13
40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão, de 55 anos, dedicou- -se à História da Ciência e descobriu manuscritos com 500 anos repletos de questões matemáticas e astronómicas Investigador na Universidade de Lisboa, Prémio Pessoa em 2014, conta como Portugal foi forçado a inovar no tratamento da informação que recolhia Entrevista de Luís Naves

Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

40 HENRIQUE LEITÃO

PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIADoutorado em Física, Henrique Leitão, de 55 anos, dedicou--se à História da Ciência e descobriu manuscritos com500 anos repletos de questões matemáticas e astronómicasInvestigador na Universidade de Lisboa, Prémio Pessoaem 2014, conta como Portugal foi forçado a inovarno tratamento da informação que recolhiaEntrevista de Luís Naves

Page 2: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

Como é que surgiu esta sua pre-ferência pela história da ciência?Foi uma casualidade. Nunca fiz umplano. Tive formação científica tra-dicional, na física teórica, incluindoo doutoramento. Estive em vários

sítios, em Portugal e fora, conhe-ci grupos internacionais, andei nomundo da física teórica, mas já du-

rante a fase inicial dessa formação,interessei-me em questões históri-

cas, estudei também filosofia e a cer-ta altura latim, mas era um hobby.No final dos anos 90, percebi queconseguia investigar certos mate-riais de ciência antiga, sobretudo do

século XVI. A partir de certa altura,fui convidado para coordenar umaequipa que ia tratar das obras de

Pedro Nunes. Este projeto obrigou--me a decidir: durante uns tempos,fazia física e assuntos históricos, o

que era pesado; quando surgiu esteconvite tive de optar e escolhi dedi-

car-me à história da ciência. Duran-te vários anos, estive focado na edi-

ção das obras de Pedro Nunes, com

uma equipa ótima. Foram 10 anos aestudar um autor em profundidade.O que descobriu sobre PedroNunes?Tanta coisa! Pedro Nunes estavamuito esquecido. Tinha havido umatentativa de editar as suas obrasnos anos 40 e 60 [do século XX\, masnão havia uma boa edição moderna,nem estudos acessórios, com comen-tários e explicações. E, no entanto,foi uma figura eminente da ciência

europeia. É um pouco estranho faze-rem-se caracterizações sobre a cul-tura portuguesa no século XVI semlevar em conta o papel de um ma-temático deste calibre. A matemáti-ca é uma forma de cultura erudita.O impacto de Pedro Nunes na teoriada navegação é importantíssimo.

Influenciou toda a Europa. Nunes

começou uma disciplina nova, o es-

tudo matemático da navegação, quepermanece até hoje. Navegar erauma tarefa essencialmente práticaaté que, no século XV, começaramas navegações de longa distância.Se pegarmos num livro de navega-ção aérea ou marítima, as noçõesbásicas com que se trabalha, porexemplo a noção de rota, ortodrómi-ca ou loxodrómica, estabelecida porPedro Nunes, aparece nestes livros.Teve um impacto enorme.É atual?As noções básicas que introduziusão atuais. Estabeleceu as basesda disciplina. Não temos nenhumoutro cientista com um impactodestes. Pedro Nunes é uma anoma-lia na história cultural portuguesa.Propôs um conjunto de ideias e téc-nicas que estavam na base daquiloa que depois se chamou «projeçãode Mercator», que é importantíssi-ma na cartografia moderna. Eu e

um colega, Joaquim Alves Gaspar,conseguimos mostrar que Mercatorusou técnicas que vinham original-mente dos trabalhos de Pedro Nu-nes. Também teve um papel impor-tantíssimo na história da álgebra do

século XVI, foi um autor citadíssimodurante muitos anos. Vou simplifi-car: a álgebra vinha do mundo ára-be, com resquícios da Antiguidadee ligada à geometria, mas a partirdo século XVI começou a perceber--se que não precisava da geometriae Pedro Nunes foi uma das pessoasa demonstrar isso. A sua importân-cia na história da álgebra é imensa.Em astronomia, Pedro Nunes foicitado por alguns dos grandes auto-res do seu tempo. Em mecânica, fezuma análise matemática do proble-ma da navegação a remos. Pode pa-

recer uma bizarria, mas o problemamatemático da navegação a remosfoi tratado por Aristóteles, na An-tiguidade, depois por Pedro Nunes,no século XVI, e por Leonard Euler,no século XVIII. As três pessoas queatacaram o problema são desta en-

vergadura.Mas Pedro Nunes foi esquecido.Porquê e a partir de que altura?Esta é a dinâmica própria da ciên-cia. Se a memória não é preserva-da, a própria dinâmica científica fazdesaparecer os inovadores, porqueo ritmo da renovação das teorias é

rápido e 20 anos depois já ninguémestá a usar aqueles resultados. Por

exemplo, lembramo-nos de Galileu

porque a memória dele foi preser-vada, mas não há nada que se façahoje que use as técnicas de Gali-leu. Uma obra de arte permanecee mostra a grandeza daquele artistadurante muito tempo, mas um con-tributo científico não permanece:é importantíssimo no momento, mascomo a dinâmica científica é rápida,10 ou 20 anos depois tornou-se irre-levante, entrou num fluxo enorme.Por isso é que a história da ciênciaé importante. É preciso que não se

perca a memória de pessoas que ti-veram contributos excecionais.Falando de Galileu: os portu-gueses ajudaram a difundir assuas ideias...Por uma casualidade. Galileu fezdescobertas muito importantes en-tre 1609 e 1612, causando imensa

comoção na Europa. Em 1614, umadas pessoas com mais informaçãosobre o tema, um italiano chama-do Giovanni Paolo Lembo, que ti-nha acompanhado estas descober-tas de muito perto em Itália, veio

para Lisboa. Ele era padre jesuítae a Companhia de Jesus permitia

Page 3: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

muita circulação interna. Este ita-liano esteve envolvido em todas asdiscussões com o telescópio. Temos

as suas notas de aula, entre 1615 e

1617, a explicar as grandes novida-des de Galileu. Em Lisboa, esteve--se informadíssimo disto.Essas ideias viajaram depois atéà China.Sabemos que as notícias rapida-mente chegaram à China, para onde

a Companhia de Jesus estava a en-viar missionários com conhecimen-tos matemáticos. Um jesuíta portu-guês, Manuel Dias, publicou um li-vro com a descrição das observaçõestelescópicas de Galileu, escreveu-oem chinês, em 1614. Basta fazer ascontas: se Dias, em Pequim, sabiadestas notícias em 1614, é porqueelas foram perfeitamente conheci-das em Lisboa em 1612. As desco-

bertas de Galileu chegaram depres-sa e causaram comoção, aqui como

no resto da Europa.Está a falar de que descobertas?O sistema de Júpiter?Sim, que Júpiter tem satélites, a Luatem montanhas e vales, Vénus temfases.E os chineses não sabiam?Não. Isto era tudo novo na China.O livro do Manuel Dias foi conti-nuamente editado na China. Foiescrito em 1614, a primeira ediçãoimpressa foi de 1615, e depois foireeditado várias vezes até ao séculoXIX. Foi um livro muito importantena história científica chinesa. E é de

um português.Os portugueses encontravam-sena vanguarda da ciência do seutempo?Não diria assim, mas havia umarede extensíssima de circulação, arede comercial, que se estendia es-

pantosamente de Lisboa a Macau

e, sobre ela, havia uma circulaçãode tudo: de livros e instrumentoscientíficos. Era o contexto da época.Havia mobilidade de ideias, objetose pessoas.E tem encontrado documen-tos enterrados nos arquivos quemostram inovações da autoriade cientistas portugueses...Não poria de maneira tão enfática,mas muitos documentos mostramuma prática científica intensa. A pa-lavra «cientista» é moderna, prefirofalar de pessoas que se interessa-ram por ciência.

Matemática, cartografia...Sim, e estas coisas a que chamamos

«física», que na altura não tinhaeste nome, por exemplo, investiga-ções de mecânica, hidráulica, mastambém astronomia, enfim, todasas disciplinas de base matemática.Era uma prática modesta, porque aescala portuguesa era modesta, masera uma prática real. Correspondiaa interesses, instituições, pessoase debates que existiram na cultura

portuguesa, mas à escala do País,de poucas pessoas, círculos restri-tos. Não há maneira de caracterizaro passado científico português semlevar isto em consideração.Na botânica, no século XVI tam-bém houve grandes descobertasportuguesas...Houve contacto com a botânica de

outros países, que causou admira-ção. Depois, há um nome, Garcia de

Orta, que aparece aqui como casoexcecional. Durante 30 anos, Ortaexaminou os produtos farmacêuti-cos do continente indiano, entre os

quais estavam muitas plantas, e

depois escreveu uma obra tentan-do divulgar isto a um público euro-

peu. Era uma novidade na Europa.O livro foi traduzido para latim por

outro autor e houve grande divul-gação. Esta peça é importante noenorme movimento de contacto comrealidades da natureza extraeuro-peia. Para a Europa foi um espanto,a natureza das Américas, da Ásia,da índia. Tudo isto gerou uma li-teratura no século XVI e o livro deGarcia de Orta é um dos mais em-blemáticos. Mas queria regressar aPedro Nunes. Uma das coisas maisimportantes que ele fez, para alémdos resultados matemáticos origi-nais, foi introduzir a ideia de que a

grandeza das navegações portugue-sas estava ligada a uma vantagemtecnológica. Pedro Nunes disse «es-tas navegações não foram feitas indoa acertar», ou seja, não foram feitasao acaso, mas o seu sucesso tinhaa ver com o treino dos pilotos e comos melhores instrumentos e mapas.Independentemente da opinião, seele estava a exagerar ou se era mes-mo verdade, a ideia em si é inova-dora: uma nação não tem só a vercom o poder militar ou a sabedoriado rei, mas com tecnologia e ciência.Na Inglaterra do século XVII, isto

tornou- se um programa formuladoexplicitamente por Francis Bacon.Mas [aconteceu] um século depois.Nunes foi um dos primeiros auto-res na Europa a formular a ideia de

que a expansão marítima se deviaa vantagens tecnológicas.De que tecnologias?De tecnologias náuticas. Técnicasastronómicas usadas na náutica, téc-nicas da construção naval, técnicasde cartografia. Ele dizia que o me-lhor conhecimento dos portugueseslhes deu esta vantagem enorme.Mas o ponto é a conexão. Ele nãoafirmou que os portugueses são os

melhores a combater no mar, a opi-nião dele não era essa. Vemos - e

Page 4: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

certamente existia na sociedade doséculo XVI - esta ideia nova de quea expansão estava ligada à capaci-dade tecnológica e formação técnica.É uma ideia moderna, que vai tor-nar-se património da Europa, poisingleses, holandeses e franceses vãorepeti-la no final do século XVI e emtodo o século XVII.Mas existe também a ideia deque os portugueses perderam al-gures essa vantagem...Isso é outra história. Estou só a di-zer que este é um dos traços maisimportantes do contributo de Pe-dro Nunes. Toda a sua obra deuum fundamento matemático certoe rigoroso àquelas atividades náu-ticas, cosmográficas, cartográficasque estavam a ser feitas no período.Quanto mais cientificamente estes

processos forem controlados e do-

minados, maior será a sua eficácia.É uma ideia surpreendente.Uma das descobertas recentesda sua equipa tem a ver com adeclinação magnética, que osportugueses conheciam antes doque se pensava até agora. Querexplicar?Hoje sabemos que as bússolas nãoapontam para o norte geográfico,apontam para o norte magnético eexiste uma declinação. Este fenó-meno foi sentido desde o momentoem que apareceram bússolas naEuropa, a partir do século XIII. Noperíodo medieval, as pessoas perce-beram que as bússolas tinham va-riações e pensavam que essas varia-ções eram erros dos instrumentos,que necessitavam de correção. Só

quando começaram a navegar a lon-

ga distância, nas viagens do século

XV, é que notaram que a variaçãonão era um erro, mas um padrão.Acontecia sempre e variava com a

posição. Esta foi uma descoberta

importante: a variação magnéti-ca é uma característica do magne-tismo da Terra, não um erro. Istodescobriu-se com o navegar a lon-

ga distância. A seguir, houve umatentativa de usar esta descobertana navegação. E houve várias ma-neiras de usar a variação magnéti-ca, nomeadamente para se saber aposição. Foi popular a ideia de quea declinação dava informação sobre

a longitude. Não dá. Durante unstempos, a partir dos anos 30, isto foi

popular na marinharia portuguesa,mas rapidamente se percebeu quea ideia era errada.Dos anos 30 de que século?Do século XVI. Houve um conjuntode investigações. D. João de Castrofoi muito importante a esclareceristo, a mostrar que não havia liga-ção entre a variação magnética e alongitude. Houve um esforço contí-nuo de perceber este fenómeno e umesforço contínuo de o tentar usarpara a navegação. Antes de maisnada, temos aqui um número gran-de de pessoas (pilotos, cartógrafos,cosmólogos, matemáticos, astróno-mos) em torno de um problema novoque, nesta altura, ninguém estavaa estudar como os portugueses. Nofim do século XVI, os portuguesescomeçaram a fazer mapas magné-ticos da Terra. Foi o caso do agorafamoso mapa de Luís Teixeira.Fez um estudo sobre isso...Fiz, com um colega, o comandante[Joaquim Alves] Gaspar. Esse mapaé uma peça extraordinária da histó-ria da ciência. É a primeira repre-sentação visual da ideia de que aTerra possui um campo magnético.O mapa não tem nome, é atribuídoa Luís Teixeira, de cerca de 1585,está no Museu de Marinha e tem

linhas isogónicas, ou seja, linhasde igual declinação magnética. Por-

que é que tudo isto é tão importan-te? Sabemos que, a partir do sécu-lo XVII, começou a ser trabalhadaa ideia de que a Terra é como umgrande íman, mas percebemos queesta ideia tem uma pré-história re-lacionada com navegações e estavajá desenvolvida no século XVI. Em1600, um autor inglês, WilliamGilbert, escreveu um livro sobre o

magnetismo da Terra e afirmou terusado resultados das navegaçõesportuguesas e espanholas, mas o li-vro não se entende sem a carta deLuís Teixeira, de representação domundo. Há uma continuidade histó-rica que é preciso pôr em evidência.Se me perguntar qual é o objetivo do

meu trabalho, respondo que é sobre-tudo estudar o século XVI, o gran-de esquecido da história da ciência,aliás, como o século XV. O interessetem estado focado a partir do sé-

culo XVII, com os grandes nomes:Galileu, Newton, Kepler. Foi umséculo extraordinário, mas veio de

uma história científica que importarepor. É um facto da historiografiainternacional, não é coisa minha,há muitos grupos que perceberamque a única possibilidade de se com-preender a ciência europeia do sé-culo XVII era olharmos com maisatenção para os séculos XV e XVI,que envolvem muitos portuguesese espanhóis, por isso têm interesseespecial.E quais são as suas conclusões?Talvez seja extemporâneo mas as

indicações são todas no mesmo sen-tido. Não se pode entender o séculoXVII europeu, que é extraordinário,sem perceber o que aconteceu cem

anos, 150 anos antes. A expansãomarítima da Europa é um fenóme-

Page 5: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

no transformador da História e da

configuração geopolítica do mundo.A partir do momento em que os euro-

peus começaram este movimento de

expansão marítima, o mundo nuncamais foi o mesmo. Estes fenómenosforam tão transformadores, que ti-veram implicações profundíssimasna ciência. O que se trata é de estu-dar algo que tem na sua origem ummovimento imperialista, comercial,militar. Esta é a natureza do movi-mento mas arrasta consigo enormestransformações nas atividades e naspráticas científicas, nas instituiçõesque faziam ciência e nas conceçõesdos indivíduos.Para alguém que não conheçaa fundo estas matérias, pareceprevalecer atualmente uma in-terpretação politizada e negati-va dos Descobrimentos. Qual éa sua opinião sobre isso?Não é um problema em que eu tra-balhe. Não sou historiador da ex-pansão. Olho para estes assuntosdo ponto de vista da história daciência, que é suficientemente com-plicado para me ocupar a vida in-teira. Do ponto de vista da históriada ciência, é um período irrepetível.Não há nada comparável na Histó-ria portuguesa, com a mesma vita-lidade científica, configuração socialem torno das atividades científi-cas, aparecimento de instituições,de grupos ou indivíduos envolvidosem atividades científicas e técnicas.O que os contemporâneos disseram,e o que um historiador sereno cer-tamente diz, é que há uma conexão,que o elemento técnico e científiconão foi alheio à surpreendente ex-pansão portuguesa. Com as coisasboas e as coisas más. Navegações tãoousadas, tão distantes. Surpreendeo controlo de linhas comerciais tão

extensas, de rotas no mar duranteperíodos alargados no tempo.Para um país tão pequeno...Claro. A ciência não é a única ex-plicação, mas a tecnologia foi umelemento. A História portuguesa é

aqui uma parcela de um fenómenomaior. O fenómeno é a reconfigura-ção do que era propriamente ciên-cia, em toda a Europa, por causadestas viagens, incluindo dos por-tugueses, espanhóis, ingleses, fran-ceses, italianos, pois estavam todosenvolvidos.Existe por outro lado a ideia deque os portugueses são subesti-mados no seu papel na História,incluindo na parte da ciência...Isso é verdade, mas é consequên-cia do esquecimento do século XVI.E um fenómeno natural. A EuropaCentral aparece como a protagonis-ta dos desenvolvimentos científicosno século XVII e, portanto, a Histó-ria é escrita em torno desse períodoe a disciplina eleita, que puxa tudo,é a astronomia. Mas quando vemoscom atenção, houve antes um in-vestimento de vários países em ta-refas técnicas e científicas, e não foisó na astronomia, foi na botânica,por exemplo, e na compreensão dafauna. Os mecanismos de validaçãode autoridade foram todos postosem causa no século XVI. Esta nãoresultava tanto do nível educativo,mas de ver certo animal ou planta;por terem feito a experiência direta,tinham autoridade para falar sobreela. Foi uma grande transformaçãonos processos normais de validaçãode conhecimento.Onde é que se adquiriam estesconhecimentos? Na Universida-de de Coimbra?Onde é que estas coisas se apren-diam? Era .em espaços informais.

Sabemos que o cosmógrafo-mor ti-nha de dar em sua casa aulas aospilotos. Sabemos também que haviapequenas instituições onde haviatrocas de informação e instituiçõesmaiores, como os Armazéns da ín-dia e da Guiné, de controlo logísti-co, onde também havia discussãodestas novidades. A pilotagem tinhaformas de treino internas, e isto co-

meçou de maneira incipiente, du-rante o século XV, e tornou-se pro-gressivamente mais formal. No finaldo século XVI, estava muito organi-zado: havia exames para pilotos, cer-tificação das cartas, os instrumentoseram analisados e certificados.E onde eram feitos os mapas?Por cartógrafos, que muitas vezestinham estruturas familiares. Erampessoas especializadas e o que sabe-mos é que a partir de certa altura[os mapas] eram certificados, parapoderem ser cartas-padrão. Mas eramcírculos pequenos os que faziam es-tes mapas, pelo menos os que sobre-

viveram, que são poucos. Os mapasde funcionamento perderam-se qua-se todos, o que é natural.Os mapas eram secretos ou co-nhecidos no exterior?Sabemos que houve tentativas decontrolo desta informação. Isso estábem documentado. O que tambémsabemos é que a informação eraquase impossível de conter e aca-bou por circular, apesar de todas astentativas de restrição. Os próprioshomens circulavam. Temos pilo-tos portugueses a trabalhar paraoutros países, temos cartógrafos aviver noutros países, e houve circu-lação de objetos. A pressão europeiapara saber destas novidades era in-controlável, Lisboa estava cheia de

estrangeiros interessadíssimos emsaber.

Page 6: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

Que tipo de gente tinha acessoa estes conhecimentos?Um dos elementos que já foi deteta-do por investigadores, e que tambémse verifica na realidade portuguesa,é o facto de pessoas pouco instruídasse terem envolvido na recolha de

dados de nível científico. O melhor

exemplo é o dos pilotos. Um pilotode navio era um homem quase anal-

fabeto, se é que não era analfabeto,e fazia medidas astronómicas, ape-sar de simples, ainda assim medi-das astronómicas. Ele precisava de

usar um instrumento, de observar,tirar um número, controlar o erro,

por vezes consultar uma tabela, porvezes fazer uma conta simples. Ha-via um conjunto complexo de gestos

e tudo era feito por um homem quenão fora submetido a qualquer sis-

tema formal de ensino. Isso foi umanovidade na Europa.Alguém comandava o processo?E qual era o objetivo?Havia hierarquias, claro. E o objetivoera fazer as viagens com o maior lu-

cro possível. Que os barcos navegas-sem seguramente, que a mercadoriafosse e voltasse, que os barcos não se

perdessem. As navegações oceânicas

eram um facto novo na História eu-

ropeia. Nunca tinha acontecido, naHistória antiga não havia isto de na-

vegar no oceano a longas distâncias.

Depois, descobriram ventos, cor-rentes...Ventos, correntes, fenómenos me-

teorológicos, magnetismo, observa-

ção de animais e plantas, isto tudofeito à escala do Planeta. Temos re-

gistos para o mar da China, para a

costa do Brasil, costa de África, ma-

res da índia, e temos tudo isto emLisboa. Em nenhum momento histó-

rico anterior chegou ao mesmo sítio

informação sobre o mundo natural

de literalmente todos os oceanos da

Terra. Com esta rapidez e escala, foi

uma experiência nova. Portuguesese espanhóis tiveram de aprendertudo: como é que se recolhia a in-

formação, como se registava e ana-lisava. Ficava tudo documentado.

A informação chegava e havia pes-soas a olhar para ela. Como se com-

parava? Quem fazia esse trabalho?Mas antes de chegarmos às respos-

tas, é importante dizer que ninguémantes enfrentara o problema de per-ceber a relação entre os ventos e as

correntes quando se navegava nos

mares da China ou no Índico ou no

Pacífico e tentar perceber padrões.Havia teorias sobre esses pa-drões?Progressivamente, começaram a apa-recer.E essas teorias eram muito er-radas?Sim, era ciência do século XV, mas

surgiram ideias fundamentais, porexemplo, de que as correntes não

eram locais, tinham a escala do

oceano; apareceu muito claramen-te a ideia de que havia padrões es-

táveis de vento ao longo de todo o

oceano, e sazonais. Estes roteiros

e diários de bordo portugueses e

espanhóis foram os primeiros docu-

mentos contendo informação sobre

o mundo natural à escala de todo

o Planeta. Antes destes, não há ne-nhuns. Se queremos perceber como

se formaram as ideias sobre todo o

Planeta, devemos começar por estes

documentos. No final do século XVI,mas provavelmente antes, toda a

documentação dos navios passoua ser analisada depois das viagens.Isto é conhecido. As instruções dos

pilotos da Carreira da índia diziam

que depois da viagem, ao regressara Lisboa, tinham de devolver todos

os seus diários de bordo, os seus

roteiros e cartas, para serem ana-lisados. Sabemos que a informaçãoera usada para preparar a viagemseguinte. Foi assim na fase final do

século XVI, mas ainda não sabemos

quando é que começou a ser desta

forma, será preciso olhar com mais

atenção para a documentação, mas

ocorreu um fenómeno progressivo.Entre os historiadores de ciência,

mesmo fora de Portugal, isto é co-

nhecido.O esforço era privado ou coman-dado pelo Estado?Sobretudo comandado pela coroa.No caso português, a coroa coman-dava muito. Os cargos dos cientis-

tas que tinham de acompanhar isto

eram de nomeação direta do rei. Os

cosmógrafos eram nomeados.

Os cientistas fizeram as via-gens?Depende. Raramente iam mas par-ticiparam em algumas viagens crí-ticas. Quando as viagens tinham

alguma peculiaridade, havia espe-cialistas técnicos nos navios. Sabe-

mos que na primeira fase, no século

XV, andaram a bordo matemáticos

para fazer medidas de latitude. Te-

mos levantamentos de latitude e sa-

bemos que iam uns mestres, mate-máticos e físicos, a bordo. Para darum exemplo, na viagem de Fernãode Magalhães, teve de ir um espe-cialista técnico, para fazer uma de-

terminação de longitude. Mas nas

viagens normais, não.Como é que na época calcula-vam a longitude?Era um dos grandes problemas no

século XVI, que só teve resolução no

XVIII. Havia técnicas aproximadas,grosseiras, de estimar a distância

percorrida e depois a longitude; outraera com a ideia do magnetismo, que

Page 7: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

Ventos, correntes, fenómenos meteorológicos, magnetismo, observação de

animais e plantas, isto tudo feito à escala do Planeta. Temos registos parao mar da China, para a costa do Brasil, costa de África, mares da índia, e

temos tudo isto em Lisboa. Em nenhum momento histórico anterior chegouao mesmo sítio informação sobre o mundo natural de literalmente todos

os oceanos da Terra. Com esta rapidez e escala, foi uma experiência nova.

Portugueses e espanhóis tiveram de aprender tudo: como é que se recolhia

a informação, como se registava e analisava.

também não funcionava. Depois,havia técnicas mais avançadas, comastronomia. Se observarmos certosfenómenos astronómicos, em prin-cípio conseguimos estimar a longi-tude. Isto nunca funcionou bem noséculo XVI, mas era possível ter es-timativas de longitude por proces-sos astronómicos. As boas medidasseriam assim e era preciso que hou-

vesse um astrónomo [no navio] paraas fazer. Na viagem de Magalhãesfoi um homem chamado Andreas de

San Martin. Era para ser Rui Falei-

ro, mas ele não foi na viagem. MasFaleiro e San Martin não eram ma-rinheiros, eram especialistas.Havia botânicos nestas viagens?Menos. O grande problema da altu-ra era o posicionamento. Na nave-

gação da Antiguidade ou da IdadeMédia não havia especialistas nosnavios para resolver problemas cien-tíficos. Uma vez mais, era a neces-sidade do contexto diferente, de na-

vegar durante três meses no oceano,

algo que levantava problemas no-

vos e forçou a reconfigurações pro-fundas na maneira de fazer ciência,o aparecimento de novos técnicos

e o ensino de novos assuntos. Háexemplos, um muito interessante

que estudei, Francisco de Melo, da

geração anterior à de Pedro Nunes,do início do século XVI, um mate-

mático que foi estudar em Paris,como era normal no tempo. A suaobra matemática era tradicional

quando esteve em Paris, mas quan-do regressou a Portugal, nos anos

20 [do século XVI\, surgiu associa-

do às negociações com Espanha so-

bre o antimeridiano, o que implica-va [conhecimentos de] cosmografia.Todo o talento científico foi atraído

para estes problemas. Pedro Nunestambém, como é evidente. Nos sécu-

los XV e XVI, Portugal e Espanhaviram- se a braços com circunstân-cias únicas e desembaraçaram-seo melhor que conseguiram. Estou

a referir-me só a questões científi-cas. Pela primeira vez, precisavamde controlar viagens enormes, de

ter equipamento adequado a essas

viagens, de preparar a logística e a

tecnologia, de chegar a outros conti-nentes e perceber o mundo natural.Era preciso conhecer as plantas, sa-ber o que era possível comerciar ali.Os portugueses e espanhóis foramos primeiros que se depararam com

estas circunstâncias. Depois, envol-

veram-se outros povos [na expansão

europeia], mas beneficiaram imenso

da experiência dos portugueses e

espanhóis. A massa de informaçãoera de tal ordem e de proveniênciastão diferentes que foi necessário re-

pensar a maneira de recolher essa

informação, dando origem a novosartefactos - nós, aqui, por vezes di-

zemos «dispositivos cognitivos»: re-

gimentos, diários, roteiros, mapas.Estes objetos foram todos redefinidos,mas também surgiram instituições,

aparecem novos cargos, como porexemplo cosmógrafo-mor, alguém de

alto nível académico que, por ins-

trução real, era obrigado a traba-lhar com pessoas de nível artesanal.Segundo algumas interpretações, o

surgimento da modernidade cientí-fica na Europa teve a ver com fenó-

menos sociais deste tipo. Um autor,Edgar Zilsel, diz que a expansão daciência na Europa a partir do século

XVI ocorreu porque os académicos

começaram a trabalhar juntamentecom artesãos e este facto deu vitali-dade à ciência europeia, que depoisse destacou de todas as tradiçõesmundiais. E observamos isto emPortugal e Espanha. As circunstân-cias forçaram isso. Os problemas de

navegar em oceanos a longa distân-cia exigiam que pilotos e matemá-ticos conversassem. E este conceito

é riquíssimo. Que pilotos e mate-máticos estivessem sentados a umamesa a discutir as peculiaridadesdesta nova atividade. Não há regis-to disto anterior ao século XV. As

soluções influenciaram de maneiradeterminante a ciência europeia.

Page 8: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

Neste conjunto tão vasto, qual é

o seu interesse de investigaçãoatual?Agora estou muito interessado nos

roteiros, a documentação náuticausada a bordo, que tem escala pla-netária. No mesmo documento podehaver descrições de correntes, me-teorologia, fauna no Atlântico, no

Indico, do mar da China. Que numúnico documento haja esta varieda-de de informação é surpreendente.Já houve outras pessoas que estu-daram os roteiros do ponto de vistada história da náutica. O meu inte-resse é o da história da ciência mais

geral e, desse ponto de vista, os do-

cumentos, que são centenas, nuncaforam estudados. Estão cheios de

informação sobre o magnetismo da

Terra, as correntes e os ventos. EmPortugal e em Espanha suspeitoque sejam milhares, não estão bem

referenciados, havia enorme produ-ção documental associada à navega-ção. Uma navegação oceânica gera-va muito papel, na preparação, naviagem, nos diários, nas leis.Há um aspeto de que ainda nãofalámos, a decadência portugue-sa. Tem alguma explicação paraesse fenómeno?Não, não tenho. Acho que ninguémtem, mas posso sugerir alguma coi-

sa. Vou apenas circunscrever-me àminha área, que é a questão cientí-fica. Em primeiro lugar, não detetouma decadência assim tão grande.A ideia de que não houve práticacientífica em Portugal no séculoXVII é exagerada. A prática científi-ca em Portugal foi sempre modesta

e não devemos fazer ficções sobre o

passado. Em segundo lugar, as prá-ticas e as ideias científicas do sécu-lo XVI podiam ser dominadas, em

grande medida, independentemen-

te dos sistemas de ensino. Era pos-sível pôr pessoas com baixos níveiseducativos a fazer atividades cienti-ficamente interessantes. Mas com o

desenvolvimento da ciência, isto co-

meçou a ser impossível. As escolas

exigiam grande qualidade. A partirdo século XVII, ter bons cientistas,ou ter boas pessoas a fazer tarefascientíficas (para não usar a palavra«cientista», que é do século XIX)obrigou a ter boas escolas. O as-sunto precisa de ser visto com mais

atenção do que alguma vez o vi, masresumindo a minha interpretação,ou sugestão: os conteúdos científi-cos tornaram-se progressivamentecomplexos e exigiam mais dos sis-

temas de ensino. Em Portugal istofoi sempre uma dificuldade, a exis-tência de sistemas de ensino de boa

qualidade, estáveis, duradouros.E no século XVII começou a notar-se.

Quais eram as escolas mais im-portantes?No século XVII eram da Companhiade Jesus e depois a Universidadede Coimbra. O padrão é simples.Havia outras ordens religiosas, masa Companhia de Jesus dominavao ensino pré-universitário e Coim-bra os estudos universitários.E houve degradação destas ins-tituições?Não. Provavelmente, do ponto devista científico, não estavam ade-

quadas aos requisitos para formaruma pessoa. Nos outros países,apareceram por vezes instituiçõeslaterais de ensino que respondiammuito bem às exigências científicas.Houve um problema secular de fun-do na História portuguesa que tevea ver com as escolas e que perma-neceu até hoje. É um problema de

quatro séculos: foi sempre difícil terinstituições de ensino de qualidade

em Portugal. Ainda hoje é. Acho

que a partir do século XVII isto co-

meçou a estar muito exposto. Houvetentativas de corrigir, mas [fracas-saram]. O século XIX foi particu-larmente nefasto, pois os níveis deescolaridade estavam em mínimos

surpreendentes. A recuperação edu-cativa no século XX foi interessan-te mas vinha de níveis baixíssimosde escolaridade, de literacia.Existe a ideia de que a Igreja foio grande obstáculo...Acho uma ideia errada. Todas as

instituições educativas até ao sé-

culo XIX nasceram sobretudo da

Igreja, à exceção da universidade.A ideia existe, mas a evidência his-tórica é de que as escolas eram dasordens religiosas. As que se torna-ram mais proeminentes eram de

uma ordem religiosa em particular,a Companhia de Jesus, que teveescolas de uma qualidade que nãohouve antes, nem depois. Quandodeixou de haver o ensino pré-univer-sitário fornecido pela Companhia de

Jesus, ele foi substituído por basi-camente nada. Em 1759, quando o

marquês de Pombal terminou coma rede de ensino da Companhia de

Jesus, não houve qualquer substi-

tuição. A mim, faz-me um bocadi-nho de confusão o argumento de

que a Igreja é a culpada, não per-cebo como surge. Uma coisa queestudei, as bibliotecas: as grandesbibliotecas do País eram todas demosteiros e conventos. Com umacolega estudámos [este tema] comatenção. Estávamos interessadosem saber quem é que tinha livrosem Portugal. O estudo foi publi-cado em 2016: até ao século XIX,números redondos, eram 500 bi-bliotecas... como é que hei de ex-plicar? Até ao século XIX, esta rede

Page 9: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,

A ideia de que não houve prática científica em Portugal no século XVII é

exagerada. A prática científica em Portugal foi sempre modesta e não deve-

mos fazer ficções sobre o passado. Em segundo lugar, as práticas e as ideias

científicas do século XVl podiam ser dominadas, em grande medida, inde-

pendentemente dos sistemas de ensino. Era possível pôr pessoas com baixos

níveis educativos a fazer atividades cientificamente interessantes.

de mosteiros e conventos, onde se

preservaram massas enormes de

livros, não teve comparação comnenhuma outra realidade. A ordemde grandeza era muito superior.A mesma instituição que acumu-lava os livros, que tinha práticasde leitura bem definidas, regrasde preservação de livros, que tinhauma cultura de paixão pelo livro, é

acusada de ser o travão? Não per-cebo a substância do argumento e

não me parece que seja o problemaprincipal da realidade portuguesa.Houve, sim, uma dificuldade, quenão sei explicar, em ter sistemas de

ensino de qualidade duradouros.

Qual era o objetivo desse estudosobre as bibliotecas?Por razões práticas, começava a serdifícil avançar, já notava isso hámuitos anos, sem perceber muitobem qual era a estrutura do mun-do livreiro em Portugal nos séculos

XV, XIV ou XVII. As ordens religio-sas masculinas foram suprimidas

em 1834 e, até aí, estes foram os

grandes fundos de livros. [Este es-

tudo visou] perceber onde estavamos livros em Portugal. Tinha de se

começar por aqui. Então, fizemos

uma análise a todos estes catálo-

gos, a partir dos inventários, parasaber o que é que estas bibliotecastinham.Os livros existem?Não, muitos perderam-se. Quandoos conventos foram fechados, hou-

ve uma perda livreira imensa. Fo-ram roubados, vendidos. Eu tinhaa ideia de que estes conventos eramrealidades fechadas, mas uma coisa

que me chamou a atenção era a sua

permeabilidade, muitas pessoas iamver as bibliotecas, sabemos isso por-que havia regras para os visitantes.As grandes bibliotecas tinham visi-tas que usavam aqueles livros paraestudar.Abri o volume e encontrei logoum sítio que conheço, um con-vento em ruínas...

Está em ruínas, claro.Tinha 700 livros...Nessa coleção, o inventário regis-ta 700 livros, mas os inventáriosregistavam sempre menos do queaquilo que existia na realidade.Isso perdeu-se tudo?Muito provavelmente. [Nestas bi-

bliotecas] o grosso era teologia, mashavia matemática, botânica, bio-

logia, imensas coisas de geografia,belas letras. Foi uma vida livreiraque Portugal teve e de que já nãohá restos, apenas ruínas dos con-ventos e catálogos das bibliotecas.

Page 10: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,
Page 11: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,
Page 12: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,
Page 13: Press Review pagefiles.quickcom.pt/Files/Imprensa/2020/09-01/0/5_2990206... · 2020. 8. 24. · 40 HENRIQUE LEITÃO PORTUGAL NA UNHA DA HISTORIA Doutorado em Física, Henrique Leitão,