133
César Braga-Pinto Organizador: César Braga-Pinto JOSÉ ALBASINI À Procura de Saúde Crónicas de Um Doente In Search of Health Chronicles of a Sick Man Em meados de 1934, logo antes de morrer, José Albasini (o Bandana) escrevia para as páginas do Brado Africano uma série de crónicas, um híbrido de relato autobiográco e relato de viagem, possivelmente a primeira narrativa de intenções literárias escrita e publicada por um moçambicano. Trata-se de um testemunho de convalescença, não só física, mas também moral, cultural e colonial. Seu encontro com as paisagens e realidades do interior africano é colorido de memórias pessoais e colectivas, resultando em uma narrativa complexa, às vezes dramática, mas muitas vezes também cheia de humor e poesia. A edição das crónicas vem acompanhada de tradução para o inglês de Clélia Donovan, professora de português na Universidade da Califórnia, Berkeley. crónicas Edição bilingue: Português/Inglês www.alcanceeditores.co.mz César Braga-Pinto é professor de literaturas lusófonas e comparadas na Northwestern University (EUA). Organizou, com Fátima Mendonça, João Albasini e as Luzes de Nwanzdeengele: Jornalismo e política em Moçambique (1908-1922)”, publicado em 2014 pela Alcance Editora. É autor de “As Promessas da História: Discursos Proféticos e Assimilação no Brasil Colonial (EDUSP)”. Em 2003 foi professor visitante na Universidade Eduardo Mondlane, graças a uma bolsa da fundação Fulbright. Organizador: César Braga-Pinto 7 5 1 7 6 0 7 8 8 2 9 9 9 992 87 7 - 0 71 5 - - SBN I

Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

  • Upload
    lamhanh

  • View
    248

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

César Braga-Pinto

Org

aniza

dor:

Césa

r Bra

ga-P

into

JOSÉ ALBASINI À Procura de Saúde Crónicas de Um Doente

In Search of Health Chronicles of a Sick Man

Em meados de 1934, logo antes de morrer, José Albasini (o Bandana) escrevia para as páginas do Brado Africano uma série de crónicas, um híbrido de relato autobiográfico e relato de viagem, possivelmente a primeira narrativa de intenções literárias escrita e publicada por um moçambicano. Trata-se de um testemunho de convalescença, não só física, mas também moral, cultural e colonial. Seu encontro com as paisagens e realidades do interior africano é colorido de memórias pessoais e colectivas, resultando em uma narrativa complexa, às vezes dramática, mas muitas vezes também cheia de humor e poesia. A edição das crónicas vem acompanhada de tradução para o inglês de Clélia Donovan, professora de português na Universidade da Califórnia, Berkeley.

crónicasEdição bilingue:Português/Inglês

www.alcanceeditores.co.mz

César Braga-Pinto é professor de literaturas lusófonas e comparadas na Northwestern University (EUA). Organizou, com Fátima Mendonça, “João Albasini e as Luzes de Nwanzdeengele: Jornalismo e política em Moçambique (1908-1922)”, publicado em 2014 pela Alcance Editora. É autor de “As Promessas da História: Discursos Proféticos e Assimilação no Brasil Colonial (EDUSP)”. Em 2003 foi professor visitante na Universidade Eduardo Mondlane, graças a uma bolsa da fundação Fulbright.

Organizador: César Braga-Pinto

7 517 607 88 299 9

9 9 2 8 7 7- 07 1 5- -SBNI

Page 2: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini À Procura de Saúde:

Crónicas de um doente

In Search of HealthChronicles of a Sick Man

Edição BilingueIntrodução, notas e pesquisa: César Braga-Pinto

Trad. para o inglês: Clélia F. Donovan

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 1

Page 3: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

No Alcance de uma Educação de Futuro.

Av. Zedequias Manganhela, n.º 309, 1.º andar, Maputo - MoçambiqueTel: +258 826714444Fixo: +258 21 312325/6Fax: +258 21 [email protected]

Ficha Técnica

Endereços

Reservados todos os direitos de autor. É proibida a reprodução desta obra porqualquer meio seja ele fotocópia, offset, fotografia, texto, ilustração ou arranjográfico. A violação destas regras será passível de procedimento judicial, de acordocom o estipulado no código dos direitos do autor.

Maputo, 1.a edição, xxxxx de 2015RLINLD N.o 8392/RLINLD/2015

Alcance Editores

Título: JOSÉ ALBASINI - À PROCURA DE SAÚDE:

CRÓNICAS DE UM DOENTE

Colecção: CRÓNICAS

Autor: Cesar Braga Pinto

Editora: ALCANCE EDITORES

Paginação: Luís Ofice Cumbane

Coordenação e Revisão: Cátia Fernandes

Imagem da Capa: xxxxxxa

Arranjo Gráfico da Capa: xxxxxxxxxx

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 2

Page 4: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

3

Foto da capa: O rio Incomati. Essa e outras fotos nesse volume foramreproduzidas de Álbuns Fotográficos e Descritivos da Colônia de Moçam-bique, vol. 4 [Lourenço Marques - Indústrias, Agricultura, Aspectos dasCircunscrições, etc.], de José dos Santos Rufino, 1929, 130 págs.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 3

Page 5: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

4

José Albasini (o Bandana)

À Procura de Saúde:Crónicas de um doente

(1935)

In Search of HealthChronicles of a Sick Man

(1935)

Edição BilingueIntrodução, notas e pesquisa: César Braga-Pinto

Trad. para o inglês: Clélia F. Donovan

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 4

Page 6: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

5

José Francisco Albasini, o Bandana (1877-1935)

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 5

Page 7: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

6

Índice

1. Nota introdutória............................................................................ 62. “José Francisco Albasini e a saúde do corpus moçambicano”....... 83. Em busca de saúde ......................................................................... 284. In Search of Health ........................................................................ 855. Anexos:“A Mwebu”/ The seed (José Albasini)................................................ 138“José Albasini” (Estácio Dias) ........................................................... 143

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 6

Page 8: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

7

PrefácioMeu encontro com as crônicas aqui reunidas, durante minha estadia em

Maputo em 2003, quando dava aulas de literatura brasileira na Faculdadede Letras Universidade Eduardo Mondlane e passava as tardes lendo jornaisno Arquivo Histórico Nacional (financiado por uma bolsa da Fundação Ful-bright), causou-me enorme surpresa e imenso prazer. No meio das inúmeraspáginas de militância características dos jornalistas do Grêmio Africano,saltava à vista uma série de 12 textos que formavam uma narrativa completae que, sem deixarem de ser críticos–aliás, trata-se de uma notável interpre-tação do passado africano, como procuro mostrar em meu estudo a seguir–exprimiam algo de extremamente pessoal e pungente, com uma melancoliaque não deixa de nos tocar ainda hoje, oitenta anos mais tarde. Sinto comoum verdadeiro privilégio a oportunidade de ter podido recuperar, e agoraoferecer ao público moçambicano, esse testamento deixado por aquele quejulgo ser um dos mais importantes intelectuais e ativistas africanos. É comose eu pudesse assim retribuir ao menos um pouco daquilo que aprendi emminha saudosa temporada em Maputo e pelas minhas estimulantes viagenspor Moçambique.

Esse trabalho dá continuidade à reunião e ao estudo das crônicas auto-rais, publicadas em O Africano e O Brado Africano, projeto iniciado como volume João Albasini e as Luzes de Nwanzdeengele: Jornalismo e polí-tica em Moçambique (1908-1922), editado pela professora Fátima Men-donça e por mim, publicado também por essa editora em 2014. Como sesabe, o material contido nas páginas daqueles jornais é vasto e de inesti-mável valor, suficiente para compor vários volumes, não só em português,mas também em ronga. Acreditamos que em um futuro próximo aindavenham à luz outros textos daqueles pioneiros, os de João Albasini–espe-cialmente as crônicas assinadas sob pseudónimos e o seu Livro da Dor–assim como a produção de Estácio Dias, um dos três fundadores do GrêmioAfricano (dele incluiu-se, no final desse volume, um testemunho escritoem homenagem a José Albasini). Desnecessário dizer que a edição das crô-nicas em ronga está além de nossa capacidade, mas não deixamos de esperarque um dia ainda venham a ser publicadas, de preferência com traduçãoem português. Como amostra, reproduzimos aqui o texto “A Mwebu,”assinado pelo Bandana e publicado originalmente no número inaugural deO Africano, em 1908. A crônica aparece aqui em ronga, acompanhada de

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 7

Page 9: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

8

tradução para o inglês feita por Marcos Nhampulo, a quem agradecemospela permissão de sua publicação.

Ao contrário do volume publicado anteriormente, optou-se aqui por atua-lizar o texto segundo o mais recente acordo ortográfico (versão portuguesa,no texto original, brasileira, no do editor), a fim de garantir a fluência e aacessibilidade do texto original. Também corrigiu-se as gralhas, e algumasvezes tomamos a liberdade de modificar a pontuação. Em geral, as palavrasem língua ronga foram mantidas sem nota explicativa, já que quase sempreo contexto esclarece seus significados.

As crônicas que se publica aqui–talvez a primeira narrativa de viagemescrita por um moçambicano–vêm acompanhada de cuidadosa e belíssimatradução de Clélia Donovan, que soube manter o tom, por vezes solene,por vezes irônico, do jornalista e pensador africano nos seus últimos diasde vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mastambém a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesseaos leitores de língua inglesa–não somente no continente africano, mas tambémna Europa e nos Estados Unidos. Esperamos que assim o texto do Bandanaencontre a circulação que verdadeiramente merece.

Gostaria de pessoalmente agradecer o carinho dos amigos e o diálogodos críticos e intelectuais que encontrei em Moçambique, dentre elesFátima Mendonça, Francisco Noa, Rita Chaves, Ungulani Ba Ka Khosa,Jennifer Bullock, todos os colegas da UEM e da Universidade Pedagógica,o pessoal do Arquivo Histórico e da Associação dos Escritores Moçambicanos,e muitos, muitos outros. Agradeço ainda a Alcione Abramo, não só por seutrabalho impecável de digitação, mas por ter sido a primeira pessoa acompartilhar de meu entusiasmo pela narrativa de José Albasini.

Finalmente, dedico esse trabalho ao passado e ao futuro das minhasadoradas Nheleti e Donatella.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 8

Page 10: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

9

José Francisco Albasini e a saúde do corpus moçambicano1

César Braga-PintoNorthwestern University

Não há poder político sem o controle do arquivo, ou mesmo da memória. Uma democratização

efetiva poderá sempre ser comensurada através doseguinte critério essencial: a participação e o

acesso ao arquivo, sua constituição e interpretação2

Ao elaborar uma teoria da “performance”, Diana Taylor associa a ideiade performance àquilo que ela chama de “repertório”. Para tanto, Taylor élevada a contrapor o repertório à noção moderna de arquivo. Mesmoconsiderando que tal distinção não deva ser entendida de forma rígida, massim dinâmica, para Taylor uma separação do campo performático e visualdo estritamente discursivo (tradicionalmente privilegiado pelo logocen-trismo ocidental) oferece uma “lente metodológica” para se compreenderuma variedade de práticas, atos ou fatos político-culturais, tais como formasde desobediência civil, resistência, e mesmo a construção de identidadesraciais, sexuais ou de gênero. Segundo ela, tais “embodied practices”(práticas corporificadas) constituem não somente objetos culturais, masfuncionam também como saberes específicos, como práticas epistemológicasdistintas. Tal distinção não estaria determinada simplesmente pela separaçãoentre o escrito e o oral, mas sim entre o arquivo de objetos supostamente

1 Uma primeira versão desse texto foi anteriormente publicada em Passagens para o Índico – En-contros Brasileiros com a Literatura Moçambicana. Orgs. Rita Chaves e Tania Macêdo. Maputo,Mozambique: Ed. Marimbique, 2012. p. 95-112. A pesquisa para esta edição se originou duranteo ano de 2003 quando, graças a uma bolsa da Fundação Fulbright, passei o ano em Maputo,pesquisando e lecionando na Universidade Eduardo Mondlane. Agradeço à professora FátimaMendonça por ter me recebido e pelo diálogo que então se estabeleceu entre nós, em que aprendimuito do que conheço sobre a história e a literatura moçambicana. Agradeço também à direção eaos funcionários do Arquivo Histórico de Moçambique, sem os quais a pesquisa não teria sidopossível.

2 Jacques Derrida, Archive Fever: A Freudian Impression. Trad. Eric Prenowitz. Chicago e Londres:The University of Chicago Press, 1996.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 9

Page 11: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

10

duráveis, tais como textos, documentos, edifícios, monumentos, etc., e aspráticas consideradas efêmeras, tais como falas, cantos, danças, esportes,rituais, etc3.

Neste texto adotarei, ainda que provisoriamente, tal distinção entrerepertório e arquivo. Porém, antes de associar imediatamente o repertório(das formas de conhecimento ditas performáticas) às culturas e povos queem grande parte tiveram seu acesso à cultura letrada barrado, chamo aatenção para a necessidade – a urgência mesmo – de se recuperar, de formadinâmica, imaginativa (e sempre com o devido cuidado para não se repro-duzir a nostalgia colonialista) um arquivo e um corpus literário cuja dete-rioração é produto da violência colonial. Em seguida, mostrarei como otexto que se encontrava esquecido ou negligenciado na precariedade doarquivo pós-colonial, em si mesmo propõe uma reflexão sobre sua posiçãona transmissão da cultura e, além disso, aponta para uma crítica às formasde preservação e destruição coloniais: não só ao arquivo propriamente dito,mas também a todo repertório de práticas rituais ou políticas.

Assim, proponho que o texto que aqui se nos oferece à releitura crítica,a série de doze crônicas intituladas “À Procura de Saúde”, até agora inéditaem livro, é particularmente relevante não somente pela sua qualidade lite-rária – que, adianto, é extraordinária – ou porque estava “perdido” ou“esquecido” nas páginas dos jornais, mas sobretudo porque ele trata justa-mente da memória (pessoal e coletiva) e, também, de formas e práticas dememorialização. Tal texto, sugiro, articula o desejo de uma reatualizarãoarquivística salutar, ou seja, busca o restabelecimento do corpo e do corpusmoçambicano, apontando para uma aproximação entre as práticas de atua-lização do repertório e a política de interpretação do arquivo.

3 The Archive and the Repertoire: Performing Cultural Memory in the Americas Durham: DukeUP, 2003. A teoria está exposta no primeiro capítulo, Acts of transfer, p. 1-52.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 10

Page 12: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

11

* * * Em meados de 1934, José Albasini escreve para as páginas do célebre

jornal O Brado Africano um híbrido de relato autobiográfico e narrativa de via-gem que, acredito, poderia ser considerado a primeira narrativa de intençõesliterárias escrita e publicada por um moçambicano – excluindo-se talvezas pequenas crônicas de seu irmão João dos Santos Albasini, o Nwanzengele(2/11/1876 – 19/08/1922), particularmente aquelas cápsulas narrativas ouanedotas publicadas entre 1914 e 1915, sob o pseudônimo de Chico dasPegas, ainda quando o jornal se chamava O Africano4.

Como se sabe, os irmãos João e José Albasini foram os fundadores doprimeiro jornal escrito e dirigido por uma elite de intelectuais negros e mu-latos em Moçambique, possivelmente um dos primeiros jornais de cunhosecular editado por africanos. O número inaugural – um manifesto bilíngueem português e ronga, em defesa da educação, em português, dos entãochamados “indígenas” – foi lançado em dezembro de 1908, sob a liderançade, além dos irmãos Albasini, Estácio Bernardo Dias (1877-1937), naturalde Inhambane, geralmente lembrado como pai de João Dias (1926-1949).Este, por sua vez, é o autor do conto “Godido”, de 1949 (republicadopostumamente em Godido e outros contos em 1952), texto frequentementeconsiderado o primeiro exemplo de prosa narrativa moçambicana5. Escritosem português e ronga, e em alguns momentos até em inglês e zulu, os jor-nais O Africano (1908-1918) e O Brado Africano (1918-1974) alcançaramum público leitor bastante significativo, chegando a reivindicar para si olugar de jornal mais vendido de Moçambique.

Alguns críticos e historiadores muitas vezes se referem àquele grupo de

4 Para uma seleção dos textos de João Albasini, v. João Albasini e as luzes do Nwandzengele: Jor-nalismo e política em Moçambique (1908-1922). Ed. César Braga-Pinto e Fátima Mendonça.Maputo: Alcance Editores, 2014. Em inglês, v. Jeanne Penvenne, “Principles and passion:capturing the legacy of João dos Santos Albasini”. Boston: African Studies Center, BostonUniversity.

5 V., entre outros, Patrick Chabal, em The Postcolonial Literature of Lusophone Africa, Evanston:Northwestern U. Press, 1996, p. 31: “João Dias… is undoubtedly Mozambique’s first Africanmodern prose-writer.” Vale repetir que O Livro da Dor, de João Albasini, publicado em 1925, nãoé, como afirmaram muitos críticos e historiadores, um livro de contos, mas sim uma coleção decartas, recolhidas e editadas por Marciano Nicanor da Sylva. O equívoco aparece em várias obras,como por exemplo: Mario Ferreira, em European-language writing in sub-Saharan Africa,Volume 1 (Budapest: Coordinating Committee of A Comparative History of Literatures inEuropean Languages, 1986, p. 305); Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de ExpressãoPortuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995. p.257. Manuel Ferreira, em seu LiteraturasAfricanas de Expressão Portuguesa (Ática: São Paulo, 1987, p. 195), confessa não ter “conheci-mento exato” do livro, que não se encontra na biblioteca nacional de Lisboa. As únicas cópias deque se tem conhecimento estão no Arquivo Histórico de Moçambique e na biblioteca da BostonUniversity.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 11

Page 13: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

12

jornalistas-escritores como “protonacionalistas”, seguindo a sugestão deMário Pinto de Andrade6. No entanto, eu argumentaria que tal leitura pós-independentista enfatiza teleologicamente a soberania do estado-nação pós-colonial, e corre o risco de ofuscar algumas das contradições e dilemasvividos pelo intelectual africano, sobretudo na primeira metade do século20. Ao defender o que chamavam de “causa indígena”, e lançando umaampla campanha pela educação em português (e com isso, alinhando-semais ou menos estrategicamente à chamada “missão civilizadora”, com seuapelo à Razão, progresso e liberdade individual), aqueles intelectuais sepropunham a combater toda e qualquer “lei de exceção”, insistindo nanecessidade de que todos os Africanos tivessem o direito à cidadania plena(e claro que cidadania ‘portuguesa’). Assim, ao mesmo tempo em que pa-reciam aceitar a dualidade civilização x barbárie, defendendo a eliminaçãodesta última, os jornalistas do Grêmio Africano também lutavam para queos africanos tivessem participação plena e igualdade de direitos na socie-dade moderna. O que ainda permanece como objeto de debate e nem sem-pre de consenso é a questão da posição extremamente complexa do sujeitoassimilado em relação não somente ao sujeito “indígena”, mas também aopassado pré-colonial e à tradição africana7.

Centrando-nos em seus dados biográficos, temos que José FranciscoAlbasini (ou Bandana) tinha por irmãos, além de João dos Santos, MariaIsabel e, o caçula, Antônio Paulino; ele era neto do português (de nasci-mento) João Albasini (1812-1888), que em Moçambique ficaria conhecidocomo o Juwawa. Este, por sua vez, era filho de Antônio Albasini, um ita-liano que havia emigrado para Portugal, onde se casou com Maria da Pu-rificação e com quem teve o filho em 1812. Mais tarde, João acompanharia

6 Cf. Mário Pinto de Andrade, Origens do Nacionalismo Africano. Lisboa: Publicações D. Quixote,1997, 2ª ed., 1998, p. 77.

7 Essenciais para se compreender o papel destes jornalistas e, sobretudo, a figura de João Albasini,são as seguintes obras: de Valdemir Zamparoni, Entre narros e mulungos – colonialismo e pai-sagem social em Lourenço Marques. c. 1890-1940. Tese de Doutoramento em História Social.São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998; "Imprensa Negra em Moçambique: a trajetória deO AFRICANO (1908- 1920)". África - Revista do Centro de Estudos Africanos. São Paulo: Centrode Estudos Africanos da Univ. de São Paulo, v.1, n.11, pp. 68-82, 1988; e "Colonialismo, jorna-lismo, militância e a apropriação da Língua Portuguesa em Moçambique nas décadas inciais doséculo XX". In: GALVES, Charlotte. (Org.). África-Brasil: caminhos da Língua Portuguesa.Campinas: Unicamp, 2009, p. 27. De Jeanne Penvenne, v. "João dos Santos Albasini (1876-1922):The Contradictions of Politics and Identity in Colonial Mozambique," Journal of African History,Vol. 37, No. 3 (1996): 417-464; “'We are all Portuguese!' – Challenging the political economy ofassimilation, Lourenço Marques, 1870-1933", in Leroy Vail (ed.), The Creation of Tribalism inSouthern Africa. Berkeley, 1989. pp. 255-8; e de José Moreira, Os Assimilados, João Albasini eas Eleições, 1900-1922. Parte dos dados biográficos que se seguem foram baseados nessas obras.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 12

Page 14: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

13

o pai em viagem a Moçambique, onde permaneceria mesmo depois de seupai, Antônio, ter retornado à Europa, em 18348. A respeito de João (o Ju-wawa) existe relativamente bastante informação, de variados teores histó-ricos ou lendários: sabe-se que era caçador e comerciante de marfim e queviveu com uma mulher Khosa de Magude, com quem teve dois filhos, Fran-cisco João, o Nwadywawo, e Antônio. Nos anos de 1840, João deixa os doisfilhos em Magude e parte para o Transval, onde ocuparia o cargo de vice-cônsul de Portugal e dali partiria para o norte para se tornar chefe de umacomunidade Khosa. Finalmente, em 1847 casa-se com uma mulher branca,boér, reestabelecendo assim a linhagem europeia e distanciando-se defini-tivamente de seus filhos mulatos. No final dos anos 1860, o Juwawa oferecesuas terras ao governo de Portugal para a formação da Colônia de São Luís.João Albasini morre em 1888.

Não se sabe bem como ou quando teriam ali chegado, mas consta queseus filhos Francisco João e Antônio receberam educação nas escolas damissão católica de Lourenço Marques. Do segundo sabe-se apenas quemorreu em 1874, mas do primeiro sabe-se que se casou com KocueneMpfumo, cujo nome português seria Joaquina Correia de Oliveira. Esta eraneta do régulo do clã Mpfumo, do Maxaquene, na região da atual LourençoMarques, e sobrinha da Rainha Sibe, de etnia ronga ou tsonga, tendo assimum elevado status, além de propriedades. Segundo o censo de 1894, seusquatro filhos ainda viviam em Maxaquene, em casa de Agueda Manoel daSilva (Nsatimune)9. Nada consta do paradeiro de Francisco João, pai dosAlbasini que aqui nos interessam.

Se a vida e obra de João Albasini têm sido objeto de rigorosos estudosde alguns poucos historiadores, a biografia e a carreira de José aparecemapenas marginalmente na história do jornalismo moçambicano e do Grêmio

8 Segundo artigo de Karel Pott, publicado no Brado em 20 de agosto de 1932, os irmãos Albasinieram “descendente[s] duma das mais ilustres famílias da aristocracia italiana, cujo representantese viu obrigado a embarcar para África por ocasião das lutas da unificação”.

9 Segundo Penvenne, Agueda era “claramente” a consorte (“common law wife”) do goense JoséAniceto da Silva, diretor dos correios, pai de Marciano Nicanor da Sylva e espécie de padrinhode João Albasini. A historiadora sugere que aos 46 anos Agueda estaria muito velha para poderter sido mãe de Antônio, e mesmo de José, aos 40, o que, na verdade, não vejo razão para se supor.Também não vejo por que Panvenne conclui que José Aniceto e Agueda viviam maritalmente,pois segundo a própria historiadora, o censo indica que Agueda era solteira e os jovens Albasiniviviam em sua casa. Ainda segundo Panvenne, consta que o nome da mãe aparece às vezes comoKocuene Mpfumo ou Kássine e, às vezes, com o nome português Joaquina Correia de Oliveira(pp. 14-15). Segundo Karel Pott, por parte de mãe (João) Albasini era “neto da bondosa Rainhada Machaquene” (O Brado Africano, 20 de agosto de 1932). A história é de fato rodeada de mis-tério. Curioso como Panvenne, com certa razão, chama a atenção para o caráter androcêntrico dagenealogia; mas por outro lado ela não se incomoda em saber o que aconteceu com o pai dosAlbasini.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 13

Page 15: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

14

Africano de Lourenço Marques. Deduz-se que, como a maioria dos negrosassimilados de sua geração, e pelo que é sabido sobre seu irmão, José tenhaestudado em escola paroquial, com o Padre Simões. Segundo Zamparoni,historiador brasileiro, José trabalhou como caixeiro comercial e estabele-ceu-se como despachante em Lourenço Marques10. Entre 1906 e 1908, tra-balha com o irmão na fundação do Grêmio Africano de Lourenço Marques.

Em contraste com o ilustrado, retórico, prolífico e extrovertido irmão,José era discreto e pragmático, tendo assinado poucos de seus artigos, muitosdeles escritos em Ronga para a seção “landina” do jornal. Estácio Dias des-creve seu primeiro contato com o Bandana da seguinte maneira:

A primeira impressão que tive do irmão foi de um assimilado de meiadose; mal aparelhado, com musculatura forte, vergado de ombros, fazendolembrar os serviços das alfândegas e para mais não acompanhando a civi-lização nos vícios do fumo; não acompanhando as refeições com o deliciosonéctar dos deuses, como complemento de civilização e, pior ainda, fun-gando rapé!

[…]Muitas vezes com o João Albasini e com outro companheiro, patrício

de S. Tomé, então 2º oficial dos C.F.L.M., Estevam Corsino Dias, depoisdo jantar descíamos à baixa, a espairecer, a pormo-nos em contato com oselementos civilizantes e o amigo José Albasini tomava o rumo da Munhuanaa fazer propaganda entre os nativos para uma grande associação, em for-mação, para conversar com as mamanas e... fungar rapé.11]

José, ao que parece, tomava a direção oposta à de seu irmão, com umaestratégia política diversa, mas talvez complementar, à de seus companhei-ros. Teve assim um papel fundamental na criação do Grêmio Africano, cujalegalização dos estatutos era, no entanto, repetidamente vetada. Em 1920,quando João vai a Portugal, José assume a liderança da comissão organi-zadora do Grêmio, reescreve os seus estatutos e finalmente os faz aprovar.

Ainda segundo o depoimento de Estácio Dias e outros seus contempo-râneos, ao contrário de João, que era discípulo e emulador de Eça de Quei-rós, José era, além de leitor dos semanários republicanos portugueses Povo

10 Entre Narros e Mulungos, op. cit., p. 400.11 ‘O BRADO AFRICANO’ – Em pról dos interesses dos naturais das Colónias Portuguezas. Lou-

renço Marques, 9 de junho de 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 14

Page 16: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

15

de Aveiro, de Francisco Manuel Homem Christo, e O Mundo, de AntónioFrança Borges, um grande admirador de Camilo Castelo Branco12. Joséraramente assinava seus artigos em português, mas, desde o número inau-gural, passou a assinar vários textos na seção landina. Segundo Zamparoni,José Albasini é também o autor da série de textos numerados intitulados“Cartas de um indígena”, publicados em entre 1909 e 1911 e assinados como pseudônimo Faftin, de Inhambane, onde, ainda segundo o historiador,José Albasini exercia atividade profissional13. No entanto, uma nota publi-cada na seção landina em 1-12-1911, com o título “A Ku Lelela” (Despe-dida), anuncia que o Bandana se despedia da família e dos amigos para irviver em Xai-Xai, sem prazo definido para sua volta: a partir de entãopublica regularmente sues artigos em ronga, com data e local (Xai-Xai).Ainda em 1915, consta que lá vivia, com sua esposa Mafindla Halari.

Em seus textos em ronga, o Bandana assume uma postura deliberada-mente pedagógica: promove o aprendizado do português; critica a igrejacatólica que, ao contrário da missão suíça, eram frequentadas somente porhomens e não ensinavam o português; dá lições de economia, comércio eagricultura; clama os conterrâneos a se organizarem politicamente paramelhor exigirem seus direitos. Em um de seus artigos em ronga, o Bandanaironiza:

.....Deixemos de ser tão bonzinhos, e pensarmos que somos todos irmãostal como diz a lei de Jesus Cristo.

Os brancos pensam assim, nós também devemos abrir a vista e vermosque eles não são nossos irmãos.

Se fossem nossos irmãos não iriam tirar leis que são más apenas paranós, não iriam nos amarrar porque a lei da República não permite isso,não teriam tirado a lei sobre os bilhetes de identidade, e outras leis que

12 O BRADO AFRICANO. 2 de maio de 1936.13 "Antologia de textos do jornal" 'O Africano'', op.cit., p. 175. José Moreira também escreve que

"um colaborador, de pseudônimo Faftine (tudo indica que era seu irmão José), escrevia Cartasd'um indigena ao Ill.mo. Ex.mo Sr. secretario dos Negocios Indígenas". Acontece que Moreiratambém não explica o que seja esse "tudo". V. 140 anos de Imprensa em Moçambique, op. cit., p.62. As “Cartas de um Indígena” datam de 14 jul. 1909 (I), 31 jul. 1909 (II), 16 ago. 1909 (III),23 dez. 1909 (IV), 19 jul. 1911 (V). Note-se que a publicação do jornal esteve interrompida entredezembro de 1909 e julho de 1911. No dia 16 set. 1911, o jornal publica a seguinte nota: "O nossocolaborador "Fafetine", de Inhambane, nunca mais deu signal de si e como não era nosso conhe-cido não sabemos se é vivo ou se mudou de terra e de patrão. As duas cartas que publicamos nosnossos n.os 14 e 15, eram do ano passado. Depois d'isso não tivemos noticias. Fazemos votosporque o nosso jornal de qualquer modo lhe tenha chegado ás mãos e que nos mande as suas apre-ciadas cartas." No dia 24 dez. 1912, mais uma carta é publicada, sem numeração. Não estou con-vencido de que fosse de José. O estilo me parece mais próximo ao de João. Poderia também sero próprio Estácio Dias que, afinal, era de Inhambane.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 15

Page 17: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

16

irão tirar quando começaremos a enfraquecer, quando já não teremos maissangue, uma vez que o resto terá sido consumido pelo pela bebida alcoólicadesignada “colonial”.

Não esperemos que eles venham nas nossas casas para nos visitaremou para verem o que temos em falta. Procuremos pessoalmente o que nósprecisamos, usando as nossas próprias mãos.

Avante!...14

Sabemos finalmente que com a morte do irmão, em 1922, José assumea direção do jornal, na qual se mantém, com interrupções, até a data de suamorte. Em 1926, a lei João Belo torna mandatório que os diretores deórgãos da imprensa tivessem curso superior – ocasião em que começa aaparecer, na capa do jornal, nomes de outros diretores, apesar de a direçãocontinuar nas mãos dos dois principais fundadores do Grêmio ainda vivos.

***À medida que aumentava o prestígio local daquele restrito mas desbo-

cado grupo de intelectuais negros e mulatos, a administração colonial por-tuguesa começava a apertar os mecanismos de controle da situação civil detodos os não-brancos, desenvolvendo leis de exceção, cuja intenção eraidentificar os sujeitos chamados “indígenas” e submetê-los a uma série deobrigações fiscais, civis e trabalhistas. Por volta de 1917, novas leis se im-plementavam para regular o status não somente dos indígenas (definidosagora como aqueles que não eram assimilados), mas também dos próprios“assimilados”, obrigando-os a carregar consigo, o tempo todo, um “alvará”,certificando que, entre outras coisas, eles sabiam ler o português, e que ha-viam “abandonado inteiramente os usos e costumes da raça negra”.

É em tal contexto que a direção de o Brado – cujas diatribes contra aadministração colonial primeiramente limitavam-se à campanha pela defesada educação ampla e igualitária, e contra o inebriamento dos africanos, cau-sado pelo comércio indiscriminado do “vinho colonial”, e a apropriação deterras dos africanos pelos portugueses – redireciona suas energias a umaluta explícita contrária às “leis de exceção” que regulavam quem deveriaou não ser considerado cidadão. Em 1920, João Albasini, sofrendo de tu-berculose, vai a Lisboa para cuidar de sua saúde e ao mesmo tempo com opropósito de representar os “afro-portugueses” nascidos em Moçambiquena luta contra a “portaria dos assimilados” de 1917 (já modificada em

14 “Avante”, O Africano, 10 Jan 1914. Tradução de Marcos Abilio Nhapulo.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 16

Page 18: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

17

1919). Em Portugal, João Albasini entra em contato com as ideias e osescritos do movimento pan-africanista, como Du Bois e Garvey, ou osmembros da imprensa socialista Portuguesa e da Liga Africana de Lisboa(formada em 1919).

João Albasini teve um papel fundamental na revogação da portaria em1921, um ano antes de sua morte. Na prática, porém, a discriminação con-tinuava a ocorrer, mesmo se nenhuma lei continuasse a regulamentar expli-citamente o status civil do assimilado até o golpe militar em Portugal em1926, quando a condição de indígena foi novamente codificada, com alte-rações que de certo modo pareciam atenuar a lei anterior, mas que, comefeito, tornavam a assimilação legal cada vez mais atraente para a elitenegra15. As medidas discriminatórias foram, sem dúvida, eficazes e tiveramo duradouro efeito de dividir a elite nativa. Jeanne Panvenne explica comoa corrosão do sistema de educação nas missões, o aumento da influênciapolítica de brancos recém-chegados de Portugal e o declínio das redes locaisde apadrinhamento nos cargos civis colocavam em risco boa parte dos pri-vilégios gozados pelos membros da elite negra16. Por outro lado, as des-vantagens de não poder contar com o status legal de assimilado se tornavacada vez mais insuportável, pois, entre outras coisas, os indígenas eramobrigados a receber seu pagamento no desvalorizado escudo (enquanto osbrancos e assimilados recebiam em libras esterlinas), a contribuir comimpostos prediais diferenciados (mais altos), etc. Como consequência, adivisão e diferenciação entre indígenas e assimilados, entre negros e mula-tos, ou entre os negros que se recusavam à humilhação de pedir concessãodo alvará de assimilado, se manifestariam em dissidências cada vez maisnítidas até mesmo dentro do próprio Grêmio. Já por volta de 1921-22, umgrupo de negros protestantes (contribuintes da seção landina do Brado) fun-dava seu próprio jornal, o Dambu dja Africa (Sol de África), sob a direçãode João Tomás Chambene e Benjamin Monis17. No princípio da décadaseguinte, esta divisão se consolidaria de vez com a criação do Instituto Negró-

15 Para um apanhado das leis e da política do assimilacionismo, v. Zamparoni, Valdemir. “Frugali-dade, moralidade e respeito: a política do assimilacionismo em Moçambique, c. 1890-1930”.http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/aladaa/valde.rtf, e Entre Narros e MulungosColonialismo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890-1940. op. cit.

16 V. Panvenne, Jeanne, "We are all Portuguese!", op. cit. p. 299. 17 V., entre outros, o capítulo de José Capela em 140 anos... op. cit , p. 15, e Penvenne, J., op.cit.

280.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 17

Page 19: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

18

filo (28-5-1932), e com a renomeação do Grêmio, que passa a se chamarAssociação Africana (1938)18. Em 1930, o Ato Colonial incluía na categoria“indígenas” até os que eram nascidos de pai branco e mãe negra, de modoque mesmo os mulatos deveriam provar sua condição de assimilados.Jeanne Penvenne resume bem o ambiente de desconfiança e tensão no seioda elite intelectual da cidade:

A desunião entre os membros reinava. Tensões nos anos 1920 emergiamem parte de animosidades pessoais, mas eram grandemente exacerbadaspelo impacto do arrocho se bônus salariais, a moeda em que se era pago,e benefícios quanto ao status civil legal. Nos anos 1930, no entanto, todoo peso de uma época de dificuldades levou as pessoas a uma situação deluta pelos próprios empregos, casas e futuros. As divisões criadas nessascircunstâncias deixou cicatrizes permanentes naquela geração... O impactoacumulativo das poucas vitórias da elite e suas inumeráveis concessões ederrotas foi que a geração que surgia nos meados dos anos 1930 se depa-rou com uma cristalização polar entre privilégio branco e subordinaçãonegra, entre solidariedade e desunião negra, o que dificilmente podia serimaginada pela geração anterior19.

De modo que, quando em julho de 1931, recém-retornado de uma estadiade oito anos em Portugal, Karel Pott, um jovem de 27 anos, mulato e bacharelem direito20, assume a posição de novo presidente do Grêmio e de diretor de oBrado, logo se trava, além da dissidência do grupo do Instituto Negrófilo, umdesentendimento entre ele, representante das novas gerações, e os da geraçãode José Albasini, levando a associação e o jornal que a representava a umacrise cujos efeitos parecem haver sido irreparáveis. Segundo um editorial daépoca, um dos raros assinados pelo próprio José Albasini, ocorrera que, depoisde lhe escrever uma carta pedindo sua saída do jornal, Pott acusara José de se

18 Apesar do avô ítalo-português, os Albasini eram provavelmente vistos como negros, e não mula-tos. Em 1° jul. 1933, um artigo em o Brado indica os fundadores do Grêmio, classificando comomulatos Francisco de Haan, Joaquim Swart, Eugenio da Silva e Alberto Ferreira, e entre os negros,João Albasini, Estácio Dias, João Thomaz Chembeni, José Albasini, Rodrigo da Cunha Amarla,Abuxahama Mutualibo e Francisco Benfica.

19 Penvenne, “We are Portuguese!”, op. cit, p.281. Tradução minha.20 Karel Monjardim Pott (20/08/1904-1953) era filho do alemão Gerard Pott e (segundo Rocha e

Zamparoni) de uma rica mestiça, Carlota Especiosa Paiva Raposo, conhecida como Titi ou MamaChipeca. Esta, por sua vez, seria tia de Michaela Laforte, a pretendida de João Albasini, paraquem escreveu as cartas do Livro da Dor. (v. Panvenne, "Politics and Identity in Mozambique",op. cit. p. 437; Zamparoni, Entre Narros e Mulungos, op. cit., p. 403.; Ilidio Rocha, A Imprensaem Moçambique. Lisboa: Ed. Livros do Brasil, 200, p. 145. Karel Pott representou Portugal nasOlimpíadas de Paris, em 1924.

21 Publicado no Brado em 2 dez. 1932 e republicado no Clamor Africano 10-12-1932.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 18

Page 20: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

19

apropriar do Brado, que sempre fora o porta-voz do Grêmio21. Não tardariapara que Marciano Nicanor da Silva, em nome de o Brado, movesse umaação contra Pott, levando à suspensão do jornal entre dezembro de 1932 efevereiro de 1933, quando seria então publicado com o nome de O ClamorAfricano, sob a direção de José Albasini. Estácio Dias é um dos que con-firmam e lamentam o novo estado de falta de coesão entre os “antigos” eos “novos”. Para ele, coloca-se clara a diferença entre ser assimilado, porum lado, e por outro ter a capacidade de assimilar o Europeu, sem por issoser obrigado a negar o próprio passado:

Apologista do lugar para os novos, não vou, porém, até ao ponto deaprovar que os novos deem o espetáculo de guerra de morte ao passado,calcando-o como se o sangue cafre nos fosse fatal até ao ponto de nos tor-nar impossível a assimilação dos que nos trouxeram outra civilização22.

Por causa desta querela, o Brado deixaria de se vincular ao Grêmio que,a esta altura, tornara-se essencialmente um representante da burguesia mes-tiça que visava à assimilação legal, já que boa parte dos negros havia saídopara fundar o Instituto Negrófilo. Como sugere Zamparoni, a partir de 1930os próprios estatutos do Grêmio são gradualmente modificados, de modoque em 1933 não havia dúvida de que, para ser sócio, era necessário ser cida-dão, ou seja, assimilado ou “não-indígena”, ao contrário dos estatutos ori-ginais, em que se admitia “todo o indivíduo descendente de pais africanos,ou somente de pai ou mãe africanos”23. Por um breve período de tempo, OBrado Africano voltaria a ser porta-voz do Grêmio e, portanto, a ser dirigidopor Karel Pott, mas logo retornaria às mãos de seus fundadores, enquantoo Grêmio seria renomeado Associação Africana. José Albasini e, logo aseguir, Estácio Dias, apesar de terem sido excluídos da direção do Grêmio,permanecem na direção do jornal até suas respectivas mortes em 1935 e193724. Assim, o jornal deixa oficialmente de ser porta-voz da associação,como já havia previsto, ressentidamente, José Albasini:

Vou fazer aqui uma declaração que vai surpreender alguns dirigentesda nossa Associação. Sou também um dos fundadores do Grémio Africano

22 O Clamor Africano, 10 dez. 1932.23 V. Zamparoni, Entre Narros e Mulungos, op. cit. p. 503-504. 24 Devido a Lei João Bello, a partir de 1926, aparecem os nomes de diversos diretores do jornal:

Francisco Boavida, Laurentino Augusto Placido, João Custódio Francixco Xavier de Assis Pais,José Gonçalves Cotta. De setembro a dezembro de 1929 o jornal fica suspenso por falta de diretor,voltando com Joaquim Augusto Jorge da Silva. Em 1933, José Albasini volta a ser diretor dojornal.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 19

Page 21: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

20

de Lourenço Marques. Custou-me muito a criá-lo até atingir o esplendorem que está. Não sei se só por dizer isto, é motivo para mo entregarem. Nocaso de Grémio não querer para (sic) ser órgão, voltará o Brado Africanoa ser, como era no seu início, somente órgão dos interesses indígenas25.

* * *É necessário ter em mente tal estado de desilusão em que se encontrava

José Albasini e seus pares, diante da tensão que se tornava cada vez maisacirrada com a instauração do Estado Novo de Salazar. É neste momentode ascendente clima de racismo, com a segregação racial nas escolas e nassalas de cinema, o recrudescimento da censura, a divisão entre negros emulatos, a inevitável cooptação dos assimilados, e a atitude de negação daherança africana por boa parte das novas gerações, que o “assimilado demeia dose” José Albasini publica, entre 3 de março e 25 de agosto de 1934,uma série numerada de doze crônicas, intituladas “À Procura de Saúde”.O clima de divisão está presente já nas primeiras linhas do texto, quandoAlbasini nostalgicamente recorda os tempos passados, ainda na virada doséculo, quando ele presenciara a inauguração das estradas de ferro: umtempo em que “não havia brancos, nem pretos, que só havia portugueses”.

Pode-se dizer que o que se lê aqui é um relato de convalescença, não sófísica, mas também moral e cultural. Alguns meses antes, José mostrara si-nais de tuberculose, doença que já tinha matado seu irmão João dez anosantes e, aparentemente, também Jorge, um de seus três filhos (em 15 abr.1933)26. José atribui esta série de infortúnios a “uma superstição nativa ameu respeito e da minha família”, a qual promete revelar nas páginas doNotícias: “Trata-se de uma fera à solta, que já deu cabo de algumas pessoas,entre elas João Albasini e Guilherme Bruheim27”. Assim, já de início Alba-sini como que historia sua própria condição e seu destino, antes mesmo decomeçar a narrativa das duas viagens que, em busca de saúde, fez ao interiorda província de Gaza. Além disso, situa sua própria biografia e sua própriadoença terminal na intersecção entre linhagem de família (todos foramvítimas de uma superstição) e história colonial (racismo, tuberculose, fer-rovias etc.).

O texto de Albasini começa com o relato de sua primeira viagem a Incomati

25 O Brado Africano, 10 dez. 1932.26 Também sua filha morrera há pouco, mas não se pode afirmar se foi vítima de tuberculose. 27 Guilherme Victor Just Bruheim era amigo próximo dos irmãos Albasini, e um dos primeiros mem-

bros do Grêmio. Em 1919, casou-se com Michaela Loforte, a mulher a quem João Albasini es-creveu as cartas que compõem O Livro da Dor.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 20

Page 22: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

21

à procura de novos ares – passando pela Machava, Matola, Moamba, Tenga,Movene e Ressano Garcia. Seu encontro com as paisagens e realidades dointerior africano é colorido de memórias pessoais e coletivas, resultandoem uma narrativa complexa, às vezes dramática, mas em alguns momentostambém bem-humorada, tratando de assuntos tão diversos como: o sistemalegal na colônia (do qual, tendo sido preso, ele próprio é vítima), a censuraà imprensa, o câmbio local, o monopólio norte-americano da gasolina, oestado da economia, da agronomia e da pecuária, o celibato dos padrescatólicos e o papel dos missionários suíços, o abuso de poder pelos admi-nistradores locais e a exploração dos pequenos agricultores ou, no registromais autobiográfico, como conheceu Estácio Dias e o papel deste em oBrado Africano. Há também anedotas que tratam desde a sabedoria popular,que ensina como matar jacarés, até dos encontros e desentendimentos entreAfricanos e Europeus, como o episódio da visita de um alto comissárioinglês ao rei da Zululândia, na década de 1890, situação em que Albasinise posiciona acima e fora da divisão racial, aproveitando para comentarsobre o absurdo do racismo: “Os brancos dizem que os pretos cheiram acatinga e estes queixam-se dos brancos que cheiram a cadáver. Vá lá en-tendê-los”28.

Com efeito, como era a regra entre os primeiros assimilados, Albasini temuma relação ambígua, por vezes distanciada e por vezes conflituosa, tanto comas tradições africanas quanto com a chamada civilização europeia. Em sua jornadaem busca de saúde, por exemplo, ele às vezes segue o caminho da medicina oci-dental, às vezes procura a cura nas crenças locais; se aceita a sabedoria dos dou-tores europeus, não subestima o saber da medicina local praticada pelos“gagaístas”. E comenta: “Há quem chame crianças grandes aos pretos. Pois esses

28 O BRADO AFRICANO, 17 mar. 1934. No ano anterior, um artigo assinado F.A. (provavelmenteo nosso José Francisco Albasini), comentava sobre o mesmo assunto: "Cheiram mal os pretos?Oh! Mas a elite dos nossos oficiais ostenta nos peitos medalhas ganhas nobremente batalhandoao lado de soldados pretos. Mousinho, Azevedo Coutinho, Caldas Xavier, Paiva Couceiro e outros,combateram em Africa ao lado de negros e ao lado de negros ganharam a fama que tiveram. Poisbem, nunca nenhum deles se queixou da catinga de pretos! Se alguma coisa tinham a dizer delesera somente em favor da sua ordem, da sua disciplina e da sua bravura. Se tinham reparos a fazerera somente para notar a sua lealdade e a maneira nobre como cumpriam os seus deveres de sol-dados. Talvez naquelas bichas que tanto incomodaram tantas pessoas, tenham aparecido ex-com-batentes que se cobriram de heroísmo e não envergonham a bandeira portuguesa. De modos que,é motivo de reparo que os portugueses que nunca tiveram de estas esquisitices de côres e cheirosvenham agora a pretexto de que cheiramos mal atirar-nos para longe, isto é imitação dos ingleses,porque estes cavalheiros quando foi da Grande Guerra foram arrebanhar uma grande quantidadede soldados índios a quem chamavam dear brothers, the sons of Empire ("caros irmãos, filhos doImpério") mas logo que a guerra acabou os trataram como coolies, etc. "Haja Fronteiras! II", inO BRADO AFRICANO , 20 mai. 1933.

29 O BRADO AFRICANO, 17 mar. 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 21

Page 23: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

22

que vejam como procedem os médicos Africanos e digam se são crianças”29.Logo em seguida, descreve um sonho que teve durante a viagem, no qual eleera tratado por um médico tradicional, que pintava sua cabeça e fazia cortesem seu rosto, de tal maneira que ele assumia a aparência de um matchope –etnia notavelmente distinta de sua cultura tsonga –; quando finalmenteacorda, uma enfermeira limpa o suor de seu rosto e, a seguir, a tosse começaa passar. Dias depois, já de volta a Lourenço Marques, Albasini visita ummédico europeu, que lhe receita um remédio que, segundo ele, teria curadosua tosse: “não sei se é bem o termo ‘instantaneamente’ que devo empregarou se o de ‘milagrosamente’…” Assim, a medicina tradicional (no caso,experienciada na esfera do onírico) precisa da confirmação ou do reforçodo tratamento ocidental, mas Albasini parece sugerir que ambos os reper-tórios de práticas, epistemologias ou crenças têm tanto elementos mágicosquanto poder de cura. Apesar de ambos os universos se mostrarem de certomodo estranhos a ele, ambos parecem contribuir para a recuperação de suasaúde, restituindo-lhe também um renovado sentido de identidade: “Falta-me só curar o coração”, conclui, ambiguamente, como se estivesse situandoo órgão e a doença que lhe abate em algum lugar entre o corpo e o espírito,entre a natureza e a cultura, entre o pessoal e o coletivo.

Assim, depois ter sido curado de sua tosse (ou assim quer ele acreditar),Albasini parte novamente de Lourenço Marques, no dia 20 de abril, destavez em direção à vila de Magude, onde ele permaneceria por duas semanaspara tratar da moléstia que ainda persiste, uma doença da qual, explica,sofria desde os 25 anos de idade. Esta segunda viagem é carregada de simbo-lismo, a começar por que, se as poucas informações que temos são corretas,Magude é a região em que nasceu sua avó khosa e, aparentemente, seu pai.Além disso, dois outros lugares que visita no caminho, igualmente impregnadosde simbolismo e memória, marcam esta segunda viagem: a primeira parada éMarracuene, situada na periferia de Lourenço Marques, notável marco históricoonde se travou a decisiva batalha entre os Portugueses e os Africanos em 1895(quando Albasini tinha 18 anos). Com efeito, o narrador chama a atenção paraa importância do lugar e do momento histórico: “… neste pouco tempo deci-diu-se da existência de Lourenço Marques como terra Portuguesa e abriu aosmeus patrícios o caminho da civilização”. Nota-se que, por mais que Albasinipossa parecer celebrar a vitória da civilização sobre a “barbárie”, dos Por-tugueses contra “meus patrícios”, ele não deixa de considerar o que teriaacontecido se o resultado do confronto tivesse sido diferente. No final, JoséAlbasini revela como que um desejo, que ele sabe impossível, de comparti-

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 22

Page 24: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

23

lhar de um passado e de uma identidade comuns a Africanos e Portugueses: A tal grande criança morreu nesse glorioso combate, afogada com o

sangue generoso dos portugueses – porque eram todos portugueses – quese derramou no dia 2 de fevereiro, naquela memorável madrugada em quese desfizeram as últimas ilusões dos negros não civilizados. Mais tardeMarracuene será a Meca dos Africanos de Lourenço Marques: lá irão,todos os anos, em peregrinação, lançar flores onde existe o monumentodos vencedores e as cinzas dos vencidos.

É neste improvável memorial, ali onde o monumento em glória dos con-quistadores se justapõe às cinzas dos vencidos, e em tal momento críticoda história colonial moçambicana, que Albasini procura negociar a reali-dade presente e o passado pré-colonial. O local da batalha de Marracuene(aliás, contemporânea e em muitos sentidos excluir semelhante à guerrade Canudos no Brasil) agora emerge aos olhos do intelectual assimiladocomo um ferida ainda aberta. Junto ao monumental arquivo da civilização,Albasini indica os restos e aponta para a memória invisível de uma batalhae de uma resistência contra a opressão colonial que havia então se tornadoum espaço ritual de peregrinação e, logo, repertório de práticas repetidas erepetíveis, não para todos os Portugueses, mas somente para aqueles “meuspatrícios”, “Africanos de Lourenço Marques”.

A reinterpretação do passado para Albasini se torna ainda mais dramáticaquando, depois de atravessado o local de conflito e violência colonial emque Moçambique “moderno” foi fundado, ele continua sua jornada a Magude,passando por Babala, Manhiça, Intimane e Xinavane. Ao chegar a Intimane,a narrativa simbólica e coletiva se traduzirá em testemunho pessoal e auto-biográfico: Albasini revela-nos que aquela era sua terra natal, e (o que nãohavia mencionado até então) que levava consigo seus dois netos para rece-berem “o batismo de fogo que é o serem sangrados pelos mosquitos daminha terra… estão ali enterrados os meus avós pretos e eu levo para ali osmeus netos para que os psikwembu deles vejam os seus netos e os abençoempara que sejam bons cidadãos e ótimos chefes de família”30. Tal movimentoritual de retorno à tradição, à memória e à linhagem ancestral se expressaprimeiramente como promessa, mas logo se revela pontuado de incon-gruências e lapsos:

Tinha comprado em Manhiça na casa Guerreiro & Castro, uma garrafa

30 O AFRICANO, 12-mai-1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 23

Page 25: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

24

de vinho para os psikwembu. Devia despejar junto à árvore, no tronco,pedindo aos manes que me dessem boa viagem. Foi isto que vi semprefazerem os meus avós, e não vejo razão para não proceder da mesmaforma. Tenho sido tão tocado pela adversidade, que volto os olhos para osantigos, com os seus usos e costumes, tão puros e tão salutares… Com apressa não tratei disso e a garrafa ficou com o líquido. (a ênfase é minha)

A força performativa do gesto ritual é comprometida pelo lapso de memó-ria. Por um momento, são os chamados “usos e costumes”, tão discutidospelos seus contemporâneos, e tão combatidos ou obliterados pelas novasgerações, que se revelam “salutares”, prometendo assim a reabilitação dasaúde coletiva e cultural, e quem sabe mesmo a pessoal. Há, todavia, algode irrecuperável ou corrompido no arquivo de sua memória pessoal ou, tal-vez, na repetibilidade do “repertório”. A repetição ritual de performancestradicionais, ou a performance da tradição, expõe uma ruptura irreparável,uma ferida que nada parece capaz de cicatrizar. Para Albasini, a jornada derecuperação parece exigir um trabalho de recordar, de reconstituir um corpoafricano que se encontra moribundo, irremediavelmente dividido entre tra-dição e modernidade, ou entre o apelo à identidade e o desejo de cidadania.Não por acaso, o que sobrevive é uma garrafa de vinho, desritualizada,puramente o tal, como desde as origens de o Africano se referia a ele, ou ochamado vinho colonial, produzido para africanos, e uma das causas dadegradação social. Adquire uma conotação política, assim, a descrição dasorigens da moléstia, feita no segundo texto da série:

A minha terrível doença começou numa noite de Novembro, estando adormir, acordei a tossir tanto que ia arrebentando.

[...] Logo no dia seguinte consultei um amigo, que me aconselhou uma“bebedeira de conhaque com açúcar e leite quente”. Como não bebo bebi-das alcoólicas, resisti a tomar o cognac, mesmo como remédio.

Um outro aconselhou-me “vinho muito açucarado e muito quente tomadojá deitado”, também não aceitei. Depois destes vieram centos e centos dereceitas umas da farmácia e outras caseiras: a maioria pendia para medi-camentos confeccionados com bebidas o que me fez compreender o motivoda prosperidade das cantinas, – é que vendem bebidas como bebidas ebebidas como remédios31.

Dessacralizado o ritual, parece já não haver mais remédio: o sonho dereconciliação ou convalescença agora indica um retorno que não se com-31 O BRADO AFRICANO, 10-mar,1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 24

Page 26: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

25

pleta, a repetição falhada de uma tradição performativa. Por isso, urge quese pratique algum tipo de exercício arquivístico, sem o qual não se podehaver reinterpretação ritual do passado ou imaginação do futuro. Assim, noprimeiro caso, identificava-se uma ruptura na intersecção entre a estátua eas cinzas, e Albasini parecia finalmente querer alertar para o fato de que,na realidade pós-colonial32, o movimento ritual de, digamos, resposta à his-tória monumental e oficial representada pelo culto às cinzas corre o riscode se perder com as novas gerações. É o que se confirma no segundo caso,em que os lapsos de memória põem em risco a própria saúde simbólica dacomunidade e da tradição (“os usos e costumes”), que é corrompida pela“civilização” do vinho colonial. Para ele, se o vinho já não comunica como passado, melhor então não beber. Não beber para não esquecer.

No final da narrativa, mais um caso de esquecimento, desta vez não pes-soal, mas explicitamente no âmbito da marca arquivística e lapidar, resumeo drama de Albasini e de sua geração. A memória pessoal do assimilado éconfrontada com falhas e deficiências nos próprios “usos e costumes”africanos, agora também culpabilizados pela ruptura com o passado:

Ainda espero ver Magude muito transformado, com Caminho de Ferro,comércio e indústria, carregando-se ali dezenas de vagões de gado e centosde toneladas de milho, amendoim e outros produtos.

Às 11 horas estava em Xinavane e aproveitei a ocasião de ir cumpriruma promessa, visitando a campa do meu infeliz Ferdinand, campa quenão descobri porque, o nosso desleixo, desleixo muito Africano, ainda nãopermitiu que se escrevesse uma palavra sequer, na jazida daquele morto.

Foi, ali, dentro do cemitério, recordando o enterro dele, que me lembreide uma história sucedida com ele....

Neste, como em todos os casos anteriores descritos no relato de Albasini,a memória falha e – para usar o termo inglês de J. L. Austin – a performanceda tradição “misfires” ou, aproximadamente em português, sai pela culatra:no primeiro caso, com o culto ao memorial, há uma falsa identificação como passado histórico – dividido entre vencedores e vencidos, o significadodo arquivo monumental será sempre ilegível por uma das partes –; já como culto aos antepassados, o lapso de memória individual acusa um desgaste

32 Há hoje um certo consenso, pelos menos nos EUA, em se usar o termo “pós-colonial” não no seusentido cronológico, mas para se referir aos efeitos do colonialism. V. entre outros o glossárioeditado por Bill Ashcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin, Post-Colonial Studies: the key concepts.London e New York: Routledge, 2000, p. 186.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 25

Page 27: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

26

do repertório, de modo que o ritual acaba falhando em sua força performativa,e a oferenda (o vinho) se transforma em perigoso veneno (colonial); no úl-timo caso (lá onde a escrita está ausente), a realização resignada da oblite-ração coletiva acusa-se na rasura de toda marca de arquivo lapidar. Naimpossibilidade de se comunicar com o amigo morto neste caso, ou comos “pswikwembu” no anterior, é onde se revela a essência da crise mne-mônica. Albasini parece dizer aos seus leitores que, com a obliteração dasregras e rituais do repertório, e com a ausência de um arquivo legível (emoderno), não há como se buscar um passado renovável, não há possibili-dade de realização do presente nem trabalho de luto possível; ao contrário,resta somente a morte enquanto devastação, como lápides sem marcas, semsignificados ou quaisquer formas de mediação, sem corpo identificável esem corpus legível. A não ser que o futuro não seja tão trágico assim e aindareserve alguma promessa de reabilitação: pois resta ainda aquela anedota,sobre a história de caçadores de leões, não assistida no Trader Horne33, masa sucedida com o amigo, oferecida à leitura de outros amigos e outras ge-rações34.

* * *

P.S.: Uma semana depois do retorno final de José Albasini a LourençoMarques, o Brado anuncia a morte, em 12 de maio, de Augusto, um deseus dois netos que o acompanhara à terra dos psikwembu, e filho do jáfalecido Jorge, dois anos antes, vítima de tuberculose. E seis meses depois(a 2 de fevereiro de 1935), Eusébio Albasini, filho mais velho de José Alba-sini, e único de seus três filhos que ainda estava vivo (pois Maria tambémhavia falecido, não se sabe a causa), também morre.

Finalmente, José Albasini morre dois meses depois, no dia 24 de abrilde 1935. E em 1938, seu sobrinho Carlos (filho de João Albasini) – seriaainda, não se sabe se a última, ou se apenas mais uma vítima de tubercu-

33 Filme de 1931, dirigido por W.S. van Dyke, o primeiro longa filmado em locação Africana.34 O amigo Francisco de Haan dá o seguinte depoimento, dias depois da morte de José Albasini:

"Em vez de a visita entreter o doente era este que, quase sempre, entretinha a visita. Eram históriassobre isto, eram os apropósitos sobre aquilo, era a história do Ferdinand e quando a visita era po-lítica o assunto versava sobre política. (O Brado Africano, 1º de maio de 1935).

35 Todas as informações encontram-se registradas nas páginas do Brado Africano.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 26

Page 28: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

27

José Albasini (o Bandana)

Em Busca de SaúdeCrónica de um doente

I1

Não tencionava escrever nestes dias de longo repouso a que uma terríveldoença me condenou. Estava resolvido a esse sacrifício, ao sair da cidade,somente para procurar a saúde, que me faltava. Um amigo meu, dos antigostempos, ofereceu-me, porém, a sua residência em Incomati, e eu aceitei.Eu sei que não era em Incomati que devia ir procurar a minha saúde per-dida, mas na Munhuana2 e na Missão. Lá foi onde eu a estraguei em anose anos, não em boemia e jogatinas, que são cousas que eu abomino. Meti-me, pois, no comboio, acompanhado de uma dedicada enfermeira, lá fuieu. Passei a Machava, que nada mudou de há 10 anos a esta parte; passei aMatola, que algumas cantinas de alvenaria melhoraram; passei depois outrasestações, que o nome me não ocorre. Moamba é uma linda vila que esperovisitar na próxima semana; desejo ver a Escola de Artes e Ofícios e maisdependências do Governo. O mais tudo deve ser cantinas, que é o que hádemais na Colônia.

Numa estação que não tinha letreiro, apanhei um susto formidável. Ia jáa pôr o pé em terra, supondo estar em Incomati, quando ouvi falar emTenga. Atirei-me precipitadamente para dentro da carruagem e, já dentrobem seguro de que não cairia, perguntei: É Tenga, você disse Tenga? Omeu companheiro disse-me que sim, e eu preocupei-me. No meu pensa-mento, vagamente, acordou a recordação da primeira vez que fui parar àcadeia por causa daquele Tenga - bendito ou maldito, não sei dizer.

Foi o caso de uma menina branca que tinha um processo a correr nostribunais e que, sentindo-se lesada com o andamento do mesmo, me pediuque lhe publicasse um memorial ao Ministro da Justiça, então dr. AfonsoCosta. Publicado ele, o agente do Ministério Público que releu-o por ofensas1 O Brado Africano, n. 693: Lourenço Marques, 3 de março de 1934 n. 693, p. 2.2 Bairro de Lourenço Marques, atual Maputo.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 27

Page 29: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

à magistratura, etc. Estava eu no Xai-xai quando fui intimado telegrafica-mente para o julgamento que ia ter lugar dentro de quatro dias, logo, porém,outro telegrama dizia-me que tinha sido adiado por a autora do artigo se en-contrar em Tenga. Eu desconhecia por completo tal terra e, supondo-a lápara Quelimane, ou cousa parecida, não me apressei a vir, embarcando diasdepois no vapor “Freire de Andrade”. Ao chegar a barra, o capitão notouque o mar estava picado e resolveu sair só no dia seguinte, o que fez, che-gando eu às 2 da tarde. A audiência tinha sido ás 9, e não tendo eu compa-recido, passara-se mandado de captura. Isto de ir para a cadeia não é lácousa muito agradável, mesmo sendo por questões de imprensa. Procureium advogado. Este deu voltas pelos tribunais, requereu e depois veio dizerme que tinha de recolher à cadeia. Aquele caso estava previsto pelo CódigoPenal, artigos tais, tais e tais, com a agravante dos artigos tais, tais e tais eseus parágrafos. Lá me fui apresentar num sábado e fiquei a dormir na ca-deia duas noites. Foi a minha salvação, porque na 2ª feira, fui condenado aseis meses de cadeia, não remíveis, 250$00 de multa, custas e selos do pro-cesso, sendo a autora do artigo condenada a 30 dias, remíveis a 200 réis,ou sejam 6$00! Como tinha metido advogado, e este tinha assistido ao jul-gamento, apelou da sentença, e o Douto Tribunal da Relação, composto deintegérrimos magistrados disse que a culpa de quem consente a publicaçãode um artigo não é maior do que a do autor do mesmo, e mandou que eupagasse também 6$00 somente. A mulherzita, quando foi ao escrivão pagar,teve estas palavras a meu respeito, em paga dos sacrifícios por mim feitospor ela; o Fulano vai gramar seis meses de prisão e quando de lá sair há-devir branco... De maneira que quando passei Tenga, lembrei-me daquelasduas noites de cadeia, que tiveram como único bem o reconciliar-me comum amigo, companheiro do quarto, e com quem não falava há 4 anos!

Depois de Tenga é Movene, creio eu. Aqui foi-me apresentado um mao-metano que tem seis mulheres e trinta filhos. Confesso que quanto aos fi-lhos não lhe invejo e quanto às mulheres, já fui também um apaixonadopela religião que permite ter-se portas adentro 5 ou 6 mulheres; mas umdia, um amigo muito viajado, contou-me que lá na Turquia há uma lei queobriga todo o bom muçulmano dar a sua mulher, na noite de quinta parasexta feira, uns bolinhos muito doces, tâmaras, canela etc., e a não obser-vância deste preceito é motivo de divórcio.

Não sei se esta lei se estende a quem tem mais de uma mulher. Se assimé, já perdeu dois fregueses: eu e o Tomé. Porque realmente um homem podeter prontos os tais bolinhos para uma mulher; sendo 5 ou 6 deve ser um

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

28

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 28

Page 30: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

29

grande sacrifício, mesmo para um homem que tenha 20 anos. Não queronem por sombras, imaginar o pobre Ali Jamal, vendo chegar a hora sem teros docinhos para dar às mulheres, vendo depois desfilar diante dele asmadamas, qual delas mais catita e mais perfumada, e o desgraçado a apalparos bolsos do balandrau, sem encontrar com que cumprir os mandamentosde Maomet.

Compreendi então que este grande legislador quis castigar o homemcheio de gula, que tem mais olhos do que barriga. De um lado permite quetenha 5 mulheres, mas de outro, exige que esse homem tenha com que con-tentar as mesmas, num determinado dia...Que grande sacrifício!

Finalmente chegamos a Incomati. À minha memória veio a cena passadahá 45 anos! Foi ao chegar a Incomati que me lembrei do dia da inauguraçãodo caminho de ferro, de que Incomati era o terminus, da grande animaçãode toda aquela gente daquele tempo - daquele saudoso tempo em que nãohavia brancos, nem pretos, em que só havia portugueses.

Para ali fui com meu irmão João, na companhia dos Sres. Antônio do Óda Silva, João José Correia de Oliveira, Paulino Fornasini3 e não me lembroquem mais.

Lembro-me de que havia muitos comes e bebes; lembro-me de que navolta, no fourgon em que vínhamos, pegaram-se ao sopapos os Sres. Remé-dios, pai do distinto médico deste nome, que exerce clínica nesta cidade,com um alemão estabelecido onde hoje é a Companhia do Boror. Cha-mava-se ele Gubler. De vez em quando paravam, abraçavam-se, harmoni-zavam-se, mas depois voltavam à tapona e assim vieram até a cidade. Oúnico motivo devia ser a cerveja, que havia em grande quantidade.

Lembrei-me da bênção da máquina, realizada tempos atrás com granderegozijo e foguetório.

Este Incomati lembra-me muita coisa e eu não resisto à tentação de escre-ver cousas, de contar cousas.

Vou pois voltar ao princípio, contando como adoeci; se a doença é demorte; e os porquês, prometo contar num artigo para o “Notícias” em Dezem-bro, historiando uma superstição nativa a meu respeito e da minha família.

3 Paulino Antonio Fornasini (1854-?). Segundo Zamparoni, era mulato, filho de um grande pro-prietário de terras e herói militar em Inhambane; tornou-se proprietário de grandes negócios, comofábrica de gelo, mercearia, etc. (Narros e Mulungus, p. 192). João José Correia de Oliveira podeser algum tio ou primo de Albasini, já que o nome português de Kocuene Mpfumo, sua mãe, eraJoaquina Correia de Oliveira.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 29

Page 31: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

30

Trata se de uma fera à solta, que já deu cabo de algumas pessoas, entre elasJoão Albasini e Guilherme Bruheim4.

É um assunto melindroso, que deve ser tratado com muita delicadeza ecompetência. Falta-me esta ultima qualidade, mas assim mesmo, farei porcumprir a promessa que neste momento faço ao amigo Capitão Vaz5.

4 Guilherme Vitor Just Bruheim foi um dos fundadores do Grêmio Africano e do jornal O Africano.Era descendente do alemão Gustav Bruheim, e de uma irmã da rainha da Zâmbia. Irmão deFrancisco Bruheim, casou-se com Micaela Loforte que, por sua vez, havia sido objeto das paixõesde João Albasini, irmão de José, quando aquele ainda atravessava o processo de divórcio. A elaJoão escreveu uma série de cartas publicadas postumamente sob o titulo O Livro da Dor (1925).Já segundo Zamparoni, Guilherme era casado com uma mulher da família de Francisco Haan. (v.Entre Narros e Mulungos, p. 401). De sobrenome Bruheim é também a mãe da poeta Noêmia deSousa que segundo Nelson Saúte, filha de Max Bruheim, casado com a filha de um chefe rongachamado Belenguane. (v. Sangue Negro)

5 Manuel Simões Vaz, diretor e proprietário do jornal Notícias de Lourenço Marques (que circulouentre 1926-1975). Anteriormente, tinha sido redator do Correio de Lourenço Marques (1925--1926).

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 30

Page 32: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

31

O rio Incomati

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 31

Page 33: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

32

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

II6

A minha terrível doença começou numa noite de Novembro. Estando adormir, acordei a tossir tanto que ia arrebentando.

Daí por diante, todas as noites, das 2 da madrugada à manhã clara, acor-dava a tossir, e isso durava horas e horas e não dormia mais. Depois já nãoera só à noite que tossia; mas de dia também. Eu não me descuidei comesta doença. Logo no dia seguinte consultei um amigo, que me aconselhouuma “bebedeira de cognac com açúcar e leite quente”. Como não bebobebidas alcoólicas, resisti a tomar o cognac, mesmo como remédio.

Um outro aconselhou-me “Vinho muito açucarado e muito quente tomadojá deitado”; também não aceitei. Depois destes vieram centos e centos dereceitas, umas da farmácia e outras caseiras; a maioria pendia para medi-camentos confeccionados com bebidas, o que me fez compreender rapida-mente o motivo da prosperidade das cantinas - é que vendem bebidas comobebidas e bebidas como remédios...

Diga-se em abono da verdade nem todos aconselharam bebidas. Assimo meu amigo Marciano Nicanor da Silva7 aconselhou-me banhos quentesà tardinha. Tomei uns poucos e nada. Uma patrícia ilustre mandou-me tam-bém um xarope, confeccionado por suas mãos delicadíssimas. Tomei-o emdois dias, apesar de a dose ser para seis. Pena foi que a ilustre senhora senão tivesse lembrado de fazer antes um pudim. O sr. Campos, empregadodos Correios, procurou-me para me indicar um remédio certo, infalível,mas não me encontrou em casa, o que lamento. Este amigo Campos é umcara-unhaca que já ofereceu uma mobília para redação de jornal. Não amandou porque afinal era reles; trocou por outra de chanfuta, que não che-guei a receber; agora, quando foi promovido num brilhante concurso, ficoude mandar uma mobília completa, mandada fazer em Portugal. Pena foique não me tivesse encontrado porque, a juntar às suas brilhantes qualida-des de homem que ofereceu mobílias figurava a de... médico.

O sr. capitão Manuel Vaz, doente nessa altura e no hospital, mandoutambém uma receita. Enfim médicos e medicamentos não me faltaram: adoença é que era de má qualidade.

6 O BRADO AFRICANO, n. 694: Lourenço Marques, 10 de março de 1934, p. 2.7 Amigo próximo dos irmãos Albasini, responsável pela publicação póstuma de O Livro da Dor.

Provavelmente filho do goano José Aniceto da Silva, um dos responsáveis pela educação dosAlbasini.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 32

Page 34: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

33

José Albasini (o Bandana)

Veio depois fazer companhia à tosse um cansaço que não me deixavadar 5 passos sem descansar.

Tive que abandonar o escritório onde nada fazia já, e ficar em casa vendoda minha janela os vapores que saiam do porto.

Aconselhou-me então o meu medico e amigo uma mudança de ares, efoi com viva satisfação que aceitei a oferta de um amigo que tem casa emIncomati.

De como saí de Lourenço Marques e cheguei ao Incomati já contei nonúmero passado.

Nesta terra sucedeu-me há 40 anos um caso grave. Trabalhava eu emcasa do sr. Paulino Fornasini, e este sr. explorava uma pedreira ali. Tendochegado o fim do mês, entregou-me um saco com £300 para o encarregadoda pedreira fazer os pagamentos. Adormeci no compartimento em queseguia, valendo-me nessa altura o meu companheiro de viagem sr. AntônioMaria da Silva Silveira que arrecadou o dinheiro para me entregar em In-comati. Dormia eu nesse tempo 10 horas seguidas e ainda agora, há bempouco tempo, dormia isso; é esse sono que me falta agora e que me obrigaa andar de terra em terra como um vagabundo.

Chegado pois a Incomati despachei umas caixas com comestíveis que umamigo para lá mandara e fui tratar de passar o rio, porque estou hospedadona margem esquerda. O primeiro objeto que me deu nas vistas foi uma coisadentro da água, que não se confunde finalmente com um jacaré nem com umhipopótamo. É uma embarcação do sr. Estácio Bernardo Dias, redator prin-cipal desta folha, pessoa de grande cultura literária, inteligentíssimo e grandedefensor da nossa Causa. Não posso deixar de fazer a apresentação deste se-nhor que a sua modéstia, modéstia que chega a ser um crime, não o deixabrilhar como devia no nosso meio Africano, tão falto de competências.

O sr. Estácio Dias8 é filho da terra de “Boa Gente” e pertenceu àquelafalange de Inhambanenses que vinham civilizar Lourenço Marques, porque, todos devem saber, quando Inhambane já era uma Vila importante,Lourenço Marques era ainda um presídio infecto para onde vinham degre-dados. Desses civilizadores conheci Rafael Ferreira da Rocha, João Dias,Cunha Amaral9 e outros. Estácio Dias foi porém para Gaza e por lá fez sua

8 Estácio Dias (14/02/1877- 23/10/1937) foi um dos fundadores do jornal O Africano, ao lado dosirmãos Albasini e pai do escritor João Dias (1926-1949), autor de Godido e outros contos (1952),muitas vezes considerado o primeiro livro de prosa moçambicano.

9 Rodrigo José da Cunha Amaral, como Estácio Dias, era um dos negros (e não mulatos), membrosdo Grêmio Africano e contribuite dos jornais dos Albasini.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 33

Page 35: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

34

carreira, sempre correto, estudioso e honestíssimo, tendo conseguido olugar de Recebedor do Concelho e vindo, então, para esta cidade, onde tem-pos depois pediu a sua aposentação.

Foi este homem que deu ao O Brado Africano o lugar de destaque quegoza, pois jornalista de pulso, mas sóbrio de termos e extremamente cor-reto, soube sempre tratar todas as questões, sem ódios nem rancores, equando terminava a contenda, não vinha para o público gritar: venci, ganhei...Como homem inteligentíssimo que é, limitava-se a registar o facto em ter-mos sóbrios e não procurava arrancar ao público aplausos pelo seu feito.

Pois este homem, a todos os sentidos importante, abandonou o jornalonde pontificava, para armar em agricultor, um detestável agricultor porsinal... que se está arruinando lentamente, como muito bem disse o dr. BritoCamacho, “a agricultura em África é a arte de se empobrecer alegremente”.

Incomati não tem nada que se veja pois compõe-se somente de 6 casasdas quais 2 são as inevitáveis cantinas.

Dizem que já houve muita prosperidade e que aqui estiveram 20 casas- todas cantinas - no tempo em que a maioria dos magaiças10 passava porali.

É claro que aquela prosperidade era fictícia, pois não assentava em basessólidas; não tinha vida própria, nem agricultura, e a exploração do homemtinha que acabar forçosamente.

Há aqui uma pedreira que até há pouco tempo estava sendo exploradapelo sr. Matos Ribeiro, em que empregava uns 200 homens; agora estásendo explorada por outra pessoa e só tem 40 ou 50 homens.

Não tem escolas, nem uma simples enfermaria, e suponho que Incomatinunca mais terá tais melhoramentos. Se não as teve quando possuía as 25cantinas, hoje não pode haver melhoramento nenhum. Isto tem que viverassim mesmo, entregue a este abandono.

O rio tem água agora e tem passeando nele alguns hipopótamos, assus-tando os que pretendem atravessá-lo, porque, estes bichos não são tão man-sos como os que vi na fita “Trader Horn”, no Gil Vicente11.

Há também jacarés, o que não obsta que quase toda a gente vá ao riobanhar-se, com água pelo peito, como vi. É que, segundo a superstiçãoindígena, só por feitiçaria é que alguém pode ser vítima de tal monstro. De

10 Moçambicanos que trabalhavam nas minas da África do Sul. 11 O filme Trader Horne (1931), dirigido por W.S. Van Dyke, foi o primeiro longa metragem com

locação na África. O teatro Gil Vicente foi inaugurado em agosto de 1933.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 34

Page 36: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

35

modos que, volta e meia há uma desgraça; uma perna que se vai e algumasvezes com o dono dela também. Mas nem assim se convencem e continuamatirando culpa aos feiticeiros.

Passam-se os dias mais aborrecidos que um homem pode passar numaterra. A minha dedicada enfermeira já descobriu até que os dias aqui erammaiores dos que os da cidade!

Numa terra destas, onde tudo falta, a alimentação resume-se a galinhas,umas magríssimas galinhas que se alimentam de saltões, que afinal foi umaprovidência terem aparecido nesta terra.

Como base de alimentação tenho o massi. Alguns leitores não sabem oque isso é, e eu não vou ser tão ruim que perca uma ocasião de ensinarcomo se prepara esta delícia.

Dou porém a palavra ao meu defunto amigo Ferdinand Bruheim, homemque conhecia a Zululândia de ponta a ponta e de quem terei de falar maisvezes:

“Lord Milner quando Alto Comissário da União foi visitar Dinizulu reidos Zulus. Acompanhava-o a Lady, secretários, etc. Recebidos ali foramhóspedes do rei, que os banqueteou opiparamente não faltando o massi,que é obrigatório entre os zulus. Um dia, logo depois do almoço, Lord Mil-ner desejou saber como se preparava aquele manjar e o secretário de Dini-zulu, com gestos largos, próprios de zulus, com muitos dla thls ngds eoutros kliks, explicou de modos que satisfizesse.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 35

Page 37: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

36

III12

Na minha última crônica, contei a ida do Lord Milner e sua esposa aopalácio do Rei dos Zulus e do prato obrigatório que é o massi entre aquelesnegros.

Quem ler a Historia Trágica Marítima, por exemplo, encontra lá passa-gens de como os pretos ofereciam leite aos portugueses naufragados. Oleite era o massi, porque o preto só o usa preparado deste modo.

Vou agora reproduzir as palavras do secretário de Dinizulu, explicandocomo se prepara tal comida:

“O leite depois de mugido vai para umas vasilhas de barro, mas de pre-ferência umas grandes cabaças que se chamam gulu; no dia seguinte deita-se sobre aquele outra quantidade e assim durante uns três ou quatro dias.

O leite fermenta, coalha, fica assim a modos de podre como diriam oseuropeus. A gulu tem um buraco tapado com qualquer coisa e de dois emdois dias abre-se e deixa correr a água do coalho.

O leite assim obtido é que se chama massi e é comido simples, com açú-car, sal, arroz cosido ou com farinha de milho. Lord Milner já não estavasatisfeito com aquele manjar podre, que quase o obrigavam a comer todosos dias; menos satisfeito ficou porém quando o secretário continuou:

“A farinha que o Lord e a Lady acabam de comer tem, porém, um pre-paro especial. O milho é oferecido, logo depois das colheitas, ao Rei daZululândia, pelos seus vassalos. Faz-se uma rigorosa escolha e depois leva-se o melhor para o curral. Limpo este, - pelos homens, porque ás mulheresnão é permitida a entrada nos currais - abre-se dois pés de fundo no mesmocurral em todo o seu tamanho e deita-se o milho em maçaroca, tapando-seem seguida. O gado continua dormindo ali, e, é claro, fazendo as suas ne-cessidades sobre o milho que só é retirado alguns meses depois. É com essemilho, meu Lord, que se prepara o massi, com que o Rei dos Zulus temestado, com muito gosto, obsequiando-os”.

Contou-me o Ferdinand, que estava presente, a má impressão que se viana cara de Lord Milner à medida que o homem falava, e na palidez, quasecadavérica, da Lady que, muito precipitadamente descalçou as luvas e pediupara ir lá dentro...

12 O BRADO AFRICANO n. 695: Lourenço Marques, 17 de março de 1934, pag. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 36

Page 38: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

37

Pareceu ao meu amigo Ferdinand que este discurso do secretário deDinizulu precipitou a partida em dois dias, mandando o Rei desinfetar ime-diatamente as palhotas, porque os brancos cheiravam a cadáver!

Os brancos dizem que os pretos cheiram a catinga e estes queixam-sedos brancos que cheiram a cadáver. Vá lá entendê-los...

Três dias depois de chegar ao Incomati piorei consideravelmente. Atosse, esta maldita tosse que não me deixa dormir voltou com mais força eo cansaço aumentou também.

Foi nesta altura que recebi alguns amigos que me foram visitar. Natu-ralmente, a conversa derivou para a minha doença, médicos e curandeiros.Contaram coisas maravilhosas feitas por pretos. Um destes contou doiscasos de reumatismo em que o médico untara o desgraçado com um óleodos pés à cabeça e depois limpara tudo aquilo com uma galinha viva, equando acabava a limpeza, o doente já estava bom! Outro contava que umhomem mordido por uma cobra mamba estava a expirar quando o curan-deiro lhe deu uma pitada de uns pós a cheirar, e que imediatamente se pôsa espirrar e que somente teria sujado as ceroulas, se as usasse, mas queficou logo bom.

Casos de tuberculosos, uns vindos do John, já a cair aos bocados e salvosmilagrosamente pelos curandeiros, contavam-se aos centos; doentes saídosdos hospitais a tossir desesperadamente - como eu - e postos em condiçõesde irem trabalhar nas minas, havia dezenas de casos.

Depois vieram casos de adivinhas e feiticeiros, e cada um de nós contavaos casos que conhecia, e assim estivemos horas e horas de um dia cheio decalor, como são os de Incomati no verão.

Adormeci no meio da conversa e tive um terrível pesadelo:...................................................................................................................Um homem alto de pera estava a meu lado e fazia-me várias perguntas

sobre a minha doença. Eu muito abatido e a tossir muito contei tudo que serelacionava com o meu estado. Depois entrava o mesmo homem, mas agoraacompanhado de uma mulher muito magra e muito pintada de tyumana - zi-nabre - e que também sabia de medicina. A minha enfermeira veio dizer-meque o médico queria abrir o cesto (ku pfula shityhaba). Os caros leitoresnão sabem o que isto quer dizer e eu vou explicar esta parte da exploraçãodos curandeiros Africanos.

O cesto que contém as mesinhas só se pode abrir pagando-se adiantadoum tanto. Se por qualquer circunstância o médico tivesse que ser forçadoa dar medicamentos de graça ou fiados, estes não faziam efeito nenhum.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 37

Page 39: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

38

Dá-se pois um tanto logo antes da receita e fornecimento dos medica-mentos e o resto é pago quando o doente fica bom, o que é já uma prova deconfiança no trabalho.

Está o leitor supondo que depois de curado, o doente se recusa a pagaro preço ajustado. Nada disso, porque procedendo assim tem forçosamenteuma recaída e então tem que pagar por este tratamento e pelo outro. Háquem chama crianças grandes aos pretos. Pois esses que vejam como pro-cedem os médicos Africanos e digam se são crianças.

Mas vamos ao sonho: para abrir o saco exigiu a mulher, que era quemdirigia a manobra 50$00 e 5 vacas, logo que fosse dado por pronto. Tenhoreparado que nesta terra a moeda corrente são as vacas, pois, mais tarde,como terei ocasião de contar, ainda tive que prometer mais vacas. Tive poisque dar 50$00 e prometer 5 vacas.

Fizeram o cozimento de umas penas e raízes cortadas em bocados e tiveque me despir e sujeitar me a um suadouro a que Diocleciano das Neves13

chamava bafo, aliás meu conhecido. O último que tomei foi há bons 12anos, quando o meu médico, o dr. Augusburger, me obrigou a tomá-lo, paraajudar a curar uma febre icterícia.

O paciente é posto quase nu e é sentado num caixote baixo. Faz-se umcírculo com algumas esteiras e é coberto com pesadas mantas. Lá dentropõe-se a funba com a droga a ferver, cujo calor faz transpirar o doente. Duraaquilo entre um quarto a meia hora e quando tiram as esteiras atiram umbalde de água fria à cabeça do paciente.

Lembro-me que protestei contra esta parte da água fria e que logo quesaí do bafo fui levado para dentro de uma palhota e ali o médico armadoem massagista moeu-me brutalmente os membros. Depois pegando numalâmina retalhou-me a cara toda, ficando como um matshopi, deu-me a beberuma droga que parecia chocolate. Preparou também numa panela umas raí-zes com água. Com uma vareta batia-se naquela droga até fazer uma espumae era esta espuma que me obrigavam a tomar.

Como se a mulher achasse isto pouco foi buscar uma lata que continhatyumana - zinabre - e começou a pintar-me a cara e a carapinha. Foi nestaaltura que acordei...

13 Diocleciano Fernandes das Neves, autor de Itinerário de uma viagem a� caça dos elephantes.Lisboa, Typographia Universal, 1878.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 38

Page 40: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

39

Afinal era a minha enfermeira que me limpava, com toda a paciência, osuor que me corria pelas faces, tal era o calor que eu tinha apanhado, mesmoem sonho.

.............................................................................................................Nessa noite, pela primeira vez, dormi sem muita tosse, e continuei a

melhorar quanto a tosse.O coração porém continuava a trabalhar mal e assim tem continuado.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 39

Page 41: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

40

Comboio em direção a Ressano Garcia, junto ao rio Incomati

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 40

Page 42: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

41

IV14

Para não morrer de aborrecimento resolvi visitar Ressano Garcia. Estavamuito mal impressionado com esta Vila desde que em 16 de Outubro 1920lá fui apanhar uma soalheira que me ia derretendo. Afinal, agora pode-sever aquela terra. Logo à chegada fui ver a escola para indígenas, mas nãotive o gosto de a ver aberta porque o professor que me foi apresentado nessaaltura ainda não tinha tomado posse. A escola é um barracão de madeira ezinco que foi cavalariça, sem condições nenhumas para o fim a que a des-tinaram.

Andavam a brincar alguns garotos provavelmente alunos da escola eentre estes lá estavam alguns mulatos. Pena é que o digno vogal que noConselho do Governo fez a afirmação de que os mulatos estavam a diminuirnão desse algumas voltas pelos arredores da cidade de Lourenço Marques,pelas circunscrições e por todos os lugarejos. Onde quer que haja um por-tuguês que seja padre, soldado, amanuense, ou outro qualquer, - principal-mente o cantineiro - aí começará a aparecer o mulato. Como se realiza essemilagre não queremos discutir, tão certos estamos de que o numero demulatos tende a aumentar pavorosamente. Temos até pensado que, com oandar dos tempos haverá mais mulatos do que gente...a não ser que os por-tugueses saiam desta terra, o que não desejamos.

Li há muito, uma história do que se passou no céu, num dia de grandegala. Tinha morrido um pobre pedinte, atropelado por um “Packard” ououtro carro de ricaço e o dono do céu dava ali uma festa toda chic, commuitas flores, doces e música celeste.

Acompanhado da sua corte, o Todo Poderoso passava revista a sua gente,quando de repente, ao dar uma volta, no jardim topou com uma mulatalinda, linda, linda e nuazinha como tinha saído do ventre da mãe - no céuanda-se assim.

Jehová apesar de ser um homem que se não atrapalha com coisa nenhuma,ficou algo intrigado por aquela aparição. Dizia ele: quem fez isso? Eu sófiz pretos e brancos; isto não conheço, eu não fiz esta maravilha.

E todos corriam da esquerda para direita e da direita para a esquerda,sem saberem o que responder..

Já pensaram em chamar o único santo-advogado que há no céu - cano-nizado por engano com certeza - quando a uma nova pergunta de Jehová,14 O BRADO AFRICANO n. 696: Lourenço Marques, 24 de março de 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 41

Page 43: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

42

que batia com os pés nas nuvens “quem fez isto”, “quem fez isto”? surgede repente um português e batendo com força no peito declarou: fui eu!

Ora se foram os portugueses que fizeram os mulatos, agora o remédio égramá-los e não procurarem atirar com eles para o forno crematório.

Da escola indígena segui para a outra, a de brancos e mistos, conhecidapor “Escola Sacadura Cabral”, onde fui amavelmente recebido pela dignaprofessora. Tem uma frequência de 30 alunos e conta levar a exame esteano 7 ou 8, o que é muito bom. Visitei também, de caminho, a Repartiçãode Emigração compound da W. N. L. A., cantinas várias, matadouro etc.

É ocasião agora de falar de um barracão de caniço e capim mesmo àbeira da estrada, edifício este que se destina à “Escola para pretos”. Eu nãoquero, por patriotismo e outras razões, fazer quaisquer considerações a res-peito daquela obra. Limito-me a chamar a atenção do sr. Diretor de Instru-ção Pública que tenho a certeza não viu aquilo. Os pretos componentes dogrande Império Português, não devem ser considerados assim como coisasem valor. S. Ex.ª que é dos novos, deve ver aquilo que muitos não veem,infelizmente.

Há em Ressano Garcia dois teams de foot ball que são o Sangue Real eo Beira Mar. Por má compreensão do que seja Sport, os dois grupos rivaistornaram-se inimigos mesmo fora do campo, o que é lamentável. O poucotempo que estive ali não me permitiu fazer uma aproximação entre eles, oque lamento. Se tornar a ir a Ressano Garcia será para arrumar esta questãoque, parecendo insignificante, é muito importante. Os Africanos nuncadevem ser inimigos, mas sempre amigos e irmãos. A luta, no campo, nãosignifica inimizade, mas sim o contrário.

Ressano Garcia vive de esperanças. Ali só se fala na convenção, porquea vida daquela Vila depende dos pagamentos que, acham, devem ser ali fei-tos para continuar a dar vida ao comércio, única salvação para aquela Vila.

Já fecharam algumas casas comerciais e outras estão condenadas a levaro mesmo triste fim, porque o negócio não dá, usando a frase “a cadela nãopode com tanto cachorro”. Apesar da população ser muita, Ressano Garcianão tem nem um simples posto médico, nem tem água!

É verdade; o médico que ali está é empregado de uma companhia estran-geira, que é a companhia de emigração.

Água, não há, apesar de se ter feito um marco faltando somente abri-lo.Ambos estes tristes casos merecem uma rápida solução por parte das

nossas autoridades. Não me espantei com isto, porque há anos já que o

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 42

Page 44: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

43

Brado Africano vem bradando contra a falta de médico numa terra comcentos de habitantes e contra a falta de água, tão necessária à vida.

Não compreendo que o Governo faça economias, suprimindo coisas quesó prejuízos podem trazer à população e futuras despesas ao Estado.

Juntamos o nosso clamor às dezenas de pedidos dos moradores de Res-sano Garcia que tanto têm junto do Administrador da Moamba procuradoque esta autoridade os atenda, satisfazendo assim um pedido tão legítimoquão humanitário.

Regressei a Incomati pelo comboio da tarde e logo à chegada fui infor-mado de que um jacaré tinha devorado um homem que tentava atravessaro Incomati a vau. Mais tarde disseram-me que o homem tinha-se escapadoporque, depois de apanhado pelo bicho, tinha tido a habilidade de dar umsoco no focinho deste, que o largou logo.

Contaram a propósito de jacarés coisas tão estrambólicas que não queroreproduzir, com receio de suporem que eu esteja a brincar com a tropa.

O que garanto, porque já tive a prova, como mais tarde terei ocasião decontar - é que quem for calmo, valente e prudente, consegue salvar-se domaldito bicho; assim por exemplo:

O jacaré pega no homem, suponhamos por uma perna, e dá um mergulhoque dura 1 minuto. Um homem calmo e prudente tem tempo de tirar umlenço do bolso e tapar o nariz e a boca, para não beber muita água princi-palmente quando esta não é boa. Logo que o animal vê que o cavalheironão estrebucha nem tenta safar-se, não aperta muito com os dentes e leva-o ao esconderijo, deixando para vir matar logo. Nesta altura - não entra apolícia que está sempre longe - um homem valente, raspa-se...

Mas há outras maneiras de um homem se escapar ao jacaré. Fico de con-tar na próxima semana.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 43

Page 45: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

44

V15

Tive de seguir para Lourenço Marques, a fim de tratar de assuntos váriose, lá, pedi ao meu bom médico que me receitasse um medicamento que metinha sido indicado pelo sr. capitão Manuel Vaz, medicamento este que ocu-pava no meu registo o nº 62, e que instantaneamente me tirou a tosse. Nãosei se é bem o termo “instantaneamente” que devo empregar, ou se o de“milagrosamente”, pois tendo tomado somente um comprimido, parou porcompleto a tosse até hoje. Aqui deixo consignado os meus agradecimentosàquele que me livrou de um tormento de mais de 100 dias e 100 noites.

Falta-me só curar o coração.Quando chove, aparecem cágados em Incomati, e sucedeu há dias um

caso muito engraçado: a minha enfermeira trabalhava num bordado, fazendoum F muito bonito, quando precisou de ir acabar o almoço. Pôs o bordadosobre o que supôs ser uma pedra, ausentando-se um bocado; quando voltou,viu a pedra safar-se para o mato, levando o seu bordado tão querido.

Chamou, gritou, chorou, e foi preciso vir um homem para ir tirar ao cá-gado ladrão o que levava roubado.

Há também cobras, dizem. Eu não vi nenhuma, apesar de me terem cha-mado um dia para ir ajudar a matar uma grande jiboia que tinha engolidoum cabrito e seis galinhas. Quando lá cheguei, já tinha desaparecido.

Logo que cheguei, porém, contaram-me que o meu grande amigo Está-cio Dias tinha tido, nas vésperas, uma noite terrível; estava a dormir quandocaiu qualquer coisa que o acordou; sentiu então um rastejar e percebeu queera uma cobra.

Todos os que conhecem aquele ilustre jornalista e sabem como ele é ner-voso, suporão, naturalmente, que ficou atrapalhado ou amarrado à cama,mas não.

Com a lanterna numa das mãos e um cacete noutra, procurou a cobrapor toda a parte, indo encontrar, atrás da mala, uma mamba (macho) daspiores! Cego, alucinado pelo achado, vibrou cacetadas sobre cacetadas,matando-a. Abriu a porta para chamar alguém e na porta, do lado de fora,topou com outra mamba (a fêmea). Estácio Dias, completamente transfi-gurado, medonho, grande, matou a outra mamba; matou um cão que vinhaa ladrar. Vibrou uma formidável pancada num dos serviçais, derrubou com

15 O BRADO AFRICANO n. 697: Lourenço Marques, 31 de março de 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 44

Page 46: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

o cacete uma vedação e foi preciso agarrarem-no, porque, com o fortíssimoataque de nervos de que ficara possuído, seria capaz até de derrubar a casa...

Há aqui cavalos-marinhos, mansos, sociáveis, que não fazem mal a nin-guém.

Desejei vê-los, mas não consegui, apesar de ir, algumas madrugadas,fazer esperas. Disseram-me que era preciso pôr uns panos encarnados paraos atrair; comprei panos dessa cor, pus-me a beira do rio, mas eles não mequiseram fazer a vontade.

Vou, porém, contar as maneira práticas e as rápidas - tem de ser rápidas- de uma pessoa, apanhada por jacarés, se livrar.

Aqui em Incomati mostraram-me uma mulher que ia sendo vítima dessemaldito bicho, pois chegara a ter-lhe dentro da goela o braço todo; mas ela,corajosamente, mexeu com os dedos lá dentro, provocando ao bicho náu-seas; o resultado: o animal abriu a boca e a rapariga safou-se com apenasligeiros ferimentos.

Um outro foi apanhado em Xinavane, e como era calmo, conseguiu coma mão chegar ao nariz do animal e fazer-lhe cócegas que há quem diga, ojacaré não gosta; largou-o logo e pôs-se ao fresco.

Um homem que aqui está empregado na W. N. L. A. e que se chamaJuize, contou-me que também já fora apanhado por um pé e que, com ooutro, conseguira fazer ao bicho umas cócegas no pescoço, e assim se livrara.

Mas a propósito de jacarés, vou reproduzir o que me contou o meuamigo Ferdinand Bruheim, de quem já falei e de quem ainda muito tereide falar:

Na Zululândia (o nome da terra já me esqueceu) havia um homemchamado Jim, um verdadeiro Hércules com mais de dois metros, temidopor toda a gente pela sua força extraordinária, mas muito querido. Apaixo-nado pela pesca, raro era o dia que não estava metido na água até a cintura,apesar de o rio estar coalhado de jacarés.

Desprezava todas as observações que sobre tais bichos lhe fizessem. Umdia, porém, que estava na água, viram-no debater-se, levantar os braços edar um berro que se ouviu a uma grande distância, desaparecendo em seguida,engolido pela água.

Todos ficaram consternados, lágrimas corriam já supondo-o morto pelojacaré, quando o viram aparecer todo ensanguentado arrastando o monstromorto. A luta tinha sido terrível mas a luta hercúlea de Jim triunfara.

José Albasini (o Bandana)

45

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 45

Page 47: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

46

Toda a população correu ao rio a ver o animal e cumprimentar Jim; estefoi aclamado como um grande herói; os residentes brancos fizeram umasubscrição que rendeu umas 50 £ que foram dadas ao Jim que, diga-se emabono da verdade bem precisava delas, pois o seus estado era lastimoso.

Jim foi apanhado mais algumas vezes pelos jacarés, dos quais saía sem-pre vencedor. Novas manifestações, novas subscrições que rendiam sempredezenas de libras. Mudaram-lhe então o nome, passando a chamar-seHLABA NGWENYA (mata-jacarés).

Mas o nosso herói era um homem como outro qualquer, com as fraque-zas de todos os mortais. Com as novas manifestações e respectivas subs-crições, entrou-lhe na cabeça uma grande ambição: queria ser um grandehomem, um monumurana com muitas mulheres e muitíssimos filhos.

Como não tinha dinheiro, concebeu o plano diabólico de expor, de vezem quando, o corpinho, às dentadas dos jacarés tirando de si lucros...

Por mais duas ou três vezes Hlaba Ngwenya se fez apanhar pelos jacarés“voluntariamente” e por todas essas vezes a população acorreu a aumentaro número das suas mulheres.

Hlaba Ngwenya tinha já 20 mulheres quando um acontecimento poucovulgar veio pôr mais em foco a sua importante pessoa.

Um coronel inglês, Sir Robert Wilson V.C.R - T.D.R. - B.K.T. - W.V.U.etc., etc., muito viajado, tendo já corrido toda a Europa, a Índia, China,Japão e parte da África, veio parar a Zululândia, como última etapa para oseu regresso a Londres.

S. Ex.ª que era um verdadeiro gentleman contou o que tinha visto poressas terras todas, mostrou o seu álbum com milhares e milhares de foto-grafias. Falou nas caçadas de leões e tigres, em naufrágios, descarrilamen-tos, piratarias etc., mas confessou cheio de mágoa, que a África não lhetinha impressionado muito; faltava-lhe qualquer coisa inédita para o seuálbum.

Estava presente o sr. Finetti, um dos negociantes da Zululândia, que nãoquerendo deixar colocada mal a sua terra adoptiva (o sr. Finetti era Italianoou Austríaco) se lembrou de que Hlaba Ngwenya podia ser um homemcapaz de impressionar o nobre coronel. Perguntou pois a este se lhe seriaagradável ver um jacaré apanhar um homem, este lutar e vencer o animal.Por quatro vezes o coronel tirou o monóculo, limpou e tornou a pôr “Masisso seria surpreendente, disse. Valia mais do que tudo o que tenho no meuálbum. “All right yes! Oh! very good...”

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 46

Page 48: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

47

José Albasini (o Bandana)

Mandou-se chamar Hlaba Ngwenya; ajustou-se com ele a comédia: £100o ato completo, com o animal morto. Dois dias depois viu-se o gigante como facalhão do trabalho, seguir para o sitio onde determinados jacarés faziama sesta, estando o coronel já emboscado com o seu Kodak.

Hlaba Ngwenya estendeu-se no lugar e não tardou que um jacaré, umformidável bicho, viesse agarra-lo. Então viu-se bem nítida a luta do gigantecom a fera e por fim o triunfo do homem pensante sobre o irracional.

O animal aberto quase de meio a meio foi trazido para fora com granderegozijo da população, mas Hlaba Ngwenya estava em mísero estado o quefoi muito do agrado do coronel, que gostou de tirar fotografias do homemnaquele miserável estado.

O coronel não cabia em si de contente; fotografou tudo, deu mais £50para a filharada do Hlaba Ngwenya, escreveu para vários Magazins e aba-lou para a Europa com a pele do jacaré e com a gloria de ver registadospelo seu Kodak coisas que nem Livingstone nem Stanley tinham visto.

Esse triunfo do gigante custou-lhe porém uma perna e um braço.Quando o meu amigo Ferdinand Bruheim o conheceu, só existia metade

do grande homem e foi essa metade que ele viu desaparecer um dia, brus-camente. Hlaba Ngwenya mesmo reduzido a metade ainda tinha a maniade aumentar o número de filhos e, para isso, expôs-se mais uma vez aosacrifício. Em lugar, porém, de um jacaré, viu-se aparecerem dois, um decada lado, que pegaram nele - na metade dele - e o desfizeram num instante.Foi assim que acabou brilhantemente, no seu posto, Hlaba Ngwenya, dafamília dos Fingus com 35 mulheres e 75 filhos, a 25 de Março do ano de1910.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 47

Page 49: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

48

VI16

Em Incomati a população é tão pouca que não há bazwalana. Natural-mente os leitores, os poucos leitores destas crónicas, não saberão o que vema ser um muzwalana, e eu vou explicar: Muzwalana é o homem um tantoou quanto civilizado que sabe ler e escrever servindo de agente interme-diário entre a população analfabeta e o que como ele sabe também ler e escre-ver. É ele quem faz a correspondência para o John, quem recebe as cartaspara entregar às mulheres, quem recebe os vales do Correio, etc. Um bocadointrujão, às vezes, recebendo a paga por todos os pequenos serviços quefaz ora em dinheiro, ou em galinhas, consegue viver relativamente bem,vestindo-se à europeia, calçando-se, janota às vezes, dormindo em camas,comendo à mesa.

Mas o muzwalana não é só o meio intrujão que pintei: tem o seu lado útil,pois é também professor e pregador. Nas povoações por falta de escolas ouve-se tocar os sinos à noite, chamando homens, mulheres e crianças. São os baz-walana que vão ensinar a ler e pregar a bíblia, porque o muzwalana é cristão.

Elemento que bem aproveitado podia ser muito útil às nossas autoridadesé, pelo contrario, odiado por estas e perseguido por quase todos os brancosque, no mato, não querem espertos...

Quando são precisos mancebos para a vida militar é o muzwalana osacrificado, tão sacrificado que, num ano que não me lembra bem, mas foientre 1927 e 1930, num contingente de 50 recrutas vindos de Gaza, 48sabiam ler. Eram os bazwalana.

Em compensação Incomati tem gagaístas a mais e doutores em mágoaquantidade.

O gagaísta ou adivinhador é um espertalhão que sabe tudo quanto sepassa na terra, o que torna facílima a sua missão.

Questões no mato não faltam: doenças, fomes, gafanhotos, matequenhas,uma viagem a fazer, enfim, qualquer coisa é pretexto para se chamar ofigurão. S. Ex.ª faz-se sempre esperar e chega acompanhado de auxiliaresou assistentes. Depois das boas vindas, pitadas de rapé e mais cerimónia,entra-se no assunto, pagando-se adiantadamente a consulta.

É praxe que, tanto o gagaísta como o médico, devem receber adiantado.Os psikwembu embirram com caloteiros..., e não se pagando adiantado elesnão ajudam a adivinhar. E há quem chame aos pretos grandes crianças!16 O BRADO AFRICANO n. 699: Lourenço Marques, 14 de abril de 1934 p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 48

Page 50: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

49

José Albasini (o Bandana)

O gagau, como os leitores sabem, compõe-se de 20 a 25 peças de peque-nos ossos de cabritos, gazelas, cágados, porcos, etc. Uma pessoa bem ades-trada na arte de deitar os tais ossos toma estes com as duas mãos e vaiacompanhando o que o gagaísta diz: “está aqui o fulano, filho de fulano,quer saber, sim, vocês sabem, o que lhe sucedeu, quem matou, quem roubouisto e aquilo”. E por aí adiante, vai enumerando e atirando os ossos quetomam as posições mais esquisitas, que o gagaísta vai interpretando lá àmoda dele.

De vez em quando grita: cá está o cágado - lá está o porco - e a assistênciavai exclamando sempre: si ya vuma, si ya vuma17. Dura isto horas, e no fimo homem conta que um feiticeiro, alto, bexigoso, vindo do poente, é quelhe meteu lá dentro um leão, ou que um parente é o feiticeiro que matou ofilho etc.

Arrecada os ossos e põe-se ao fresco, deixando os parentes em questãouns com outros, questões que vão ter as administrações algumas vezes.

Não há nada, no mato, depois dos intérpretes das circunscrições, ser tãopernicioso, como o gagaísta.

O gagau foi, com certeza, uma ciência nos tempos dos Faraós; hoje vaicaindo no descrédito por ser servido por grandes intrujões na sua maioria.Mas às vezes acertam: Meu tio que viveu quase sempre no mato, embirravaimenso com estes intrujões. Um dia muito atrapalhado com uma terríveldor do baço - de que veio a morrer - encontrou em casa, em Intimane, umgagaísta que estava a intrujar algumas pessoas.

É bom dizer-se nesta altura, que, alguém, mal intencionado certamente,tinha aconselhado meu tio a tratar o baço com genebra e que, nesse diaestava com uma grande quantidade do remédio no estômago. Muito arre-liado e já na disposição de pregar uma sova ao homem disse-lhe queperguntasse aos ossos o que ia suceder em breve, a ele gagaísta. O homemdeitou os ossos, viu o porco, viu o cágado, viu a gazela, tudo voltado parao meu tio e disse com alegria: “um dia bom para mim, vamos, como decostume, ter bebidas, vamos ter festa!”

Então, meu tio foi buscar um cavalo marinho e deu com ele no homemgritando-lhe sempre “tu não sabes nada; vês que não adivinhaste?” Mas ogagaísta era parente da família por parte da mulher do meu tio; grande bal-búrdia, choradeiras, milando, e meu tio teve, para acabar com questões, quedar um cabrito e um garrafão de álcool, tendo-se feito a festa ali mesmo.17 “Nós concordamos, nós concordamos”.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 49

Page 51: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

50

Quando esta acabou, o gagaísta, já grosso, teve este dito que transtornoupor completo a ideia que meu tio tinha dos adivinhadores: “Viu como omeu gagau não falha?; eu disse que tudo isso acabava numa festa e assimfoi...

Quase sempre estes adivinhadores são também curandeiros, e é por estelado simpático que os tolero e admito.

Sei que estes são, sem razão, perseguidos pelos administradores, sabendoestes que não há médicos brancos para tratarem todos os pretos espalhadospor esses matos fora. Seria bem bom que, mediante exame, se lhes dessemlicenças, a exemplo do que se faz em alguns pontos da Europa. Se na Europase faz isso, em África, com mais razão se devia seguir esta prática.

Para provar o que sabem e valem alguns destes médicos, conto o queme disse um deles que me procurou afim de me dar drogas. Um chefe daestação do caminho de ferro, branco de Portugal, tinha 4 filhas das quais 3já em idade de casar; infelizmente para ele, via passar os anos sem que apa-recesse um pretendente. Informado pelo cozinheiro ou outro serviçal, daexistência deste doutor combinou o remédio de se ver livre das filhas. Ajus-tado e pago o preço adiantadamente - tudo aquilo é pago adiantado - ohomem tratou então do remédio.

Explicou-me como se faz este trabalho e até se prontificava a fazer-meespecialista neste gênero, mas não aceitei. Sinto-me cansado e com os meus55 anos seria o verdadeiro suplício de Tântalo. Mas vou contar, eu contotudo o que sei.

Despe-se a rapariga, se for nova (se for viúva não é preciso) ficandocomo saiu da barriga da mamã. Está já preparada uma calda com drogasvarias; com um rabo de boi vai lhe aspergindo corpo todo; cabeça, colo,ancas, pernas, etc. Há mais uma particularidade que não posso dizer porcausa das leitoras, dos leitores, dos dignos membros da Comissão deCensura e por mim mesmo.

Com uma lâmina faz-lhe na cabeça uma incisão e deita uns pós, produtode umas moscas - para que seja fecunda.

Disse-me o homem que o tal chefe arranjou logo casamento para as 3filhas e que agora mesmo lhe mandou chamar para tratar da 4ª que estátambém já mulher.

Bendito pai que com uma despesa de alguns escudos apenas, arrumatodas as filhas.

Custa este tratamento 25 escudos por cabeça. Aviso aos papás que nãotenham saída para as filhas: Incomati com elas...

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 50

Page 52: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

José Albasini (o Bandana)

51

O europeu em geral faz uma terrível confusão com o feiticeiro e ga-gaísta, quando afinal são dois entes diferentes.

Gagaísta é, como já disse, um homem que adivinha coisas e tambémcura; feiticeiro é o que causa males, mortes, come gente, etc., a que os ita-lianos chamam jettatore.

Os cientistas, os brancos, desprezam estas coisas todas e não procuramsequer estudar e aprofundá-las.

Ofereceu-me o meu amigo Estácio Dias um chá das cinco - five o’clocktea - (creio que é assim que se escreve) o qual chá era café, galinhas assa-das, fricassés, doces, etc., porque Estácio Dias além de agricultor é tambémum hábil cozinheiro. Eu aprecio-o mais...como jornalista distinto que é.

Vou deixar Incomati, mas antes disso desejava conferenciar com oindun18 a destes sítios, para trocar impressões, saber o que pensa do Go-verno português, das necessidades locais etc., etc. Não o posso fazer porqueo meu estado de saúde não me permite subir estas montanhas. Limitei-mepois a conversar com um homem que é do território inglês - Komati Poort- mas que tem aqui família.

Quis saber o motivo por que não se mudava para o nosso território etc.Não posso, não devo, por patriotismo, disse as razões que o homem apre-sentou e que de resto, são as mesmas que atiram todos os dias pelas fron-teiras fora dezenas e dezenas de indignados portugueses.

Ao retirar-me de Incomati beijei respeitosamente as mãos da bondosasenhora que durante todo este tempo me acolheu e tratou como filho, con-traindo eu uma dívida que não poderei pagar jamais.

________________Numa das crónicas saiu gulu em lugar de gula. O leitor que é inteligente,

compreendeu com certeza o erro.

18 Auxiliar de régulo.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 51

Page 53: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

52

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

Manhiça

Marracuene

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 52

Page 54: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

53

José Albasini (o Bandana)

VII19

Sigo agora para Magude a ver se consigo concertar o coração que tra-balha mal, tendo momentos de parecer parar.

O médico que me tratou dessa doença, quando eu tinha 25 anos, profe-tizou-me uma morte rápida: “com bebedeiras, mulheres e cigarros você nãoviverá quase nada, é preciso não se ralar, não se incomodar”, disse ele.Enganou-se o distinto clínico; consegui viver mais 30 anos, o que não épouco. Bebidas, não uso; cigarros também não; mulheres era só o q. b. dosmédicos.

Mas ainda que um homem faça o bastante para se não ralar, para viverem paz, não o pode fazer se ralações vêm ter conosco, ora quando nosmorre o pai e a mãe, que tanto amamos e que nos deram o ser, ora quandonos morrem os filhos, que são a carne da nossa carne ou, ainda, quandodesaparecem dia a dia os nossos amigos queridos. O coração sofre entãopor mais esforço que um homem faça para o tornar calmo. Daí as doençasque atormentam, maçam e nos arrebentam.

E não se diga que não sou um valente: quando, ainda não há muito tempoo franco foi desvalorizado, arruinando muita gente, fiquei calmo; quandoo dólar, esse maldito, também arrastando bancos, companhias e financeirosvários, não senti um abalo sequer. E no entanto vi muita gente atrapalhada...

Com estes contratempos todos, posso aguentar, mas com os que indiqueiprimeiro não.

Num carro que já cumpriu o seu dever, pois o contador parou nas 50.000milhas, saí de Lourenço Marques no sábado, 21, passando por Marracuene.

Não vejo esta terra sem uma certa emoção, porque ela representa qual-quer coisa de grande na nossa vida.

Foi em Marracuene que se feriu aos 40 anos um combate, grande peloseu resultado, pequeno pelo tempo que durou: hora e meia somente. Masneste pouco tempo decidiu-se da existência de Lourenço Marques comoterra portuguesa e abriu aos meus patrícios o caminho da civilização.

Como sabem, estava ali acampada uma força de gente civilizada levandoespingardas, metralhadoras e peças; do outro lado, emboscados, estavamos negros boçais em grande número, mas armados de mocas e zagaias.Gente brava, heróis como lhes chamaram Enes e Brito Camacho, investemcontra um quadrado formado como já disse por tudo quanto a civilização19 O BRADO AFRICANO: Lourenço Marques, 12 de maio de 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 53

Page 55: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

54

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

tem inventado para matar gente e rompem-no, matam, ferem, esquartejame ali ficam uma porção deles mortos e feridos, porque um milagre faz comque o quadrado se recomponha - sem exemplo na história, - um verdadeiromilagre, tão milagre como foi a formatura do mesmo quadrado meia horamais cedo, sem explicação que a justificasse.

Feriram-se depois outros combates: Magul, Coolela e pequenas escaramu-ças mas todas elas não têm, não podem ter, a importância que teve o combatede Marracuene. Não tivessem vencido os civilizados em Marracuene e já senão teria dado o combate de Magule, que uma testemunha que nele entrouconfessava ter sido a coisa mais séria de toda a campanha. Esta testemunhatinha entrado no combate de Marracuene; tinha sido um dos 100 escolhidospara esse assalto e da boca dele ouvi os pormenores da luta.

Tivessem perdido os civilizados e hoje, talvez, o nosso destino foraoutro.

Ganharam, afinal, todos nesse dia bendito: os que lutavam pela civili-zação, consolidaram esta, não deixaram que os bárbaros, somente por seremmuitos, triunfassem, mas estes viram afinal que o número não era tudo,faltava a disciplina, faltava a civilização.

Desde esse dia, as escolas, até então às moscas, começaram a ter afluên-cia, deixaram a tanga, usam fatos engomados, são empregados comerciais,chauffeurs, professores, enfermeiros e até padres!

Tudo isto em 40 anos! A tal grande criança morreu nesse glorioso combate,afogada com o sangue generoso dos portugueses - porque eram todos portu-gueses - que se derramou no dia 2 de Fevereiro, naquela memorável madru-gada em que se desfizeram as ultimas ilusões dos negros não civilizados.

Mais tarde Marracuene será a Meca dos Africanos de Lourenço Mar-ques: lá irão, todos os anos, em peregrinação, lançar flores onde existe omonumento dos vencedores e as cinzas dos vencidos.

Tinham-me dito que de Bobole para Xinavane, os gafanhotos eramtantos que se não via um palmo de terra.

Felizmente, desta terra até Xirinda não vi nenhum, e foi só na proprie-dade do sr. José Fernandes Tavira que vi um bando enorme seguindo parasul. Nesta propriedade; onde me demorei 3 horas, tive ocasião de ver osestragos que fizeram aqueles malditos, no milho, árvores de frutos, princi-palmente bananeiras. Tinham-me afirmado que não existia uma planta vivanem coisa nenhuma ali, mas afinal ainda há lá capim e não lhe comeram ascasas, o gado nem a criação...

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 54

Page 56: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

55

José Albasini (o Bandana)

Cheguei a Manhiça às 13 horas e fui logo dolorosamente impressionado,com uma leva de presos por dividas do imposto da palhota. Contei 50, nasua maioria velhas de mais de 60 anos; as desgraçadas estão ali por umcrime que não cometeram porque, todos sabem, o imposto é pago peloshomens.

Não sei quem foi o Torquemada que inventou aquela tortura, a que nãofaço mais referencias por motivos que todos devem compreender. É estauma das razões, invocada por aquele homem com quem falei em Incomatie de que fiz referência numa das minhas crónicas. Oxalá alguém acabe estesistema, impróprio do século que atravessamos.

A minha dolorosa impressão não me permitiu a que fosse apresentar osmeus cumprimentos ao sr. Administrador, de quem aliás sou amigo velho.

Depois de contribuir com a minha parte para a prosperidade da América- comprando alguns galões de gasolina - sigo para a minha terra natal,Intimane, onde vou pernoitar.

Tinha marcado, no meu itinerário, uma visita à Escola de Preparaçãode Professores e outra ao meu amigo Mário Ferreira, que é natural daManhiça e ali residente; a pouca confiança no carro que me transporta fezcom que adiasse essas visitas para a volta.

Segui pois para Intimane. Levei na minha companhia os meus dois netospara que ali recebessem o batismo de fogo que é o serem sangrados pelosmosquitos da minha terra. Foi ali que nasceu meu pai, eu e mais uma irmã;estão ali enterrado os meus avôs pretos e eu levo para ali os meus netospara que os psikwembu deles vejam os seus netos e os abençoem para quesejam bons cidadãos e ótimos chefes de família.

Da Manhiça até Intimane não vi mais gafanhotos, talvez estejam naspropriedades agrícolas dando cabo do que cada um com tanto trabalhoplantou e semeou.

Muito se tem dito e escrito contra o Governo por causa dos gafanhotos;eu, porém, não vejo maneira de os exterminar pela pouca densidade dapopulação.

Andam-se quilômetros e quilômetros sem se ver uma palhota nem umhabitante, o que não admira, pois, dizem, há 4 habitantes por quilômetroquadrado. Segundo já vi, no Japão a população é de 980 por quilómetro.Aqui sim que é possível dar cabo dos gafanhotos; na nossa terra, não vejomais a não ser que eles por sua livre vontade se vão embora.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 55

Page 57: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

56

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

Tenciono dormir uma noite em Intimane não só pelos motivos que apon-tei mas também porque ali sinto-me grande, príncipe nada menos, o que deresto me sucede também em Lourenço Marques.

Sigo depois para Magude, via Xinavane; ali tenciono, se a saúde me per-mitir, visitar a Missão de S. Jerónimo, Missão Suíça, Hospital, Escola Mo-reira da Fonseca e dar um abraço ao amigo Gil.

Há em Magude leões, elefantes, leopardos, jacarés e mais bicharada;terei ocasião de ver alguns, talvez, e poderei também dizer sobre eles qual-quer coisa que encantou o meu amigo Ferdinand Bruheim, sepultado emXinavane, e sobre cuja campa espero depor uma flor.

Intimane, 21-4-934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 56

Page 58: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

57

José Albasini (o Bandana)

Rio Incomati, visto a partir de Xinavane

Barca fazendo a travessia do rio Incomati para Magud

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 57

Page 59: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

58

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

VIII20

Deixei a última crónica no momento em que o automóvel partiu deManhiça em direção a minha terra natal - Intimane. À vista da árvore quese chama mfunwana o meu coração transbordou de alegria. Estava final-mente em casa! Aquela árvore, espécie de coqueiro, nasceu ali há centosde anos; vi-a assim quando nasci, meu pai assim a viu, e segundo dizem osantigos cá da terra, ela nasceu quando apareceu o primeiro homem e a pri-meira mulher, de uma cana que se rachou.

Intimane, a minha aldeia, está há milhares de anos como a natureza afez. Nem um melhoramento, nem agricultura, nem nada! Só os mosquitostêm aumentado em número considerável. Noutros tempos um homem aindapodia dormir algumas horas durante a noite; agora não se dorme. Os mora-dores e principalmente as moradoras entretém-se à noite a dançar o batuque,ora Shingombela ora Shipenda, para espantar os malditos, e quando já estãocansados, fartos de bater com os pés no chão duro, é que vão para as palhotastendo previamente defumado e sacudido o interior destas. Em vão, eles en-tram pelos buracos, pelas frinchas e ferra-os, sugam e quase que matam osdesgraçados.

Minha mãe supôs sempre que os mosquitos tinham nascido ali e quedepois se espalharam por todo mundo.

Uma vez, porém, indo visitar-me ao Xai-xai, em 1899 - há quantos anosjá ! - teve a impressão, - impressão apenas - de que deviam ter nascido noXai-xai... Que me desculpe o meu amigo Juvêncio da Silveira, o grandexaixaiense, esta referência. É que, ela, coitada, fazia uma ideia muito espe-cial do mundo: para ela o Xai-xai e Intimane era o mundo! Sabia lá da exis-tência do Brasil, do Acre, ou coisa parecida!

Esse Xai-xai que eu conheci há muitos anos e que tanto amo, para sergrande e belo tem que ter qualquer coisa especial que o torne diferente deoutras terras. Não lhe tirem o mosquito, não lhe tirem essa especialidade,que lhe tiram todo o valor...

Pois a minha terra é assim também: muito bonita, muito verdinha, masé o celeiro dos mosquitos.

Tinha comprado em Manhiça na casa Guerreiro & Castro, uma garrafade vinho para os psikwembu. Devia despejar junto à árvore, no tronco,pedindo aos manes que me dessem boa viagem. Foi isto que vi sempre

20 O BRADO AFRICANO, n. 705: Lourenço Marques, 26 de maio de 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 58

Page 60: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

59

José Albasini (o Bandana)

fazerem os meus avôs e não vejo razão para não proceder da mesma forma.Tenho sido tão tocado pela adversidade, que volvo os olhos para os antigos,com os seus usos e costumes, tão puros e tão salutares...Com a pressa nãotratei disso, e a garrafa ficou com o líquido.

Da árvore para a casa onde me fui hospedar, o automóvel corre, pula,salta, como se aquela terra bendita lhe tivesse desentorpecido as molas quemais de 50.000 milhas de andamento lhe tenham enferrujado.

Às três horas da tarde demos entrada na povoação do sr. José da SilvaJordão, velho colono com 45 anos de Lourenço Marques e 35 de Intimane.

Ali tenho que ficar, como já disse, para o batismo de sangue dos meusnetos e para ter a sensação agradável de dormir numa terra onde, em casode necessidade, ainda posso levantar 6 azagaias a meu favor!

Como era de esperar, fui recebido festivamente na terra que me viu nascer,os pobres carneiros e as galinhas tiveram que pagar com a vida a nossa ale-gria. Folguedos à noite, o inevitável batuque e a noite perdida a abanar esacudir os malditos mosquitos que vinham, em legiões e legiões sangrar omeu magro corpo, onde a longa doença deixou os ossos a descoberto.

Madrugada, muito cedo ao sair da palhota, vi uma pele de jacaré esten-dida, tendo sido informado que tinha sido morto alguns dias antes por umhomem de nome Ndongwa que me foi apresentado. Contou-me este queandando à pesca, na lagoa, com um rabungu (lança) tinha sentido, ao espe-tar, uma certa resistência que supôs ser de um grande peixe, mas que afinalera um jacaré, não dos grandes, pois media apenas 3 metros.

Há, na minha terra, jacarés como em todos os rios de África. Infeliz-mente não há como na Zululândia homens como Hlaba Ngwenya nemcoronéis ingleses que gastem centos de libras em pagar para lutarem comjacarés. Assim nunca se tornara célebre esta minha pobre aldeia. As mortesque os jacarés aqui fazem são todas em família, de vez em quando um aper-tão, um gritinho e nada mais.

Há também hipopótamos, alguns dos quais se metem muitas vezes noscurrais, juntamente com o gado.

Não há, na terra, preciosidades que se vejam, nem coisa que possa inte-ressar o viajante. Há porém, disseram-me, um homem precioso, um verda-deiro achado. Esse homem tem o dom de fazer chover quando é preciso equando lhe pagam...já se vê!

Infelizmente não me foi possível falar com essa preciosidade. Queria-ocontratar para o levar à cidade e apresentá-lo à Associação dos Agricultores;

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 59

Page 61: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

60

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

pois pode prestar grandes serviços à pátria e às batatas. Fico de o procurarna volta, se voltar por aqui.

Intimane é a terra que fez exclamar a um velho colono: “estas são asmelhores terras do mundo” e não obstante disso, de agricultura não háabsolutamente nada.

Uns bocados arranhados pelos pretos aqui e acolá; são as únicas man-chas a marcar a existência do homem naqueles sítios

Há gado vacum. Não sei o que poderia suceder se um administradorinteligente e enérgico obrigasse os indígenas criadores de gado a terem, porcada 30 cabeças, por exemplo, uns tantos hectares de terreno cultivado;mas suponho que em pouco tempo, em muito pouco tempo mesmo, Inti-mane se transformasse em terra agrícola, rica, sem ser o grande celeiro,pois essas honras estão reservadas para o Xai-xai...

Ouço mesmo dizer que devia o vale de Manhiça Intimane receber pri-meiro o benefício de irrigação que vai para o vale do Limpopo.

Sei que este é maior que aquele, mas contesto que seja melhor. E paraum país pobre como o nosso, devia se aproveitar o que está mais próximodo porto de embarque e não se ir tão longe, deixando para traz terras melhorese mais ricas.

No domingo tratei da viagem para Magudo que é o meu ponto de destinoe onde tenciono passar uns 8 dias, mas a minha família opôs-se à saída,alegando que era preciso vir o homem do gagau, o n’nganga para dizer seos caminhos estariam livres de qualquer perigo e se encontraria alívio àminha doença. O artista porém não apareceu, pois disseram tinha sido cha-mado para longe, o que prova a conta em que o têm...

Mesmo sem os bons auspícios do cavalheiro me resolvi a seguir viagem,mas ainda à última hora tive que esperar por um homem que me vinha cum-primentar, trazendo um grande carneiro. Como se tratava de um presente -com este eram já nove - não tive outro remédio senão esperar.

Apareceu o homem que andava com alguma dificuldade pois padece,ao que parece, de reumatismo. Era um homem que tem 2 metros e foi umforte noutros tempos. Queixou-se-me da vista, das articulações, fraquezaetc. Ele já não é novo, pois contou-me que, quando o régulo Manicussemorreu, ele já gatinhava; tendo aquele morrido em 1859 (salvo erro, poisnão trago comigo livros para consultar) tem o homem 75 anos, o que nãoé pouco. Disse-me que tem gasto uma grande quantidade de gado pagandoaos doutores, mas que todos lhe dizem serem feitiços, e feitiços de bandjaus

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 60

Page 62: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

61

José Albasini (o Bandana)

(uma raça má de pretos) impossíveis de os acalmarem, pois o pai dele,doente, matou alguns na guerra de Mawewe com o Muzila.

Mandei o homem para Xinavane com uma recomendação para o distintoenfermeiro que é o sr. Ribeiro.

É possível que o médico, Dr. Pacheco, que me dizem ser uma compe-tência, faça rejuvenescer o homem com ou sem sistema Vornoff21 e que dêaos membros já cansados o vigor dos 20 anos.

Às 11 da manhã vamos largar para Xinavane.Quero ver como se porta o automóvel que ainda agora não digo a marca

nem o número.Intimane, 22/5/934

21 Serge Voronoff (1866-1951), cirurgião russo que proclamava ter descoberto a solução para a lon-gevidade no implante de um testítuclo de um homem mais jovem e vigoroso.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 61

Page 63: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

62

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

IX22

Studebaker - I B 224 é o famoso automóvel que me transporta. Enquantose portou mal parando a todo momento e obrigando o condutor a sair deze-nas de vezes para inspecionar várias peças, eu não quis, propositadamente,dizer a marca do carro, a fim de evitar uma demanda aos fabricantes e agên-cias. Agora, porém, que ele se porta admiravelmente, seria ingratidão deminha parte não dizer ao público que há uns carros - sem reclamo - quedevem ser preferidos pelo público, pois têm a velocidade de aeroplano.

De Intimane para Xinavane o automóvel I B 224 bateu dois carros de 2lugares, um camião, dois carros fechados e venceria o próprio Bugatti setivesse o atrevimento de correr ao lado dele.

Tal era a velocidade do carro que tendo eu feito tenções de visitar ocampo do meu infeliz Ferdinand Bruheim, não dei pela passagem no cemi-tério e só dei por mim já nos braços - braços não, tenazes do Joe que meesmagava sem se lembrar de que me faltam 15 quilos de peso.

Este Joe que os leitores devem conhecer foi boxeur noutros tempos; écomerciante agora e diz que quer ser patriarca...Já tem 5 filhos, faltandopor conseguinte só 7.

Muito prático - o pai é Americano - não há para ele dificuldades de espéciealguma. A sua casa comercial é das mais movimentadas de Xinavane e deveter já em Nova York, alguns milhares de dollars...

Há 13 casas comerciais em Xinavane mal alinhadas apesar de seremmodernas.

Foi em Xinavane que vi o segundo bando de gafanhotos. O primeiro,como já disse, foi na propriedade do sr. José Fernandes Tavirá.

Fiquei surpreendido ao ver cana ali, pois em Lourenço Marques constaraque estava tudo destruído, e que os malditos, não contentes por terem devo-rado as folhas e a cana, andavam agora de picareta a desenterrar as raízes!Pobres gafanhotos que tão caluniados têm sido!

Estes malditos devem ter feito ali muito estrago, mas a terra, que é boa,em breve reparou os prejuízos, fazendo rejuvenescer a cana, que está linda,linda, como se não tivesse aparecido aquela praga de que a bíblia nos contajá dos tempos em que o fabricante do Universo vinha algumas vezes falaraos mortais.22 Este texto foi publicado duas vezes, com pequenas modificações, em O BRADO AFRICANO,

Lourenço Marques, 2 de junho (n. 706) e 9 de junho (n. 707) de 1934, p. 2. As partes adicionadasna edição de 9 de junho estão marcadas em negrito.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 62

Page 64: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

63

José Albasini (o Bandana)

Desejava visitar a propriedade do Alfredo Luiz, o grande industrial quepela primeira vez fabricou manteiga na Colónia; deixei também para avolta.

Largamos de Xinavane às 8 e, pouco depois, estávamos em Magudo.Entre as caras conhecidas a primeira que vi foi do meu amigo Fernandes

Gil; notando eu que trazia uma camisa preta, supôs, e mal, que era o fas-cismo a invadir Magudo.

Como ia dentro do automóvel, e este passou com alguma velocidadepela porta dele, só tive tempo de lhe fazer um cumprimento à Mussolini -com o braço esquerdo, ao que ele não correspondeu. Fiz outro à Hitler eele ficou indiferente. Só me correspondeu a um “viva!” com outro “viva”

Fiquei deveras intrigado. Que fascismo era então aquele, de Magudo,que não correspondia ao sinal mundial? Quando, mais tarde, vim falar-lhe,tive então a explicação: o meu amigo está de luto pelo falecimento da mu-lher, o que lamento. Quando lhe falei em fascismo, o meu Gil, todo exal-tado, declarou me que era comunista.

Nunca tinha compreendido estas coisas novas. Só em Magudo, e pelasexplicações do meu amigo, fiquei compreendendo alguma coisa. Não sópelas explicações, mas também pelas ações. É que durante o tempo queestive em Magudo, o amigo Gil não se cansou em me obsequiar; man-dou-me sempre leite, galinhas, latarias, dinheiro, etc., etc. Se é isso o co-munismo não admira que em pouco tempo ele galgasse montanhas,avassalasse cidades e que a burguesia assustada, tenha mobilizado exércitospara o combater.

Certo é que nem todos o poderiam acompanhar. Um homem como eu,tendo já dobrado os 55 anos, deve ter escolhido, há muito, o caminho quedeve seguir.

Tinham-me contado varias peripécias sucedidas com leões em Magudo.Alguns tinham mesmo mortos nas varandas, com uma simples pistola ouum cajado, famílias inteiras daqueles bichos.

Outros contaram que, à noite, ao saírem de casa viam bandos e bandosde leões, tendo que os correr a pontapés.

Os leões que vi em Magudo logo no primeiro dia da chegada não eramdaqueles que se mata a tiro ou cajado em que a gente procure afastar sedele. Eram, pelo contrário, “leões” que andam pelas ruas em pleno dia,muito amáveis e obsequiadores.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 63

Page 65: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

64

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

O primeiro “leão” que vi em Magudo foi o sr. António dos Santos Parisque por sua vez me apresentou ao “leão chefe”, sr. Manuel GonçalvesCaruço.

Pertencem ambos ao “Grupo dos leões de Magudo”, Associação deSport que tem um belo campo para foot-ball, e que vai construir agora umcourt de tennis.

Nesse mesmo dia fui assistir a um desafio entre os leões e o team deXinavane que à última hora tinha vindo substituir o “A Nova Aliança” deLourenço Marques, que faltara.

Muito gostam de foot-ball estes “leões” de Magudo e realmente assimtem que ser, pois a terra não tem atrativos nenhuns onde uma pessoa possapassar o domingo.

A minha primeira noite de Magudo e as outras passei-as também embaixo do teto de um Bi-Leão - o sr. Leão Rafael, sócio também do grupodos “leões”.

Pode-se dormir descansado em Magudo, certo que os “leões” não nosatormentam, antes nos recebem alegremente e prestam-nos muitos favores.

Este sr. Leão Rafael é filho de Eduardo Cassassa Alvares Pereiracapitão de infantaria que em 1897 tomou parte na campanha contraMaguiguana e da rainha Chipimi-sana que em 1900 fugiu para o Transval,levando consigo o filho.

Aproveitou o administrador da circunscrição esta ausência, para dividiro regulado de Magudo em 18 ou 19 pequenos regulados ficando o Leãosem quinhão. É muito considerado tanto pelos patrícios como pelas auto-ridades. Bem merece que numa aberta - das muitas que se dão pela desti-tuição de algum régulo - ele seja nomeado para um desses lugares.

A primeira visita que fiz em Magudo foi, naturalmente, ao sr. Adminis-trador de Circunscrição, sr. Sacadura Botte, que nem de vista conhecia.

Com S. Excia. estive cerca de meia hora encantado de ouvir falar umdos novos, com ideias muito diferentes de outros que até agora têm dirigidoo nativo.

Não é nestas crónicas que poderei dizer coisas sobre o homem que supe-riormente dirige Magudo; mais tarde, com mais vagar terei, com certeza,ocasião de me referir a S. Excia., mas declaro já que nesse dia e nos outros,tanto de brancos como de pretos tive a confirmação de que ele é realmenteum bom administrador, tendo chegado infelizmente a Magudo quando estacircunscrição está pobre e os habitantes impossibilitados de satisfazer comprontidão os seus impostos.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 64

Page 66: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

65

José Albasini (o Bandana)

Depois segui para o hospital. Já lá tinha estado, da outra vez quevisitei Magudo. Daquela vez não havia camas nem tarimbas e, a pro-pósito disso, contaram-me então, que tinha-se representado ali umapequena farsa, sem dúvida para se salvar dignamente o nome daNação.

Um grupo de médicos estrangeiros foi convidado a visitar o hospitalde Magudo que, nesse tempo, nada tinha.

Nas vésperas chegaram camas, medicamentos vários e montou-setudo aquilo de modos a impressionar os visitantes.

Fez-se mais : arranjaram doentes - com saúde – meteram-nos dentrodas camas para que os visitantes vissem depois o tratamento que se dáaos indígenas.

Um grupo de enfermeiros indígenas - enfermeiros verdadeiros - pro-cedia à vacinação da negrada quando chegaram os médicos acompa-nhados dos Diretores dos Serviços de Saúde. Foi um encanto! Osvisitantes não se cansavam de elogiar o trabalho dos nossos médicos eera très jolie d’aqui e très bien do outro lado...

Quando eles se retiraram, os doentes foram-se para as suas palhotas,os medicamentos e os enfermeiros para o hospital e as camas para oalmoxarifado...

Agora, porém, o caso é diferente. Os doentes que vi são verdadeiros,tão verdadeiros que um deles morreu a valer...

Umas tarimbas fazem de camas, e vi um relativo asseio naquilo tudo.Vi a casinha, vi a farmácia e constatei que havia lá medicamentos,

ao contrário do que pessoas amigas me tinham afirmado em LourençoMarques.

Magude, 25-5-934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 65

Page 67: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

66

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

X23

A Missão Suíça de Magudo está a 3 quilômetros da sede de circunscri-ção, e o Studebaker I B 224 faz este trajeto em 2 minutos.

Sítio muito agradável, num alto, com as casas muito bonitas e limpas,tem como missionário o Rev.º Herman Muller há apenas 5 anos.

Fui recebido amavelmente por este apóstolo, mostrando-me depois asdependências todas da missão: igreja, escola, enfermaria, casa dos escotei-ros, etc.

Conversei depois durante mais de uma hora com o missionário, tendo-me apresentado a sua Exma. esposa, a Sra. D. Helena Muller, de muito finotrato, falando fluentemente o português, como o seu marido. Na sua livraria,tive ocasião de ver muitos livros de autores portugueses e entre estes Eçade Queiroz. Já me sentia bem naquela casa e melhor me senti quando omissionário foi buscar 2 filhitas, gêmeas, de alguns meses apenas, muitobrancas e lindas, tão lindas que parecem duas bonequinhas...

Compreendo estas missões, onde o missionário tem a sua mulher e osseus filhos. O missionário protestante pode, com conhecimento de causa,dar conselhos aos casados e bons exemplos aos filhos dos outros, o quecom certa dificuldade pode fazer o nosso padre. De mais: o preto, paraquem todas as missões trabalham, não pode compreender o nosso padre,que prega o casamento, não tendo ele mulher, parecendo assim que está fa-zendo kanganhiça...

Entre outras coisas de interesse mostrou-me o mapa dos adeptos da CruzAzul (liga contra as bebidas) e por esse documento vi que a Liga da CruzAzul, que começou com 16 adeptos, está agora com 1935, o que não émuito, mas que mostra a tenacidade com que os dirigentes da Liga têm tra-balhado para ela progredir sempre e sempre.

Foi-me apresentada também a Sr.ª enfermeira Clara Badertscher, queconheço já de Lourenço Marques.

Esta Sr.ª tem prestado relevantíssimos serviços no Hospital da MissãoSuíça, principalmente nos partos. Ajudou a nascer muito Africano, pelo quemerece a nossa gratidão.

Estava de viagem para a Europa, e eu desejei em nome do Brado Afri-cano uma feliz viagem e um breve regresso.

23 O BRADO AFRICANO: Lourenço Marques, 23 de junho de 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 66

Page 68: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

67

José Albasini (o Bandana)

Uma hora depois saí da Missão. A Missão Suíça mereceu sempre asminhas simpatias e preferências pelo seu trabalho colossal pela civilizaçãodo indígena. Vi chegar a Lourenço Marques, num carro de bois, o inolvi-dável Paulo Berthoud e Calvin Maphope e desde esse dia não me canseide admirar a sua obra. Depois vieram outros missionários que muito a dig-nificaram: P. Loze, Junod, Georges de Tribolet, Guy, etc., e médicos queforam e são verdadeiros sacerdotes: Sechett, Garin e Angusburger.

Falando de médicos é justo dizer que houve uma época má, quando acargo deste serviço esteve um médico que os pretos cognominaram de Malini(dinheiro, dinheiro) mas esse mal passou, pois hoje está o Dr. Gentil, jábastante conhecido de Shikumbana, onde presta ótimos serviços.

Nesse mesmo dia tive conhecimento de que lá longe andava um mágicoque fazia chover. Eureka! gritei, vou procurar o homem, quero ter o prazer deapresentar ao sr. comandante José Cardoso, digno presidente do Fomento Agrí-cola, pessoa da minha maior estima e consideração, este homem milagroso.

Logo na 3ª feira meti gasolina e aí vou a procura do homem.As estradas, se se pode dar este nome, os carreiros - são más e uma pes-

soa vai sempre em risco de ser atirado para longe. Gastei nesta empresa 2caixas de gasolina, pois tive que ir quase a Mapulangweni, daqui para Shi-buri e desta localidade para Makayeni.

Por toda a parte tinha notícias do mágico, mas não o encontrava e nãodesistia de o procurar.

Foi em Shiburi que tive a dolorosa impressão de colher as piores notíciasdo homem.

Trata-se de um intrujão, que está explorando a crendice indígena, fa-zendo-se pagar bem caro para milagrosamente fazer chover.

A falta de água, as sementeiras perdidas e o gado sem pasto são malesantigos, tão antigos que a Bíblia neles nos fala em mais de um capítulo.

O homem pode lutar, matar e saquear cidades e vilas; aprisionar homense fazer pagar impostos. A ciência tem, com muito trabalho e imensa can-seira, conseguido descobertas importantes. Pois bem, todas elas são infe-riores a fazer chover no tempo seco! A aflição do lavrador e do criador degado é tão grande que aceita nesta altura a intervenção do homem que atroco de algumas libras promete regar a terra e fazer nascer não só o ali-mento para o homem, como o pasto para os gados.

De resto, não há que rir do preto inculto e selvagem, porque nos centroscivilizados os cristãos saem em procissão, pedindo chuva, que tanta falta faz.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 67

Page 69: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

68

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

O homem que prometia a chuva já tinha vigarizado algumas pessoas, eum chefe, com quem falei, contou-me que tinha dado £5.100 em bom ourometal e uma vitela prenhe. Morta a vitela tira-se a cria que se deita fora,procedendo-se depois a cerimónia de pedir a chuva.

Entra o inevitável gagaísta, atira os ossos; a assistência acompanhaaquilo tudo, ora com os olhos no mágico, ora olhando para o céu a ver seuma nuvem descarrega o líquido precioso...

Nada se conseguiu, porque os psikwembu estão zangados. Pelo que ouvinão foi só este chefe que deu as libras; outros foram também vigarizados eainda estão à espera da chuva. É uma indústria rendosa, mas que pode terconsequências fatais, porque, os homens e as mulheres da tal terra estavamindignados e já pensavam em dar uma boa sova ao homem dos milagres.

Visitando a área de Shiburi fui dar a uma povoação onde vive um pobrecom 300 cabeças de gado.

Chamei pobre, porque sei que o criador, preto, de gado, é o mais mise-rável em toda a parte.

Ele não trabalha, não emigra, nem cultiva; passa todo o tempo a olhar econtar o gado e quando muito, tira alguns litros de leite para o massi. E,como não trabalha, passa fome e todas as necessidades.

Pois este pobre de Shiburi não era diferente dos outros, pelo que vi. Afamília não tinha que comer; um enorme panelão estava cheio de massi,que já não comem - tão fartos estão dele - e para adubar um bocado demilho trazido de longe, muito longe, estavam a pilar castanhas de makanyi...

Nessa povoação vi uma caveira e pele de leão recentes. Apresentaram-meo rapaz que tinha morto o bicho e apesar de não ter sido muito lealmente,ainda assim admirei a coragem. Contou-me que o leão tinha entrado no curraldo gado, mas que ali se deu mal, porque os bois se atiraram a ele, maltra-tando-o. Saindo do curral, que se tinha escangalhado, dirigia-se ao curraldos vitelos quando caiu na armadilha preparada para ele, começando logoa dar urros formidáveis. Foi nesta altura e nesta posição que foi morto atiro pelo rapaz lá da povoação e a uma distância de 30 metros.

Lembrei-me dum incidente sucedido há bons 12 anos entre o meu amigoFerdinand Bruheim e um primo meu - branco e ex-capitão, que se chamaJoão Albasini. Este tinha vindo lá da terra – Spelonken - visitar-nos e encon-trou em casa o Ferdinand. Depois de muito falar e de verem o fundo a váriasgarrafas de whisky, a conversa versou sobre a caça, contando cada um delesos centos de elefantes que tinha morto e os milhares de búfalos, gazelas eoutros bichos.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 68

Page 70: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

69

José Albasini (o Bandana)

Em certa altura o Ferdinand contou que na Zululândia tinha morto em 5minutos 8 leões, isto é, uma família...a uma distância de 10 metros.

Meu primo, muito nervoso por causa das garrafas, levanta-se e grita:você é um miserável mentiroso! O record de matar 8 leões em 5 minutos ea 5 metros é meu: ninguém mais é capaz de uma façanha dessas.

Vi jeito de se matarem porque se o Ferdinand concordava que não tinhamsido 8, mas sim 4, teimava que tinha sido em 5 minutos. Discutiram durantehoras em 4 línguas diferentes e pela madrugada já quase harmonizados sóhavia uma divergência: meu primo não admitia que um gentleman matasseleões a mais de 5 metros. Um leão só pode ser morto a 5 metros e de frente,esperando ainda que ele mecha o rabo, sem o que se não pode atirar. Oamigo Bruheim sustentava que 10 metros é a distância que o coronel Hut-son S.V.R. - P.R.T.Q.V.T. etc. marca nos seus livros.

A contenda só acabou de manhã, porque tinham adormecido. Meu primorosnava de vez em quando: Hutson, Hutson, um miserável, se eu o encon-trar um dia parto-lhe a cara...

De modos que, em Shiburi, quando soube que o tal homem tinha mortoum leão a mais de 5 metros e demais preso numa ratoeira, estimei que nãoestivesse ali o meu primo...

Magudo, 27/5/934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 69

Page 71: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

70

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

XI24

A Missão de S. Jerónimo que visitei quatro dias depois de estar emMagudo é, como os leitores sabem, uma das mais antigas que o distritoconta. Está como superior o Rev. Pe. Lima e como coadjutor o Rev. Pe.Melo, bons pastores e incansáveis obreiros da causa da civilização.

Visitei a escola para rapazes, visitei as restantes instalações onde hámuito trabalho e muita energia gasta.

Está em construção um grande edifício que se destina a Internato parameninas, obra de grande vulto com belos dormitórios e amplas casas deestudo. A obra tem sido morosa, naturalmente por falta de verba. Quandoestiver concluída e a funcionar, será uma bela escola, nada inferior ao quehá por aí com o mesmo destino.

Notei nesta Missão uma grande falta: para 121 alunas há por junto umaprofessora! E, por mais que ela faça, por muito que se divida–não se podedividir muito porque a pobre senhora tem 30 quilos de peso–vê-se que elaestá sendo sacrificada sem grande proveito para as alunas.

Vejo somente que o sacrifício dela vai dar em resultado largar ali osossos–nada mais tem para dar–e que talvez a igreja, num grande gesto decomiseração a mande canonizar, fazer dela uma santa! Se assim for, feli-cito-a desde já, mas a causa da instrução terá perdido neste tempo todo umgrande número de crianças, que ficarão sem a luz da civilização. O motivode haver uma só professora, nem me dei ao trabalho de perguntar, pois co-nheço-o e vejo-o por toda a parte. Chame-se falta de “verba”, pessoa quede há tempos para cá se instalou na nossa casa, mora conosco e vai-nos mi-nando a existência.

Uza linda aldeia, tem já dentro muita gente cristã destacando-se nestemeio, onde a maioria ainda se veste como as nossas avós.

Visitei também a fábrica de olarias, agora com muito menos movimento,porque uma outra abriu em Lourenço Marques, em plena cidade, e deveestar, esta com certeza, causando prejuízos à fábrica de cerâmica da Missãode S. Jerónimo, não havendo que levar a mal aqueles que também precisamde trabalhar para viver.

Por amabilidade do sr. Pe. Lima fomos também ao terreno fronteiro,todo cheio de árvores de frutos, criação de porcos etc. 24 O BRADO AFRICANO, n. 713: Lourenço Marques, 21 de julho 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 70

Page 72: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

71

José Albasini (o Bandana)

Tem irrigação a vapor, instalada no tempo do dr. Brito Camacho, e a elase deve à prosperidade da propriedade.

Nada há mais que dizer da Missão de Magudo; todo o trabalho está àvista, restando somente que se acabe o grandioso edifício destinado à edu-cação de meninas que é, a meu ver, por onde se deve começar todo o tra-balho de civilização em África, para depois se atender aos homens.

Terminadas as principais visitas a fazer em Magudo, tratei de meu des-canso, mas nesta altura disseram-me que se ia realizar uma feira de gado,assunto que não podia deixar de me interessar. Desde logo fiz tenção deme demorar até 9 de Maio, convencido que ia ver qualquer coisa de inte-ressante, pois, confesso, nunca tinha visto uma feira de gado.

Enquanto se não realizava a feira estive todo tempo em Magudo, apesarde ter um automóvel às minhas ordens. E que estes malditos não andamcom água somente; é preciso um outro líquido que se chama gasolina e quecusta aqui 17$50 o galão. Quando cheguei ainda custava 12$50; algunsdias depois passou a 15 e ultimamente tive que dar 17$50! Quanto custa àColônia, a nós todos, este negócio de gasolinas não sei. Vejo porém, comtristeza, que um homem, um pobre homem não dá um passo no camião ouno automóvel sem ir bater à porta do sr. Rei da Gasolina, lá longe, nas Amé-ricas, a pedir licença para ir a Marracuene, para dar uma volta pelo Chibuto,para ir ver um amigo a Magudo…

Estes incômodos, estas chamadas, são a toda a hora, desde madrugadaaté outra madrugada; não se descansa, não se para …

Dentro de alguns anos os nossos pobres Chamiços estarão todos em ter-ras Americanas e nós teremos só tido a consolação de, por uns momentos,ter tido uma sensação agradável vendo o automóvel a correr com uma velo-cidade doida, deixando atrás de nós,–quantas vezes–bocados de corpos mu-tilados e cabeças que, fora dos seus lugares, ainda ficam a olhar, um olharparado e sem expressão, como que a perguntar: para onde ides com tantapressa?… e não obstante, diz-se e escreve-se que podemos substituir a ga-solina que nos leva coiro e cabelo por produtos fabricados cá na Colônianas quais entra a cana, o milho e não sei que mais.

O químico que descobrisse uma composição onde entrasse também omosquito, não só teria feito a melhor descoberta deste século como teriaconcorrido para diminuir um dos maiores flagelos da humanidade.

A minha aldeia, todos em peso, com o Jordão à frente, iria ler-lhe umamensagem e considerá-lo cidadão; uma vila mais para lá, onde o mosquito

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 71

Page 73: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

72

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

também abunda, com o seu ilustre defensor sr. Juvêncio da Silveira e comdocumentos à vista, iria provar que o ilustre químico não só era grandexaixaiense, mas que devia ser nomeado governador do distrito–numa caja-dada matava dois coelhos–e enfim todos nós, livres das Américas com asua gasolina, passaríamos a usar a cana e outros produtos, não para embe-bedar pretos e pretas mas sim para concorrer, grandemente, para o pro-gresso da Colônia. Mas enquanto esse momento não chega, continuaremosescravo das Américas, trabalhando e suando dia e noite para que os donosda gasolina tenham todos os confortos que nos faltam.

Aguardando a feira fui surpreendido por um convite dos “Leões deMagude” convidando-me para um jantar que se realizou no dia 28 de Abrilem casa do chefe deles, o sr. Manuel Gonçalves Caruço. Lá estava o sr.Paris, que é secretário; também faz parte dos leões, um leão já velho e can-sado, o meu amigo Hobed, cujo corpo está a pedir uma reforma para sededicar melhor à Agricultura que é um dos seus fracos, mas que me dizemser um dos fortes dele.

A festa decorreu animadíssima até às 11 horas, hora em que os amigosme acompanharam à casa. Vão aqui os meus agradecimentos.

Finalmente no dia 9 de Maio realizou-se a feira.Devo aqui declarar qual foi a parte que nela tomei, porque mitos me dis-

seram depois que se aquilo tinha corrido bem é porque eu lá estava, o quenão acredito. A parte que tomei foi, somente, em escrever uma carta ao meuamigo Amadeu Neves, Secretário da Cooperativa, contando o que por cáse dizia a respeito desta Associação, pedindo ao mesmo tempo para aquelemeu amigo comparecer em Magudo no dia próprio ou fazer-se representarcondignamente, afim de evitar a continuação de falatórios.

Creio que já era intenção daquele meu amigo em lá comparecer porque,quando cheguei à feira, às 9 da manhã, já lá o encontrei. Nada mais fiz doque acompanhar a feira como simples curioso e tirar algumas notas parameu governo.

Tudo aquilo ocorreu o “melhor possível”, como diria Pangloss; os meuspatrícios estavam entusiasmadíssimos pelos preços oferecidos e que maisme fez convencer não era lenda o que se contava da saca de milho por umacabeça de gado

O sr. Administrador, à cavalo, fazendo lembrar um general, dirigia asoperações do arrolamento, calculando também, e o sr. Paris, um intérpretediferente de todos que tenho conhecido, fazia as contas, dizia aos indígenas

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 72

Page 74: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

73

José Albasini (o Bandana)

por quanto lhe pagariam o gado se o quisessem vender. Esta parte era sem-pre dita de modos que o preto se convencesse que não era obrigado a ven-der o seu gado, o que era importante.

Já disse num artigo em separado a impressão que me causou a feira degado, mas não hesito agora, ao passar a limpo estas notas, o lote apresen-tado pelo régulo Ngubuna, de 10 cabeças que ele classificou como gado de2ª classe, e que lhe rendeu 5.200$00. Tratassem todos o seu gado como estechefe, e a fortuna de Magudo que com as feiras já duplicou, em breve tri-plicaria. São coisas em que não sou grande competência e por isso não memeto nelas, deixando aos entendidos, e em especial ao sr. Administrador, oresolver a questão da melhora de raças, para darem mais pesos e poder-seum ida tentar a exportação para a Europa porque, com boizitos destes queregulam por 150 quilos creio que não deve dar grande interesse a indústriade carnes para exportação.

O que vi chegou para proclamar alto e em bom som que o regulamentoda venda e compra do gado foi a melhor medida promulgada a favor depretos, nestes últimos 10 anos.

Como era natural, algumas horas depois dos pagamentos, Magudo estavanum vulcão. Não era o Etna nem outros vulcões conhecidos, mas sim onéctar Nacional que corria dos copos para os estômagos e destes para ascabeças festejando com alegria a Ideia Nova–nada de política–de se terlembrado, embora tarde, a valorização de gado nesta circunscrição que, sópor si fornece mais de metade do gado consumido na cidade de LourençoMarques.

Magudo, 9 de Maio de 1934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 73

Page 75: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

74

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

XII25

Terminada a feira, que tão boa impressão me causou, nada mais tinha afazer em Magudo e por isso logo de manhã fui apresentar as minhas des-pedidas aos dois grandes Missionários Pes. Lima e Mello, ao régulo Ngu-bana, aos amigos Gil e Hobed. Deixei o meu cartão ao sr. Caruço que estavaa repousar de uma grande estafada com a noite perdida debaixo de umacarga de água. Tinha levado os seus “leões” à Vila de João Belo, a umdesafio de foot ball, mas à vista destes “bichos”, os outros jogadores tive-ram tal susto, que não os deixaram jogar.

Fui também despedir-me do sr. Administrador e do meu amigo Paris,mas ambos andavam fora em serviço.

Saí de Magudo às 10 horas, com saudades dos 15 agradáveis dias que lápassei.

Naturalmente tenho que fazer algumas considerações sobre o que vi eouvi, pois nem sempre estive a dormir...

Achei Magudo morto desta vez, sem movimento, e as ruas desertas.Alguns negociantes monhés sentados sobre os balcões coçavam os pés,desesperados de não verem entrar freguês nenhum. Outros negociantes nãomostravam também boa cara. Espero que com a continuação das feiras tudose modificará, tornando Magudo a ter vida, como quando lá fui há anos.

Não há em Magudo um mercado; não consegui comprar uma couve, umbocado de tomate ou outro qualquer gênero fresco; peixe que preste tam-bém não há; vende-se ali uma peste do rio Ushetze, ordinário e de mauaspecto, que não comi.

Ficava muito bem um mercado em frente ali do amigo Gil, para acostu-mar aquela gente a trazer produtos para a venda.

Falei com alguns régulos e muitos indígenas; notei que estavam muitosatisfeitos com o atual Administrador. Uma vez, no auge de uma conversa,um deles receou que ainda pudesse voltar ali um tal Sarmento, que era maucomo as cobras. Como eu objetasse que o homem tinha morrido no Trans-val, o negro teimou comigo dizendo-me que o ex-administrador está vivoe refugiado em Inglaterra! Fantasias de negro...

Não há escolas. A Missão portuguesa e a Missão Suíça, ambas ao pé dasede, nada podem fazer numa circunscrição tão grande. Há, dizem, outras25 O BRADO AFRICANO, n 718: Lourenço Marques, 25 de agosto de 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 74

Page 76: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

75

José Albasini (o Bandana)

espalhadas pelo mato e dirigidas por indígenas. Sou contrário ao ensino dalíngua portuguesa por indígenas. Quem deve ensinar o português deve sero branco. Estas considerações, mas mais desenvolvidas, espero fazerquando um dia fizer uma visita à Escola de Preparação de Professores, naManhiça.

Além de não haver escolas que cheguem, as poucas que há não se inte-ressam pela educação da mulher, que é a futura dona de casa e a educadorados filhos desta África que desperta. Enquanto se não olhar a sério pelaeducação das raparigas, acho mal empregado o dinheiro que se gasta comescolas para o ensino do a b c, sem mais nada!

Publicou-se há meses um regulamento pelo qual vão, de futuro, reger-se as escolas femininas. Por este regulamento, já está funcionando a EscolaJoão Albasini nesta cidade, com ótimos resultados apesar de estar aberta(com o novo regulamento) há apenas 4 meses.

Bom seria que S.Exa. o sr. Diretor da Instrução, que tanto interesse estámostrando pela instrução, fizesse com que se tornasse obrigatório esseregulamento em todas as escolas femininas, quer oficiais quer das Missões.É que o regulamento é bom e tornará útil a mulher em África. E sendoassim, não só deve ser adotado por todas as escolas, como proibida a exis-tência de qualquer escola que não cumpre esse programa. De resto S.Exa.sabe melhor do que nós, a conveniência que há em que as escolas todastenham o mesmo programa.

Sendo Magudo uma circunscrição cheia de gado, não faz sentido quenão haja centenas de charruas a lavrar a terra.

Creio ter escrito já ao falar da minha aldeia, que achava justo que a cadaindígena, com gado, se obrigasse a lavrar a terra. O que então disse deManhiça, com mais razão se aplica a Magudo onde há muitíssimo mais gado.

Disseram-me que anda por 60 ou 80 mil, o número de cabeças existentesnesta circunscrição. Se obrigassem o preto a trabalhar - para ele já se vê- teríamos a juntar à riqueza do seu gado outra não menos valiosa, a da suaagricultura.

Vejo vir lá longe, muito longe ainda, um imposto sobre o gado. Esseimposto será justíssimo, porque o Governo poderá melhorar muito a pecuária,já fornecendo touros bons ou tratando melhor da exterminação de carroças.Mas seria bom que quando tal imposto viesse, [não?] encontrasse o pretojá com mais dívida que o não venha obrigar a vender algumas cabeças,todos os anos, para acudir a mais essa necessidade.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 75

Page 77: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

76

José Albasini – À Procura de Saúde: Crónicas de um doente

Tem, Magudo, um Administrador bom, dos novos, inteligente e traba-lhador.

Já o cognominaram, o “Bom”. Eu espero porém que ele se não conten-tará com isso e que quererá que lhe chamem o “Melhor”.

Para alcançar este título terá que se cansar muito, suportar [ilegível] esofrer mas [ilegível] consolação de concorrer para o engrandecimento daColônia e especialmente da Circunscrição de que lhe confiaram a Admi-nistração, será superior a todos os sacrifícios.

Dentro em pouco, 500, 1000 ou mais charruas revolveriam as terras deMagudo, transformando as matas em produtos.

Para se conseguir isto tudo terá, o Grémio Africano e o Instituto Necró-filo que destacar mais alguns centos de vezes os seus propagandistas, paraauxiliarem o Governo, neste trabalho colossal.

Está naturalmente indicado que o agricultor em África tem que ser o in-dígena, reservando-se ao Europeu o papel de comerciante.

Ainda espero ver Magudo muito transformado, com Caminho de Ferro,comércio e indústria, carregando-se ali dezenas de vagões de gado e centosde toneladas de milho, amendoim e outros produtos.

Às 11 horas estava em Xinavane e aproveitei a ocasião de ir cumpriruma promessa, visitando a campa do meu infeliz Ferdinand, campa quenão descobri, porque o nosso desleixo, desleixo muito Africano, ainda nãopermitiu que se escrevesse uma palavra sequer na jazida do grande morto.

Foi, ali, dentro do cemitério, recordando o enterro dele, que me lembreide uma história sucedida com ele.

Não sei se já lhes disse que o Ferdinand Bruheim ou Ferdinand von Bru-heim como ele se dizia chamar depois da guerra, era um exímio caçador,mas com métodos muito especiais, aprendidos em livros e em companhiade mestres. Bruheim preferia perder uma peça de caça a atirá-la irregular-mente.

A um leão, como já sabem, só atirava de frente, a 10 metros, se elemexesse o rabo; a um impala de outra maneira etc.

Há um animal qualquer que dá um salto grande e outro pequeno, e quesó se atira quando dá o salto grande. A um elefante atira-se junto à orelha.Enfim uma série de regras, que eu não compreendo e não posso já com-preender.

Mas ao meu caro Ferdinand sucedeu um dia uma grande trapalhada, amaior da sua vida, afora a caça das Zebras. Foi o caso que tendo ido à caça

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 76

Page 78: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

77

José Albasini (o Bandana)

com o coronel Billy V.C.R. - S.A.T. - B.T.S. etc., etc., afastou-se de todos- perseguindo um grande elefante. Caminhou 3 dias sem que o animal lheapresentasse o lado técnico do tiro, até que este parou para beber água numriacho, aproveitando o meu amigo a ocasião para lhe pregar no rabo umasagrafes que trazia nos bolsos, com a marca F.B.

Esta precaução, era por causa de uma questão que tinha tido com outrocoronel inglês, que dizia ter morto um elefante, mas que o Bruheim diziater sido ferido por ele. Daí em diante, não atirava a um elefante sem lhepregar o agrafe, custasse o que custasse... Depois de preencher esta forma-lidade, afastou-se o bastante para, quase a queima roupa, dar-lhe um tiroque o tombou. Infelizmente o terreno era bastante irregular, de modos queo animal, que era um monstro, tombou para o lado de Ferdinand, arras-tando-o na queda. Ficou de bruços e umas malditas esporas ficaram enter-radas no couro do animal, impossibilitando o de se safar. Conservou-senaquela ridícula posição durante 4 dias, ao lado do elefante morto, até queos companheiros da caça o vieram encontrar a arder em febres e vexado,dizia ele por, pela primeira em sua vida, ter dado costas a um elefante...

De Xinavane fui a Tanianga para plantar uns coqueiros, mas o temponão permitia demoras. Já não fui à casa do Jordão e segui com toda a urgênciapara Manhiça com intenção de ir ainda ao Tavira, o que não consegui.

Já noite fechada passei por Marracuene, tendo chegado a Lourenço Mar-ques às 8 da noite, no maravilhoso automóvel I B 224, carregado de gali-nhas, milho, abóboras etc., sendo uma de um turista; para parecer turistaboér só me faltava um carregamento e lenha seca, como tenho visto emalguns sujeitos vindos de Transval.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 77

Page 79: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

78

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

In Search of HealthChronicles of a Sick Man

Translation by Clélia F. Donovan

I1

It was not my intention to write during these days of long repose, towhich a terrible illness has condemned me. I was resigned to this sacrifice,to leaving the city in order to search for health, which I was sorely lacking.A long-time friend of mine, however, offered me his residence in Incomati,and I accepted. I know that I should not have searched for my lost healthin Incomati, but rather in Manhuana2 and in the Mission. That is where,over the years, I ruined it, but not from folly or gambling, which I abhor.So I climbed aboard the train, accompanied by a dedicated nurse, and wasoff. I passed Machava, which has not changed in the last 10 years; I passedMatola, which has been improved with the presence of a few brick taverns;I later passed other stations, whose names I do not remember. Moamba isa beautiful town that I hope to visit next week; I wish to see the School ofArts and Crafts and other Government agencies. The rest is surely taverns,of which there is no shortage in the Colony.

In one station that had no sign, I got quite a shock. I was about toset foot on the ground, thinking I was in Incomati, when I heard someonesay Tenga. I threw myself back into the coach, and, once I had regainedmy footing, I asked, “This is Tenga, you said Tenga?” My companion saidyes, and I began to worry. My mind began to recall vaguely the first time Ilanded in jail because of Tenga – blessed or cursed, I cannot really say.

1 O Brado Africano (The African Cry), n. 693: Loureço Marques, March 3, 1934 n. 693, p.2.2 District in Lourenço Marques, now Maputo.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 78

Page 80: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

79

José Albasini (o Bandana)

It was the case of a white girl who had a lawsuit pending in thecourts and who, feeling aggrieved with the direction it was taking, askedthat I publish her letter of petition to the Minister of Justice, Dr. AfonsoCosta. Once published, the agent of the Public Prosecutor read it and foundit offensive to the magistrature, etc. I was in Xai-xai when the telegraph ar-rived summoning me to the trial, which was going to be held in four days.Later, however, another telegram announced that it had been postponedbecause the author of the article was in Tenga. I had no idea whatsoever ofwhere that place might be and assuming it was near Quelimane, or therea-bouts, I was in no rush to go there. Days later I embarked on the ship,“Freire de Andrade.” Upon arriving at the bar of the harbor entrance, thecaptain noticed that the sea was choppy and thought it best to leave the nextday, which meant that I arrived at 2 p.m. The hearing had started at 9 a.m.and since I had not appeared, a warrant for my arrest had been issued. Ha-ving to go to jail is not a very pleasant affair, even if it is for matters relatedto the press. I sought a lawyer. He made his way around the courts, filed apetition and later informed me that I was to go to jail. The matter was listedin the Penal Code, article such and such, with the aggravating circumstanceof article such and such and its paragraphs. Off I went on a Saturday andspent two nights sleeping in the jail. That was my salvation, because onMonday, I was condemned to a sentence of six months in prison, to pay a250 meticais fine and court costs, while the author of the article was con-demned to 30 days, which were reduced to 200 réis, the equivalent of 6meticais! Since I had hired a lawyer, and he had attended the trial, he appealedthe sentence. The Judge of the Court of Appeal, which is comprised ofhonorable magistrates, said that the blame of he who consents to the publi-cation of an article is not greater than that of the author of said publication,and ordered that I too pay only 6 meticais. In return for the sacrifices I hadmade for her, the little woman had these words for me when she went topay her fine, “Mr. So-and-So is going to enjoy six months of prison andwhen he leaves, he is sure to come out white.” So when I passed Tenga, Iremembered those two nights in jail, which served only to reunite me witha friend, a roommate, with whom I hadn’t spoken in 4 years!

After Tenga is Movene, I believe. There I was introduced to a Maho-metan who has six wives and thirty children. I confess that while I don’tenvy all the children he has, with respect to the wives, I too was once smit-ten with the religion that opens the doors to having 5-6 wives. But one day,

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 79

Page 81: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

80

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

a well-traveled friend told me that in Turkey there is a law requiring thatevery good Muslim give some sweet cakes, dates, cinnamon, etc., to hiswife on Thursday nights, and that the non-observance of this rule is causefor divorce.

I don’t know if this law applies to those who have more than onewife. If so, it already lost two customers: Tomé and me. Surely a man canhave enough cakes on hand for one wife; but for 5 or 6 it becomes a sacri-fice, even for a man in his twenties. I in no way wish to imagine poor AliJamal, realizing that the time has come for him to have enough sweets togive to his wives, then seeing before him the ladies, each one more elegantand more perfumed than the other, and the poor fellow fumbling throughthe pockets of his robe, only to find nothing with which to satisfy Moham-mad’s commandments.

I understood then that the great legislator wanted to punish the glut-ton, whose eyes are bigger than his stomach. On the one hand, he permitsman to have 5 wives, but on the other, requires him to have on hand thegoods necessary to satisfy them on a given day… What a huge sacrifice!

We finally arrived in Incomati. I remembered a scene that had hap-pened 45 years ago! Upon arriving in Incomati, I recalled the inaugurationof the railway, whose terminus was Incomati, and the great enthusiasm ofall those people at the time – that nostalgic time in which there were nowhites, no blacks, in which there were only Portuguese.

I went there with my brother João, in the company of Antonio do Óda Silva, João José Correia de Oliveira, Paulino Fornasini3 and I don’t recallwhom else.

I do recall that there were a lot of food and drink; I recall that onthe way back, in the caboose in which we were riding, a fight broke outbetween Mr. Remedios, the father of the distinguished doctor by the samename, who runs a clinic in this city, and a German man who was establishedin present-day Companhia do Boror. His name was Gubler. Every once ina while, they would stop, hug one another, reconcile, but then go back tohitting, and this is how they made their way to the city. The only motivehad to be the beer, of which there was no shortage.

3 Paulino Antonio Fornasini (1854-?). According to Zamparoni, he was a mulatto, the son of a biglandowner and military hero in Inhambane; he became the owner of large businesses, such as anice factory, grocery, etc. (Narros e Mulungus, 192). João José Correia de Oliveira may be an uncleor a cousin of Albasini’s, since the Portuguese name of Kocuene Mpfumo, his mother, wasJoaquina Correia de Oliveira.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 80

Page 82: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

81

José Albasini (o Bandana)

I recall the christening of the machine, which took place some timeago with great rejoicing and a fireworks display.

Incomati reminds me of many things and I cannot resist the temp-tation to write things, and recount things.

Therefore, I will return to the beginning, and recount how I becameill; if the illness is fatal; and the whys. I promise to recount in an article forthe “Notícias” in December, historicizing a native superstition about myfamily and me. It is about a wild animal on the loose, who already put anend to some people, among them João Albasini and Guilherme Bruheim4.

It is a ticklish affair, which must be treated with much subtlety andcompetency. I lack the latter quality, but nevertheless I will do it to fulfillmy promise, which I hereby make to my friend Captain Vaz5.

4 Guilherme Vitor Just Bruheim was one of the founders of the Grêmio Africano and of the news-paper O Africano. He was the descendant of the German Gustav Bruheim, and of one of the queenof Zambia’s sisters. He was the brother of Francisco Bruheim and married Micaela Loforte who,in turn, had been the object of passion of João Albasini, the brother of José, when the former wasin the process of divorce. João wrote to her a series of letters published posthumously under thetitle, O Livro da Dor (The Book of Sorrow) (1925). But according to Zamparoni, Guilherme wasmarried to a woman of the Francisco Haan family. (See Entre Narros e Mulungos, p. 401). Anot-her person with the surname Bruheim is the mother of the poet Noêmia de add Sousa, who,according to Nelson Saúte, is the daughter of Max Bruheim, who was married to the daughter ofa Ronga chief named Belenguane (see Sangue Negro).

5 Manuel Simões Vaz, director and owner of the newspaper Notícias de Lourenço Marques (whichcirculated between 1926-1975). Previously, he had been an editor of the Correio de LourençoMarques (1925-1926).

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 81

Page 83: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

82

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

II6

My terrible illness began on a November night while I was sleeping. Iawoke coughing so much that I was doubled over.

From then on, every night, from 2 in the morning until the light ofday, I would awake coughing. This would last hours and hours and I couldnot return to sleep. Afterward, I would cough not only at night, but in theday as well. I did not neglect my illness. On the very next day I consulteda friend, who suggested a “binge of cognac with sugar and warm milk.” AsI do not drink alcohol, I chose not to drink the cognac, even as a remedy.

Another suggested “Very hot wine with lots of sugar, taken whilelying down,” which I also refused. After these, hundreds and hundreds ofother prescriptions came, some from the pharmacy, others home-remedies.Most of the medicines tended to be made from alcohol, which led me toquickly understand why taverns were so prosperous: they sell alcohol asdrinks and alcohol as medicine...

In all honesty, it must be said that not everyone suggested alcohol.My friend Marciano Nicanor da Silva7 advised me to take hot baths in theafternoons. I took a few to no avail. An illustrious fellow compatriot alsosent me syrup, prepared by her own delicate hands. I took it all in two days,although the dose was for six. It was a pity that the illustrious lady had notthought to make a pudding instead. Mr. Campos, an employee of the postalservice sought me out to propose the correct remedy, an infallible one, butregrettably he did not find me at home. This friend, Campos, is a bosombuddy who once offered to send a piece of furniture to the newspaper office.He never sent it because in the end it was too shabby; he traded it for onemade of chanfuta, which I never received. After passing a national examthat led to his promotion, he was supposed to send a complete set of furni-ture, made in Portugal. It is a pity he was not able to find me because, inaddition to his brilliant qualities as a man who gave away furniture, wasthat of … doctor.

Captain Manuel Vaz, who was ill during this time and in the hospitalalso sent a prescription. Ultimately, there was no lack of doctors or medi-cine, it was the illness that was of poor quality.6 O BRADO AFRICANO, n. 694; Lourenço Marques, March 10, 1934, p. 2.7 A close friend of the Albasini brothers, responsible for the posthumous publication of O Livro da

Dor (The Book of Sorrow). He was probably the son of José Aniceto da Silva from Goa and oneof the people responsible for the Albasinis’ education.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 82

Page 84: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

83

José Albasini (o Bandana)

The cough was later joined by fatigue that prevented me from takingmore than five steps without having to rest.

I had to abandon my office, where I was no longer doing anything,and stay at home and watch from my window the steamers leaving the port.

Therefore, my friend and doctor suggested a change of air, and itwas with great satisfaction that I accepted the offer from a friend who hasa house in Incomati.

In the last issue, I described how I left Lourenço Marques and arri-ved in Incomati.

Forty years ago, I was involved in a serious matter there. I was wor-king in the home of Mr. Paulino Fornasini, who was exploring a stone-quarry there. At the end of the month, he handed me a sack with £300 togive to the manager of the quarry to pay the salaries. I fell asleep on thetrain and took advantage of the presence of my travel companion, Mr.Antonio Maria da Silva Silveira who agreed to take care of the money untilwe arrived in Incomati. I used to sleep 10 straight hours back then and evenuntil recently I would sleep that much. It is this lack of sleep that forces meto go from one place to another like a vagabond.

Once I arrived in Incomati, I dispatched some boxes of edibles thata friend had sent there and went to see about crossing the river, for I amstaying on the left bank. The first thing I spotted was something in the waterthat cannot be confused with either an alligator or a hippopotamus. It is ariverboat belonging to Mr. Estácio Bernardo Dias, the editor-in-chief ofthis paper, a person of great literary culture, highly intelligent and a greatdefender of our Cause. I cannot fail to mention this man, whose modesty,a modesty that is nearly a crime, prevents him from shining as he should inour African context, which sorely lacks competency.

Mr. Estácio Dias8 is a son of the land of “Good People” and belon-ged to that phalanx of Inhambanese who came to civilize Lourenço Mar-ques, since, as everyone surely knows, whereas Inhambane was alreadyconsidered an important town, Lourenço Marques was but a pernicious pre-sidio where degraded men went. I met Rafael Ferreira da Rocha, João Dias,Cunha Amaral9 as well as other of these civilizers. Estácio Dias went to

8 Estácio Dias (14/02/1877-23/10/1937) was one of the founders of the newspaper O Africano,along with the brothers Albasini, and was the father of the writer João Dias (1926-1949), authorof Godido e outros contos (1952), often considered the first Mozambican book of prose.

9 Rodrigo José da Cunha Amaral, like Estácio Dias, was one of the blacks (and not mulattos), whowas a member of the Grêmio Africano and a contributor to Albasini’s newspapers.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 83

Page 85: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

84

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

Gaza however, and made his career there. He was always proper, studiousand highly honest, and obtained the position of Council Payee and thencame to this city, where some time later he retired.

It was this man who gave to O Brado Africano the place of distinc-tion that it enjoys, since as an energetic journalist, yet frugal with his wordsand extremely proper, he always knew how to treat matters without hate orrancor, and when a quarrel was over, he never gloated publicly, “I triumhphed,I won…” Being the highly intelligent man that he is, he limited himself toreporting the facts in simple terms and did not seek to elicit applause fromthe public for his work.

This man, who in all respects is important, abandoned the newspaperwhere he pontificated, in order to outfit himself as an agriculturalist, anabominable agriculturist at that… who is slowly going broke. As Dr. BritoCamacho so aptly said, “Agriculture in Africa is the art of happily becomingimpoverished.”

There is nothing to be seen in Incomati, as it comprises a mere 6houses, two of which are inevitably taverns.

They say that there was once much prosperity and that there were20 houses – all taverns – during the time when most of the magaiças10

would pass through there. That prosperity was obviously fictitious, since it was not founded

on sound terms. It had neither a life of its own nor agriculture, and theexploitation of man was brought on forcibly.

There is a stone quarry here that until recently Mr. Matos Ribeiromined and in which he employed some 200 men; now it is being mined byanother person and has only 40 or 50 men.

There are no schools, nor a simple infirmary, and I suppose thatIncomati will never again see improvements. If it didn’t receive them whenit had 25 taverns, it is not likely to see a single improvement today. Thereis no choice but for it to continue in a state of abandon.

The river now has water, and a few hippopotami have been treadingthrough it, frightening those who attempt to cross it, for these animals arenot as tame as the ones I saw in the film Trader Horn, at the Gil Vicente11.

There are also alligators, which as I witnessed does not deter mostpeople from going to the river to bathe up to their chests. This is because,10 Mozambicans who work in mines in South Africa.11 Trader Horn (1931), directed by W.S. Van Dyke, was the first full-length film shot in Africa. The

Gil Vicente Theater opened in August, 1933.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 84

Page 86: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

85

José Albasini (o Bandana)

according to native superstition, it is only through spells that one can fallvictim to such a monster.

The days go by and they are the most boring ones that a man couldever spend on earth. Even my dedicated nurse discovered that the days hereare longer than those in the city!

In a land like this, where everything is lacking, nourishment is com-prised of chickens, a few scrawny chickens that feed on grasshoppers,whose appearance in this land was ultimately a blessing.

The basis of my nourishment is massi. Some readers do not knowwhat this is, and I will not be so amiss as to forego the opportunity to explainhow to prepare this delicacy.

I will let my departed friend speak, Ferdinand Bruheim, a man whoknew Zululand from one end to the other and whom I will mention again:

“When Lord Milner was High Commissioner of the Union, he wentto visit Dinizulu, the king of the Zulus. He was accompanied by his Lady,secretaries, etc. They were received as guests of the king, who gave a sump-tuous banquet that included massi, which is essential among the Zulus. Oneday, shortly after lunch, Lord Milner wished to know how that foodstuff isprepared, and Dinizulu’s secretary, with grand gestures, customary of theZulus, with many dla thls ngds and other kliks, explained to great satisfac-tion.”

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 85

Page 87: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

86

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

III12

In my last chronicle, I told the story of the visit of Lord Milner and hiswife to the King of the Zulu’s palace and the obligatory dish of massiamong those blacks.

Whoever reads Bernardo Gomes de Brito’s Tragic History of theSea, for example, encounters passages on how blacks offered milk to theshipwrecked Portuguese. The milk was the massi, because blacks use itonly when prepared this way.

I will now reproduce the words of Dinizulu’s secretary, explaininghow to prepare the food:

“After drawing the milk, it goes into clay vessels, but preferablyinto large gourds that are called gulu; on the following day, pour some moremilk on top and continue in this manner for three or four days.

The milk ferments, curdles, and becomes somewhat spoilt, as thePortuguese would say. The hole in the gulu is covered with something andevery two days it is opened and the water from the rennet is drained.

The milk that is obtained is what is called massi and is eaten plain,with sugar, salt, cooked rice or with corn flour. Lord Milner was no longerkeen on that rotten foodstuff that they nearly forced him to eat every day;he became even less keen when the secretary continued:

“The flour that your lordship and lady have just eaten is speciallyprepared. The corn is offered, just after the harvest, to the King of Zululandby his vassals. After a rigorous selection, the best is taken to the corral.Once washed, - by the men, because the women are not allowed to enterthe corrals – a space two feet deep is dug within the entire corral. Next thecorn cobs are spread out and then covered. The livestock continue to sleepthere and, obviously, relieve themselves on the corn that is removed monthslater. It is with this corn, my lordship, that one prepares the massi, whichthe King of the Zulus has been giving to you as a present.”

Ferdinand, who was present, told me of the distraught look thatcould be seen on Lord Milner’s face as the man continued, and of the nearcadaveric paleness of the Lady, who quite hastily took off her gloves andasked to leave the room…

Ferdinand seemed to believe that this speech by Dinizulu’s secretaryhastened their departure by two days. The King then ordered that the hutsbe disinfected immediately, because the whites smelled like cadavers!12 O Brado Africano no. 695: Lourenço Marques, March 17, 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 86

Page 88: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

87

José Albasini (o Bandana)

Whites say that blacks have an offensive body odor, and the lattercomplain that whites smell like cadavers. Go figure…

Three days after arriving in Incomati I became considerably worse.My cough, this darned cough that prevented me from sleeping, returnedwith vengeance and my fatigue also grew worse.

It was during this period that some friends came to visit me. Natu-rally, the conversation drifted to my illness, doctors and healers. They toldof marvelous things done by blacks. One of them told of two cases of rheu-matism in which the doctor anointed the poor fellow from head to toe withan oil and afterward cleaned it all with a live chicken, and when he wasfinished cleaning, the sick man was healed! Another told of a man, bittenby a mamba snake, who was nearly dead when the healer gave him a pinchof some powders to smell. He immediately began sneezing and would havesullied his underpants, were he wearing any, but soon became well.

There were hundreds of cases of people, some coming from Johan-nesburg, suffering from tuberculosis and slowly dying who were miracu-lously cured by the healers; and dozens of cases of sick persons leaving thehospitals coughing desperately – like I was – and put into the position ofgoing to work in the mines.

Then came cases of soothsayers and witch doctors, and each one ofus recounted the cases we knew and there we stayed, for hours on end, ona sweltering day typical of Incomati in the summer.

I fell asleep in the middle of the conversation and had a terriblenightmare:......................................................................................................................

A tall man with a goatee was at my side and asked me various ques-tions regarding my illness. Exhausted and coughing quite a bit, I told himeverything relating to my state. Later, the same man returned but this timeaccompanied by a very thin woman all painted with tyumana – cinnabar –and who also knew about medicine. My nurse came to say that the doctorwanted to open the basket (ku pfula shityhaba). The dear readers do notknow what that means, and I will explain this aspect of how African healersexploit the sick.

The basket containing the home remedy can be opened only if onepays a certain sum in advance. If for any reason the doctor is forced to providethe medicine free of charge or on credit, it has no effect whatsoever.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 87

Page 89: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

88

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

Therefore a certain sum is paid prior to receiving the prescriptionand the medicine and the balance is paid once the patient is healed, whichis in fact a symbol of confidence for the work.

The reader might suppose that once healed, the patient refuses topay the balance. Nothing doing, because to do so would necessarily causea relapse and he would have to pay for this treatment and the previous one.There are those who call blacks “big kids.” But they need only look at howAfrican doctors conduct business and then determine if they are kids.

But let us return to the dream: in order to open the bag, the woman,who was in charge of the operation, demanded 50 meticais and 5 cows assoon as it was ready. I have come to realize that in this country, cows arethe common currency, and as I will later have the opportunity to describe,I had to promise more cows. So, I had to give 50 meticais and promise 5cows.

They boiled some feathers and chopped up some roots and I had toundress and subject myself to a sudorific, which Diocleciano das Neves13,an acquaintance, called a sweat bath. The last one I had taken was a good12 years ago, when my doctor, Dr. Augusburer, ordered me to take it tohelp cure a jaundice-related fever.

The patient is stripped nearly naked and seated in a low box. A circleis made with mats and the patient is covered with heavy blankets. Once in-side, the funba is mixed with the boiling medicine, the heat from whichcauses the patient to sweat. This lasts between fifteen to thirty minutes andwhen the mats are removed a bucket of cold water is poured over the pa-tient’s head.

I remember protesting about the part of the cold water and as soonas I left the sweat bath I was taken to a hut, where a doctor trained in mas-sage brutally crushed my body. He then took a blade and cut my entire face,leaving me like a Chopi, and gave me some medicine to drink that tastedlike chocolate. He also prepared some roots with water in a pan. With asmall stick, he beat the medicine to drink until it became foamy and forcedme to drink the foam.

Thinking that this was insufficient, the woman went to get a cancontaining tyumana – cinnabar – and began painting my face and my kinkyhair. At this point I woke up…

13 Diocleciano Fernandes das Neves author of Itinerário de uma viagem à caça dos elefantes (Iti-nerary of an Elephant Hunting Trip). Lisbon, Typographia Universal, 1878.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 88

Page 90: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

89

José Albasini (o Bandana)

In the end, it was my nurse who, with great patience, cleaned allthe sweat running down my face, such was the heat I felt, even in my dream.......................................................................................................................

That night, for the first time, I slept without coughing, and I conti-nued to improve with respect to the cough.

My heart, however, continued to beat poorly and has continued todo so.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 89

Page 91: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

90

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

IV14

So as to not die from boredom, I decided to visit Ressano Garcia. I hada very poor impression of that town ever since October 16, 1920, when Iwas exposed to such intense sunshine that I felt I was melting. At last, it isnow possible to see that land. Upon arriving, I went to see the school fornative children, but did not have the pleasure to see it open because the tea-cher who was introduced to me had not yet started. The school is a largewooden and zinc shed that had been a horse stable, and in no conditionwhatsoever to be used for what it was now destined.

There were some young boys playing, probably students from theschool, and among them were a few mulattos. It is a shame that the hono-rable member of the State Council, who made the statement that the numberof mulattos was diminishing, did not take a stroll around the outskirts ofthe city of Lourenço Marques, its districts and small villages. Whereverthere is a Portuguese man, be he a priest, soldier, scribe or whomever else,- particularly a tavern owner – mulattos will start to appear. How this mi-racle comes to be is not worth discussing, yet we are certain that the numberof mulattos tends to grow frightfully. We have even thought that with thepassing of time there would be more mulattos than people … unless thePortuguese were to leave this country, which we do not wish.

A while back, I read a story of what happened one day in heaven,on a day of great gala. A poor beggar had died, run over by a “Packard” orsome other expensive car, and the owner of heaven was giving a very fancyparty, with lots of flowers, sweets and celestial music.

The All Powerful One, accompanied by his court, was inspectinghis people in the garden, when upon turning around, he suddenly cameacross a beautiful, beautiful, beautiful mulatta who was as completely nakedas when she had left her mother’s womb – in heaven this is how one walksaround.

Jehova, despite being a man who does not allow anything to flusterhim, became quite intrigued by the sight of her. He said, “Who made that?I made only blacks and whites; I do not know this, I did not make this mar-vel.”

And everyone went running from left to right and from right to left,without knowing what to reply.14 O Brado Africano no. 696: Lourenço Marques, March 24, 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 90

Page 92: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

91

José Albasini (o Bandana)

They were about to call the only saint – a lawyer they have in hea-ven – mistakenly canonized without a doubt – when Jehovah asked again,this time stomping his foot on the clouds, “Who did this? Who did this?”to which a Portuguese man replied, mightily beating his chest, “I did!”

Now if the Portuguese made the mulattos, the remedy is to toleratethem and not attempt to send them off to a crematory oven.

I left the school for native children and went to the next one, forwhites and mestizos, known as the “Escola Sacadura Cabral,” where thehonorable teacher courteously welcomed me. There are 30 students enrolled,7 or 8 of whom plan on sitting for exams this year, which is very good. Onthe way, I also visited the Emigration Office compound of the W.N.L.A.,various taverns, the slaughterhouse, etc.

It is now time to talk about the shed made of reeds and grass at thevery edge of the road, a building that is destined as the “School for blacks.”I do not wish, for patriotic or other reasons, to make any reflections withrespect to that work. I will limit myself to drawing it to the attention of theDirector of Public Instruction, who I am certain has not seen it. Blacks,who are components of the great Portuguese Empire, must not be conside-red as not being of value. Dear Director, you who are one of the new ones,must see that which many unfortunately do not.

There are two soccer teams in Ressano Garcia, Sangue Real andBeira Mar. Because of their lack of understanding of sports, the two rivalgroups have become enemies even off the field, which is shameful. In thelittle time I spent there, I was unable to ease the gap between them, whichI regret. If I return to Ressano Garcia, it will be to resolve this matter, whichalthough it may appear insignificant, is quite important. Africans must neverbe enemies, but always friends and brothers. The fight on the field does notsignify enmity, but rather the opposite.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 91

Page 93: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

92

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

Ressano Garcia lives on hope. There is always talk of covenants, becausethe life of that town depends on payments that they believe should be madein order to continue to breathe life into trading, which is the town’s onlysalvation.

They have already closed a few of the shops and others are con-demned to the same sad end because there is no life in trade, to use a phrase,“ a female-dog cannot handle so many male-dogs.” Although the populationis quite high, Ressano Garcia does not have a single medical post, nor doesit have water!

It is true: the doctor who works there is employed by a foreign com-pany, which is the emigration office.

There is no water, even though they have marked the site and it needonly be dug.

Both of these sad cases deserve a rapid solution on the part of ourauthorities. This does not surprise me though, because for years the BradoAfricano has been crying out in protest about the lack of doctors in a placewith hundreds of inhabitants and about the lack of water, so essential forlife.

I do not understand why the Government makes cuts and eliminatesthings, thereby bringing only damage to the population and future costs tothe State.

We join our clamor to the dozens of requests from the Ressano Gar-cia residents who, along with the Administrator of Moamba, have soughtthe attention of the authorities to grant a request that is as legitimate as it ishumanitarian.

I returned to Incomati on the afternoon train and upon arrival wasinformed that an alligator had devoured a man who was trying to cross theIncomati River on the shoal. They later told me that the man had managedto escape because, after being caught by the animal, he had been able togive it a blow to the snout, causing it to drop him.

They tell such odd things about alligators that I do not wish to repro-duce, for fear of people thinking that I am mocking them.

I do guarantee, because I have seen proof, as I will have the oppor-tunity to write later – that he who is calm, brave and prudent, manages tosave himself from the cursed animal; for example:

The alligator grabs a man, let us say by the leg, and dives below forone minute. A calm and prudent man has time to take a handkerchief from

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 92

Page 94: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

93

José Albasini (o Bandana)

his pocket and cover his nose and mouth so as not to drink a lot of water,especially when it is not good. As soon as the animal sees that the gentle-man is not thrashing about or attempting to escape, he loosens his bite andtakes him to a hiding place, leaving him there to come back and kill later.By then – a policeman is nowhere to be seen, for he is always far away –the brave man has scampered off.

But there are other ways for a man to escape an alligator. I will tellyou about them next week.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 93

Page 95: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

94

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

V15

I had to continue to Lourenço Marques in order to deal with variousmatters, and there I asked my good doctor to prescribe for me a remedythat Captain Manual Vaz had suggested. This was the 62nd remedy in myrecords and it immediately stopped my cough. I do not know if “immedia-tely” is the correct term I should use or if it should be “miraculously,” sincehaving just one pill, it has completely stopped my cough till this day. I he-reby send my gratitude to he who released me from a torment of over 100days and 100 nights.

Now I just have to cure my heart.When it rains, turtles appear in Incomati, and a few days ago a very

funny thing happened: my nurse was in the midst of embroidering, makinga very pretty F, when she needed to finish preparing lunch. She put theembroidery on what she took to be a rock and was gone for a spell; whenshe returned, she saw the rock scampering off into the brush, taking with ither dear embroidery.

She yelled, she screamed, she cried, and a man had to come retrievefrom the thieving turtle that which it had stolen.

There are also snakes, they say. I have not seen one, even thoughthey called me one day to go help kill a large boa constrictor that had swal-lowed a little goat and six chickens. When I got there, it had already disap-peared.

As soon as I arrived, however, they told me that my dear friendEstácio Dias had just spent a terrible night. He was sleeping when somet-hing fell and woke him up; he then felt something crawling and realized itwas a snake.

All who know that illustrious journalist and how nervous he is, willnaturally suppose that he remained glued to his bed, but no.

With a flashlight in one hand and a club in the other, he searchedall over for the snake, only to find, behind a suitcase, a mamba of the worstkind (a male)! Blinded, possessed by what he had found, he dealt blow afterblow, killing it. He opened the door to call for someone, only to find, justoutside the door, another mamba (a female). Estácio Dias, who was com-pletely transfigured, fearful, mighty, killed the other mamba; and killed adog that came barking. He dealt a dreadful blow to one of the servants,15 O Brado Africano no. 697: Lourenço Marques, March 31, 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 94

Page 96: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

95

José Albasini (o Bandana)

knocked the fence down with the club, and it was necessary to restrain him,since, because of the fit of madness that had seized him, he was even capa-ble of knocking down the house…

There are seahorses here that are tame, sociable and do no harm toanyone.

I wished to see them, but was unable even though on several occa-sions I sat waiting at dawn. I was told that it was necessary to wear someflesh-colored cloths to attract them; I bought some cloths this color, wentdown to the river bank, but they had no desire to grant me my wish.

I will, however, recount the practical and fast – they must be fast –ways for a person to escape from the jaws of an alligator.

Here in Incomati, they showed me a woman who was about to fallvictim to this cursed animal, since it had managed to swallow her entirearm; however, she bravely wiggled her fingers deep inside it, causing itnausea; the result was that the animal opened its mouth and the youngwoman escaped only slightly wounded.

Another person was attacked in Xinavane and, since he was calm,managed to reach the animal’s nose with his hand and tickle him, which assome say, alligators do not like; it dropped him and ran off.

A man who is employed here in the W.N.L.A. and whose name isJuize, told me that he too had been attacked on his foot, and that with theother one was able to tickle the animal on the neck, and thus was able toflee.

But with respect to alligators, I will reproduce what I was told bymy friend Ferdinand Bruheim, of whom I have already spoken and aboutwhom I still have much to say.

In Zululand (I have forgotten the name of the place) there was aman named Jim, a real Hercules who stood almost 7 feet tall, who was fea-red by all for his extraordinary strength, yet dearly loved. An avid fisher-man, it was rare not to find him waist high in the water, even though theriver was teeming with alligators.

He disregarded everything they told him about those animals. Oneday, however, while he was in the water, he was seen struggling, raisinghis arms and, so that he could be heard far away, shouting and then disap-pearing, swallowed by the water.

Everyone was aghast and in tears imaging that he had been killedby the alligator, when they saw him appear all bloody and dragging the

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 95

Page 97: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

96

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

dead beast. The fight had been terrible, but Jim’s herculean struggle hadtriumphed.

The entire population ran to the river to see the animal and greetJim, who was proclaimed a great hero. The white residents collected dona-tions that totaled over £50 and gave the money to Jim, who in all honestyreally needed it, given his pitiful state.

Jim was attacked a few more times by alligators, from which healways escaped the victor. Each time there were more manifestations andmore collections, which always took in tens of pounds. They even changedhis name to HLABA NGWENYA (alligator killer).

But our hero was a man like any other, with the weaknesses of allmortals. With each new manifestation and collection, his mind was filledwith a great ambition: he wanted to be a great man, a monumrana with lotsof wives and many, many children.

Since he did not have any money, he conceived of a diabolical planto expose, from time to time, his body and the alligator bites, thus makinga profit from them…

On two or three other occasions, Hlaba Ngwenya let himself wil-lingly be attacked by alligators, and each time the population gathered toincrease the number of his wives.

Hlaba Ngwenya already had 20 wives when a not so common inci-dent occurred that highlighted his importance as a person.

An English colonel, Sir Robert Wilson V.C.R. – T.D.R. – B.K.T. –W.V.U. etc., etc., who was well-travelled, having visited all of Europe,India, China, Japan and part of Africa, ended up in Zululand on the last legof his trip back home to London.

His Excellency, who was a genuine gentleman, recounted what hehad seen in all these countries and showed his album with thousands andthousands of photographs. He spoke about the hunts for lions and tigers,about the shipwrecks, derailments, piracies, etc., but with much resentmentconfessed that Africa had not impressed him very much; something uncom-mon was missing from his album.

One of the traders in Zululand, Mr. Finetti, was present and, notwishing to have the image of his adopted land marred, remembered thatHlaba Ngwenya could be just the man to impress the noble colonel. So heasked him if he would like to see a man be attacked by an alligator and

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 96

Page 98: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

97

José Albasini (o Bandana)

fight it off. The colonel removed his monocle, cleaned it and replaced itfour times, then said, “That would be astonishing. It would be worth morethan everything in my album. All right yes! Oh! Very good…”

They called Hlaba Ngwenya and agreed upon a price for the show:£100 for the complete act, the animal’s death. Two days later, the giant wasseen, big knife in hand, heading toward the site where certain alligatorsnapped, and there was the colonel, hiding out with his Kodak.

Hlaba Ngwenya stretched out on the ground and, soon after, a good-sized alligator approached to attack him. Then the struggle between thegiant and the beast was clearly seen, ending in the victory of the thinkingman over the irrational animal.

The animal, slit from one end to the other, was taken away to thegreat satisfaction of the people, but Hlaba Ngwenya was in bad shape, muchto the delight of the colonel, who was pleased to take pictures of the manin that deplorable state.

The colonel could hardly contain his joy and photographed every-thing. He gave another £50 for Hlaba Ngwenya’s great number of children,wrote to many magazines and marched off to Europe with the alligator skinand the glory of having recorded, with his Kodak, things that neither Li-vingstone nor Stanley had seen.

This victory, however, cost the giant an arm and a leg.When my friend Ferdinand Bruheim met him, there was only half

of the great man, and it was this half that he saw abruptly disappear oneday. Even reduced to one half, Hlaba Ngwenya was obsessed with increa-sing the number of children he had, and therefore exposed himself onceagain to the sacrifice. However, instead of one alligator, there were two,one on each side, that attacked him – on his remaining side – and destroyedhim in an instant. This was the brilliant end of Hlaba Ngwenya, of the Fin-gus family, with 35 wives and 75 children, on March 25, 1910.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 97

Page 99: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

98

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

VI16

The population of Incomati is so small that there are no bazwalana. Na-turally, the readers, the few readers there are of these chronicles, will notknow what a muzwalana is, and I will explain. Muzwalana is the more orless civilized man who knows how to read and write and who serves as anintermediary between the illiterate population and those who, like him, alsoknow how to read and write. He is responsible for the correspondence tothose working the mines in South Africa, he receives the letters to deliverto the wives and receives the money orders from the post office, etc. Attimes he is a bit of a cheater, receiving payment for each little service ren-dered, be it in cash or in chickens. He manages to live relatively well, dres-ses in European clothes, wears shoes, at times plays the gallant, sleeps in abed, eats at a table.

But the muzwalana is not always the cheater I depicted, for he doeshave his positive side, since he is also a teacher and preacher. Since thereare no schools in the villages, bells can be heard at night, calling the men,women and children. The bazwalana teach them how to read and preachthe Bible because they are Christians.

He is a member who, rather than proving useful to the authorities,is hated by them and persecuted by almost all whites, who do not want anyexperts in the brush…

When youth are needed for military service, it is the muzwalanawho is sacrificed, so sacrificed that one year, which I do not quite recallbut which was between 1927 and 1930, out of a contingency of 50 recruitsfrom Gaza, 48 knew how to read. They were bazwalana.

On the other hand, Incomati has too many gagaistas and an abun-dance of doctors.

A gagaista or soothsayer is an expert who knows everything thatgoes on in the land, which makes his task much easier.

There is no lack of problems in the brush: illness, famine, locusts,chigoe fleas, a trip to be made, in short, anything is a pretext for calling onthis big shot. His Excellence always keeps others waiting and arrives withaides or assistants. After a warm welcome, come pinches of snuff and otherceremonies as payment in advance for the consultation.

It is the rule that both the gagaista and the doctor should receive

16 O Brado Africano n. 699: Lourenço Marques, April 14, 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 98

Page 100: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

99

José Albasini (o Bandana)

payment in advance. The psikwembu take a dislike to swindlers… and ifnot paid in advance they do not help in soothsaying. And there are thosewho call blacks big kids!

The gagau, as readers know, is composed of 20 to 25 pieces of smallbones from little goats, gazelles, turtles, pigs, etc. A person who is verywell trained in the art of casting such oracle bones, takes them in both handsand follows along with what the gagaista says, “this here is So-and So, sonof So-and So, who wants to know, yes, you all know, what happened tohim, who killed him, who stole this or that.” And on he goes, mentioningdetails and casting the oracle bones that land in the strangest positions,which the gagaista interprets in his own way.

Sometimes he shouts: here is the turtle – there is the pig, and thegathering faithfully exclaims, “si ya vuma, si ya vuma17.” This lasts hours,and at the end the man says that a tall, pockmarked witch doctor from thewest is the one who sent the lion, or that a relative is the witch doctor whokilled the son, etc.

He collects the oracle bones and runs away, leaving the relativeswith questions regarding one another, questions that the authorities some-times have.

In the brush, there is nothing, apart from the district interpreters, aspernicious as the gagaista.

Gagau was undoubtedly a science in the time of the Pharos; todayit is losing credit because of the vast number of impostors. But at timesthey hit the mark. My uncle, who lived most of his life in the brush, greatlydisliked these impostors. One day he was quite troubled by a pain in hisspleen – of which he eventually died – and found a gagaista who was dupingsome people in his house in Intimane.

It is worth mentioning at this point that some ill-intentioned indivi-dual had advised my uncle to treat his spleen with ginger and that on thisday, he had quite a bit of it in his stomach. My uncle, who was quite annoyedand on the verge of beating this man up, told him to ask the oracle boneswhat was about to happen to him, the gagaista. The man cast the oraclebones, saw the pig, saw the turtle, saw the gazelle, all facing toward myuncle, and said with joy, “It’ll be a good day for me, we will, as customary,have drinks, we’ll have a party!”

17 “We agree, we agree.”

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 99

Page 101: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

100

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

Then, my uncle went and got a stick made of hippopotamus hideand let the man have it, while yelling “You don’t know anything; you didn’tforesee anything!” But the gagaista was a relative of the family on my uncle’swife’s side; pandemonium ensued, wailing, quarrelling, and in order to putan end to the questions, my uncle had to give him a little goat and a bigbottle of alcohol, and a party was had on the spot. When it was over, thegagaista, who by then was drunk, said something that changed completelythe idea my uncle had about soothsayers, “You see how my predictiondoesn’t fail? I said everything would end in a party and it did…”

Almost always these soothsayers are also healers, and it is for thisreason that I tolerate and acknowledge them.

I know that they are unjustly persecuted by the authorities, who rea-lize that there are not any white doctors to treat all the blacks scatteredabout in the brush. It would be very good if they gave them, upon exami-nation, a license to practice, as they do in some parts of Europe. If they cando it in Europe, it makes even more sense to do it in Africa.

In order to prove the knowledge and worth of some of these doctors,I will tell you what one of them who came to give me some medicine saidto me. The railroad stationmaster, who was a white man from Portugal with4 daughters, 3 of whom, sadly for him, were of marrying age, saw the yearsgo by without the appearance of a single suitor. The cook or some otherservant of his told him about this doctor from whom he obtained a remedyto free himself of his daughters. They agreed upon a price and it was paidin advance – which is always the case – and the man went about gettingthe remedy.

He explained to me how this work is done and even volunteered tomake me a specialist in this area, but I refused. I am weary, what with mybeing 55 years old, that it would be a veritable torture of Tantalus. But Iwill tell you, as I tell everything that I know.

Undress the girl if she is young (if she is a widow, it is not neces-sary) so that she is as she was when she left her mother’s womb. Once asyrup is prepared with the various ingredients, use an oxtail to apply it toher entire body, head, bosom, hips, legs, etc. There is one other particularitythat I cannot reveal on account of the female readers, the male readers, thehonorable members of the Censorship Committee and myself.

Make an incision on her head with a blade and sprinkle some pow-der, made from a few flies, so that she becomes fertile.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 100

Page 102: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

101

José Albasini (o Bandana)

The man told me that the stationmaster soon arranged weddings forhis 3 daughters and just called upon him to treat the 4th daughter, who isnow a woman.

Blessed is the father who marries all his daughters for a small fee.This treatment costs 25 escudos per head. Here is a tip for dads who

wish to marry off their daughters: off to Incomati with them…In general, Europeans are quite confused about the witch doctor and

the gagaista, who are in fact two distinct entities.The gagaista, as I have said, is a man who foresees things and also

cures; a witch doctor causes harm, death, eats people, etc., someone theItalians call jettatore.

Scientists, whites, look down upon all these things and do not evenbother to examine them carefully.

My friend Estácio Dias served me a five o’clock tea, which consis-ted of tea that was coffee, roast chickens, fricassees, sweets, etc., becauseEstácio Dias is not only a farmer, but also a skilled cook. I appreciate himmost … for the distinguished journalist that he is.

I am going to leave Incomati, but first I wanted to converse with alocal induna18, in order to exchange impressions, to know what he thinksof the Portuguese government, of the local needs, etc., etc. I am not able todo so because the state of my health does not allow me to climb thesemountains. I had to limit myself to speaking with a man who is from theEnglish territory – Komati Poort – but who has family here.

I wanted to know why he did not move to our territory, etc. “I can-not, I must not, out of patriotism,” were among the reasons he offered,which are in fact the same ones that lead tens and tens of indignant Portu-guese to leave each day.

Upon leaving Incomati, I respectfully kissed the hands of the kind-hearted woman who took me in and treated me like a son all this time, thuscreating a debt that I will never be able to repay.__________________

In one of the chronicles, gulu came out instead of gula [gluttony].The intelligent reader certainly understood the error.

18 Functionary of a king or chief.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 101

Page 103: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

102

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

VII19

I am now on my way to Magude to see if I can fix my heart that is notworking well, which at times seems to stop.

The doctor who treated me when I was 25 predicted a swift deathfor me: “if you carouse, womanize, smoke, you won’t live long, no use fret-ting or getting upset,” he said. The distinguished clinician was wrong; Imanaged to live another 30 years, which is no small number. I do not drink,nor smoke, and as for women, only in the proper dosage.

No matter how hard a man tries not to fret, to live in peace, it is notpossible when troubles come to call, such as when a father or mother dies,whom we dearly loved and who gave us life, or when our children die, whoare the flesh of our flesh, or even when our dear friends disappear day byday. The heart suffers, no matter what a man does to calm it. This explainsthe illnesses that torment, pound and crush us.

And do not let it be said that I am not a brave man: recently, whenthe franc was devalued, leaving many people ruined, I remained calm; whenthe darned dollar also plunged, taking down banks, companies and variousfinanciers, I did not feel the slightest disturbance. Nevertheless, I saw manypeople who were confounded…

I can stand most of these annoyances, but not the ones I first men-tioned.

I left Lourenço Marques on Saturday, the 21st, in a car that had alreadyserved its purpose, since the odometer stopped at 50,000 miles, and passedthrough Marracuene.

I cannot see this land without feeling a certain emotion, because itrepresents something grand in our life.

It was in Marracuene forty years ago that a battle was waged, bigfor what it achieved, small for how long it lasted: only one and half hours.But in this little bit of time, it was decided that Lourenço Marques wouldbe Portuguese land, thereby opening the path to civilization for my fellow-countrymen.

As you all know, on one side there was a troop of civilized peoplecamped out, carrying rifles, machine guns and firearms, and on the other,there were a large number of Negro slaves, armed with cudgels and spears,waiting to ambush. 19 O Brado Africano: Lourenço Marques, May 12, 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 102

Page 104: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

103

José Albasini (o Bandana)

These brave people, heroes, as Enes and Brito Camacho calledthem, fall upon a squadron that was armed with, as I have said, every ima-ginable tool of destruction that civilization had invented. They attack, kill,wound and tear them to pieces. A number of them died and were woundedbecause, as a miracle would have it, the squadron reorganized itself – anunprecedented act – a true miracle, as miraculous as the formation of squa-dron half an hour earlier, with no explanation whatsoever.

Later, other battles were waged: Magul, Coolela and small skirmis-hes, none of which is nor can be as important as the battle of Marracuene.Had the civilized people not won in Marracuene, there would not have beenthe fight in Magule, which, according to one witness who participated init, was the most serious thing in the entire expedition. This witness hadtaken part in the battle of Marracuene; he had been one of the 100 chosenfor this assault, and I heard the details of the fight from his lips.

Had the civilized people lost, our future would be other. In the end, they all won on that blessed day: those who fought for

civilization, solidified it and did not allow the barbarians, even though theywere so numerous, to triumph. But in the end, the latter realized that beingnumerous was not enough, they lacked discipline, they lacked civilization.

Ever since that day, the schools, which until then were abandoned,have become affluent, people have stopped wearing loincloths, they usestarched suits, are business employees, chauffeurs, teachers, nurses andeven priests!

All this in 40 years! That “big kid” died in that glorious combat,drowned in the generous blood of the Portuguese – for they were all Por-tuguese – that was spilled on February 2nd, on that memorable dawn whenthe last illusions of non-civilized blacks faded away.

Later on, Marracuene will be the Mecca for the Africans of Lou-renço Marques: they will go there, each year, in pilgrimage to lay downflowers at the monument of the victors and the ashes of the vanquished.

I had been told that from Bobole to Xinavane, the locusts were sonumerous that you could not see an inch of land.

Fortunately, from this land to Xirinda, I did not see a single locust,and it was not until I reached Mr. José Fernades Tavira’s property that Isaw a huge swarm heading toward the south. On that property, where Istayed for 3 hours, I had the opportunity to see the damage those cursedinsects did to the corn, the fruit trees, the banana trees in particular. People

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 103

Page 105: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

104

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

had assured me that there was not a single plant or living thing left, but inthe end, there is still some grass and they did not eat the houses, the cattle,or the poultry…

I arrived in Manhiça at 1:00 in the afternoon and soon was painfullyshocked to see a convoy of prisoners who owed taxes on their huts. I counted50, most of whom were old women over 60; the poor things were there fora crime they did not commit since, as everyone knows, taxes are paid bythe men.

I cannot imagine who the Torquemada was who invented that torture,and about whom I will make no further references, for reasons clearly un-derstandable to all. The man with whom I spoke in Incomati and whom Ireferenced in one of my chronicles invoked one of the reasons. God willing,someone will put an end to this system, which is unsuitable for the centuryin which we live.

My state of shock prevented me from offering my greetings to theAdministrator, who, by the way, is a great friend of mine.

After contributing my share to the prosperity of America – by pur-chasing some gallons of gasoline – I continue on to my homeland, Intimane,where I will spend the night.

On my itinerary, I had planned a visit to the Teachers PreparatorySchool and to my friend Mario Ferreira, who is from Manhiça and residesthere. However, my lack of faith in the car that is transporting me has cau-sed me to postpone these visits until the trip back.

So I went straight to Intimane. I was travelling with my two grand-sons so that they could receive the baptism of fire, which consists of beingbitten until bloody by the mosquitoes of my homeland. That is where myfather was born, as well as my sister and I; that is where my black grand-parents are buried, and I am taking my grandsons there so that their psik-wembu can see their grandchildren and bless them so that they are goodcitizens and excellent family leaders.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 104

Page 106: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

105

José Albasini (o Bandana)

Between Manhiça and Intimane I did not seen any locusts, perhapsthey are in the farm lands putting an end to that which was so painstakinglyplanted and sowed.

A lot has been said and written against the Government because ofthe locusts; I, however, can see no way of exterminating them because ofthe sparse density of the population.

One can walk for kilometers on end without seeing a single hut orinhabitant, which does not surprise me since they say there are 4 inhabitantsper square kilometer. From what I have seen, in Japan the population is 980per kilometer. There it is possible to put an end to the locusts; but in ourcountry, I do not see how, unless they decide to leave of their own free will.

I intend to spend one night in Intimane, not only for the reasons Imentioned but also because I feel grand there, nothing short of a prince,which by the way, also happens to me in Lourenço Marques.

From there I continue to Magude, via Xinavane; there, health per-mitting, I intend to visit Mission San Jeronimo, Mission Suissa, the Hospi-tal, Moreira da Fonseca School, and give a hug to my friend Gil.

There are lions, elephants, leopards, alligators, and other animalsin Magude. I will perhaps have the chance to see some and also be able tosay something about the animals that so impressed my friend FerdinandBruheim, who is buried in Xinavane and on whose tomb I hope to lay aflower.

Intimane, April 21, 1934.

20 O Brado Africano, no. 705: Lourenço Marques, May 26, 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 105

Page 107: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

106

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

VIII20

I ended the last chronicle just as my car was leaving for Manhiça hea-ding for my homeland Intimane. Upon seeing the tree called mfunwana,my heart filled with joy. I was finally home! That tree, a type of coconuttree, was born there hundreds of years ago. I saw it when I was born, asdid my father, and according to what the elders of this land say, it was bornfrom a cane that split open when the first man and woman appeared.

Intimane, my village, has remained for thousands of years just asnature made it. Not a single improvement, not even agriculture, nothing!Only the flies have increased in considerable numbers. In times past, a mancould sleep a few hours at night; now no one sleeps. The residents, espe-cially the women, entertain themselves by dancing the batuque, at timesthe Shingombela, at others the Shipenda, in order to shoo away the darnedthings. When at last they are tired, weary from beating the hard ground withtheir feet, they retire to their huts, where they have previously burned in-cense and given everything a good cleaning. All in vain, for the mosquitoesenter through the holes, through the cracks and pierce their skin, suck theirblood and nearly kill them, the poor people.

My mother always suspected that the mosquitoes had been bornthere and later spread to the rest of the world.

One time, however, having come to visit me in Chai Chai, in 1899– how many years ago! – she had the impression – mere impression – thatthey must have been born in Chai Chai … Please forgive me, my friendJuvencio da Silveira, the great Chaichaian, for this remark. It is just that,poor woman, she had a very particular idea of the world: for her, Chai Chaiand Itimane were the world! She had no idea of the existence of Brazil,Acre, or any such thing!

The Chai Chai that I discovered many years ago and that I so love,must have something special that makes it different from other lands inorder to be so grand and beautiful. Do not remove the mosquitoes from it,do not remove this peculiarity, for to do so would remove all its value…

This is also how my land is: very pretty, very green, but it is a repo-sitory for mosquitoes.

In Manhiça, at the Guerreiro & Castro shop, I had bought a bottleof wine for the psikwembu. I was supposed to pour it at the base of the tree,

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 106

Page 108: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

107

José Albasini (o Bandana)

on the trunk, asking the gods to grant me a safe trip. This is what I alwayssaw my grandparents do and I see no reason not to proceed in the samemanner. I have been so touched by adversity, that I turn my eyes to theelders, with their pure and wholesome habits and customs.… In my rush, Ifailed to do this, and the liquid remained in the bottle.

From that tree to the house where I was lodged, the car runs, jumps,hops, as if that blessed land had renewed the shock absorbers, which hadrusted over the course of more than 50,000 miles.

At three in the afternoon, we entered the town of Mr. Jose da SilvaJordão, a former colonist who had spent 45 years in Lourenço Marques and35 in Intimane.

As I have already stated, I must stay there for the blood baptism ofmy grandsons and to have the pleasing sensation of sleeping in a landwhere, if necessary, I can still raise 6 spears in my favor.

As was to be expected, I was festively greeted in the land where Iwas born, and to our delight, the poor lambs and chickens had to pay withtheir lives. At night, revelry, the inevitable drumming and lack sleep fromhaving to shoo and shake off the darned mosquitoes, which came in legionsand legions to suck the blood of my body, thin and bony from my illness.

When I was leaving the hut at dawn, I saw the skin of an alligatorhanging on the line. I was informed that it had been killed a few days earlierby a man named Ndongwa, whom I had met. He told me that while fishingin the lake with a rabungu (spear), he had felt a certain resistance when hestabbed at what he assumed was a large fish, but which in fact was an alli-gator, not one of the big ones, one that was only 3 meters long.

In my land, like in all the rivers in Africa, there are alligators. Unfor-tunately, there are no men like Hlaba Ngwenya as in Zululand, nor Englishcolonels who spend hundreds of pounds paying people to fight the alliga-tors. Thus, my poor village never gets famous. Here, deaths by alligatorshappen in private, at times a big squeeze, a small cry and nothing more.

There are also hippopotami, some of which get into the corrals,along side the cattle.

In my land there are no treasures to be seen, nor anything that couldbe of interest to a traveler. There is, however, so I’ve been told, a treasureof a man, a real find. This man has the gift to make it rain when necessaryand when paid … of course!

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 107

Page 109: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

108

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

Unfortunately it was not possible for me to speak to this treasure. Iwanted to hire him to take him to the city and introduce him to the Farmers’Association since he can be of great use to the motherland and the potatoes.I shall have to look for him on the way back, if I pass through here.

Intimane is the kind of land that makes an old colonist exclaim,“These are the best lands in the world,” and nevertheless there is absolutelynothing there in terms of agriculture.

A few scratches of farming here and there by blacks are the onlystains marking man’s existence in those places.

There are cattle. I do not know what would happen if, for example,an intelligent and energetic administrator forced the native cattle ranchersto have a certain number of hectares of cultivated land for every head ofcattle; but I suppose that in no time, in no time at all, Intimane would betransformed into a rich agricultural land, but not the granary, since thathonor is reserved for Chai Chai…

I have even heard it said that the valley of Manhiça Intimane shouldbe the first to receive the benefit of irrigation that runs to the valley of Lim-popo.

I know that the latter is bigger than the former, but doubt that it isbetter. And for a poor country like ours, we should take advantage of whatis closest to the port and not go so far away, leaving behind the better andricher lands.

On Sunday, I looked into the trip to Magudo, which is my destina-tion point and where I intend to spend about eight days, but my family wasopposed to my leaving, stating that it was necessary for the man of the ora-cle bones, the n’nganga to come and determine whether the roads wouldbe clear of any danger and whether he could find a cure for my illness. Theartist, however, never showed up, since they said that he had been calledaway, which proves the regard they have for him …

Even without the gentleman’s good auspices, I decided to carry onwith my trip, but at the last minute I had to wait for a man who was comingto pay me his compliments, along with a large sheep. Since it was a gift –making the total nine – I had no choice but to wait.

The man appeared, walking with great difficulty since, from all ap-pearances, he suffers from rheumatism. He was nearly 7 feet tall and hadbeen a strong man in his day. He complained to me about his poor vision,his joints, weakness, etc. He couldn’t be very young, for he told me that he

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 108

Page 110: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

109

José Albasini (o Bandana)

was already crawling when King Manicusse died; being that the latter diedin 1859 (if I’m not mistaken, since I do not have with me any book to con-sult), the man must be 75 years old, which is not young. He told me that hehas been spending a large amount of cattle to pay the doctors, but theyclaim it is all witchcraft, make that witchcraft by bandjaus (a bad race ofblacks), who are impossible to calm down since his sick father had killeda few during the war of Mawewe with the Muzila.

I sent the man to Xinavane with a recommendation to see the dis-tinguished nurse, Mr. Ribeiro.

It is possible that Dr. Pacheco, who is quite competent, so they tellme, could rejuvenate the man, with or without the Vornoff21 system, andgive his tired limbs the vigor of a twenty year old.

At 11:00 a.m. we will leave for Xinavane.I am curious to see how the car, whose make and model I have not

yet revealed, will handle.

Intimane, May 22, 1934.

21 Serge Vornoff (1866-1951), was a Russian surgeon who claimed that an aging man could restorehis youth if he received the testicle of a younger and a more vigorous man.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 109

Page 111: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

110

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

IX22

A Studebaker I B 224 is the famous automobile that is transporting me.Although it was not running well, breaking down all the time thereby for-cing the driver to get out dozens of times to inspect various parts, I inten-tionally did not wish to say the name of the make of the car in order toavoid a surge in demand. However, now that it is running admirably, itwould be ungrateful on my part not to say to the public that there are somecars – I don’t mean to advertise – that it should prefer because they are asfast as an airplane.

From Intimane to Xinavane the I B 224 automobile beat two carsby two car lengths, a truck, two sedans and would have even beat Bugattihimself, had I the courage to race him.

The speed of the car was such that, although I had intended to visitthe grave of my poor Ferdinand Bruheim, I never did make the trip andremembered only when I was in the arms – no, not the arms, rather the for-ceps of Joe who, forgetting that I had lost over 30 pounds, squeezed mequite heartily.

The readers will surely know this Joe who was formerly a boxer;he is now a merchant and says that he wants to be a patriarch... He alreadyhas 5 children, therefore needs only 7 more.

He is quite practical – his father is American – and has no difficul-ties of any kind. His general store is one of the busiest in Xinavane andmust have thousands of dollars in New York already...

In Xinavane there are 13 general stores, which are in disarray, des-pite being modern.

It was in Xinavane that I saw the second swarm of locusts. The first,as I have already said, was on Mr. José Fernandes Tavirá’s property.

I was surprised to see sugarcane there, since in Lourenço Marquespeople had claimed that it was all destroyed and that the wretched creatures,not satisfied by having devoured the leaves and sugarcanes, were now goingabout with picks to dig up the roots! Poor locusts, how slandered they havebeen!

Those wretched creatures must have caused great ruin there, but theland, which is good, soon repaired the damage by making the sugarcane,22 This text was published twice, with slight modifications, in O Brado Africano, Lourenço Marques,

June 2 (no. 706) and June 9 (no. 707), 1934, p. 2. The parts added in the June 9th edition are inbold.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 110

Page 112: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

111

José Albasini (o Bandana)

which is so, so beautiful, grow again. It is as if that pest that the Bible tellsus about, back when the maker of the Universe would come to speak to themortals, had never appeared.

I wanted to visit the property of Alfredo Luiz, the great industrialistwho first manufactured butter in the Colony; another visit I left for the tripback.

We left Xinavane at 8:00 am and soon after we were in Magudo.Among the familiar faces, the first I saw was that of my friend Fer-

nandes Gil; I noticed that he was wearing a black shirt and assumed, incor-rectly, that fascism was invading Magudo.

As I was in the automobile and it passed rather quickly in front ofhis door, I only had time to greet him Mussolini style – with the left arm,which he didn’t reciprocate. I then greeted him Hitler style, which left himindifferent. He only replied to a “Viva!” with another “Viva.”

I was truly intrigued. What kind of fascism was this in Magudothat didn’t respond to the international sign? When, later on, I went to speakto him, I obtained an explanation: my friend was mourning the death of hiswife, for which I am sorry. When I spoke to him of fascism, my Gil declaredexcitedly that he was a communist.

I had never understood these new things. Only in Magudo and withthe explanations of my friend did I end up understanding some of it. Notonly with the explanations, but also the actions. During the time I was inMagudo, my friend Gil didn’t cease to give me presents; he constantly sentme milk, chickens, canned goods, money, etc., etc. If this is communism,no wonder it quickly sped over mountains, captivated cities and left thebourgeoisie so frightened that it sent armies to conquer it.

Certainly, it is not for everyone. A man like myself, already pastthe age of 55, had to have already chosen a path to follow some time ago.

I had been told of many adventures involving lions in Magudo.Entire families of them had even been killed on verandas, with a simplepistol or a club.

Some people told of leaving their houses at night only to find pridesand prides of lions, which they had to kick away.

The lions that I saw in Magudo on the first day I arrived were notthe kind that one could kill with a pistol or a club or that one could try toflee. Rather they were “lions” that walk the streets in broad daylight, quitefriendly and obliging.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 111

Page 113: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

112

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

The first “lion” I saw in Magudo was Mr. António dos Santos París,who in turn introduced me to the “chief lion,” Mr. Manuel Gonçalves Caruço.

Both belong to the “Magudo Lion Group,” a Sport Association thathas a beautiful field for soccer and that is now going to build a tennis court.

On that same day, I went to watch a game between the Lions andthe Xinavane team that had come at the last minute to substitute the “NewAlliance” from Lourenço Marques, which did not show up.

Many of these “lions” of Magudo enjoy soccer and it is better thisway since there are no attractions whatsoever where a person might spendhis Sunday.

In Magudo, I spent my first night, as well as subsequent ones, underthe roof of a Bi-Lion – Mr. Leão Rafael, also a member of the group of“lions.”

One can sleep peacefully in Magudo knowing that the “lions” willnot torment us, rather they treat us kindly and with great cheer.

This Mr. Leão Rafael is the son of Eduardo Cassassa Alvares Pe-reira, an infantry captain who in 1897 took part in the campaignagainst Maguiguana, and the queen of Chipimi-sana, who in 1900 fledto Transvaal, taking her son with her.

The district administrator took advantage of this absence in orderto divide the Magudo territory into 18 or 19 territories, thus leaving thisLeão without a parcel of property. He is highly revered, both by the aristo-crats as well as by the authorities. Should there be an opening– as doesoccur with the dismissal of any chief – he highly deserves to be nominatedto one of these positions.

The first visit that I made in Magudo was, naturally, to the DistrictAdministrator, Mr. Sacadura Botte, whom I had never even seen before.

I spent nearly half an hour in his Excellency’s presence and wascharmed to hear one of the younger ones discuss ideas that are very diffe-rent from those who have been ruling the natives until now.

One of these chronicles is not the place for me to talk about the manwho superiorly rules Magudo; later on, with more time, I will certainly havethe opportunity to write about his Excellency. I hereby declare that fromthat day forward I was assured, by whites and blacks alike, that he is trulya good administrator, although he had the misfortune of arriving in Magudoat a time when the district is poor and the inhabitants are unable to pay theirtaxes in a timely manner.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 112

Page 114: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

113

José Albasini (o Bandana)

Later, I went on to the hospital. I had already been there thelast time I visited Magudo. Then, there were neither beds nor cots,which reminds me of a little farce I had heard about that undoubtedlyhad been played to save the name of the Nation in a dignified manner.

A group of foreign doctors was invited to visit the hospital ofMagudo, which, at the time, had nothing.

The night before, beds and various medicines arrived and eve-rything was arranged so as to impress the visitors.

But that is not all: they found sick persons – in good health –and put them in the beds so that the visitors could see the treatmentthat was given to the natives.

A group of native nurses – real nurses – was proceeding to vac-cinate the group of blacks when doctors, accompanied by the Directorsof Health Services, arrived. What joy! The visitors went on and onabout the great work of our doctors and one could hear “tres jolly” [sic]here and “tres bien” [sic] there…

When they all left, the sick returned to their huts, the medicinesand the nurses to the hospital, and the beds to the storeroom...

Now, however, the situation is different. The sick people I saware real, so real that one of them actually died…

Some of the cots serve as beds, and I saw a relative cleanlinessin all of that.

I saw the small house, the pharmacy and noticed that there weremedicines, unlike that which friends of mine had found in LourençoMarques.

Magude, May 25, 1934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 113

Page 115: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

114

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

X 23

The Swiss Mission in Magudo is 3 kilometers (1.8 miles) from the dis-trict headquarters, and the Studebaker I B 224 made the trip in 2 minutes.

It is a very pleasant site, atop a hill, with very pretty and clean hou-ses. The Rev. Herman Muller has been the missionary there for about 5years.

This apostle greeted me in a friendly fashion and showed me aroundthe mission annexes: the church, school, infirmary, housing for the scouts,etc.

Afterward, I spoke for over an hour with the missionary and methis illustrious wife, Mrs. Helena Muller, who is very well-bred and speaksPortuguese fluently, like her husband. In her bookstore, I was able to seemany books by Portuguese authors, and among them Eça de Queiroz. I wasfeeling quite well in that house and felt better still when the missionarywent to get two little girls, twins, just a few months old, who were verywhite and beautiful, and so beautiful that they looked like little dolls…

I understand these missions, in which the missionary has his wifeand children. The Protestant missionary can give advice, based on first-hand experience, to couples and set a good example for others’ children,which is not as easy for our priest to do. He preaches about marriage wit-hout having a wife, thus appearing to be doing kanganhiça [all talk and noshow]…

Among the interesting things he showed me was the map of the fol-lowers of the Cruz Azul (a temperance league), and from this document Isaw that the Cruz Azul League began with 16 followers and now has 1,935.This is not a lot, but it does show the tenacity with which the leaders of theLeague have been working, in order for it to continue to grow.

I was also introduced to the nurse, Mrs. Clara Badertscher, whom Iknow from Lourenço Marques.

This woman has been extremely helpful at the Swiss Mission Hos-pital, especially with births. She assisted with the births of many Africans,for which she deserves our gratitude.

She was about to embark on a trip to Europe and on behalf of theBrado Africano, I wished her a happy trip and a quick return.

23 O Brado Africano: Lourenço Marques, June 23, 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 114

Page 116: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

115

José Albasini (o Bandana)

An hour later, I left the Mission. The Swiss Mission deserves myundying admiration for its colossal work in the civilization of the nativepeople. In Laurence Marques, I saw the unforgettable Paulo Berthoud andCalvin Maphope arrive in an oxcart, and ever since that day, my admirationfor their work abounds. Later, other missionaries arrived, who also promo-ted the work: P. Loze, Junod, Georges de Tribolet, Guy, etc., and doctorswho were and are very dignified professionals: Sechett, Garin and Angus-burger.

Speaking of doctors, I must point out that there was a bad period,when a certain doctor, whom the blacks nicknamed Malini (money, money),was in charge, but this evil passed and now we have Dr. Gentil, who is well-known in Shikumbana, where he provides outstanding services.

On this same day, I discovered that far from there, there was a ma-gician who made it rain. Eureka! I shouted, I’m going to find that man, Iwant to have the pleasure of introducing him to Commander José Cardoso,the distinguished president of the Department of Agricultural Development,a miraculous man who has my utmost esteem and consideration.

Early Tuesday morning, I put gasoline in the car and then set off tofind this man.

The roads, if you can call them that, are more like the narrow paths.They are bad and one always runs the risk of running right off them. I wasted2 tanks of gasoline on this enterprise, since I had to go almost to Mapulang-weni, then to Shiburi and from there to Makayeni.

Everywhere there was news of the magician, but I couldn’t find himand I didn’t give up trying.

In Shiburi, I was shocked to receive terrible news about the man.There appears to be an impostor who is taking advantage of native

superstitions, charging a lot to make it miraculously rain.The lack of water, the ruined seed plot and loss of pasture for the

cattle, are ancient evils, so ancient that the Bible speaks to us of them inmore than one chapter.

Man can fight, kill and pillage cities and towns; imprison men andcharge taxes. Thanks to much work and great effort, science has madeimportant discoveries. Nonetheless, these are all useless in making it rainduring a drought! The distress on the part of the farm hand and the cattlerancher is so great that at this point he accepts an intervention from the manwho, for a few pounds, promises to water the land and make food grow forthe farmer and pasture grow for the cattle.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 115

Page 117: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

116

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

In any case, the uncultured and uncivilized black man is not to bemade fun of, because even in civilized places, Christians take part in pro-cessions and pray for the rain that is so lacking.

The man who promised the rain had already swindled a few people,and one chief with whom I spoke told me that he had given £5.10 0 (sic) infine gold, and a pregnant heifer. Once the heifer is killed, the calf is remo-ved and discarded, then a ceremony to ask for rain ensues.

In comes the inevitable gagaista, who casts the oracle bones; thosegathered keep one eye on the magician and one eye on the sky to see if acloud empties its precious liquid…

Nothing happened, because the psikwembu are angry. From what Iheard, this was not the only leader to hand over money; others were alsoswindled and are still waiting for the rain. It is a profitable business, butone that can have fatal consequences, because the men and women fromthat land were indignant and already thinking of giving that miracle man agood thrashing.

While visiting the area of Shiburi, I ended up in a village where apoor man lives with 300 head of cattle.

I called him poor because I know that the rancher who is black andraises cattle is the most miserable in all the land.

He doesn’t work, doesn’t settle in other regions, nor does he growanything; he spends all his time looking at and counting the cattle, and whenthere is an abundance, takes a few liters of milk to make massi. And sincehe does not work, he lacks food and other necessities.

So, the poor man in Shiburi was no different from any other, fromwhat I saw. His family didn’t have anything to eat; there was an enormouspot filled with massi that no one can stand eating anymore – for that is allthere is. In order to fertilize a bit of corn brought from far, far away, theywere pounding makanyi nuts…

In this village I saw the fresh skull and hide of a lion. I was intro-duced to the young man who had killed the animal, and although it had notbeen done fairly, I nonetheless admired his courage. He told me that thelion had entered the cattle corral, but he paid the price because the oxencharged him, thereby hurting him. After leaving that corral, which had bro-ken to pieces, the lion headed toward the corral where the calves were.There, he fell into a trap and immediately began to let out loud roars. It wasat this point and in this position that he was shot to death by the young vil-lager at a distance of 100 feet.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 116

Page 118: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

117

José Albasini (o Bandana)

I recalled an incident that happened a good 12 years ago betweenmy friend Ferdinand Bruheim and a cousin of mine – a white man andex-captain by the name of João Albasini. The latter had come from Spe-lonken to visit us and met Ferdinand at my house. After much talk andseeing the bottom of many bottles of whisky, the conversation turned tohunting, each man talking about the hundreds of elephants he had killedand about the thousands of buffaloes, gazelles and other animals.

At one point, Ferdinand said that in Zululand he had killed 8 lionsin 5 minutes, which is an entire family… at a distance of 10 yards.

My cousin, who was quite edgy because of all the bottles consumed,rose and yelled, “You are a miserable liar! The record for killing 8 lions in5 minutes and at a distance of 5 yards is mine: no one else is capable ofsuch a feat.”

I realized that they might kill one another, because although Ferdi-nand conceded that it had not been 8 lions but rather 4, he did insist it hadbeen in 5 minutes. They argued for hours, and in 4 different languages, andby dawn they had nearly reconciled. There was only one disagreement: mycousin could not accept that a gentleman would kill a lion from more than5 yards away. A lion can be killed from only 5 yards away and with it facingyou, and not until it moves its tail, otherwise it cannot be shot. My friendBruheim maintained that Colonel Hutson S.V.R – P.R.T.Q.V.T., etc., recor-ded in his books the distance as 10 yards.

The quarrel finally ended in the morning, but only because the twohad fallen asleep. My cousin grumbled every once in a while, “Hutson,Hutson, that wretch, if ever I see him, I’ll split his skull…

In any case, when I found out that the young man in Shiburi hadkilled a lion from more than 5 yards away and that it had been in a trap, Irejoiced that my cousin was not there…

Magudo, 5/27/1934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 117

Page 119: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

118

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

XI24

The San Geronimo Mission that I visited four days after leaving Magudois, as the readers know, one of the oldest in the district. There, the superioris the Rev. Father Lima and the coadjutor is the Reverend Father Melo,both of whom are good pastors and indefatigable laborers in furthering thecause of civilization.

I visited the school for boys and the other installations where muchwork and much energy are being spent.

A big building is under construction that will serve as the girls’ boar-ding school. It is an important work with fine dormitories and large clas-srooms. The work has been delayed, naturally for lack of funds. When it isup and running, it will be a beautiful school, not at all inferior to anythingout there serving the same purpose.

I noticed a huge flaw in this Mission: there is one teacher for 121 stu-dents! And no matter how much she does, no matter how much she dividesherself – and she cannot divide herself that much as she weighs but 66 pounds– it is clear that she is being sacrificed with little benefit to the students.

All I see is that her sacrifice will result in her leaving her bonesthere to rest – as she has nothing else to give – and that perhaps the church,in a grand gesture of commiseration, will have her canonized, turn her intoa saint! If this ends up being the case, I congratulate her now, but in themeantime, the efforts to advance the cause of education will have lost alarge number of children who will remain in the shadows of civilization. Idid not bother to ask why there was but one teacher, for I know why andsee it all over. It is referred to as lack of “funds,” someone who has longago settled into our house, lives among us and goes about tormenting ourexistence.

One village, a beautiful village, is already filled with many Chris-tians, making a name for themselves in this environment where mostwomen still dress like our grandmothers.

I also visited the brick factory, which has much less business thesedays since another one opened in Lourenço Marques. It is right in the middleof the city and must certainly be causing much loss of revenue to the cera-mic factory of the San Geronimo Mission, and by this I mean no disrespectto those who must work to survive.24 O BRADO AFRICANO, no. 713: Lourenço Marques, July 21, 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 118

Page 120: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

119

José Albasini (o Bandana)

Father Lima was kind enough to take me to the neighboring fields,which are full of fruit trees, pig farming, etc.

There is a steam irrigation system that was installed in the days ofDr. Brito Camacho and, thanks to it, the property is prospering.

There is nothing else to say regarding the Magudo Mission. All thework is in sight, except for the completion of the grandiose building thatwill be dedicated to the education of girls. In my opinion, this is where allthe work of the civilization of Africa must begin, followed by that of themen.

After the main visits in Magudo were completed, I intended to rest,but I was informed that during this period there would be a cattle fair andthat it was not to be missed. I had every intention to stay until May 9, con-vinced that there would be something interesting to see since, I confess, Ihad never seen a cattle fair before.

While I was waiting for the fair, I remained in Magudo even thoughI had a car at my disposition. But these cursed machines do not run onwater, rather they require another liquid called gasoline, which costs 17.50meticais a gallon here. When I arrived it cost 12.50; a few days later it wentup to 15 and recently I had to give 17.50! I do not know how much this ga-soline business costs to the Colony, or to any of us. I do see, however, withmuch sadness, that a man, a poor man cannot go an inch in a truck or in acar with knocking on the door of the King of Gasoline, far away in theAmericas, to ask for permission to go to Marracuene, to take a ride throughChibuto, to see a friend in Magudo…

These inconveniences, these calls come at all hours, from one dawnto the next; there is no rest, no end…

In a few years, our poor Chamiços will all be on American soil, andour sole consolation will be having had the pleasure, however fleeting, ofseeing the car run at break neck speed, at times leaving in our wake bits ofmutilated bodies and heads that, although out of place, still cast a gaze, ahalted and expressionless gaze, as if asking: where are you going in such ahurry? Nonetheless, it is said and it is written that we can substitute thegasoline, for which we give our eye teeth, for products made here, in theColony, from sugarcane, corn and who knows what else.

The chemist who discovers a composition that includes mosquitoeswill not only have made the greatest discovery of this century, but will alsohave managed to abate one of the biggest scourges of humanity.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 119

Page 121: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

120

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

The whole village, with Jordão leading the way, would read him aspeech making him a citizen; in a neighboring town, where mosquitoes arealso in abundance, the illustrious attorney, Mr. Juvencio da Silveira, docu-ments in hand, would prove that the illustrious chemist was not only a greatresident of Chai-Chai, but that he should be nominated governor of the dis-trict – killing two birds with one stone – and then at last we would all befree from the Americas and their gasoline. We would begin using sugarcaneand other products, not in order to get the black men and women drunk,but rather in order to contribute, on a grand scale, to the progress of theColony. But until this day comes, we will remain slaves to the Americas,working and sweating day and night so that the gasoline owners have allthe comforts that we lack.

While waiting for the fair to begin, I was surprised to receive an in-vitation from the “Lions of Magude” to a dinner that would be held on April28th, at the house of their leader, Mr. Manuel Gonçalves Caruço. Mr. Paris,the secretary, was there; my friend Hobed, is also a member of the Lions,albeit an old and tired one, whose body is in need of repair if he is to dedi-cate himself to Agriculture, which is one of his weaknesses, but also oneof his strengths, so they tell me.

The party went on merrily until 11:00 pm, at which time my friendsaccompanied me to my house. I hereby give them my thanks.

Finally, on May 9th, the fair was held.Here I should explain the part that I played in the fair, because many

people told me afterward that the only reason it had gone well is because Iwas there, which I do not believe. The only part I played was to write a let-ter to my friend Amadeu Neves, the Co-operative Union Secretary, statingwhat people around here have to say about the Association. I further askedmy friend to appear on the day of the fair, or to send someone to representhim, in order to put an end to the gossiping.

I believe that my friend had intended to appear, because when Iarrived at the fair, at 9:00 am, he was already there. I did nothing else butjoin the fair as a simple bystander and take some notes for my government.

Everything turned out “the best possible” as Pangloss would say;my fellow countrymen were very enthusiastic with the prices offered, whichmade me even more convinced that there is truth to all that talk of a headof cattle being worth a bag of corn.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 120

Page 122: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

121

José Albasini (o Bandana)

The Administrator, riding atop a horse and looking like a general,was in charge of the inventory, as well as the numbers, and Mr. Paris, aninterpreter different from any I have ever met, did the calculations and toldthe natives how much they would be paid for the cattle, should they wantto sell it. This part was always said in such a way that the black man wasconvinced that he was not obligated to sell his cattle, which was important.

I have already discussed, in a separate article, the impression I hadof the cattle fair, but as I am rewriting my notes from the event, I must com-ment on the lot presented, by the local chief Ngubuna, of 10 heads that heclassified as 2nd class cattle, and which brought him 5,200.00 meticais. Wereyou all to treat your cattle as this chief did, Magudo’s fortunes, which dou-bled at the fair, would soon triple. These are matters in which I have littlecompetence, which explains why I do not get involved, but rather leave itto those who are in the know, to the Administrator, in particular. They canbetter answer questions about how to improve the breeds, how the animalmight best put on weight and one day be able to attempt exportation to Eu-rope, because with small oxen that weight about 330 pounds, I doubt thatthe meat industry will be interested in exportation.

I saw someone announce loud and clear that the regulations forbuying and selling cattle were the best measure proclaimed in favor ofblacks in the last 10 years.

As was to be expected, a few hours after the money had been paid,Magudo resembled a volcano. It was neither Etna nor any of the otherknown volcanoes, rather it was the National nectar that was flowing fromglasses to stomachs and to the heads that were celebrating quite happilythe New Idea. There was no talk of politics, only the recollection, albeitlate, of how much cattle is worth in this district, which alone produces morethan half the beef consumed in the city of Lourenço Marques.

Magudo, May 9, 1934

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 121

Page 123: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

122

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

XII25

Once the fair, which left me with such a good impression, was over,I had nothing else to do in Magudo, so early in the morning I went to bidfarewell to the two great Missionaries, Fathers Lima and Melo, to the localchief Ngubana, and to my friends Gil and Hobed. I left my card with Mr.Caruço who was recovering from an upsetting annoyance and a night ofheavy rains. He had taken his “lions” to Vila de João Belo for a soccermatch, but upon seeing these “beasts,” the other players were so frightenedthat they did not let them play.

I also went to bid farewell to the Administrator and to my friendParis, but both were out on business.

I left Magudo at 10 a.m., already nostalgic for the 15 pleasant daysI spent there.

Naturally, I must comment on what I saw and heard, as I did notspend all my time sleeping …

This time I found Magudo dead, calm, and the streets empty. A fewIndian merchants seated atop their counters were scratching their feet, des-perate for the lack of customers. Other merchants looked equally unwell. Ihope that if the fairs continue, all will change, and that Magudo will onceagain be as lively as when I was there years ago.

There is no market in Magudo; I was unable to buy a single bunchof kale, a bit of tomato or any other fresh produce; nor is there any worth-while fish, although they do sell a vile one from the Ushetze river, whichlooks so bad that I did not eat it.

It would be so nice to have a market in front of my friend Gil’splace, in order to get those people used to bringing goods to sell.

I spoke with some of the local chiefs and many of the natives; Inoted that they were quite pleased with the current Administrator. Once, inthe middle of a conversation, one of them expressed fear regarding thereturn of a certain Sarmento, who was as evil as Satan. I assured the manthat there was no way Sarmento could return since he had died in Transvaal.Yet the man insisted that Sarmento was still alive and in hiding, in England!The things these blacks think of… A black man’s delusions…

There are no schools. The Portuguese Mission and the Swiss Mis-sion, both located near the bishop’s see, are unable to accomplish anything25 O BRADO AFRICANO, no. 718: Lourenço Marques, August 25, 1934, p. 2.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 122

Page 124: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

123

José Albasini (o Bandana)

in such a big district. They say that there are other schools spread throug-hout the countryside, which are run by natives. I am against having nativesteach Portuguese. There must be a white man teaching Portuguese. I hopeto elaborate these thoughts some day when I visit the Teacher’s PreparatorySchool, in Manhiça.

In addition to not having enough schools for everyone, the few thatdo exist are not interested in educating women, who are the future home-makers and educators of the children of this Africa that is awakening. If wecontinue to ignore the education of young girls, any money spent on schoolsthat teach only the ABCs and nothing else is money poorly spent.

A few months ago a resolution was passed, by which there will beschools for girls. Thanks to this resolution, the João Albasini School is al-ready running in this city, which boasts excellent results despite being open(under the new law) for only 4 months.

It would be good if the Director of Instruction, who shows suchgreat interest for instruction, could make this resolution mandatory in allschools for girls, be they official ones or Mission ones. The resolution is agood one and will make women useful in Africa. Therefore, not only shouldit be adopted by all schools, but any school not adhering to this programshould be eliminated. As for the rest, the Director knows better than therest of us how beneficial it is for all schools to have the same program.

Since Magudo is a district with many cattle, it makes no sense tohave so many plows working the land.

In referring to my village, I believe I have already written that Ithink it is fair that each native who has an ox should work the land. WhatI said then about Manhiça is even more pertinent with regards to Magudo,where there are even more cattle.

I have been told that there are between 60 and 80 thousand head ofcattle in this district. If the black man were forced to work – obviously forhimself and not for others – we would have to add to the wealth of his oxthat of his farming, which is no less valuable.

I can see it coming, in the future, far in the future, a tax on cattle.This tax will be quite fair because the government will be able to improvecattle breeding greatly by providing good bulls or dealing better with theloss of carts. It would be good if, when the tax was issued, we were to findthe black man free of debt so that he is not forced to sell a few heads ofcattle each year in order to pay this tax.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 123

Page 125: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

124

José Albasini – In Search of Health: Chronicles of a Sick Man

Magudo has a good Administrator, one of the new ones, who isintelligent and hardworking.

They have already nicknamed him “the Good One.” Nevertheless,I hope he will not be satisfied with this, and that he will want to be called“the Best.”

In order to obtain this title, he will have to wear himself out, tolerate[illegible] and suffer but [illegible] find solace knowing that his attempt toaggrandize not only the Colony, but also the district that the Administrationentrusted to him, will be far superior to all his sacrifices.

Soon, 500, 1,000 or more plows will till the soil of Magudo, thustransforming the thickets into fruits of the earth.

In order to obtain this goal, the African Association and the Friendsof the Negro Institute will have to send out their propagandists another 100times in order to aid the Government in this colossal endeavor.

Naturally, this means that the native must be the farmer in Africa,reserving the role of merchant for the European.

I still hope to see many changes in Magudo, with the Railway, com-merce and industry carrying dozens of wagons of cattle and hundreds oftons of corn, peanuts and other goods.

At 11:00 o’clock, I was in Xinavane and took advantage of the oc-casion to fulfill a promise, to visit the grave of my poor friend Ferdinand,whose grave I did not find because our negligence, our very African negli-gence, that still does not allow us to write a single word on the resting placeof the dearly departed.

It was there, inside the cemetery, while recalling his funeral that Iremembered a story that happened to him.

I do not know if I already told you that Ferdinand Bruheim or Ferdi-nand von Bruheim, as he called himself after the war, was an eminent hun-ter, but with very special methods, which he had learned in books and inthe company of masters. Bruheim preferred not to take a particular shot,rather than not respect the hunting rules.

With lions, as you know, you can only shoot if it is facing you andmoves its tail; for an impala, there is another rule, etc.

There is another animal that jumps high and low, and may only beshot when it jumps high. An elephant must be shot through its ear. In short,there are a series of rules that I do not understand and that I cannot unders-tand.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 124

Page 126: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

125

José Albasini (o Bandana)

One day, my dear Ferdinand got into quite a muddle, the biggest ofhis live, except for the Zebra hunting. It was when he had gone huntingwith Colonel Bill V.C.R. – S.A.T. – B.T.S., etc., etc., and wandered off onhis own, in pursuit of an elephant. He walked for 3 days, during which timethe animal failed to show him the technical side of the shot, until it stoppedfor a drink of water at a stream. At this point my friend took adva-ntage ofthe situation to fasten some clips with the initials F.B., which he had in hispockets,

This detail arose from a situation he had had with another Englishcolonel, who claimed to have killed an elephant, but which Bruheim saidhe had wounded. From then on, he never shot at an elephant without faste-ning a clip to it, no matter what it cost… After completing this formality,he distanced himself enough, nearly at point blank range, in order to takehis shot, which fell the elephant. Unfortunately, the terrain was so uneventhat the animal, which was enormous, fell toward Ferdinand, taking himdown in the fall. He fell face down, and his cursed spurs were firmly plantedin the animal’s hide, making it impossible for him to get free. He remainedin that ridiculous position for 4 days, beside the dead animal, until his fel-low hunters came and found him burning with a fever and vexed, so hesaid, for having turned his back on an elephant for the first time in his life…

From Xinavane, I went to Tanianga to plant some coconut trees, buttime did not permit me to linger. I was unable to go to Jordão’s house andcontinued hastily to Manhiça with the intention of going to the Tavira,which I did not manage to do.

As night drew, I went through Marracuene, and arrived in LourençoMarques at 8:00 p.m., in the marvelous I B 224 automobile laden with chic-kens, corn, pumpkins, etc., some of which belonged to a tourist; in orderfor me to seem like a Boer tourist, all I needed was a trailer filled withfirewood, as those I have seen arriving from the Transvaal.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 125

Page 127: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

126

José Albasini – A Mbewu/ The Seed

ApêndicesA Mbewu1

Siku dynwe shiduhati shinwe sha byeli nwana wa shone shi ku a byalea nkhokho. A nwana a hlamala a ku: Tatana! Ni ku duhala kwaku loko,shana wa ha dyulelea yin a ku byala a nkhokho, na upsi tiba lepsi psakuunga hade a ma khokho… kutani a shi duhati shi ku:

“Nwananga: hine bhanu a hi tireli hine ntsens; hi tirela nil aba ba takataa nthyaku kweru: loko a fa hi nkwabu a bhanu laba ba nga hi rangelr bapimisise shi lepso, a fa hi nga ti kuma ka ku yethlela, ni psa ku da. Byala ankhokho, loko wene unga ti da lepsi u ta ka psala, ku ta da a nwanaku.”

Hi ma rito ya shi duhati lesho, ma psanke a GREMIO AFRICANO.Dzana dya bhanu ba dyimuki a ku hlengeletana ba pfula a shikole shi

nene sha ku dondyisa a shi portugues.I ba nyinge a bhanu laba ba hingeniki ku nhlengeletanu lowo, kambe ba

rindyela lepsi psaku hinkwabu a ba africano ba ta hungweyesa ba ya tyalaa ma bito yabo, ba komba lepsi psaku na bone ba dy randya a liku dyabu.

A GREMIO AFRICANO dy dyuli a ku pfula a shikole ntsena; dy dyulaa ku tirela a ba africano a mi tiro hinkwayo leyi minga dyulekaka: kumbea ku ku humeshela a shaka loko dy bohiwile; kumbe a ku ku langusela ama papela ya ma terreno yaku, ni minwanyana a mi ntshumu, a bu hosine.

Lwe a yalaka a ku pfuna a GREMIO AFRICANO a ku tira lepsi dydylaka psone, anga hlaye mundyuku lepsi psaku a wa hluphiwa, ni lepsipsaku ba mu tekeli muti wakwe, hi ku pfumala a mhunu waku mu languselaa mi ntshumu yakwe.

Kholwani hi nkwenu, lepsi psaku laba ba hi dondysaka a shirongantsena, ba hi susumetela a mu nyameni; minga pimise lepsi psaku bateli kuta ta hi byela a mhaka ya Shikwembu; ba teli mali veru ntsena. Loko bashurilo bo ti mukela a ma tikweni yabo ba hi syia ni ku dybala kweru,kumbe ma ba hi hleka.

A butibe, a by kone a ma papelini ya psi khongelo lawa ba hi nyketelakawone. A butibe by ku ma papela ya shi portugues law aba hi fihlelaka.

1 O Africano, 25-12-1908.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 126

Page 128: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

127

José Albasini (o Bandana)

A GREMIO AFRICANO dy dyula a ku pfula a mahlu ya laba ma hapfaliwik, dy ba nyika a shikole laha ba ta ka dondya a mi ntshumu minyingi.

A mali ya kone, I nkiyenta hi wheti (500 reis), kambe lwe enge kenayoa mali leyo, a humeshe le a yi dyulaka, kumbe duzenta, kumbe ndzuruku,kumbe meia wa ndzuruku. A mali leyo hi mbewu le ya taka psala a mintshumu le mi nyingi.

Ha ma sidunyana ma tongo mi ta bona a mbewu yenu yi rumbuka; mita bona lepsi psaku a yi welanga a balasini.

Pfulani a mahlu hi a mahlu hi nkwenu mi bona a dambu ledy dy humaka. Dymukani hi nkwenu lepsi ku nga hlaya a shi duhati loko a nwana a

yala a ku byala a nkhokho:“A hi tireli hine ntsena; hi tirela ni baneru ni ba tukulo beru”

Lourenço Marques, 24-12-1908.José Albasini (Bandana)

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 127

Page 129: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

128

The Seed2

One day, an old man told his child to grow a coconut tree. The childwondered and said: “Father! You are old, why do you still want me to grow acoconut tree, even knowing that you will not eat the coconuts…” and theold man said:

“My son: we don’t work only for ourselves; we also work for those whowill follow us; if those who died had thought like you, we could not havea place to sleep or food to eat. Grow the coconut tree, if you don’t eat itsfruits, your child will.”

These are the words from the old man, which gave birth to the GREMIOAFRICANO.

Ten people joined together and opened a good school, where people maylearn Portuguese. Not only people who joined together for this idea, butalso they expect that most Africans will enroll themselves, showing thatthey love their land.

GREMIO AFRICANO not only wants to open a school; it also wants toserve the Africans in their several needs: like freeing a prisoner, helpingyou to get the documents regarding your own land, among other issues dealtwith local leaders.

Whoever denies helping GREMIO AFRICANO to follow its aims, tomor-row must not come and say that s/he is suffering, not even that his/her landwas taken because of lack of an organization that protects him/her.

All of you have to believe that those who only teach you Ronga, theyare pulling us into darkness; do not think that they came to tell us aboutGod; they came only for our money. When they are satisfied, they go backto their homeland and leave us not smart, or they laugh at us.

There is no knowledge in the religious papers they give us. Knowledge is within the papers written in Portuguese, the ones they hide

from us. GREMIO AFRICANO wants to open the eyes of those who still have

their eyes closed, giving them lessons so that they will learn many things. The monthly fee is 500 reis, but for those who do not have that amount,

they are free to pay any amount they may afford, two hundred, or a hundred,even half of it. This fee is an important seed, which will reap many things.

2 Tradução do ronga para o inglês de Marcos Abilio Nhapulo.

José Albasini – A Mbewu/ The Seed

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 128

Page 130: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

129

José Albasini (o Bandana)

Within a few days you will see your seed blossoming; you will see thatit did not fall in a desert.

All of you have to open your eyes and see the sun that is rising.All of you should remember what an old person told a child who was

refusing to grow a coconut tree:“We are not working only for us; we are working for our children and

for our grand-children.”

Lourenço Marques, 24.12.1908

José Albasini (Bandana)

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 129

Page 131: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

130

Estácio Dias – José Albasini

JOSÉ ALBASINI1

Estácio Dias

Foi desde 1908 - ha 26 anos - que eu conheci os Albasini, de perto, por-que antes, só por alguns conterrâneos meus da Terra da Boa Gente, queaqui viviam explorando a oficina, a função publica, o comércio e toda aespécie de atividade, sabia que havia em Lourenço Marques uma família,como em Inhambane os Fornazini, enxertada de um italiano refugiado porquestões dinásticas acesas no glorioso país de Dante Alighieri.

Foi motivo de aproximação, o livro, a paixão pelo livro. Estando eu nopaís bélico de Gaza, já nos rescaldos da grande campanha, pedi ao livreiroAntônio Maria Pereira, uma grande remessa de obras, sem escolha, muitassem moral e consciência de dúbia objetivação.

Comunicou-me o livreiro que havia feito a remessa para Lourenço Mar-ques em nome de J. Albasini, porque para Gaza, não era permitida, pelocorreio, a remessa de grandes volumes.

Um dia em Lourenço Marques, procuro João Albasini e lhe falo noslivros. Estavam ainda no Correio, por retirar. Vieram em nome do meuirmão, diz-me, o que veio a ser o maior jornalista africano, mas que nãohavia inconveniente: ele conseguiria a entrega sem intervenção do irmão.

Daqui nasceram as nossas relações e como de hábito que era natural noJoão Albasini, ofereceu-me a casa e tomei o compromisso de ir no primeirodomingo almoçar com ele, à sua casa.

Aqui foram as apresentações aos irmãos e aos amigos, alguns, comensaiscomo eu vim a ser. Para o José Albasini recorda-me que na apresentaçãodisse: “Meu irmão José, o dos livros”. A primeira impressão que tive doirmão foi de um assimilado de meia dose; mal aparelhado, com musculaturaforte, vergado de ombros, fazendo lembrar os serviços das alfandegas epara mais não acompanhando a civilização nos vícios do fumo; não acom-panhando as refeições com o delicioso néctar dos deuses, como comple-mento de civilização e, pior ainda, fungando rapé!

Mas, um dia, José Albasini, entra numa discussão - que eram muitas, sobrepolitica, sobre literatura - e José Albasini discorre, com uma lucidez de espi-rito e com saber que me fizeram modificar a impressão que tinha dele.

1 O Brado Africano, 9 Jul 1934.

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 130

Page 132: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

131

José Albasini (o Bandana)

Muitas vezes com o João Albasini e com outro companheiro, patríciode S. Tomé, então 2º oficial dos C.F.L.M., Estevam Corsino Dias, depoisdo jantar descíamos à baixa, a espairecer, a pormo-nos em contato com oselementos civilizastes e o amigo José Albasini tomava o rumo da Munhuanaa fazer propaganda entre os nativos para uma grande associação, em for-mação, para conversar com as mamanas e...fungar rapé.

O que é certo é que a Associação teve o seu início. Lembra-me perfei-tamente que numa das muitas comissões diretivas, escolheram-me parasecretário, tendo como presidente Vicente Xavier Lobo, que acabou ruido-samente por um grande baile, para depois ser substituída por uma Comissãoorganizadora composta de João Albasini, presidente, Silva Carvalho, vice-presidente, Estevam Corsino Dias, secretário, Guilherme Bruheim, e Fran-cisco Benfica vogais, e eu, tesoureiro. Com casa cedida pelo Governo, teveesta comissão, também, pouca dura.

De comissão em comissão, com estatutos que o Governo não aprovava,por razões talvez ponderáveis, João Albasini embarcou em 1920 para Por-tugal, tomando o encargo da organização [de] uma nova comissão.

Foi nesta ocasião, que eu, por já velhas relações de amizade com o JoãoAlbasini e por deferência de outros, certamente por ser o mais velho emidade, presidi a nova Comissão organizadora. Tive então ocasião de verque José Albasini, que era o 1º vogal, substituto do presidente, trabalhavacom alma. Reformaram-se os estatutos rejeitados, sendo então aprovadospelo Governo.

Passou o Grémio a ter casa e sessões regulares, com uma frequênciarelativamente grande de famílias africanas e a ser de facto um centro depolítica de interesse para o nativo. José Albasini não se continha em si desatisfação por ver realizada, para ele, a grande obra, obra que ele sempreacompanhou com carinho, dando-lhe todas as suas faculdades de trabalhoe de inteligência.

Seria longo e fastidioso, para o leitor, descrever, pormenorizadamente,a ação exercida neste organismo e nos jornais O Africano e O Brado Afri-cano, nos quais José Albasini, sem alardes, deu e está dando a sua melhordedicação pela Causa Africana.

Um exemplo para terminar.Em 1918, vindo eu de fora e encontrando-me com José Albasini, aí pelas

alturas do antigo quartel da polícia, a dirigir-se para o seu bairro favorito,conta-me:

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 131

Page 133: Organizador: C sar Braga-Pinto · de vida. Acreditamos que não só a matéria e seu valor testemunhal, mas também a ambição literária e crítica dessa obra será de imenso interesse

132

“Sabe? O João e o administrador do “O Africano” estão negociando avenda do jornal ao Padre Vicente! Ah! mas não havemos de ficar sem umjornal”.

Nunca vi o José Albasini tão triste como dessa vez, ele que pretende serforte mesmo perdendo um ente querido.

Meses depois aparecia o “O Brado Africano”.Porque, o irmão João, tendo sido um brilhante Instrumento, não foi um

grande organizador. Sentindo embora as injustiças dos homens, e atacando-as, não punha nelas a gravidade precisa.

Estácio Dias – José Albasini

Saude_Layout 1 15/04/20 14:35 Page 132