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O PENSAMENTO ESTÓICO E A SUA INFLUÊNCIA NO EXERCÍCIO
DO PODER IMPERIAL NO SÉCULO II D.C (FASE II)
LUZ SANTIAGO, Camila (PIC-UEM)
VENTURINI, Renata Lopes Biazotto (UEM)
Introdução A República ruira e um novo modelo político despontava em Roma assim que
Otaviano tornou-se Princeps (Primeiro cidadão) com apoio do senado, deste modo o famoso
regime do Império romano começara.
Roma tinha passado por um período muito conturbado durante o processo de transição
da Republica para o Império, contudo apesar das transformações de ordem político-
administrativas, a transição da Republica para o Império não acarretou para Roma grandes
transformações na organização social e na economia, que continuou baseada na agricultura e
no sistema escravista que se consolidou no período imperial,
Se a estrutura social do Alto Império diferia relativamente pouco da de finais da República, essa continuidade derivava principalmente da natureza do sistema econômico romano que pouco se alterou com a transição da República para o Império. ( ALFÖLDY, 1989, p. 111)
O Princeps romano dispunha de um poder ilimitado podendo tomar para si
responsabilidades legislativas na hora que lhe conviesse e promulgar medidas que iam de
acordo com o seu interesse ou quando as julgasse importantes para a proteção do povo de
Roma,sendo assim ele concentrava em suas mãos o Impérium.
Ao princeps cabia também governar as províncias senatoriais em conjunto com os
magistrados nomeados pelo Senado. Ele era o único a governar as províncias imperiais, por
meio de legados por ele promulgados e comandava o supremo exercito romano. Era ainda o
cidadão com maior prestigio na sociedade romana ocupando o mais alto status social do
Império, uma vez que por ser Imperador era tido como a encarnação ideal de todas as virtudes
romanas, entre elas a virtus, a clementia , a iustitia e a pietas.
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Este prestigio era reforçado pelo papel religioso que o governante desempenhava, já
que era considerado um deus e por isto obtinha honras de culto.
O Principado representou uma nova estrutura política que respondia a uma nova
situação. Lembramos que o processo de conquista significou não somente a expansão
territorial com a difusão do trabalho escravo e da grande propriedade, mas também a extensão
da cidadania fora de Roma, a partir do século I a.C. Os habitantes do mundo romano estavam
unidos por este laço jurídico concedido pela indulgentia do imperador.
Deste modo, a cidadania romana se apresentava como uma condição social e,
quando associada à fortuna pessoal e ao favor imperial, permitia a ascensão na carreira
pública - cursus honorum -, através da integração na ordem senatorial ou na ordem eqüestre.
Sendo assim, a ampla extensão da cidadania possibilitou a manutenção e o reforço da
unidade do Império, bem como provocou mudanças nas formas de acesso à carreira das
honras com a intervenção direta do imperador na vida política.
Porém apesar dessas premissas não era intrínseco ao princeps as possibilidades
jurídicas de garantir a sucessão,deste modo a escolha de um sucessor era um assunto de
natureza política solucionada de diferentes formas dependendo das circunstancias, podendo
contar com a ajuda do exercito por meio da força de um comandante, pelo Senado
favorecendo um de seus membros ou do Imperador beneficiando um parente fosse ele direto
ou adotado.
Referencial Teórico e Metodologia
Foi deste último modo que Marco Aurélio ,o autor da fonte estudada assumiu o trono
imperial em 161 d.C
O imperador romano nasceu em abril de 121 d.C na cidade de Roma e faleceu em 180
d.C em Vindobona atual Viena.Filho de Annius Verus o qual morreu cedo e Domícia Lucila.
Por ter a saúde debilitada o futuro imperador dos romanos não freqüentou a escola
pública sendo educado em casa.
.Marco Aurélio teve os mais ilustres mestres da época tendo estudado
,musica,dança,canto ,desenho pintura e lido os grande literatos gregos e latinos .Mas o
imperador filósofo ansiava pela filosofia e embora tivesse recebido ensinamentos sobre o
Platonismo e o Aristotelismo fora a doutrina estóica a que mais lhe atraiu,teve como mestres
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em seus estudos na filosofia de Zenon de Cìtio,Junio Rústico,Apolônio de Calcedônia, Sexto
de Queronéia e Cornélio frontão sendo o ultimo quem mais lhe exerceu influência .
Desde criança Marco Aurélio destacava-se pela sinceridade e pela severa aplicação ao
dever ,quando contava doze anos preferiu ao manto púrpura um rústico manto de
lã(vestimenta habitual dos filósofos) e começou a levar uma vida ascética dormindo sobre um
catre e deitando sobre a pele de animais só depois que sua mãe lhe pedira.
Aurélio era ainda adolescente quando o imperador Adriano morreu e nomeou
Antonino como seu sucessor,mas não sem antes pedir que este fizesse de Marco Aurélio seu
filho adotivo junto com Lucius Verus e escolhesse um deles como seu sucessor ao governo do
Império. Aos quarenta anos Aurélio foi escolhido durante uma reunião do conselho para se
tornar o novo senhor de Roma.
O novo encargo político não modificou o seu estilo de vida, permaneceu simples de
alma reta e coração magnânimo, cumprindo os seus deveres de forma irrepreensível ,tomando
como base de suas ações as máximas dos sábios estóicos.
Durante o seu governo Marco Aurélio conteve muitas invasões e revoltas bárbaras
estando sempre que podia no campo de batalha apesar de sua saúde frágil.
No inverno de 180 d.C Marco Aurélio recomendou seu filho Cômodo para sucedê-lo
ao trono,morreu aos 58 anos vitima de uma epidemia dizímadora que atacou o seu exercito
naquele mesmo ano.
Meditações ( a obra estudada) foi escrita no acampamento de Grânico e Carnunto,ao
sul de Viena e Marco Aurélio jamais pensou em publicá-la, constitui uma confissão
estritamente pessoal.
A obra é formada por doze livros que escreveu em diversas etapas de sua vida nos
campos de batalha.
Quanto à forma Meditações são simples notas sem qualquer preocupação de
elegância,Marco Aurélio não visava doutrinar a alguém ,tinha como objetivo evocar a
doutrina estóica para si e dessa forma edificar-se e animar-se e meio aos diversos sofrimentos
da vida e das agitações do mundo.
O Imperador-filósofo soube como ninguém viver de acordo com a doutrina abraçada e
as reflexões postas em suas Meditações nos permitem compreender o modelo de governante
que ele buscou alcançar.
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Desenvolvimento
No primeiro dos doze livros que constituem a obra Meditações Marco Aurélio faz uma
série de agradecimentos à diversa pessoa importantes para sua formação como homem e
estóico .Destacamos desse livro dois agradecimentos que demonstram claramente a visão de
política e de homem político que Marco Aurélio tinha.
De meu irmão Severo(...) haver formado uma idéia clara de um governo em que a lei é uma só para todos, um governo exercido no direito da igualdade e da liberdade de palavra para todos, de um império que respeite acima de tudo a liberdade aos governados.(Aurélio.Marco,1988 p.25)
De meu pai(...) a vigilância posta incessantemente nos interesses do império e a administração proba das rendas públicas e a tolerância para com aqueles que o criticavam sobre essas questões; não ser supersticioso em relação aos deuses nem cortejar os homens com presentes ou tentando agradá-los e ganhar as boas graças do povo; sobriedade em tudo ,conduta firme; jamais perder a noção do bem ...( Aurélio.Marco,1988 p.26)
Logo para o imperador-filósofo o governante deve buscar agir de forma reta e justa,
sempre vigilante quanto aos interesses do Estado.Soma-se a esse fato a visão política que o
imperador possuía em relação aos conquistados para ele o respeito pela liberdade dos
governados era de importância fundamental para sua idéia de império .
Assim como os demais estóicos,Marco Aurélio Tinha como premissa que o homem
deveria viver em sociedade e para o outro, por diversas vezes sublinha que todos os homens
são parte de um mesmo todo:
(...) o pecador é por natureza meu parente,não do mesmo sangue ou semente mas pela inteligência e , por partilhar de uma parcela da divindade, não posso sequer considerar-me ultrajado por qualquer deles(...) posso tampouco irritar-me contra meu parente nem odiá-lo, pois fomos feitos para cooperar, como os pés , como as mãos , como as pálpebras,como as fileiras superior e inferior dos dentes.( Aurélio.Marco,1988 p.30)
Para o imperador o homem político deve dedicar-se inteiramente ao bem comum:
Não trabalhes de má vontade nem indiferente ao bem comum nem irrefletidamente;nem displicentemente;não deixes o rebuscamento envolver teus pensamentos, nem sejas um homem de muitas palavras nem de muitas atividades.E,também, que o deus que há em ti seja guardião de um ser viril e respeitável, devotado à causa pública,um romano e um chefe, que assumiu
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seu posto como um homem que esperava o sinal para sair da vida, pronto para partir, não tendo necessidade de juramentos ou do testemunho de homem algum.( Aurélio.Marco,1988 p.38-39)
Oportuno torna-se dizer que para Marco Aurélio ser romano é ser político, devotar-se
à causa pública jamais esquecendo que é um membro da comunidade:
(...) Cuidará durante toda a vida apenas de que seu pensamento não se desvie de qualquer coisa condizente com a condição de ser inteligente e membro de uma comunidade.( Aurélio.Marco,1988 p.40)
Todavia o Princeps romano não excluiu os não romanos(entenda-se aqueles que não
possuíam a cidadania romana) de seu ideal de homem político ou buscou inferioriza-los ,pelo
contrario, para ele todos os homens são membros de uma mesma comunidade política:o
mundo:
Se a inteligência nos é comum, a razão, graças à qual somos racionais, também nos é comum; então, é também comum essa razão que nos ordena o que fazer e o que não fazer; então, a lei também nos é comum; então, somos concidadãos ; então, somos membros da mesma comunidade política; então, o mundo é como uma cidade.Pois a que outra comunidade política dir-se-ia que toda raça humana pertence?(Aurélio.Marco,1988 p.44)
Esse ideal de agir pelo bem comum é marcante nas reflexões de Marco Aurélio,pautar-
se pela razão e agir de acordo com o bem comum faz-se mister a todo cidadão mas sobretudo
ao primeiro dentre eles:
È preciso estar sempre pronto a seguir estas duas regras;fazer somente o que a razão imperante e legislante possam inspirar para o bem dos homens;e mudar tua opinião se alguém estiver presente para corrigir-te e fazer-te abandonar teu ponto de vista. Mas essa mudança deverá provir da convicção de que se trata de algo justo e para o bem comum ou coisa parecida, e não por parecer agradável ou trazer notoriedade.(Aurélio.Marco,1988 p.45-46)
Em uma de suas meditações o Princeps estóico explicita a que devem se dedicar os
homens:
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(...) A que devemos, então, dedicar nossos cuidados? Exclusivamente a isso: pensamentos justos, atos conformes ao bem comum, palavras nunca mentirosas, disposição para aceitar tudo o que acontece como sendo necessário, usual , fluindo de um mesmo principio de uma mesma fonte.(Aurélio.Marco,1988 p.49)
Viver em sociedade e pelo bem comum é indubitavelmente algo de substancial
importância para o imperador-filósofo,alçando estes dois fatores acima do bem e do interesse
individual, uma vez que para ele o homem só pode existir enquanto ser social tendo em vista
que ser sociável é intrínseco a natureza humana.
Conclusão
Embora tenha por meio da filosofia estóica humanizado o poder imperial o imperador
romano não deixou de defender a hierarquização da sociedade romana e a presença de um
chefe de Estado:
Se os marinheiros insultassem o timoneiro ou os doentes o médico, dariam eles ouvidos a alguém mais?Ou como poderia o timoneiro garantir a segurança da tripulação ou o médico a garantir a saúde dos pacientes? (Aurélio.Marco,1988 p.73)
Não devemos portanto confundir o agir pelo bem comum e o viver em comunidade
dos estóicos,com a falta de um estadista ou com uma espécie de regime socialista.
O que marco Aurélio buscava, convém evidenciar, era aplicar os preceitos da corrente
filosófica da estoá de vivere naturae , em outras palavras, viver de acordo com a rattio (a
razão )e a virtus(a virtude) na pratica de governar, desta forma ele esta constantemente em
suas meditações, fazendo-se lembrar do modelo de estadista estóico:
Cuida de não te cesarizares de não adquirires esse colorido.Isso acontece .Conserva-te simples, bom, puro, sério, espontâneo, amigo da justiça, religioso, generoso, afetuoso, firme no cumprimento do dever.Luta por continuar tal como a filosofia quis fazer-te. (Aurélio.Marco,1988 p.69)
Adorna-te com a simplicidade, o recato e a indiferença pelo que fica entre a virtude e o vício.Ama o gênero humano. (Aurélio.Marco,1988 p.79)
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É inegável que para o imperador romano a indulgência é uma das características
essenciais para o bom governante.Sobre ela destacamos:
Outro pode ser melhor lutador que tu; mas que não seja, porem, mais devotado ao bem comum, nem mais recatado nem mais preparado para enfrentar os acontecimentos nem mais indulgente ante as faltas do próximo. (Aurélio.Marco,1988 p.81)
Bem como a benevolência:
Da mesma forma que aqueles que tentam deter-te no caminho que percorres segundo a reta razão não conseguem desviar-te da conduta sadia, também não deverás consentir que consigam fazer-te abandonar a benevolência para com eles; mas mantém-te em guarda igualmente sobre estes dois pontos:não somente quanto ao julgamento e conduta firmes mas também quanto a doçura em relação àqueles que tentam criar-te dificuldades ou contrariar-te de outros modos.Na verdade, seria fraqueza de tua parte irritares-te com eles,bem como afastares-te de tua conduta e deres-te por vencido em conseqüência de receios, pois tanto é desertor quem deixa de agir por temor como quem se alheia àqueles que a natureza fez seus parentes.(Aurélio.Marco,1988 p.119)
È imperioso destacar que o princeps romano preferia espelhar-se nos filósofos a nos
grandes homens políticos, uma vez que para ele somente dedicando-se a filosofia é que o
homem poderia manter-se reto e no caminho da virtude.
Em comentário sobre isso preleciona-se in verbis:
Alexandre e César e Pompeu, que são eles diante de Diógenes e Heráclito e Sócrates? Estes viram as coisas e as causas e a m matéria, e a razão deles era a mesma. Aqueles , quantas coisas lhes eram desconhecidas e de quantas eram escravos!.(Aurélio.Marco,1988 p.85-86)
Posta assim a questão entendemos que para Marco Aurélio o bom governante deve ser
justo, reto em sua conduta moral, benevolente e indulgente e acima de tudo pensar e agir
visando o bem comum e não seu interesse pessoal.
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Referências
Fonte Impressa
AURÉLIO,Marco.Meditações. Tradução,Prefácio e notas de Mário da Gama Kury.São
Paulo:Ediouro,1988
Bibliografia
ALFÖLDY, G. História social de Roma. Lisboa: Presença, 1989.
BRUN, J. O Estoicismo. Lisboa: Edições 70, 1986.
ARVEY,Paul.Dicionário Oxford de literatura clássica:grega e latina.Rio de Janeiro:Jorge
Zahar,1987.
GRIMAL,Pierre. O Império Romano.Lisboa:edições 70, s/d.
ULLMAN, R. O Estoicismo Romano:Sêneca ,Epicteto ,Marco Aurélio. Porto
Alegre:Edipucrs, 1996.