PROFISSÃO: Assistente Social

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Serviço Social

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Profissoassistente social

Edmia Corra Netto

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CORREA NETTO, E. Profisso: assistente social [online]. So Paulo: Editora UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica, 2010. 280 p. ISBN 978-85-7983-083-9. Available from SciELO Books .

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PROFISSO: ASSIStente SOcIAlEdmia Corra NEtto

Profisso:assistente social

Conselho Editorial Acadmico Responsvel pela publicao desta obra

Prof. Dr. Pe. Mrio Jos Filho (Coordenador) Profa. Dra. Cirlene Ap. Hilrio da Silva Oliveira (Vice-coordenadora) Profa. Dra. Helen Barbosa Raiz Engler Prof. Dr. Jos Walter Canas

Edmia Corra NEtto

Profisso:assistente social

2010 Editora UNESP

Cultura AcadmicaPraa da S, 108 01001900 So Paulo SP Tel.: (0xx11) 32427171 Fax: (0xx11) 32427172 www.editoraunesp.com.br [email protected]

CIP Brasil. Catalogao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ C844p Corra Netto, Edmia Profisso : assistente social / Edmia Corra Netto. So Paulo : Cultura Acadmica, 2010. 280p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-083-9 1. Servio social. 2. Assistentes sociais. I. Ttulo. 10-6453. CDD: 361 CDU: 364

Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria de Ps-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)

minha me, Irene Ao meu pai, Jos (in memoriam) Ao Vagner Lvia

Agradecimentos

agradecer agora s pessoas que fizeram parte desta caminhada tarefa quase impossvel. algumas companheiras e companheiros de jornada participaram mais intensamente dos desafios e lutas. minha gratido, especialmente, orientadora professora dra Neide ap. de Souza Lehfeld, pela acolhida, pela disponibilidade, pelas sugestes sempre a partir do conhecido e vivenciado, por per mitir liberdade de pensamento e expresso. E tambm pela infinita pacincia e compreenso dos meus difceis momentos para conci liar trabalho, famlia e tese. aos professores doutores mario Jos Filho e maria ngela ro drigues alves de andrade pelo carinho com que me acompa nharam desde o mestrado, pelas oportunas sugestes em muitos momentos, nas aulas, nos corredores da universidade, pelas impor tantes sugestes na banca de qualificao. aos professores doutores raquel Santos Santana, Pe mrio Jos Filho, Eliane Vecchi Pereira e telma Sanches Vendrscolo por participarem da banca de defesa e pelas valiosas observaes. professora doutora raquel Santos Santana, pelo carinho, sugestes, reflexes no grupo de estudo teoria Social de marx e Servio Social e apoio na minha reincurso acadmica desde o mes trado.

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ao professor doutor Jos Fernando Siqueira da Silva, pelos di logos e reflexes no grupo de estudo teoria Social de marx e Ser vio Social, e pelas valiosas sugestes de leitura para o tema. a compreenso e o apoio da dona isaura, da Geisa, na Prefei tura de Bebedouro, depois do alfredo, da maria Jos, da maria Cristina, da Lu em Barretos, do Jos Lzaro, da Flvia, da meire, da Cristina e de tantos colegas e alunos de Barretos e Guaxup, do Edson, do rosemar, do adriano, da mrcia, da ins, da rose, da maringela, da Simone e da dbora, no Frum em Barretos, para que pudesse prosseguir no aperfeioamento profissional, foram fundamentais. o pensamento, sempre em algum lugar que no fosse o trabalho a ser executado, acarretou vrias panes invo luntrias no cotidiano profissional, relevadas pela compreenso de todos. Vocs fazem parte do meu corao. as longas horas de conversa na casa da minha me, os relatos das emoes de quem anda na estrada, as boas discusses para re solver os problemas do mundo com minha me, meu irmo Edinho, minha irm Hel, tm sido momentos de crescimento, mas so bretudo de calor humano, de companheirismo e cumplicidade no pensar e no fazer, ainda que com as nossas diferenas, que apren demos a compreender e a valorizar. a presena de meus cunhados Janana e Pedro, que se assustaram no incio com as conversas que mais pareciam uma feira de ideias no verdadeiro esprito italiano de muito amor e fortes emoes no falar e no agir. Como possvel conviver nas diferenas? No sei, s sei que amo vocs e que o tempo das tortas de morango vai chegar outra vez. a sabedoria e a tolerncia da minha me, que consegue nos in dividualizar, que nos fortalece e incentiva em cada momento, na diversidade de cada um sua volta. a materialidade da contribuio financeira para os estudos por parte dos meus pais irene e Jos, e do meu irmo Edinho. a presena do thales um estmulo juventude, energia do fazer, um ombro gostoso para deitar e se aconchegar, disposto a ca minhar junto, preferindo a famlia para prosseguir na sua vida.

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Wilma e Edson, a vida feita de parcerias, e assim vamos dando certo, junto com a aline e o Fernando, no caminho para a vida adulta e independente. dona isaura e seu Paulo: momentos difceis, sofrimento, pas sagem do meu sogro para a vida espiritual, tambm fizeram parte da vida no tempo do doutorado. mas vamos vencendo, dia por dia, aprendendo que vale a pena viver em unio. Vagner e Lvia. Que dizer de vocs? So a razo do meu viver, e foram os mais roubados no tempo de aconchego, de namorar, de conversar, de brincar, de passear, de simplesmente no fazer nada. Explicar para os amigos que a me est presenteausente (que binmio este? a presena o desvendamento da aparente au sncia? ou a ausncia o desvendamento da aparente presena?) em muitas coisas, inclusive nos finais de semana, porque minha me faz essas coisas de mestrado, de doutorado, sabe como , do muito trabalho, foi difcil e quase incompreensvel, no fosse a profunda sensibilidade e a precoce maturidade na sua infncia. Contar com uma companheira que por vrios anos no acom panha, e segue no mesmo estilo de presenaausncia, exigiu mala barismos para a vida domstica cotidiana. tornamonos artistas? acho que no, mas nos tornamos mais maduros e mais compa nheiros, mais afetuosos, encontrando sentido onde h o caos apa rente, amor e companheirismo nas horas de separao entre livros, cadernos, computador e... trs amorosas cachorrinhas, mel, Petty e Prola, da mais pura raa VL (para os que no so entendidos em animais domsticos, preciso esclarecer: ViraLata). o bom humor e a tranquilidade da maria Llia na organizao da casa, que sacrificou suas frias para atender minhas necessi dades, pois tudo teria sido muito mais difcil sem sua presena. s amigas de muitos anos, irms de corao, Eliane, Elaine, Silvia e mrcia, vocs so simplesmente demais! os anos se pas saram (nem percebi!), mas nossas conversas continuam intermin veis, em qualquer lugar, na rua, em casa, no nibus, num barzinho. ajudaramme a pensar, a refletir e a prosseguir.

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o apoio, a clareza de ideias, a capacidade de sntese da marga rida. Sem voc, a pesquisa teria sido muito mais difcil. a doura e a amizade, os apontamentos, a pacincia da meire Bebedouro, para ouvir e ler as primeiras elaboraes. aos meus alunos e alunas, pela partilha, pelas constantes in quietaes que produzem salutares reflexes e debates, e ajudam a manter viva a minha sede de saber. a todas as assistentes sociais, mais velhas, mais jovens, no meio do caminho... Partilhamos sonhos, loucuras, dificuldades, tris tezas... a pesquisa se transformou em ponto de encontro, em par tilha, em reflexo dos avanos, dos desafios, e, por que no dizer, dos retrocessos tambm. Uma deliciosa aventura profissional! Pensamos, logo, existimos. diretora do departamento municipal de Promoo Social, maria aparecida Chimello dos Santos, meu sincero agradecimento pelo acesso s informaes. ao pessoal da PsGraduao da UNESP Franca, pela com petncia, profissionalismo e ateno, presena marcante em quase cinco anos de mestrado e doutorado. ao pessoal da biblioteca da UNESP Franca, pelo cuidado e ateno durante os anos de estudo. Em especial ao mrcio, pela de dicao nos momentos finais. ao meu pai, Jos, uma ausnciapresena. Com sua partida, no pde estar de corpo presente no final da minha aventura, mas est no meu corao e na minha mente, seu esprito sobrevive, li berto dos incmodos do corpo doente. a deus, por ter me permitido chegar at este momento. o momento da fase final da aventura tambm pertence a vocs. Que sejam fortalecidos nas lutas de cada um e nos sonhos de um mundo melhor. obrigada pela partilha, pelo caminhar juntos, e que continuemos parceiros e cmplices no pensar e no fazer, socializando experin cias da incrvel aventura da vida.

Sumrio

Lista de siglas 13 Lista de tabelas 15 Lista de grficos introduo 23 o trabalhador assistente social 75 Cotidiano profissional nas entidades sociais 171 Consideraes finais 251 referncias bibliogrficas267 19

Lista de mapas 21

Lista de sigLas

abess abepss anas aaa adB apae appret artsol avida Bid BPC Caecc Cefa Ceprobem CFaS CFESS Cieb CLt CmaS CmdCa

associao Brasileira de Ensino em Servio Social associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Servio Social associao Nacional de assistentes Sociais associao antialcolica Bebedouro associao dos deficientes de Bebedouro associao de Pais e amigos dos Excepcionais Bebedouro associao Protetora dos Pacientes renais e transplantados Bebedouro e regio associao arte e Solidariedade associao de Valorizao integral dos deficientes auditivos Banco internacional de desenvolvimento Benefcio de Prestao Continuada Centro assistencial Esprita do Calvrio ao Cu Comunidade Educativa Figuls assuno Centro de Estudos e Projetos para o BemEstar do menor Conselho Federal de assistentes Sociais Conselho Federal de Servio Social Centro integrado de Equoterapia de Bebedouro Consolidao das Leis trabalhistas Conselho municipal de assistncia Social Conselho municipal dos direitos da Criana e do adolescente

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CmPPNE CmS CNaS Cras Cras Cress dCa dFC dieese Enesso Fenas FHC Fmi Gaib Gife Glav ibene iCV imesb Loas oaB oS oscip PNaS PPd Senac Sessune

SSaF Unimed

Conselho municipal da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais Conselho municipal da Sade Conselho Nacional de assistncia Social Conselho regional de assistentes Sociais Centro de referncia de assistncia Social Conselho regional de Servio Social desenvolvendo a Criana e o adolescente diagnstico Familiar e Comunitrio departamento intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos Executiva Nacional de Estudantes de Servio Social Federao Nacional de assistentes Sociais Fernando Henrique Cardoso Fundo monetrio internacional Grupo antialcolico independente de Bebedouro Grupo de institutos, Fundaes e Empresas Grupo Luta e amor Vida instituto Bebedourense de Nefrologia ndice do Custo de Vida instituto municipal de Ensino Superior de Bebedouro Lei orgnica da assistncia Social ordem dos advogados do Brasil organizao Social organizao da Sociedade Civil de interesse Pblico Poltica Nacional de assistncia Social Pessoa Portadora de deficincia Servio Nacional do Comrcio Secretaria de Servio Social da Unio Nacional dos Estudantes (UNE), criada em 1988. Em 1993, a Sessune se transforma na Executiva Nacional dos Estudantes de Servio Social (Enesso) Servio Social de atendimento Familiar Cooperativa mdica

Lista de tabeLas

tabela tabela tabela tabela

1 2 3 4

tabela 5 tabela 6 tabela 7 tabela 8 tabela 9 tabela 10 tabela 11 tabela 12 tabela 13 tabela 14 tabela 15 tabela 16 tabela 17 tabela 18 tabela 19 tabela 20 tabela 21 tabela 22 tabela 23 tabela 24

Faixa etria da populao do municpio 30 Nmero de assistentes sociais no municpio 33 assistentes sociais nas entidades sociais 36 Classificao dos municpios segundo total de habitantes 114 Faixa etria das assistentes sociais 123 Funo na instituio 124 tempo de trabalho na instituio 125 tempo de Servio Social na instituio 126 Local de formao 127 ano de formao 128 Conhecimento da legislao profissional 134 Quantidade de vnculos de trabalho 143 Carga horria por vnculo de trabalho 144 Carga horria semanal total 146 renda mensal na entidade social 155 renda mensal total como assistente social 156 Exerccio de outra atividade rentvel 157 desemprego 158 Espao fsico na entidade social 159 Locais indicados para atendimento 160 disponibilidade de sala para reunio 161 Equipamentos disponveis 162 incentivo para aprimoramento profissional 164 tipos de incentivo para o aprimoramento profissional 165

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tabela 25 tabela 26 tabela 27 tabela 28 tabela 29 tabela 30 tabela 31 tabela 32 tabela 33 tabela 34 tabela 35 tabela 36 tabela 37 tabela 38 tabela 39 tabela 40

tabela 41 tabela 42 tabela 43 tabela 44 tabela 45 tabela 46 tabela 47 tabela 48

atividades e/ou projetos que desenvolve 197 Procedimentos realizados 205 Participao em conselhos 209 Participao em reunies com assistentes sociais de outras instituies 210 tipo de relacionamento com outras assistentes sociais 211 Frequncia dos contatos com outras assistentes sociais 212 Contato com profissionais de outras reas 213 tipo de relacionamento com profissionais de outras reas 214 Frequncia dos contatos com profissionais de outras reas 215 Contato com diretoria da instituio 216 tipo de contato com diretoria da instituio 217 Frequncia de contato com a diretoria 218 Participao no processo decisrio e planejamento da instituio 220 oferecimento de estgio supervisionado 223 motivos para no oferecer estgio supervisionado 223 Participa ou participou de reunies de supervisores de campo com professores de cursos de Servio Social 225 Participa ou participou em grupo de estudo 227 tipo de grupo de estudo 228 desenvolvimento de atividade religiosa 238 tipo de participao religiosa 239 desenvolvimento de atividade poltica (associao, sindicato, partido poltico) 240 tipo de participao poltica 240 Participao em atividade de organizao da categoria profissional 242 motivo para a no participao 242

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tabela 49 tabela 50 tabela 51 tabela 52

desenvolvimento de habilidade artstica tipo de habilidade artstica 244 atividades de lazer 245 tempo semanal para o lazer 246

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Lista de grficos

Grfico 1 assistentes sociais no municpio 33 Grfico 2 Faixa etria das assistentes sociais 123 Grfico 3 Funo na instituio 124 Grfico 4 tempo de trabalho na instituio 125 Grfico 5 tempo de Servio Social na instituio 126 Grfico 6 Local de formao 128 Grfico 7 ano de formao 129 Grfico 8 Conhecimento da legislao profissional 135 Grfico 9 tipos de vnculo de trabalho 136 Grfico 10 Quantidade de vnculos de trabalho 143 Grfico 11 Carga horria por vnculo de trabalho 145 Grfico 12 Carga horria semanal total 146 Grfico 13 renda mensal na entidade social 155 Grfico 14 renda mensal total como assistente social 156 Grfico 15 Exerccio de outra atividade rentvel 157 Grfico 16 desemprego 158 Grfico 17 Espao fsico na entidade social 159 Grfico 18 Locais indicados para atendimento 161 Grfico 19 disponibilidade de sala para reunio 162 Grfico 20 Equipamentos disponveis 163 Grfico 21 incentivo para aprimoramento profissional 164 Grfico 22 tipos de incentivo para o aprimoramento profissional 166 Grfico 23 atividade e/ou projetos que desenvolve 198 Grfico 24 Procedimentos realizados 206

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Grfico 25 Participao em conselhos 209 Grfico 26 Participao em reunies com assistentes sociais de outras instituies 210 Grfico 27 tipo de relacionamento com outras assistentes sociais 212 Grfico 28 Frequncia dos contatos com outras assistentes sociais 213 Grfico 29 Contato com profissionais de outras reas 214 Grfico 30 tipo de relacionamento com profissionais de outras reas 215 Grfico 31 Frequncia dos contatos com profissionais de outras reas 216 Grfico 32 tipo de contato com diretoria da instituio 217 Grfico 33 Frequncia de contato com a diretoria 218 Grfico 34 Participao no processo decisrio e planejamento da instituio 220 Grfico 35 motivos para no oferecer estgio supervisionado 224 Grfico 36 Participa ou participou de grupo de estudo 227 Grfico 37 tipo de grupo de estudo 229 Grfico 38 desenvolvimento de atividade religiosa 239 Grfico 39 tipo de participao religiosa 239 Grfico 40 desenvolvimento de atividade poltica (associao, sindicato, partido poltico) 240 Grfico 41 tipo de participao poltica 241 Grfico 42 Participao em atividade de organizao da categoria profissional 242 Grfico 43 motivo para a no participao 243 Grfico 44 desenvolvimento de habilidade artstica 243 Grfico 45 tipo de habilidade artstica 244 Grfico 46 atividade de lazer 245 Grfico 47 tempo semanal para o lazer 246

Lista de mapas

mapa 1 Localizao regional e estadual do municpio de Bebedouro 31 mapa 2 Localizao das entidades sociais no municpio37

1 introduo

Minhas opinies sobre trabalho esto dominadas pela nostalgia de uma poca que ainda no existe, na qual, para o trabalhador, a satisfao do ofcio, originada do domnio consciente e proposital do processo de trabalho, ser combinada com os prodgios da cincia e do poder criativo da engenharia, poca em que todos estaro em condies de beneficiarse de algum modo desta combinao. Braverman, 1987, p.18

o Servio Social enquanto profisso faz parte de nossa trajetria de vida desde o final da dcada de 1970 e incio dos anos 1980,1 quando descobrimos que as atividades que desejvamos executar pertenciam no Psicologia, como pensvamos, mas profisso de assistente social. Uma profisso ainda pouco conhecida na cidade interiorana de Bebedouro, mas o curso encheunos a alma, com o desejo de exe1. Cursamos Servio Social entre 1979 e 1982, na Unaerp.

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cutar o que estvamos aprendendo, um misto de psicologismo e criticismo, com leituras de livros de Paulo Freire quase s escon didas, aprendizado de tcnicas de planejamento e projetos, de dife rentes abordagens para entrevistas individuais, trabalho em grupo e em comunidade. Era o tempo de Servio Social de Caso, Servio Social de Grupo e Servio Social de Comunidade, na viso ainda fragmentada das necessidades sociais, ainda que j se sentissem cr ticas ao modelo. a trajetria na profisso foi marcada pelo desafio constante de provar s pessoas envolvidas no trabalho, que ser assistente social era, sim, uma profisso, e que suas atividades compreendiam algo mais do que distribuir cestas bsicas,2 e que a visita domiciliar no era para destampar panelas no fogo, nem abrir armrios para con ferir o que estava sendo feito com a alimentao e o leite recebidos, e tampouco ensinar a lavar roupas e tirar piolhos das cabeas de todos os integrantes da famlia. Vez por outra, escutamos histrias de alunos em seus estgios e de profissionais recmformados relatando que so ainda confron tados com a mesma realidade e que, muitas vezes, a grande dificul dade em fazer avanar o trabalho est no entendimento que as pessoas dirigentes em geral possuem do Servio Social, tanto na esfera pblica como na privada. E, muitas vezes, o profissional, dependente do seu salrio, obrigado a realizar tarefas nem sempre especficas do Servio So cial, a interromper projetos e aes com a mudana de governos ou de diretorias. No entanto, ouvimos igualmente relatos de mu danas positivas na esfera de ao do Servio Social quando as pes soas dirigentes, em qualquer setor, so assistentes sociais ou tm familiaridade com a profisso, permitindo um avano nos servios prestados.

2. Nas dcadas de 1970 e 1980, e talvez anteriores, ao menos em Bebedouro, eram chamadas popularmente de sacolas, porque os mantimentos eram geralmente entregues por entidades sociais em grandes sacolas de tecido de brim azul escuro, com alas reforadas.

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Sabemos que a filantropia e a poltica do favor e da dominao, quando no a poltica da represso,3 percorrem a histria da assis tncia social e da prpria profisso at os dias atuais. Nossa experincia em entidades sociais, no poder pblico mu nicipal seja como concursada, seja como contratada para cargo em comisso , na docncia privada e no poder pblico estadual4 tem provocado profundas inquietaes, numa conjugao de ele mentos: a decantada filantropia, a poltica de favor, a subalterni dade, a alienao e a identidade da profisso, conjugados aos limites institucionais e condio de assalariamento. Eles compem par ticularidades profissionais que mediatizam a ao singular pro fissional. as condies de emprego, com formas cada vez mais flexibilizadas e precarizadas no mundo do trabalho, afetam direta mente a condio de sobrevivncia do profissional e de sua famlia. a construo terica do Servio Social no Brasil, sobretudo a partir de 1980, tem sido rica para a compreenso da profisso em seus limites e possibilidades, desvendando aspectos fundamentais para fazer avanar o complexo arcabouo tericometodolgico da rea, como os estudos de iamamoto, Netto, Yasbek, martinelli, Serra, mota, Falleiros, Pontes, que j se constituem em referncias internacionais, especialmente para a amrica Latina, com diversos ttulos j traduzidos para a lngua espanhola. os eventos cientficos nacionais e internacionais especficos do Servio Social ou de reas de atuao tm apresentado grande par ticipao de profissionais do Brasil, de pases da amrica Latina

3. Em maro de 2007 foi amplamente divulgada pela mdia a ao da Prefeitura de apucarana (Pr) de recolher moradores de rua e itinerantes, fichlos na dele gacia de polcia por vadiagem. o recolhimento de um total de 15 pessoas foi feito por assistentes sociais acompanhadas de policiais militares e, aps o fichamento policial em delegacia, essas pessoas foram encaminhadas para as cidades de origem (a maioria), e os da cidade, para suas famlias ou para abrigos. Notcia disponvel em . 4. desde novembro de 2007, atuamos como assistente social judiciria na comarca de Barretos (SP).

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e de todos os continentes do mundo, ainda que com menor re presentatividade. Consideramos o estudo de grande relevncia, em especial porque as organizaes no governamentais tm representado um espao importante de trabalho profissional. Seu crescimento quantitativo na prestao de servios assistenciais tem exigido a incorporao de as sistentes sociais, inclusive para adequao legislao atual da assis tncia social, e preciso conhecer melhor esse espao de trabalho. a docncia, principalmente nas disciplinas de trabalho e So ciabilidade e Fundamentos Histricos, tericometodolgicos em Servio Social, tem proporcionado continuamente leituras, ques tionamentos dos alunos e tambm de colegas, o que muito cola borou para as reflexes. alunos, profissionais mais antigos ou mais jovens comumente relatam situaes em que esto presentes todos os problemas que tm caracterizado a trajetria histrica do Servio Social no Brasil, como os limites institucionais e a dependncia do salrio, tambm nas formas mais precarizadas, para a subsistncia, ainda que te nham conscincia crtica e desejo de agir de acordo com os prin cpios ticopolticos e com a legislao em vigor. a condio material, objetiva em que se desenrola a atuao profissional a determina em muitos aspectos. No entanto, possvel tambm observar avanos e que a postura profissional , sem dvida al guma, um fator altamente relevante no direcionamento das foras conjunturais de um determinado momento histrico, impulsio nando, otimizando os aspectos transformadores, de modo a ofe recer resistncia nos momentos de retrocesso, ou, contrariamente, favorecer o avano da retroao, se que possvel usar essa ex presso paradoxal. Partimos preliminarmente do entendimento de que a condio de assalariamento dos profissionais e as contemporneas modifica es no mundo do trabalho correspondem a determinaes con cretas deste momento histrico da prxis profissional do Servio Social, considerado como profisso que se insere na diviso socio tcnica do trabalho no capitalismo maduro.

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No presente estudo, nossa ateno voltouse para compreender as condies objetivas e subjetivas do processo de trabalho de assis tentes sociais em entidades sociais no municpio de Bebedouro. a ao profissional j tem sido objeto de anlise em diversos es tudos, porm, com menos frequncia buscase investigar as reais condies de trabalho que o assistente social encontra em seu coti diano profissional. Nossa anlise procura compreender o processo de trabalho do Servio Social em entidades sociais de modo a descartar, a priori, tanto a tendncia fatalista que considera que os limites do espao profissional so insuperveis, como a tendncia messinica que considera o assistente social um profissional independente, com autonomia quase absoluta para desenvolver propostas transforma doras da realidade, desconsiderando a verdadeira insero profis sional na realidade concreta. as duas abordagens, tanto a fatalista como a messinica, no re levam a historicidade social a partir da realizao dos homens, as particularidades da profisso e os elementos que a singularizam em determinado momento histrico e em cada processo de trabalho. Procuramos ento responder questo: quem so os profissio nais que esto nas entidades sociais? Quais as condies objetivas e subjetivas da ao profissional nesse espao de trabalho? o que se revela por trs da cotidianidade, o que h de significativo para alm da repetio cotidiana? Nosso universo de investigao foi constitudo por todas as en tidades sociais regularmente inscritas no Conselho municipal de assistncia Social (CmaS) no ano de 2008. isso significa que as entidades sociais tinham que estar em dia com o CmaS com suas obrigaes referentes ao ano de 2007, como a apresentao de re latrios das atividades realizadas e a prestao de contas ao rgo gestor, alm de projetos para 2008. aps a definio da assistncia social na Constituio Federal de 1988, em seus artigos 203 e 204, como integrante da poltica de seguridade social, e que deve ser prestada a quem dela neces sitar (art. 203), a Lei orgnica de assistncia Social (Loas), de

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no 8.742/93, vem estabelecer com maior preciso a assistncia so cial em seu artigo 1o:a assistncia social, direito do cidado e dever do Estado, Poltica de Seguridade Social no contributiva, que prov os mnimos sociais, realizada atravs de um conjunto integrado de aes de ini ciativa pblica e da sociedade, para garantir o atendimento s ne cessidades bsicas.

a Constituio estabelecea como poltica pblica, dever do Estado, tendo por diretriz descentralizao polticoadministra tiva, cabendo a coordenao e as normas gerais esfera federal e a coordenao e a execuo dos respectivos programas s esferas es tadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistncia social (grifo nosso) artigo 204, pargrafo i. o disposto referente participao de entidades beneficentes e de assistncia social abre brechas para que o Estado deixe de cum prir integralmente a sua funo pblica, podendo dividir sua responsabilidade com as organizaes beneficentes da sociedade civil, principalmente as j envolvidas na assistncia social. E no seu artigo 3o define as instituies que podem fazer parte da assistncia social:Consideramse entidades e organizaes de assistncia social aquelas que prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e assesso ramento aos beneficirios abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.

Utilizamos no presente estudo a nomenclatura entidades, or ganizaes no governamentais, ou simplesmente instituies, re ferindonos sempre s no governamentais. muito embora no sejam objetos de nosso estudo, questes como o pblico e o pri vado, o chamado terceiro setor e as polticas sociais pblicas per passam todo o trabalho. de 2002 a 2008 mantivemos contatos com profissionais, inte grantes do Conselho municipal de assistncia Social (CmaS) e do

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departamento municipal de Promoo Social, seja pela relao de trabalho, seja pela pesquisa ora levada a efeito, o que nos permitiu o acesso s profissionais e instituies. Nosso estudo foi caracterizado por momentos de grandes di ficuldades, ocasionados no pelas profissionais, pois quase todas aquiesceram prontamente em participar, mas pelas contingncias do momento histrico vivenciado e da conjuntura poltica, pois era ano de eleies municipais (2008). a instabilidade nos postos de trabalho em todos os setores da sociedade, inclusive na rea social, potencializada nos momentos de crise econmica como a que se iniciou em 2008 em mbito mun dial, obrigounos a uma reflexo mais profunda sobre a metodolo gia da pesquisa, bem como o fato de ser ano eleitoral nos municpios, o que acirrava as diferenas e os conflitos entre os diferentes grupos polticos, principalmente no segundo semestre do ano, o que difi cultou a organizao de reunies entre profissionais, devido ao fato de muitas delas possurem vnculos com o poder pblico municipal ou pelo envolvimento de dirigentes das entidades sociais em que trabalham na disputa poltica. assim considerando, nosso cuidado foi redobrado no sentido de preservar o sigilo da identidade dos sujeitos e das informaes ob tidas atravs do questionrio. Procuramos aprofundar os aspectos, cujas mediaes foram surgindo a partir do prprio processo investigatrio, como a pre carizao e a flexibilizao nas relaes de trabalho do assistente social. os questionrios foram aplicados no perodo de julho de 2008 a fevereiro de 2009. importante salientar que os sujeitos da pesquisa foram infor mados quanto aos objetivos do estudo, no existindo qualquer obrigatoriedade para a participao, nem foi concedido nenhum tipo de indenizao s participantes, que assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preceitua a reso luo no 196/96, do Conselho Nacional de Sade.

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Contextualizando o universo da pesquisao municpio de Bebedouro, localizado no norte do Estado de So Paulo, distante 345,4 km da capital, com 74.815 habitantes de acordo com o iBGE/2000,5 possui taxa de urbanizao de 93,52%, com uma populao urbana de 69.964 habitantes e rural de 4.851 habitantes. Pertence microrregio de Jaboticabal e mesorregio de ribeiro Preto. Segundo o atlas de desenvolvimento Humano, Bebedouro possui a composio por faixa etria mostrada pela tabela 1.tabela 1 Faixa etria da populao do municpioFaixa etria menos de 15 anos 15 a 64 anos 65 anos e mais Total 1991 21.624 42.251 3.888 67.763 2000 19.690 49.593 5.532 74.815

de acordo com a classificao de municpios estabelecida pela Poltica Nacional de assistncia Social em 2004 (PNaS/2004), Bebedouro um municpio de mdio porte, que abrange nmeros entre 50.001 a 100.000 habitantes. No municpio de Bebedouro existem somente mulheres no exerccio da profisso de assistentes sociais, o que nos levou a optar pela referncia feminina. realizamos um levantamento geral de assistentes sociais no municpio, iniciado na reunio com as profissionais para falar da5. Utilizamos os dados do censo do iBGE de 2000 por serem mais completos. de acordo com a Fundao Seade (Sistema Estadual de anlise de dados), a popu lao estimada do municpio para 2008 de 77.674 habitantes, com uma dife rena para mais de 2.859 pessoas em relao ao ano de 2000. isto representa um crescimento populacional em oito anos de apenas 3,82%, o que consideramos no relevante para a caracterizao populacional.

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mapa 1 Localizao regional e estadual do municpio de Be bedouroFonte: Google, dados cartogrficos, 2009, disponvel em: . acesso em 10/1/2009.

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pesquisa e em contatos pessoais e telefnicos com outras profissio nais e instituies. Constatamos que existem em Bebedouro 58 postos de trabalho, que so ocupados por 41 assistentes sociais, assim distribudas: iNSS (Federal): trs assistentes sociais em trs postos de trabalho. tribunal de Justia (Estadual): duas assistentes sociais em dois postos de trabalho. Prefeitura municipal: 18 assistentes sociais em 19 postos de tra balho: assistncia Social: onze assistentes sociais, sendo sete efetivas; duas contratadas por processo seletivo por tempo determi nado; duas contratadas para cargo em comisso. Sade: sete assistentes sociais, sendo cinco efetivas e duas con tratadas por processo seletivo por tempo determinado. departamento de recursos Humanos: uma assistente social, efetiva (trabalha tambm no departamento de Promoo So cial). Entidades sociais: 21 assistentes sociais, distribudas em 28 postos de trabalho. das 21, seis trabalham na Prefeitura municipal. Empresas: seis assistentes sociais empregadas em seis postos de trabalho, e, destas, trs trabalham na Prefeitura municipal. Unimed (Cooperativa de trabalho mdico): duas assistentes sociais. instituto Bebedouro de Nefrologia (ibene): uma assistente so cial. transportadora: uma assistente social. Senac: duas assistentes sociais, que no so contratadas com a denominao de assistente social, mas a instituio as reco nhece como profissionais de Servio Social.6 trabalham na rea de educao profissionalizante.6. realizamos contato telefnico e perguntamos se havia assistente social no local, e a telefonista informou que existem duas e seus horrios de trabalho. Conver samos por telefone com uma das profissionais.

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tabela 2 Nmero de assistentes sociais no municpio Servio Pblico Federal 3*

Setor Privado municipal 18* Entidades sociais 21** Empresa 6***

Estadual 2

Fonte: Pesquisa de campo realizada em 2008/2009.das 18 assistentes sociais na Prefeitura, uma exerce dupla jornada e possui vnculo com entidades sociais. ** das 21 assistentes sociais em entidades sociais, seis so funcionrias pblicas municipais. *** das seis assistentes sociais em empresas, duas so funcionrias pblicas muni cipais, e uma trabalha na Prefeitura com contrato de trabalho por tempo limi tado, aprovada em processo seletivo.

Grfico 1 assistentes sociais no municpioFonte: Pesquisa de campo realizada em 2008/2009.

a Prefeitura municipal possui profissionais de Servio Social nos departamentos municipais de Promoo Social, Sade e re cursos Humanos.7

7. as assistentes sociais aprovadas em concurso pblico da Prefeitura municipal realizado no incio de 2009 devem ser convocadas ainda no ano, aps o venci mento do contrato de trabalho das profissionais que trabalham aps aprovao em processo seletivo, segundo as informaes obtidas.

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No departamento municipal de Promoo Social encontramse 11 profissionais, sendo que oito so concursadas, duas entraram por processo seletivo por tempo determinado e duas so contra tadas para cargo em comisso. No de Sade encontramse sete profissionais, sendo cinco con cursadas e duas contratadas por processo seletivo por tempo deter minado. Uma das profissionais do municpio trabalha em jornada dupla, atendendo a setores diferentes da Prefeitura municipal. o setor pblico emprega 45% das assistentes sociais, e, destas, o municpio responsvel pela maioria, com 35%. as entidades sociais empregam 45% das profissionais, o que de monstra a relevncia do presente estudo, pois, se considerado por parcela, o segmento com maior nmero de assistentes sociais em pregadas. das dezoito assistentes sociais que trabalham na Prefeitura, seis possuem vnculo tambm nas entidades sociais, e outras trs (duas efetivas e uma contratada por processo seletivo por tempo determi nado) trabalham em empresas tambm. assim, 50% dessas assis tentes sociais possuem ao menos mais de um vnculo de trabalho. importante salientar que, durante a realizao da pesquisa, foi aberto concurso pblico municipal no final de dezembro de 2008, para preenchimento de cinco vagas de assistentes sociais com carga horria mensal de 100 horas (aproximadamente 25 horas se manais, ou 5 horas dirias) e salrio de r$ 720,06 , o qual se rea lizou em fevereiro de 2009, mas at abril de 2009 no tinham ocorrido as contrataes. Em Bebedouro existem ainda seis assistentes sociais que re sidem no municpio, mas que trabalham em municpios da regio. o municpio possui tambm o instituto de Ensino Superior de Bebedouro (imesb), com um curso de Servio Social.8 Para as disci8. No consideramos para a presente pesquisa os postos de trabalho de assistentes sociais para o curso de Servio Social, por exigir uma qualificao maior, mestrado ou doutorado.

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plinas especficas de Servio Social, existem seis assistentes sociais, sendo apenas uma residente em Bebedouro e as cinco demais resi dentes em cidades da regio. Verificamos que existem 33 entidades sociais cadastradas no CmaS, mas duas no tiveram suas inscries renovadas por apre sentarem irregularidades no seu funcionamento, e se encontram em fase de reorganizao para que o cadastro seja renovado.9 Para a pesquisa, ento, consideramos as demais 31 entidades sociais. dentre as 31 entidades sociais, 21 possuem assistentes sociais em seus quadros e dez no possuem profissionais de Servio Social ou as contratam eventualmente. as dez que no possuem profissionais so: associao de Protetora dos Pacientes renais transplan tados de Bebedouro e regio (appret) Colgio anjo da Guarda Creche Loureno Santin desenvolvendo a Criana e o adolescente (dCa) Grupo antialcolico independente de Bebedouro (Gaib) misso restaurao rede Feminina de Combate ao Cncer Sociedade recreativa Jos do Patrocnio Vila Vicentina associao menina dos olhos as 21 entidades sociais que possuem ao menos uma profissional de Servio Social so mostradas na tabela 3.

9. as entidades que no tiveram sua inscrio renovada so a Casa assistencial Es prita anselmo Gomes e Flor de Laranjeira. a primeira tem por objetivo atender adolescentes em formao profissional e a segunda, famlias de pessoas porta doras de cncer.

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tabela 3 assistentes sociais nas entidades sociaisNo Entidade associao arte e Solidariedade (artsol) associao antialcolica (aaa) associao dos deficientes de Bebedouro (adB) associao de Pais e amigos dos Excepcionais (apae) associao Protetora da infncia Provncia de So Paulo recanto So Vicente de Paulo associao de Valorizao dos deficientes auditivos (avida) Casa do adolescente Casa da Criana irm Crucifixa Casa de maria Casa de Santa Clara Casa de Santo Expedito Centro assistencial Esprita do Calvrio ao Cu (Caecc) Centro de Estudo e Projetos para o BemEstar do menor (Ceprobem) Centro integrado de Equoterapia Bebedouro (Cieb) Comunidade Educativa Figuls assuno (Cefa) Educandrio Santo antnio No de assistentes sociais 1 1 1 3 Assistente social na coordenao Total

1 2 3 4

1 1 1 3

5

1

1

6 7 8 9 10 11 12

1 1 1 2 2 1

1 1 1

1 2 1 1 2 3 1

13

1

1

14 15 16

1 1 2

1 1 2(cont.)

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N

o

Entidade Fundao ablio alves marques Grupo Luta e amor Vida (Glav) Lar do idoso Servas do Senhor Servio Social de atendimento Familiar (SSaF) Vila Lucas Evangelista

No de assistentes sociais 1 1 1 1 1 25

Assistente social na coordenao 3

Total

17 18 19 20 21 Total

1 1 1 1 1 28

Fonte: Pesquisa de campo realizada em 2008/2009.

mapa 2 Localizao das entidades sociais no municpioFonte: organizao pessoal a partir do Google e dos endereos constantes na lista de entidades sociais fornecida pelo CmaS.

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realizamos uma reunio inicial em que puderam participaram nove profissionais para apresentao da pesquisa e do instrumen tal, quando incorporamos algumas sugestes para o levantamento. as profissionais receberam posteriormente o questionrio em en velope e o devolveram pessoalmente ou o recolhemos no local de trabalho ou na moradia. os contatos foram de uma riqueza mpar pelo interesse das colegas em participar do estudo, pelos relatos plenos de detalhes, socializando suas experincias, seus desafios e suas conquistas. o teor das informaes no ser apresentado pelo mesmo motivo j apontado para a no realizao do segundo mo mento da pesquisa: a fim de preservar o sigilo e a no identificao dos sujeitos. Em 21 entidades sociais existem 28 postos de trabalho com profissionais de Servio Social, sendo 24 na funo de assistentes sociais, uma na coordenao de projetos e trs na funo de coorde nao da instituio. Pelo levantamento realizado, constatamos que os 28 postos de trabalho so ocupados por 21 assistentes sociais, indicando a exis tncia de profissionais que exercem suas atividades em mais de uma instituio. das 21 assistentes sociais, duas no concordaram em participar da pesquisa, o que nos permitiu totalizar a participao de deze nove, representando 90,48% do total de profissionais nas entidades sociais. o captulo 2 aborda o perfil das assistentes sociais nas organi zaes no governamentais, como idade, tempo de formao, local de formao, conhecimento da legislao da profisso, incio do Servio Social na instituio, tempo de trabalho na entidade, tempo de trabalho como assistente social. No mesmo captulo, relatamos as relaes de trabalho, incluindo tipo de vnculo, quantidade de vnculos, carga horria na instituio, carga horria total como as sistente social, renda mensal na instituio, renda mensal como assistente social, exerccio de outra atividade rentvel e experincia de desemprego; e as condies ticas e tcnicas de trabalho, como

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espao fsico, equipamentos e incentivo ao aprimoramento pro fissional. No captulo 3 abordamos o cotidiano profissional nas entidades sociais, com reflexes sobre o Estado e seu papel no enfrentamento questo social, terceiro setor, entidades sociais, e sobre o coti diano, enquanto espao de vida e de luta das assistentes sociais, com apresentao dos resultados da pesquisa e relatos sobre coti diano profissional, espaos de reflexo na vida cotidiana, dificul dades, avanos e desafios, e sociabilidade pessoal. Entendemos o Servio Social como profisso em sua totalidade histrica, dentro da sociedade do capitalismo maduro vivenciando um momento de financeirizao, que tem provocado um acirra mento das manifestaes da questo social, as quais se constituem em objeto do trabalho profissional do assistente social, sendo, por tanto, fundamental apontar alguns elementos tericos que situem nosso posicionamento.

Sociedade do capital e questo socialo desmoronamento da estrutura da sociedade feudal nos s culos XiV e XV, aliado ao desenvolvimento das cincias, com consequente superao de antigos dogmas impostos pela igreja Ca tlica, provoca a desmoralizao das explicaes divinas para res guardar o poder poltico e uma nova diviso das classes sociais. ao mesmo tempo, h um deslocamento do centro de poder do feudo para a cidade, as trocas simples durante a idade mdia vo se tornando relaes comerciais mais complexas, separase o campo da cidade, o campons da terra, o produtor dos meios de produo. o assalariamento tornase cada vez mais comum, e o processo de trabalho intensifica sua diviso. o capitalismo, em sua fase mercantil, se desenvolve rapida mente, necessitando do aprofundamento da discusso do papel do Estado, uma vez que h um contingente populacional cada vez

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maior que no se insere nas novas formas sociais para garantir sua sobrevivncia, e as relaes comerciais se intensificam e tornamse mais complexas. a propriedade privada fortalecida, necessita de proteo, o que exige intervenes at ento desnecessrias. Para Behring & Boschetti (2006, p.57),Com a decadncia da sociedade feudal e da lei divina como funda mento das hierarquias polticas, por volta dos sculos XVi e XVii, ainda no contexto da chamada acumulao primitiva do capital, desencadeada uma discusso sobre o papel do Estado. desde ma quiavel, buscase uma abordagem racional do exerccio do poder poltico por meio do Estado. Naquele momento, este era visto como uma espcie de mediador civilizado [...,] ao qual caberia o controle das paixes, ou seja, do desejo insacivel de vantagens materiais, prprias dos homens em estado de natureza. Em seu Leviathan, de 1651, Hobbes apontava que, no estado de natureza, os apetites e as averses determinam as aes voluntrias dos ho mens e que, entre preservar a liberdade vantajosa da condio na tural e o medo da violncia e da guerra, impese a renncia liberdade individual em favor do soberano, do monarca absoluto. a sujeio seria uma opo racional para que os homens refreassem suas paixes, num contexto em que o homem o lobo do homem.

as indstrias se expandem, mas simultaneamente ocorre um processo de pauperizao da populao, com aumento descontro lado da mendicncia e dos trabalhadores empobrecidos e social mente desprotegidos. Parte do contingente populacional de origem rural tornase n made, vagando por grandes extenses, vendendo sua fora de tra balho especialmente em atividades ligadas construo civil. as condies de moradia nas cidades so precrias e sem saneamento bsico, e, no trabalho, os indivduos so submetidos a extensas jor nadas em condies de insalubridade, o que favorece a dissemi nao de diversas doenas.

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Na inglaterra, um dos pases onde mais rapidamente avanaram as novas relaes de produo, deparase com a dificuldade, a qual exige um enfrentamento. marx (1998, v.2, p.770) descreve que:o trabalho nmade empregado em diversas atividades de cons truo e de drenagem, na produo de tijolos, para queimar cal, na construo de ferrovias, etc. uma coluna pestilencial que se desloca, levando para as cidades em cujas proximidades se instalam varola, tifo, clera, escarlatina, etc. Quando os empreendimentos envolvem muito dispndio de capital, como ferrovias, etc., o pr prio empresrio fornece, em regra, a seu exrcito barracos de madeira ou construes semelhantes, verdadeiras aldeias impro visadas, sem qualquer preocupao de ordem sanitria, fora do controle das autoridades locais, e altamente rendosas para o em preiteiro, que explora duplamente os trabalhadores como soldados da indstria e como locatrios.

Com a dissoluo dos feudos, da vassalagem, imenso contin gente expulso das terras, sem direitos; essas pessoas no podiam ser todas inseridas nas manufaturas nascentes de modo to rpido quanto eram colocadas disposio de um novo mercado, for mando grupos que praticavam a mendicncia e a ladroagem, como marx (1998, v.2, p.848) explica:Bruscamente arrancados das suas condies habituais de exis tncia, no podiam enquadrarse, da noite para o dia, na disciplina exigida pela nova situao. muitos se transformaram em men digos, ladres, vagabundos, em parte por inclinao, mas na maioria dos casos, por fora das circunstncias.

a situao tratada inicialmente de modo fortemente repressor e coercitivo no trabalho, desde o Estatuto dos trabalhadores, de 1349, cujas aes so em parte desenvolvidas por algumas inicia tivas filantrpicas e outras pelo Estado, como a Casa de Correo,

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instituda pela Lei dos Pobres, de 1597, que determinava o con finamento dos praticantes da mendicncia, submetendoos a tra balhos forados, independentemente de salrio, de idade ou de condio de sade (martinelli, 2005, p.557). Pelos pases da Europa ocidental se expande uma legislao san guinria de combate vadiagem, no final do sculo XV e durante todo o sculo seguinte (marx, 1998, p.848).10 No sculo XVi, estes vagabundos to numerosos que o rei Henrique Viii da inglaterra, entre outros, mandou enforcar 72 mil foram obrigados a trabalhar com as maiores dificuldades, em meio mais extrema misria e so mente aps longas resistncias (marx & Engels, 1993, p.87). a legislao inglesa perdurou at o incio do sculo XViii, e em outros pases europeus at quase a mesma poca, o que demonstra que, desde o incio do desenvolvimento da sociedade do capital, a populao supranumerria, desfiliada11 do mercado de trabalho, no absorvida pela crescente expanso do capital, despojada de suas condies de sobrevivncia. os problemas da advindos, como a mendicncia e o roubo da propriedade alheia, so punidos severa mente, enquanto o trabalho tem uma conotao diferente do valor de uso ou usado como castigo. o trabalho livre assume um novo significado com o valor de troca e a possibilidade de permitir a acu mulao de capital por meio da sua explorao. Behring & Boschetti (2006, p.50) assinalam que:Na sociedade prindustrial ou no capitalista, as atividades de tra balho eram indissociveis das demais atividades da vida social [...] Na sociedade capitalista burguesa, o trabalho perde seu sentido

10. marx descreve vrias leis que se utilizavam da tortura, flagelao com aoite, ferro em brasa, amputao de parte da orelha, confinamento, escravido e morte na forca. 11. Nomenclatura utilizada por Castel para designar o grande contingente popular que no inserido na sociedade salarial por meio de empregos fixos e sob a pro teo de legislao social, especialmente na moderna sociedade salarial. Uti lizamos o termo por extenso, considerando que na sociedade do capital sempre ocorreu o contingente que no se insere no trabalho formal disponvel.

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como processo de humanizao sendo incorporado como atividade natural de produo para a troca, independente de seu contexto histrico.

as lutas coletivas do proletariado, se no conseguem reverter a situao de explorao da fora de trabalho, nem atingir a proteo cada vez mais forte propriedade privada da burguesia, con quistam direitos e atenuam a criminalizao das manifestaes da questo social, que se estabelecem a partir dos contraditrios inte resses do capital e do proletariado. Por outro lado, a burguesia teme o avano dos ideais socialistas, que encontram ampla aceitao entre os trabalhadores, e novas teorias so criadas de modo a conci liar os interesses da manuteno da propriedade privada e da explo rao da fora de trabalho, e essas teorias so incorporadas pelos setores hegemnicos e postas em prtica no sentido de diminuir os conflitos sociais. a questo social se formata exatamente nessa contradio que se inicia na consolidao do capital e do trabalho assalariado. o eixo da produo econmica se desloca do feudo para o capital, cuja sociedade se reorganiza para privilegiar a concentrao e a expanso do capital em detrimento da defesa dos interesses do imenso con tingente populacional que fica deriva para sobreviver, no lhe restando alternativa alm de vender a sua fora de trabalho, j des pojada de suas ferramentas de trabalho. Se o trabalho assalariado representa a liberdade de transitar por diferentes empregadores o chamado trabalho livre , deixando a servido a um nico senhor por toda a vida e por todas as geraes, o assalariamento traz consigo a servido ao lucro e maisvalia. o trabalhador s consegue vender sua fora de trabalho em condies que permitam ao seu empregador possuidor dos meios de pro duo explorar a maisvalia e gerar o lucro sobre a utilizao da sua prpria fora de trabalho. Em outras condies, no existe o emprego, ou seja, no se oferece a vaga disponvel. o trabalhador deixa de ter um nico senhor, que recebia do seu servo o imposto e, por isso, tinha interesse em que sua existncia

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fosse produtiva, para ter diversos empregadores que no tm ne nhum interesse em prover a existncia do seu trabalhador, intere sandolhes somente a extrao da sua fora e da sua energia enquanto durarem, pois, quando gastas ou exauridas, podem ser encontradas em outros trabalhadores, existentes aos milhares fora da oportuni dade do trabalho formalizado, o que faz impulsionar e manter o salrio em patamares insuficientes para a manuteno da sobrevi vncia com dignidade. a acumulao primitiva do capital nos sculos XVi e XVii d origem ao aumento do domnio das foras e obstculos da natureza, com o desenvolvimento de todas as reas das cincias, impulsio nando o conhecimento humano, mas tambm causa o processo de miserabilidade do trabalhador, cuja classe social no pode desfrutar dos avanos conquistados. os efeitos colaterais do desenvolvi mento econmico originam novas respostas por parte dos que pos suem o poder econmico e poltico, porm sempre de modo a manter a nova ordem econmica e social em ascenso. a expresso questo social surge nas primeiras dcadas de 1800 para identificar as tenses sociais que se originam das condi es subhumanas de trabalho nas indstrias, como explica Castel (1998, p.30):Essa questo (social) foi explicitamente nomeada como tal, pela primeira vez, nos anos 1830. Foi ento suscitada pela tomada de conscincia das condies de existncia das populaes que so, ao mesmo tempo, os agentes e as vtimas da revoluo industrial. a questo do pauperismo.

as condies de trabalho nas indstrias aliadas s condies subhumanas de sobrevivncia que atingem os desempregados, ou inempregveis, inempregados, no dizer de Castel, para quem no existe lugar formal para vender sua fora de trabalho, constituem os ingredientes para a articulao e organizao popular para exigir melhores condies de vida e de trabalho, fazendo crescer os movi mentos dos trabalhadores, empregados ou no.

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Para os detentores e organizadores do capital, o rudo social re presenta uma grave ameaa ordem estabelecida, necessitando de conteno, de represso, enquanto, na verdade, os movimentos dos trabalhadores representam a reivindicao fundamental de livre acesso ao trabalho (Castel, 1998, p.31). a pauperizao do trabalhador empurra, para o mercado pro dutivo, mulheres e crianas em tenra idade, cujo envolvimento na luta pela sobrevivncia no suficiente para a reproduo digna da vida humana. o processo de pauperizao do trabalhador est diretamente li gado ao excesso de horas do trabalho assalariado, participao no trabalho produtivo de mulheres e crianas desde tenra idade e ao desemprego estrutural, que provocam manifestaes populares de luta por direitos sociais. Essa situao era entendida12 como desor ganizao social que necessitava de represso para a manuteno da ordem.No capitalismo concorrencial, a questo social era tratada com aes coercitivas pelo Estado, medida que a fora de trabalho res pondia s refraes daquele mediante a organizao e mobilizao para o alcance de seus direitos sociais. ou seja, era uma questo de polcia e no de poltica. (Serra, 2000, p.171, grifo da autora)

a questo social expressa, assim, o confronto de interesses entre a classe industrial burguesa e a classe operria nascente. a acumulao do capital exige a explorao da classe trabalhadora como totalidade, explorao que se manifesta nas longas jornadas de trabalho e no trabalho noturno que desorganizam a famlia, nas condies insuficientes de alimentao, vesturio, moradia, sade, educao, e sobretudo no embrutecimento moral e intelectual dos trabalhadores. Hobsbawm (1988 e 2002) analisa o perodo de 1789 a 1848 que tem como principal caracterstica uma dupla revoluo: a Francesa

12. E ainda o por muitos na sociedade contempornea.

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e a industrial, que marcam definitivamente a histria da sociedade burguesa. um perodo de lutas, revoltas populares, em busca de direitos sociais e de ideais democrticos, mas tambm um perodo que estabelece as bases para a fase seguinte, de 1848 a 1875, que Hobsbawm chama de Era do Capital.13 No ano de 1848 marca a ocorrncia de uma revoluo generali zada; o Manifesto do Partido Comunista, escrito por marx e Engels, publicado em Londres, no ms de fevereiro, com grande reper cusso no pas e traduzido em vrias outras lnguas, difundindose pela Europa. Nas palavras de Hobsbawm,1848 foi a primeira revoluo potencialmente global, cuja in fluncia direta pode ser detectada na insurreio de 1848 em Per nambuco (Brasil) e poucos anos depois, na remota Colmbia. Em certo sentido, foi o paradigma de um tipo de revoluo mundial com o qual, dali em diante, os rebeldes poderiam sonhar e que em raros momentos, como no psguerra das duas Guerras mundiais, eles pensaram poder reconhecer. (Hobsbawm, 2002, p.28)

ainda que a revoluo, ou as revolues de 1848, no tenha tido o resultado desejado pelos proletrios, determinou reaes polticas para o enfrentamento dos problemas advindos dos conflitos entre capital e trabalho. Se o modo de produo no foi alterado, a classe burguesa se apropria de reivindicaes dos trabalhadores e, junta mente com o Estado, passa a modificar as condies de trabalho e de vida dos operrios, o que permite uma diminuio dos conflitos, a reproduo da classe trabalhadora e a afirmao do modo de pro duo capitalista. a palavra capitalismo comea a ser difundida nas reas da economia e da poltica no mundo a partir da dcada de 1860, ainda

13. Hobsbawm escreve a quadrilogia A Era das Revolues 17891848; A Era do Capital 18481875; A Era dos Imprios 18751914; e A Era dos Extremos O breve sculo XX 19141991, em que faz interessante anlise crtica da socie dade do capital, abordando aspectos econmicos, polticos, sociais e culturais.

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que sua origem possa ter ocorrido duas dcadas antes (Hobsbawm, 2002, p.19). nesse perodo histrico que se processa a passagem da fase concorrencial do capitalismo para a fase dos monoplios, e tem incio a mundializao do modo de produo. Esse processo traz consigo igualmente a mundializao da questo social, cujas refra es passam a merecer a ateno estatal, e as polticas sociais se ins titucionalizam.assim como o capitalismo e a classe burguesa triunfaram, os pro jetos que lhes eram alternativos recuaram, apesar do aparecimento da poltica popular e dos movimentos trabalhistas. Esses projetos no poderiam parecer menos promissores do que em, digamos, 187273. Porm em poucos anos o futuro daquela sociedade que havia triunfado to espetacularmente mais uma vez parecia incerto e obscuro, e movimentos destinados a substitula ou derrubla pre cisavam novamente ser levados a srio. (Hobsbawm, 2002, p.221)

o modo de produo centrado no capital apresenta o maior de senvolvimento das foras produtivas, o domnio cada vez mais aperfeioado dos limites naturais, mas arrasta consigo as marcas do efeito colateral, com a maioria da populao excluda dos seus benefcios, aumentando cada vez mais a distncia entre os deten tores dos meios de produo e os que vendem sua fora de trabalho, mantendo, margem do seu progresso, milhes de pauperizados. Essa contradio permanente entre desenvolvimento e pauperi zao vai perseguir toda a sociedade do capital, provocando inva riavelmente crises econmicas e reaes populares, numa luta igualmente permanente por melhores condies de trabalho e de vida. o processo de organizao do trabalho na sociedade do capital tem por finalidade ltima a expanso e a concentrao do prprio capital, de modo a permitir a reproduo das relaes sociais exis tentes. a partir disso, se estabelecem dois aspectos que merecem a concentrao dos esforos: a eficcia da produo, que deve ser au mentada constantemente, e o preo do trabalho, que deve ser cons

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tantemente reduzido, ou seja, necessrio combinar a reduo do trabalho vivo com a maximizao da produtividade, o que permite, em menor tempo, a extrao do sobretrabalho. medida que a so ciedade desenvolve as foras produtivas, conforme afirma antunes (1999, p.119), bastante evidente a reduo do trabalho vivo e a ampliao do tra balho morto. mas, exatamente porque o capital no pode eliminar o trabalho vivo do processo de criao de valores, ele deve aumentar a utilizao e a produtividade do trabalho de modo a intensificar as formas de extrao do sobretrabalho em tempo cada vez mais redu zido. (Grifos do autor)

Para atingir a finalidade da sociedade vigente, o trabalho orga nizado para a necessidade da expanso e da acumulao do capital, e no para atender necessidade de sobrevivncia e desenvolvi mento do trabalhador, enquanto ser social que possui outras neces sidades alm das bsicas de sobrevivncia: o trabalhador existe para o processo de produo e no para o trabalhador (marx, 1998a, p.555).

Institucionalizao do Servio SocialPara o enfrentamento da questo social, na defesa do iderio burgus, surgem duas grandes tendncias, de acordo com marti nelli (2005): a Escola Humanitria e a Filantrpica, a partir dos economistas adam Smith e david ricardo, que, apesar de apre sentarem algumas diferenas, mantm a culpabilizao do indi vduo pela situao de pobreza vivenciada e buscam coibir conflitos e confrontos que surgiam na defesa dos trabalhadores. as poucas iniciativas privadas filantrpicas e estatais de atendi mento da populao empobrecida no so suficientes e o Estado requisitado a intervir mais diretamente na realidade social.

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Como afirma martinelli (2005, p.66): Burguesia, igreja e Es tado uniramse em um compacto e reacionrio bloco poltico, ten tando coibir as manifestaes dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas prticas de classe e abafar sua expresso poltica e social. a institucionalizao do Servio Social ocorreu nos ltimos anos do sculo XViii e incio do sculo XiX dentro dos marcos da consolidao do capitalismo, no tensionamento dos interesses entre as classes dos proprietrios dos meios de produo e dos que tm somente a sua fora de trabalho para vender e da tirar a sua sobre vivncia. Sob a liderana do setor industrial que, de um lado, proporcio nava um grande desenvolvimento das foras produtivas, e, por outro, deixava um lastro de misria, as populaes rurais, sem apoio para enfrentar suas dificuldades, dirigemse em massa para as cidades em busca de oportunidade de trabalho nas indstrias em expanso, transformandoas em grandes centros, porm sem infra estrutura para tamanho contingente populacional. assim que surge em Londres, inglaterra, em 1869, a Socie dade de organizao da Caridade, com forte influncia da igreja Protestante, como continua martinelli (2005, p.66):Surgiam assim, no cenrio histrico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prtica de assistncia social, atividade que se profissionalizou sob a denominao de Servio Social, acentuando seu carter de prtica de prestao de servios. (Grifos da autora)

a nova profisso, a de prestadores de assistncia social, se ex pande por toda a Europa e pela amrica do Norte. a profisso surge diretamente ligada reproduo material das relaes entre trabalho e capital, uma vez que permite a sobrevivncia do traba lhador (a reproduo da espcie humana, porm dentro das condi es da sociedade do capital) e atenua os conflitos existentes entre trabalhadores e detentores dos meios de produo.

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martinelli (2005, p.86) refere queo pauperismo, como polo oposto da expanso capitalista, crescera tanto na Europa durante o sculo XiX que seu atendimento j no podia mais se restringir s iniciativas de particulares ou da igreja; era preciso mobilizar o prprio Estado, incorporando a prtica da assistncia e sua estratgia operacional o Servio Social estru tura organizacional da sociedade burguesa constituda, como um importante instrumento de controle social. (Grifos da autora)

Entendendo que a pobreza era um defeito de carter, a Socie dade de organizao da Caridade difunde seus ideais e estratgias de atendimento populao por toda a Europa e pela amrica do Norte, inserindo no final dos anos 1860 um esforo de sistemati zao e de cientifizao de suas aes, j incorporadas pelo Estado, e estendendo sua interveno para alm da assistncia material atravs de visitas domiciliares, para a orientao no mbito da fa mlia, da sade e da educao. a partir de 1840,14 os movimentos proletrios se difundem pelos pases industrializados, simultaneamente divulgao da cr tica sociedade do capital em iderios socialistas, comunistas e anarquistas. as lutas por melhorias nas condies de trabalho e di reitos sociais se espalham e, no embate de foras contraditrias, o Estado se v na contingncia de intervir diferentemente ao perodo do capitalismo concorrencial, quando o combate s manifestaes da questo social era feito apenas com a represso. o Estado, majoritariamente constitudo por representantes da classe burguesa, procura desenvolver aes mais voltadas pro teo social, incorporando parcelas das reivindicaes das massas populares, porm no age sozinho, procurando se apropriar das an tigas iniciativas de assistncia filantrpica.

14. a respeito das lutas sociais no perodo 18481875, ver A Era do Capital, de Eric Hobsbawm.

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Com o desenvolvimento das foras produtivas, o modo de pro duo capitalista deixa sua fase mercantil, concorrencial, para ex pandirse por todo o mundo, inaugurando uma nova fase, a dos monoplios. a nova fase econmica mantm e aprofunda as mesmas contradies entre capital e trabalho, aumenta a complexidade das manifestaes da questo social, inaugurando uma forma de enfren tamento: a institucionalizao da assistncia, incorporandoa como mecanismo poltico, de modo a garantir a reproduo e expanso do capital e a reproduo da classe trabalhadora dentro dos limites da chamada ordem social. somente com o advento do capitalismo monopolista que a questo social tornase objeto de respostas institucionais por meio de polticas sociais como um mecanismo bsico para a repro duo social da fora de trabalho e de legitimidade das elites, alm da reproduo do capital como pressuposto constitutivo da for mao capitalista. (Serra, 2000, p.171)

Com a necessidade crescente de responder nova demanda de interveno social, a proposta de criao do ensino de Filantropia aplicada surge com mary richmond, da Sociedade de organi zao da Caridade de Baltimore, durante a Conferncia Nacional de Caridade e Correo, em 1897, em toronto, Canad; o curso realizado em 1898, em Nova York. Nessa mesma cidade, em 1899, surge a primeira Escola de Filantropia aplicada training School in applied Philanthropy, e em seguida, no mesmo ano, surge uma escola em amsterd, Holanda, introduzindo a matria na Europa. os cursos se difundiram rapidamente pela Europa e Estados Unidos da amrica (martinelli, 2005). desse modo, a prestao de servio na forma de assistncia aos pobres deixa de ser uma atividade voluntria, vinculada beneme rncia, sendo incorporada diviso social do trabalho a profisso de assistente social. martinelli (2005) aponta em seu estudo que as aes do Estado e das igrejas, tanto catlica como protestante, estavam profunda

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mente vinculadas ao iderio burgus, de cuja classe social provi nham os primeiros agentes sociais. dessa maneira, a ao social no estava voltada ao atendimento das necessidades e interesses da classe trabalhadora, que por isso mesmo no reconhecia o trabalho social realizado, mas sim inter pretava a situao social encontrada como um desajuste do indi vduo, da famlia, incorporando princpios burgueses na sua ao. ao mesmo tempo, se os trabalhadores no legitimavam a ao so cial que se institucionalizava, esta era essencial sobrevivncia de famlias que se encontravam ao desabrigo, atingidas por doena e morte entre seus membros, especialmente quando envolvia o(s) responsvel(is) pela manuteno da casa, dificultando ou impe dindo o acesso ao trabalho assalariado. o papel dos agentes sociais aparece como uma benesse concedida aos necessitados. Esse aten dimento material, sem a perspectiva do direito social da populao, veicula a falsa idia de um Estado protetor e paternal. isto desvenda o aspecto ideolgico da poltica social, que mascara as verdadeiras relaes implcitas ao servio realizado, dificultando ao prprio pro fissional o desvendamento da realidade de que ele mesmo tambm se tornava um trabalhador assalariado, submetido s mesmas leis da economia livre que regulam a produo e reproduo da so ciedade do capital. apoiar e dar cumprimento s orientaes da igreja e do Estado permitia a expanso rpida da profisso, que passa a atrair sobre tudo moas vinculadas s prticas religiosas baseadas em princ pios de solidariedade de indivduo para indivduo, e no de classe (que implicaria o reconhecimento da legitimidade das reivindica es dos operrios). Na Europa se acentua a influncia religiosa na profisso, princi palmente a partir da Escola Catlica de Servio Social de Paris no incio do sculo XX, que se prope a estudar a questo social a partir da doutrina social da igreja Catlica, forma ncleos de dis cusso e divulga seu iderio por toda a Europa e amrica Latina. Na amrica do Norte se generaliza uma tendncia de estabelecer maior independncia em relao religio (mas no em relao

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burguesia), o que favorece o surgimento e crescimento da asso ciao Nacional de trabalhadores Sociais, a partir de 1920, se gundo martinelli (2005, p.119). o estudo de martinelli (2005, p.120) salienta:as dcadas de 20 e 30 [do sculo XX] foram testemunhas de uma grande expanso do Servio Social europeu, seja nas aes profis sionais, seja no processo organizativo. da experincia dos pe quenos Ncleos surgiu em 1925, na itlia, durante a i Conferncia internacional de Servio Social, em milo, a Unio Catlica inter nacional de Servio Social (UCiSS). tratavase de um organismo de maior porte e que exerceu grande influncia no s sobre o Ser vio Social europeu como tambm sobre o latinoamericano.

o perodo de psPrimeira Guerra mundial exigiu na Europa um esforo econmico, poltico e social para sua reconstruo. o poder hegemnico da igreja Catlica foi enfraquecido pelas alianas da sociedade civil oligrquica. Para no deixar sua antiga aliana com a burguesia, a igreja procurou incentivar a participao de leigos em aes sociais, de modo a operacionalizar a sua doutrina social. o desenvolvimento do Servio Social europeu, que serve de base para o Servio Social brasileiro, se d a partir da concepo re ligiosa de sociedade com a correspondente ao religiosa na prtica, com forte apelo vocao da ajuda, s qualidades morais e pessoais do profissional, aliadas aos conhecimentos prprios da profisso, considerando os aspectos tcnicos e cientficos.As qualidades pessoais, a vocao, a disposio para servir conti nuavam presentes como elementos essenciais, aos quais era preciso acrescentar o preparo tcnicocientfico para o adequado exerccio da prtica social. medida que se institucionalizava, exigia de seus agentes procedimentos mais tcnicos e eficientes, capazes de exercer sobre as classes subalternas o controle social e poltico exi gido pelas classes dominantes. (martinelli, 2005, p.121)

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aos profissionais de Servio Social competia a utilizao de seus conhecimentos tcnicooperativos em favor da adaptao do indivduo ao sistema social vigente, buscando eliminar com sua interveno qualquer forma de manifestao dos trabalhadores, considerada perigosa ordem e disciplina, ou simplesmente es vaziando o contedo poltico de suas reivindicaes coletivas, exercendo um vigilante controle sobre as manifestaes do prole tariado (martinelli, 2005, p.121). Simultaneamente, a ao do Servio Social demonstrava a ao caridosa da sociedade dominante, que escondia ou camuflava os efeitos indesejveis do progresso, manifestos na existncia dos mi serveis. as trs primeiras dcadas do sculo XX apresentam, no quadro internacional, a revoluo russa de 1917 e a criao da Unio das repblicas Socialistas Soviticas em 1922, a Primeira Guerra mundial, de 1914 a 1918, a crise econmica de 1929, confrontando as solues liberais e as comunistas para as situaes enfrentadas. Em todo o mundo aumenta a tenso social e os trabalhadores procuram se articular e manifestar suas necessidades, lutando contra as ms condies de trabalho, de moradia, de alimentao, de higiene, de sade e de educao. a partir de meados do sculo XiX at os primeiros trinta anos do sculo XX predomina a teoria liberal para a sociedade do capital, em que as relaes econmicas devem ser reguladas pelo livre mer cado, a mo invisvel, na concepo de adam Smith. o Estado mercantilista tinha um forte papel intervencionista na economia, o que passou a ser rejeitado pelas teorias liberais, que enfatizavam um Estado no interventor.o liberalismo, alimentado pelas teses de david ricardo e sobre tudo de adam Smith [...],que formula a justificativa econmica para a necessria e incessante busca do interesse individual, in troduz a tese que vai se cristalizar como um fio condutor da ao do Estado liberal: cada indivduo agindo em seu prprio interesse eco nmico, quando atuando junto a uma coletividade de indivduos,

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maximizaria o bemestar coletivo. o funcionamento livre e ilimi tado do mercado que asseguraria o bemestar. a mo invisvel do mercado livre que regula as relaes econmicas e sociais e produz o bem comum. (Behring, Boschetti, 2006, p.56)

a crise de 1929 a 1932 suscita novas discusses sobre o papel do Estado no enfrentamento da questo social, com influncia da teoria social da igreja Catlica e das teorias liberais. No Brasil, o Estado assume um discurso moralizador, com in fluncia das encclicas papais Rerum Novarum e Quadragesimo Anno, que propem como princpios:a aliana entre patro e empregados; os patres deveriam ter cons cincia crist, no explorar seus empregados, pagarlhes o preo justo por seus servios; os empregados, por sua vez, deveriam se conformar com o lugar que deus lhes deu, pois o trabalho e o homem contribuem para o engrandecimento da sua ptria. alm disso, o que no lhes foi dado nesta vida, recebero com abun dncia no cu. (Cardoso et al., 2000, p.81)

No Brasil, com populao eminentemente agrria no incio do sculo XX, tentase desenvolver sua economia dentro do sistema agrrioexportador, procurando sufocar com a represso os movi mentos sociais de norte a sul do pas, tanto rurais, por exemplo as Ligas Camponesas, como os operrios urbanos.15 as manifestaes do conflito entre capital e trabalho no perodo de expanso da indstria e do capital, que formatavam a questo social no mundo e no Brasil, a influncia catlica, com forte apelo solidariedade entre indivduos e a presso da sociedade civil para a interveno do Estado na minimizao das refraes da questo so cial formam um terreno frtil para a expanso do Servio Social no mundo e sua institucionalizao como profisso no Brasil.

15. a respeito das lutas dos trabalhadores, consultar a interessante anlise de Vito Giannotti, Histria das lutas dos trabalhadores do Brasil.

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Surgimento e desenvolvimento do Servio Social no Brasilo Brasil entra no sculo XX com a recente abolio da escrava tura (1888) e a instalao do governo republicano (1889), pondo fim monarquia. a repblica se organiza em sistema federativo cujo poder poltico exercido por pequenas oligarquias. Embora o regime poltico se torne mais representativo do que no perodo mo nrquico, no se torna mais democrtico, fortalecendo o mando nismo local, conhecido como coronelismo (Linhares, 2000, p.165). a classe subalterna permanece excluda dos processos decisrios, e a economia continua baseada na agroexportao, tendo como base de produo o latifndio. a dcada de 1920 no cenrio mundial representou um momen to de combater as consequncias do psguerra (1914 a 1918), com o objetivo de expandir o capital, o que mantinha as contradies inerentes ao desenvolvimento concentrador de riqueza. a reper cusso da revoluo russa de 1917 fortalecia a divulgao do ide rio libertador de marx, favorecendo a mobilizao do operariado em toda a amrica Latina, com acirramento dos conflitos entre o Estado, o empresariado nascente e os trabalhadores. o Estado pressionado a emitir respostas aos conflitos, numa postura de bus car um consenso entre os interesses antagnicos visando paz social. as relaes sociais capitalistas se consolidam no Brasil sobre tudo no perodo de 1930 a 1980, que imps sociedade a sada de um modelo agrrioexportador para um modelo urbanoindustrial. o crescimento econmico provocado regional e socialmente desi gual, com capitalismo dependente dos centros considerados desen volvidos. as dcadas de 1920 e 1930 no Brasil so decisivas para a im plantao do Servio Social. a questo social se intensifica com a formao de novo operariado urbanoindustrial, e de forma de sigual pelo pas. o maior desenvolvimento, e, consequentemente,

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tambm as diferenciadas expresses da questo social, surgem nos estados de So Paulo e do rio de Janeiro. o incio da industrializao marcado pela falta de condies de higiene, de salubridade e de segurana, com acidentes frequen tes, e salrios baixos impulsionando para o mercado de trabalho mulheres e crianas em idade prematura. a esse respeito, iamamo to & Carvalho (1985, p.131) escrevem que comum a observao sobre a existncia de crianas operrias de at 5 anos e dos castigos corporais infligidos a aprendizes. E continuam explicando queda fora de trabalho industrial de So Paulo uma tera parte cons tituda de mulheres, metade aproximadamente so operrios e operrias menores de 18 anos, e 8% menores de 14 anos. a jornada normal de trabalho apesar de diferir por ramo industrial , no incio do sculo, de 14 horas. Em 1911 ser em mdia de 11 horas e, por volta de 1920, de 10 horas. at o incio da dcada de 1920, no entanto, depender na maioria das vezes das necessidades das em presas. mulheres e crianas estaro sujeitas mesma jornada e ritmo de trabalho, inclusive noturno, com salrios bastante infe riores. (1985, p.1312)

importante salientar que no havia qualquer direito trabalhista, como descanso semanal remunerado, frias, licena para sade e outros. as primeiras legislaes e atuaes do Servio Social, na dcada de 1930, esto voltadas para a regulamentao do trabalho nas fbri cas e para a criana e a famlia, de vez que o que a sociedade burguesa reconhece no a situao dada como consequncia de pssimas condies de trabalho e de vida, mas sim como um mal necessrio ao desenvolvimento, e que preciso atenuar suas consequncias.1616. iamamoto & Carvalho apontam na nota de rodap 11 (1985, p.1389) interes sante trecho de uma manifestao do Centro das indstrias de Fiao e tece

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o padro de desenvolvimento que se instala e se desenvolve no perodo de 1930 a 1970 baseado na estratgia tayloristafordista de produo industrial (produo em massa, centralizada e vertica lizada, diviso rgida de tarefas). Somente a partir dos anos 1940 foi complementado pelo sistema keynesiano de Estado, que, se de um lado favorecia os trabalhadores com salrios indiretos (criao de seguros e benefcios sociais), que permitiam intensificar o con sumo da produo industrial, por outro lado favorecia a indstria com reduo de impostos sobre o capital, perdo fiscal e regulao de preos e de salrios dos trabalhadores. Em 1932, fundado em So Paulo o Centro de Estudos e ao Social de So Paulo (Ceas), resultado das atividades da ao Social e da ao Catlica, objetivando dar maior rendimento s inicia tivas e obras promovidas pela filantropia das classes dominantes paulistas sob o patrocnio da igreja e de dinamizar a mobilizao do laicato (iamamoto & Carvalho, 1985, p.172). Seu objetivo era a promoo do bemestar social e, para isso, fundou centros oper rios onde suaspropagandistas, por meio de aulas de tric e trabalhos manuais, conferncias, conselhos sobre higiene, etc., procuraram interessar e atrair as operrias e entrar assim em contato com as classes traba lhadoras, estudarlhes o ambiente e necessidades. (relatrio do Ceas 19321934, apud iamamoto & Carvalho, 1985, p.175)

Notase que a atividade estava baseada no ideal funcionalista, em que se buscava ajuste do indivduo, da famlia e da coletividade sociedade existente, dentro do pressuposto de que a sociedade encontrase corretamente estabelecida. os que no se ajustam sualagem de So Paulo, em referncia s frias dos trabalhadores operrios, da qual transcrevemos: No nos alongaremos sobre a influncia da rua na alma das crianas que mourejam na indstria e nos limitaremos a dizer que as frias ope rrias iro quebrar o equilbrio moral de toda uma classe social da nao, merc de uma florao de vcios, e talvez, de crimes que esta mesma classe no co nhece no presente.

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ordem so os desajustados e necessitam de ajuda para sua reinte grao social, para o seu reajuste. as atividades filantrpicas voltadas principalmente para mu lheres valorizam a funo da mulher no lar, num esprito de resig nao s condies socioeconmicas, cujas dificuldades podem ser vencidas com o aprendizado de novas capacidades, como costura e trabalhos manuais, que podem aumentar o rendimento familiar, mas sem deixar o seu prprio lar.17 Entretanto, a dura realidade das mulheres operrias era bem outra, uma vez que estavam subju gadas a extenuantes jornadas de trabalho, com a submisso de seus filhos s mesmas condies, comprometendo seu desenvolvimento fsico e intelectual, o que trouxe srias consequncias para a so ciedade posteriormente, exigindo novas intervenes do Estado para minimizlas, uma vez que este representa os interesses da burguesia industrial. o grupo surgia num momento de intensificao de estratgias desenvolvidas pela igreja Catlica para revitalizar seu poder diante do Estado e reafirmar a noo de Nao Catlica e o seu direito ao exerccio da influncia como intrprete e guia da imensa maioria ca tlica da populao brasileira (iamamoto & Carvalho, 1985, p.159). as refraes da questo social comeavam a ser enfrentadas pela classe dominante no Brasil pelo vis religioso catlico, influenciado pela concepo do fortalecimento da famlia, da propriedade, bus cando, para isso, respaldo poltico nas instituies formais do Es tado para eleger polticos que apoiam seus princpios, e com a criao de organismos filantrpicos que desenvolvessem seu iderio de ordem e disciplina, solidificando suas aes na divulgao ideo lgica da prestao da ajuda aos sofredores. a ao visa tambm (ia mamoto & Carvalho, 1985) fortalecer a ao catlica laica.

17. Na atualidade, as atividades executadas pelas entidades sociais, agora vincula das Poltica Nacional de assistncia Social, ainda desenvolvem prticas se melhantes e seus dirigentes mantm o mesmo iderio burgus de reajustamento da famlia, que geralmente culpabilizada pela falta de estudo, de capacitao para o trabalho e pelo desemprego.

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as lutas operrias se iniciam no Brasil no sculo XiX, com a primeira greve organizada no rio de Janeiro pelos grficos dos jor nais dirios, em 1858 (Giannotti, 2007),18 e se intensificam nas pri meiras dcadas de 1900, sob influncia anarquista e posteriormente comunista, a partir, sobretudo, da revoluo russa de 1917. a crise de 1929 aumenta os problemas e tambm a reao do movi mento operrio. a primeira lei conquistada, mas no cumprida, por falta de instrumentos legais, de janeiro de 1919 (Giannotti, 2007, p.100), a Lei de acidentes de trabalho, responsabilizava os empregadores e o poder pblico pela indenizao do trabalhador acidentado. a indenizao e outras conquistas, como reduo da jornada de trabalho, ficavam restritas a algumas fbricas, e seu cumprimento estava mais submetido a acordos diretos com os tra balhadores, o que os desfavorecia inegavelmente. a dcada de 1920 atravessada por intensos movimentos dos trabalhadores, especialmente nos maiores centros urbanos, onde se concentra o desenvolvimento fabril. o governo de Vargas, iniciado em 1930, procura incorporar algumas das reivindicaes dos oper rios atravs das primeiras legislaes trabalhistas, colocando, entre tanto, limites organizao sindical, atrelandoa ao controle estatal. Em 1930, Vargas cria o ministrio dos Negcios do trabalho, in dstria e Comrcio, e a partir de 1931 vrias pequenas leis so for muladas, como a que regulamenta o trabalho de mulheres e crianas (1931), jornada de oito horas e descanso semanal remunerado, limi tao de trabalho noturno para mulheres e crianas (1932), imposto sindical e salrio mnimo (1940) at culminar com a Consolidao das Leis trabalhistas, promulgada em 1o de maio de 1943. Em 1935 criado o departamento de assistncia Social do Es tado, constituindose na primeira institucionalizao da proteo social no Brasil (iamamoto & Carvalho, 1985, p.178).

18. Giannotti refere em seu estudo que ocorreram greves em vrios estados do Brasil antes de 1858, conquistando melhorias isoladas para os trabalhadores. Somente a partir de 1880 as greves se multiplicaram nas fbricas e oficinas das cidades que se industrializavam (2007, p.57).

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Sem abrir mo das diretrizes do desenvolvimento capitalista, o Estado passa a colaborar na diminuio das nefastas consequncias do processo cumulativo do capital, na busca no da justia, mas do consenso entre as classes sociais antagnicas. o sistema inicial de proteo aliado a uma ao repressora das manifestaes dos mo vimentos operrios e a estratgias de divulgao de princpios de ordem e disciplina para se atingir o desenvolvimento econmico, pois s a partir da o social poderia ser atendido. a primeira escola de Servio Social em 1936 criada em So Paulo19 pelo Centro de Estudos e ao Social de So Paulo (Ceas), tambm como parte das respostas s manifestaes da questo so cial, e por iniciativa de grupos catlicos pertencentes burguesia, mas com apoio do Estado, que absorver as suas profissionais. Sua preocupao formar moas para o trabalho social, cuja ao se fundamenta nos princpios da doutrina social da igreja Catlica. as primeiras orientaes para o desenvolvimento da profisso vm da Europa, mais precisamente da Escola Catlica de Servio Social de Bruxelas, cuja influncia ser sentida nas primeiras dcadas da profisso. Em 1937, surge a Escola de Servio Social no rio de Janeiro, segunda no Brasil, e, diferentemente do Estado de So Paulo, a mo bilizao anterior sua criao teve a participao majoritria de representantes de instituies pblicas, como os juzados de me nores e rgos da rea de assistncia mdica, sanitria e social (ia mamoto & Carvalho, 1985). Segundo iamamoto & Carvalho (1985), a demanda inicial por assistentes sociais nesse perodo era maior do que a oferta de pro fissionais formadas pelas escolas. o desenvolvimento da profisso, iniciado em plena ditadura varguista, reflete todas as tendncias presentes na sociedade, como19. o primeiro curso de preparao para ao social foi desenvolvido em 1932 pelo Centro de Estudos e ao Social de So Paulo (Ceas) para moas catlicas, mi nistradas pela assistente social belga adle de Loneaux (iamamoto, 1985; mar tinelli, 2005).

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a teoria social da igreja Catlica, depois o desenvolvimentismo e influncias socialistas, revolucionrias, especialmente na segunda metade da dcada de 1950 e incio da de 1960, com a revoluo Cubana em 1959. a poltica econmica de Vargas, a partir de 1930, voltase para o desenvolvimento da indstria como estratgia de enfrentamento crise mundial que ocorria desde os ltimos anos da dcada anterior. aliada incorporao de alguns direitos trabalhistas, com atrela mento do movimento sindical ao Estado, mantendo os nveis sala riais rebaixados, surgem as iniciativas estatais e privadas de maior abrangncia para o atendimento social, complementando a ao de desmobilizao dos trabalhadores com uma ao paternalista e ajustadora. Sob o patrocnio do Estado e das indstrias surgem o Conselho Nacional de Servio Social em 1938, a Legio Brasileira de assis tncia em 1940, o Servio Nacional de aprendizagem industrial (Senai) em 1942, o Servio Social da indstria em 1946 (Yasbek, 1984), a Fundao Leo Xiii em 1946, que incorporam os novos profissionais bem como incentivam com bolsas de estudo a for mao de novos assistentes sociais (iamamoto & Carvalho, 1985, p.184).20

Surgimento de um novo projeto ticopoltico do Servio Socialdo incio da dcada de 1960 at meados dos anos 1980, o Servio Social realiza um amplo movimento de questionamento de seus fundamentos tericos, metodolgicos e operacionais conhe cido na histria do Servio Social como movimento de reconcei

20. iamamoto & Carvalho (1985) expem detalhadamente esse perodo de institu cionalizao do Servio Social no Brasil. apresentam um quadro (1985, p.184) de bolsistas mantidos por instituies particulares, autrquicas e estatais na Es cola de Servio Social de So Paulo no perodo de 1946 a 1953.

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tuao , de modo a melhor compreender a prpria profisso e traar diretrizes para as novas exigncias da realidade social, que se apresentava cada vez mais complexa. apesar da forte represso, a resistncia ditadura continua se organizando em todos os setores da sociedade. Grupos guerri lheiros de esquerda, que posteriormente seriam todos militarmente derrotados, se organizam em vrios pases da amrica Latina. Em 1968, a partir da teologia da Libertao, a igreja Catlica latinoamericana, na cidade de medelln, Colmbia, estabelece nova base para o compromisso e a ao dos catlicos em relao classe trabalhadora. No Brasil, isso se manifesta na organizao de vrias pastorais comprometidas com o povo e dos movimentos eclesiais de base. a partir da discusso de textos evanglicos com a populao empobrecida, nascem vrios movimentos reivindicat rios, principalmente em So Paulo. o movimento estudantil amplia suas aes e se fortalece, bus cando inspirao nos textos de inspirao marxista e revolucio nria, contribuindo tambm para a rearticulao dos movimentos sociais na clandestinidade. No mbito do Servio Social, os fatos no evoluem diversamente. o questionamento tericometodolgico da profisso recebe in fluncia de autores marxistas,