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O Papel do Sincretismo na Permanência e Conservação das Religiões de
Matrizes Africanas – Um Enfoque no Candomblé da Bahia
Maria Teresa Dos Santos Barbosa1
Marcelina das Graças de Almeida, Profa. Dra.2
Resumo: Este artigo pretende revelar a importância do sincretismo para a formação e conservação
da cultura religiosa africana no Brasil, assim como pontuar o início do tráfego negreiro e o processo
de conversão do negro africano ao catolicismo em terras brasileiras. Procurar-se-á demonstrar,
também, que o negro africano aproveitou-se das semelhanças entre os santos católicos e seus deuses,
para burlar seus senhores, que por sua vez desejavam impor-lhes uma nova cultura religiosa para
salvação de suas almas. Os dogmas da Igreja Católica e os “Santos do Paraíso” foram fieis e
eficientes aliados para que o negro realizasse a proeza de preservar sua tradição, cultura, e sua
religiosidade até os dias atuais. A sincretização teve também um papel de destaque transformando
festividades tradicionalmente católicas em grandes festas populares como a lavagem do Bonfim e a
procissão de Nossa Senhora dos Navegantes na Bahia que sincretizadas se transformaram nas Águas
de Oxalá e na festa de Yemanjá respectivamente.
Palavras-chave: Religião, Candomblé, Escravidão, Sincretismo, Cultura africana.
Abstract: This article aims to show the importance of syncretism inside the African religious culture
in Brazil considering its formation and conservation, as well as to show the beginning of the slave
traffic and the African Black peoples’ conversion process until the Brazilian Catholicism. It also will
show that the African Black people took advantages of the similarities between their gods and
Catholic Saints, to cheat their masters who has tried to obligate them to have a new religious culture
to save their souls. The Catholic Church dogmas and the “Paradise Saints” were faithful and efficient
supporter permitting the black people keeping their tradition, culture and their religion to the present
day. The syncretism also had a leading role in transforming traditional Catholic festivals in popular
festivals, such as Bonfim’s washing and the Nossa Senhora dos Navegantes da Bahia’ procession
becoming the Águas de Oxalá and Festa de Yemanjá respectively
.Keywords: Religion, Candomblé,Slavery, Syincretism, African Culture.
Introdução
O presente artigo pretende analisar a herança religiosa africana, nascida na Bahia,
e as influências adquiridas de outras religiões, tornando-a uma religião totalmente brasileira: o
Candomblé. Buscou-se perceber nesta pesquisa, as possíveis dificuldades, para a implantação
e a conservação de uma cultura religiosa africana, em um local em que a religiosidade estava
sob a influência da Igreja Católica Apostólica Romana, e socialmente enraizada nos
1BARBOSA. Maria Teresa dos Santos, graduada em História Pela FESBH, pós graduanda em História da
África e Cultura Afro-Brasileira pelo IBE. MBA em Administração Estratégica. - Orientanda. 2ALMEIDA. Marcelina das Graças de, Professora doutora em História da Cultura pela UFMG, -
Orientadora
RECEBIDO EM MAIO/2016 APROVADO EM JUNHO/2016
2
preconceitos raciais herdados de uma cultura imperial escravocrata. Os problemas
enfrentados, para a efetivação do Candomblé como religião e as consequências dessa cultura
religiosa na sociedade, serão basicamente os objetos de análise deste artigo, acrescido de um
estudo da mitologia africana, com o objetivo de compreender a resistência e a sobrevivência
desta mesma cultura, fora do continente africano, por tantos anos, e presente até os dias atuais.
Descobrir as influências sofridas pela religiosidade africana, e perceber os artifícios
empregados para fixação da mesma como objeto de valorização e promoção da identidade
cultural de um povo. Analisar o culto aos orixás3, como uma representação religiosa,
descortinando o Candomblé como forma de expressão cultural negro africano no Brasil.
A sobrevivência da cultura religiosa africana constitui um marco histórico,
resguardando durante séculos, cultura e tradições, dando origem ao candomblé no Brasil, que
retrata a memória sociocultural de um povo, instigando-nos a uma pesquisa sobre o assunto.
Este estudo teve como procedimento metodológico de pesquisa, a revisão
bibliográfica de obras que apontam a influência religiosa africana nos cultos religiosos
praticados no Brasil, assim como as influências de outras religiões nos rituais do Candomblé,
ocasionando assim um sincretismo religioso.
O tráfico, o negro e a origem do Candomblé
Regulamentado em 1550 por um ato de Dom João III4, o tráfico negreiro para o
Brasil já existia antes disto, pois quando Martins Afonso de Sousa5 aportou em São Vicente
no ano de 1531, trazia uma mercadoria diferente da habitual, e não imaginava que estava
carregando ali várias culturas, que fariam toda a diferença na formação desta nação.
O tráfico de escravos consolidou-se em torno de 1549-1550 com a chegada dos
negros à Bahia, que foram levados para o trabalho braçal nas lavouras, para os engenhos de
açúcar da Bahia e de Pernambuco. Estes negros eram trazidos nos “Tumbeiros”, caravelas que
cruzavam o Atlântico propagando este tráfico, em condições deploráveis, por isso a alcunha,
pois muitos não sobreviviam à viagem. Os que sobreviviam a travessia eram vendidos quando
da chegada ao porto, geralmente em feiras e leilões. Muitos não se conheciam, não falavam a
3Orixás – Nome dado as divindades dos iorubás. Ori = cabeça; shá = senhor; orixá = senhor da cabeça
4 D João III (06/06/1502 – 11/06/1557) - Rei de Portugal de Dezembro de 1521 à Junho1557, era
chamado de O Piedoso ou O colonizador, por ter herdado um vasto império colonial. 5Martins Afonso de Sousa (1500-21/7/1571) - Militar português, comandante da primeira expedição
colonizadora de Portugal ao Brasil.
3
mesma língua, não possuíam a mesma cultura, eram de diferentes etnias, outros já se
conheciam do trajeto, desde a captura aos meses de depósito antes do embarque, a escravidão
nas Américas viria a ser o elo comum entre eles.
Eram diversas Áfricas dentro das galeras, sumatas ou corvetas, que traziam nomes
que as remetiam a proteção de Santos católicos, de Nossa Senhora, de Cristo, e até mesmo das
almas. Partindo dos estudos de Pierre Verger que recolhendo indicações nos registros de
patentes concedidas para o comércio dos rolos de tabaco destinados ao tráfico de escravos
constata que:
“Nossa Senhora” encontra-se mencionada 1.154 vezes, sob 57 invocações
diferentes, sendo que as mais populares apresentam a seguinte ordem
decrescente: Nossa Senhora da Conceição, 324; Nossa Senhora do Rosário,
105; Nossa Senhora do Carmo, 98; Nossa Senhora da Ajuda, 87; Nossa
Senhora da Piedade, 48; Nossa Senhora de Nazaré, 39; etc. O “Bom Jesus”
encontra-se citado apenas 180 vezes, sob onze invocações distintas, sendo
que Bom Jesus do Bom Sucesso figura 29 vezes; O Bom Jesus de Bouças,
26; Bom Jesus do Bonfim, 24 vezes; etc. Santos e santas aparecem 1.158
vezes, destacando-se, dentre os mais prestigiosos, Santo Antônio,
mencionado 695 vezes, e acompanhado das Almas, 508; São José, 107;
SantÁna , 88 ; São João Batista,43. Curiosamente o nome de São Jorge
aparece, apenas, uma vez... (VERGER, 1981, p.24)
Era grande a religiosidade, a fé e a confiança dos negreiros. Estes chegam a elevar
São José, a posição de “protetor particular dos homens de negócios que se dedicavam ao
tráfico de negros da Costa da Mina”, mais ou menos no ano de 1757.
Percebe-se que o contato do africano com a religião do branco, católica, inicia-se
ainda na África ao adentrarem nas embarcações que os trariam para as Américas,
provavelmente, antes mesmo quando ainda aguardavam pelo embarque em depósitos, ainda
em solo africano.
Nestas embarcações diversas etnias misturavam-se nos porões escuros e sujos.
Pessoas que tinham línguas e costumes diferentes, culturas e religiões distintas. Muitas vezes,
na África eram povos inimigos, indo juntos em direção a um mesmo destino, compartilhando
algo em comum, a escravidão nas Américas.
A religiosidade dos escravos africanos era ignorada, e para salvação de suas almas,
logo na chegada, eram batizados e recebiam nomes portugueses, obrigados a abandonar os
nomes que receberam ao nascer, devendo seguir a religião de seus senhores. Na África o
nome tem um significado que vai além de uma identidade pessoal, ou melhor, o nome
constrói uma identidade pessoal para o indivíduo. O nome pode significar circunstâncias do
4
nascimento, pode revelar projetos de glória, fortuna, saúde. Pode invocar também a posição
de uma pessoa na ordem familiar, social, religiosa. Esse é escolhido com o auxílio do
babalaô6, muitas vezes antes de a criança nascer. Além disto, determina toda a vida daquele
ser, pode prever fatos, fases e sorte, ou mesmo uma característica da família ou da criança. O
branco desconsiderava estes costumes.
Pierre Fatumbi Verger, em sua obra “ORIXÁS, Deuses Iorubás na África e no Novo
Mundo”, escreve:
A extraordinária resistência oposta pelas religiões africanas ás forças de
alienação e de extermínio com que frequentemente se defrontavam haveria de
surpreender a todos aqueles que tentavam justificar a cruel instituição do
tráfico de escravos com o argumento de as suas atividades – as dos negreiros
– “constituíam o meio mais seguro e mais desejável de conduzir a Igreja as
almas dos negros, o que seria mais recomendável do que os deixar na África,
onde se perderiam num paganismo degradante ou estariam ameaçados pelo
perigo da sujeição herética das nações estrangeiras, para onde seriam no
mínimo, deploravelmente enviados”(APB 5, f,46)”. Era assim que se
exprimiam, em 1698, os “homens de negócios da Bahia” quando tentaram,
sem êxito, fundar uma companhia que se propunha construir uma fortaleza
em Ajudá, para servir de depósito aos escravos em vias de embarque.
(VERGER, 1981, p.23)
De fato o cuidado de preservar as almas dos africanos da influência herege, era
tanto, que no final do século XVIII, proibiu-se que protestantes estrangeiros que residiam na
Bahia comprassem ou possuíssem escravos, para não incutir-lhes uma doutrina equivocada,
mantendo-os sob uma crença verdadeira. Não se pode olvidar que os mesmos cuidados eram
mantidos nos países cuja religião era reformada. Nota-se o zelo dos negreiros ao pregar as
mais diversas formas de monoteísmo, pleiteando salvar as almas africanas imersas na
escuridão da idolatria.
Ao abolir a escravidão no final do século XIX, fez-se necessária a inclusão do
negro na sociedade brasileira, para isto, seria necessário primeiramente entende-lo. Em 1896,
surgem os primeiros artigos sobre o tema na Revista Brasileira, assinados por Raimundo Nina
Rodrigues7, um jovem médico maranhense vivendo na Bahia, que desta data até sua morte em
1906 na França esteve inteiramente dedicado a pesquisa, investigando e relatando sobre a
sobrevivência da religiosidade africana. É importante saber que sua obra foi produzida tendo
em vista o referencial científico da época, que via o escravo como um ser inferior. Através de
6 Babalaô - Pai do segredo, é um sacerdote iniciado nos mistérios de Urumilá, deus da adivinhação, que
utiliza diversos meios param realização desta tarefa. 7Raimundo Nina Rodrigues (04/12/1862 – 17/07/1906) – foi médico legista, psiquiatra, professor, escritor
e antropólogo brasileiro.
5
suas pesquisas em crânios de negros, Nina Rodrigues dizia serem os negros seres fracos
quanto ao grau de inteligência. Exprimindo sua própria análise quanto ao significado
etnológico da religião africana Nina Rodrigues, analisava a religiosidade dos escravos como
uma forma de animismo primitivo.
Quanto a teoria de Nina Rodrigues, o pesquisador Roger Bastide em sua obra
afirma que, “É sempre difícil abandonar preconceitos e etnocentrismos.” (BASTIDE, 1961
p.11) e ainda, “A filosofia do candomblé não é uma filosofia bárbara, e sim um pensamento
sutil que ainda não foi decifrado” (BASTIDE, 1961, p.11).
Roger Bastide, antropólogo e pesquisador francês, chegou à Bahia, em 1944 com
o firme propósito de pesquisar esta religião. Busca-se em sua obra, referencial que remeta ao
entendimento da sobrevivência cultural religiosa africana no Brasil focando seu início na
Bahia. Porém, é na obra de Verger que deparamos com a origem do nome dado a religião
africana no Brasil.
Por volta de 1826, a polícia da Bahia havia, no decorrer de buscas efetuadas com o
objetivo de prevenir possíveis levantes de africanos, escravos ou livres, na cidade ou
nas redondezas, recolhidos atabaques, espanta-moscas e outros objetos que pareciam
mais adequados ao candomblé do que uma sangrenta revolução. Nina Rodrigues
refere-se a certo quilombo, existente nas matas de Urubu, em Pirajá, “o qual se
mantinha com o auxilio de uma casa de fetiche da vizinhança, chamada a Casa do
Candomblé”.
Um artigo do Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma reunião na
casa Ilê Yanossô: “Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristovão
Francisco Tavares, africano emancipado, Maria Salomé, Joana Francisca,
Leopoldina Maria da Conceição, Ecolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os
escravos Rodolfo Araújo Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria
Tereza, Benedita, Silvana… que estavam no local chamado Engenho Velho, numa
reunião que chamavam de candomblé”. É curioso encontrar nesse documento o
nome, pouco comum de Ecolástica Maria da Conceição, o mesmo com o qual seria
batizada, trinta e cinco anos mais tarde, Dona Menininha, a famosa mãe de santo do
Cantois, cujos pais, a essa época, sem dúvida, frequentavam ou faziam parte do
terreiro de Ilê Iyanassô, onde houve essa ação policial. (VERGER, 1981, p.29)
Sabe-se que existem outras versões para origem do nome candomblé, porém todas
se referem a junção de pedaços de palavras dos dialetos bantos8, enquanto na verdade os
primeiros candomblés, dos quais se tem notícias, surgidos no Brasil, mais precisamente na
Bahia, são de origem nagô9.
8 Bantos - Diversos subgrupos étnicos-linguísticos africanos que habitam ao sul do deserto do Saara
9 Nagô - Denominação dada pelos “franceses” aos povos africanos sudaneses que compreende as
Nações: de Òyó; de Ijèsà; e de Kétu, todas elas de “Idiomas Yorùbá” que pertence aos grupos “Kwa
6
Fato é que mesmo com todas as precauções, a sobrevivência da religiosidade
africana é notória. Os mesmos santos que um dia foram protetores dos interesses negreiros,
assim como protetores da mercadoria transportada, a certo momento, invertem o papel e
passam a resguardar os escravos ajudando-os a iludir e confundir seus senhores.
Os escravos estavam autorizados por seus senhores a realizar danças aos
domingos. Um movimento de resistência pode ter se iniciado nestes festejos dominicais? Ou
se tratava apenas de uma forma encontrada pelo escravo para não se esquecer de suas
tradições e assim perpetuar sua cultura nas senzalas nas danças de domingo? Os escravos
africanos agrupavam-se conforme a nação de origem, e conseguiam, desta maneira, manter
suas tradições religiosas vivas. Os senhores de escravos desconheciam a natureza de tais
cantos e danças. O sétimo vice-rei do Brasil Conde de Arcos, em 1758, era favorável a esta
prática, considerava benéfico que os escravos não se esquecessem de suas origens e dos
sentimentos de ódio mútuo que os levaram a combaterem-se na África. Os senhores muitas
vezes davam preferência a escravos de grupos antagônicos, pensando assim evitarem um
levante em grupo advindo da união dos negros. Cada grupo no seu espaço, dançando e
cantando na sua língua natal. Os senhores deveriam imaginar que ali só houvesse saudades,
nostalgia dos negros que se divertiam e recordavam da vida deixada para traz.
Porém, na realidade, as músicas cantadas pelos negros no transcurso das reuniões de
domingo, eram preces, louvações destinadas aos seus orixás, inkissis10
, aos seus voduns11
.
Expressavam-se em suas respectivas línguas. Diziam saudar os santos do paraíso, quando
questionados sobre o que cantavam, e para veracidade de suas afirmativas montavam no local
um altar e depositavam sobre este a imagem de um santo católico. Fato, é que naqueles cantos
eles invocavam a misericórdia, a proteção e a ajuda de seus deuses, de seus próprios orixás
Estes rituais, rezas e cantos, nos foram legados através das gerações, em uma
continuidade do que era comum na África, onde cultura, crença e costumes eram transmitidos
oralmente.
A inexistência, na África, da forma escrita da língua dos povos trazidos para
o Brasil fez com que seus costumes e rituais fossem transmitidos oralmente
através das lendas resgatadas dos adivinhos – os babalaôs -, que detinham os
ou Nígerokameruniano” de Línguas Africanas Sudanesas. Que também compreende vários sub-grupos e
dialetos, entre os quais o “Egbá” – que inclui a Nações de Kétu e Ijèsà.
10 Inkissis - nome pelo qual são conhecidas as divindades nas nações Bantos
11 Voduns - nome pelo qual são conhecidas as divindades nas nações Geges
7
segredos e eram, e ainda são, os verdadeiros pais (babás) desses segredos
(awós). (COSSARD, p.15)
Segundo Costa e Silva (2012)12
, entre os portos brasileiros e os africanos, havia
ligações preferênciais, por exemplo, o Rio de Janeiro ligava-se aos portos de Angola, Congo,
e Moçambique, recebendo pessoas de diversos grupos ambundos13
, assim como, entre outros -
os congos, sossos, iacas, vilis, huambos, lubas, galangues, bailundos, luenas, macuas e tongas.
Ainda segundo o autor, o comércio negreiro para Salvador era intenso vindo do
golfo do Benim. Em seus portos embarcavam fons, iorubás, mahis, ibos, ijós, e ifeques, além
dos indivíduos das savanas mais ao norte, hauças, nupes (ou tapas), baribas e bornus. Para
São Luís do Maranhão vieram povos da Alta Guiné e de Cacheu e Bisau, como osmandingas,
banhuns, pepeis, felupes, balantas, nalus e bijagós.(COSTA E SILVA, 2012, p.21)
O tráfico negreiro trouxe para o Brasil mais de uma centena de diferentes povos
africanos, como descreve Alberto da Costa e Silva em seu livro “Um Rio Chamado
Atlântico”;
Muitos já se conheciam na África, eram povos vizinhos ou tinham comércio entre si.
Um gã se entendia com os evés, os acuamus e os auoris, que viviam na mesma
região e tinham costumes parecidos, e talvez até mesmo com os hauçás que
seaproximavam do litoral para comerciar, pois era comum que um africano falasse
mais de um idioma: o seu e outro ou outros que aprendera no convívio do mercado
ou com as esposas de seu pai, algumas delas estrangeiras. E as diferenças eram
compensadas pelas semelhanças, em processo contínuo de mestiçagem física e
cultural. Algumas vezes, dois ou mais povos se entrelaçavam e criavam um novo,
como fizeram os africanos que foram coformadores do Brasil. (COSTA E SILVA,
2012, p.21)
Na Bahia, mais precisamente em Salvador, muitos povos encontravam-se unidos
em cativeiro, a grande maioria de escravos era nagôs ou iorubás. Cada povo com sua
cultura, sua religiosidade. A religiosidade tradicional no continente africano envolve
manifestações culturais, religiosas e espirituais, as quais vieram para o Brasil na companhia
dos escravos nos porões dos navios negreiros. As religiões tradicionais africanas se definem
por etnias e tribos, e há uma diversidade de crenças. Estas religiões abrangem ensinamentos,
práticas e rituais, que visam uma maior compreensão do divino. Podemos encontrar algumas
diferenças quanto a compreensão do sobrenatural dentro de uma mesma comunidade.
12
Alberto da Costa e Silva (12/03/1931) - Diplomata brasileiro, historiador, africanista, poeta,
romancista, ensaísta, memorista e membro da Academia Brasileira de Letras. 13
Ambundos - o mesmo que angolas
8
Semelhante aos católicos, os africanos acreditam em um Deus único, ser supremo,
o Deus todo-poderoso, criador de todo o universo e de tudo que nele existe, chamado
Olodumarê, em algumas regiões, Olorum, em outras. Um Deus supremo e criador, onisciente,
onipotente, compassivo, o grande juiz, imortal e transcendente, santo e invisível. O grande rei
acima de todos os reis, incomparável, está em todos os lugares, nenhum segredo lhe é
escondido.
O Deus das religiões tradicionais africanas criou as divindades para equiponderar
o ser humano na terra, e para os povos africanos eles são intermediários entre o céu e a terra,
entre o mundo físico e o mundo espiritual, entre vida e morte.
Nos rituais religiosos africanos, ritos e convicções são parte integrante da vida
pública e privada do indivíduo. O antigo e o sagrado são difundidos no próprio indivíduo.
Não existe tempo especial para louvor, todos os dias e todas as horas são propícias para
adoração.
Os negros omitiram e sacrificaram estes valores em detrimento de sua situação de
servo perante o branco seu senhor, e senhor de seu destino, gerando com isto ideias confusas
quanto a sua religiosidade e sua crença em um Deus criador de tudo e de todos.
Dentro dos “tumbeiros” rumo as Américas, não só a plebe e a nobreza africana se
mesclavam, junto a eles vinham também sacerdotes de várias etnias, que traziam consigo suas
divindades, culturas, ancestralidades, dialetos e tradições. As culturas africanas são erguidas e
conduzidas pelos simbolismos e tradições, os sacerdotes são os responsáveis por guardar e
transmitir estas culturas.
Os escravos, quando aqui chegavam, deveriam deixar para traz toda sua cultura e
religiosidade, eram obrigados a aprender a língua de branco e a seguir a religião de seus
senhores, o catolicismo, que era a religião oficial na colônia.
Aos poucos os escravos foram se familiarizando com a religião do branco, como
os índios nativos na terra, eram catequizados. Aprendiam sobre o cristianismo, sobre a igreja
católica, sua doutrina, suas leis e normas, seus santos. Aprenderam sobre a vida e a
canonização dos santos católicos. Nos domingos, além das rezas dos senhores, havia as
danças, o negro, então, tinha liberdade de dançar e cantar na sua própria língua.
9
Não se dançava na África apenas pela alegria do convívio. Dançava-se também para
referenciar os deuses e recebê-los na alma. Foram muitas as religiões que
atravessaram o oceano, pois cada povo tinha a sua. Algumas absorveram outras
crenças ou foram por elas absorvidas, gerando novos sistemas religiosos, como a
umbanda. Outras não deixaram vestígios. Mas a uma das religiões trazidas da
África, a dos orixás, converteram-se em grande número, principalmente no Brasil e
em Cuba, pessoas de outras origens, e o que era religião dos iorubás14
tornou-se uma
religião universal. (COSTA E SILVA, 2012, p.20)
O africano descobriu nas danças, aos domingos, talvez um modo de resistência,
uma maneira de manter viva sua cultura, suas raízes, suas tradições e religiosidades. E em
rodas separadas por nação de origem, cantavam a saudade de suas terras e de seus deuses.
Aos poucos os negros perceberam que os senhores demonstravam um certo
interesse em saber o que falavam e a questionar o que eles cantavam, viu-se a necessidade de
uma explicação que não fosse de encontro ao desagrado de seus senhores. Esta explicação
veio com o auxílio da religião do branco, os santos do catolicismo. “Quando precisavam
justificar o sentindo de seus cantos, os escravos declaravam que louvavam, nas suas línguas,
os santos do paraíso. Na verdade, o que eles pediam era ajuda e proteção aos seus próprios
deuses” (VERGER, 1981, P. 25)
Não se pode afirmar ao certo quando e onde começou essa associação, fato é que
perdurou, e nos dias de hoje é muito comum, principalmente nos terreiros umbandistas, se
dizer Oxossi e automaticamente vir a cabeça a imagem de São Sebastião. “É difícil precisar o
momento exato em que este sincretismo se estabeleceu. Parece ter se baseado, na maneira
geral, sobre detalhes das estampas religiosas que poderiam lembrar certas características dos
deuses africanos.” (VERGER, 1981, p.26)
Uma grande parte dos escravos que foram enviados para Bahia eram iorubás,
vinda dos portos do golfo do Benin. Os iorubás conheciam suas divindades pelo nome orixás.
Ao que parece, certos membros do clero católico julgaram conveniente
favorecer esse sincretismo, como o Padre Bouche havia sugerido, na própria
África, ao descrever a estátua da iangbá, mulher de Oxalá, nos seguintes
14 Por iorubás passaram a ser designados, desde a metade do século XIX, diferentes grupos que na atual
Nigéria, na Republica do Benin e no Togo falam a mesma língua, embora com variações dialetais,
possuem culturas semelhantes e se aglutinavam em torno de cidades-estado, compartilhando muitas
tradições, ainda que em alguns casos pudessem ser diferentes e até mesmo conflitantes. Tidos como
iorubás (e, no Brasil, também nagôs), sabiam-se oiós, ifés, egbas, auoris, quetos, ijexás, ijebus, equitis,
ondos, igbominas ou de outras nações. (COSTA E SILVA, 2012, P.20)
10
termos: “Esta deusa que muito se parece com a Santa Virgem, pois tanto uma
como a outra salvaram os homens” (VERGER, 1981, p 27)
Tendo algum conhecimento da doutrina católica e da devoção aos santos do
paraíso pelos senhores, os escravos encontraram então uma maneira de cultuar seus orixás,
sincretizando os deuses africanos aos santos do paraíso.
A aproximação dos santos católicos aos deuses africanos poderia torná-los mais
familiares aos escravos. Assim supunham os senhores. Porém esta tentativa pode, também, tê-
los encorajado na utilização dos Santos para despistar suas crenças verdadeiras. Esta já era
uma pergunta de Nina Rodrigues, em 1890, quando ainda estava em formação o sincretismo
entre os santos católicos e os orixás.
Nina Rodrigues escrevia, então: “Aqui na Bahia, como em todas as missões
de catequeses dos negros africanos, sejam elas católicas, protestantes ou
maometanas, longe de o negro converter-se ao catolicismo, protestantismo ou
ao islamismo, acontece, ao contrário influenciá-los com seu ‘fetichismo’ e
adapta-los ao animismo do negro. (VERGER, 1981, p.27)
Candomblé e catolicismo permanecem separados, a transformação religiosa
aproximou as superfícies incompreendidas do catolicismo às crenças africanas que nessa
junção se transformaram. Os escravos africanos que aparentavam e se declaravam convertidos
ao catolicismo mantiveram entre eles seus cultos distintos como na África. As relações
comerciais entre Brasil e África possibilitavam uma reimportação de condutas e credos que
haviam sido deturpados ou esquecidos.
Com um número cada vez maior de mulatos e descendentes de africanos educados
igualmente nas duas religiões com o passar do tempo sentiam-se tão sinceramente católicos
quanto unidos a religião de seus antepassados. Os primeiros terreiros de candomblé são
oriundos de confrarias15
religiosas que eram separadas por etnias e amparadas pela igreja
católica.
A Venerável Ordem Terceira16
do Rosário de Nossa Senhora das Portas do
Carmo, que foi fundada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Pelourinho, era formada
por angolanos. Na Capela do Corpo Santo, na Cidade Baixa, a Ordem de Nosso Senhor Bom
15
Confrarias – Significa uma reunião de frades, do latim Fratres, significando irmão. São associações
religiosas de leigos no catolicismo tradicional, que se reuniam para promover o culto a um santo.
Surgiram na Europa durante a Idade Média e espalharam-se nas colônias portuguesas.
16
Ordens terceiras – São associações de leigos católicos, vinculados as tradicionais ordens religiosas
medievais, em particular às dos franciscanos, carmelitas e dominicanos.
11
Jesus Das Necessidades e Redenção dos Homens Pretos agrupava os daomeanos (geges).
Duas eram as irmandades17
formadas pelos nagôs, em sua maioria da nação de Keto, a
Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte; que era frequentada somente por mulheres, e a de
Nosso Senhor dos Martírios, destinada aos homens. As confrarias de negros foram um
elemento importantíssimo da vida na América. Considera-se que no Brasil, elas reforçaram a
origem e conservação do sincretismo religioso dos cultos afro-brasileiros como o Candomblé.
A separação étnica complementava o que já tinha sido delineado anteriormente nas danças aos
domingos e possibilitava aos escravos, libertos ou não, reunidos em locais fora das igrejas,
praticarem o culto a seus deuses africanos.
Existem várias versões sobre a fundação do primeiro terreiro de candomblé da
Bahia, nos limitaremos a uma em especial;
Várias mulheres enérgicas e voluntariosas, originárias de Keto, antigas escravas
libertas, pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja da
Barroquinha, teriam tomado a iniciativa de criar um terreiro de candomblé chamado
Iyá Omi àse Àirá Intilè, numa casa situada na Ladeira do Berquo, hoje Rua
Visconde de Itaparica, próxima à Igreja da Barroquinha. (VERGER, 1981, P 28)
Não podemos olvidar que no século XIX, a única religião autorizada era a
católica, reuniões protestantes somente eram permitidas a estrangeiros. O Islamismo era
proibido oficialmente, sendo perseguido com severidade devido a revoltas de escravos
(revolta dos Malês) que tiveram lugar entre 1808 e 1835, instigadas pelos malês
(muçulmanos). Os cultos africanos eram considerados condutas supersticiosas e eram
ignorados, seus participantes eram perseguidos pelas autoridades devido ao caráter secreto do
culto.
O sincretismo
A palavra sincretismo segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Século
XXI, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, significa: “Tendência à unificação de ideias ou
de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis” Isto posto, entende-se por
sincretismo religioso, a fusão de concepções religiosas diferentes, ou, a influência exercida
por uma religião nas práticas de uma outra.
17Irmandades - são instituições religiosas compostas por leigos que tinham como objetivo ajudar os seus
membros e a comunidade. As irmandades obedeciam a regras sancionadas pela Igreja e tinham as suas
contas verificadas anualmente por um dignitário religioso.
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Verifica-se que os sincretismos aplicados nos candomblés da Bahia divergem em
alguns detalhes da relação sincrética nos candomblés de outros estados brasileiros. Para maior
compreensão citaremos alguns orixás e seus correspondentes sincréticos, os santos católicos,
na Bahia e em outros estados.
Exú o orixá da comunicação, pois a ele cabe o papel de mensageiro entre o céu e a
terra, ou seja, é Exú o responsável por levar as mensagens do ser humano as divindades. Ele é
o guardião das casas, aldeias e cidades. A palavra Èsú (Exú) em iorubá significa “esfera”, e
ele é o orixá do movimento. Está sob seu domínio tudo que for derivado do comportamento
humano.
Erroneamente na época das colonizações na África, Exú foi sincretizado com o diabo
pelos colonizadores, devido a seu arquétipo irreverente e brincalhão, como também pela
forma com que é retratado nos cultos africanos, um falo humano ereto, esta representação se
deve ao fato de Exú governar a sexualidade a fertilidade. É importante destacar que na
construção teológicaiorubá não existem diabos ou entidades encarregadas única e
exclusivamente de coisas ruins como nas religiões cristãs. Namitologia iorubá, bem como no
candomblé, cada um dos orixás tem sua porção positiva e negativa assim como o próprio ser
humano.
Fig. 1 – Santo Antônio sincretizado a Exu
Fonte: http://www.raizesespirituais.com.br/santo-antonio-sincretizado-exu-13-junho/ - 11/02/2012
No Brasil na Região Sudeste, Exu e sincretizado com Santo Antônio. O que talvez
tenha propiciado esta correlação seria justamente o fato de Santo Antônio ser o santo
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casamenteiro, ou pelo fato de carregar uma criança no colo lembrando a fertilidade. Na Bahia
não encontramos ainda correspondente sincrético para Exu.
Já na Bahia Santo Antônio é sincretizado ao orixá Ogun. Uma correlação bastante
interessante visto ser Ogum o deus da Guerra, e Santo Antônio em geral é mostrado com uma
aparência atraente e suave, nas mãos traz uma flor-de-lis e nos braços carrega o menino Jesus.
“Foi, no entanto, cognominado o “martelador dos heréticos” por causa da extrema violência
verbal que usava para fustigar os maus pensadores e os monges sacrílegos.” (VERGER, 1981,
p.26)
Outro fato que pode solucionar o mistério desta correspondência vem de uma
tradição própria da cidade de Salvador. No ano de 1595, saiu da França uma frota comandada
por luteranos, intencionada a conquistar a Bahia. Deteram-se no percurso atacando uma ilhota
de possessão portuguesa, destruindo e saqueando, levando com eles uma imagem de Santo
Antônio entre outras coisas. Continuando a viagem foram atacados por forte tempestade
causando a perda de vários navios. Os que não se perderam foram assolados pela peste. Em
meio a estas provações e por ódio ao catolicismo com golpes de facão mutilaram a imagem e
lançaram ao mar. Foram todos presos na chegada ao porto de Sergipe e mandados para a
Bahia. Ao chegarem, a primeira coisa que viram na praia foi a imagem de Santo Antônio, a
mesma que haviam jogado ao mar. A imagem foi recolhida pelos frades franciscanos e levada
ao mosteiro. Por suas virtudes Santo Antônio foi alistado como soldado no Forte da Barra,
que tem seu nome, recebeu seu soldo regularmente e em 16 de Julho de 1705 foi promovido
ao posto de capitão pelo Governador Rodrigo da Costa. Santo Antônio foi promovido ao
posto de Major durante a Segunda Guerra Mundial, e o procurador do convento recebe todos
os meses o soldo a ele destinado. Os franciscanos conservam o uniforme de gala, que lhe foi
ofertado por uma devota.
Pode-se explicar assim esta relação visto que Ogum é guerreiro, soldado, general.
Senhor da guerra, do ferro, do aço.
Fig. 2 Ogum Fig. 3 São Jorge
14
Fonte:http://orixas.sites.uol.com.br/ogun.html-10/06/2012 Fonte:http://www.igrejadesaojorge.com.br/11/06/2012
“Como Orixá, Ogum é o deus do ferro, dos ferreiros e de todos aqueles que
utilizam esse metal: agricultores, caçadores, açougueiros, barbeiros, marceneiros, carpinteiros,
escultores.” (VERGER, 1981, p.86) Em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e demais estados do
sudeste e sul do Brasil Ogum é sincretizado com São Jorge, sincretismo claramente explicado
visto que o santo carrega lança e espada nos remetendo a figura de um guerreiro de um
caçador.
São Jorge é relacionado a Oxossi na Bahia. Para o povo iorubá Oxossi é o deus
dos caçadores, isto explica a sincretização a São Jorge, pois este e representado matando um
dragão com uma lança, arma usada pelos caçadores na África. Ao mesmo tempo, nos estados
do sudeste do Brasil, Oxossi é relacionado a São Sebastião. Esta correlação é facilmente
explicada, pois o orixá carrega arco e flecha e vive no meio das matas, São Sebastião aparece
atado a uma árvore exibindo flechas em seu corpo.
Fig. 4 Oxossi Fig. 5 São Sebastião
15
Fonte: http://casaespiritadeoxossi.com/ - 13/06/2012 Fonte:http://casaespiritadeoxossi.com/ - 13/06/2012
A correspondência entre Xangô e São Jerônimo, é um pouco mais difícil de
entender, visto que Xangô é um orixá temperamental, violento, aparece sempre nas lendas
africanas como um homem de várias mulheres, sincretizado a um ancião de aparência dócil.
Pode parecer estranho, à primeira vista, que Xangô, deus do trovão, violento
e viril, tenha sido comparado a São Jerônimo, representado por um ancião
calvo e inclinado sobre velhos livros, mas é que frequentemente
acompanhado, em suas imagens, por um leão docilmente deitado a seus pés.
E como o Leão é um dos simbolos de realeza entre os iorubás, São Jerônimo
foi comparado a Xangô o terceiro soberano desta nação. (VERGER, 1981,
p.26)
Fig.6 Xangô/São Jerônimo/Xangô
<http://materiastral.blogspot.com.br/2011/09/dia-de-xango-no-sincretismo-com-sao.html - 10/06/2012>
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O raio é a simbologia que liga Santa Bárbara, protetora contra raios e tempestades
ao orixá Iansã senhora dos ventos, ventanias, tempestades e relâmpagos. Iansã também é
guerreira carrega uma espada como Santa Barbara nas imagens.
Fig.7 Santa Bárbara Fig.8 Iansã
Fonte: http://minhaprece.com/santa-barbara/histria-da-santa-brbara http://casadeoxum.com.br/iansa.htm
O sincretismo entre Obaluaê e São Lázaro é compreensível, pois Obaluaê é o
orixá da varíola tem seu corpo cheio de feridas, e nas imagens de são Lázaro ele aparece com
o corpo coberto de chagas.
Fig.09 Obaluaê Fig. 10 São Lázaro
Fonte:http://www.fotolog.com.br/ronvitalle/30715420/ Fonte;http://opanteaonegro.blogspot.com.br/2011/04/
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Oxum em Minas Gerais e no Rio de Janeiro e sincretizada com Nossa Senhora da
Conceição. Senhora das águas doces, dona da fecundidade, deusa dos rios, fontes e
cachoeiras, deusa do ouro e do amor. Oxum é a protetora das crianças. Dentro dos
candomblés é carinhosamente tratada de mamãe Oxum. Talvez tenha sido esta a razão da
correlação com Nossa Senhora da Conceição que aparece nas imagens rodeada de anjos.
Na Bahia, Oxum e sincretizada com Nossa Senhora das Candeias, e no Recife
com Nossa Senhora dos Prazeres.
Fig. 11 Oxum Fig. 12 N. Sra. da Conceição
Fig. 13 N. Sra dos Prazeres Fig. 14 N. Sra. das Candeia
Fonte: http://afamiliacatolicaoracoes.blogspot.com.br
http://www.lojatodosossantos.com.br//2010/04/nossa-senhora-dos-prazeres.html
Nanã Buruku, entre as divindades das aguas é a mais idosa, por isto, ela é considerada
avó de todos os orixás. No Brasil Nanã foi relacionada a Sant’Ana, mãe da Virgem Maria, avó de
18
Jesus. Nanã Buruku, no Brasil, é um orixá extremamente respeitado nas religiões de matrizes
africanas.
Fig 15. Nanã buruku Fig. 16 Santa Ana
Fonte:http://reabruxinhaboa.blogspot.com.br/2011/05/
Sem dúvida alguma o orixá mais conhecido no Brasil é Iemanjá. Suas festas são muito
populares em quase todo o Brasil. Inicialmente sincretizada com Nossa Senhora da Conceição na
Bahia, Iemanjá é o orixá das aguas salgadas, do mar, é mãe de numerosos orixás.
[…] porém, as pessoas fazem abstração, na Bahia, do sincretismo que liga Oxum a
Nossa Senhora das Candeias, festejada no dia 2 de fevereiro, pois é nesta data que se
organiza um solene presente para Iemanjá. Isso mostra que o sincretismo entre os
deuses africanos e os santos da Igreja Católica não é de uma rigidez e de um rigor
absolutos. A festa do dia 2 de fevereiro é uma das mais populares do ano, atraindo à
praia do Rio Vermelho uma multidão imensa de fiéis e de admiradores da Mãe das
Águas. (VERGER, 1981, p.192)
Atualmente Iemanjá é sincretizada à Nossa Senhora dos Navegantes na Bahia, justamente por
ser o dia 2 de fevereiro a ela dedicado. Em Minas Gerais Iemanjá é sincretizada com Nossa Senhora
da Glória.
Fig.17 N. Sra dos Navegantes Fig.18 Iemanjá
Fonte: http://www.sintoniasaintgermain.com.br/ns.htm Fonte:http://jornale.com.br/wicca/2009/02/02/
11/06/2012> canto-de-iemanja/11/06/2012
19
Fig.19. Nossa Senhora da Glória
Fonte: http://www.elo7.com.br/transfer-nossa-senhora-da-gloria-2-40/dp/3966F - 11/06/2012
Obá deusa dos lagos, é uma orixá guerreira, carrega nãos mãos uma espada e por isto mesmo
é sincretizada em todo o Brasil com Santa Joana D’Arc a santa guerreira da Igreja Católica.
Fig.20 Santa Joana D`Arc Fig. 21 Obá
.
Fonte: http://magnificat-umbelina.blogspot.com.br/ Fonte: http://tonsdokandomble.blogspot.com.br/
Oxalá orixá da criação, na região sudeste do Brasil, é sincretizado a Jesus Cristo, por
ser ele filho de Olorum, Deus para os iorubás. Na Bahia Oxalá é relacionado a Nosso Senhor do
Bonfim, é uma relação dificil de ser explicada, não existe uma razão especial para esta associação,
segundo Verger “senão a de ter ele, nesta cidade, um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção
aos habitantes de todas as categorias sociais.” (VERGER, 1981, p.259)
Uma lenda africana é todos os anos comemorada na Bahia, “Águas de Oxala”
Uma versão sincretizada as “Águas de Oxalá” é a lavagem do chão da Basílica do
Senhor do Bonfim. Alguns piedosos católicos tinham o hábito de lavar zelosamente
o chão da igreja, um ato de devoção que não é particular a esse templo. No Bonfim,
porém, tomou um caráter diferente, pois os descendentes de africanos, movidos por
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um sentimento de devoção, tanto ao Cristo como ao deus africano, fizeram uma
aproximação entre as duas lavagens: a dos axés18
de oxalá e aquela do solo da igreja
que leva o nome católico do mesmo orixá. Os devotos aparecem em grande número
a fim de participarem da lavagem, na quinta-feira do Bonfim.Essa festa é,
atualmente uma das mais populares da Bahia. Nesse dia, as baianas, vestidas de
branco, cor de Oxalá, vão em cortejo à Igreja do Bonfim. Trazem na cabeça potes
contendo água para lavar o chão da igreja e flores para enfeitar o altar. São
acompanhadas por uma multidão, onde sempre figuram as autoridades civis do
Estado da Bahia e da cidade de Salvador. (VERGER., 1981, p.261)
Fig.22 Oxalá Fig. 23 Jesus Cristo
Fonte: http://naugibaue.sites.uol.com.br/tempooxala.html Fonte:http://www.blogadao.com/fotos-de-jesus-
Necessário é salientar que outras influências religiosas também aliaram-se ao
sincretismo católico na formação do candomlé brasileiro, haja visto a herança dos malês19
para as
práticas e usos do culto. O respeito pela sexta-feira, as túnicas (abadás) e vestimentas brancas, os
patuás, o pano da costa das baianas, foram alguns dos legados dos malês ao Candomblé.
Não se pode olvidar também da correlação entre a mitologia africana e a mitologia
greco-romana, tão conhecida pelos europeus, porém dada a extensão deste assunto, cabe-nos
percorrê-lo em um novo artigo.
18
Axé - Àse em iorubá, significa força, poder, energia. No contexto do candomblé axé representa um poder de
força sobrenatural. 19
Malês –Malê ou imales ( do árabe mu allin = professor). Escravos islamizados instalados na Bahia, eram
alfabetizados e de dificil domínio.
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Conclusão
A presença do sincretismo religioso nos cultos de matrizes africanas atestam
positivamente pela sobrevivência dos mesmos até nossos dias. Pode-se perceber durante a
explanação do tema que o escravo africano, logo ao deixar suas terras, embarcando nos negreiros, já
entraram em contato com a religiosidade européia, haja visto os nomes dos navios nos quais eram
embarcados. Todos os navios tinham nomes que remetiam a religião católica, nomes de santos,
santas, de Jesus e até das almas. Este contato passava a ter uma maior conotação na chegada do
africano aos portos brasileiros, pois assim que desembarcavam eram batizados no catolicismo, para
resguardarem suas almas, recebendo nomes portugueses.
O escravo era obrigado a seguir a religião de seus senhores, abandonar seus costumes e
cultos. A convivência diária com o catolicismo, religião oficial na colônia, os aproximou do
entendimento sobre os dogmas deste culto, apresentando-os aos “Santos do Paraíso”. As danças de
domingo tornaram-se uma senda propícia para preservação e conservação de suas culturas, pois
desta maneira podiam reverenciar seus deuses sem restrição de seus senhores.
Aliado a estes fatos, os escravos aproveitavam semelhanças visíveis entre os santos
católicos e seus deuses, em uma espécie de camuflagem que lhes serviria para burlar seus senhores,
quanto aos significados da cantoria. Se o senhor lhe perguntasse o que cantavam diziam estar
saudando aos “Santos do Paraíso”, e para uma maior credibilidade colocavam imagens de santos
católicos em cima de um altar improvisado. Assim procedendo conseguiram manter viva durante
gerações suas culturas e tradições.
Pode-se perceber a importância que o sincretismo teve para a permanência e
conservação das religiões de matrizes africanas ao analisarmos a escravidão africana em países de
colonização protestante, há alguma expressão de religiosidade africana primitiva remanescente,
conhecida e relevante?
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