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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁCOMARCA DE CASCAVEL
VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL - PROJUDIAvenida Tancredo Neves, 2320 - Alto Alegre - Cascavel/PR - CEP: 85.805-000 - Fone: (45) 3392-5046 -
E-mail: [email protected]
Autos nº. 0016434-05.2008.8.16.0021
Processo: 0016434-05.2008.8.16.0021Classe Processual: Procedimento ComumAssunto Principal: Indenização por Dano Moral
Valor da Causa: R$517.840,00Autor(s): LUCINEIA VICENTE SOARES MARTINS
Réu(s):
FERNANDO RODRIGUES DOS SANTOSMARIA HELENA DE CARVALHOUNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANA
SENTENÇA
Vistos e etc.
1. RELATÓRIO (CPC, art. 489, I)
Lucineia Vicente Soares Martins busca reparação de danos em razão do falecimento
de sua filha, cuja responsabilidade imputa ao requerido Hospital Universitário do Oeste do Paraná -
HUOP. Pede o pagamento de valores a título de pensão por ato ilícito e danos morais.
O requerido foi citado e apresentou contestação. Em síntese, confirma que a filha da
autora foi vítima de infecção. Sustenta que a responsabilidade é subjetiva perante o fato, e que depende da
verificação de culpa dos profissionais que atuaram no caso.
Defende que não cabe a inversão do ônus da prova, que não há nexo de causalidade e
não houve omissão no tratamento da autora, daí porque não haveria responsabilidade civil perante os
fatos.
Impugnou os danos pretendidos e pediu que, alternativamente, seja fixada a reparação
em valor mínimo. Pediu a realização de perícia e denunciou à lide os médicos que atuaram no caso.
A autora impugnou a defesa, em suma, rechaçando as alegações do réu e repisando os
termos da inicial.
O Ministério Público foi ouvido, e comunicou o desinteresse em atuar no feito.
A denunciação à lide de Fernando Rodrigues dos Santos e Maria Elena de Carvalho
foi admitida e eles, citados, ofertaram contestação. Preliminarmente, alegaram que não seria cabível o
chamamento ao feito e suscitaram a ocorrência de prescrição.
No mérito, sustentaram ausência de culpa e inexistência do dever de indenizar.
Argumentam que a responsabilidade seria exclusiva do litisdenunciante. Alternativamente, impugnaram
os danos postulados pela requerente e pediram que, caso procedente, seja fixado no mínimo, além de tecer
considerações quanto aos eventuais encargos moratórios.
A autora impugnou a defesa, novamente rechaçando as alegações e reiterando os termos
dos pronunciamentos anteriores.
Decisão saneadora foi proferida em seguida, afastando a alegação de prescrição. Na
mesma ocasião foram fixados os pontos controvertidos e distribuído o ônus da prova.
Durante a instrução foi produzida prova pericial, colhido o depoimento pessoal dos réus
litisdenunciados e de testemunhas.
As partes apresentaram alegações finais em seguida, e os autos vieram conclusos para
sentença.
É o relatório. Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO (CPC, 489, II)
Pontos controvertidos e distribuição ônus da prova
Cinge-se a controvérsia quanto aos seguintes pontos: a) emprego da técnica médica
adequada na paciente; b) ocorrência de falha na prestação do serviço pelo hospital; c) se a alta médica foi
precoce e/ou fator determinante para o óbito da paciente; d) se a autora dependia economicamente da
falecida.
Estabeleceu-se, ainda, que aos litisdenunciados cabia a prova quanto à técnica médica; à
autora, no que se refere à falha na prestação do serviço pelo réu e à dependência econômica; e, ao final,
ao hospital em relação à alta da paciente.
Responsabilidade civil
A definição das regras que regem a responsabilidade civil neste caso passa por uma
verificação da causa de pedir.
Explico.
A responsabilidade civil quanto a erro médico praticado no âmbito de hospital, por
profissional que tem vínculo empregatício, rege-se nos seguintes termos, conforme a jurisprudência:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS
MORAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTENTE. ERRO
MÉDICO. CIRURGIA DE CATARATA. INFLAMAÇÃO SEVERA. AUSÊNCIA DE
CUIDADOS EXIGÍVEIS DO MÉDICO. CEGUEIRA UNILATERAL. LAUDO
PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. SÚMULA 7/STJ.
ARBITRAMENTO DO DANO MORAL. EXORBITÂNCIA. INEXISTÊNCIA. JUROS
DE MORA. TERMO INICIAL. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. CITAÇÃO
VÁLIDA DAS PARTES. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
AUSÊNCIA. 1. Ação ajuizada em 17/01/07. Recursos especiais atribuídos ao gabinete em
25/08/16. Julgamento: CPC/73. 2. Causa de pedir formulada na petição inicial da ação de
indenização por danos materiais e compensação por danos morais referente a não adoção
dos cuidados médicos pós cirúrgicos necessários à remoção de material capaz de provocar
reação inflamatória severa no olho esquerdo da paciente. Erro médico causador de
cegueira parcial cuja responsabilidade é imputada, solidariamente, ao instituto e ao
cirurgião. 3. O propósito recursal consiste em definir: i) se há negativa de prestação
jurisdicional pelo Tribunal de origem; ii) se houve demonstração de culpa médica na
realização da cirurgia de catarata que ocasionou a cegueira do olho esquerdo da paciente;
iii) se é cabível compensação por danos morais no particular, bem como se a quantia
arbitrada é exorbitante; iv) qual o termo inicial de incidência dos juros moratórios. 4.
Resolvida integralmente a controvérsia, sem qualquer omissão no julgamento, não há que
se falar em violação dos arts. 165, 458, 535, II, do CPC/73. 5. A responsabilidade dos
hospitais, no que tange à atuação dos médicos contratados que neles laboram, é
subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do preposto, não se podendo,
portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital. 6. O
julgador não está vinculado ao laudo pericial produzido nos autos, quando presentes
concretos elementos de convicção acerca da efetiva ocorrência do ato ilícito. Ante o
exercício do livre convencimento devidamente motivado do julgador, não há que se falar
em cerceamento de defesa apenas porque as conclusões obtidas diante das provas dos
autos foram contrárias aos interesses de uma das parte. Precedentes. 7. A argumentação
tecida pelo recorrente de inexistência de erro médico - ao destacar trechos do laudo
pericial que, em tese, amparam sua pretensão - encontra óbice na Súmula 7/STJ, pois
inadmissível em recurso especial a revisão de fatos e provas que atestaram a culpa do
profissional causador do dano à paciente, tal como registrado soberanamente pelo Tribunal
de origem. 8. A alteração do valor arbitrado a título de compensação por danos morais
exige o revolvimento de fatos e provas, circunstância vedada em recurso especial pela
Súmula 7/STJ. Apenas em hipóteses excepcionais, em que configurado evidente exagero
ou irrisoriedade da quantia, o STJ estabelece nova fixação excepcional. 9. Os juros de
mora incidem a partir da data da citação na hipótese de condenação por danos morais
fundada em responsabilidade contratual. Precedentes. 10. A ausência de fundamentação ou
a sua deficiência importa no não conhecimento do recurso quanto ao tema. 11. O dissídio
jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que
versem sobre situações fáticas idênticas. 12. Recursos especiais parcialmente conhecidos
e, nessa extensão, parcialmente providos. (REsp 1677309/SP, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 03/04/2018)
Porém, a responsabilidade é objetiva em relação aos serviços típicos prestados pelo
hospital:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA -
DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. 1. A responsabilidade dos hospitais e clínicas
(fornecedores de serviços) é objetiva, dispensando a comprovação de culpa,
notadamente nos casos em que os danos sofridos resultam de infecção hospitalar.
Precedentes. 2. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo, que concluiu pela existência
de nexo de causalidade entre a prestação do serviço de saúde e a morte do filho da parte
autora não pode ser revisto em sede de recurso especial como pretende o recorrente, pois
para derruir as conclusões a que chegou a Corte local, demandaria o reexame do contexto
fático-probatório dos autos, providência vedada, em razão do óbice contido na Súmula 7
deste Tribunal. 3. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização
por danos morais, somente quando ínfimo ou exagerado, circunstância esta que não se
verifica na hipótese dos autos, pois o valor estabelecido não excede o arbitrado pelos mais
recentes precedentes desta Corte. Incidência da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno
desprovido. (AgInt no REsp 1653046/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA
TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 28/05/2018)
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O
FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. . RESPONSABILIDADE OBJETIVA
DO HOSPITAL PELA FALHA NOS SERVIÇOS PRESTADOS. ART. 14, DO CDC.
INFECÇÃO HOSPITALAR. SÚMULA N° 83/STJ. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA.
REVISÃO DO VALOR. IMPOSSIBILIDADE. TESE DO RECURSO ESPECIAL QUE
DEMANDA REEXAME DE CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS.
SÚMULA N° 7/STJ. 1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o
fundamento da decisão agravada. 2. O Tribunal de origem, no caso concreto, entendeu
pela ocorrência de danos morais, de modo que a tese defendida no recurso especial
demanda reexame do contexto fático e probatório dos autos, vedado pela Súmula n° 7/STJ.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a responsabilidade do hospital por
falhas em atos típicos de prestação de serviços hospitalares é objetiva, tais como a
contração de infecção generalizada, nos termos do artigo 14, do Código de Defesa do
Consumidor, estando limitada a responsabilidade subjetiva aos atos médicos.
Precedentes. Súmula n° 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no
AREsp 883.891/PB, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,
julgado em 20/03/2018, DJe 04/04/2018)
No caso dos autos, tem-se controvérsia quanto a qual das duas hipóteses teria ocorrido,
ou seja, se a causa da morte da filha da autora foi infecção contraída nas dependências do hospital, ou se
decorreu de erro médico, ou até mesmo devido à somatória de ambos os fatos.
Diante disso, a responsabilidade do hospital é objetiva, quanto à ocorrência de falha na
prestação do serviço, especialmente no que se refere à infecção hospitalar e à alta médica, e dos fatos que
disso decorrem.
Por outro lado, em relação ao correto emprego da técnica médica, a responsabilidade do
hospital depende da averiguação da responsabilidade dos médicos, que é subjetiva, passa pela averiguação
de culpa. Se evidenciada esta última, o hospital responde em relação aos danos de forma objetiva.
Mérito
Pontuadas tais questões, passo à verificação do mérito.
A autora narra à inicial que, no dia 22/01/2007, aproximadamente às 23h00min, Adriana
Severino, sua filha, então grávida, deu entrada no estabelecimento médico ora réu para procedimento de
parto. Por volta das 5h30min, a paciente deu à luz através de uma cirurgia cesariana.
A paciente e o filho permaneceram internados até o dia 27/01, quando receberam alta. A
peticionante afirma que nesse período a filha reclamava de muitas dores abdominais e apresentava
sangramento, e mesmo assim lhe foi dada alta médica.
Em casa, a situação teria piorado, até que no dia 30/01 Adriana foi novamente internada,
com dores, sangramento e febre, tendo sido constatado pelo médico que a atendeu que padecia de forte
infecção.
Em 03/02/2007, Adriana foi submetida a novo procedimento cirúrgico, porém seu
quadro continuou evoluindo negativamente. No dia 05, novamente teria sido realizada cirurgia, desta vez
para retirada do útero, por volta das 21h40min, e, novamente, mais um procedimento cirúrgico às
02h50min do mesmo dia.
A autora afirma que foi orientada a voltar para casa, e, via contato telefônico, foi
informada que sua filha havia sido reanimada, porém, o estado era crítico. Às 11h30min, quando retornou
ao hospital, lhe foi comunicado o óbito de Adriana.
A requerente afirma, em suma, que sua filha contraiu infecção hospitalar nas
dependências do hospital, que o quadro já estava evidente quando recebeu alta após o parto, e que houve
demora no atendimento quando ela retornou, de modo que reputa a conduta dos réus como negligente,
imprudente e imperita, causadora do fato.
Responsabilidade civil do hospital
São requisitos da responsabilidade civil aquiliana: i) ação ou omissão; ii) culpa ou dolo
do agente; iii) relação de causalidade; e, iv) dano, evidenciados na Lei Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Em sede de responsabilidade objetiva, regulamentada pelo Código de Defesa do
Consumidor, tem-se:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele
pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
De plano, entendo que está evidenciada a contração de infecção hospitalar pela autora
no âmbito do Hospital Universitário do Oeste do Paraná - HUOP, porquanto incontroverso nos autos,
já que confirmada pelo réu em sua peça de defesa.
A prestação do serviço é também incontroversa, assim como a ocorrência do dano,
consubstanciado na morte da filha da autora.
O nexo de causalidade é também inconteste, porquanto pacífico nos autos que a autora
contraiu a infecção hospitalar, nos termos já suscitados.
Não há nenhum elemento de prova que evidencie qualquer contribuição da vítima ou de
terceiro pelos fatos, de modo que afastada a excludente do inciso II, supracitado.
Os réus alegam que não existe defeito no serviço prestado. A tese, não obstante o
esforço argumentativo, não encontra amparo na prova dos autos.
Destaca-se que o ônus da prova quanto à falha na prestação do serviço pelo hospital foi
atribuído à autora, e ao réu a obrigação de produzir prova relativa à influência da alta da paciente para a
sua morte (mov. 1.30 - item 3).
Entendo que a autora se desincumbiu de seu ônus.
De início, fica evidente a negligência do requerido no que se refere ao tempo pelo qual a
autora permaneceu internada após o parto.
Explico.
É unânime entre os réus que a paciente tinha plenas condições de ir para casa quando
recebeu alta, e que o quadro já se revelava favorável dias antes. Porém ela restou mantida no nosocômio
por opção médica favorável ao seu bebê, que necessitava de tratamento complementar.
Nessa linha de raciocínio, verifica-se que o fornecedor do serviço exerceu uma opção, e
arcou com os riscos a ela inerentes. Ou seja, priorizou a manutenção do convívio entre mãe e filho por
mais tempo dentro do ambiente hospitalar, em detrimento da exposição desnecessária da paciente aos
riscos intrínsecos, dentre eles, a contração de infecção.
É importante salientar que a condição da paciente requeria maior atenção e cuidado,
visto que o parto foi cirúrgico e ela contava com apenas quatorze anos à época do fato.
Lado outro, não há nenhum elemento nos autos que evidencie que o recém-nascido se
encontrava em situação de risco ou qualquer outro fundamento que justificasse a manutenção da mãe nas
dependências do hospital.
O próprio requerido e os médicos que foram ouvidos durante a instrução foram claros
em afirmar a impossibilidade de se extirpar por completo o risco de infecção hospitalar, e que a
contaminação de uma parte dos pacientes é certa e inevitável.
Sobre o tema, importa colacionar considerações do digno perito, no laudo complementar
(mov. 180.1):
Onde foi adquirida a infecção hospitalar?
R: A infecção foi adquirda do Hospital Universitário Oeste do Paraná.
Por qual motivo um paciente adquiri esta infecção?
R: A interação entre os agentes mórbidos com o meio ambiente e o homem pode
determinar uma infecção a partir do momento em que diminuem as defesas naturais do
organismo em relação ao agente agressor. A infecção hospitalar, segundo a maioria dos
autores, inclui os processos infecciosos adquiridos no hospital e os não identificados na
admissão do paciente por dificuldade diagnostica ou prolongado período de incubação, e
que se manifestem durante a sua permanência e até mesmo depois de sua alta. No hospital,
as principais fontes de infecção decorrem de causas ligadas ao ambiente, pessoal,
equipamento, material, veículos, desempenho deficiente das técnicas de trabalho e uso
indiscriminado de antibióticos. Uma infecção hospitalar é definida como toda infecção
adquirida durante a internação hospitalar, desde que sem indícios de estar presente no
momento da admissão no hospital ou também relacionada a algum procedimento
hospitalar como cirurgias. Estima-se que 5 a 15% de todos os pacientes hospitalizados
adquirem algum tipo de infecção hospitalar. Essas infecções são resultado de uma
interação de fatores, que incluem os microrganismos no ambiente hospitalar, o estado de
comprometimento do paciente e a cadeia de transmissão do hospital. Em geral, a presença
isolada desses fatores não resulta na infecção, apenas quando estão interagidos. Entre os
fatores de risco para aquisição de uma infecção hospitalar está, obviamente, a necessidade
de um indivíduo ser submetido a uma internação ou a um procedimento de saúde. Entre os
fatores associados ao comprometimento do paciente que influenciam na susceptibilidade a
infecções estão incluídos a idade, principalmente recém-nascidos e idosos que possuem
uma imunidade fragilizada e os pacientes imunocomprometidos, como portadores da
AIDS e transplantados; o tempo de internação, que deve ser o mínimo possível, mas
contemplando todo o tratamento necessário; doenças crônicas como diabetes mellitus, que
interfere no processo de cicatrização da pele; doenças vasculares; entre outros. O hospital é
um importante reservatório de microrganismos levando em consideração a quantidade de
pessoas adoecidas no local e embora existam medidas e esforços para manter ou impedir o
crescimento de microrganismos, até os microrganismos da microbiota normal que
permanecem de forma benéfica são oportunistas e apresentam riscos para os pacientes
internados. A grande maioria dos microrganismos que causam as infecções hospitalares
não causam doenças em pessoas saudáveis, cujo sistema imunológico não esteja
enfraquecido devido à doença ou a terapia.
De quem é a responsabilidade para não contrair uma infecção?
R: De todos os agentes de saude envolvidos no tratamento de qualquer paciente.
A requerida Maria Elena de Carvalho afirmou em seu depoimento que o procedimento
padrão é dar alta em 48h (quarenta e oito horas) após a cesárea. A depoente afirma que essa alta foi dada à
paciente, no dia 25, pelo Dr. Marcelo, porém, foi suspensa, porque o bebê apresentava um quadro de
icterícia, o que requer fototerapia (banho de luz).
A paciente ficou mais um dia internada e no dia 26 foi examinada e recebeu alta
hospitalar do Dr. Fernando. No entanto, novamente a alta não foi efetivada, porque a criança continuava
em fototerapia. A alta da criança é determinada pelo pediatra.
No dia seguinte, dia 27, era um sábado, a depoente trabalhava como plantonista, e
normalmente não passam visita na maternidade, mas às vezes prestam auxílio aos professores, que
efetuam as visitas durante a semana. Então, na referida data, examinou a paciente e lhe deu alta.
A depoente afirma que a paciente estava em boas condições, não tinha nenhum sinal ou
sintoma que necessitasse continuar internada. Todos esses dados constam do prontuário, que também foi
avaliado quando da alta.
A administração do medicamento demora, pois precisa aguardar vaga, mas a prescrição
estava correta, tanto que foi mantida até o dia 05.
A depoente afirma que quem trabalha em hospital convive com infecções ali adquiridas
constantemente. A bactéria encontrada na paciente pode estar presente em qualquer lugar do corpo de
qualquer pessoa que trabalhe em hospital. Ela não provoca doença em pessoas saudáveis.
A bactéria é oportunista, e a infecção ocorre quando o paciente é internado ou passa por
cirurgia, com baixa de imunidade. A pele é impermeável à infecção, mas, a partir do momento que se faz
um corte, como, por exemplo, para a realização da cesariana, pode ser uma porta de entrada. A bactéria
que contaminou a paciente pode inclusive estar presente em nosso organismo, no intestino.
Sempre houve procedimentos no hospital para evitar infecção, mas do tempo em que se
deram os fatos até os dias atuais, aumentou muito. Por exemplo, atualmente se vê álcool gel espalhado
por todo o hospital, na entrada do quarto, dentro, o que não existia à época. Mas tinham controle, cuidado,
faziam lavagem das mãos.
A depoente afirma não ter conhecimento de que foi instaurado procedimento
administrativo para apurar a causa da morte da paciente, não foi ouvida, nunca ninguém lhe chamou para
tratar do fato, foi surpreendida pelo acionamento no processo, três anos após o fato.
Não era estudante à época dos fatos, é médica há trinta e oito anos, sendo que trabalha
no HU desde 1990, quando da sua abertura. Há uma série de protocolos, cuidam a todo tempo dos
internos e residentes. Há uma aula com infectologista antes de ter contato com os pacientes. As coisas
mudaram bastante.
A depoente não acompanhou a cesariana. Pode acontecer de ser dada alta a uma
paciente com sangramento e dores após uma cirurgia, ainda que não seja propriamente comum. Sabe que
há a descrição de um pouco de secreção serosanguinolenta no prontuário, mas isso faz parte do processo
de cicatrização.
Não acompanhou a retirada do útero da paciente. A depoente recorda que a paciente
estava ansiosa por alta. Recorda dos fatos pois eles repercutiram muito. Ela estava na sala, no posto de
enfermagem, querendo alta, quando a depoente a atendeu, por volta do meio dia, o que foi atendido pela
depoente, pois ela tinha boas condições para tanto.
Não acompanhou a paciente depois do dia 01. É difícil evitar uma infecção hospitalar.
Hoje cerca de 10 a 15% dos pacientes que internam têm infecção hospitalar. Ninguém quer que isso
aconteça, cuidam de tudo. Um hospital é um ambiente cheio de bactérias, então mesmo com todos esses
cuidados, uma parte dos pacientes contrai infecção. Fazem de tudo para evitar, mas não conseguem
controlar 100%.
A contração da infecção pode ter se dado desde o momento em que a paciente colocou a
mão na maçaneta para adentrar ao centro obstétrico, durante a cesárea, depois, no dia da alta, através de
qualquer dos médicos que a atendeu, das pessoas que fazem limpeza e arrumam o quarto. Esta bactéria
está presente em estetoscópio, termômetro, aparelhos, ela gosta de superfície lisa, poderia estar no
aparelho de fototerapia do filho da paciente. Não há como indicar onde ela estava.
A contaminação pode estar ligada à falta de higiene, ela é fundamental, têm que lavar a
mão mil vezes, normalmente o paciente toma banho depois que interna, passam uma substância no
abdômen para tentar tirar bactérias que estejam alojadas.
Fernando Rodrigues dos Santos também prestou depoimento. É professor na
UNIOESTE, acompanhava seus alunos nas visitas à enfermaria, passavam as visitas nas pacientes que
estavam internadas nos leitos. Os alunos pediram que o depoente os acompanhasse na visita à paciente
Adriana, eles a examinaram, assim como o depoente, que concordou com a conduta que já tinha sido dada
no dia anterior, de alta para ela.
Ela já tinha tido o bebê, outro profissional havia feito o parto dela. O depoente a viu no
terceiro dia de internamento, após o parto. Quando a viu, prescreveu o protocolo de rotina da visita,
verificados os seus dados vitais, feito exame físico, palpado o abdômen, visto a ferida operatória, a
secreção pós-parto que ela apresentava, e como estava tudo dentro do esperado, foi confirmada a alta que
ela já tinha recebido.
A paciente apresentava secreções normais para o período pós-operatório, que não
impediam a alta. Toda paciente pós-parto tem secreções, mas existem características benignas e malignas,
que sugerem algum processo infeccioso posterior. No caso de Adriana, as secreções estavam limpas e sem
cheiro, ela não tinha febre, sua condição era considerada normal para o puerpério.
Ela já tinha recebido alta anterior, mas ela foi cancelada, porque o bebê ficou amarelo, e
precisou receber tratamento de fototerapia, e no HU é praxe a mãe ficar junto com ele, por isso ela
permaneceu em observação, mas por causa dele. Ela já poderia ter ido para casa desde o dia anterior.
Fabiana Severino Kupka, testemunha da requerida UNIOESTE, enfermeira perante a
instituição, informou que trabalha no HU desde 2009, não estava presente quando a paciente em questão
faleceu.
Informou que desde a abertura do hospital, existe serviço de controle de infecção, que é
baseado pelo CDC, atualizado todos os anos. Desde então se trabalha rigorosamente dentro das
recomendações internacionais de controle de infecção, higiene, segurança.
Atualmente o controle é um pouco diferente, porque os estudos demonstram evolução,
mas na época trabalhavam conforme a demanda. Se tinha algum paciente com infecção ou sintomas, o
setor de controle é acionado, faz-se o isolamento do paciente, cultura de secreção ou sangue, e o
tratamento conforme a topografia que o exame apresenta, de acordo com a solicitação médica.
Questões básicas de higiene não sofreram mudanças desde então, por exemplo, a
higienização de mãos de sítio cirúrgico segue a mesma norma desde o primeiro documento do CDC, que
data da década de setenta. Com relação à higiene de sítio cirúrgico e de mãos, as rotinas e as regras são as
mesmas.
O serviço de controle de infecção mensura mensalmente as ocorrências. Todo o paciente
que entra para realizar procedimento cirúrgico está sujeito a ter alguma complicação. Atualmente o
controle está mais próximo, pois toda semana realizam cultura de vigilância nos pacientes da terapia
intensiva, mas nos pacientes eletivos, não há como prever essas ocorrências.
Quando se trata de paciente cirúrgico, não há como prever a infecção, apenas se orienta
por sinais e sintomas, mas não há um protocolo preventivo. A prescrição dos medicamentos é feita pelos
médicos, e a administração pela enfermagem.
Marcelo Palma de Oliveira, informou que é professor perante a UNIOESTE. Informou
que a paciente estava em pós-operatório de cesariana, evoluindo favoravelmente, e em condições de alta,
mediante os exames da época. A alta apenas não havia sido dada ainda porque o recém-nascido estava
fazendo fototerapia.
A paciente não apresentava um estado febril. Se houvesse algum indicativo ou suspeita
de infecção hospitalar, não teria dado alta à paciente. O atendimento que os réus Fernando e Maria Elena
prestaram foi posterior ao do depoente.
Seriam sinais indicativos de infecção no caso, por exemplo, febre, secreção purulenta,
mal estar geral, e a paciente não apresentava nenhum deles, como indicam os prontuários. A não ser pelo
recém-nascido, a paciente poderia ter ido embora no momento em que a examinou.
Consta do prontuário que a paciente apresentava sangramento com secreção serosa, o
que é comum no pós-operatório de cesariana, o próprio nome já diz, seros vem de soro, de modo que não
havia nenhuma indicação de infecção, diferentemente de um sangramento purulento.
Dor não necessariamente é sinal de infecção. Um dos indicativos clínicos da infecção é
a febre, o próprio organismo se defendendo da infecção. A febre pode ser cíclica, mas as anotações de
enfermagem sempre referem a medição a cada intervalo de horas, medida a temperatura a cada quatro
horas. Nesse caso, a paciente não apresentou nenhuma temperatura no dia anterior ao que o depoente
executou o exame, o que consta do prontuário.
O depoente não é especialista em infectologia para precisar se todos os casos de
infecção apresentam febre, mas o que aprendeu durante a faculdade é que os picos febris a indicam, é um
princípio, mas pode ter exceções.
Dito isso é que se tem desproporcional a desnecessária exposição a risco da puérpera
por mais tempo do que aquele estritamente necessário no âmbito hospitalar, especialmente após a
realização de procedimento cirúrgico com corte profundo.
O prontuário médico e os profissionais que atenderam a paciente indicam que ela não
apresentava nenhum sintoma que demandasse ser mantida internada. Não tinha febre e a cicatrização
seguia o curso regular, inclusive no que se refere ao sangramento e à secreção que era observada naquele
momento, ocorrências naturais do processo, como também atestou o perito.
A infecção a que foi submetida a paciente conduziu a um processo contínuo de
exposição, visto que precisou voltar ao hospital, em condições muito mais fragilizadas pelo processo,
passou por outros procedimentos cirúrgicos, incrementando ainda mais o risco de contaminação já
presente.
A conclusão fica mantida mesmo diante da resposta apresentada pelo digno perito, no
laudo à seq. 161.1:
40-Com base nos prontuários de atendimento da paciente, e possível confirmar que o
atendimento prestado pelos demais médicos foi correto e adequado? Foram imperitos e/ou
negligentes no atendimento da paciente?
R- [...] Dia 03/02/2007: Decimo primeiro dia de cesariana /Primeiro dia de desbridamento
da FO. Neste dia , pela manhã, foi realizado o desbridamento , limpeza e ressutura da
ferida operatória. Durante o procedimento, de acordo com o prontuário medico e relatório
da cirurgia , foi encontrada pequena quantidade de secreção purulenta e serosanguinolenta.
Realizado desbridamento e lavagem exaustiva com soro fisiológico morno. A ferida foi
ressuturada na aponeurose, subcutâneo e pele. Mantida a antibioticoterapia . Prescritos
analgésicos, antinflamatórios, antitérmicos, inalação , antianêmico, fisioterapia
respiratória. Foi solicitada nova cultura de bactérias da secreção da ferida operatória e
antibiogarama (pag 60 do processo), como também exames laboratoriais. Importante
ressaltar que o resultado da cultura colhida no dia 03/02/2007 resultou NEGATIVA, ou
seja, não mostrava bactérias presentes nesta cultura (pag. 65). O acompanhamento
psicológico mostrou uma paciente comunicativa, queixosa e resistente ao
acompanhamento psicológico, não aceitando as normas da instituição, agressiva
verbalmente. Apresentou dois episódios de febre.
Ainda que momentaneamente se tenha observado a ausência das bactérias no local da
cultura, a paciente apresentava episódios de febre, indicativo fortemente citado como de infecção, não
podendo se precisar se outras partes de seu corpo já não estavam infectadas.
Além disso, a infecção inicial conduziu à necessidade de realização de outros três
procedimentos cirúrgicos, situações que só fizeram agravar ainda mais a já fragilizada condição da
paciente, fazendo-a ainda mais suscetível a contaminação.
A negligência pode ser aferida da própria manifestação do réu, que informa a
dificuldade de combate da bactéria e sua alta taxa de fatalidade, fator que deveria ser considerado no
exercício da atividade, orientando a adequada tomada de providências para lidar com o fato, o que não
consta dos autos.
Importa salientar que a negligência fica também evidente diante das orientações trazidas
à seq. 1.11/1.12, cuja leitura permite aferir uma série de procedimentos recomendados em caso de
infecções hospitalares, não havendo nenhuma prova de que foram adotados neste caso, tanto para evitar a
contaminação da própria paciente em discussão, quanto de outros pacientes, depois que ela já estava
infectada.
Na segunda internação também são observadas falhas no serviço prestado.
A Normativa 079/97, vigente à época do fato, estabeleceu o Protocolo de Abordagem
das Infecções em Obstetrícia do Hospital Universitário do Oeste do Paraná. Observa-se nos itens 5 e 6 o
estabelecimento de providências distintas a serem tomadas em casos de infecção, a partir da verificação
da gravidade do caso.
No caso dos autos, os prontuários colacionados à inicial revelam que foi adotado o
protocolo inicial de tratamento de infecções quando da internação da autora. O fato foi confirmado pelo
digno perito, à seq, 161.1:
39-Quando do internamento em 31/01/2007, o diagnóstico da médica Dra.
Maria Elena foi o adequado?
R-Sim. A paciente foi reinternada no dia 31-1-2007, no oitavo dia após a
cesariana, proveniente do posto de saúde PAC II, diagnóstico de infecção
da ferida operatória. Ao ser internada a Dra. Maria Elena estava de plantão
e prescreveu tratamento antibiótico de acordo com o Protocolo de
Abordagem das Infecções em Obstetrícia do HUOP (normativa numero
079-07). Foi prescrito os antibióticos GARAMICINA, FLAGYL E
PENICILINA CRISTALINA , medicamentos por via endovenosa nas doses
adequadas. Também solicitou curativo na ferida operatória três vezes por
dia. Solicitou exames de sangue (HEMOGRAMA-CREATININA), exame
de urina e solicitou colheita de cultura da secreção da ferida operatória.
Maria Elena afirmou em seu depoimento, ainda, no dia 31, a paciente retornou ao HU,
no final da manhã, e o plantão da depoente começava no início da tarde. Nesse momento, ela apresentava
uma ferida operatória no local da cesária, com infecção. Ela tinha infecção no sítio operatório e foi
internada. Ela foi examinada por dois plantonistas, um que estava no final da manhã e a depoente, no
começo da tarde.
A depoente afirma que seguem protocolo, segundo o qual, quando o paciente apresenta
infecção, são prescritos três tipos de antibiótico, o que foi seguido no caso. Adriana era sensível ao
antibiótico. A conduta procura cobrir todas as bactérias. Na admissão de Adriana lhe foi prescrito pela
depoente penicilina, cristalina, garamicina e flagil.
Foram solicitados, ainda, exames de rotina e coleta da secreção purulenta para
identificar possivelmente o tipo de bactéria, para ver se o antibiótico era sensível ou não. Posteriormente,
se constatou que a bactéria era sensível ao antibiótico que foi prescrito.
A depoente afirma que somente teve contato com a paciente na referida alta e no
retorno, na segunda internação, sendo o último deles no dia 01. Como a paciente tinha infecção, não
ficava internada no mesmo local em que a depoente estava atendendo no plantão, que acontece em uma
área crítica, onde se dão partos, cesárias, procedimentos. As pacientes com infecção ficam numa ala
especial na maternidade, a 50 ou 60m (sessenta metros) do referido local do plantão.
No momento em que a depoente atendeu a paciente, não existia risco de vida imediato.
Ela chegou andando, permaneceu no centro obstétrico até aguardar a vaga e depois subiu para a
maternidade.
De outro lado, os documentos que constam à seq. 1.2, fls. 18/20, firmados por diferentes
médicos, dão conta que a paciente deu entrada contaminada por infecção adquirida no hospital, com
indicativo de sepse.
E mais, ao longo dos dias o quadro de saúde foi piorando consideravelmente, conforme
os prontuários médicos trazidos ao feito, todavia, foi mantida pela rotina do hospital o mesmo protocolo
estabelecido para infecções menos graves.
Isso pode ser observado a partir da previsão de medicamentos distintos para cada fase
do quadro, não tendo o tratamento evoluído o protocolo previsto. A conclusão é corroborada pelo laudo
pericial, que confirma a manutenção do tratamento com os antibióticos iniciais previstos nos itens 5 e 6 da
Normativa (mov. 1.20).
Neste particular, ainda que o digno perito tenha atestado que os médicos adotaram a
técnica médica adequada ao caso, entendo que resta patente a negligência do hospital em fiscalizar a
correta condução do caso, de acordo com os protocolos e normativas que o próprio órgão de controle de
infecções aprovou.
Apenas dois dias depois da internação foi solicitado parecer à Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar, pela enfermeira Kelly Jackeline Jorge, respondido pela enfermeira Maria Aparecida
com sugestão de manutenção de curativo e que se aguardasse o resultado da cultura de secreção de ferida
operatória, coletada em 31/01/07, e recomendou a precaução de contato em quarto compartilhado.
O hospital réu não trouxe ao feito nenhum elemento de prova da adoção de adequados
métodos de assepsia e higiene, tanto do sítio operatório no qual a paciente foi submetida a intervenções,
quanto no quarto em que permanece internada, ou nos outros procedimentos a que foi submetida durante a
internação.
Há, também, indicativos de que não recebeu os cuidados apropriados, na medida em que
não conduzida à UTI por ausência de vagas, ainda que em estado evidentemente muito grave - atestado
pelos próprios médicos, conforme os prontuários.
Neste particular, destaca-se a informação prestada pelo Dr. Luiz Claudio dos Santos, à
seq. 1.11, f. 12, no sentido de que a paciente teve uma parada cardiorrespiratória enquanto aguardava vaga
na UTI, tendo sido necessitado o auxílio de médicos do setor, logrando êxito em ressuscitá-la.
A obrigação de fornecer a adequada estrutura para tratamento dos pacientes é
inexoravelmente do hospital réu, não havendo qualquer mínimo traço de responsabilidade que se possa
atribuir aos profissionais que trabalham em suas dependências nesse aspecto.
Não bastasse isso, não se verifica dos autos que o hospital tenha instituído qualquer
programa específico de combate e tratamento da bactéria que contaminou a autora ou de tratamento dos
pacientes que adoeceram em razão dela.
Não há como saber se a fatalidade poderia ter sido evitada com a alta no tempo e modo
adequados, com a adoção do protocolo mais gravoso para tratamento da infecção grave, ou mesmo
mediante transferência para a unidade de terapia intensiva assim que evidenciada a necessidade, ou,
sequer com a adoção de um protocolo de atendimento específico para o caso de infecção hospitalar.
No entanto, caso tais falhas não tivessem ocorrido, esta dúvida não existiria e, via de
consequência, estaria o requerido isento de responsabilidade pelo fato, diante da execução de tudo aquilo
que lhe era possível perante o caso.
Outrossim, entendo que está evidenciada a conduta apta a atrair a responsabilidade do
requerido pelo fato, por omissão, na modalidade negligência, na medida em que não tomou as
providências necessárias para evitar a contaminação da paciente no âmbito hospitalar e a ocorrência do
evento danoso.
É o escólio da jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INFECÇÃO HOSPITALAR.
SEQUELAS IRREVERSÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CULPA CONTRATUAL.
SÚMULA 7. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DANO MORAL. REVISÃO DO VALOR.
JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DATA DO
ARBITRAMENTO. REDUÇÃO DA CAPACIDADE PARA O TRABALHO. PENSÃO
MENSAL DEVIDA. 1. Não cabe, em recurso especial, rever a análise da prova para
afastar a conclusão do acórdão recorrido de que a infecção de que padeceu o autor teve
como causa a internação hospitalar (Súmula 7). 2. Em se tratando de infecção hospitalar,
há responsabilidade contratual do hospital relativamente à incolumidade do paciente e
"essa responsabilidade somente pode ser excluída quando a causa da moléstia possa ser
atribuída a evento especifico e determinado" (REsp 116.372/MG, Rel. Ministro SÁLVIO
DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 2.2.1998). 3. "Não cabe a
denunciação quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo
evento danoso, não sendo a denunciação obrigatória nos casos do inciso III do art. 70 do
Código de Processo Civil, na linha da jurisprudência da Corte" (REsp 302.205/RJ, Rel.
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ
4.2.2002). 4. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente,
em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais,
quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na
instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com
os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 5. É devido o pensionamento vitalício
pela diminuição da capacidade laborativa decorrente das sequelas irreversíveis, mesmo
estando a vítima, em tese, capacitada para exercer alguma atividade laboral, pois a
experiência comum revela que o portador de limitações físicas tem maior dificuldade de
acesso ao mercado de trabalho, além da necessidade de despender maior sacrifício no
desempenho do trabalho. 6. A correção monetária deve incidir a partir da fixação de valor
definitivo para a indenização do dano moral. Enunciado 362 da Súmula do STJ. 7. No caso
de responsabilidade contratual, os juros de mora incidentes sobre a indenização por danos
materiais, mesmo ilíquida, fluem a partir da citação. 8. A indenização por dano moral puro
(prejuízo, por definição, extrapatrimonial) somente passa a ter expressão em dinheiro a
partir da decisão judicial que a arbitrou. O pedido do autor é considerado, pela
jurisprudência do STJ, mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso
o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido (Súmula 326). Assim, a ausência de
seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável
ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse, não teria como
satisfazer obrigação decorrente de dano moral, sem base de cálculo, não traduzida em
dinheiro por sentença judicial, arbitramento ou acordo (CC/1916, art. 1064). Os juros
moratórios devem, pois, fluir, no caso de indenização por dano moral, assim como a
correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrada a indenização,
tendo presente o magistrado, no momento da mensuração do valor, também o período,
maior ou menor, decorrido desde o fato causador do sofrimento infligido ao autor e as
consequências, em seu estado emocional, desta demora. 9. Recurso especial do réu
conhecido, em parte, e nela não provido. Recurso especial do autor conhecido e
parcialmente provido. (REsp 903.258/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 17/11/2011)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS - MORTE POR INFECÇÃO HOSPITALAR - RESPONSABILIDADE
OBJETIVA E PERÍCIA CONCLUSIVA PELA OCORRÊNCIA DE INFECÇÃO - NÃO
COMPROVAÇÃO DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - INTELIGÊNCIA
DO ARTIGO 14 DO CDC - INOCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ -
MANUTENÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL - VALOR CONDIZENTE COM O
CARÁTER REPARADOR E PEDAGÓGICO-PUNITIVO DA VERBA -
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA MANTIDA DE ACORDO COM OS PEDIDOS
FORMULADOS PELO AUTOR, E NÃO PELO VALOR DA INDENIZAÇÃO
PRETENDIDA - SENTENÇA MANTIDA, COM MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS
EM SEDE RECURSAL.RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO. (TJPR - 8ª
C.Cível - AC - 1672689-3 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá -
Rel.: Gilberto Ferreira - Unânime - J. 05.10.2017)
Dos requeridos Fernando Rodrigues dos Santos e Maria Elena de Carvalho
Quanto aos réus Fernando Rodrigues dos Santos e Maria Elena de Carvalho, porém,
entendo que não está evidenciada a procedência da denunciação da lide.
Diferentemente do hospital réu, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais
será apurada mediante a verificação de culpa (art. 14, § 4º, CDC), definida pelo Código Civil como
aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a
morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho (art. 951, CC)
A perícia foi contundente quanto à inexistência de omissão (mov. 161.1):
CONCLUSÃO: Esta perícia conclui que as condutas dos Drs. Fernando dos Santos e
Maria Elena Carvalho foram adequadas, não havendo indícios de Imperícia, Imprudência
ou Negligência na condução do tratamento efetuado na paciente ADRIANA SEVERINO
enquanto estavam sob seus cuidados no primeiro período de internação entre os dias
22/01/2007 a 27/02/2007. Na segunda Internação hospitalar entre os dias 31/01/2007 a
06/02/2007, a Dra. Maria Elena realizou o internamento e tomou medidas corretas no
primeiro dia de internação e do tratamento da infecção da paciente. Houve uma
complicação grave da paciente no dia 5 de fevereiro de 2007, já explicada, que levou ao
desfecho trágico de óbito, onde não houve envolvimento direto dos dois médicos citados.
Esta pericia conclui também que não houve Imperícia, Negligência ou Imprudência dos
demais médicos que estavam envolvidos no tratamento da paciente ADRIANA.
Os depoimentos judiciais não destoam da conclusão.
Maria Elena de Carvalho e Fernando Rodrigues dos Santos, conforme citado
alhures, examinaram a paciente, este último na companhia de estudantes, inclusive. As informações
acerca da sua condição e os procedimentos adotados são confirmadas pelos prontuários que constam nos
autos.
A testemunha Marcelo Palma de Oliveira, que também atuou no caso, de modo
bastante semelhante aos requeridos, como indicam seu depoimento e também os prontuários.
Os documentos médicos revelam-se bastante completos e razoáveis, contendo dados
abrangentes da paciente, prescrições, pedidos de exame e recomendações, não se verificando nenhum
indicativo de lapso ou omissão dos profissionais em questão.
As informantes da autora se limitaram a afirmar que a paciente estava com dor e
sangramento. Tais aspectos foram confirmados pelo perito e pelos médicos como comuns ao processo de
cicatrização, não podendo se afirmar que isoladamente indicam a ocorrência de erro médico.
Por outro lado, o perito atestou que as opções eleitas pelos réus têm respaldo técnico e
científico, e não foi omissa ou negligente.
Não há nos autos nenhum indicativo de que os requeridos tenham agido de maneira
incorreta, que não detivessem os conhecimentos necessários para o atendimento da autora.
Outrossim, os litisdenunciados trouxeram ao feito os elementos que dispunham para
atestar a regularidade do procedimento adotado no caso, em atenção ao ônus processual estabelecido na
decisão saneadora. Ao contrário, a ré denunciante não produziu provas que fragilizassem as conclusões
ora esposadas.
Ausente, assim, a responsabilidade civil dos réus litisdenunciados, consoante a
jurisprudência correlata:
DIREITO ADMINISTRATIVO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS ERRO MÉDICO - APELAÇÃO Paciente que, após sofrer um acidente
automobilístico, procurar atendimento no nosocômio, ser medicado e liberado para casa,
desenvolveu quadro clínico desfavorável, levando-o à morte - Suspeita de erro médico
Responsabilidade Objetiva - Inadmissibilidade Rompimento do nexo causal - Prova
pericial - Ausência de nexo de causalidade entre o procedimento adotado pelo corpo
clínico do hospital e as anomalias que levaram o paciente ao êxito letal Sentença
monocrática mantida - RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. (TJ-SP - APL:
00076670420088260472 SP 0007667-04.2008.8.26.0472, Relator: Xavier de Aquino, Data
de Julgamento: 13/05/2014, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
14/05/2014)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO ATENDIMENTO MÉDICO PRONTO SOCORRO MUNICIPAL ERRO
MÉDICO DANOS MORAIS NEXO DE CAUSALIDADE AUSÊNCIA DEVER DE
INDENIZAR INEXISTÊNCIA. 1. A responsabilidade civil do Estado é objetiva baseada
na teoria do risco administrativo no caso de comportamento danoso comissivo (art. 37, §
6º, CF) e subjetiva por culpa do serviço ou 'falta de serviço' quando este não funciona,
devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. 2. Paciente atendida em Pronto
Socorro Municipal com diagnóstico de amigdalite. Paciente medicada e dispensada.
Retorno posterior ao pronto socorro com parada cardiorrespiratória. Morte como
consequência. Erro ou falha no atendimento médico inicialmente prestado não
comprovado. Ausência de prova apresentava os sintomas alegados na inicial. Inexistência
de nexo causal entre a ação administrativa e o resultado danoso. Dever de indenizar
inexistente. Pedido improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP - APL:
00051224020078260360 SP 0005122-40.2007.8.26.0360, Relator: Décio Notarangeli,
Data de Julgamento: 29/04/2015, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
30/04/2015)
E o Tribunal de Justiça deste Estado:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE DANOS
MORAIS - CIRURGIA DE CAUTERIZAÇÃO DE HEMORROIDAS -
APARECIMENTO DE QUEIMADURAS NA REGIÃO POSTERIOR DAS COXAS DA
PACIENTE - ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO - AGRAVOS RETIDOS -
CERCEAMENTO DE DEFESA - NECESSIDADE DA PROVA ORAL, OITIVA DO
PERITO NOMEADO OU REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA - AFASTAMENTO -
MÉRITO - PROVA PERICIAL CONCLUSIVA, DEMONSTRANDO A
IMPOSSIBILIDADE DE QUEIMADURA DECORRENTE DE BISTURI ELÉTRICO E
A UTILIZAÇÃO DE IODO PARA A ASSEPSIA DA REGIÃO - AUSÊNCIA DE NEXO
DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA MÉDICA E AS LESÕES SOFRIDAS -
AFASTAMENTO DE ERRO MÉDICO - PROCEDIMENTO CORRETAMENTE
ADOTADO NO ATENDIMENTO DA PACIENTE - RESPONSABILIDADE CIVIL
NÃO CONFIGURADA - AUSÊNCIA DE DEVER DE INDENIZAR - SENTENÇA
MANTIDA.AGRAVOS RETIDOS DESPROVIDOS RECURSO DE APELAÇÃO
DESPROVIDO (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1521914-0 - Cianorte - Rel.: José Augusto
Gomes Aniceto - Unânime - J. 01.03.2018)
Dano moral
Definida a responsabilidade, passo à quantificação dos danos.
O dano moral é presumido, conforme o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 302, CAPUT, DO
CTB. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. VEÍCULO QUE PASSARIA POR
MANUTENÇÕES PERIÓDICAS. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. ART.
387, IV, DO CPP. DANOS MORAIS. FIXAÇÃO. POSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO.
PEDIDO FORMULADO NA DENÚNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
OFENSA. INEXISTÊNCIA. MORTE DE INTEGRANTE DO NÚCLEO FAMILIAR.
PRESUNÇÃO. PENA PECUNIÁRIA E INDENIZAÇÃO. CAPACIDADE
ECONÔMICA DO RECORRENTE. NÃO-OBSERVÂNCIA. CARÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. TEMA DE NATUREZA FÁTICA. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. 1. A análise da alegação de que o veículo
envolvido no acidente de trânsito passava por manutenções preventivas e periódicas e que
o óbito da vítima teria decorrido de sua culpa exclusiva - teses afastadas pelas instâncias
ordinárias -, demandaria o reexame de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula
7/STJ. 2. Valorar juridicamente a prova é aferir se, diante da legislação pertinente, um
determinado meio probatório é apto para provar algum fato, ato, negócio ou relação
jurídica. 3. No caso concreto, não se debate se determinado tipo de prova pode ser
juridicamente utilizado como meio probatório para dar suporte a uma condenação
criminal. O que se pretende é que esta Corte Superior verifique se o conteúdo do conjunto
probatório autorizaria a condenação do agravante. Isso não é valoração jurídica da prova,
mas reexame do acervo de provas, vedado pela Súmula 7/STJ. 4. O acórdão recorrido
consignou que a peça inaugural apresentou o pedido de indenização, de modo que o réu
teve a oportunidade de se insurgir no momento oportuno, inexistindo ofensa ao
contraditório e à ampla defesa no deferimento da indenização por danos morais. 5. Esta
Corte Superior tem admitido que o Juiz, com espeque no art. 387, IV, do Código de
Processo Penal, estabeleça a reparação por danos morais, quando entender haver
elementos suficientes para o seu arbitramento. 6. O dano moral em razão do óbito de
integrante do núcleo familiar é presumido, não havendo necessidade de prova da sua
ocorrência. [...] 9. Agravo regimental improvido. (AgInt no REsp 1572299/SC, Rel.
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe
02/03/2017)
Não se desconhece a celeuma jurídica estabelecida, tanto no meio doutrinário quanto
jurisprudencial, em relação ao procedimento de fixação do valor para indenização dos danos morais,
tendo em vista especialmente o caráter imaterial do bem jurídico a ser reparado.
É assente na jurisprudência brasileira que tal análise se baliza pela razoabilidade e
proporcionalidade (AgRg no AREsp 456.331/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 03/04/2014), cabendo socorrer-se da lição de Flávio Tartuce, que
elenca critérios específicos a serem considerados:
[...] na esteira da melhor doutrina e jurisprudência, na fixação da indenização por danos
morais, o magistrado deve agir com equidade, analisando:
- a extensão do dano;
- as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos;
- as condições psicológicas das partes;
- o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima.
Tais critérios podem ser retirados dos arts. 944 e 945 do CC, bem como do entendimento
dominante, particularmente do Superior Tribunal de Justiça. (TARTUCE, Flávio. Manual de
Direito Civil – Volume Único – 3ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2013, p. 472.)
Ponderadas tais questões, passo a analisar o quantum relativo à indenização por danos
morais.
O dano imposto à autora é de grave monta, considerando que perdeu filha em tenra
idade, tendo sido privada da convivência diária, atestada pelas informantes ouvidas em Juízo.
A qualificação como empregada doméstica à inicial e a utilização do sistema público de
saúde pela autora são indicativos de parcos recursos financeiros. A requerida, de outro turno, é instituição
hospitalar e de ensino vinculada ao Estado, não se tendo maiores informações relativas à situação
econômica atual.
As condições psicológicas da autora não foram apreciadas por profissional
especializado, e o fator não se aplica à pessoa jurídica ré.
Não há nenhum indicativo de que a vítima tenha contribuído para a ocorrência dos
danos. Por outro lado, ainda que constatada a negligência do réu, inexistem elementos que evidenciem
culpa exacerbada, que demande maior repressão.
Fixadas tais premissas, entendo que o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) é
suficiente à reparação do dano suportado pela autora, sem promover o seu enriquecimento ilícito, mas
considerando a extensão do dano e a função pedagógica da reparação.
Juros e correção monetária nos termos do item 3.1, do Tema 905 do STJ, incidindo os
primeiros a partir da citação e esta última do arbitramento, à luz do art. 405, do Código Civil e enunciado
362 da súmula do STJ, respectivamente.
Pensionamento
A autora pede, ainda, seja o requerido condenado ao pagamento de pensão por ato
ilícito, o que também é procedente, conforme pacífico na jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E
MORAIS. FALECIMENTO DA FILHA DA AUTORA, MENOR DE IDADE, EM
DECORRÊNCIA DE ATROPELAMENTO EM LINHA FÉRREA. 1. VALOR DA
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. CABIMENTO. 2. FAMÍLIA
DE BAIXA RENDA. DANOS MATERIAIS PRESUMIDOS. 3. CONSTITUIÇÃO DE
CAPITAL. NECESSIDADE. 4. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. DATA DO
EVENTO DANOSO. 5. RECURSO PROVIDO. 1. Trata-se de ação de indenização por
danos materiais e morais decorrentes do falecimento da filha da autora, vítima de
atropelamento por composição férrea, caso em que a condenação por danos morais deve
ser majorada, observando-se, todavia, a existência de culpa concorrente. 2. Segundo a
jurisprudência deste Tribunal, é devido o pensionamento aos pais, pela morte de filho
menor, nos casos de família de baixa renda, equivalente a 2/3 do salário mínimo desde os
14 até os 25 anos de idade e, a partir daí, reduzido para 1/3 do salário até a data
correspondente à expectativa média de vida da vítima, segundo tabela do IBGE na data do
óbito ou até o falecimento da mãe, o que ocorrer primeiro. 3. Faz-se necessária a
constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia da pensão,
independentemente da situação financeira do demandado (Súmula 313/STJ). 4. Na
hipótese de responsabilidade extracontratual, os juros de mora são devidos desde a data do
evento danoso (óbito), nos termos da Súmula 54 deste Tribunal. 5. Recurso especial
provido. (REsp 1325034/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 11/05/2015)
Todavia, o pagamento em parcela única por ela pretendido, nos termos do art. 950,
parágrafo único, do Código Civil, não é tido como direito absoluto do credor, especialmente em caso de
pensionamento vitalício, conforme acórdãos do mesmo Tribunal:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO QUE DEIXOU O
AUTOR PARAPLÉGICO. EMPRESA DE TRANSPORTE CONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇO PÚBLICO. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA.
MAJORAÇÃO DO VALOR DAS INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS E
ESTÉTICOS. CABIMENTO. PENSIONAMENTO MENSAL. PAGAMENTO EM
PARCELA ÚNICA. ART. 950, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC. DESCABIMENTO, NO
CASO. NECESSIDADE DA CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. SÚMULA 313/STJ.
JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. PROVIMENTO
PARCIAL APENAS DO RECURSO DO AUTOR. 1. Consoante dispõe o art. 535 do CPC
destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgado eventuais omissão,
obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa. 2.
O dano moral decorrente da perda de parente, em regra, traduz-se em abrandamento da dor
emocional sofrida pela parte, mas que tende a se diluir com o passar do tempo. Já nas
hipóteses de amputação de membros, paraplegias ou tetraplegias, a própria vítima é quem
sofre pessoalmente com as agruras decorrentes do ato ilícito praticado, cujas
consequências se estenderão por todos os dias da sua vida. No presente caso, entre outras
circunstâncias, o fato de o autor ter ficado paraplégico quando tinha apenas 20 (vinte) anos
de idade, no auge de sua juventude, recomenda a majoração do valor da indenização por
danos morais para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e dos danos estéticos para R$
200.000,00 (duzentos mil reais). 3. A regra prevista no art. 950, parágrafo único, do
CC, que permite o pagamento da pensão mensal de uma só vez, não deve ser
interpretada como direito absoluto da parte, podendo o magistrado avaliar, em cada
caso concreto, sobre a conveniência de sua aplicação, a fim de evitar, de um lado, que
a satisfação do crédito do beneficiário fique ameaçada e, de outro, que haja risco de o
devedor ser levado à ruína. Na espécie, a fim de assegurar o efetivo pagamento das
prestações mensais estipuladas, faz-se necessária a constituição de capital ou caução
fidejussória para esse fim, nos termos da Súmula 313 deste Tribunal. 4. Nos casos de
responsabilidade contratual, o termo inicial para a incidência dos juros de mora é a data da
citação. 5. Recurso especial do autor provido parcialmente e desprovido o recurso da ré.
(REsp 1349968/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 04/05/2015)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS. TRANSPORTE DE MERCADORIAS. FRETE. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DA TOMADORA E PRESTADORA DE SERVIÇOS. EXISTÊNCIA DE
INTERESSE ECONÔMICO NO TRANSPORTE. PENSÃO VITALÍCIA. PEDIDO DE
PAGAMENTO EM COTA ÚNICA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 950, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO CC/2002. MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL. LESÕES GRAVES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Diante da
existência de interesse econômico no serviço, consistente no lucro decorrente da entrega
dos produtos a seus destinatários, exsurge, em regra, a responsabilidade solidária entre a
tomadora e a empresa de transporte de cargas, devendo ambas responderem perante
terceiros no caso de acidente ocorrido durante o deslocamento da mercadoria. 2. O
parágrafo único do art. 950 do Código Civil de 2002, que prevê a possibilidade de
pagamento de cota única de pensão decorrente de ato ilícito, não se aplica aos casos
de pensão vitalícia. 3. O pagamento, em parcela única, implica, em tese, a
desnaturação do próprio instituto da vitaliciedade, pois a vítima do acidente pode
ficar desamparada em determinado momento de sua vida ou provocar o
enriquecimento sem causa do credor, caso este faleça de forma prematura. 4. A regra
de constituição de capital, aplicada pelo aresto impugnado, nos moldes da Súmula 313 do
STJ e do art. 475-Q do Código de Processo Civil de 1973, segue os interesses de ambas as
partes e garante o pagamento mensal da pensão vitalícia. 5. No caso, o autor experimentou
lesões graves com o acidente, consistente em diversas fraturas nas pernas e no quadril,
levando-o à incapacidade no percentual de 70% (setenta por cento), justificando-se,
portanto, a majoração da indenização para R$ 65.000,00. 6. Recurso especial parcialmente
provido. (REsp 1282069/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 07/06/2016)
A prestação é devida desde o falecimento da autora, à razão de (dois terços) do salário
mínimo vigente, até os 25 (vinte e cinco) anos de idade, e de (um terço) do salário mínimo vigente a
partir de então, até a idade que atingiria, segundo a expectativa de vida do IBGE.
Os juros e correção monetária das prestações vencidas serão calculados a partir de cada
vencimento, nos moldes do item 3.1 do Tema 905 do STJ, já citado. A autora deverá a autora ser incluída
na folha de pagamento da pessoa jurídica, nos termos do art. 533, § 2º, do CPC.
III. Dispositivo
Posto isso, julgo procedente o pedido e assim julgo o mérito, nos moldes do art. 487, I,
do CPC e, via de consequência, condeno a requerida UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do
Paraná ao pagamento de:
a) danos morais, no importe de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), corrigidos e
atualizados desde o arbitramento, acrescidos de juros de mora desde a citação, nos parâmetros fixados
pelo STJ no tema 905, à luz da fundamentação.
b) pensão vitalícia consistente no valor equivalente a (um terço) do salário mínimo
vigente, da ocorrência do fato até a data em que a falecida completaria 25 (vinte e cinco) anos, e, a partir
de então, de (um terço) do salário mínimo vigente, até o limite temporal fixado na fundamentação. As
parcelas vencidas sofrerão correção monetária e incidência de juros de mora, desde o vencimento, e a
partir dos índices acima referidos, de acordo com o STJ.
Julgo improcedente a denunciação da lide, com fundamento no art. 487, inciso I, do
CPC, com resolução do mérito.
Condeno a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, além dos
honorários advocatícios de sucumbência ao procurador da autora e dos litisdenunciados, os quais, à luz do
disposto no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, considerada a duração da demanda, sua
complexidade e as intervenções e manifestações das partes, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor do
proveito econômico obtido.
Cumpram-se as providências preconizadas no Código de Normas da Egrégia
Corregedoria de Justiça deste Estado.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Cascavel, 07 de novembro de 2018.
Nathan Kirchner Herbst
Juiz de Direito