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OS NÚCLEOS VASOMOTORES DO BULBO E A REGULA˙ˆO CARDIOVASCULAR: NOVAS EVID˚NCIAS E NOVAS QUESTÕES VENTROLATERAL MEDULLA AND THE CARDIOVASCULAR CONTROL: NEW EVIDENCE NEW DOUBTS Sergio L Cravo 1 , Daniel A Rosa 2 , Fernanda Kalassa 2 , Willian S Korim 2 , Julia M Hinrichs 3 , Marcos L Ferreira-Neto 2 , Luciana R Di Mônaco 2 , Gustavo R Pedrino 2 1 Docente. 2 Alunos da Pós-graduaçªo. 3 Aluna Bolsista de Iniciaçªo Científica. Departamento de Fisiologia. Escola Paulista de Medicina UNIFESP CORRESPOND˚NCIA: Dr. Sergio L. Cravo Disciplina de Fisiologia Cardiovascular. Departamento de Fisiologia. Escola Paulista de Medicina UNIFESP. Rua Botucatu, 862 CEP 04023-062 Sªo Paulo SP Brasil - FONE: 5576-4536 - FAX: 5573-7820 Email: [email protected] Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR. Os nœcleos vasomotores do bulbo e a regulaçªo cardiovascular: novas evidŒncias e novas questıes. Medi- cina (Ribeirªo Preto) 2006; 39 (1): 89-100. RESUMO: HÆ mais de 30 anos foi proposto um modelo para explicar como o sistema nervo- so central promove a regulaçªo do sistema cardiovascular, onde os nœcleos vasomotores do bulbo seriam as principais estruturas envolvidas no controle do reflexo cardiovascular. Segundo este modelo, o nœcleo do trato solitÆrio (NTS) Ø o primeiro nœcleo a integrar as informaçıes cardiovasculares vindas dos baroceptores e tambØm parece integrar vias descendentes prove- nientes de nœcleos superiores como o hipotÆlamo, importantes para as reaçıes de alerta e defesa. Do NTS saem projeçıes excitatórias para a regiªo caudoventrolateral (CVL) do bulbo, a qual inibe a regiªo rostroventrolateral (RVL). Esta œltima regiªo constitui a principal fonte de eferŒncias excitatórias para os neurônios simpÆticos prØ-ganglionares (SPN), sendo responsÆ- vel pelo tonus simpÆtico para o coraçªo e vasos. Projeçıes importantes do CVL para estruturas diencefÆlicas (nœcleo preóptico mediano, nœcleo paraventricular do hipotÆlamo e nœcleo supraóptico) tambØm estªo envolvidas no controle da composiçªo e/ou volume do comparti- mento extracelular. A Ærea depressora gigantocelular (GiDA) constitui outro possível centro vasomotor envolvido nos ajustes de fluxo sangüíneo por meio de projeçıes diretas para o SPN. No entanto, o meio pelo qual a GiDA exerce seu efeito vasodepressor ainda Ø desconhecido. Nos œltimos 10 anos, nosso laboratório tem se dedicado a deslindar as vias e mecanismos neurais associados à regulaçªo do fluxo sangüíneo visceral e muscular. Resultados obtidos ao longo destes estudos resultaram em evidŒncias que sªo incompatíveis com o modelo proposto. Descritores: Pressªo Arterial. NTS. RVL. CVL. 89 1- INTRODU˙ˆO A perfusªo do leito vascular capilar constitui um elemento essencial da homeostasia. É atravØs do fluxo sangüíneo que percorre este território e das tro- cas que aí se realizam, que o interstício pode ser reno- vado, mantendo-se nas condiçıes ideais para a homeostasia celular. A perfusªo do leito capilar de- pende de níveis adequados de pressªo sangüínea ar- terial, uma vez que esta constitui a força motriz que Medicina, Ribeirªo Preto, X SIMPÓSIO BRASILEIRO DE FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR 39 (1): 89-100, jan./mar. 2006 Capítulo IX

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OS NÚCLEOS VASOMOTORES DO BULBO E A REGULAÇÃOCARDIOVASCULAR: NOVAS EVIDÊNCIAS E NOVAS QUESTÕES

VENTROLATERAL MEDULLA AND THE CARDIOVASCULAR CONTROL: NEW EVIDENCE NEW DOUBTS

Sergio L Cravo1, Daniel A Rosa2, Fernanda Kalassa2, Willian S Korim2, Julia M Hinrichs3,Marcos L Ferreira-Neto2, Luciana R Di Mônaco2, Gustavo R Pedrino2

1Docente. 2Alunos da Pós-graduação. 3Aluna Bolsista de Iniciação Científica. Departamento de Fisiologia. Escola Paulista de Medicina� UNIFESPCORRESPONDÊNCIA: Dr. Sergio L. CravoDisciplina de Fisiologia Cardiovascular. Departamento de Fisiologia. Escola Paulista de Medicina � UNIFESP. Rua Botucatu, 862CEP 04023-062 São Paulo SP � Brasil - FONE: 5576-4536 - FAX: 5573-7820Email: [email protected]

Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR. Osnúcleos vasomotores do bulbo e a regulação cardiovascular: novas evidências e novas questões. Medi-cina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 89-100.

RESUMO: Há mais de 30 anos foi proposto um modelo para explicar como o sistema nervo-so central promove a regulação do sistema cardiovascular, onde os núcleos vasomotores dobulbo seriam as principais estruturas envolvidas no controle do reflexo cardiovascular. Segundoeste modelo, o núcleo do trato solitário (NTS) é o primeiro núcleo a integrar as informaçõescardiovasculares vindas dos baroceptores e também parece integrar vias descendentes prove-nientes de núcleos superiores como o hipotálamo, importantes para as reações de alerta edefesa. Do NTS saem projeções excitatórias para a região caudoventrolateral (CVL) do bulbo, aqual inibe a região rostroventrolateral (RVL). Esta última região constitui a principal fonte deeferências excitatórias para os neurônios simpáticos pré-ganglionares (SPN), sendo responsá-vel pelo tonus simpático para o coração e vasos. Projeções importantes do CVL para estruturasdiencefálicas (núcleo preóptico mediano, núcleo paraventricular do hipotálamo e núcleosupraóptico) também estão envolvidas no controle da composição e/ou volume do comparti-mento extracelular. A área depressora gigantocelular (GiDA) constitui outro possível centrovasomotor envolvido nos ajustes de fluxo sangüíneo por meio de projeções diretas para o SPN.No entanto, o meio pelo qual a GiDA exerce seu efeito vasodepressor ainda é desconhecido.

Nos últimos 10 anos, nosso laboratório tem se dedicado a deslindar as vias e mecanismosneurais associados à regulação do fluxo sangüíneo visceral e muscular. Resultados obtidos aolongo destes estudos resultaram em evidências que são incompatíveis com o modelo proposto.

Descritores: Pressão Arterial. NTS. RVL. CVL.

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1- INTRODUÇÃO

A perfusão do leito vascular capilar constituium elemento essencial da homeostasia. É através dofluxo sangüíneo que percorre este território e das tro-

cas que aí se realizam, que o interstício pode ser reno-vado, mantendo-se nas condições ideais para ahomeostasia celular. A perfusão do leito capilar de-pende de níveis adequados de pressão sangüínea ar-terial, uma vez que esta constitui a força motriz que

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Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 89-100, jan./mar. Novas evidências na regulação cardiovascularhttp://www.fmrp.usp.br/revista Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR.

propulsiona o sangue até o território capilar. Há maisde um século, sabe-se que o tronco cerebral e, maisespecificamente, o bulbo (ou medula oblongata) cons-titui o segmento crítico para a regulação neural da pres-são arterial. No entanto, foi só a partir da década de70, que um avanço significativo nesta área ocorreu.Em uma série de trabalhos basilares, Guertzenstein ecolaboradores1/4 demonstraram que regiões restritasdo tegmento ventrolateral do bulbo continham neurô-nios cuja atividade era fundamental para a manuten-ção do tono vasomotor e da pressão arterial. Literal-mente, milhares de artigos científicos publicados des-de então, confirmaram e expandiram conceitos firma-

dos pelas observações originais de Guertzenstein ecolaboradores, o que é a maior prova da qualidadeexcepcional destes estudos.

A Figura 1 apresenta uma representação es-quemática dos principais núcleos vasomotores do bul-bo e as suas relações com outras áreas do sistemanervoso central envolvidas na regulação cardiovascu-lar. De acordo com este modelo:1) o tono simpático para o coração, vasos de resistên-

cia e medula adrenal se origina de neurônios sim-páticos pré-ganglionares (SPN) localizados na co-luna intermediolateral (IML) nos segmentos torá-cicos da medula espinal;

Figura 1: Representação esquemática de um corte sagital do encéfalo com os principais núcleos vasomotores presentes notegmento ventrolateral do bulbo e suas conexões com outros núcleos autonômicos do sistema nervoso central.

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Novas evidências na regulação cardiovascular Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 89-100, jan./mar.Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR. http://www.fmrp.usp.br/revista

almente lesivos ou um agressor mais poderoso, oscomportamentos defensivos provavelmente constitu-em um contínuo, incluindo desde o simples abanar deuma orelha ou cauda para afastar um inseto, a retraçãode um membro (comportamento de flexão) ou a ca-beça de um agente nocivo, a esquiva ou fuga, mani-festações verbais de desculpa, de justificativas, etc.6

Os comportamentos de alerta e defesa englo-bam diversos ajustes motores e neurovegetativos coma intenção de preparar e dar suporte metabólico parasituações de luta ou fuga7,8. Os ajustes cardiovascu-lares incluem: hipertensão, taquicardia, vasoconstriçãovisceral e vasodilatação muscular. Uma vez que estescomportamentos geralmente se acompanham de in-tensa ativação motora, a vasodilatação muscular temsido admitida como um de seus componentes princi-pais ao fornecer suporte metabólico.

Embora só possam ser observadas plenamenteem animais despertos e expostos a estímulos naturais,os ajustes vegetativos das reações de defesa podemser provocados em animais anestesiados pela estimu-lação elétrica ou química do sistema nervoso central.

A estimulação elétrica de regiões hipotalâmicasao redor do fornix, por exemplo, desencadeia reaçõescaracterizadas por um aumento transitório da pressãoarterial, taquicardia, vasoconstrição visceral e intensavasodilatação muscular esquelética7/10, por esta ra-zão esta área tem sido denominada área de defesahipotalâmica (HDA).

Utilizando bloqueios farmacológicos seletivos,em trabalhos anteriores de nosso laboratório9,10, de-monstramos que a vasodilatação muscular provocadapor estimulação da HDA em ratos anestesiados pare-ce resultar de três mecanismos distintos: 1) reduçãodo tônus vasoconstrictor simpático, 2) liberação decatecolaminas pelas células cromafins localizadas namedula da adrenal e 3) ativação de um sistema envol-vendo a liberação de óxido nítrico e fatores nitrosila-dos11. Em um estudo posterior, demonstramos que obloqueio de sinapses glutamatérgicas no RVL é capazde bloquear completamente esta vasodilatação9. Emconjunto, estes resultados indicam que a vasodilata-ção muscular das reações de alerta parece dependerda excitação glutamatérgica de neurônios no RVL e,a partir daí, ativação dos três mecanismos efetores jácitados.

Em uma continuidade a estes estudos busca-mos identificar as possíveis vias e estruturas envolvi-das na ativação do RVL durante as reações de aler-ta9. Estudos anteriores demonstram que além de suas

2) os SPN são tonicamente excitados por projeçõesdiretas de um grupo restrito de neurônios localiza-dos na porção rostroventrolateral do bulbo (RVL);

3) os neurônios do RVL são controlados por projeçõesinibitórias (tônicas e reflexas) de neurônios situa-dos na porção caudoventrolateral do bulbo (CVL);

4) os reflexos baroceptores utilizam a via inibitóriaCVL-RVL para modulação da atividade simpáticado coração, vasos e medula adrenal: a estimulaçãodos baroceptores arteriais excita neurônios de pro-jeção no núcleo do trato solitário (NTS), que exci-tam neurônios no CVL, aumentando a sua inibiçãosobre os neurônios do RVL, o que resulta em dimi-nuição do tono simpático para o coração e vasos;

5) além de suas projeções inibitórias ao RVL, o CVLcontém neurônios distintos que se projetam paranúcleos diencefálicos como o núcleo paraventri-cular do hipotálamo (PVH) e núcleo supra-óptico,modulando a secreção de vasopressina;

6) neurônios localizados na porção mais caudal dotegmento bulbar constituem a área pressora cau-dal (CPA). Essa região contribue para a geraçãodo tono vasomotor e manutenção da pressão arte-rial, entretanto as vias pelas quais a CPA exerce oseu papel ainda não são conhecidas.

Trata-se, é claro, de uma descrição sumária,que visa apenas a delinear as principais conclusõesderivadas destes 30 anos de pesquisas desde os tra-balhos pioneiros de Guertzenstein e colaboradores(para uma revisão detalhada destes conceitos verColombari et al., 20015.

Nos últimos 10 anos, nosso laboratório tem sededicado a deslindar as vias e mecanismos neuraisassociados à regulação do fluxo sangüíneo visceral emuscular. Resultados obtidos ao longo destes estudosresultaram em evidências que são incompatíveis como modelo proposto. Neste artigo pretendemos descre-ver brevemente estes resultados, indicando as suges-tões que eles contém e indicando os pontos em queeles discordam de nossa visão atual.

2- A VASODILATAÇÃO MUSCULAR DASREAÇÕES DE ALERTA E A REGULAÇÃOCARDIOVASCULAR

As reações de alerta e defesa constituem umaampla classe de comportamentos exibidos por nume-rosas espécies, inclusive a humana. Embora quase queexclusivamente referidos como os comportamentosexibidos por um indivíduo frente a estímulos potenci-

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já bem conhecidas ações nas vias reflexas dos baro equimioceptores, o NTS parece participar como sítiode integração de respostas cardiovasculares duranteas reações de alerta e defesa12,13. A estimulação quí-mica do NTS provoca vasodilatação muscular que pa-rece envolver a redução do tono vasoconstrictor sim-pático, a liberação de catecolaminas pela adrenal e aliberação de NO de acordo com o subtipo de receptorpurinérgico estimulado14,15. O NTS apresenta proje-ções diretas para o RVL, cujo significado funcionalpermanece ainda em grande parte desconhecido. NoNTS, o ATP e a adenosina derivada do catabolismoextracelular atuam como importantes neurotransmis-sores / neuromoduladores na regulação do fluxo san-güíneo regional muscular e visceral13,16,17. Estudos

autoradiográficos18/21 demonstram alta densidade dereceptores P1 (adenosina) e P2 (ATP) nos centroscardiovasculares e respiratórios do NTS. Estes estu-dos anteriores demonstraram que a adenosina é rapi-damente liberada no NTS durante a estimulação elé-trica da HDA12, participando na ativação dos subtiposde receptores A119,22. Estes estudos nos levaram ainvestigar a hipótese de que as reações de alerta pos-sam envolver a ativação de uma via HDA-NTS-RVLe que a neurotransmissão purinérgica do ATP possaparticipar destas reações.

Como podemos observar na Figura 2, em ratosanestesiados, a microinjeção no NTS de agonistaspurinérgicos do subtipo P2x á,âmeATP (100pmol/50nl)desencadeou hipotensão, bradicardia e vasodilatação

Figura 02: (A) Efeitos da estimulação elétrica do hipotálamo (eehipo) e da microinjeção de ba-meATP (100pmol/50nl) no NTSintermédio na pressão arterial pulsátil (PAP) , pressão arterial média (PAM), freqüência cardíaca (FC) e fluxo sangüíneo para osmembros posteriores (FSMP) antes e após o bloqueio bilateral no NTS com Suramin (100pmol/50nl) em ratos anestesiados. (B)Curvas de condutância vascular dos membros posteriores antes (quadrados) e após (círculos) o bloqueio bilateral com Suraminno NTS, durante a estimulação elétrica do hipotálamo expresso como % do valor basal. (C) Curvas de condutância vascular dosmembros posteriores antes (quadrados), após (círculos) e após a reversão do bloqueio (triângulos) bilateral com Suramin no NTS,durante a microinjeção de ba-meATP no NTS expresso como % do valor basal

-50

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Tempo (s)

CVM

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eeHIPO Suramin bilat NTS

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0 20 40 60 80 100

Tempo (s)

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(%Ba

sal)

� � MeATP NTS Suramin bilat NTS Revertido

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0

25

0

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PAP mmH

FSMP ml/min

PAM mmH

FC bpm

30s

eehipo eehipo áâ-MeATP áâ-MeATP áâ-MeATP

Control ControlPós Pós Revertid

A B

C

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Novas evidências na regulação cardiovascular Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 89-100, jan./mar.Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR. http://www.fmrp.usp.br/revista

nos membros posteriores, indicando que a neurotrans-missão purinérgica é capaz de promover vasodilata-ção muscular. Nestes animais, a estimulação da HDAprovoca hipertensão, bradicardia e vasodilatação mus-cular. A microinjeção bilateral de suramin (100pmol/50nl), um antagonista P2x, no NTS é capaz de reduzirdrasticamente a vasodilatação muscular de membrosposteriores, sem afetar as respostas pressoras ou ta-quicárdicas induzidas pela estimulação elétrica daHDA. Esta dose de suramin é capaz de bloquearcompletamente as respostas cardiovasculares provo-cadas pela microinjeção de seu agonista á,âmeATP.,indicando que a dose de suramin utilizada é eficienteno bloqueio destes receptores. O bloqueio do suramimé reversível, i.e., após 60 a 80 min, a vasodilataçãomuscular em resposta à estimulação da HDA e à mi-croinjeção do agonista são restabelecidas. Os níveisbasais de pressão arterial, freqüência cardíaca e fluxosangüíneo para os membros posteriores não são mo-dificados pelo bloqueio bilateral dos receptores P2x.Estes resultados indicam que a redução da vasodila-tação pelo suramim no NTS não é um efeito lesivo ouinespecífico ou devido a modificações nos níveis deperfusão dos tecidos.

Para determinarmos a relação entre a ativaçãodos receptores P2x localizados nos neurônios do NTScom o núcleo RVL durante os ajustes hemodinâmi-cos, microinjetamos α,βmeATP (100pmol/50nl) noNTS. Em seguida, realizamos o bloqueio bilateral dereceptores glutamatérgicos no RVL através da micro-injeção bilateral de ácido quinurênico (5nmol/50nl).Passados vinte minutos microinjetamos novamenteα,βmeATP no NTS. A vasodilatação dos membrosposteriores foi totalmente abolida, assim como a hipo-tensão e a bradicardia. Passados 90 minutos de blo-queio, todos os ajustes retornam às suas condiçõesnormais, demonstrando uma reversão desse bloqueio.Os valores basais de pressão arterial, freqüência car-díaca e fluxo sangüíneo para as patas posteriores per-maneceram inalterados após o bloqueio no RVL.

Em conjunto, estes resultados são compatíveiscom a hipótese de que às respostas de alerta provo-cadas por estimulação hipotalâmica envolvem a ati-vação de uma via purinérgica no NTS, e a partir daativação desse núcleo, o RVL é ativado por vias glu-tamatérgicas, mobilizando vias neurais e mecanismoscapazes de promover intensa vasodilatação muscular.

3- A ÁREA GIGANTOCELULAR DEPRES-SORA (GIDA) E A GERAÇÃO DO TONOVASOMOTOR SIMPÁTICO

Em um estudo de 1994, Aicher et al.23 demons-traram que a estimulação química por microinjeçõesde glutamato em uma área localizada na região ven-tral e medial do bulbo provocava hipotensão e redu-ção da atividade simpática, caracterizando esta regiãocomo uma região vasodepressora. Por esta razão, estaregião foi então denominada de Área Depressora Gi-gantocelular (GiDA)*1. Mais significante, todavia, eraa observação de que a microinjeção do agenteneuroexcitatório/neurotóxico ácido caínico nesta re-gião provocava hipertensão arterial acentuada de ori-gem neurogênica, ou seja, com aumento da atividadesimpática. Estes resultados sugeriam que a GiDA seconstituía em uma região com atividade simpatoini-bitória tônica, i.e., a atividade dos neurônios ali pre-sentes era fundamental para inibir a geração do tonovasomotor. Estes resultados não eram compatíveis como modelo de geração do tono simpático até então ado-tado e descrito anteriormente neste trabalho. Aindautilizando técnicas de microinjeção de aminoácidosexcitatórios e analisando os efeitos reflexos e tônicossobre a atividade simpática e a pressão arterial, Aichere Reis, 199724 demonstraram que a GiDA era funcio-nalmente distinta de outras regiões do tegmento me-dular cujo envolvimento com a regulação cardiovas-cular já era bem conhecido como, por exemplo, o CVLou os núcleos da rafe.

Combinando técnicas de rastreamento neuro-nal retrógrado e anterógrado e microscopia eletrôni-ca, estes autores buscaram estabelecer as possíveisvias pelas quais a GiDA exercia os seus efeitossimpatoinibitórios. Os resultados obtidos demonstra-ram que a GiDA mantém conexões com outros núcle-os autonômicos da medula oblonga como a região ven-tral do núcleo reticular ventral, os núcleos reticularesparvocelular, pálido e obscuro e o núcleo do trato soli-tário (subnúcleos comissural e medial), além desteslocais, algumas poucas fibras marcadas foram obser-vadas no RVL. Todavia, as suas principais eferênciasparecem se dirigir para a medula espinal e, mais es-pecificamente, para os segmentos torácicos da medu-la espinal, na região da coluna intermediolateral. Com-binando a marcação anterógrada de fibras provenien-

* De maneira a evitar a proliferação de abreviaturas e sinônimos desnecessários, nesta revisão optamos por adotar a abreviação GiDA,originalmente proposta pelos autores.

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tes da GiDA com a identificação retrógrada de neurô-nios simpáticos pré-ganglionares, Aicher et al. 199525

demonstraram que a GiDA mantém conexões sinápti-cas diretas inibitórias com neurônios simpáticos pré-ganglionares que inervam células cromafins da medu-la da adrenal. No entanto, essas evidências anatômi-cas não suportam, de modo inequívoco, a função va-sodepressora/simpatoinibitória da GiDA. Estes acha-dos anatômicos eram compatíveis com os achadosfuncionais que indicavam um papel inibitório da GiDAsobre a geração da atividade simpática. Todavia, àinibição destes neurônios, provocaria apenas reduçãoda secreção de catecolaminas circulantes, um efeitoque não poderia explicar completamente a significati-va hipotensão resultante da estimulação da GiDA.

Outros resultados funcionais sobre a atividadetônica da GiDA permanecem em grande parte desco-nhecidos. É intrigante a observação, por exemplo, quemicroinjeções unilaterais de muscimol (agonista dereceptores GABAérgico do subtipo A) provoca hi-potensão, ao passo que microinjeções bilaterais pro-vocam hipertensão26. Outra evidência interessante éque microinjeções de clonidina (agonista de adreno-ceptores do subtipo á2 na GiDA produz bradicardia ehipotensão que persiste por até 2 horas, sendo estesefeitos similares aos da clonidina no RVL27. Váriosestudos têm demonstrado que o efeito antihipertensi-vo da clonidina e outros adrenoceptores á2 são medi-ados principalmente ou somente por meio de regiõesmedulares específicas, incluindo o NTS, a formaçãoreticular gigantocelular, e particularmente oRVL28,29,30. No entanto, os resultados demonstradospor Aicher e Drake, 199927, indicam que a clonidinapossui o mesmo efeito em duas regiões funcionalmentedistintas do bulbo: a GiDA, que é uma região simpato-inibitória e vasodepressora tonicamente ativa, e o RVL,que é uma região simpatoexcitatória e vasopressoratonicamente ativa31,32. A partir destas evidências, te-mos desenvolvido uma linha de pesquisa que visa co-laborar com a caracterização anatômica e funcionaldesta possível nova região bulbar envolvida na regula-ção cardiovascular.

Dentre os estudos anatômicos realizados emnosso laboratório, focalizamos, com mais atenção, adistribuição das eferências da GiDA nos núcleos au-tonômicos da região torácica da medula espinal. Paraisso, foram realizados depósitos iontoforéticos dotraçador anterógrado BDA na GiDA. Após o tempode sobrevida necessário para o transporte do traçadoraté a medula espinal, os animais foram sacrificados eos cortes da região torácica da medula espinal foram

submetidos à imunoistoquímica para acetilcolinatransferase (ChAT).

Os neurônios simpáticos pré-ganglionares são osúltimos neurônios das vias do sistema nervoso centralenvolvidos com a regulação da função autonômica. To-dos estes neurônios são colinérgicos e, portanto, con-têm ChAT, sendo assim, a imunoistoquímica para estaenzima serve como marcador para estes neurônios.

Neste estudo, observamos que as projeções daGiDA descendem pelo funículo lateral ipsolateral ex-clusivamente. A maioria dessas fibras descendentesse projeta e arboriza-se na região da IML. No entan-to, um número considerável de fibras cruza a linhamédia após entrar na substância cinzenta e arboriza-se por todo o seu trajeto.

Como conseqüência desta intensa arborizaçãoobserva-se botões terminais não só na IML ipsolateral,como também na IML contralateral, e em outros nú-cleos autonômicos da medula, como a área autonômi-ca central e o núcleo intercalado. Nos núcleos auto-nômicos citados acima podemos observar aposiçõesentre as eferências da GiDA e os neurônios simpáti-cos marcados com ChAT.

A possibilidade das eferências da GiDA conta-tarem um grande número de SPNs ao longo de todo oeixo rostro caudal da região torácica da medula espinal,além dos SPNs que originam a inervação simpáticada adrenal, juntamente com o efeito fisiológico de-monstrado por Aicher et al., 199423, nos indica queesta área bulbar provavelmente exerce uma influên-cia mais ampla e funcionalmente distinta na regulaçãoautonômica do que a sabida até o momento.

A partir das observações citadas acima, procu-ramos outras evidências anatômicas que justifiquem oefeito simpatoinibitório da GiDA. A existência de co-nexões da GiDA com SPNs que originam a inervaçãoa outros alvos simpáticos como o coração e a vascu-latura visceral e muscular tem sido objeto de nossotrabalho.

Inicialmente foram feitos depósitos de AminoDextrana Biotinilada (BDA) na GiDA (Figura 3c) emicroinjeções de Fluorogold no gânglio celíaco. Naanálise da região torácica da medula espinal foramobservadas aposições na IML (Figura 3b). Frequen-temente, foram visualizados fibras e neurônios mar-cados no núcleo intercalado, no entanto sem aposições.

Estas aposições ocorrem em ramificações pro-ximais, indicando que a GiDA exerce um forte efeitoinibitório sobres estes neurônios, já que, sinapses emlocais proximais dos neurônios geralmente causam umainibição absoluta do sinal33.

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Novas evidências na regulação cardiovascular Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 89-100, jan./mar.Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR. http://www.fmrp.usp.br/revista

na GiDA, os efeitos hipertensores e de hiperatividadesimpática induzidos por KA ainda assim ocorrem (Fi-gura 3a). Estes resultados sugerem que os efeitos daGiDA sobre o sistema cardiovascular independem daintegridade funcional dos neurônios do RVL39.

4- PAPEL DOS NEURONIOS A1 NA REGULA-ÇÃO DO VOLUME EXTRACELULAR

Imediatamente caudal ao RVL situa-se a regiãodo CVL. Embora a descrição original dessa região esuas principais características tenha sido feita porGuertzenstein e colaboradores simultaneamente à des-crição do RVL, é surpreendente como o desenvolvi-mento dos conhecimentos sobre o CVL tem se desen-volvido tão lentamente quando comparado ao RVL.Talvez uma das principais causas desta discrepânciadeva-se ao fato que, ao contrário do RVL, o CVL pa-rece ser uma área funcionalmente heterogênea, con-tendo diversos sistemas anatômica e funcionalmentemuito distintos (é por esta razão que no caso do CVLé preferível utilizar o termo �região CVL� e não �nú-cleo CVL�) .

O CVL parece conter pelo menos dois circui-tos que podem ser distintos quanto a sua natureza: umenvolvido com a regulação do tono vasomotor simpá-tico e outro que parece envolvido com a regulação dovolume extracelular. Como descrito na figura 01, neu-rônios do CVL projetam-se para o RVL, onde exer-cem modulação inibitória (provavelmenteGABAérgica) sobre os neurônios do RVL que se pro-jetam para a IML.

Estudos neuroanatômicos indicam que, além desuas projeções para o RVL, neurônios do CVL proje-tam-se para áreas hipotalâmicas como o núcleo para-ventricular do hipotálamo (PVH) e núcleo supraóptico(SON). Estes núcleos são particularmente importan-tes por conterem neurônios magnocelulares respon-sáveis pela síntese, transporte e liberação de vaso-pressina por terminais axonais na neurohipófise40,41,42.A liberação de vasopressina constitui um dos váriosmecanismos que contribuem para manter a homestasecardiovascular e hidromineral, sendo importante me-canismo para a reabsorção de água e aumento da re-sistência vascular periférica.

O CVL também envia densa projeção para aregião anteroventral do terceiro ventrículo (AV3V),tendo particular importância o núcleo pré óptico medi-ano (MePO)40,41,42. Este alvo é um elemento centralna regulação do equilíbrio hidroeletrolítico.

Este conjunto de informações nos permite su-por que a GiDA inerva SPNs que dão origem a iner-vação simpática dos vasos mesentéricos e levando emconsideração a função desta região e os resultadosobtidos, é razoável supor que essas sinapses são pro-vavelmente inibitórias. No entanto, a natureza quími-ca e fisiológica destas sinapses ainda precisam serdemonstradas, assim como, a conexão da GiDA comneurônios simpáticos pré-ganglionares que originam ainervação simpática para outros territórios.

As eferências da GiDA provavelmente contêmos neurotransmissores que já foram localizados na for-mação reticular gigantocelular, como GABA34,glicina34,35 e serotonina36. Destes neurotransmissores,o candidato mais provável é o GABA, já que neurô-nios reticulo-espinais da área gigantocelular contêmGABA37 e SPNs recebem contatos sinápticosGABAérgicos38.

Dentre os primeiros estudos funcionais da GiDArealizados em nosso laboratório buscamos caracteri-zar os efeitos da estimulação química da GiDA sobrea condutância vascular nos territórios muscular evisceral, bem como investigar os seus principais me-canismos envolvidos. Neste estudo, pode-se observarque microinjeções de L-glutamato na GiDA produzredução da pressão arterial média (PAM) e FC; au-mentos no fluxo sangüíneo de membros posteriores efluxo sangüíneo renal (FSR), além de vasodilataçãodos territórios vasculares do trem posterior e renal.Após a administração de prazosin (antagonista de adre-noceptores á2) observamos que as respostas de PAMe FC e a vasodilatação nos territórios vasculares dotrem posterior e renal induzidas por microinjeções deL-glutamato na GiDA foram significantemente redu-zidas. Em conjunto, estes resultados sugerem que ahipotensão, bradicardia e vasodilatação visceral emuscular por estimulação da GiDA são decorrentesda redução do tono simpático vasoconstrictor.

Em outros experimentos, analisamos o papel doRVL nas respostas cardiovasculares induzidas por ina-tivação da GiDA com ácido caínico (KA). Nestesestudos, observamos que microinjeções bilaterais deKA na GiDA produziram acentuada hipertensão arte-rial com hiperatividade simpática. Nesta condição, ainativação química do RVL com muscimol não rever-te a hiperatividade simpática induzida por KA na GiDA,embora os valores de pressão arterial apresentem-sereduzidos. Além disso, observamos em outro grupo deanimais que se a inativação química do RVL commuscimol precede as microinjeções bilaterais de KA

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Estas eferências do CVL dirigidas a diversosalvos diencefálicos representam as vias envolvidas naregulação do volume extracelular. As vias ascenden-tes do CVL originam-se predominantemente de neu-rônios noradrenérgicos dos grupamentos A1 localiza-dos nesta região40,41,42. É importante ressaltar que osneurônios A1 não se projetam ao RVL e, portanto, nãoestão primordialmente envolvidos na regulação do tonosimpático.

Sabe-se que as informações viscerais proveni-entes de receptores periféricos (como barorrecepto-res, receptores cardiopulmonares, quimiorreceptorese osmorreceptores periféricos localizados na veia por-

ta) enviam projeções para o NTS. A partir deste, asinformações podem alcançar diferentes destinos nosistema nervoso central, incluindo-se o tegmentoventrolateral do bulbo (RVL e CVL).

Nos últimos anos, trabalhos de nosso laborató-rio43/46 têm se dedicado a estudar as aferências, áreasde integração bulbar e eferências das respostas he-modinâmicas provocadas por alterações agudas dovolume e concentração do fluido extracelular. Entreos diversos modelos experimentais empregados, te-mos utilizado a infusão de pequenos volumes (0,5 ml)de salina hipertônica (NaCl 3 M).

Em estudos anteriores demonstramos que, em

Figura 3: (A) Registro da pressão arterial pulsátil (PAP), atividade simpática do nervo esplâncnico (SNA) e integral da atividadesimpática (¦SNA) em ratos anestesiados durante o período controle (CTR), após inativação bilateral do RVL com muscimol (MUSCRVL), 5 (ka GiDA) e 30 minutos após microinjeções bilaterais de ácido caínico (1nmol/50nL) na GiDA. (B) desenho semi-esquemático de um corte coronal do bulbo mostrando o local de depósito de BDA na GiDA (hachurado- lado direito da figura). Nolado esquerdo pode-se identificar as seguintes estruturas anatômicas: NTS (núcleo do trato solitário); Sp5I (núcleo espinal donervo trigêmeo); 12 (núcleo hipoglossal); Gi (núcleo reticular gigantocelular); GiV (núcleo reticular gigantocelular ventral); 12n(raiz do nervo hipoglosso) e Py ( trato piramidal). (C) Fotomicrografia de campo claro de corte transversal e desenho esquemáticoda região torácica da medula espinal. No desenho esquemático nota-se a localização da IML em negro dentro do detalhe. Nafotomicrografia pode-se observar SPNs que dão origem a inervação do gânglio celíaco marcados retrogradamente com Fluorogold(asteriscos brancos). Nestes neurônios podemos observar locais de possíveis aposições (setas pretas) entre fibras marcadascom BDA (setas brancas) e os SPN marcado com Fluorogold.

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ratos anestesiados, a infusão de NaCl 3 M provocahipertensão transitória e aumentos mantidos do FSR eda condutância vascular renal (CVR)43/46. Admite-seque o aumento da CVR, i.e., a vasodilatação do terri-tório renal, constitua um dos mecanismos essenciaispara promover a excreção da carga de sódio infundi-da e o restabelecimento das condições normais devolemia e tonicidade. Os resultados obtidos indicamque a denervação sinoaórtica abole a vasodilataçãorenal induzida pela infusão de salina hipertônica, en-quanto que a vagotomia bilateral (bloqueando as afe-rências de receptores cardiopulmonares) não modifi-ca essa resposta46. Estes dados indicam que são osbarorreceptores arteriais, e não os receptores cardio-pulmonares, responsáveis pela origem da vasodilata-ção renal. Além disso, a vasodilatação renal pode tam-bém ser observada após desnervação renal, o que in-dica que ela pode ser devida a fatores humorais. Den-tre os possíveis peptídeos vasoativos envolvidos com

esta resposta, o papel do petídeo natriurético atrial(ANP) tem sido investigado. O ANP é secretado pelainfusão de salina hipertônica, e sua secreção é modu-lada por aferentes dos baroceptores47.

A partir destes resultados buscamos testar ahipótese que a infusão de salina hipertônica provoca aativação de aferentes dos baroceptores que, atravésda via NTS-CVL, ativariam alvos diencefálicos comoo MePO (núcleo integrante da região AV3V), ativan-do os mecanismos que resultariam em vasodilataçãorenal.

Como mencionado anteriormente, a injeção en-dovenosa de salina hipertônica promove aumento tran-sitório da pressão arterial e aumentos mantidos de FSRe da CVR. Entretanto, ao realizarmos lesão eletrolíticada região AV3V, os aumentos de pressão, fluxo e con-dutância são abolidos45. Estes resultados evidenciamque a região AV3V participa na integração das respostascardiovasculares à salina hipertônica (Figura 4a).

A

B

A

B

Figura 4: Efeitos da lesão eletrolítica da região AV3V (A) e do bloqueio dos adrenoceptores á1 localizado no MePO (microinjeçãodo antagonista á1 prazosin; B) sobre as variações da pressão arterial média (PAM) e da condutância vascular renal (CVR)induzidas pela sobrecarga de sódio (NaCl 3M) em ratos anestesiados.

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Estudos neuroanatômicos e imunoistoquímicosdemonstram que a região AV3V recebe importantesprojeções noradrenérgicas do CVL. Desta forma in-vestigamos o papel dos receptores adrenérgicos dosubtipo a1 nas respostas cardiovasculares induzidasapós a sobrecarga de sódio. Os resultados obtidos de-monstram que a microinjeção prévia de prazosin (an-tagonista a1) reduz o FSR e abole a vasodilatação re-nal observada após salina hipertônica (Figura 4b). Sea microinjeção de prazosin é realizada mesmo após opleno desenvolvimento da vasodilatação, ou seja, apósuma hora da injeção endovenosa de salina hipertônica,ainda assim esta droga é capaz de bloquear a vasodi-latação renal. Estes resultados em conjunto, são indi-

cativos que os receptores a1 presentes no MePO par-ticipam na gênese e manutenção da vasodilatação re-nal provavelmente através de modulação da atividadesimpática e liberação de ANP. Portanto, com base nossubtratos neuroatanômicos anteriormente citados, po-demos supor que essas projeções noradrenérgica dogrupamento A1 para os núcleos MePO, estimuladapor aferências baroceptoras, podem modular as res-postas cardiovasculares, endócrinas e neurais induzidaspor variações na composição e/ou volume do com-partimento extracelular. O desenvolvimento atual desteprojeto envolve lesões seletivas do grupamento A1 demodo a confirmar estas hipóteses.

Cravo SL, Rosa DA, Kalassa F, Korim WS, Hinrichs JM, Ferreira-Neto ML, Di Mônaco LR, Pedrino GR.Ventrolateral medulla and the cardiovascular control: new evidence new doubts. Medicina (RibeirãoPreto) 2006; 39 (1): 89-100.

ABSTRACT : More than 30 years ago a model was proposed trying to explain how the centralnervous system controls the cardiovascular adjustments. According to this model the medullaryvasomotor nuclei are the main structures involved in the cardiovascular reflex control. It alsoshows the nucleus tractus solitarius (NTS) as being the first integrative center for the baroceptorsafferents and the descending pathways from supramedullary nuclei of hypothalamus, which con-tribute at defense and alert reactions. The NTS exhibits excitatory projections to the caudal ventrallateral medulla (CVL) which inhibits the rostral ventral lateral medulla (RVL). The RVL is the mainsource of excitatory inputs to the sympathetic preganglionic neurons, being responsible for thesympathetic tonus to heart and blood vessels. Important projections from CVL to diencephalonstructures (Median preoptic nucleus, Hypothalamic paraventricular nucleus, Supraoptic nucleus)also play an important role in the control of the extracellular compartment composition and vol-ume. The gigantocellular depressor area (GiDA) is likely to be another vasomotor center involvedin blood flow adjustments through direct projections to Preganglionic Sympathetic Neurons (SPN).How GiDA mediates its vasodepressor effects is unknown.

In the last 10 years we have been studying the pathways and neural mechanisms related tomuscle and visceral blood flow regulation. Obtained data are not compatible with the proposedmodel.

Keywords: Bood Pressure. NTS. RVL. CVL.

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