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15 POLITICAL AND MILITARY GOALS OF THE IRAQ WAR – A CLAUSEWITZIAN ANALYSIS OF NORTH AMERICAN OPERATIONS OBJETIVOS POLÍTICOS E OBJETIVOS MILITARES DA GUERRA DO IRAQUE (2003-2011): UMA ANÁLISE CLAUSEWITZIANA DA ATUAÇÃO NORTE-AMERICANA Lucas Amaral Batista Leite - PHD ongoing in International Relations - San Tiago Dantas Program – UNICAMP / UNESP / PUC – SP – [email protected]

POLITICAL AND MILITARY GOALS OF THE IRAQ WAR A ... · A partir desse momento, diversas tentativas de demonstrar que o regime iraquiano procurava obter armas de destruição em massa

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POLITICAL AND MILITARY GOALS OF THE IRAQ WAR – A

CLAUSEWITZIAN ANALYSIS OF NORTH AMERICAN OPERATIONS

OBJETIVOS POLÍTICOS E OBJETIVOS MILITARES DA GUERRA DO

IRAQUE (2003-2011): UMA ANÁLISE CLAUSEWITZIANA DA

ATUAÇÃO NORTE-AMERICANA

Lucas Amaral Batista Leite

- PHD ongoing in International Relations - San Tiago Dantas Program – UNICAMP / UNESP /

PUC – SP – [email protected]

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OBJETIVOS POLÍTICOS E OBJETIVOS MILITARES DA GUERRA DO

IRAQUE (2003-2011): UMA ANÁLISE CLAUSEWITZIANA DA

ATUAÇÃO NORTE-AMERICANA

ABSTRACT

The Iraq War showed peculiarities in its planning and execution. In

this paper we seek to understand the context in which each of these elements

were originated and achieved, with a history of the conflict and major decisions

regarding the intervention process by the U.S. government of the former

President George W. Bush. Through the Carl von Clausewitz´s concepts, we

use the distinction between military objectives and political goals in order to

trace the limits of U.S. stocks and the changes over the war and how they

adapt or not based on the scenario presented in the period after invasion. Our

hypothesis is that the Bush administration, whose office had a more

conservative formation with individuals like Donald Rumsfeld and

Dick Cheney, was unable to assess the conditions which would have to

deal after removing Saddam Hussein from power. Thus, confused military

objectives with political goals, assuming the regime change as the only

goal needed to stabilize the country, the region and hence the construction

of peace and an example of democracy.

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Keywords: Iraq War; George W. Bush; Clausewitz; Preventive war; Regime

Change.

RESUMO

A Guerra do Iraque apresentou peculiaridades no seu planejamento e

execução. Nesse trabalho, procuramos entender o contexto em que cada um

desses elementos se originou e concretizou, apresentando um histórico do

conflito e das principais decisões relativas ao processo de intervenção pelo

governo norte-americano do ex-presidente George W. Bush. Por meio dos

conceitos de Carl von Clausewitz, usamos da distinção entre objetivos militares

e objetivos políticos a fim de traçar as limitações das ações norte-americanas

bem como as mudanças ocorridas ao longo da Guerra e como elas se adaptaram

ou não ao cenário apresentado no período posterior à invasão. Nossa hipótese é

a de que o governo Bush, cujo gabinete tinha uma formação mais conservadora,

com indivíduos como Donald Rumsfeld e Dick Cheney, não soube avaliar as

condições com as quais teria que lidar depois de retirar Saddam Hussein do

poder. Dessa forma, confundiu os objetivos militares com os objetivos políticos,

assumindo a mudança de regime como a única meta necessária à estabilização

do país, da região e, consequentemente à construção da paz e de um exemplo

de democracia.

Palavras-chave: Guerra do Iraque; George W. Bush; Clausewitz; Guerra

preventiva; Mudança de regime.

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INTRODUÇÃO

Esse artigo tem o objetivo de analisar a Guerra do Iraque (iniciada em

2003 pelo governo Bush) por meio do pensamento do general prussiano Carl

von Clausewitz, de acordo com o que expôs em sua obra Da Guerra (2010). Para

tanto, iniciaremos nosso trabalho apresentando os conceitos clausewitzianos

que nos permitirão prosseguir em nossa análise: a distinção entre objetivos

políticos e militares, essencial para que possamos entender o processo inicial de

tomada de decisão relacionada ao conflito em questão.

Em um segundo momento, traremos o histórico da Guerra do Iraque à

discussão no intuito de identificarmos possíveis elementos que correspondam

àqueles previamente discutidos na teoria de Clausewitz e, enfim, apresentar

nossas conclusões a respeito das ações militares que resultaram na mudança de

regime e derrubada do poder de Saddam Hussein.

É imperativo lembrar que a Guerra do Iraque é um conflito muito

recente. Dessa forma, tanto as análises específicas que tratam dos meios

empregados na guerra quanto as consequências desse conflito ainda são

pesquisados por diversos analistas, não cabendo aqui explorar – e nem se

trataria de nosso objetivo – toda a extensão dessa intervenção levada a cabo

durante o governo norte-americano. Lembramos ainda que a obra de

Clausewitz é deveras extensa e, por isso, não seria prático nem adequado

abordar todos os seus conceitos, mantendo o foco na distinção entre objetivos

políticos e objetivos militares, central para nossa análise.

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A DISTINÇÃO CLAUSEWITZIANA DE OBJETIVOS POLÍTICOS E OBJETIVOS

MILITARES

Da Guerra (2010) é considerado uma das mais importantes obras

relacionadas ao estudo do fenômeno da guerra e de sua consecução

(RODRIGUES, 2010). Seu autor, Carl von Clausewitz (1780-1831), foi diretor da

Escola de Guerra prussiana em um período em que a Europa passou por

diversas mudanças no que diz respeito à formação dos exércitos de então, como

as Guerras Napoleônicas e a efervescência em torno de demandas nacionalistas

e contrárias ao Antigo Regime (HOBSBAWM, 2010).

De acordo com Thiago Rodrigues (2010), apesar de Clausewitz não ter

chegado a uma posição de destaque no Estado-Maior de sua nação, “o sucesso

do modelo militar prussiano foi associado à sua obra” (p.100). Assim, o

oficialato europeu e norte-americano teria sido influenciado fortemente por

suas ideias desde então, reflexo de que mesmo após tantos anos, seus conceitos

ainda conseguem explicar boa parte da lógica por trás do conflito, sendo

relembrado por autores como Raymond Aron e Edward Luttwak, por exemplo, e

sem o intuito aqui de fazer uma lista extensa.

Dentre as diversas contribuições que Clausewitz trouxe aos estudos da

guerra nas Relações Internacionais, podemos citar o papel que o ataque e a

defesa exerciam na lógica de combate, a influência do terreno no teatro de

guerra, o elemento da surpresa, entre vários outros. Para a análise que

buscamos construir nesse trabalho, cabe uma explicação melhor elaborada

sobre a distinção que existiria entre objetivos políticos e objetivos militares.

20

Para Clausewitz (2010), a guerra seria por si só um fenômeno

indistintamente político. Uma vez que diferentes países buscariam impor seus

interesses e forçar seus adversários a submeterem-se às suas vontades, o uso

da força se constituiria como elemento indispensável para a obtenção dos

objetivos políticos (os interesses) traçados. “A violência – isto é, a violência física

(uma vez que a violência moral não existe fora dos conceitos de Estado e Lei) –

constitui, portanto, o meio; o fim será impor a nossa vontade ao inimigo”

(CLAUSEWITZ, 2010, grifo do autor, p.8)

A utilização da violência, aqui explicitada, seria apenas o meio de atingir

aquilo que se configuraria como objetivo político; isto é, para tanto, objetivos

militares seriam perseguidos com vistas ao objetivo político, este sim

determinante na lógica do uso da força.

Vemos, pois, que a guerra não é somente um ato

político, mas um verdadeiro instrumento político, uma

continuação das relações políticas, uma realização destas

por outros meios. O que se mantém sempre característico

da guerra releva puramente da especificidade dos meios

que ela põe em prática (CLAUSEWITZ, 2010, p.27).

A centralidade do argumento clausewitziano é de extrema importância

para que, após a apresentação do contexto em que se concretizou a Guerra do

Iraque, possamos estabelecer os vínculos existentes entre os objetivos militares

alcançados pelo governo Bush e os objetivos políticos apresentados por ele. A

partir daí, buscaremos compreender se houve de fato o uso de objetivos

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militares para atingir os objetivos políticos destacados ou se estes se perderam

em meio à vitória puramente militar. Nossa meta se baseia em que “a guerra é

apenas uma parte das relações políticas, e por conseguinte de modo algum

independente” (CLAUSEWITZ, 2010, p.870), ou seja, um Estado que usa de

meios violentos o faz com fins a atingir objetivos políticos.

Dessa forma, abordaremos na próxima seção como se desenrolou a

invasão norte-americana no Iraque; procuraremos demonstrar como ela se

insere na política externa dos Estados Unidos no período e quais as

consequêcias de curto prazo. Depois disso, entraremos no mérito da análise da

atuação norte-americana por meio do embasamento teórico da obra

clausewitziana.

A GUERRA DO IRAQUE

Já no ano de 2002, pouco tempo após a invasão do Afeganistão, a

possibilidade de mais uma investida na Ásia Central começou a ser cogitada

pelo governo norte-americano (FEITH, 2008). Tratava-se do Iraque de Saddam

Hussein, considerado pelos neoconservadores como principal ameaça à

estabilidade no Oriente Médio e à segurança dos Estados Unidos. Integrantes da

administração Bush, especialmente o Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, e

o vice-presidente, Dick Cheney, juntamente às publicações e think tanks

neoconservadores passaram a associar o regime de Saddam Hussein à rede

terrorista Al Qaeda e seu líder, Osama bin Laden (KAUFMANN, 2004).

22

Depois do anúncio da nova doutrina estratégica

norte-americana, a pressão por uma ofensiva militar

contra o regime de Saddam Hussein parece ser quase um

pretexto para que Washington imponha ao resto do

mundo um unilateralismo baseado na força militar

(PEIXOTO, 2002).

A partir desse momento, diversas tentativas de demonstrar que o regime

iraquiano procurava obter armas de destruição em massa foram exploradas na

mídia e no Congresso norte-americano a fim de conseguir apoio a mais uma

ação militar. De acordo com Nasser & Teixeira (2010), o Iraque seria o início de

reconfiguração do Oriente Médio a fim de que os países da região enxergassem

na mudança para a democracia o elemento necessário à ordem e à estabilidade

da região. Após intenso debate, mas especialmente devido à maioria

republicana no Congresso, o presidente Bush conseguiu um mandato para

iniciar mais um conflito.

Para vender a guerra do Iraque à mídia e ao povo

Americano, (…) a Casa Branca moldou o debate em três

frentes: as armas de destruição em massa de Hussein

configuravam uma ameaça iminente (o quadro das ADMs);

o povo do Iraque deveria ser libertado de um ditador cruel

(o quadro da libertação); e Hussein patrocinava atividades

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terroristas (o quadro terrorista) (DAVIDSON et al, 2008,

p.470, tradução nossa1).

Apesar de ter procurado apoio internacional a esta nova empreitada, o

governo Bush não obteve grande sucesso. Diversos países europeus,

notadamente Alemanha e França, contestaram a necessidade de uma

intervenção direta em forma de ação militar e alegaram que a via da contenção

por meio de organismos internacionais era a melhor saída para resolver o

problema – a suposta obtenção de ADMs por Saddam (PECEQUILO, 2005).

As Nações Unidas e o Conselho de Segurança emitiram a Resolução

nº1441, considerada dúbia e pouco objetiva em relação ao tema (PECEQUILO,

2005; KAUFMANN, 2004; BOIO, 2009), mas de qualquer forma, o presidente

Bush já havia conseguido seu mandato no Legislativo do seu país e não hesitaria

em manter o discurso de que se o Iraque não cedesse às pressões norte-

americanas e desistisse das supostas ADMs, a mudança de regime aconteceria

sem demoras. De acordo com Kaufmann (2004), a alegação de que o Iraque

detinha ADMs tinha o objetivo de criar um cenário ainda mais aterrorizante que

os atentados de 11 se Setembro, a fim de legitimar a intervenção.

Em março de 2003, o governo Bush intimou Saddam Hussein a deixar o

poder ou sofrer as consequências da invasão de seu país. Os ataques a Bagdá

não tardariam a ser iniciados e, em pouco tempo, as tropas norte-americanas já

dominavam o país. Assim,

1 To sell the Iraq war to the American media and people, Caroline Heldman has explained, the White House framed the debate in three ways: Hussein´s weapons of mass destruction posed and imminent threat (the WMD frame); the Iraqi people should be freed from a cruel dictator (the liberation frame); and Hussein sponsored terrorist activities (the terrorist frame).

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[a] Operação Liberdade Iraquiana (OLI) começou

pouco depois das três horas da madrugada do dia 20 de

Março, horário de Bagdá, com um ataque aéreo sobre

Dora Farms, um local na região de Badgá onde a CIA2

pensou (erroneamente, como se viu mais tarde) que

Saddam estaria encontrando com seus oficiais mais

graduados. Em poucas horas, Forças de Operações

Especiais entraram no Iraque pelo sul e oeste, seguidas

rapidamente por uma campanha aérea e uma invasão

terrestre por soldados e fuzileiros navais americanos e

britânicos entrando no Iraque pelo Kuwait (FEITH, 2008, p.

392, tradução nossa3).

A operação foi considerada um sucesso, com declarações do Presidente

Bush de que “[...] os resultados representavam uma vitória no combate ao

terrorismo que havia se iniciado em 11 de setembro de 2001” (LOPES, 2009,

p.232). A alusão faz parte de um contexto ainda maior, do que foi construído

como uma ofensiva da “guerra ao terror”, no qual certos Estados ocupariam

papel de instabilidade no cenário internacional com supostos “santuários” para

2 Central Intelligence Agency (Agência de Inteligência Central) 3 Operation Iraqi Freedom (OIF) began sometime after 3:00 A.M. on March 20, Baghdad time, with an air strike on Dora Farms, a site in the Baghdad region where the CIA thought (erroneously, as it turned out) that Saddam was meeting with his top lieutenants. Within hours Special Operations Forces entered Iraq from the south and the west, followed quickly by an air campaign and a ground invasion by a force of American and British soldiers and marines entering Iraq through Kuwait.

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grupos terroristas. Por isso, a conexão entre a derrubada de Saddam Hussein e

uma vitória no combate ao terrorismo busca estabelecer um objetivo político de

difícil aceitação pelo público (SCHONBERG, 2009).

No entanto, o conflito mostrou-se mais complexo do que o esperado e,

assim como no Afeganistão, grupos insurgentes começaram a se organizar e

diversos atentados suicidas aconteciam em todo o país. A partir deste

momento, os principais críticos da invasão do Iraque começaram a questionar a

existência das alegadas armas de destruição em massa e cobravam provas da

ligação entre Saddam Hussein e Osama bin Laden. Ainda assim, de acordo com

Leis (2009), Rumsfeld reclamava da cobrança advinda da opinião pública a

respeito dos objetivos iniciais da guerra que seriam a destruição das ditas armas

de destruição em massa, alegando que não “havia manchetes que fizessem

referência à libertação do povo iraquiano de uma longa e sangrenta ditadura”

(p.124).

A pressão sobre o governo norte-americano para que provasse os

argumentos que levaram o país à guerra fez com que o presidente Bush

recuasse de sua posição unilateral e procurasse manter melhores relações com

os países que foram contrários à invasão. Além disso, em discurso nas Nações

Unidas, tentou mostrar que a guerra do Iraque seria benéfica à promoção da

democracia no Oriente Médio e se mostrava aberto à ajuda dos demais países

na reconstrução do país (PECEQUILO, 2005).

No final de 2003, Saddam Hussein foi finalmente capturado. No entanto,

o que parecia o verdadeiro fim do antigo regime com a impossibilidade de

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Hussein voltar ao poder, transformou-se numa escalada dos atentados,

aumentado ainda mais a instabilidade no país.

[O] Secretário de Defesa Donald Rumsfeld ignorou o

conselho de militares e foi ao Iraque com uma pequena

força que, enquanto adequada para a vitória militar,

provou-se totalmente inadequada para a ocupação. O

caos generalizado e a falta de segurança resultaram na

desmobilização do Exército Iraquiano destruiu boa parte

do sentimento gerado no Iraque pela deposição de

Saddam Hussein (HARTWIG, 2008, tradução nossa4).

O aumento da violência e a aproximação das eleições à presidência

norte-americana de 2004 fizeram com que o governo norte-americano

instalasse no Iraque o Conselho de Governo Iraquiano (CGI). Este órgão teria o

objetivo de redigir a nova constituição do país. Em março do mesmo ano, o

documento foi aprovado e passou a reger o país com avanços em relação às

liberdades individuais, especialmente a de culto e de expressão. Os três

principais grupos do país, os xiitas, os sunitas e os curdos, garantiram

representação e uma forma de federação baseada nesta divisão foi implantada.

Apesar disso, a violência continuou no país em forma de explosões por carros-

bomba e ataques suicidas. “A prestação de contas da guerra revelou que

4 Secretary of Defense Donald Rumsfeld ignored military advice and went into Iraq with a small force which, while adequate for a military victory, proved totally inadequate for the occupation. Widespread looting and a security breakdown resulting from the demobilization of the Iraqi Army destroyed most of the good will that had been generated in Iraq by the overthrow of Saddam Hussein.

27

milhares de soldados americanos haviam morrido e um regime jurídico interno

era incapaz de diminuir as tentativas de bombardeiro xiita que levaram à morte

do Oficial das Nações Unidas, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello” (BIJOS, 2009,

p.196, tradução nossa5).

Estabeleceram-se prazos para a transferência do poder no Iraque como

uma tentativa de diminuir as pressões sobre o governo norte-americano de que

sua permanência no país se delongava mais que o necessário:

30 de junho de 2004 – transferência do poder das

forças de ocupação para um governo iraquiano soberano;

30 de janeiro de 2005 – eleições diretas e livres para os

representantes da nova Assembleia Nacional Iraquiana,

que terá como objetivo a elaboração da Constituição

definitiva e a constituição de um novo governo; outubro

de 2005 – referendo público para a aprovação ou não da

nova Constituição; dezembro de 2005 – realização de

eleições gerais, dando-se forma final e definitiva ao ‘novo

Iraque’ (PECEQUILO, 2005, p.417).

Ao mesmo tempo, o presidente Bush reafirmava a necessidade de

manutenção das tropas no país como forma de manter a estabilidade no país e

garantir a vitória, essencial para a estabilidade na região. O primeiro semestre

de 2004 foi caracterizado por muita violência e muitos sequestros de

5 The war accountability reveals that thousands of Americans soldiers have died and an internal juridical regime was unable to refrain the xiite bombing attempts which led to the death of the Brazilian UN Officer Sergio Vieira de Mello.

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estrangeiros, principalmente daqueles oriundos dos países que apoiaram a

invasão. Grupos contrários à presença estadunidense na região, inclusive a

própria Al Qaeda, prometiam ataques às nações aliadas aos EUA como forma de

intimidá-los a retirar seu apoio a este.

Por outro lado, os neocons defendem como

conquistas resultantes de suas ideias a soberania formal

iraquiana, que foi restaurada em junho de 2004, a

realização de eleições no Iraque, a ratificação de uma nova

Constituição e a crescente participação sunita na política

iraquiana, impulsos democráticos no Egito e em alguns

Estados do Golfo, a retirada síria do Líbano, recuo líbio e

um Afeganistão democrático (embora altamente volátil)

(TEIXEIRA, Tatiane, 2007, p.212).

Um vídeo cuja autoria é alegada a bin Laden mostra ameaças aos países

europeus que enviaram tropas ao Iraque e Afeganistão. A possibilidade de

também sofrerem atentados terroristas em seus territórios amedrontava esses

líderes que viam as eleições de seus países se aproximando. O atentado

terrorista sofrido por Madri em março de 2004 demonstraria como a guerra do

Iraque tornaria impopular o governante que a apoiasse. Antes desse episódio,

José Maria Aznar, então primeiro-ministro, tinha boas chances de se reeleger,

contudo, após o atentado, viu sua candidatura sofrer grande rejeição e perdeu

as eleições para um opositor à invasão, Luiz Rodriguez Zapatero.

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De acordo com Pecequilo (2005), o cenário para o presidente Bush

tornou-se ainda pior com as denúncias de abuso dos direitos humanos em

relação aos presos de Guantánamo. Diversas imagens de soldados norte-

americanos humilhando presos iraquianos circularam pelas principais redes de

televisão dos EUA, o que diminuiu bastante a aprovação da população do país à

permanência das tropas no Iraque. Outro problema foi a divulgação do relatório

da Comissão de Investigação do 11/09 que apontava falhas e negligência das

agências de Inteligência norte-americanas. Após diversos depoimentos de

integrantes da administração Bush e inúmeras desculpas de que a falta de

investimento dos antigos presidentes foi responsável por possíveis falhas do

FBI6 e da CIA, chegou-se à conclusão de que os atentados poderiam ter ocorrido

da mesma forma e não se poderia culpar ninguém diretamente.

Nesse contexto, os democratas começaram a vislumbrar a possibilidade

de vencer as eleições presidenciais de 2004. A indefinição das guerras do

Afeganistão e do Iraque somada à crise econômica pela qual passava o país

serviu aos opositores do governo Bush nos principais debates entre o candidato

democrata, John Kerry, e o presidente George W. Bush. Entretanto, o discurso

daquele de “juntar” as “Duas Américas” (possivelmente a divisão entre

republicanos e democratas do pleito de 2000 e acerca da permanência das

tropas norte-americanas no Iraque) foi usado contra o próprio, com Bush

afirmando que seu partido defendia os interesses da nação norte-americana

independente da opção política.

6 Federal Bureau of Intelligence – Bureau Federal de Inteligência.

30

Mais uma vez, o conservadorismo do presidente Bush serviu para

garantir que os mesmos grupos que o apoiaram anteriormente mantivessem o

apoio e a base eleitoral para o novo pleito. Um discurso de manutenção das

ações que preservassem a segurança e a proteção contra novos atentados caso

o país fosse governado de maneira menos firme fez com que o eleitorado

optasse pelo governo em questão. Isso se deveu também à desconfiança que

um novo vídeo de Bin Laden que novamente ameaçava os Estados Unidos

causou na população, que preferiu, portanto, manter as atuais políticas de

“guerra ao terror” (PECEQUILO, 2005). A vitória de Bush não tardou a ser

confirmada, tanto nos votos populares quanto nos votos colegiados. Assim,

George W. Bush foi reeleito sob o slogan de “mais quatro anos”.

A reeleição republicana significou a perpetuação das políticas

neoconservadoras, sobretudo após a dupla vitória do partido, nas duas Casa dos

Congresso Americano. O Secretário Donald Rumsfeld foi mantido na pasta da

Defesa, contudo, Colin Powell foi substituído por Condoleezza Rice na Secretaria

de Estado e Alberto Gonzales ocupou o cargo de John Ashcroft como ministro

da Justiça. No lugar de Rice, que ocupava cargo no Conselho de Segurança

Nacional, foi nomeado seu “número dois”, Stephen Hadley, corroborando a

coesão da administração em torno dos falcões neoconservadores .

A guerra ao terror como plataforma de política externa norte-americana

foi mantida, da mesma forma que o discurso intervencionista como forma de

levar a democracia e os valores liberais aos países que representassem alguma

ameaça aos Estados Unidos e seus aliados.

31

(...) houve e continua havendo uma grande

influência do pensamento neoconservador na

administração de George W. Bush, tanto em seu primeiro

quanto no segundo mandato, resultante em parte da

proximidade pessoal de seus teóricos com os

representantes oficiais, e da ligação destes últimos com os

think tanks, da presença de proeminentes neocons no

governo, e de maneira mais concreta, dos artigos,

relatórios e cartas dos TTs (instituições) e seus intelectuais

(pessoas), que se transformaram em importantes

documentos e políticas oficiais (TEIXEIRA, Tatiane, 2007,

p.220).

Países como Irã e Coréia do Norte passaram a receber maior atenção e

foram motivos de tensões diplomáticas, com constantes investidas da então

Secretária de Estado, Condoleezza Rice. No entanto, a permanência das tropas

no Iraque e no Afeganistão afastava no curto prazo qualquer possibilidade de

intervenção em outro país.

Em 2006, no meio de seu segundo mandato presidencial, o presidente

Bush, através de seu Conselho de Segurança Nacional, publicou sua segunda

edição da Estratégia de Segurança Nacional (NATIONAL SECURITY STRATEGY,

2006). Ela, contudo, não apresentava novas ideias, reafirmando a possibilidade

da guerra preventiva/preemptiva, da necessidade de levar a democracia ao

Oriente Médio e outros países considerados tirânicos, e do poder inconteste e

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consequente responsabilidade norte-americana em garantir a estabilidade e a

paz no mundo como forma de garantir sua própria segurança.

A ANÁLISE DOS OBJETIVOS POLÍTICOS NORTE-AMERICANOS NA GUERRA DO

IRAQUE

Uma vez apresentados os conceitos centrais de Clausewitz com os quais

trabalhamos e o contexto da Guerra do Iraque, passaremos a analisar

diretamente quais objetivos políticos se destacaram e se foram atingidos após o

uso da violência para que se pudesse atingi-los.

Lembramos novamente que a invasão do território iraquiano deveu-se a

uma série de fatores por vezes entrelaçados, mas não necessariamente

expostos como correlacionados pelo governo norte-americano. O advento da

chamada “guerra ao terror” com a construção do que seria conhecido como

“Eixo do Mal” em que certos países seriam considerados como ameaças à

segurança nacional dos Estados Unidos, permitiu a construção de um clima de

insegurança baseado nos seguintes pontos:

1. A ameaça de que novos atentados terroristas

viessem a acontecer;

2. A existência de países “patrocinadores” de grupos

terroristas que ofereceriam refúgio e recursos para a realização de

novos atentados;

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3. O argumento de que regimes “não democráticos”

representavam uma ameaça à estabilidade internacional –

entendida de forma mais ampla como a própria segurança dos

Estados Unidos;

4. E a possibilidade de que grupos terroristas ou países

a eles relacionados conseguissem armas de destruição em massa.

Com essas colocações, o governo norte-americano colocou a mudança de

regime no Iraque como o objetivo político a ser alcançado, mas sem delinear

detalhadamente como o pós-guerra se estabeleceria e de que forma outros

objetivos políticos como a segurança nacional e a estabilização de uma região

considerada problemática ocorreriam.

Elementos para atingir a mudança de regime, aqui entendidos como

essenciais para alcançar os objetivos militares, foram a rápida invasão do país, a

perseguição a Saddam Hussein, o uso de tecnologia muito mais avançada que o

inimigo e a superioridade numérica (apesar de não o bastante para os objetivos

políticos maiores, como apresentaremos mais adiante). Desde o começo das

operações, o sucesso dos objetivos militares era dado como certo e a tese

comprovou-se com a superioridade militar norte-americana em comparação ao

exército iraquiano (o país já não detinha de poder aéreo desde o fim da Guerra

do Golfo, quando também enfrentou tropas norte-americanas por ocasião da

invasão do Kuwait).

34

Uma relativa pequena, altamente móvel e

tecnologicamente avançada coalização liderada pelos EUA

tomou danos mínimos e em apenas três semanas

percorreu centenas de quilômetros de território hostil,

capturou a capital e derrubou o governo de Saddam

Hussein, um adversário norte-americano de longa data

(DENNISON, 2007, p.1, tradução nossa7).

Contudo, tendo alcançado apenas a mudança de regime não significou a

garantia de objetivos políticos maiores como a estabilidade regional e um

“efeito cascata” de democracias na região. Pelo contrário, a rápida vitória

militar não significou nem ao menos a estabilidade interna e uma recepção

amigável pelos iraquianos, como pensou que aconteceria Donald Rumsfeld –

acreditando que os Estados Unidos seriam recebidos como “libertadores”.

Como se mostrou posteriormente, todavia, as

esperanças americanas por uma vitória iluminada foram

rapidamente esquecidas. [A] OLI marcou o início de uma

sangrenta campanha de guerrilha, um ainda pior atoleiro

que agora tem a nação à beira de uma guerra civil sem

escalas. Apesar da remoção de Saddam Hussein, poucas

esperanças permaneceram de que os EUA seria capazes de

7 A relatively small, highly mobile and technologically advanced U.S.led coalition force had

taken minimal casualties and in just three weeks swept across hundreds of kilometers of

hostile territory, captured the capital, and toppled the government of Saddam Hussein, a

longtime U.S. adversary.

35

atingir seus objetivos políticos, tácitos ou explícitos

(DENNISON, 2007, p.2, tradução nossa8).

Uma das causas apontadas para que o governo Bush não alcançasse seus

objetivos políticos no Iraque pauta-se no crédito que se deu à primazia da

vitória militar em detrimento do que viria após a derrubada de Saddam Hussein.

Conforme apresentamos anteriormente, os objetivos militares são

indissociáveis dos objetivos políticos, devendo esses últimos serem perseguidos

como fins de um Estado, para além de vitórias militares. Dennison (2007) afirma

que Rumsfeld pautou-se exageradamente na confiança da superioridade

tecnológica de suas Forças e, por isso, foi contrário a um número maior de

tropas a serem enviadas para o Iraque. Assim, o contingente inicial não teria

sido suficiente para garantir a estabilidade necessária em todo o território

iraquiano e nem na capital Bagdá, suprimindo os objetivos políticos e mantendo

o foco nos objetivos militares com o surgimento de grupos insurgentes

baseados, inclusive, na população local e não apenas em militares do antigo

regime derrubado.

Além disso, como aponta Groves (2009), os objetivos militares são

designados vencer conflitos armados, não tendo papel na construção das

instituições que deveriam ser instituídas nem na reconstrução do país. “Ao invés

de focar apenas na situação de segurança, e prover um ambiente estável em

8 As it turned out, however, American hopes for a lighting victory were quickly dashed. O.I.F.

marked the beginning of a bloody guerrilla campaign, an ever worsening quagmire that now

has the nation teetering on the edge of fullscale civil war. Besides the removal of Saddam

Hussein, little hope remains that the U.S. will be able to accomplish any of its stated or tacit

political objectives.

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que tarefas políticas, econômicas, civis e administrativas, e humanitárias

possam ser delegadas, as forças armadas foram a autoridade final em todas as

decisões” (GROVES, 2009, p.2, tradução nossa9). Essa colocação reforça o

argumento de que os objetivos militares ocuparam o espaço que deveria ter

sido dos objetivos políticos, com instituições e planejamento próprios, distintos

dos militares. Um dos objetivos políticos estabelecidos pelo governo norte-

americano, o de não permitir que o governo iraquiano detivesse armas de

destruição em massa também não foi bem calculado, uma vez que esse tipo de

armamento não foi encontrado, corroborando o que já era defendido por

organismos multilaterais e países contrários ao conflito. Isso retirou parte da

credibilidade da operação, uma vez que “as alegações sobre a existência de

laboratórios biológicos móveis no Iraque levaram ao excesso de confiança da

administração Bush sobre a responsabilidade, ou mesmo a culpabilidade do

Iraque” (TEIXEIRA & NASSER, 2010, p.192).

Groves (2009) ainda afirma que quem deveria ter cuidado do processo de

reconstrução do país era o Departamento de Estado, mas o que se viu foi a

prevalência de decisões advindas do Departamento de Defesa. Portanto, “ao

invés de um esforço integrado entre as maiores organizações que poderiam

contribuir (Estado, Defesa, USAID10, Tesouro, CIA e ONGs11), as missões de

outras organizações foram passadas aos militares” (GROVES, 2009, p.4,

9 Instead of simply focusing on the security situation, and providing a stable environment from

which political, economic, civil-administrative, and humanitarian tasks could be undertaken,

the military was the final authority on all decisions.

10 United States Agency for International Development – Agência dos Estados para o Desenvolvimento Internacional. 11 Organizações não-governamentais.

37

tradução nossa12). Essa tese é corroborada por Dennison (2007), quando este

afirma que as decisões relativas ao processo de reconstrução das instituições

iraquianas foram tomadas por autoridades não qualificadas para tanto.

Outro erro do governo norte-americano apontado por Dennison (2007)

foi o de não atacar a fonte de informações dos iraquianos no decorrer do

conflito, permitindo que canais de televisão e estações de rádio

permanecessem funcionando e transmitindo propaganda pró-Saddam e

antiamericana. Isso é apontado como um dos fatores que impossibilitou uma

capitulação em massa dos soldados iraquianos, além de colocar a população

contra as forças de ocupação da coalização norte-americana.

Entretanto, ao perceber que o controle do país não seria possível com o

contingente inicial, o presidente Bush autorizou, em 2007, o envio de mais

trinta mil soldados, além do treinamento de aproximadamente cem mil homens

no que viria a ser a Força de Segurança Iraquiana (com poderes de polícia no

país, a fim de substituir as forças policiais que haviam se desmantelado com a

ocupação desde 2003) (GROVES, 2009). Essa decisão pode ser entendida como

uma tentativa de correção de rumo que a Guerra do Iraque tomava, com a

violência se estendendo a outras cidades além de Bagdá e uma maior

compreensão das necessidades que o conflito exigia possivelmente desde seu

início. O comando da Operação passou ao General Petraeu, o qual já tinha

conhecimento de conflitos relacionados ao Oriente Médio e da questão

iraquiana.

12 So, instead of an integrated effort among the major contributing organizations (State, Defense, USAID, Treasury, CIA, and NGOs), the missions of other organizations shifted to the military.

38

O conceito operacional de Petraeu centrou-se em

uma provada estratégia contra insurgente que envolvia:

assegurar os ‘corações e mentes’ da população local, com

missões de segurança voltada para o povo iraquiano ao

invés de uma estratégia de segurança. Isso é importante

por que reconhece que o sucesso de longo prazo é

dependente do suporte da população local. Se a maioria

dos cidadãos sente-se segura, tende a ter uma impressão

mais favorável de seu governo e do envolvimento dos

Estados Unidos em seu país. Eles ainda estariam mais

próximos de prover informações que levariam à prisão de

elementos violentos e criminosos (GROVES, 2009, p.6,

tradução nossa13).

Ainda de acordo com Groves (2009), essa nova estratégia provou-se mais

bem sucedida uma vez que os índices de violência registrados em 2008 voltaram

ao patamar de 2004/2005, quando começaram a ser medidos – o que envolvia

um menor número de ataques contra civis iraquianos e militares norte-

americanos. Outro dado importante apontado por esse mesmo autor é que a

13 Petraeus’ operational concept centered on a proven counterinsurgency strategy that involves: securing the ‘hearts and minds’ of the local populace by orienting security missions towards a population-based security strategy, instead of a target-based security strategy. This is important because it recognizes that long-term success is contingent on securing the support of the local population. If a majority of citizens feel safe, they will tend to have a more favorable impression of their government and of the US’s involvement in their country. They will also be more likely to provide information leading to further arrests of violent and criminal elements.

39

produção de petróleo voltou aos níveis anteriores ao conflito, demonstrando

que foi possível restabelecer canais de serviços voltados à infraestrutura do

país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira conclusão a que chegamos é a de que houve uma confusão

entre objetivos políticos e objetivos militares pelos tomadores de decisão do

governo Bush no que concerne à Operação Liberdade Iraquiana. Ao abordar a

mudança de regime como essencial o objetivo político e não como um dos

meios de objetivos políticos maiores, os objetivos militares foram

inadequadamente aplicados no conflito, perpetuando a violência nos anos

inícios da intervenção.

A crença demasiada na rápida vitória militar e em premissas provadas

falsas posteriormente – como a de que o governo iraquiano tinha armas de

destruição em massa ou ligações com a Al Qaeda – retiraram a credibilidade do

Estados Unidos quanto à sua capacidade de garantir a ordem e a estabilidade da

região, especialmente pela falta de um apoio considerável de aliados

tradicionais e negativa da Nações Unidas em permitir que se iniciasse o conflito

com sua aprovação (ARRAES, 2009).

Como aponta Rodrigues, “Clausewitz faz mais que reforçar a ideia de que

há uma dependência da guerra com relação à política. [...] A guerra, em uma

palavra, é um modo que o Estado dispõe para atingir seus objetivos políticos”

(2010, p.108-109). O governo norte-americano teria colocado os objetivos

40

militares hierarquicamente acima dos objetivos políticos ao privilegiar ações

que visaram a derrubada do regime de Saddam Hussein mas não a construção

do país no pós-guerra. Objetivos militares subsequentes à tomada do território

não foram pensados no sentido de garantir o objetivo político de estabilidade e

construção de um regime democrático quando se percebe, conforme

supracitado, que a população não apoiou a intervenção e que movimentos

insurgentes passaram a representar uma nova ameaça à ordem no Iraque.

De acordo com Luttwak, “[...] uma vez que a surpresa inicial é passada, a

reação às novas ameaças torna-se ainda mais efetivas uma vez que a

criatividade e os recursos são aplicados proporcionalmente à tarefa” (2001,

p.42, tradução nossa14). Essa reação a que se refere Luttwak, que deveria ter

sido prevista no início do conflito, só irá acontecer com as mudanças

direcionadas pelo general Petraeu, ao perceber que os objetivos políticos só

seriam alcançados com um plano que focasse na diminuição da violência contra

a população local a fim de conseguir seu apoio ou pelo menos uma menor

desaprovação.

A perpetuação do conflito ainda não permite dizer se os objetivos

políticos foram totalmente ou parcialmente alcançados pelos Estados Unidos. Já

se afirmar que em relação às armas de destruição em massa, o objetivo inicial

colocado não faz mais sentido desde que no mesmo ano da invasão comprovou-

se a inexistência desse tipo de armamento. Também não ficaram comprovadas

relações diretas entre o governo de Saddam Hussein e grupos terroristas e a Al

14 [...] once the initial surprise is overcome, the reaction to the new threat becomes increasingly effective as creativity and resources are increasingly applied to the task.

41

Qaeda, apesar da constatação de que integrantes de outros grupos podem ter

vivido no país (FEITH, 2008).

Quanto à construção de um regime democrático como espelho para os

demais países da região, também é cedo para constatar qualquer alteração

substancial na forma como a população local e dos países vizinhos enxerga o

processo de reconstrução – e se esse é de fato efetivo no sentido de criar

instituições duradouras que garantam a estabilidade interna e coesão social.

Esse trabalho permanece como objetivo de pesquisa posterior com o

intuito de entender o desenrolar das relações entre o novo governo iraquiano,

os EUA e os demais países da região a fim de averiguar se houveram mudanças

significativas em relação à percepção da democracia como garantidora da

ordem regional. Mais ainda, optamos por não abordar as decisões do governo

Obama que podem ter reconfigurado os objetivos políticos relacionados à

Guerra do Iraque, o que também vale outra pesquisa a fim de identificar como

os conceitos de Clausewitz permanecem atuais mesmo depois de tanto tempo.

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