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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 28, n. 1, p. 51 - 66, (2006) www.sbfisica.org.br Ondas de choque n˜ao colisionais no espa¸co interplanet´ario (Collisionless shock waves in the interplanetary space) E. Echer 1 , M.V. Alves 2 e W.D. Gonzalez 1 1 Divis˜ao de Geofisica Espacial, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, S˜ao Jos´ e dos Campos, SP, Brazil 2 Laborat´ orio Associado de Plasma, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, S˜ao Jos´ e dos Campos, SP, Brazil Recebido em 24/6/2005; Revisado em 11/11/2005; Aceito em 25/11/2005 Este trabalho apresenta uma introdu¸c˜ ao`apropaga¸c˜ ao das ondas de choque n˜ao colisionais no espa¸co inter- planet´ario. Inicialmente, s˜ao apresentados conceitos b´asicos envolvendo a propaga¸c˜ ao de informa¸c˜ ao em gases ordin´arios e em plasmas, os modos de ondas presentes num plasma e o seu escarpamento levando a forma¸c˜ ao de ondas de choque. A seguir s˜ao introduzidos alguns tipos de choques presentes no espa¸co interplanet´ ario: frentes de choque planet´arias, choques transientes devido `as remanescentes de eje¸c˜ oes coronais de massa e choques corrotantes devido `a intera¸ ao de feixes r´apido e lento do vento solar. Os choques tamb´ em podem ser classi- ficadosquanto`adire¸c˜ ao de propaga¸c˜ ao - se afastando do Sol ou se propagando em dire¸c˜ ao ao Sol - e se s˜ao origin´arios devido ao escarpamento de ondas magnetossˆonicas do modo lento ou r´apido. Finalmente, um exemplo de observa¸ ao de parˆametros de um choque transiente frontal r´apido, com dados medidos no vento solar pr´oximo a Terra e de seus efeitos na magnetosfera terrestre ´ e apresentado. Palavras-chave: vento solar, clima espacial, magnetosfera, ondas MHD. An introduction to the collisionless shock waves propagating through the interplanetary space is presented. Basic concepts related to the propagation of information in ordinary gases and plasmas are reviewed. The wave modes in plasma and their steepening to shock waves are discussed. The shocks found in interplanetary space - planetary bow shocks, transient shocks driven by interplanetary coronal mass ejections and recurrent shocks due to the interaction of high-speed and low-speed solar wind streams are also discussed. Shocks can also be classified according to their propagation direction - away or toward the sun (forward and reverse shocks) and according if they are fast or slow mode magnetosonic waves steepened (fast and slow shocks). Finally, an ex- ample of calculated parameters for a transient interplanetary shock observed in solar wind near earth and its magnetospheric effects is presented. Keywords: solar wind, space weather, magnetosphere, MHD waves. 1. Introdu¸c˜ ao O Sol, al´ em de ser para n´os fonte de luz e calor, ema- na continuamente um fluxo de part´ ıculas carregadas chamada de vento solar. Este fluxo de part´ ıculas car- regadas ´ e permeado por um campo magn´ etico de origem solar, conhecido como campo magn´ etico do meio in- terplanet´ario. O vento solar se propaga a partir do Sol e ao encontrar os planetas, um obst´aculo `a sua propaga¸c˜ ao, d´a origem `as magnetosferas planet´arias. A existˆ encia destas magnetosferas ´ e independente do planeta ter ou n˜ao um campo magn´ etico gerado interna- mente (intr´ ınseco), embora a natureza da magnetosfera dependa fortemente deste fato. Para os planetas que n˜ao tenham um campo magn´ etico intr´ ınseco, o vento solar induz uma magnetosfera atrav´ es da intera¸c˜ ao com a atmosfera superior ou com a ionosfera do planeta [1]. A mat´ eria que constitui o meio interplanet´ ario ´ e um plasma, um tipo especial de fluido composto de part´ ıculas m´oveis carregadas. Estas part´ ıculas car- regadas podem interagir atrav´ es dos campos el´ etricos e magn´ eticos que produzem. Estas intera¸ oes s˜ao de longo alcance e d˜ao origem aos chamados movimen- tos coletivos (movimentos onde muitas part´ ıculas se movem coerentemente). Dentre as manifesta¸c˜ oes dos numerosos tipos de movimentos coletivos encontram- se as ondas ou modos de plasma. Todos esses modos podem interagir n˜ao linearmente, dando origem a um comportamento n˜ao linear e turbulento. Uma propriedade t´ ıpica de muitos fluidos ´ e o es- carpamento 2 de ondas para formar ondas de choque. Tais ondas de choque est˜ao tamb´ em presentes na frente 1 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil. 2 Do inglˆ es steepening, que significa algo que se torna mais ´ ıngreme, mais acentuado, empenamento, escarpamento.

Ondas de choque não colisionais no espaço interplanetário

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Page 1: Ondas de choque não colisionais no espaço interplanetário

Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 28, n. 1, p. 51 - 66, (2006)www.sbfisica.org.br

Ondas de choque nao colisionais no espaco interplanetario(Collisionless shock waves in the interplanetary space)

E. Echer1, M.V. Alves2 e W.D. Gonzalez1

1Divisao de Geofisica Espacial, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Sao Jose dos Campos, SP, Brazil2Laboratorio Associado de Plasma, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Sao Jose dos Campos, SP, Brazil

Recebido em 24/6/2005; Revisado em 11/11/2005; Aceito em 25/11/2005

Este trabalho apresenta uma introducao a propagacao das ondas de choque nao colisionais no espaco inter-planetario. Inicialmente, sao apresentados conceitos basicos envolvendo a propagacao de informacao em gasesordinarios e em plasmas, os modos de ondas presentes num plasma e o seu escarpamento levando a formacao deondas de choque. A seguir sao introduzidos alguns tipos de choques presentes no espaco interplanetario: frentesde choque planetarias, choques transientes devido as remanescentes de ejecoes coronais de massa e choquescorrotantes devido a interacao de feixes rapido e lento do vento solar. Os choques tambem podem ser classi-ficados quanto a direcao de propagacao - se afastando do Sol ou se propagando em direcao ao Sol - e se saooriginarios devido ao escarpamento de ondas magnetossonicas do modo lento ou rapido. Finalmente, um exemplode observacao de parametros de um choque transiente frontal rapido, com dados medidos no vento solar proximoa Terra e de seus efeitos na magnetosfera terrestre e apresentado.Palavras-chave: vento solar, clima espacial, magnetosfera, ondas MHD.

An introduction to the collisionless shock waves propagating through the interplanetary space is presented.Basic concepts related to the propagation of information in ordinary gases and plasmas are reviewed. The wavemodes in plasma and their steepening to shock waves are discussed. The shocks found in interplanetary space- planetary bow shocks, transient shocks driven by interplanetary coronal mass ejections and recurrent shocksdue to the interaction of high-speed and low-speed solar wind streams are also discussed. Shocks can also beclassified according to their propagation direction - away or toward the sun (forward and reverse shocks) andaccording if they are fast or slow mode magnetosonic waves steepened (fast and slow shocks). Finally, an ex-ample of calculated parameters for a transient interplanetary shock observed in solar wind near earth and itsmagnetospheric effects is presented.Keywords: solar wind, space weather, magnetosphere, MHD waves.

1. Introducao

O Sol, alem de ser para nos fonte de luz e calor, ema-na continuamente um fluxo de partıculas carregadaschamada de vento solar. Este fluxo de partıculas car-regadas e permeado por um campo magnetico de origemsolar, conhecido como campo magnetico do meio in-terplanetario. O vento solar se propaga a partir doSol e ao encontrar os planetas, um obstaculo a suapropagacao, da origem as magnetosferas planetarias.A existencia destas magnetosferas e independente doplaneta ter ou nao um campo magnetico gerado interna-mente (intrınseco), embora a natureza da magnetosferadependa fortemente deste fato. Para os planetas quenao tenham um campo magnetico intrınseco, o ventosolar induz uma magnetosfera atraves da interacao com

a atmosfera superior ou com a ionosfera do planeta [1].A materia que constitui o meio interplanetario e

um plasma, um tipo especial de fluido composto departıculas moveis carregadas. Estas partıculas car-regadas podem interagir atraves dos campos eletricose magneticos que produzem. Estas interacoes sao delongo alcance e dao origem aos chamados movimen-tos coletivos (movimentos onde muitas partıculas semovem coerentemente). Dentre as manifestacoes dosnumerosos tipos de movimentos coletivos encontram-se as ondas ou modos de plasma. Todos esses modospodem interagir nao linearmente, dando origem a umcomportamento nao linear e turbulento.

Uma propriedade tıpica de muitos fluidos e o es-carpamento2 de ondas para formar ondas de choque.Tais ondas de choque estao tambem presentes na frente

1E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

2Do ingles steepening, que significa algo que se torna mais ıngreme, mais acentuado, empenamento, escarpamento.

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de objetos que se movem com velocidades supersonicas.Na descricao de um fluido ideal, ondas de choque po-dem ser vistas como descontinuidades, atraves das quaisas propriedades do meio, tais como densidade, tempe-ratura e velocidade, mudam de maneira abrupta. Adescricao de um fluido ideal considera que as forcasintermoleculares e o volume ocupado pelas moleculassao negligenciaveis, de maneira que os fluidos obede-cem a uma equacao de estado como a lei do gas ideal[2]. Ademais, se considera o fluido como adiabatico, istoe, nao ha aquecimento resultando de processos dissipa-tivos - viscosidade, condutividade termica e absorcaoou emissao de radiacao.

Podemos ainda dizer que ondas de choque surgemem consequencia de efeitos de compressibilidade, osquais se tornam importantes quando a velocidade dofluxo se aproxima da velocidade do som. Na propagacaode avioes supersonicos na atmosfera este fenomeno eintuitivamente claro; a transmissao da informacao seda atraves das colisoes entre as moleculas do gas. Aquestao e mais difıcil quando se estuda o espaco inter-planetario, um plasma tao rarefeito que as colisoes entrepartıculas se tornam muito raras, com o livre caminhomedio sendo da ordem do tamanho do sistema.

Como mencionado por [3], por muitos anos pairou aduvida se ondas de choques poderiam existir em plas-mas nao colisionais. A sugestao da existencia de umaonda de choque interplanetaria foi feita pela primeiravez em 1953 por T. Gold [4] para explicar o comecosubito de perturbacoes magneticas na Terra. Em 1962,I.A. Axford e P.J. Kellogg, independentemente, predis-seram que uma onda de choque se formaria em frentea magnetosfera da Terra [5, 6]. Eles argumentaramque a Terra e um obstaculo no caminho do vento solarsupersonico, e como consequencia, a exemplo do queocorre num fluido ordinario, uma onda de choque deve-ria se formar. A confirmacao da existencia desta ondade choque aconteceu no inıcio da decada de 1960 [3]. Asonda Explorer 12 forneceu, durante 4 meses ao longodo ano de 1963, medidas de boa qualidade das fronteirasda magnetosfera, percorrendo a magnetosfera externa(regiao entre a plasmasfera e a magnetopausa), a mag-netopausa e a bainha magnetica. As regioes da magne-tosfera estao ilustradas na Fig. 1. Em 1964 foi repor-tada uma grande frente de choque formada no ventosolar a frente da magnetosfera por medidas da sondaIMP-1/Explorer 18 [7]. Nos anos seguintes tornou-seclaro que os campos eletromagneticos no plasma podemalterar o movimento das partıculas em uma maneirasimilar a colisoes ordinarias. Essas variacoes fornecema dissipacao necessaria para formar um choque. Ou-tros dados, alem dos mencionados anteriormente, con-firmaram a presenca de choques. No vento solar propri-amente dito, um choque transiente foi identificado pelaprimeira vez nos dados de plasma e campo magneticoobtidos pela sonda Mariner II (medidas realizadas entre1962-1963) [8].

Figura 1 - Ilustracao de um choque estacionario presente nomeio interplanetario - Frente de choque planetaria da mag-netosfera terrestre. Fonte: adaptado de Oulu University.http://www.oulu.fi/∼spaceweb/textbook/magnetosphere.html.

E objetivo deste trabalho apresentar uma in-troducao sobre a propagacao de choques nao colisio-nais no vento solar. Este trabalho constara de umabreve revisao sobre a propagacao de ondas de som ede choques em gases ordinarios, sobre a propagacao deondas em plasmas e, finalmente, abordara a formacaodos tipos de choques no vento solar. Como um exem-plo, apresentam-se dados observacionais que mostrama variacao dos parametros do vento solar atraves de umchoque interplanetario e seus efeitos sobre a magnetos-fera terrestre.

A estrutura fina das frentes de choques somentepode ser descrita pela teorica cinetica de plasmas.Entretanto, a descricao macroscopica do plasma pre-choque e pos-choque pode ser fornecida por uma teoriade fluidos magnetoidrodinamicos (MHD). Esta sera aabordagem no presente artigo.

2. Propagacao de informacao e ondasde choque em gases ordinarios

Em todos os movimentos ondulatorios, energia e mo-mento se propagam de um ponto a outro, sem que hajatransporte de materia. O som e resultado de movimen-tos ondulatorios, nada mais sendo do que uma sucessaode ondas de compressao e rarefacao se propagando no are em outros materiais. O ar e, por sua vez, constituıdopor uma infinidade de moleculas que estao em constantemovimento e que colidem umas com as outras. Quandouma onda de compressao sonora e emitida, as moleculasde ar mais proximas da fonte sao empurradas na direcaodo movimento, comunicando as outras moleculas maisafastadas, por colisao, o impulso recebido. Essas, porsua vez, empurram as moleculas da camada seguinte eassim a compressao se propaga atraves do ar, formandouma onda sonora (ver [2, 9]).

A velocidade do som e dada por:

Cs =√

γp

ρ=

√γkT

m=

√γRT , (1)

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Ondas de choque nao colisionais no espaco interplanetario 53

onde γ e a razao de calores especıficos a pressao evolume constante (γ = cp/cv), p e a pressao de gas(NkT ), N e a densidade numerica, k e a constantede Boltzmann, T e a temperatura do gas, ρ e a den-sidade de massa, m e a massa atomica/molecular dogas constituinte do meio e R e a constante dos gases.Nota-se que a velocidade do som independe da den-sidade do meio, sendo, basicamente, uma funcao datemperatura do mesmo. Isso pode ser explicado, pois,como as moleculas do ar devem deslocar-se ao longode uma distancia relativamente grande (a chamadalivre trajetoria ou livre caminho medio) antes de atin-girem as moleculas da camada seguinte, a velocidade depropagacao e essencialmente determinada pela veloci-dade termica das moleculas.

A Fig. 2 apresenta o perfil em 2 dimensoes das on-das sonoras emitidas por um objeto fonte (triangulopreenchido) que se propaga em um meio com veloci-dade V . Na Fig. 2a a fonte e estacionaria e na 2(b) elaesta em translacao com velocidade menor que a do som.O caso (2c) e para uma fonte movendo-se a velocidadedo som e o caso (2d) e para uma fonte movendo-se avelocidade supersonica.

Figura 2 - Caracterısticas de propagacao das perturbacoes deacordo com a relacao entre a velocidade de propagacao e a ve-locidade caracterıstica do meio, aqui Cs.

Nota-se que a velocidade do som determina um hori-zonte de informacao, no qual qualquer informacao sobreperturbacoes no meio pode se propagar somente comvelocidade menor ou igual a Cs. O horizonte de in-formacao determina a distancia espacial na qual a ondasonora se propagou, em um dado tempo. Este horizontee representado na Fig. 2 pelas curvas identificadas porr1, r2 e r3. Se o objeto fonte esta sem movimento detranslacao (Fig. 2a), as cristas das ondas aparecemcomo cırculos concentricos e igualmente espacados. Oespacamento entre as cristas de onda esta relacionadocom a frequencia de vibracao do objeto-fonte e com avelocidade de propagacao das ondas no meio. Se o obje-to esta em movimento de translacao (Figs. 2b-d), ascristas de onda ficam mais proximas a frente do objetoe mais afastadas na parte posterior. Quanto mais rapi-damente se deslocar o objeto, mais proximas ficam ascristas a frente, e mais afastadas na parte posterior. Amedida que a velocidade do objeto passa a se aproximar

muito da velocidade de propagacao das ondas (V = Cs,Fig. 2c) as cristas, logo a frente do objeto, passam ase sobrepor, formando uma crista unica bem mais altaque as geradas no caso estacionario.

Quando um objeto se desloca na atmosfera, ocorreum processo similar, em que as ondas se propagam porexpansao esferica. As principais diferencas decorrem dofato da propagacao das ondas ser tridimensional e naobidimensional. Neste caso, as cristas sao representadaspor esferas, no lugar de cırculos. As ondas geradas naatmosfera sao ondas de pressao (como as ondas sono-ras) cuja velocidade de propagacao e a do som no meiopropagante, no caso, o ar.

A formacao de uma onda de choque em gases or-dinarios pode ocorrer, por exemplo, quando os gasesquentes formados em uma explosao deslocam o ar cir-cundante, ou quando o ar e empurrado para os ladospelas asas e pela fuselagem de um aviao ou projetilsupersonico. Neste caso, a velocidade termica dasmoleculas nao e suficientemente alta para fugir a per-turbacao (ou objeto) que avanca e as ondas comecama se empilhar umas sobre as outras, com o resultanteaumento de densidade. A Fig. 2d ilustra esse exem-plo; observa-se que as ondas emitidas pelo objeto fonte,que se desloca a uma velocidade maior que a do som,alcancam as ondas emitidas anteriormente. Nao existemais uma fonte geradora de ondas esfericas como noscasos ilustrados pelas Figs. 2a-c, mas sim uma frentede onda que forma um cone em tres dimensoes ou umpar de linhas em duas dimensoes. O cone e chamadode cone de Mach, e esta ilustrado em duas dimensoesna Fig. 2.

No caso em que a fonte viaja exatamente com a ve-locidade do som, as perturbacoes geradas concentram-se no ponto onde se encontra a fonte (Fig. 2c). Emregimes supersonicos (V > Cs), a fonte percorredistancias maiores que as perturbacoes geradas, em vir-tude de sua maior velocidade. Para um dado intervalode tempo ∆t, por exemplo, as perturbacoes percorremuma distancia Cs∆t, enquanto a fonte percorre V ∆t.Isto explica o surgimento de uma regiao conica onde asperturbacoes serao percebidas. Fora dessa regiao, tudose passa como se nao houvesse nenhuma perturbacaono escoamento. O angulo do cone de Mach e dado pelaequacao:

sin(θ) =Cs

V. (2)

Romper a barreira do som significa viajar a umavelocidade superior a do som, o que significa umnumero de Mach (em homenagem ao fısico austrıacoErnst Mach (1838-1916) estudioso dos fenomenos on-dulatorios), definido por M = V/Cs , maior que aunidade. Velocidades subsonicas tem M < 1 e su-personicas M > 1, e as que ultrapassam M > 5, saoditas hipersonicas. O numero de Mach da uma estima-tiva da quantidade de energia processada pelo choque.

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A Fig. 3 mostra o perfil de pressao se propagandoem uma unica dimensao espacial e ilustra como umaonda compressional sofre escarpamento para formaruma onda de choque. Os pontos A e B indicam a cristae o vale da onda, respectivamente. O eixo y indica aamplitude de pressao e o eixo x a distancia. No tempoto a onda e uma onda sonora nao perturbada. Se a ve-locidade do fluido e descrita por um processo adiabaticocomo Cs, e se o coeficiente adiabatico γ >1, a veloci-dade do som sera maior no ponto A(pico da onda com-pressional, onde a pressao e maior do que a frente ouatras do pico) do que no ponto B. O pico ira entaoalcancar a parte da onda a frente dele (ondas no ins-tantaneo t1 a t2) e a onda ira se escarpar, ate degenerarem uma frente de choque (t3). A onda se mantem incli-nada e muda de forma a medida que se propaga (t1 a t2),ate o fluxo se tornar nao-adiabatico. Efeitos viscosos ede conducao de calor entao se tornam importantes euma onda de forma permanente (choque) desenvolve-seno fluido, onde um balanco e atingido entre dissipacao eescarpamento. A velocidade da onda depende da ampli-tude; no caso do som, um objeto movendo-se atraves doar tem que tirar o ar do caminho; a perturbacao pro-duzida e um degrau de pressao, com a pressao maioratras da frente de onda do que na regiao nao pertur-bada ainda nao atingida pela onda [3].

Figura 3 - Ilustracao do processo de escarpamento de uma ondacompressional para formar uma onda de choque. Fonte: Adap-tado de Parks (1991).

A distorcao das formas de onda e um resultado danao linearidade das equacoes da dinamica de gas. Asrazoes fısicas para a distorcao devem-se ao fato dascristas de onda viajarem relativamente mais rapido, de-vido a maior velocidade com que se propagam atravesdo fluido (maior velocidade do som) bem como devidoao fato que elas sao carregadas para frente mais rapida-mente junto com o fluido (maior velocidade do gas). Osvales viajam relativamente mais lentamente, pois nestaregiao ambas as velocidades sao menores.

As leis de conservacao de massa, momento e ener-gia formam a base para as equacoes de um fluxo naoviscoso de um gas nao condutor e nao supoem, neces-sariamente, a continuidade das variaveis do fluxo, po-dendo ser aplicadas a regioes de fluxo onde as variaveissofrem uma mudanca descontınua. Do ponto de vista

matematico, uma descontinuidade e o caso limite degradientes muito grandes, mas finitos nas variaveis defluxo atraves de uma camada cuja espessura tende azero.

O salto de entropia de um gas comprimido por umchoque aumenta com a intensidade do choque. O au-mento na entropia indica que processos dissipativos ir-reversıveis (viscosidade, conducao de calor no fluido)ocorrem no choque. O mecanismo dissipativo controlaapenas os valores dos gradientes das variaveis de fluxona camada de transicao, mas nao afeta os saltos nes-sas quantidades entre os estados inicial e final. As on-das de choque normalmente sao de compressao; ondasde choque de rarefacao sao mais improvaveis, pois aentropia de uma substancia nao pode ser diminuıdapor processos internos apenas, sem transferencia decalor a um meio externo. Elas seriam mecanicamenteinstaveis [3, 10].

Em um gas ordinario, a informacao sobre o estadodo sistema e transmitida pela onda sonora. Ocorretransmissao de informacao atraves da perturbacao quese propaga, o pulso de pressao/onda sonora. O hori-zonte de informacao e determinado pela velocidade dosom. A perturbacao e detectada apenas dentro do hori-zonte de informacao. A onda sonora no ar e uma ondacompressiva, o que significa que a densidade aumentacom o aumento da pressao. A expressao utilizada paraa velocidade do som (Eq. 1) baseia-se em varias su-posicoes: onda de pequena amplitude - viscosidade,atrito e conducao de calor nao sao importantes; com-pressao adiabatica/isentropica; o gas segue a lei do gasideal (P = NkT ).

Uma onda de choque viaja mais rapidamente quea velocidade tıpica da informacao e muda o estado domeio atraves do qual viaja. No referencial do choque ochoque e estacionario. O lado upstream ou pre-choque eo lado de baixa entropia, no qual o gas flui no choque. Olado downtream ou pos-choque e o lado de alta entropia.No choque, processos irreversıveis comprimem o gas eCs muda. No lado pos-choque, toda perturbacao depressao pode se propagar contra o fluxo para o choque.A velocidade do som Cs independe da frequencia (istosomente e valido para ondas de pequena amplitude) ea posicao do choque e o horizonte de informacao de to-dos os comprimentos de onda ou frequencias. O choquetera sua posicao nos menores comprimentos de ondasuportaveis e tera a largura mais fina possıvel. Paraum gas ordinario, o choque e uma descontinuidade, e alargura do choque e limitada pela viscosidade e atrito,sendo de alguns livres caminhos medios colisionais ape-nas [10].

3. Propagacao de ondas em plasmas naocolisionais

No espaco interplanetario, o livre caminho medio emuito grande, uma vez que a densidade e baixa e

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Ondas de choque nao colisionais no espaco interplanetario 55

as colisoes entre partıculas sao raras. O papel napropagacao de informacoes, que num gas ordinario edesempenhado por colisoes, no plasma interplanetarioe representado pelas interacoes eletromagneticas entreas partıculas dos plasmas, interacoes Coulombianas quepermitem a formacao de choques [11].

Um plasma e uma colecao de partıculas cons-tituıda por partıculas neutras, eletrons livres e atomosou moleculas eletricamente carregados chamados ıons.O plasma e geralmente considerado o 4◦ estado damateria; em decorrencia do aquecimento, as forcas deligacao das moleculas sao modificadas quando ocorretransicao entre os estados solido, liquido, e gasoso.No caso de um gas, ao se fornecer mais calor ao sis-tema, a estrutura da camada eletronica comeca a perdersua coerencia sob o impacto de colisoes cada vez maisviolentas. Ao inves de atomos gasosos, o gas quentetem suas partes separadas, ıons e eletrons, formandoum plasma. Acredita-se que cerca de 99% da materiavisıvel do Universo esta na forma de plasma. A palavraplasma vem do grego e significa obra modelada oumoldada [3, 12].

Um plasma tambem tem grande habilidade desustentar uma imensa variedade de fenomenos ondu-latorios. Exemplos incluem ondas eletromagneticastransversais de alta frequencia e ondas de plasma ele-trostaticas. As ondas sao caracterizadas por umarelacao de dispersao, que e uma relacao funcional entrea frequencia de onda ω e o numero de onda k, e porsua polarizacao [3, 12]. A propagacao de ondas e umaimportante maneira de se obter informacoes sobre umsistema fısico.

Tres abordagens sao normalmente utilizadas parase estudar plasmas: a teoria do centro de guia ou teo-ria orbital de primeira ordem, que descreve a dinamicade uma unica partıcula na presenca de campos eletro-magneticos; a abordagem estatıstica, que trata das pro-priedades de equilıbrio e nao-equilıbrio de uma colecaode partıculas carregadas, atraves da funcao de dis-tribuicao; e a abordagem de dinamica de fluidos, naqual o plasma e tratado como um unico fluido ou comoconstituıdo por varios fluidos, com cada especie departıculas (eletrons, ıons e partıculas neutras, se pre-sentes) sendo descrita pelas equacoes de conservacaode massa, energia e momento, complementadas pelasequacoes de Maxwell.

Para descrever o vento solar, podemos usar a apro-ximacao magnetoidrodinamica (MHD), que descreve oplasma como um unico fluido e no limite de baixasfrequencias. A abordagem MHD e, portanto um ramoda mecanica dos meios contınuos que lida com o movi-mento de material eletricamente condutor na presencade campos eletromagneticos. Ela ignora a identidade departıculas individuais e considera somente o elementodo fluido. Ela ainda incorpora os efeitos que surgem domovimento de um fluido eletricamente condutor atravesde um campo magnetico. Dentro desta abordagem, as

ondas de Alfven e a magnetossonica sao as responsaveispela propagacao de informacao atraves do plasma mag-netizado [3, 12, 13].

Para um plasma como o vento solar, onde o ıon H+

tem grande predominancia (mais de 90%), juntamentecom eletrons, a abordagem mais simplificada deveriaser a de um modelo de dois fluidos. As solucoes geraisnao sao facilmente obtidas, pois os movimentos doseletrons e dos ıons estao acoplados. Entretanto, comalgumas consideracoes, e possıvel reduzir as equacoesde dois fluidos para um unico fluido, mais simples deestudar e ao mesmo tempo permitindo ainda obter in-formacoes significantes sobre o comportamento basicodo vento solar. As consideracoes feitas envolvem suporuma neutralidade macroscopica e considerar fenomenosde baixas frequencias (ou altos tempos caracterısticos).

Para tratar um plasma como um unico fluido con-dutor usam-se as variaveis macroscopicas e suas cor-respondentes equacoes de conservacao hidrodinamicas.Considerando-se apenas fenomenos de baixa frequenciaem fluidos altamente condutores imersos em camposmagneticos, a teoria de um fluido e conhecida como aaproximacao MHD. Devido ao movimento de partıculascarregadas, densidades de carga e de corrente apare-cem nas equacoes de conservacao e consequentementeas equacoes de Maxwell devem ser utilizadas para fecharo sistema de equacoes.

As equacoes de Maxwell sao utilizadas na teoriaMHD com algumas aproximacoes. Por exemplo, nao seconsidera a polarizacao e a magnetizacao da materia, enem a corrente de deslocamento. A corrente de deslo-camento pode ser negligenciada ja que a teoria MHDsupoe baixas frequencias, como veremos a seguir.

Da lei de Ampere : ∇×B = µoJ+µoεo∂E∂t , podemos

escrever, aproximadamente, que: Jd = µoεo

∣∣∂E∂t

∣∣ ≈µoεoE

τ e µoJ ≈ µoσE, onde Jd e a corrente de desloca-mento e a ultima expressao e a forma simplificada da leide Ohm (ver mais adiante). Comparando as ordens degrandeza destes dois termos e considerando τ uma es-cala de tempo caracterıstica temos: Jd

J ≈ µoεoEτµoσE ≈ εo

στ .Como a suposicao para fluidos MHD e que a condutivi-dade eletrica e muito grande e εo = 10−11 Faraday/m,tem-se que, no limite de baixa frequencia (tempos lon-gos), Jd ¿ J . Considera-se ainda que a neutralidademacroscopica e mantida e entao a densidade de cargaseletricas lıquida e zero.

A forma mais geral da lei de Ohm e ([12], p. 233):

m

ne2

∂J∂t

− 1ne∇ · Pe =

E + V×B− 1ne

J×B− 1σJ,

sendo que o 2◦ termo do lado esquerdo desta equacaoe o divergente da pressao de plasma de eletrons. Ouso desta equacao na aproximacao MHD considera asseguintes aproximacoes: todas as derivadas temporais

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sao negligenciavelmente pequenas (variacoes lentas), oplasma e um plasma frio (∇ · P e = 0) e o efeito Hall(2◦ termo da direita) e negligenciavel. Com isto, a leide Ohm toma a forma:

J = σ(E + V×B). (3)

Assim, as equacoes basicas utilizadas na teoriaMHD (no sistema MKS) sao [12]:a equacao da continuidade,

∂ρ

∂t+∇ · ρV = 0, (4)

a equacao do movimento,

ρD

DtUV = J×B−∇p, (5)

as equacoes simplificadas de Maxwell,

∇×E = −∂B∂t

, (6)

∇×B = µ0J, (7)

e a lei de Ohm em sua forma simplificada:

J = σ(E + V×B). (8)

Para completar o sistema deve-se ainda incluir umaequacao para a conservacao de energia [12, 14], dadapor:

D

Dt

(32p

)+

32p∇ ·V +∇ · q + (P · ∇) ·V =

J ·E−V · (J×B)− ρqV ·E,

onde o 1◦ termo da esquerda representa a taxa totalde variacao da densidade de energia termica no plasmaem um referencial movendo-se com velocidade globalV ; o 2◦ termo representa a energia termica transferidaao volume devido ao movimento das partıculas e quecontrola a taxa de variacao da densidade de energiatermica; o 3◦ termo da esquerda representa o fluxo decalor e o 4◦ termo representa o trabalho feito sobre oelemento de volume pelas forcas de pressao (normal etangencial). Os termos do lado direito representam: o1◦, o trabalho feito no elemento de volume pelo campoeletrico do referencial que se move com velocidade V eo 2◦ e 3◦ termos a densidade de corrente de carga deconveccao e conducao, respectivamente. A conveccao edevida ao fluxo de carga espacial com velocidade V e aconducao e devida a densidade de corrente de carga noreferencial com velocidade global V .

Muitos tratamentos evitam introduzir a conservacaode energia explicitamente e ao inves disso, utilizamuma equacao adicional para a hipotese de que nao havariacao na entropia de um elemento de fluido enquantoele se move atraves do sistema. Isto significa considerara equacao de estado adiabatico [13]: d

dt (pρ−γ) = 0.

Na Eq. (8) e possıvel fazer uma outra aproximacao;ao considerar-se que o fluido tem condutividade infinita(teoria MHD ideal), a lei de Ohm simplifica-se para:

E + V×B = 0. (9)

A partir do rotacional da Eq. (8) e usando-se asEqs. (6) e (7), obtem-se uma equacao que descreveas variacoes espaciais e temporais do campo magnetico[12]

∂B∂t

= ~∇× (V×B) +1

µ0σ0∇2B. (10)

Na Eq. (10), o primeiro termo do lado direito e otermo de fluxo ou de conveccao e o segundo e o termode difusao. A razao entre os dois termos e chamada denumero de Reynolds magnetico (Rm = V L/ηm, ηm =1/(µ0σ0) ), onde L e o comprimento caracterıstico dasvariacoes espaciais. Quando Rm À 1, o termo de di-fusao pode ser ignorado e o resultado e que plasma elinhas de campo magnetico se movem juntos, levandoao fenomeno conhecido como congelamento das linhasde campo. A partir da Eq. (10), considerando ape-nas o termo de fluxo, pode-se fazer um paralelo entrea mesma e a equacao da vorticidade para um fluido or-dinario, sem viscosidade e homogeneo. A equacao davorticidade leva ao teorema de Kelvin-Helmholtz ([15],que para fluidos magnetizados poderia ser enunciadocomo [3]:

- O fluxo de um campo magnetico atraves de qual-quer contorno fechado movendo-se com o fluido e cons-tante.

- Os elementos de fluido que estao sobre uma linhade campo magnetico permanecerao na mesma linha decampo.

Isto significa que o fluxo magnetico atraves de qual-quer contorno arbitrario movendo-se com o fluido econstante no tempo, dΦ

dt = 0. Esta limitacao implica emque os tubos de fluxo individuais devem se mover exa-tamente junto com o fluido, desde que qualquer movi-mento relativo entre os tubos de fluxo e o fluido violaraa condicao de conservacao de fluxo magnetico. Tambemimplica em que dois sistemas de plasma diferentes naopoderao se misturar e serao separados por uma fron-teira que apresentara uma lamina de corrente.

Num gas ordinario, a estabilidade de um choqueocorre devido ao balanco entre o escarpamento da ondae a viscosidade do meio. Numa onda sonora, a regiaomais densa alcanca a regiao de ar mais lento a frente; aonda cresce e se torna tao ıngreme que atinge o ponto devirar (emborcar, ou quebrar). No entanto, o transportede momento por moleculas individuais do gas atravesde colisoes das moleculas mais rapidas com as maislentas traz a parte mais lenta do gas a velocidade daonda. A viscosidade molecular e mais eficiente quandoa espessura da frente de choque e da ordem do livrecaminho medio de colisoes. Nessa espessura, o escarpa-mento e a viscosidade se balancam, formando ondas de

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Ondas de choque nao colisionais no espaco interplanetario 57

choque estacionarias, as quais apresentam uma variacaoem forma de degrau na velocidade, densidade e pressaodo gas.

Em um plasma sem colisoes algum outro processodeve contrabalancar o escarpamento. Este processo e adispersao de ondas e a acao de campos eletromagneticos[11]. A teoria MHD, no entanto, nao inclui efeitoscineticos (efeitos de partıculas individuais). Ela naopode nos dizer como a dissipacao num choque se origi-na ou qual sera a estrutura de um choque. Porem, ateoria MHD e bem adequada para descrever as quan-tidades macroscopicas do plasma nas regioes pre e poschoque (upstream e downstream).

Enquanto na dinamica de gases ordinarios existeapenas uma velocidade caracterıstica do meio, a veloci-dade do som, e consequentemente apenas um tipo deonda de choque, a sonica, em um plasma a situacao emais complicada. Na teoria MHD existem tres veloci-dades caracterısticas: a velocidade do som, a veloci-dade de Alfven e a velocidade magnetossonica. Con-sequentemente, havera varios tipos de choques MHD:choques rapidos, choques do tipo lento e tres catego-rias de choques do tipo intermediario, dependendo davelocidade da superfıcie do choque relativa a outras ve-locidades caracterısticas.

4. Equacoes de Rankine-Hugoniot

Todos os tipos de choque e todos os tipos de superfıciesdescontınuas em um fluido MHD devem satisfazer asrelacoes fısicas fundamentais chamadas de equacoes deRankine-Hugoniot. Elas sao as equacoes fundamentaispara o caso de uma superfıcie plana de descontinuidadeatraves da qual ha um salto nos campos fısicos do ladopre-choque, doravante indicados pelo sub-ındice 1, parao lado pos-choque, indicados pelo sub-ındice 2. Paraobter as equacoes que descrevem o salto nas quanti-dades fısicas, supoe-se que o campo, em cada um doslados do choque, e constante e entao as mudancas ocor-rem somente na estreita regiao do choque em si. Asquantidades escalares basicas sao a densidade de massaρ e a pressao total P (isotropica). As quantidades veto-riais basicas sao a velocidade do vento solar v e o campomagnetico B. Os componentes dos campos vetoriais aolongo da normal ao choque, n, sao denotados pelo subs-crito n e os componentes perpendiculares a normal aochoque, ou seja, tangenciais a superfıcie do choque, saodenotados pelo subscrito t [3, 16].

As equacoes de Rankine-Hugoniot para uma descon-tinuidade MHD estabelecem uma relacao entre as quan-tidades pre e pos choque, relativas a um referencial comorigem na superfıcie fixa ou movel de descontinuidade.A partir da equacao da conservacao de massa obtem-se:

ρ1v1n = ρ2v2n. (11)

Da equacao da conservacao de fluxo de momento

tem-se, para a direcao normal a superfıcie de choque:

ρ1v21n + P1 +

B21

2µ0= ρ2v

22n + P2 +

B22

2µ0, (12)

e para a componente tangencial a superfıcie do choque:

ρ1v1nv1t +BnB1t

µ0= ρ2v2nv2t +

BnB2t

µ0. (13)

A conservacao de energia e representada por:

(ρ1v

21

2+

5P1

2+

B21t

µ0

)v1n − BnB1tv1t

µ0=

(ρ2v

22

2+

5P2

2+

B22t

µ0

)v2n − BnB2tv2t

µ0, (14)

enquanto a conservacao do fluxo magnetico e dada por:

B1n = B2n = Bn. (15)A partir da Eq. (6), com a suposicao que ∂B

∂t = 0,tem-se que a componente tangencial do campo eletricodeve ser contınua. Fazendo uso da Eq. (9), obtem-se:

Bn(v1t − v2t) = B1tv1n −B2tv2n. (16)Se um choque esta se movendo radialmente para

longe do Sol com velocidade V relativamente ao Sol ese as velocidades nos lados pre e pos-choque sao radiaise dadas por v1 e v2, respectivamente, entao v1n = v1−Ve v2n = v2 − V . E possıvel entao, a partir da equacaoda conservacao de massa, obter a velocidade do choque,Vs, em termos da densidade e velocidade medidas poruma unica espaconave atraves de [10]:

VS =N2v2 −N1v1

N2 −N1, (17)

onde N2 e N1sao as densidades de plasma nos lados pose pre-choque. A Eq. (17) e util para estimar a veloci-dade dos choques, mas e preciso lembrar que se consi-deram movimentos puramente radiais em sua deriva-cao [16].

5. Outras equacoes importantes

Na descricao do plasma como um fluido, a definicao depressao de gas ideal pode ser aplicada, e a conservacaode momento pode ser expressa como um balanco depressao. A pressao termica do plasma, no caso do ventosolar considerando apenas protons, e calculada como:

pT = kNpTp, (18)onde k e a constante de Boltzmann e Np e Tp sao a den-sidade numerica e a temperatura de protons, respecti-vamente. A pressao magnetica e definida em termos docampo magnetico total e e dada por:

pM =B2

2µ0. (19)

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58 Echer et al.

O fluxo de momento de plasma ou pressao dinamicae obtido das equacoes de fluido que descrevem a con-servacao de momento, sendo definido como (ainda con-siderando apenas os protons):

pdin = mpNpV2p . (20)

Define-se o numero de Mach para um choque inter-planetario, como a razao entre a velocidade relativa en-tre o choque e o vento solar e a velocidade caracterısticado meio (magnetossonica ou Alfvenica). Para calcular

o numero de Mach Alfvenico e o magnetossonico doschoques estudados, primeiramente e preciso calcular asvelocidades caracterısticas do meio. A velocidade dosom e dada pela Eq. (1). A velocidade de Alfven edada por:

VA =B1√µoρ1

, (21)

onde B1 e campo magnetico e ρ1 a densidade de massado plasma medidos no lado pre-choque. A velocidadede onda magnetossonica e dada por:

c

VMS =(

(1/2) · (V 2A + C2

S)±((

V 2A + C2

S

)2 − 4 · C2S · V 2

A · cos2(α))1/2

)1/2

. (22)

d

Para obter-se a velocidade magnetossonica do modorapido, utiliza-se apenas a solucao com sinal positivo(superior) da Eq. (22). O angulo α e o angulo entrea direcao de propagacao da onda e o campo magneticoambiente. Para o caso da onda magnetossonica, quandoa mesma sofre escarpamento e forma uma frente dechoque, α sera o angulo entre a normal ao choque eo campo magnetico B1, obtido a partir da regra doproduto escalar:

B1 · n = |B1| |n| cos(α). (23)

Para qualquer tipo de onda de choque, sendo estauma superfıcie, havera uma normal unitaria n, que sesupoe apontar para a regiao pre-choque, a de menorentropia. De acordo com o valor do angulo α entren e o campo magnetico ambiente B1, os choques re-cebem uma classificacao. Se α = 90◦, o choque edo tipo perpendicular, e se 45◦ < α < 90◦ ele e ditoquase-perpendicular. Se α = 0◦, o choque e chamadoparalelo e se 0◦ < α < 45◦, e quase-paralelo. No ventosolar nao ha predominancia de nenhum dos tipos dechoques, apresentando-se os mesmos com angulos in-termediarios que variam entre 0◦ e 90◦ e chamados dechoques oblıquos [3, 10, 16].

Teoricamente, pode-se calcular a normal ao choquen a partir de observacoes de campo magnetico em umaunica espaconave usando o teorema da coplanaridademagnetica, que estabelece que B1, B2 e n estao em ummesmo plano [16, 17], e com isto tem-se:

n =(B1 ×B2)× (B2 −B1)|(B1 ×B2)× (B2 −B1)| . (24)

Esta expressao mais simples pode ser usada comprecisao se o choque nao for paralelo ou quase-paralelo.Expressoes mais complexas para o calculo da normal aochoque podem ser encontradas na literatura [17].

O numero de Mach Alfvenico e uma medida darazao entre as energias cinetica e magnetica do plasma.

O numero de Mach Alfvenico, MA, e calculado comoa razao entre a velocidade diferencial do choque emrelacao a velocidade do vento solar no lado pre-choquee a velocidade Alfvenica, ou seja,

MA =|Vs − u1|

VA. (25)

O numero de Mach magnetossonico, MMS , e simi-larmente calculado por:

MMS =|Vs − u1|

VMS. (26)

Uma caracterıstica identificadora de um choque eque ele se propaga relativamente ao meio ambiente,entao havera um fluxo de massa atraves da superfıcie.(Isto nao sera uma condicao suficiente para identificarum choque, uma vez que descontinuidades rotacionaise outras ondas nao lineares se propagam relativamenteao meio ambiente, mas elas nao sao choques). Umasegunda condicao necessaria para caracterizar a exis-tencia de um choque e a de que haja um aumento naentropia atraves da superfıcie propagante. Um aumentona energia termica ocorre as custas da diminuicao naenergia cinetica.

6. Choques no vento solar

A possıvel existencia e a importancia de ondas dechoque no espaco interplanetario foram reconhecidasquase ao mesmo tempo em que o proprio vento solarfoi descoberto [18]. Sonett et al. [8] primeiramenteidentificaram um choque nos dados de plasma e campomagnetico obtidos pela sonda Mariner II. Gold [19] pre-disse que perturbacoes de onda de choque se iniciariamcom a ejecao de material de regioes solares onde estru-turas de campo magnetico fechado normalmente res-tringiriam o gas de se expandir. Parker [20] sugeriu quea repentina liberacao de energia em uma explosao solar

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Ondas de choque nao colisionais no espaco interplanetario 59

(solar flare) poderia aumentar a taxa de expansao departe da coroa solar ja previamente em expansao, istoe, previamente aberta magneticamente ao espaco inter-planetario. Este tipo de onda de explosao nao precisariade injecao de novo material solar e fluxo magnetico.

Evidencias experimentais obtidas a partir de mea-dos dos anos 1960s mostraram que Gold estava cor-reto [18]. Se massa solar e realmente ejetada, agindoentao como um pistao impulsionando a onda de choquea frente no plasma ambiente, seria esperado que, porcausa de suas diferentes fontes no Sol, o gas ambientecomprimido pelo choque e o gas do pistao poderiamdiferir com relacao a sua composicao ionica e a seusestados de ionizacao. Esses dois gases poderiam estarseparados um do outro por uma descontinuidade tan-gencial [16].

As observacoes de ondas de choque interplanetarioe suas relacoes com causa e efeito despertam espe-cial interesse a comunidade da ciencia espacial ha maisde tres decadas [11, 18, 21-28]. As caracterısticasgerais de interesse dos choques incluem: intensidadedo numero de Mach, carater (rapido, lento ou in-termediario), obliquidade (paralelo, perpendicular, ouoblıquo, dependendo do angulo entre a direcao docampo magnetico na regiao pre-choque e a normal asuperfıcie do choque), sentido de propagacao (frontalou reverso, i.e, o choque esta se afastando ou se aproxi-mando do Sol no sistema de referencia do vento solar).Alem disso e de interesse associar ao choque uma causaou origem. Por exemplo, uma ejecao de massa coro-nal (EMC) ou nuvem magnetica (NM) pode agir comoum indutor do choque, o mesmo valendo para uma ex-plosao transiente de plasma no Sol, ou para um feixede vento solar impingindo em outros, neste ultimo casocausando, frequentemente, uma geometria de choquecorrotante. Os remanescentes de EMC ao se propa-garem pelo vento solar sao comumente chamadas deejecoes de massa coronal interplanetarias (EMCIs), es-tas tambem agindo como propulsores de choques inter-planetarios. As NMs sao um subconjunto das EMCIscom caracterısticas bem definidas quando observadasproximas a Terra.

Os tipos mais comuns de choques no vento solar em1 UA sao os frontais rapidos, mas muitos choques lentosforam encontrados nos dados da espaconave WIND [29].Em geral, de acordo com a velocidade de propagacao(lenta ou rapida) e com o sentido de propagacao (frontalou reversa), 4 sao os tipos de choque mais comumenteencontrados: frontais rapidos, reversos rapidos, frontaislentos e reversos lentos. A Fig. 4 mostra sinais idea-lizados das caracterısticas destes 4 tipos de choquesoblıquos, esquematicamente, em termos das mudancasdos parametros fısicos atraves da rampa do choque: adensidade de protons do plasma (Np) do vento solar,a temperatura de protons (Tp), a velocidade do ventosolar (Vsw) e a magnitude do campo magnetico B, doponto de vista da espaconave observadora.

Figura 4 - Perfis da variacao relativa, no sistema de referenciada espaconave, dos parametros do vento solar Tp, Np, B e Vsw

atraves de choques frontais e reversos dos tipos rapido e lento.Fonte: Adaptado de Echer et al. (2003).

A maioria dos choques e do tipo frontal rapido,sendo normalmente identificados como saltos abruptose positivos nos parametros de plasma Np, Tp, Vsw eB (Fig. 4, canto superior a esquerda). Em alguns ca-sos, proximo a 1 UA, observam-se choques de modo re-verso rapido, principalmente seguindo choques frontaispor algumas horas. Pares de choques frontal-reversofrequentemente desenvolvem-se alem de 1 UA, ao longodas bordas de regioes de interacao entre feixes rapidose lentos do vento solar corrotando com o Sol [16].

Choques frontais lentos apresentam saltos positivos(os valores medios dos parametros crescem atraves doschoques) em Vsw, Tp e Np, mas negativos (os va-lores medios decrescem atraves dos choques) em B(Fig. 4, canto superior a direita), porque ondas mag-netossonicas do modo lento tem variacoes de densidadede plasma e campo magnetico anticorrelacionadas [30].Choques reversos apresentam saltos positivos em Vsw,pois o vento solar esta arrastando o choque. Tanto parachoques reversos lentos quanto para choques do tiporapido Np e Tp tem saltos negativos. Para choques re-versos rapidos, B apresenta saltos negativos, enquantopara choques reversos lentos B apresenta saltos posi-tivos, anticorrelacionados ao salto na densidade deplasma [3, 30]. Todavia, essas variacoes sao observadasnum sistema de referencia fixo na sonda interplanetaria.No sistema de referencia do choque, as variacoes seguema conservacao do fluxo: o choque comprime o plasma,aquecendo-o, e devido a conservacao do fluxo, a veloci-dade do vento solar relativamente ao choque decresce.

A Fig. 5 ilustra o plano do choque e de como variamos vetores B e V no lado pre-choque (1) e pos-choque(2) para choques perpendiculares rapidos (a), parale-los rapidos (b), oblıquos rapidos (c) e lentos, do tipofrontal. Um choque perpendicular rapido tem o campomagnetico perpendicular a normal ao choque tanto no

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60 Echer et al.

lado pre-choque como no lado pos-choque. Entao ocomponente normal a frente de choque e Bn = 0. Aunica onda que se propaga perpendicularmente a B ea onda magnetossonica. O fluxo tem uma velocidademaior do que a da onda magnetossonica no lado pre-choque e uma velocidade menor do que a da onda mag-netossonica no lado pos-choque. O choque se propagasupermagnetossonicamente. Para um choque perpen-dicular, das equacoes de RH obtem-se que B1

ρ1= B2

ρ2,

o que significa que a direcao do campo magnetico naomuda atraves de um choque perpendicular. Tambem aseguinte relacao deve ser satisfeita: B2

B1= ρ2

ρ1, ou seja, o

salto na densidade e na magnitude do campo magneticosao iguais.

Figura 5 - Ilustracao de como variam as quantidades fısicas, Be V atraves dos choques (a) perpendicular rapido, (b) paralelorapido, (c) oblıquo rapido e (d) lento. As regioes 1 e 2 referem-seas regioes pre e pos-choque, respectivamente. Fonte: adaptadade http://lepmfi.gsfc.nasa.gov/mfi/ip descr.html; acesso em 15de junho de 2005.

Um choque paralelo e um choque MHD rapido cujanormal e paralela a B1 (Fig. 5b). Entao B = Bnn, oqual e o mesmo em ambos os lados do choque, ou seja,nem a direcao nem a magnitude do campo magneticomudam atraves de um choque paralelo. Diferente dochoque perpendicular, para o qual so ha uma velocidadecaracterıstica no lado pre-choque, a velocidade magne-tossonica, para um choque paralelo ha duas velocidadecaracterısticas, a velocidade do som e a velocidade deAlfven. Se a velocidade do som for maior que a veloci-dade Alfvenica a frente do choque, entao a velocidadedo som e dominante e o choque tem uma dinamica simi-lar aquela dos gases ordinarios, com o gas entrando mais

rapido que a velocidade do som e saindo mais lento quea velocidade do som. O fluxo e super-Alfvenico em am-bos os lados do choque, e a velocidade do som e maiorque a velocidade de Alfven em ambos os lados.

Se a velocidade de Alfven for maior que a veloci-dade do som a frente do choque, havera tres possibi-lidades. Um choque paralelo com gas entrando super-Alfvenicamente e saindo sub-Alfvenicamente, provavel-mente nao ocorre na natureza [16]. Um choqueparalelo com gas entrando supersonicamente e super-Alfvenicamente e saindo subalfvenicamente, mas aindasupersonicamente e permitido. O gas ainda poderiaser supersonico e sub-Alfvenico na regiao pre-choquee subsonico e sub ou super-Alfvenico na regiao pos-choque.

A maioria dos choques no vento solar nao e nem dostipos puramente paralelo ou puramente perpendicular.Eles sao oblıquos, o que significa que o angulo entrea direcao do campo magnetico na regiao pre-choquee a normal ao choque nao e nem proximo a 90◦ nemproximo a 0◦. Para um choque obliquo, Bn e Bt naosao nulos. Os dados observados, referentes a um choqueobliquo rapido frontal, mostram um sinal com aumentona velocidade, densidade, temperatura e magnitude docampo magnetico e uma mudanca nos tres componentesdos vetores campo magnetico e da velocidade.

Se as bordas laterais da frente de choque passam poruma espaconave, pode ocorrer que nenhum sinal do gasindutor ejetado do Sol seja detectado, devido a menorextensao espacial da ejecao; isto explica porque emmuitos eventos se detecta a frente de choque proximo aTerra, mas nao a ejecao propriamente dita [18].

Gosling [25], no seu estudo do perıodo 1979-1982,concluiu que em cerca de metade de todos os eventosde choques detectados a 1 UA a Terra nao encontraa EMCI diretamente, presumivelmente porque a per-turbacao de choque tıpica e mais larga do que a EMCIque a induz; e cerca de metade das EMCIs, distinguidaspor eventos de contra-fluxo de eletrons, nao tem ve-locidade alta o suficiente, relativamente ao vento so-lar ambiente, para induzir choques. Deve-se considerarainda que um indutor de choque possui varios sinais ca-racterısticos, nem todos facilmente identificados, sendonecessario analisar a presenca de varios sinais carac-terısticos para identificar ou nao o indutor [31]. Paraum indutor de choque ser observado, ele deve se esten-der em longitude sobre pelo menos a separacao angularentre a fonte solar e a Terra.

7. Tipos de choques no sistema solar

A medida que a coroa solar se expande no espaco, a suavelocidade de expansao aumenta e se torna supersonica.A partir deste ponto, muito similarmente ao choque quese desenvolve quando um jato supersonico quebra a bar-reira do som na atmosfera, um choque em arco ou frentede choque se forma na frente dos planetas (o planeta e

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Ondas de choque nao colisionais no espaco interplanetario 61

supersonico no referencial do vento solar). O numerode Mach do vento solar tem valores tipicamente entre 5a 10. A Fig. 1, alem de mostrar esquematicamente asregioes da magnetosfera, apresenta um esquema simpli-ficado da formacao de uma frente de choque planetariadevido a interacao do campo magnetico do planeta como vento solar supersonico e magnetizado.

O vento solar supersonico e defletido, desaceleradoe comprimido atraves da frente de choque planetaria,aparecendo na regiao entre a frente de choque e a mag-netopausa como a bainha magnetica (veja a Fig. 1).A magnetosfera e a regiao do espaco dentro da qualo comportamento do plasma e controlado pelo campomagnetico da Terra (magnetosfera terrestre) ou de umplaneta. A interacao do campo magnetico planetariocom o vento solar magnetizado induz correntes degrande escala que praticamente confinam o campoplanetario dentro da magnetosfera. Essa corrente degrande escala flui na fronteira entre os dois regimes deplasma, conhecida como magnetopausa (veja Fig. 1)[13, 16].

A frente de choque desacelera o vento solar para ve-locidades subsonicas, tal que o vento solar possa fluirao redor da magnetosfera. A frente de choque tem umaforma curva, simetrica em relacao a linha Terra-Sol,proxima a um paraboloide de revolucao. A posicao donariz da frente de choque (a parte mais proxima aoSol) dista da Terra cerca de 14 raios terrestres (RT ).Esta posicao depende da pressao dinamica (fluxo demomento) do vento solar. Todos os planetas com mag-netosfera ou ionosfera apresentam frentes de choqueplanetarias [1, 3].

Choques ocorrem na atmosfera solar (a coroa) du-rante erupcoes solares (solar flares) e outros eventos so-lares ativos. Em baixas latitudes heliograficas, cerca de1/3 de todas as EMCs induzem perturbacoes de ondasde choque transiente no vento solar por causa de suaalta velocidade relativa ao vento solar ambiente [25].Quando a velocidade relativa entre as EMCIs e o ventosolar ambiente e superior a velocidade magnetossonicado modo rapido, uma onda de choque do modo rapidose forma a frente da EMCI.

A Fig. 6 apresenta um esquema de uma EMCI pro-duzindo um choque rapido frontal. As duas regioesonde a ocorrencia de campo magnetico interplanetariosul intenso e possıvel, a regiao da bainha e a regiaopos-choque pos-choque, bem como a presenca de umanuvem magnetica na propria EMCI, sao vistas na ilus-tracao. Duas trajetorias possıveis de cruzamentos desatelites com a estrutura tambem sao mostradas: T1,para o caso em que o satelite passa pela EMCI, con-seguindo medir todas as suas caracterısticas, e T2,quando o satelite nao detecta a EMCI, apenas o choque.A parte primaria da EMCI pode conter uma estruturade nuvem magnetica.

Figura 6 - Exemplo de uma onda de choque transiente induzidapelo remanescente interplanetario de uma ejecao de massa coro-nal. Intenso campo magnetico interplanetario para o sul e en-contrado na regiao denominada de bainha, durante o maximosolar. T1 e T2 representam duas possıveis trajetorias de satelitesatraves da estrutura interplanetaria. Fonte: adaptada de Gonza-lez et al. (1999).

Uma nuvem magnetica e uma regiao de camposmagneticos intensos e lentamente variantes, com beta(razao entre a pressao termica do gas e a pressaomagnetica) de plasma e temperatura de protons muitobaixos [16]. O campo magnetico frequentemente apre-senta uma rotacao de direcao, e forma um gigantescotubo de fluxo (flux rope) formado por correntes ali-nhadas ao campo. A frente de choque tem uma maiorabertura em area do que a EMCI que a induz e muitasvezes a espaconave somente observa a onda de choque,nao medindo os sinais da EMCI propriamente [18]. Ovento solar atras da frente de choque, na regiao denomi-nada de bainha na Fig. 6, e comprimido e aquecido;esta regiao da bainha apresenta um comportamento docampo magnetico e do plasma altamente turbulento.

A expansao coronal que forma o vento solar e naouniforme porque ela e modulada pelo campo magneticocomplexo do Sol. Fluxos de alta velocidade no ventoquiescente (nao transiente) geralmente originam-se emburacos coronais, regioes onde o campo magnetico so-lar e aberto (no sentido de que se estende a grandesdistancias no sistema solar), sendo, portanto de baixadensidade, aparecendo como regioes escuras em ima-gens de raios X da atmosfera solar. No plano da orbitada Terra (plano da eclıptica) os feixes rapidos do ventosolar decorrem de buracos coronais que se estendempara o equador dos polos magneticos do Sol. Por outrolado, fluxos de baixa velocidade tendem a se origi-nar dentro das regioes de linhas de campo magneticofechadas denominadas de serpentinas coronais (coro-nal streamers). Estas regioes sao relativamente densas

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e se estendem sobre as linhas neutras magneticas naatmosfera solar. A rotacao solar faz com que os feixesde alta e baixa velocidade interajam um com outro noespaco interplanetario a baixas latitudes heliograficas,produzindo estruturas compressivas de grande escalaque corrotam com o Sol. O padrao de expansao coronalvaria com o ciclo solar de 11 anos. As mais dramaticasmudancas na expansao coronal ocorrem durante asejecoes de massa coronal (EMCs) nas quais o mate-rial solar de regioes de linhas magneticas fechadas naatmosfera solar, nao participando previamente da ex-pansao do vento solar, e expelido para o espaco inter-planetario [3].

O vento solar tem feixes de alta e baixa velocidade,originarios de diferentes regioes no Sol. Choques podemse formar na interface onde um feixe lento e alcancadopor um feixe rapido. A expansao coronal acoplada coma rotacao solar faz com que fluxos de diferentes ve-locidades se tornem radialmente alinhados em baixaslatitudes heliograficas. Feixes de alta velocidade se in-clinam com a distancia heliografica, pois as cristas defeixes rapidos oriundos do Sol viajam mais rapidamentedo que as depressoes entre os feixes. O escarpamentode feixes do vento solar produz um acumulo de pressaona borda dianteira de um feixe, a qual age resistindoao escarpamento do feixe, acelerando o plasma lento afrente do feixe e desacelerando o plasma rapido den-tro do feixe. Por este processo, feixes rapidos sao de-sacelerados com a distancia crescente em relacao ao Sol.Quando a amplitude de velocidade do feixe e maior quecerca de duas vezes a velocidade de modo rapido, umpar de choques se forma nas fronteiras dianteira e tra-seira da regiao de interacao de alta pressao. O choquefrontal propaga-se na regiao de plasma de baixa veloci-dade e o choque reverso se propaga na regiao de plasmade alta velocidade. Como o estado de evolucao de umfeixe rapido e uma funcao da longitude solar, a regiao deinteracao e suas ondas limitadoras sao mais ou menosalinhadas com a espiral de Arquimedes no plano equa-torial solar e parecem co-rotacionar com o Sol [10].

A Fig. 7 apresenta um esquema de uma regiaode interacao corrotante (RIC) limitada por um par dechoques frontal e reverso. Estas RICs se desenvolvemtotalmente na maioria dos casos entre 1.5-2 UA. Namaioria das vezes, proximo a Terra (1 UA), as RICnao apresentam choques, sendo limitadas por ondasfrontal e reversa. E mais comum observar-se choquesreversos associados com RICs em 1 UA do que choquesfrontais [32].

8. Parametros de choques interplane-tarios

Utilizando-se as relacoes de RH, a variacao dosparametros do vento solar atraves dos choques podeser determinada. Outros parametros derivados tambempodem ser obtidos, conforme as equacoes apresentadas

nas sessoes 3 e 4. O tipo mais comum de choque obser-vado proximo a orbita da Terra e o transiente, frontalrapido, induzido por EMCIs. Em trabalhos recentes,uma metodologia foi desenvolvida e tem sido aplicadapara o calculo dos parametros dos choques a partir dedados do vento solar [27, 28].

Figura 7 - Exemplo de um par de ondas de choque frontal-reversoformado pela interacao de feixes rapido-lento numa regiao de in-teracao corrotante. Fonte: adaptada de Gonzalez et al. (1999).

Os parametros medidos no vento solar sao, em geral,a densidade numerica e a velocidade do vento solar, aintensidade do campo magnetico e suas componentes ea temperatura. A variacao destes parametros e apre-sentada em funcao do tempo. Na metodologia para de-terminar o salto dos parametros do vento solar atravesdos choques, tres janelas temporais foram definidas.Uma janela temporal de 10 min foi definida centradana rampa de salto dos parametros. Outras duas janelastambem foram definidas, imediatamente antes e depoisdo choque, de 10 min de duracao. Essas janelas cor-respondem aos lados pre e pos-choque. Parametrosmedios dos choques foram calculados para ambos os la-dos e a diferenca entre as medias obtidas e considerada avariacao de um parametro especifico atraves do choque(∆X). Um criterio de intervalo de tempo semelhantepara determinar os parametros de choque foi utilizadopor Jurac et al. [26]. Esta variacao de parametros foiutilizada para estabelecer correlacoes com a atividadegeomagnetica, como um indicador da intensidade dochoque.

A Fig. 8 apresenta um exemplo de observacao de umchoque interplanetario transiente, do tipo frontal rapidoidentificado utilizando-se os dados de alta resolucao dasonda ACE para 11 de janeiro de 2000. Os paineisrepresentam, de cima para baixo, temperatura, veloci-dade, densidade de proton e campo magnetico total,em funcao da hora universal. Tres janelas temporais

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de 10 min sao identificadas, a do lado upstream (U) oupre-choque, a do choque propriamente dita (C) e a dolado downstream (D) ou pos-choque, delimitadas pelaslinhas tracejadas. A linha contınua indica o choque.

Os parametros medios do vento solar para este

choque e os parametros derivados sao apresentados naTabela 1. Nesta tabela, os subscritos 1 e 2 indicam ovalor medio dos parametros nos lados pre e pos-choque,calculados nas janelas U e D.

c

Tabela 1 - Parametros dos choques - Medias nos lados pre e pos-choque e saltos atraves dos choques; rN (rB) representa a razao entreas densidades (intensidades do campo magnetico) nas regioes pre e pos-choque.

Np1 Vsw1 Tp1 B1 Np2 Vsw2 Tp2 B2

12,5 cm−3 423 km/s 126×103 K 15 nT 22 cm−3 487 km/s 208×103 K 21 nTPdin1 Pdin2 rN rB ∆Np ∆Vsw ∆Tp ∆B3,7 nPa 8,7 nPa 1,8 1,4 10 cm−3 64 km/s 82×103 K 7 nTUs VA1 Cs1 MA u1 θBn Vms1 Mms

564 km/s 90 km/s 42 km/s 1,57 141 km/s 86◦ 122 km/s 1,16

d

Figura 8 - Exemplo de observacao de um choque interplanetariofrontal rapido com dados de alta resolucao utilizados neste tra-balho. O choque ocorreu proximo as 14 h UT do dia 11 de janeirode 2000. As tres janelas utilizadas para definir o choque e osparametros antes e depois do choque estao indicadas pelas linhastracejadas: U (upstream), C (choque) e D (downstream). A linhacontınua indica o choque.

O choque ocorreu as 13:40 UT do dia 11 de janeirode 2000. A compressao do plasma e do campomagnetico foi de um fator de 1,8 e de 1,4, respecti-vamente. O choque foi de intensidade moderada, comnumero de Mach magnetossonico de 1,16. O choque edo tipo (quase) perpendicular, com angulo de 86◦ en-tre a normal ao choque e o campo magnetico do ladopre-choque.

9. Geoefetividade de ondas de choque

As estruturas interplanetarias podem ser geoefetivas,isto e, quando elas interagem com a magnetosfera daTerra podem causar tempestades magneticas, especial-mente se um componente intenso para o sul e de longaduracao do campo magnetico estiver presente. Comoas ondas de choque tem uma maior extensao espacialdo que as estruturas interplanetarias que as induzem,e comum que espaconaves proximas a orbita da Terraobservem apenas o choque e nao a ejecao que o impul-siona ou induz (driver gas). Entretanto, o choque perse pode ter efeitos geoefetivos, especialmente impulsossubitos e ondas MHD/micropulsacoes dentro da mag-netosfera terrestre [33, 34].

A Fig. 9 apresenta a resposta magnetosferica de im-pulso subito devido a compressao causada pelo choquede 11 de janeiro de 2000. O painel superior ilustra apressao dinamica do vento solar (considerando apenas adensidade de protons) e o painel inferior indica o ındicegeomagnetico SYM-H (medido em nT ). Este ındice ea versao em alta resolucao, de 1 min, do ındice Dst dacorrente de anel. Este ındice e calculado como o desvioem relacao a variacao do campo magnetico de epocasmagneticamente calmas, do componente H (horizon-tal) do campo geomagnetico medido em observatoriosde baixa latitude. Esta variacao e uma perturbacaonegativa no componente H do campo magnetico cau-sada por uma corrente intensificada para oeste durantetempestades magneticas, que circunda a Terra entre 4-6raios terrestres. Esta corrente e causada por ıons ener-geticos (entre ∼20-300 keV) injetados e acelerados du-rante tempestades magneticas [33, 35]. Alem de medira intensidade da corrente de anel, como perturbacoesnegativas, o ındice SYM-H tambem pode medir a inten-sidade da corrente Chapman-Ferraro que flui na magne-topausa (interface entre o plasma solar e magnetosfericoilustrada na Fig. 1), a qual e medida como um aumentopositivo no ındice.

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Figura 9 - Variacao da pressao dinamica atraves da onda dechoque e da resposta geomagnetica de impulso subito - dia 11de janeiro de 2000.

Quando um choque comprime a magnetosfera, amagnetopausa e violentamente deslocada em direcao aTerra, e a corrente Chapman Ferraro e intensificada; nocomponente H de baixas latitudes esta resposta e vistacomo um salto positivo nos valores do campo, conformeobservado na Fig. 9. Para este choque, o valor de im-pulso subito foi de 17 nT. A defasagem observada entreo choque (observado no painel da pressao dinamica) eo impulso subito e de cerca de 1 h devido a distanciada sonda ACE (localizada a cerca de 1 milhao dekilometros da Terra). A propagacao do sinal de im-pulso subito dentro da magnetosfera e muito rapida, daordem de 5 min. A variacao de impulso subito e pro-porcional a variacao das raızes quadradas da pressaodinamica do vento solar. Isto ocorre, pois na mag-netopausa ha um balanco entre a pressao do campomagnetico da Terra (proporcional ao quadrado da mag-nitude do campo geomagnetico) e a pressao dinamicado vento solar. Para este evento o valor encontrado devariacao da raiz quadrada das pressoes dinamicas foi de1 nPa1/2. Este valor e tıpico do encontrado na maio-ria dos eventos, onde se observa uma variacao entre15-17 nT/nPa1/2 [34].

Uma onda de choque tambem pode ser geoefe-tiva contribuindo para a origem das tempestadesmagneticas. O principal fator interplanetario respon-savel pela ocorrencia destas tempestades e a existenciade intensos e prolongados componentes para o sul docampo magnetico interplanetario, os quais sao devidos,sobretudo, a campos dentro dos remanescentes inter-planetarios das EMC ou a campos comprimidos porefeitos de choques no vento solar ambiente [32, 36].A Fig. 10 apresenta varios mecanismos pelos quaisuma onda de choque pode gerar ou amplificar camposmagneticos para o sul e ser desta forma geoefetiva. Omecanismo (a) descreve a compressao por choque de umcampo magnetico para o sul pre-existente, o qual e am-plificado. No mecanismo de empilhamento do campo

magnetico (d), o campo magnetico e dobrado (empi-lhado) ao redor de um grande objeto (a ejecao solarneste caso) levando a um esmagamento do plasma nasextremidades dos tubos de fluxo magnetico. Outrosmecanismos incluem a amplificacao de ondas de Alfven(c), a amplificacao do dobramento da lamina de cor-rente heliosferica (LCH) pela passagem do choque (b) ea deformacao da frente de choque devido a propagacaono meio mais denso da lamina de plasma/lamina decorrente heliosferica (g).

Figura 10 - Ilustracao de mecanismos que podem intensificaro componente sul do campo magnetico interplanetario. Fonte:adaptada de Gonzalez et al. (1999).

A Fig. 11 apresenta um exemplo da estatıstica donumero de choques que sao seguidos por tempestadesmagneticas. Um total de 574 choques interplanetariostransientes foi analisado a partir de observacoes novento solar de 1973 a 2000, relatadas em varias fontesda literatura. Calculou-se a percentagem de choquesseguidos por cada nıvel de atividade geomagnetica,e as distribuicoes sao apresentadas na Fig. 11, paratodo o perıodo de 1973-2000. Para o perıodo in-teiro a distribuicao foi determinada utilizando-se os574 choques. A distribuicao tambem foi calculada

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para perıodos de mınimo e maximo solar [37]. Apro-ximadamente 20% dos choques sao seguidos por ativi-dade intensa (Dst 6 −100 nT ), 35% por moderada(−100 < Dst 6 −50 nT ), 22% por fraca (-50 <Dst6 -30 nT ) e calma (Dst > -30 nT ). Ha pouca diferencaentre as epocas de maximo e mınimo solar, nesta es-tatıstica estendida, contrastando com a diferenca maissignificativa observada comparando-se o mınimo de1995-1996 (46%) com o maximo de 2000 (Echer et al.,2004). Considerando as tempestades geoefetivas in-tensas e as moderadas, tem-se que cerca de 58% doschoques sao geoefetivos no perıodo de 1973-2000, re-sultado dentro do intervalo observado por [28] (entre46-64% dos choques geoefetivos).

Figura 11 - Diagrama do tipo grafico de setores do nıvel de ativi-dade geomagnetica apos os 574 choques para o perıodo 1973-2000.

Entao, estatisticamente, quando um choque e de-tectado, existe uma probabilidade de quase 60% deseguir-se uma tempestade geomagnetica moderada ouintensa. Esses resultados estatısticos para um longoperıodo podem ser ligeiramente diferentes de resultadospara perıodos menores. Conforme foi mencionado pre-viamente nesta secao, a analise dos perıodos de mınimosolar de 1995-1996 e de maximo solar de 2000 mostrouuma diferenca mais significativa na geoefetividade doschoques nos diferentes perıodos do ciclo solar, com 64%dos choques sendo geoefetivos em 2000 e apenas 46%em 1995-1996 [28]. Estes resultados, porem, nao saosempre observados. Por exemplo, o perıodo de maximosolar de 1978-1979, apresenta uma percentagem menorde choques geoefetivos, da ordem de 50% [32].

Estes resultados indicam que existe uma diferencaano a ano, devido a diferentes fases do ciclo solar etambem a diferentes intensidades de cada ciclo solar,provavelmente resultado das diferencas nas estruturasinterplanetarias. Porem, em termos de previsao doclima espacial pode-se estimar que, a partir da deteccaode um choque interplanetario, ha uma probabilidade decerca de 57% de ocorrer atividade magnetica significa-tiva.

10. Choques em plasmas astrofısicos

Alem dos ja mencionados choques encontrados no sis-tema solar, explosoes galacticas criam perturbacoes nomeio intergalactico trilhoes de vezes maiores do que asondas de choque do vento solar [11]. Choques de ex-plosoes de supernovas em nossa Galaxia poderiam ace-lerar raios cosmicos, partıculas carregadas e principal-mente protons, extremamente energeticos que atingema Terra de todas as direcoes. A Heliosfera tambemapresenta uma frente de choque devido aos movimen-tos do sistema solar num possıvel vento interestelar su-personico.

Choques de supernovas podem durar ate um milhaode anos e partıculas podem atingir energias muito al-tas via processo de aceleracao de Fermi. Choquesnao colisionais podem existir ao redor de galaxias re-motas. Processos dinamicos nos centros de algumasgalaxias ativas (possivelmente possuindo um buraconegro macico) criam jatos supersonicos de centenasde milhares de anos-luz de extensao. Choques saoprovaveis de ocorrer quando os jatos interagem complasma circundando a galaxia. Ondas de choque nomeio interestelar resultam de violentos estagios iniciaisdo nascimento de estrelas, nos quais uma jovem estrelaexpele gas que colide com a materia em seus arredoresem alta velocidade [3].

Em corpos astrofısicos mais distantes, e possıvel en-contrar jatos de material de nucleos galacticos ativos;nestes locais, provavelmente, os choques sao formadosna interface entre o material do jato e o meio intereste-lar. Em supernovas, quantidades massivas de energiasao depositadas em um tempo muito curto e choquesse formam quando os remanescentes de supernovas em-pilham material enquanto eles se expandem para longedos pulsares recem desenvolvidos [10].

11. Conclusoes

Neste artigo apresentou-se uma introducao ao assuntodas ondas de choques nao colisionais existentes no ventosolar. Abordaram-se os conceitos de ondas sonoras eondas de choque em gases ordinarios, para posterior-mente contrastar a propagacao das ondas de choquesem plasmas do tipo sem colisoes. Especificamente,foram discutidos as caracterısticas e tipos de ondas dechoque existentes no vento solar: choques dos modosrapido ou lento, do tipo frontal ou reverso. Ainda foramapresentados os tipos de choques encontrados no sis-tema solar: do tipo estacionario - frente de choqueplanetaria; do tipo transiente, induzido por um re-manescente interplanetario de ejecao de massa coro-nal; e do tipo corrotante, associado com as regioes deinteracao corrotante. Apresentou-se um exemplo dedados do meio interplanetario e de parametros calcu-lados para um choque do tipo frontal rapido, obser-vado em 11 de janeiro de 2000, bem como a resposta

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magnetosferica a este choque em termos do impulsosubito magnetosferico. Apresentaram-se os mecanis-mos fısicos pelos quais uma onda de choque pode con-tribuir para a ocorrencia de tempestades magneticas,atraves da geracao ou amplificacao de componentespara o sul do campo magnetico interplanetarios. Asondas de choque sem colisoes propagantes no vento so-lar sao interessantes de estudar tanto por seu potencialfator geofetivo, capaz de causar perturbacoes e tempes-tades espaciais, bem como por causa da fısica envolvida.O meio interplanetario constitui-se num laboratorionatural para o estudo de estruturas magneticas de es-cala muito grande (da ordem de fracoes da distanciaTerra-Sol), com densidades extremamente baixas e so-bre condicoes de um fluido MHD quase-ideal. Assim oestudo de ondas de choques nao colisionais no vento so-lar pode nos ajudar a entender alguns aspectos da fısicados plasmas e da eletrodinamica em condicoes que naopodem ser facilmente reproduzidas em laboratorio.

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