionais, o sujeito não é somente

beneficiário, herdeiro, servidor forçado, mas também adquirente singular

daquilo que lhe é transmitido. Trata-se de um trabalho psíquico de elabora-

ção que diz respeito ao sujeito e ao grupo, favorecendo transformações e

conduzindo a uma diferenciação, a uma evolução entre o que é transmitido

e o que é herdado. Esse trabalho permite a cada geração situar-se em rela-

ção às outras, perceber e respeitar as diferenças entre elas, tornar-se um elo

e inscrever cada sujeito numa cadeia e num grupo.

A transmissão psíquica intergeracional é estruturante e nucleada na

existência de um espaço de transcrição transformadora (KAËS, 1996a),

no qual se veicula uma herança intergeracional, constituída por fantasias,

imagos, identificações, etc. organizando uma história familiar, um relato

mítico, do qual cada sujeito pode tomar os elementos necessários para a

constituição da sua novela individual neurótica.

Em outro lugar (TRACHTENBERG, 2002a, 2002b), denominei iden-

tificação telescópica ao movimento psíquico que perpassa várias gerações,

chegando a lugares muito distantes, conservando e, ao mesmo tempo, mo-

dificando histórias nessa trajetória.

Essa parece ser a trilha daquelas transmissões psíquicas entre gera-

ções que são bem-sucedidas, exitosas, nas quais o escudo protetor materno

cumpriu a sua meta a contento, e a mãe pôde investir adequadamente em

seu bebê.

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Self-Portrait as a Tehuana (Diego on My Mind)Frida Kahlo, Mexican, 1907 – 1954

Várias situações, entretanto, podem destruir a capacidade e a função

parentais: lutos não-elaborados, segredos, histórias lacunares, histórias de

violência, vazios, migrações, que se constituíram em traumas não transfor-

mados, elaborados ou historizados. Poderão não só comprometer dramati-

camente a capacidade metabolizadora parental das ansiedades primitivas

do bebê, como também propiciar uma inversão da linha geracional e a

“rêverie invertida” (TRACHTENBERG, 2005b) – ocasião em que o filho

torna-se depositário da angústia parental. Assim, poderão ser inauguradas,

na história de muitos pacientes, transmissões transgeracionais. Observa-

mos, então, nesses casos, um predomínio da transmissão que ocorre por

intermédio dos sujeitos, atravessando o psiquismo, invadindo-o violenta-

2 Pensando nos desenhos de crianças psicóticas, que muitas vezes nos impressionam por seu olhartransparente, pois não nos olham, e onde encontramos também “transparências”, ocorreu-me des-crever o olhar dessas mães “que estão em outro lugar”, como mães com um “olhar transparente”.Elas olham seus bebês, mas não podem vê-los, pois fitam a outro.

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mente, numa passagem direta de formações psíquicas de um sujeito a ou-

tro, de uma geração a outra, sem a preservação dos espaços ou das bordas

da subjetividade. Sob o predomínio do narcisismo, os dois psiquismos são

um só, tal como se apresenta em várias situações clínicas de nossos dias.

Nas situações de violência social ou violência de estado, o

intrapsíquico se vê desbordado em seu potencial de ligação e representa-

ção. Tal é o caso do holocausto (Shoá), que deixou para seus sobreviventes

e/ou descendentes uma marca que, de acordo com muitos autores, não é

passível de representação. São momentos traumáticos encapsulados

(ROSENFELD, 1993), convertidos em “restos radioativos” (GAMPEL,

2006), que não podem ser transformados em pensamento simbólico, em

palavras, e surgem sob a forma de enfermidades psíquicas ou físicas no

próprio sujeito ou nas gerações seguintes.

São histórias e pré-histórias particulares, em que há superposição do

conflito intrapsíquico (neurótico) com esse “não representado” histórico,

proveniente do traumático vivido e não elaborado pelo sujeito e/ou por

seus descendentes.

Gampel (2006) denomina tais efeitos de “transmissão e identificação

radioativa” e cita Wilcowicz, que os conceitua como uma forma de “iden-

tificação vampírica”, segundo o que alguns descendentes das vítimas da

Shoá, prisioneiros dos traumatismos da geração anterior, não são “nem

mortos, nem vivos, nem nascidos”, tal como os vampiros3.

Os aportes de N. Abraham e M. Torok (1995), na década de 1970,

sobre o luto, a cripta e o fantasma foram decisivos para as investigações

das transmissões transgeracionais, destacando-se a idéia de que no incons-

ciente de um sujeito se enquista uma parte do inconsciente de um outro,

que vem habitá-lo como um fantasma, além do mandato imperativo que o

ancestral faz pesar sobre a sua descendência. A cripta é uma sepultura se-

creta, uma furna, que mantém em conserva um luto indizível, que contém

3 Cabe recordar o autor húngaro Imre Kertész, sobrevivente do holocausto e ganhador do prêmioNobel de Literatura em 2002, em seu livro ‘Kadish para uma Criança Não-Nascida’, em que elerevela não ter filhos para poupá-los da transmissão de seu passado traumático inelaborável.

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as palavras não ditas, as lágrimas não derramadas, as cenas não lembradas,

bem como o correlato objetal da perda que não foi admitida como tal.

Essa história, ou não-história, repleta de não-ditos, que necessita ser

dissociada ou clivada pelo sujeito, habitando uma cripta firmemente lacra-

da, necessitará encontrar um depósito fora dele próprio. O indivíduo expul-

sa de dentro de si seu próprio fardo, as partes alienadas de si mesmo, e as

coloca em alguém narcisicamente selecionado, da geração seguinte. Essas

formas particulares de identificação projetiva (identificação narcisista alie-

nante, FAIMBERG, 2000; identificação mórbida, PEREIRA DA SILVA,

2003; identificação traumática, TRACHTENBERG, 2005b) “liberta” o re-

presentante dessa geração, enquanto “escraviza”, através de mandatos in-

conscientes, o representante escolhido da geração seguinte. Este, vivendo

uma história que, ao menos em parte, não é sua, tendo uma parte de seu

psiquismo alienado, estrangeira a si mesmo, é um dos protagonistas daqui-

lo que Faimberg (2000) denominou telescopagem de gerações. Surgindo

da cripta e do mandato, do segredo inconfessável e da não-simbolização, o

acento passará a ser colocado, nos autores modernos, na falha do simbóli-

co, no negativo, no “branco“, no vazio, no irrepresentável. Muitos deles

estão de acordo a respeito de que o Complexo da Mãe-Morta – uma já

clássica descrição de André Green (1988) – poderá delimitar uma trans-

missão transgeracional. Recentemente, Green (2005) declarou que hoje o

chamaria de ”mãe que está em outro lugar”, já que o bebê vive a terrível

experiência de uma mãe inacessível, que denominei como “mãe com um

olhar transparente”. Afirma que, na clínica, observamos uma sensação/

desejo de autodesaparecimento em pacientes vistos pela síndrome do va-

zio.

Esse outro lugar, o lugar do não-elaborado que ocupa a mente dessa

mãe, pode ser um luto próprio (perda de um filho), alheio (vergonha fami-

liar) ou derivado de uma situação social de violência (holocausto ou dita-

duras/desaparecimento/violência urbana).

A transmissão transgeracional é uma transmissão psíquica geracional

que, do ponto de vista da natureza e da essência do elo criativo entre as

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gerações, se tornou defeituosa, foi interrompida; as histórias de seus perso-

nagens estão colapsadas, coladas umas às outras; estão sob o predomínio

da repetição e do narcisismo.

Encontraremos, em ambas as gerações, o impensável, o indizível, o

negativo, o processo do segredar, os restos insensatos, os passados em si-

lêncio, as histórias vazias. A nova geração, herdeira compulsória e “conti-

nente do negativo“ (PUGET e KAËS, 1991), essa vesícula que contém pro-

dutos tóxicos, receptora singular de uma transmissão defeituosa e que, por

estar dominada por sua dependência e seu apego aos pais, bem como por

sua necessidade de ocupar o lugar que lhe é determinado, tentará, por todos

os meios, libertar-se desse fardo que quando há certo predomínio da pulsão

de vida.

Inicialmente o fazem através de um sintoma, e logo mais, durante um

processo analítico, através do vínculo qualificado com outro: um analista

capaz de transformar os conteúdos daquela zona em palavras. Nessa tra-

vessia transformadora buscam sua herança intergeracional, um sentido de

sua história e de sua pré-história que ficara perdido, interrompido ou

destruído em gerações anteriores. Encontram, com surpresa, aquilo que

coabita seu mundo neurótico.

Apresento a seguir um quadro sinóptico comparativo entre as duas

formas de transmissão psíquica entre gerações, tal como foram colocadas

acima.

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INTERGERACIONAL TRANSGERACIONAL

1. A serviço dos vínculos, da elabo- 1. A serviço do esquecimento (morte),

ração, da historização do Sujeito da repetição, da não-história

2. Transmissão Intersubjetiva – com 2. Transmissão Transpsíquica, invasiva,

resguardo dos bordos da subjetividade sem transformação, passagem direta

– entre sujeitos / entre as gerações através das gerações

3. Acontecimentos elaborados 3. Acontecimentos Traumáticos não-

(traumáticos ou não) elaborados (lutos, migrações,

“Olhar Consistente” violências, violência de estado,

segredos) “Olhar Transparente”

4. Representação Psíquica / 4. Cripta / Fantasma / Silêncio / Vazio /

Simbolização / Palavra Negativo / Branco / Falha no Simbólico /

Elementos não-transformados

Não-palavra / Não-Representação

5. Espaço de transcrição transforma- 5. Falta espaço de transcrição transfor-

dora (entre gerações) / Cadeia (elo) madora (entre gerações); Cadeia

Geracional traumática transgeracional

6. Memória / Historização / Herança 6. Esquecimento / Não-História /

Intergeracional / Fantasias / Imagos Herança transgeracional /

Histórias colapsadas

7. Antepassado: Objeto intergeracional 7. Antepassado: Objeto transgeracional

/ Núcleo de pertinência, genealogia

8. Identificações telescópicas (herança, 8. Telescopagem de gerações / Identifi-

sobrenome, tradições), identificações cações alienantes / Identificações

secundárias Traumáticas / Identificações Vampíricas /

Identificações Mórbidas / Identificações

Radioativas

9. Conflitos neuróticos, “miséria comum” 9. Narcisismo, vazio, mandatos

10. Mantidas diferenças entre gerações 10. Inversão da linha de gerações

“rêverie invertida”, vesícula de produtos

tóxicos

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Incluir os fenômenos da transgeracionalidade em nossa clínica é vali-

oso do ponto de vista “curativo”, bem como do ponto de vista “preventivo”

da saúde mental de futuras gerações.

Tais fenômenos, que costumam ficar silenciosos por longos períodos

e estão relacionados com as zonas de defeitos representacionais, surgem no

processo analítico através de uma contratransferência particular: a surpre-

sa, o espanto e a perplexidade intensos.

Não se trata de surpreender o analista com segredos guardados

deliberadamente; o próprio paciente, nesse caso, desconhece seu segredo e

tal potencial traumático para o analista poderá ser a reprodução do traumá-

tico do paciente.

Pretendo exemplificar brevemente, a seguir, algumas formas de sinis-

tro, surpresa, espanto ou perplexidade no contexto da contratransferência:

identificações alienantes e a escuta da escuta, figurabilidade e a escuta

regrediente e o corpo calado e a escuta corporal.

O seu aparecimento ocorre sob a forma de uma invasão, e a sua

irrupção na situação analítica provoca, inicialmente, uma surpresa

paralisante de grande intensidade, além de deixar o analista descolocado e

confuso. Aqui, se o analista for capaz de se colocar ativamente na posição

contratransferencial de desconhecimento, poderá se escutar e escutar a sua

surpresa. Poderá, assim, conduzir sua perplexidade ao caminho da curiosi-

dade e da elaboração – atitude que lhe possibilita sair da paralisia e, assim,

orientar-se no sentido do reconhecimento dessa parte da história de seu

paciente que não é sua, mas que corresponde à história clivada e projetada

de um progenitor.

Numa forma particular de apreciar a contratransferência, Botella

(2000) nos apresenta a escuta regrediente. Na escuta regrediente o

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psiquismo do analista é como que aspirado por uma atividade quase

alucinatória, na qual as imagens possuem uma vivacidade e uma nitidez

fora do comum. Tais imagens, figuras surgidas no psiquismo do analista,

são o conteúdo manifesto a partir do qual deverá ser construída uma inter-

pretação/representação, esclarecendo uma zona de não-representação do

paciente, que tem potencial desorganizador e destruidor. A figurabilidade é

uma instrumentação contratransferencial possível, que dá sentido à histó-

ria não-histórica de pacientes que padecem de “carência representacional”.

Na esteira das colocações de Botella (2000), e também

correspondendo a zonas traumáticas, de não-representação, poderão apare-

cer no analista, igualmente, em forma quase-alucinatória e com força de

imposição peremptória, manifestações em nível corporal. O corpo do

analista escuta com seu próprio corpo aquilo que a mente e o corpo do

paciente calam. O corpo do analista poderá funcionar, na relação

contratransferência/transferência, como um cenário sintomático, manifes-

to último daquilo que não pôde ser detectado, pensado ou representado por

seu paciente.

VOLVER

Música de Carlos Gardel

Letra de Alfredo Le Pera – Brasilero

Compuesto en 1935

Yo adivino el parpadeo

de las luces que a lo lejos

van marcando mi retorno...

son las mismas que alumbraron

con sus pálidos reflejos

hondas horas de dolor...

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Y aunque no quise el regreso,

siempre se vuelve al primer amor...

La vieja calle donde el eco dijo

tuya es su vida, tuyo es su querer,

bajo el burlon mirar de las estrellas

que con indiferencia hoy me ven volver...

Volver... con la frente marchita,

las nieves del tiempo platearon mi sien...

Sentir... que es un soplo la vida,

que veinte años no es nada,

que febril la mirada, errante en las sombras,

te busca y te nombra.

Vivir... con el alma aferrada

a un dulce recuerdo

que lloro otra vez...

Tengo miedo del encuentro

con el pasado que vuelve

a enfrentarse con mi vida...

Tengo miedo de las noches

que pobladas de recuerdos

encadenan mi soñar...

Pero el viajero que huye

tarde o temprano detiene su andar...

y aunque el olvido, que todo destruye,

haya matado mi vieja ilusión,

guardo escondida una esperanza humilde

que es toda la fortuna de mi corazón.

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The transgenerational, one of the most current themes of the modernpsychoanalysis, is present already in several Freudian texts. The theoretical-clinical basesof the psychic transmission among generations also rest in ideas of M. Klein, Bion andWinnicott and they find his full development in the French (Lacan, Green, Piera Aulagnier,René Kaes, Haydée Faimberg, among others) school, besides the Latin-American authors’fundamental and historical contribution. They appear in emphasis the intersubjective, thedifferent manifestations of the “negative”, the prehistory and the social (traumatic situationsor of social violence) as ingredients in the constitution of the history and of the subject’spsyche. In the present paper relative ideas are approached to the transgenerational,intergenerational, telescopic identifications and other psychic movements, whose incidencewill participate in the subject’s destiny through the generations.

Transgenerational. Intergenerational. Telescopic Identifications. PsychicTransmition. Negative.

La transgeneracionalidad, una de las temáticas más actuales del psicoanálisismoderno, se encontraba ya presente en diversos textos freudianos. Las bases teórico-clínicas de la transmisión psíquica entre generaciones reposan también en las ideas de M.Klein, Bion y Winnicott y encuentran su pleno desarrollo en la escuela francesa (Lacan,Green, Piera Aulagnier, René Käes, Haydée Faimberg, entre otros), a parte de lacontribución fundamental e histórica de autores latinoamericanos. Aparecen en destaquelo intersubjetivo, las distintas manifestaciones de lo “negativo”, la prehistória y lo social(situaciones traumáticas o de violencia social) como ingredientes en la constitución de lahistória y del psiquismo del sujeto. En el presente trabajo se abordan ideas relativas a latransgeneracionalidad, intergeneracionalidad, identificaciones telescópicas y otrosmovimientos psíquicos, cuya incidencia participará en el destino del sujeto a través de lasgeneraciones.

Transgeneracionalidad. Intergeneracionalidad. Identificaciones Telescó-picas. Transmisión Psíquica. Negativo.

ABRAHAM, N.; Torok, M. (1987). A casca e o núcleo. São Paulo: Escuta, 1995.AULAGNIER, P. La violência de la interpretación. Buenos Aires: Amorrortu, 1997.BOTELLA, C. SBPdePA entrevista César Botella. Psicanálise – Revista da So-ciedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p.225-248, 2000.FAIMBERG, H. Entrevista. Psicanálise – Revista da Sociedade Brasileira dePsicanálise de Porto Alegre, Porto Alegre, v.2, n.1, p. 249-266, 2000.FREUD, S. (1913). Totem y tabu. In: . Obras completas. Buenos Aires:Amorrortu, 1992. v. 13.

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