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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CUNHA, MC., org. Gestão Educacional nos Municípios: entraves e perspectivas [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 366 p. ISBN 978-85-232-0586-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Políticas de valorização do magistério público municipal na Bahia e seus impactos sobre o trabalho docente Cristiane da Conceição Gomes de Almeida

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CUNHA, MC., org. Gestão Educacional nos Municípios: entraves e perspectivas [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 366 p. ISBN 978-85-232-0586-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Políticas de valorização do magistério público municipal na Bahia e seus impactos sobre o trabalho docente

Cristiane da Conceição Gomes de Almeida

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Políticas de Valorização do Magistério PúblicoMunicipal na Bahia e seus Impactos

sobre o Trabalho Docente

Cristiane da Conceição Gomes de Almeida1

1 Mestranda do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação daUniversidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

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Introdução

As reformas educacionais, empreendidas no Brasil a partir da décadade 1990, demonstram a estreita relação de suas diretrizes com amaterialização da reconfiguração capitalista no cenário mundial. É nessecenário que emerge a relevância de articular as discussões que vêm sendodifundidas no âmbito acadêmico sobre os efeitos dessas políticas com asespecificidades da implementação das mesmas em municípios baianos.

Os municípios investigados estão situados na Região Nordeste doEstado da Bahia. Entre os critérios de escolha desse campo empírico,destacam-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), grau deurbanização, índices de analfabetismo próximos desses indicadores doEstado da Bahia no ano de 2000 e a proximidade física entre eles. Nacoleta e análise dos dados, utilizou-se o enfoque qualitativo, privilegiandoa utilização de roteiros de entrevistas, observações, além da realização datécnica de grupo focal com gestores educacionais. Esse últimoprocedimento privilegiou a interação coletiva e o debate sobre a gestãoda educação na esfera municipal. Nesse espaço, valorizou-se apossibilidade de emergirem defesas, conflitos e afinidades decorrentes daprática de gestão de políticas educacionais.

O objetivo perseguido nesta exposição consiste em alimentar odebate sobre a efetividade das medidas de valorização do magistériopúblico da educação básica gestadas no contexto das reformaseducacionais, apresentando elementos da materialização dessas políticasem municípios baianos e seus impactos nas condições de trabalhodocente, tendo como categorias norteadoras as discussões sobre: planode carreira; forma de ingresso no sistema público municipal;aperfeiçoamento profissional; piso salarial; progressão funcional; períodoreservado para estudo, planejamento e avaliação de atividades curricularese condições adequadas de trabalho.

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266 O cenário das políticas educacionais no Brasil

Considera-se importante destacar que a implementação dasreformas para o campo educacional nos últimos anos está no bojo de umprojeto mais amplo de reforma do Estado. Nesse sentido, os governosnacionais se colocam com novas incumbências e tornam-se instânciasde fiscalização e de controle das ações que seriam atribuídas às instânciassubnacionais e às iniciativas de mercado.

É nesse contexto que se intensificaram as intervenções deorganismos internacionais no delineamento das políticas nacionais,visando auxiliar o Estado nesse processo de reorganização das suasfunções em atendimento ao novo modelo de Estado difundido pelo ideárioneoliberal.

Compreende-se que a reforma educacional deve acomodar o sistemaeducativo do país aos objetivos nacionais e aos compromissos sociaisassumidos. (POPKEWITZ, 1997) No entanto, no Brasil, foi notória ainterferência externa à realidade nacional no delineamento das diretrizesdas reformas. Essa influência ficou evidente com a assinatura daDeclaração de Jomtien2, em 1990, momento em que as orientações paraeducação foram estabelecidas sob a égide de acordos firmados na esferainternacional. Assim, as reformas que se seguiram atendiam a essasorientações.

A participação do país nesse acordo contraria uma das conquistasdos movimentos sociais e da sociedade civil organizada na década de1980 quanto à elaboração de políticas na perspectiva da democratizaçãoda escola, mediante a universalização do acesso e a gestão democrática,com ênfase na formação do cidadão. (PERONI, 2003)

Assim, nos anos de 1990, a educação ganhou novos contornos, dandonovos significados aos conceitos presentes na formulação das políticas,

2Documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien,na Tailândia, em 1990, também conhecida como Conferência de Jomtien.

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pois essas deveriam estar em consonância com o projeto gerencialproposto e as diretrizes dos organismos internacionais. A partir daísurgiram novas determinações e a qualidade passou a ser entendida comoprodutividade, necessitando mudança de eixo para a busca de maioreficiência e eficácia via autonomia da escola, controle de qualidade,descentralização (de responsabilidades) e terceirização de serviços.(PERONI, 2003, p.73).

É nessa perspectiva que o sistema educacional deverá se adaptar,adotando novas ações na forma de gerir pessoas e processos. Portanto, omagistério público para atuar na educação básica será atingido poralgumas diretrizes propostas nesses acordos. Analisaremos, portanto, osefeitos dessas políticas para o trabalho docente.

O impacto das políticas educacionaisbrasileiras no trabalho docente

O desenvolvimento econômico e industrial no país marca váriossetores da sociedade brasileira, tornando mais evidentes as diversascategorias profissionais que se especificam ou surgem nesse período. Esseprocesso também tem forte influência no campo educacional e,consequentemente, nas condições de trabalho da categoria docente.

Se em meados do século XX, a educação é incumbida de contribuirpara a formação de “Capital Humano” visando ao desenvolvimentoeconômico-industrial do país, o que criou novas demandas para o campoeducacional, especialmente a expansão do ensino básico, a partir da décadade 90, o processo de reestruturação produtiva oriundo da nova etapa docapitalismo e o avanço técnico-científico têm exigido novas demandaspara o campo educacional. No atendimento dessa demanda, os sistemasde ensino precisam adequar-se a esse contexto. Assim, Libâneo ecolaboradores (2007) apontam uma das críticas na perspectiva neoliberal

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É refletindo sobre o modelo capitalista de organização social eatividade produtiva, que Monlevade (2000, p. 77) expõe que os professoresnão têm uma relação direta de trabalho para o capital, pois são assalariadosde fundos públicos, onde, por definição, não se geram lucros nem maisvalia. No entanto, são atores muito ativos na luta de classes e nos processospolíticos de evolução da sociedade. Nesse sentido, fica evidente o papelestratégico da educação como paradigma de transformação das relaçõessociais existentes, e os educadores, como atores importantes no processo,são afetados por políticas públicas cada vez mais reguladoras do seutrabalho, impedindo sua valorização social e profissional.

Durante o processo de redemocratização do país após a ditaduramilitar, desenvolveu-se um período marcado pela participação dosdiversos movimentos sociais, bem como dos sindicatos e outrasorganizações sociais na busca por mais direitos e participação do cidadãona vida política brasileira. Por conseguinte, as lutas sociais seintensificaram num processo no qual se exigiam direitos sociaisigualitários e melhores condições de vida e de trabalho das diferentescamadas sociais. Por seu turno, reivindicações eram debatidas eapresentadas pelas diversas categorias profissionais. É no bojo dessasdiscussões que emergiram e se solidificaram as lutas dos profissionais daeducação, no sentido da garantia e ampliação de direitos e de seremasseguradas melhores condições para o exercício profissional, a seremcontempladas na Constituição Federal de 1988.

Embora algumas garantias para os profissionais do magistériotenham sido incluídas na Constituição, na LDB nº 9.394/96 e em outrosdispositivos legais como direitos a serem assegurados tais garantiasreceberam novos contornos nas reformas educacionais que se sucedem

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na década de 90, por conta dos acordos internacionais e do compromissodo pagamento da dívida externa do país, que concorrem para delimitar osgastos sociais, especialmente da educação. Desse modo, a educaçãopública passa a ser vista como uma prestação de serviço e não como umdireito do cidadão com vistas a garantir o desenvolvimento social do país.

Apesar de a Constituição Federal brasileira prever como base doensino público, dentre outros, o princípio da valorização dos profissionaisda educação, garantindo-lhes planos de carreira com piso salarialprofissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas etítulos (art. 206, inciso V), essas garantias são postergadas, pois suaconcretização é remetida a leis posteriores. Assim, dá-se início a umanova fase de intensas mudanças nos diversos setores da sociedade, ondea educação deve atender às exigências da reestruturação produtiva ereforma do Estado. É válido ressaltar o que afirmam Frigotto e Ciavatta(2003, p. 96), quando escrevem que

[...] os protagonistas destas reformas seriam os organismosinternacionais e regionais vinculados aos mecanismos demercado e representantes encarregados, em última instância,de garantir a rentabilidade do sistema capital das grandescorporações e regionais vinculados aos mecanismos demercado e representantes das empresas transnacionais e dasnações poderosas onde aquelas têm suas bases e matrizes.Nesta compreensão, os organismos internacionais, como oFundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial(BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento(BID) e o Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (PNUD) passam a ter o papel de tutoriaras reformas dos Estados Nacionais, mormente dos países docapitalismo periférico e semi-periférico.

O Banco Mundial vê a educação como um problema econômico,que tem um papel decisivo tanto no crescimento econômico de um paíscomo na redução da pobreza. (LIBÂNEO et. al., 2007) Nesse sentido, oBanco publica um documento em 1995 com diretrizes políticas cujo

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270 objetivo maior seria eliminar o analfabetismo nos países de baixaescolaridade até o final do século, para aumentar a eficácia do ensino emelhorar o seu rendimento. No documento, o Banco recomendava areforma do financiamento e da administração da educação, começandopela redefinição da função do governo e pela busca de novas fontes derecursos. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2004)

Seguindo esses ditames, o Estado brasileiro desenvolveu uma sériede reformas no setor educacional. Nesta direção, os municípios sãoconvocados a assumir novos papéis nesse contexto, em decorrência dosprincípios de descentralização, constantes dessas propostas, que ostornam unidades administrativas com vista à execução de políticastraçadas pelo poder central, sendo eles os responsáveis diretos porimplantar políticas que venham a valorizar os profissionais do magistérioe melhorar os indicadores educacionais de aprendizagem. Contudo, asorientações para este processo e a destinação dos recursos financeirospermanecem sob responsabilidade do Governo Central. Essas orientaçõesincidem no trabalho docente em alguns aspectos específicos: nainsuficiência de recursos para equalizar questões de formação eremuneração, bem como na melhoria da infraestrutura, nas condiçõesde trabalho e na disponibilidade de recursos materiais. Além disso, nasinstâncias locais se acirram as disputas políticas e os embates ideológicos,repercutindo nas definições das ações e na destinação dos recursospúblicos. Desconsiderar essas variáveis pode ser caracterizado como umaestratégia política para justificar as mudanças efetuadas que se tornamcomuns à maioria dos municípios brasileiros.

Além das questões mencionadas, a discussão sobre a identidadedocente e o processo de formação se sobressai. Brzezinski (2002) chamaa atenção para o fato de que consta na legislação, em termos do perfilesperado do professor uma concepção fragmentada da sua identidade.Segundo a autora, esta se encontra dispersa em várias partes dos diplomaslegais que tratam da questão, daí a dificuldade sentida nos cursos que

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preparam este profissional de associar a sua formação com a suaidentidade. Colabora com isto o perfil que tem sido recentementedesenhado para o professor, mais associado às funções técnicas comênfase na transmissão de conteúdos, sem considerar a sua necessidadede atualização e produção do conhecimento, inclusive para aperfeiçoar asua própria prática. A política educacional brasileira neste sentido tem secomportado na direção de apoiar o surgimento de cursos de formação domagistério em instituições essencialmente dedicadas ao ensino.

Neste âmbito, emerge a necessidade de uma política de formação deprofessores que considere a construção de sua identidade profissionalcomo cientista e pesquisador da educação, além de não reduzi-lo a merotarefeiro, chamando-o de profissional. (KUENZER, 1999)

As condições de trabalho do professor também merecem uma atençãoespecial nessa discussão. As condições geralmente vigentes proporcionam,além do abandono do magistério por parte de boa parte desses profissionais,outras situações precárias: o stress do professor, a situação de insatisfação dotrabalho docente e suas consequências sobre as práticas curriculares. Outrosfatores dificultam o trabalho de qualidade na escola, como a rotatividade depessoal, a multiplicidade de tipos de vínculos empregatícios, e a decorrenteextensão da jornada de trabalho docente. (GOUVEIA et al., 2006)

Na atualidade, segundo Dalila Oliveira (2004), as condições detrabalho do professor envolve arrocho salarial, a inadequação ou mesmoausência, em alguns casos, de planos de cargos e salários, a perda degarantias trabalhistas e previdenciárias oriunda dos processos de reformado aparelho de Estado, que têm tornado cada vez mais agudo o quadro deinstabilidade e precariedade do emprego no magistério público. Concorrepara essa precarização, segundo as autoras Maria Sampaio e Alda Marin(2004), elementos geralmente presentes na organização escolar como:a carga horária excessiva e diversificada entre os professores, o tamanhodas turmas e a rotatividade dos professores. Essa situação fica expressa,através da perda da autonomia, do controle sobre o processo de trabalho

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272 e da noção de integridade do processo, no qual o professor passa a executarapenas uma parte, alienando-se da concepção. (OLIVEIRA, 2004)

Nesse processo, o professor também vem perdendo a sua identidadeprofissional que é um elemento fundante de uma profissão. Para Nóvoa,além da formação inicial e continuada, para o processo deprofissionalização do docente são necessários outros componentes: oexercício de atividades em tempo integral, o estabelecimento de umsuporte legal para o exercício da profissão, um conjunto de normas evalores e de um corpo de conhecimentos e técnicas de instrumentação,que identifiquem o profissional, a constituição de associações de classe eo controle de admissão dos membros pelos próprios pares. (NÓVOA,1991 apud BRZEZINSKI, 2002)

A questão da profissionalização docente não se refere apenas àdimensão técnica, mas a um esforço da categoria para realizar mudançastanto no seu trabalho pedagógico como na sua posição na sociedade.Nesse sentido, cumpre observar que a profissionalização do magistérioenvolve, dentre outros aspectos, sólida formação inicial e continuada alémde condições de exercício profissional, considerando a construção de umestatuto social e econômico. (VEIGA, 1998 apud PAPI, 2005, p. 31) Aprecarização por essa via significa a pauperização da vida pessoal doprofessor nas suas relações entre vida e trabalho, principalmente no quetange ao acesso aos bens culturais, imprescindíveis para a sua atualizaçãoe para o planejamento e execução das suas atividades pedagógicas.

As questões apontadas até aqui evidenciam algumas condiçõesnecessárias à valorização dos profissionais do magistério que sãonegligenciadas ou que ainda não têm alcançado grandes resultados naaplicação das políticas. Na verdade, as próprias políticas não sãoimplantadas de forma integrada, pois dentro dessa política denominadade valorização do magistério, são traçadas políticas focalizadas paraatender a cada mecanismo, como por exemplo, as denominadas políticasde formação, política de salário, etc. Mas, cabe destacar quais seriam as

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principais fontes de uma política efetiva de valorização do magistério naopinião de João Monlevade (2000, p. 271-272):

Da formação intelectual e ética do professor para os desafios doseu trabalho com crianças, adolescentes, jovens e adultos doBrasil real [...].

Da constituição de uma identidade profissional (e não de váriassubcategorias que se estranham), dada não só pelo sabercientífico como pela luta e organização sindical, que redundeem auto-estima e reconhecimento social.

De uma decisão política do Estado para tirar os entraves queimpedem nas condições de hoje o pagamento pelos Estados eMunicípios de salários dignos balizados por um PSPN [PisoSalarial Profissional Nacional] calculado para a jornada integrale a dedicação exclusiva do professor na escola.

Tendo em vista essa discussão teórica e a elucidação dos mecanismosque concorrem para a valorização da carreira docente e para tornaremefetivas as dificuldades da identidade profissional da categoria ocupacionalque lida com a educação, partiremos para a análise das experiências dosmunicípios baianos, alvo desta investigação realizada com este objetivo.

As políticas de valorização do magistério públicoem alguns municípios baianos

Com as incumbências recebidas do governo federal na execução depolíticas, os municípios têm que desenvolver ações que venham a valorizaros profissionais do magistério e melhorar os indicadores educacionais deaprendizagem. Torna-se relevante destacar que relatórios apresentadospor organismos internacionais com diagnósticos sobre a educação nospaíses subdesenvolvidos apontam como um dos maiores problemas para

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274 o processo do ensino, nesse contexto, a prática pedagógica do professor,evidenciando a tentativa de responsabilizá-lo pelo fracasso educacional.As iniciativas de avaliação de docentes e dos estudantes nos variadosníveis de ensino têm servido, a nosso ver, de forma equivocada, comoestratégia para culpabilizar os educadores pelos resultados dos testeseducacionais, sem as devidas referências às múltiplas variáveis queincidem sobre a ação docente na realidade educacional brasileira.

Na direção de valorizar o profissional da educação, a LDB nº 9.394/96, em seu artigo 67, estabelece alguns mecanismos com essa finalidade aserem implantados pelos sistemas de ensino, que devem ser asseguradosnos estatutos e nos planos de carreira do magistério público, tais como:ingresso por concurso público de provas e títulos; formação continuada,inclusive com licenciamento periódico para esse fim; piso salarialprofissional; progressão profissional baseada na titulação ou habilitação,e na avaliação de desempenho; período reservado a estudos, planejamentoe avaliação, incluídos na carga horária de trabalho, além das condiçõesadequadas de trabalho.

Os municípios constantes da pesquisa apresentam situaçõessemelhantes sobre as ações voltadas ao magistério público, variando emrelação à dinâmica de implementação e a capacidade de gestão dessasações, especialmente no tocante à questão financeira.

As informações coletadas possibilitaram perceber que algumaspolíticas foram implantadas oficialmente. Mas, os sistemas municipaistêm encontrado dificuldades de várias ordens para sua implementaçãoefetiva, principalmente a de ordem financeira.

Um exemplo dessa dificuldade envolve a elaboração de planos decarreira e estatuto do magistério. Nesses municípios observou-se umasubstituição oficial do plano de cargos e salários pelo plano de carreira, amaioria deles em fase de reformulação por não contemplar algunsaspectos da legislação federal, como progressão na carreira, avaliação dedesempenho do professor, garantia de tempo para estudos e planejamento,

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piso salarial condizente com a formação, etc. Esses planos, após mais de dezanos de aprovação da LDB e da Resolução CNE/CEB nº 03/97, que fixa asdiretrizes para elaboração dos mesmos, não tem sido concretizados. Emesmo nesse processo de reformulação, alguns aspectos supracitados sãocomplexos na sua compreensão e implementação, razão por que muitasgarantias podem não ser contempladas nas mudanças dos planos.

O plano de carreira é um importante ponto da valorização domagistério público, pois trata de questões básicas da profissão docente,dentre estas, a forma de progressão na carreira, qualificação de professores,jornada de trabalho, condições de trabalho, número de alunos por turma,além do salário, entre outras questões. Assim, o plano de carreira é vistocomo um

[...] conjunto de normas que definem e regulam as posiçõesnas quais se organizam os cargos efetivos de determinadaatividade profissional, as condições e o processo demovimentação dos titulares desses cargos, estabelecendo aprogressão funcional e a correspondente evolução daremuneração. (BRASIL, 2005)

Nos casos observados está em questão como se constituiria umacarreira de magistério, que é uma discussão ainda sem solução e que osmunicípios também não sabem como proceder.

Apesar de os planos de carreira dos municípios investigadoscontemplarem oficialmente a progressão na carreira do magistério ficaevidente a dificuldade dos sistemas em implementar essa medida. Esteitem não é desenvolvido no documento legal a ponto de esclarecer comose dará essa progressão, mesmo que seja garantida a gratificação sob osalário através da conclusão de cursos de formação. Neste sentido, existeuma discussão entre as representações dos professores e os setores dogoverno para que essa progressão se dê através de critérios que sãoestabelecidos nas diretrizes para elaboração dos planos de carreira.

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276 De mesma importância na valorização dos profissionais do magistériopúblico é sua inserção no quadro permanente do sistema através deconcurso público de provas e títulos. Nos cinco municípios pesquisados,detectou-se a precarização do exercício do magistério em decorrência doestabelecimento dos contratos temporários de prestação de serviços. Essescontratos são estabelecidos no prazo de duração do período letivo,ausentando os municípios das responsabilidades com o pagamento de férias,13º salário e outras gratificações atreladas à qualificação profissional. A basepara o valor pago aos professores que são contratados para lecionar emescolas públicas municipais, em geral, tem sido o salário mínimo. Essescontratos são concedidos por determinação do gestor municipal e, porvezes, são utilizados como forma de atendimento a acordos políticos. Dessemodo, a qualificação desses profissionais não se constitui em requisitoprincipal na seleção dos contratados. Além disso, os contratos temporáriosfuncionam como instrumento que dificulta a realização de concursospúblicos para preenchimento de vagas para o quadro efetivo do município.

Ainda assim, os sistemas municipais de ensino enfrentam problemasna realização de concursos, pois os gestores recorrem à questão da ausênciade recursos financeiros como empecilho, além da responsabilização comrelação aos limites de gastos com pagamento de pessoal a partir dasdeterminações da Lei de Responsabilidade Fiscal3.

A ausência de concursos públicos e a contratação de mão de obratemporária para as atividades de ensino contrastam com a ideia de vínculo,com o projeto pedagógico da escola, com o envolvimento com acomunidade, com a organização coletiva da categoria, além de proporcionarinstabilidade no clima escolar e no trabalho do profissional contratado.

3 Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, intitulada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelecenormas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, mediante ações em que seprevinam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, destacando-se oplanejamento, o controle, a transparência e a responsabilização como premissas básicas. Disponível em:http://www.stn.fazenda.gov.br/hp/lei_responsabilidade_fiscal.asp.

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Nesse contexto, o salário constitui além de incentivo à profissão, emoportunidade de crescimento profissional e pessoal. Segundo Monlevade(2000, p. 269), “[...] o salário não é determinante da valorização doprofessor. Mas ele expressa, simboliza, manifesta como que um grau devalorização. E o sustenta materialmente”.

Assim, a questão salarial envolve debates intensos e consta comoum dos temas da política educacional em discussão no cenário nacional.Setores significativos da sociedade defendem que cabe ao governo federalo estabelecimento do piso salarial profissional para professores. Nessesentido, existe uma discussão histórica entre a categoria dos profissionaisda educação e os setores do governo, com o anúncio recente deautoridades do governo federal reportando-se a aprovação de um pisosalarial de 950 reais4. Cabe destacar que os municípios estudados napesquisa apresentam como piso salarial para professores o salário mínimovigente para uma jornada de 20h, mais alguns adicionais financeiros. Destaforma, nas entrevistas com os profissionais dos sistemas municipais deensino, estes não consideravam a aprovação desse piso como indício devalorização, inclusive os professores da região já alcançavam valor maiorque esse piso em 40 horas de trabalho semanais. Assim, algumas questõesde gestão se colocam aos municípios: quanto pagar aos professores deseu sistema de ensino já que a maioria deles se enquadra no regime de20h semanais? Como pagar melhores salários sem o devido aporte derecursos financeiros?

A formação dos profissionais do magistério é priorizada nas políticaseducacionais dos municípios. Os sistemas municipais de ensino tiverama iniciativa de atender ao requisito indicado principalmente na LDB/96e no Plano Nacional de Educação/2001, que determinam que todos osprofissionais do ensino devem ter formação de nível superior. No entanto,

4 Piso salarial regulamentado pela Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que institui o piso salarial profissionalnacional para os profissionais do magistério público da educação básica.

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278 os dados coletados constatam que tal formação tem sido feita com programasaligeirados, em convênio com escolas de ensino superior particulares, quenormalmente ministram o ensino a distância e sem as condiçõesimprescindíveis para tal. A política educacional brasileira, neste sentido,tem se comportado na direção de apoiar o surgimento de cursos de formaçãodo magistério em instituições essencialmente dedicadas ao ensino edesvinculadas da pesquisa.

De fato, esta situação está em consonância às diretrizes do BancoMundial para a formação de professores. Reforçam os argumentos deque estas práticas de formação em instituições privadas colaboram para amercadorização da educação, e nesse aspecto, especificamente, sendofinanciada pelos cofres públicos. Mas cabe destacar que a região contacom apenas um Campus da Universidade Pública Estadual, que possuitrês cursos (letras, história e comunicação social) e que, segundo osgestores municipais, os custos de formação através de convênios comuniversidades públicas não se encaixam no orçamento dos municípiospara a educação. Assim, cabe questionar: a formação de professores emnível superior nesses municípios tem atendido aos objetivos de melhoriado trabalho docente e da qualidade de ensino?

Mesmo com essas iniciativas, as políticas de formação adotadas nãotêm atendido às demandas dos municípios constantes desta pesquisa,como da região a qual pertencem, pois ainda são alocados professores doquadro em área diversa da sua formação. Além disso, os cursos adotadospelos municípios para formação de seus profissionais de ensino em nívelsuperior atendem simplesmente ao requisito de menor custo, ou seja,cursos a distância, em determinadas áreas do conhecimento que nemsempre são as necessitadas pelo sistema de ensino. Assim, algumas áreascontinuam negligenciadas, como é o caso da física, da química e damatemática.

Cabe destacar, nesse processo, que os municípios concedem auxíliofinanceiro aos professores que ingressam nos cursos superiores,

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geralmente no valor de 50% das mensalidades, incorporadas comogratificação salarial, para que estes possam fazer os cursos nas instituiçõesde ensino conveniadas, que são instituições de ensino superior privadas.

O resultado visível dessa política é uma gama de profissionaislicenciados ou em processo de formação no nível superior nessesmunicípios, mas ainda com demanda nas áreas críticas. Além disso, osentrevistados relatam que foram pequenas as mudanças nas práticasprofissionais, pouco interferindo na dinâmica das instituições de ensinoàs quais pertencem. Assim, pode-se deduzir que a formação docente tematendido a uma demanda por certificação e não tem servido nem àmelhoria da qualidade de ensino nem à valorização de seus profissionais.

Algumas ocorrências merecem destaque na realidade dessesmunicípios no que se refere às condições de trabalho, das quais é possívelcitar: a rotatividade de pessoal, a multiplicidade de tipo de vínculosempregatícios, e a decorrente extensão da jornada de trabalho docente.Essas condições evidenciam a precariedade das condições profissionaisdo docente nesses municípios.

Assim, devido a uma política adotada pelos municípios da região emrealizar concursos e contratar professores com jornada de 20h – quandoa legislação nacional indica a contratação de profissionais com maiordedicação ao cargo, de preferência com turnos na mesma escola –, muitosprofissionais acabam por estabelecer vínculos com dois e até três sistemasmunicipais de ensino.

Além dessas questões, a assistência pedagógica oferecida aosprofessores não atende às demandas, pois a coordenação pedagógica écentrada nas Secretarias Municipais de Educação, ficando inviável fazerum acompanhamento da realidade de cada escola, principalmenteconsiderando as carências dos professores em termos pedagógicos.

Outra questão de grande relevância: os professores da educaçãoinfantil e das séries iniciais do ensino fundamental não possuem, em suacarga horária de trabalho, horário reservado para estudos, planejamento

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280 e avaliação, como preveem os marcos legais. Nesse sentido, os entrevistadosadmitem que a destinação de parte da carga horária para outras atividadesque não o ensino acarretaria o não cumprimento dos dias letivos e da cargahorária prevista no ano. Assim, os gestores optaram por compensar comgratificações para que o professor possa planejar fora do seu horário detrabalho.

Quanto à participação do professor na gestão da escola, os sistemastêm tomado iniciativas no sentido de favorecer a participação dosdocentes na elaboração da proposta pedagógica e em atividades com acomunidade escolar. No entanto, ainda de forma incipiente e através dosórgãos formais de representação nas escolas, tais como Conselho Escolar,Caixa Escolar e Colegiado Escolar. Foi relatado pelos entrevistados forteresistência dos professores em participar desse processo, como parteimportante no processo de definição de política interna da escola. Mas,por outro lado, destacam que os professores alegam falta de tempo parauma participação efetiva no processo.

Desse modo, identifica-se um paradoxo, no qual as políticaseducacionais defendem o princípio da participação, mas a estruturaburocrática dos sistemas municipais apresenta elementos que vão deencontro a essa prática, a exemplo da não definição de tempo reservado aessa participação e que esteja incluso na carga horária de trabalho doprofessor. Não há como exigir envolvimento do profissional com asquestões da instituição de ensino se toda sua carga horária é destinada aatividade de ensino.

Todas estas questões concorrem para a desvalorização da carreiradocente.

Algumas conclusões

Fica evidente a minimização da ação do Estado nos municípiosestudados para que se concretize a valorização do magistério nos sistemas

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de ensino. Isso pode demonstrar o reconhecimento do potencial detransformação que a educação exerce nesse cenário de contradições, dedesigualdades e de tentativa de manutenção da estrutura social vigente.

Levando em conta os dados analisados nesta pesquisa é característicados municípios estudados a dificuldade na gestão e implantação depolíticas que venham a melhorar a educação e a valorizar seus profissionaisde ensino. Essa afirmação se justifica por duas razões: a primeira refere-se ao modo como os gestores municipais incorporam o discurso oficialdo Governo Central, segundo o qual o problema da educação brasileirase liga especificamente à formação dos professores. A partir dessa formade explicação, estes profissionais são culpabilizados pelo fracasso dosistema no que se refere aos baixos indicadores de aprendizagem dosalunos.

A outra razão advém do discurso dos gestores em afirmar que não hácomo concretizar políticas de valorização dos trabalhadores docentespor falta de recursos financeiros, surgindo outro fator nesse processo,que é a falta de apoio efetivo da União na implantação das reformas queforam definidas no âmbito central, para a execução pelos municípios.

Dessa maneira, a adoção das políticas para o magistério na realidadeem foco nos permite constatar a distância entre o discurso oficial devalorização docente propagado e a realidade das práticas desenvolvidasnos municípios. Verifica-se, portanto, que a intenção de implementarpolíticas para o magistério esbarra em deficiências em termos financeiros,além das dificuldades geradas pela complexidade que assume a gestão dosrecursos humanos, materiais e de infraestrutura nas instânciasmunicipais.

As políticas de valorização implementadas têm auxiliado o processode fragmentação da identidade profissional e não tem combatido aprecarização do trabalho docente. Essa situação reflete na própriaconstituição do pensar criticamente, agir na perspectiva da transformaçãosocial e lutar por melhores condições de vida e de trabalho.

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282 Eis o grande desafio para as políticas de valorização dos profissionaisda educação básica: tornar o discurso oficial efetivo na realidade,articulando as possibilidades técnicas, financeiras e políticas de suamaterialização, tendo como foco a superação das questões postas noscontextos locais.

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