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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 36, n. 1, 1309 (2014) www.sbfisica.org.br O modelo ondulat´orio da luz como ferramenta para explicar as causas da cor (The wave model of light as a tool to explain the causes of color) Anne L. Scarinci 1 , F´abio Marineli 2 1 Universidade de S˜ao Paulo, S˜ao Paulo, SP, Brasil 2 Universidade Federal de Goi´as, Jata´ ı, GO, Brasil Recebido em 28/6/2013; Aceito em 1/10/2013; Publicado em 6/2/2014 O presente texto trata dos efeitos da intera¸ ao luz-mat´ eria que resultam nas cores que enxergamos, as- sunto que geralmente n˜ao ´ e tratado adequadamente em aulas de f´ ısica. S˜ao feitas algumas considera¸c˜ oes sobre percep¸c˜ ao visual e, em seguida, procuramos nos centrar em explica¸c˜ oes para as causas da cor que utilizam o eletromagnetismo cl´assico (luz como onda eletromagn´ etica) e o modelo de Drude-Lorentz (osciladores molecu- lares e eletrˆonicos). Esse modelo subsidia o entendimento dos fenˆomenos de espalhamento, reflex˜ao, refra¸c˜ ao ereflex˜ao-refra¸c˜ ao difusa. Ao final do texto, para efeito de compara¸c˜ ao e para ampliar o entendimento dos fenˆ omenos relacionados `a cor, tamb´ em abordamos algumas causas da cor que exigem a utiliza¸c˜ ao de um modelo quˆ antico para a luz. Palavras-chave: intera¸ oes da luz com a mat´ eria, eletromagnetismo cl´assico, modelo de Drude-Lorentz, causas da cor. This text concerns effects of interaction light-matter which result in the colors we see, subject generally not covered appropriately in physics classes. After considerations about human visual perception, we focused in explanations to the causes of color that require the classical electromagnetism (light as an electromagnetic wave) and Drude-Lorentz model (molecular and electronic oscillators). This model subsides the understanding of scattering, reflection, refraction and diffuse light spreading phenomena. In the end of the text, for a comparison purpose and to broaden the understanding of phenomena related to color, we also discuss some causes of color which require the use of a quantum model of light. Keywords: light-matter interactions, classical electromagnetism, Drude-Lorentz model, causes of color. 1. Introdu¸c˜ ao Aprender ısica pressup˜oe apoderar-se de modelos ısicos como ferramentas conceituais de interpreta¸c˜ ao dos fenˆomenos, pois os modelos permitem conectar es- ses fenˆomenos a uma determinada teoria f´ ısica. Para os fenˆomenosrelacionados`a´optica, porexemplo, usam-se atualmente os modelos ondulat´orio e quˆantico (depen- dendo do tipo de fenˆomeno a ser interpretado). Em situa¸c˜ oes mais comuns de ensino de f´ ısica, onde teorias mais avan¸ cadas n˜ao s˜ao tratadas, esses dois modelos est˜ao relacionados a teorias distintas, o modelo ondu- lat´oriopuro`a´opticacl´assica(tratandofenˆomenosde reflex˜ao,difra¸c˜ ao,polariza¸c˜ ao etc.) e o modelo cor- puscular `a teoria quˆantica (tratando fenˆomenos de ab- sor¸c˜ ao e emiss˜ao da luz, entre outros). Atualmente, com os constantes incentivos para a in- clus˜ao da f´ ısica moderna nas aulas do Ensino M´ edio, muitas vezes o professor se vˆ e compelido a falar sobre o modelo quˆantico de luz. No entanto, se esse modelo n˜ao for adequadamente tratado, pode gerar problemas na compreens˜ ao da natureza da luz, pois os alunos podem ser levados a consider´a-la como formada por part´ ıculas –caracteriza¸c˜ ao essa que ´ e parte do modelo quˆantico –, mas com propriedadesmecˆanicascl´assicas, inclusive em fenˆomenos para os quais o uso do modelo ondu- lat´ orio seria o mais adequado. No entanto, para um tratamento apropriado do modelo em situa¸c˜ oes de en- sino, os pr´oprios professores precisam ter um dom´ ınio adequado dele, o que nem sempre ocorre. Em 2011 ministramos um curso em n´ ıvel de espe- cializa¸c˜ ao para professores de f´ ısica de escolas p´ ublicas paulistas, e notamos um enorme interesse – e, ao mesmo tempo, graves confus˜oes conceituais – na interpreta¸ ao dos fenˆomenos da intera¸ ao da luz com a mat´ eria para aforma¸c˜ ao da cor: quando os professores ensaiavam ul- 1 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 36, n. 1, 1309 (2014)www.sbfisica.org.br

O modelo ondulatorio da luz como ferramenta

para explicar as causas da cor(The wave model of light as a tool to explain the causes of color)

Anne L. Scarinci1, Fabio Marineli2

1Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, Brasil2Universidade Federal de Goias, Jataı, GO, Brasil

Recebido em 28/6/2013; Aceito em 1/10/2013; Publicado em 6/2/2014

O presente texto trata dos efeitos da interacao luz-materia que resultam nas cores que enxergamos, as-sunto que geralmente nao e tratado adequadamente em aulas de fısica. Sao feitas algumas consideracoes sobrepercepcao visual e, em seguida, procuramos nos centrar em explicacoes para as causas da cor que utilizam oeletromagnetismo classico (luz como onda eletromagnetica) e o modelo de Drude-Lorentz (osciladores molecu-lares e eletronicos). Esse modelo subsidia o entendimento dos fenomenos de espalhamento, reflexao, refracaoe reflexao-refracao difusa. Ao final do texto, para efeito de comparacao e para ampliar o entendimento dosfenomenos relacionados a cor, tambem abordamos algumas causas da cor que exigem a utilizacao de um modeloquantico para a luz.Palavras-chave: interacoes da luz com a materia, eletromagnetismo classico, modelo de Drude-Lorentz, causasda cor.

This text concerns effects of interaction light-matter which result in the colors we see, subject generallynot covered appropriately in physics classes. After considerations about human visual perception, we focusedin explanations to the causes of color that require the classical electromagnetism (light as an electromagneticwave) and Drude-Lorentz model (molecular and electronic oscillators). This model subsides the understanding ofscattering, reflection, refraction and diffuse light spreading phenomena. In the end of the text, for a comparisonpurpose and to broaden the understanding of phenomena related to color, we also discuss some causes of colorwhich require the use of a quantum model of light.Keywords: light-matter interactions, classical electromagnetism, Drude-Lorentz model, causes of color.

1. Introducao

Aprender fısica pressupoe apoderar-se de modelosfısicos como ferramentas conceituais de interpretacaodos fenomenos, pois os modelos permitem conectar es-ses fenomenos a uma determinada teoria fısica. Para osfenomenos relacionados a optica, por exemplo, usam-seatualmente os modelos ondulatorio e quantico (depen-dendo do tipo de fenomeno a ser interpretado). Emsituacoes mais comuns de ensino de fısica, onde teoriasmais avancadas nao sao tratadas, esses dois modelosestao relacionados a teorias distintas, o modelo ondu-latorio puro a optica classica (tratando fenomenos dereflexao, difracao, polarizacao etc.) e o modelo cor-puscular a teoria quantica (tratando fenomenos de ab-sorcao e emissao da luz, entre outros).

Atualmente, com os constantes incentivos para a in-clusao da fısica moderna nas aulas do Ensino Medio,

muitas vezes o professor se ve compelido a falar sobre omodelo quantico de luz. No entanto, se esse modelo naofor adequadamente tratado, pode gerar problemas nacompreensao da natureza da luz, pois os alunos podemser levados a considera-la como formada por partıculas– caracterizacao essa que e parte do modelo quantico–, mas com propriedades mecanicas classicas, inclusiveem fenomenos para os quais o uso do modelo ondu-latorio seria o mais adequado. No entanto, para umtratamento apropriado do modelo em situacoes de en-sino, os proprios professores precisam ter um domınioadequado dele, o que nem sempre ocorre.

Em 2011 ministramos um curso em nıvel de espe-cializacao para professores de fısica de escolas publicaspaulistas, e notamos um enorme interesse – e, ao mesmotempo, graves confusoes conceituais – na interpretacaodos fenomenos da interacao da luz com a materia paraa formacao da cor: quando os professores ensaiavam ul-

1E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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trapassar o nıvel mais superficial nas explicacoes, bus-cando as causas dos fenomenos opticos na estrutura dasentidades que interagiam, surgiam explicacoes como:

O alcance da luz da vela nao e tao grandequanto o da luz do farol do carro, por issonao enxergamos uma vela a distancia.

Os raios solares colidem com as moleculase sao responsaveis pela dispersao do azul.

Ou seja, ou insistiam no modelo simplificado dosraios de luz, que nao se mostrava util para muitas dasexplicacoes, ou tentavam utilizar o conceito de fotons,porem imaginando a luz como composta por partıculasnewtonianas. Ao mesmo tempo, os textos de fısicabasica – mesmo em nıvel universitario –, pouco tra-tavam dos modelos fısicos da luz e da materia na in-terpretacao de fenomenos da cor, enquanto os de di-vulgacao cientıfica apresentavam simplificacoes inade-quadas e erros conceituais proximos aos dos professo-res.

Este texto foi elaborado a partir dessa dificuldadede entendimento. Coletamos as explicacoes dadas pe-los professores daquele curso como inspiracao para otratamento das explicacoes da cor, embasando-as es-pecialmente nos modelos cientıficos e na estrutura damateria.

A parte da optica mais ensinada na Escola Basica e aoptica geometrica. Essa abordagem se propoe a utilizaro modelo ondulatorio de luz e simplifica-lo, atraves dosrecursos didaticos “raios de luz” e “frentes de onda”,especialmente objetivando o estudo de fenomenos liga-dos a refracao e a reflexao da luz e a formacao de ima-gens em espelhos e lentes. Os livros didaticos frequente-mente relacionam os raios de luz ao modelo ondulatorionas definicoes e consideracoes iniciais do tema, porem,logo em seguida, passa-se a trabalhar exclusivamentecom o raio de luz, de forma que o modelo ondulatorio(i.e. a interpretacao da luz como uma perturbacao ele-tromagnetica que se propaga no espaco e que interagecom cargas eletricas da materia) nao e efetivamente uti-lizada na interpretacao dos fenomenos. Os raios de luzadquirem status de modelo fısico, dentro de uma con-cepcao newtoniana para a luz.

Mesmo quando o ensino nao e exclusivamente cen-trado na optica geometrica, frequentemente o modeloondulatorio nao e adequadamente explorado e ha um“salto” da parte geometrica para um “pseudomodeloquantico”, que desconsidera a natureza dual da luz.Poucos livros didaticos articulam a optica classica ade-quadamente, deixando o professor carente de elementosconceituais para realizar um ensino que relacione o mo-delo ondulatorio a explicacao de fenomenos. Por isso,este texto procurou recuperar o tratamento ondulatorioclassico da luz para a interpretacao de fenomenos. Aofinal do texto, abordamos tambem alguns fenomenosque exigem o modelo quantico, visando nao somente

elucidar as limitacoes do ondulatorio, mas tracandouma breve comparacao entre a abordagem de cada mo-delo.

Como escolhemos enfocar fenomenos relacionadosa cor, e porque a causa da cor depende tambem dapercepcao visual e das caracterısticas da interpretacaoolho-cerebro, consideracoes sobre o funcionamento davisao devem ser feitas para uma explicacao mais com-pleta. Organizamos o texto de modo a enfatizar como omodelo ondulatorio da luz, aliado ao modelo de Drude-Lorentz para a materia, podem se constituir ferramen-tas poderosas para a interpretacao dos fenomenos dacor, alem de ser um aprofundamento interessante noeletromagnetismo.

2. Os significados da palavra cor e omecanismo da visao

Apesar de nossos olhos nao serem sensıveis aoamarelo, vemos amarelo quando sao emitidos overmelho e o verde.

O amarelo da flor e uma propriedade intrınsecada flor ou sera devido apenas a luz que incide so-bre ela?

A rigor, nao podemos dizer que o papel e branco.A cor nao e do papel, mas da luz que incide sobreele. Entao os objetos nao tem cor nenhuma...

Essas frases (com grifos nossos) revelam concepcoeserroneas sobre a interacao luz-materia, e tambem sobrea interacao luz-olho-cerebro. Para evitar tais erros, con-sideramos que para tratar adequadamente os fenomenosda cor, e preciso abordar tambem o fenomeno da visao.

Uma consideracao inicial necessaria e que a palavra“cor” e polissemica, podendo assumir tres significados:a cor como propriedade de um objeto (ex. uma paredeamarela), a cor como um determinado comprimento deonda eletromagnetica emitida (ex. feixe amarelo de580 nm) e a cor como sensacao no olho-cerebro [1].

Dizer que um objeto e amarelo significa que sem-pre que se incide luz branca nele, a cor percebida peloolho humano normal e amarela. Uma parede amarela,por exemplo (amarelo = propriedade da parede), podeemitir varios “conjuntos” de comprimentos de onda –sem necessariamente emitir na faixa amarela do espec-tro. Um objeto que reemite a luz solar somente nas fai-xas em torno de 520 nm (verde) e 700 nm (vermelha)pode ser percebido como amarelo, mesmo sem emitirluz alguma na faixa amarela (que e em torno de 560 a580 nm). Ou seja, a percepcao visual de uma cor naoimplica necessariamente que o objeto esteja emitindoluz na faixa de comprimentos de onda dessa cor; porisso a distincao entre a cor como sensacao olho/cerebroe cor como comprimento de onda.

Na percepcao visual de uma cor ocorrem inter-pretacoes dos estımulos luminosos que chegam aosolhos. A primeira delas e na retina, que recebe o

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estımulo do objeto e envia uma informacao ao cerebro.Um segundo nıvel e o do proprio cerebro, que pode com-binar a informacao provinda da retina com aspectos re-lacionados a memoria. Por exemplo, uma maca tendea ser interpretada como vermelha, mesmo sob uma ilu-minacao artificial que produza pouca reflexao no ver-melho – porque temos uma memoria de que macas saovermelhas. Outro exemplo e que um objeto levado deum ambiente muito iluminado para outro com fraca ilu-minacao pode manter, para o cerebro, a mesma cor ori-ginal, mesmo tendo seu espectro de emissao alterado [2].

O uso da palavra cor referindo-se a um comprimentode onda da luz tem relacao com a divisao (nao fısica,mas convencional) do espectro visıvel em cores. Usual-mente, comprimentos de onda entre 560 e 580 nm saodenominados amarelos. Entao, se falamos em uma “luzamarela”, subentendemos um comprimento de ondadentro daquele intervalo. Uma observacao interessantee que existe luz amarela, mas nao luz marrom. A coramarela e uma cor espectral – porque existe algum com-primento de onda puro que, chegando ao olho, e vistocom essa cor. Mas as cores marrom, roxa ou cinza, naosao cores espectrais; necessariamente elas decorrem deemissoes multiplas.

Por que existem cores nao espectrais? Como o olho-cerebro pode “criar cores novas”, alem daquelas relaci-onadas a comprimentos de onda de luz?

Uma breve comparacao entre a percepcao dosestımulos visuais e dos sonoros: em relacao aosfenomenos sonoros, nosso mecanismo de percepcao au-ditiva e construıdo de tal forma que, ao ouvirmosum conjunto de sons de frequencias diferentes, nossoouvido-cerebro e capaz de discriminar cada frequenciae, desta forma, somos capazes de identificar timbres eacordes. Por exemplo, quando se toca um la mediono piano (frequencia fundamental de 440 Hz), ouvimosum conjunto de frequencias sonoras – os harmonicos dafrequencia de 440 Hz – que identificam o instrumentousado. Nao conseguimos conscientemente separar cadaharmonico do som fundamental, mas ao tocarmos si-multaneamente o la e o seu primeiro harmonico (re) –um acorde de dois sons, conseguimos perceber este novosom como diferente do primeiro (somente o la), apesarde em ambos a frequencia “re” estar envolvida. Outroexemplo e a propria identificacao dos timbres: um latocado por uma flauta soa diferente aos nossos ouvidosem relacao a um mesmo la tocado por um violino. Es-ses dois la’s se diferenciam somente pelo conjunto deharmonicos superiores e suas intensidades em cada ins-trumento [3].

Ja no caso da nossa percepcao visual, nao temoscapacidade de discriminacao por frequencias compo-nentes. Se um objeto emite as frequencias vermelha,verde e violeta, por exemplo, podera produzir identicasensacao visual a outro objeto que emita em frequencialaranja. Ou seja, nao percebemos “acordes” de luz.

Por isso, a cor como propriedade de um objeto naoe analoga a cor como comprimento de onda emitido.Este fenomeno, de diferentes emissoes poderem produ-zir igual efeito visual, e chamado de metamerismo.

A Fig. 1 mostra diferentes combinacoes de com-primentos de onda que produzem a mesma sensacaovisual da cor roxa. A cor final do feixe luminoso se re-laciona a um atributo2 da cor chamado matiz [5]. Omatiz e a cor predominante produzida pela combinacaode comprimentos de onda emitidos por um objeto (oureemitidos, no caso de objetos nao luminosos). Alemdo matiz, para especificar a percepcao completa de umdeterminado feixe luminoso sao necessarias a saturacaoe a luminosidade.

Figura 1 - Metamerismo - Os seis espectros de emissao produzema mesma sensacao visual, da cor roxa [4].

A saturacao diz respeito a pureza do feixe, ou, oquanto determinado matiz se sobrepoe ao restante doespectro que esta sendo emitido. Se de um objeto rece-bemos luz azul misturada a uma grande quantidade deluz branca (emissao em todos os comprimentos de ondado visıvel), dizemos que ha baixa saturacao do azul epercebemos uma cor azul pastel – em contraposicao aum azul forte, brilhante, no caso da emissao do azulcom a absorcao dos outros comprimentos de onda.

A luminosidade refere-se a intensidade total dofeixe. Desta forma, podemos ter um objeto emitindoazul em pouca intensidade, resultando na cor azul es-curo.

Entao, a percepcao da cor e determinada pela faixade frequencias recebida pelo sistema visual (que faz umaespecie de adicao, da qual trataremos em seguida) e dasintensidades relativas de cada faixa.

3. A recepcao do estımulo visual peloolho humano e as cores primarias

Newton provou que a luz branca ao transpassar umprisma de cristal se divide em varios feixes coloridossendo sete deles visıveis, nao que so tenham as sete.

As cores vermelho, azul e verde sao as 3 cores

2 Dizemos “atributos” porque eles descrevem uma percepcao, nao propriedades fısicas da luz.

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que nossos olhos captam. Todas as outras coresque vemos sao formadas a partir dessas 3 cores.Por isso essas 3 cores sao consideradas as coresprimarias da visao e tambem da sıntese aditiva decor.

O olho detecta as frequencias emitidas e faz umamedia dessas frequencias, cujo resultado e a cor.

Atraves das frases, percebemos que uma compre-ensao erronea de como o olho detecta a luz e interpretaa cor interfere na compreensao da causa da cor, pois ex-plicacoes parciais do mecanismo de visao podem gerarconcepcoes erradas. A explicacao completa consiste nacompreensao de como a luz interage com as proteınasfotossensoras da retina e que tipo de informacao e ge-rada (e enviada ao cerebro) a partir dessa interacao.

Primeira consideracao: nao enxergamos apenas trescomprimentos de onda. Nem apenas sete. Nossos olhossao capazes de processar todo o espectro, contınuo,desde 400 ate 700 nm, aproximadamente. Por que entaodefinimos tres cores primarias?

Newton, quando determinou sete cores para o es-pectro luminoso visıvel (as chamadas sete cores do arco-ıris), fe-lo em analogia as sete notas musicais. Ou seja,a subdivisao do espectro visıvel em sete faixas se em-basa mais em razoes outras que em propriedades fısicasda luz ou da visao [6]. Ja a determinacao das coresprimarias nao tem motivos analogos. Os experimen-tos de Thomas Young que levaram a caracterizacao dastres cores primarias encontraram, mais tarde, uma ex-plicacao fisiologica, em termos de como o nosso olhofunciona para perceber as cores [1].

As celulas da retina capazes de discriminarfrequencias luminosas (e, portanto, enxergar cores) saoos cones. Temos tres tipos de cones; cada um delespossui substancias fotorreceptoras com pico de sensibi-lidade em uma regiao do espectro, conforme mostra aFig. 2.

Figura 2 - Sensibilidade dos tres tipos de cones no olho humano[7], com as denominacoes de L para ondas Largas, M para ondasMedias e C para ondas Curtas.

Alguns textos denominam os cones a partir da faixaespectral mais significativa de sensibilidade. Assim, oscones L seriam chamados de “vermelhos”. Essa de-nominacao e pratica, mas pode induzir a erros, poistais cones nao sao sensıveis somente a comprimentos de

onda na faixa do vermelho. Por outro lado, de fato, ascores primarias (padrao RGB) estao intimamente rela-cionadas com a faixa de sensibilidade dos 3 cones.

Como o estımulo funciona? As celulas fotossenso-ras (cones) recebem uma informacao eletromagnetica edevem transforma-la em uma informacao de naturezaquımica. Cada tipo de cone tem substancias quımicasdiferentes, e essas substancias sofrem transformacaoquımica com algumas faixas de frequencia, mas nao comoutras, de acordo com o grafico acima. Para o cone M,uma luz de 550 nm produz ativacao de maior numerode substancias quımicas desse cone, do que uma luz de600 nm. Entao, a informacao que o cone vai enviar naoe propriamente uma informacao de “qual frequencia lu-minosa incidiu”, mas de “quantas substancias sofreramativacao” – ou seja, a informacao que vai ao cerebro erelativa a intensidade de sensibilizacao do cone [8].

O cerebro recebe as informacoes eletricas dos 3 ti-pos de cones e interpreta-as em uma “cor”. Poderıamosrepresentar a chegada da informacao eletrica ao cerebrocomo “cone L 50%, cone M 40%, cone C 10%”. Se umafrequencia luminosa amarela (λ = 570 nm) atinge a re-tina, ela sensibiliza os cones (L e M) em proporcoes taisque o cerebro interpreta a resultante como “amarelo”.No entanto, podemos ter identica sensacao visual se,em vez de luz amarela, a retina receber frequencias ver-melha e verde em intensidades que obtenham o mesmoestımulo em cada cone. E por isso que dizemos que aadicao das luzes vermelha e verde resulta na cor ama-rela.

Existem varias tabelas e diagramas, que foram cria-dos para relacionar a composicao de um feixe de luz coma cor que enxergamos (sao muito uteis, por exemplo,para a industria de tintas). Alguns dos metodos maisusados mundialmente foram criados pela Comissao In-ternacional de Iluminacao – em especial, o diagramacromatico e a tabela dos estımulos tricromaticos do es-pectro. O diagrama cromatico (Fig. 3) nos permiteprever a sensacao visual que resultara de uma determi-nada combinacao de feixes. Por exemplo, a combinacaode feixes de 570 e 490 nm (dependendo das intensidadesrelativas) resultara em uma cor que esteja na linha queune esses dois comprimentos de onda no diagrama:

Ao combinarmos tres emissoes monocromaticas, acor resultante estara em um triangulo, formado pe-las linhas que unem os tres comprimentos de onda.Logo, percebemos que podemos obter a maior varie-dade possıvel de cores, usando comprimentos de ondanas tres extremidades do diagrama. E esse modo defuncionamento do olho humano que fundamenta a de-finicao das tres cores primarias de emissao, ilustradasna Fig. 4.

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Figura 3 - Diagrama cromatico e as cores possivelmente resul-tantes da emissao dos comprimentos de onda entre 570 e 490 nm(O diagrama e, na verdade, tridimensional. Neste desenho, estaorepresentados dois dos tres eixos).

Figura 4 - Cores primarias de emissao.

Essa figura mostra as tres cores primarias da luz(o vermelho, o azul e o verde), as resultantes das mis-turas das cores duas as duas, chamadas de cores se-cundarias da luz (o amarelo, o ciano e o magenta), e aresultante da mistura das tres cores primarias, que e obranco. Percebemos, entao, que a cor branca e conse-guida no caso de recebemos estımulo em toda a faixavisıvel da luz (como com a luz que vem do Sol ou deuma lampada incandescente), ou quando recebermosestımulo somente nas 3 frequencias primarias (comode uma tela de computador). Daı surgiu o “padraoRGB” (red, green, blue, nomes em ingles para as coresprimarias).

Ja para objetos que nao sao fontes de luz, a ex-plicacao das cores e um pouco diferente. Nesses objetos,

a cor e geralmente produzida por absorcao. Por exem-plo, se na incidencia de luz branca um objeto absorvea luz da faixa vermelha do vermelho, a cor percebidapelo olho sera a combinacao do espectro que restou nareemissao. Dessa forma, essa luz reemitida sensibilizaao maximo os cones C e M – resultando a cor ciano (vernovamente a Fig. 3: o ciano esta em oposicao ao ver-melho e resultado da mistura da luz verde com azul).Analogamente, se um objeto absorve a luz da faixa doazul, a cor percebida sera amarela (cones L e M sensi-bilizados ao maximo e cone C pouco sensibilizado).

Devido a esse fenomeno de absorcao, temos ou-tro conjunto de cores primarias, as chamadas coresprimarias de absorcao ou da tinta, em que cada correfere-se a absorcao de uma regiao (cerca de 1/3) do es-pectro. Dessa forma, percebemos que as cores primariasde absorcao sao exatamente as cores secundarias deemissao, e vice-versa, conforme ilustrado na Fig. 5.

Figura 5 - Cores primarias de absorcao.

Observa-se que o preto do centro do diagrama acon-tece por absorcao completa dos tres tercos do espec-tro. Na pratica, ao misturarmos tintas das tres co-res primarias, nao obtemos realmente o preto, mas ummarrom-escuro. Para explicar isso, precisamos pensarem como ocorrem as absorcoes no nıvel molecular. Setivermos um unico pigmento que absorva toda a luzvisıvel, veremos a cor preta. Porem, em uma misturade pigmentos, cada pigmento absorve parte das cores ereemite as demais. Em tese, as frequencias reemitidasserao absorvidas por outros pigmentos, diferentes dosprimeiros, que se encontram nas adjacencias. No en-tanto, sempre existira, em nıvel molecular, espaco entreas partıculas e nem toda a luz reemitida por uma seraabsorvida pelas adjacentes [1]. Por isso, o resultado realnao sera preto.

Alem das combinacoes de frequencias eletro-magneticas, podemos obter os demais efeitos de cordos objetos atraves da variacao de luminosidade e desaturacao do feixe, como ja vimos anteriormente.

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4. O espectro de ondas eletromagneti-cas e a nao ressonancia luz-materiano visıvel

Para explicar que a maca e vermelha, eu deveriadizer que os eletrons dela pulam para outros nıveisenergeticos ao absorver a luz e, ao voltarem, reemi-tem no vermelho.

Um aluno que aprende elementos da teoria quanticapode ser levado a pensar que deve abdicar do modeloondulatorio e tentar explicar todos os fenomenos re-lacionados a luz com base em interacoes ressonantes.O problema esta no fato de que que nem todas as in-teracoes da luz visıvel com a materia sao ressonantes –e interacoes nao-ressonantes tambem podem produzirfenomenos de cor. No entanto, muitos professores defısica nunca aprenderam a tratar os fenomenos da corcom base no modelo ondulatorio.

Abaixo, na Fig. 6, ilustramos o espectro de on-das eletromagneticas (o.e.m.) em ordem crescente defrequencias, e destacamos a faixa do espectro visıvel aoolho humano. Vejamos como as partıculas da materiareagem a essas diferentes frequencias eletromagneticas.

Figura 6 - Espectro das o.e.m.

4.1. As microondas e o infravermelho (IV)

Existem efeitos quanticos de ressonancia das moleculascom as o.e.m. na faixa do infravermelho – as moleculasabsorvem a radiacao incidente e modificam seus nıveis(quantizados) rotacionais e vibracionais [9]. E porisso que essas frequencias produzem o aquecimento damateria: as moleculas sao capazes de absorver a ra-diacao e transforma-la em energia cinetica, o que au-menta a temperatura. E o que acontece com um copode agua colocado em um forno de microondas e comobjetos deixados ao sol (pois uma consideravel fracaoda luz solar esta na faixa IV).

4.2. A radiacao ultravioleta (UV)

As o.e.m. na faixa ultravioleta tambem podem produ-zir efeitos de ressonancia, desta vez com os eletrons dosatomos. Os eletrons absorvem a radiacao e saltam paraoutros nıveis quanticos. A absorcao quantizada da luznessas duas faixas de frequencia nos obriga a tratar,nesses casos, a luz como pacotes de energia (fotons) eesses fenomenos sao estudados pela teoria quantica.

4.3. A luz visıvel

Normalmente, a luz visıvel tem energia muito pequenapara excitar eletrons a um novo estado quantico, e temenergia muito grande para interagir quanticamente comas moleculas [9]. Por conseguinte, essas interacoes saotratadas pelo eletromagnetismo classico usando um mo-delo que preve como as cargas eletricas presentes namateria oscilam sob o efeito do campo eletromagneticooscilante de uma onda eletromagnetica.

Em 1900, Paul Drude, interessado em explicar aconducao eletrica (e termica) dos metais, modelou oseletrons livres de um metal como se fossem um gasde eletrons, que se movem atraves de um fundo for-mado por uma rede de ıons positivos relativamente fi-xos. Com essa modelagem, seria possıvel utilizar a te-oria cinetica dos gases para estudar influencia de umcampo eletrico sobre um metal, e as cargas eletricaspoderiam entao ser tratadas como partıculas materiais,com seu comportamento descrito utilizando-se as leisda mecanica.

Nos anos seguintes, Hendrik A. Lorentz aproveitoua ideia de Drude, modelando o comportamento das car-gas eletricas da materia (ligadas entre si), quando sobinfluencia de um campo eletromagnetico externo: essascargas eletricas foram consideradas como partıculas ca-pazes de oscilar a partir de sua interacao com o campo.Essa oscilacao poderia ser descrita com o mesmo forma-lismo utilizado para as partıculas mecanicas que oscilamsob influencia de uma forca externa.

Por essas contribuicoes, o modelo que trata docomportamento das cargas da materia (seja esta umdieletrico ou um metal), considerando-as como oscila-dores sob acao de ondas eletromagneticas, e usualmentedenominado como modelo de Drude-Lorentz.

5. O modelo de Drude-Lorentz em car-gas eletricas ligadas

A luz interage com a materia porque ambas tem pro-priedades eletricas e magneticas. Essa compreensao efundamental para o entendimento das interacoes luz-materia que utilizam o modelo fısico ondulatorio da luz.Mas uma modelagem fısica das partıculas da materiatambem e necessaria.

O modelo de Drude-Lorentz nos permite tratar asinteracoes nao ressonantes da luz com a materia. Estemodelo, basicamente, trata as cargas eletricas presen-tes na materia como se fossem pequenos osciladores,que oscilam de forma forcada sob a acao das ondas ele-tromagneticas [9, 13]. No caso das cargas ligadas, comooutros osciladores, consideramos que elas tambem pos-suem uma frequencia de ressonancia (ω0) e quando saoexpostas a ondas de diferentes frequencias, o efeito fi-nal e simplesmente o da superposicao de todos os mo-vimentos que ocorreriam quando da exposicao a cadafrequencia em separado.

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O modelo ondulatorio da luz como ferramenta para explicar as causas da cor 1309-7

Essa ultima consideracao e importante, uma vez quea luz proveniente do sol, ou mesmo de fontes artificiais,e uma mistura de ondas de diversas frequencias. Justa-mente por causa desse efeito de superposicao podemosestudar o movimento dos osciladores sob a influencia deondas eletromagneticas com uma frequencia especıficae depois, se for o caso, superpor os efeitos obtidos paraavaliarmos a influencia de o.e.m. na sua totalidade defrequencias componentes.

Vamos pensar agora nos efeitos de uma onda eletro-magnetica de frequencia generica ω num oscilador cujafrequencia de ressonancia e ω0. Esta onda provocariauma oscilacao forcada no oscilador. A forca exercidano oscilador seria

F = q(E+ v×B), (1)

onde F e a forca exercida pela onda eletromagnetica; qe a carga que oscila sob frequencia da luz incidente; Ee B sao, respectivamente, o campo eletrico e o campomagnetico da onda eletromagnetica incidente; e v e avelocidade da carga.

Considerando que a razao entre os modulos dos cam-pos eletrico e magnetico e dada por B = E/c, temosque

F = q(E+ v× E

c). (2)

No entanto, como c >> v , temos que |q.E| >>∣∣q(v× Ec )∣∣.

Dessa forma, podemos aproximar a equacao daforca, em modulo, para

F ∼= q.E. (3)

Como supomos oscilacao periodica da o.e.m. inci-dente, consideramos que o modulo do campo eletrico,simplificando para uma luz polarizada se propagandona direcao do eixo x positivo, pode ser descrito poruma equacao do tipo

E = E0 cos(kx− ωt), (4)

onde E0 e o valor maximo do modulo do campo eletricoda onda eletromagnetica incidente; k e o modulo do ve-tor de onda (numero de onda); ω e frequencia de os-cilacao do campo eletrico da onda eletromagnetica in-cidente; e t e o tempo.

Combinando as equacoes acima, temos que a mag-nitude da forca sobre o oscilador (que e uma forca quevaria no tempo) pode ser descrita por

F (t) = q.E0 cos(kx− ωt) = F0 cos(kx− ωt). (5)

No modelo que estamos tratando, os atomos (ıons)e eletrons sao tratados como osciladores que oscilamdevido a interacao com o.e.m. Esses osciladores pos-suem uma massa m e uma constante elastica k. Numa

oscilacao forcada, o movimento do oscilador pode serdescrito por

m.d2x

dt2+ k.x = F (t). (6)

Dividindo todos os termos da equacao por m e subs-tituindo F (t) conforme a Eq. (5), temos

d2x

dt2+

k

m.x =

F0

mcos(kx− ωt) (7)

Lembrando que k/m = ω20 , a solucao dessa equacao

diferencial tera a forma

x(t) = A. cos(ωt+ φ), (8)

onde a amplitude (A) de oscilacao do sistema e [10]

A =F0

m(ω20 − ω2)

. (9)

O movimento do oscilador sob a acao da forca de-pendera da relacao entre os valores de ω (frequencia daonda incidente) e ω0 (frequencia natural do oscilador).A partir da Eq. (9), analisamos 3 casos da relacao entreω0 e ω:

- se a frequencia da forca F for muito menor que afrequencia natural de oscilacao do sistema (ω <<ω0), a amplitude A podera ser aproximada porA = F0/mω2

0 , de forma que o movimento seradominado pela forca restauradora.

- se a frequencia da forca F for muito maior quea frequencia natural do sistema (ω >> ω0), aamplitude A podera ser aproximada por A =−F0/mω2. Percebemos pelo sinal negativo queha inversao de fase e que a amplitude sera pe-quena, visto que ω e grande.

- se a frequencia da forca F for da mesma or-dem de grandeza da frequencia natural de os-cilacao (ω ≈ ω0), caso de ressonancia, voltamos aequacao original do movimento, impondo o limiteω → ω0(ver [10] pg. 81), o que nos fornece o va-lor de amplitude (que cresce com o tempo ate olimite de estabilizacao por efeitos dissipativos) deA = F0/2mω0.

A resposta do oscilador seria, portanto, algo comorepresentado na Fig. 7, a seguir, que mostra a am-plitude (parametro vertical) da oscilacao de resposta auma onda incidente de amplitude “a”. O parametrohorizontal e o tempo.

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Figura 7 - Resposta de um oscilador com frequencia de res-sonancia igual a ω0 a passagem de uma onda eletromagneticade frequencia ω.

Para ser utilizado, o modelo de Drude - Lorentz ne-cessita do valor da frequencia de ressonancia dos os-ciladores. Esses ultimos, nos casos que estamos tra-tando, seriam moleculas ou eletrons ligados a atomos.Mas o que determinaria o valor dessa frequencia deressonancia? O eletromagnetismo classico nao forneceessa informacao; para tal precisamos recorrer a teo-ria quantica. Vimos anteriormente que existem efeitosquanticos de ressonancia das moleculas com as o.e.m.na faixa do infravermelho e com eletrons dos atomos nafaixa do ultravioleta; sao justamente esses efeitos quedeterminam a frequencia de ressonancia (ω0) dos osci-ladores do modelo. Assim, os efeitos da luz visıvel emosciladores cujas frequencias de ressonancia estao nasregioes do infravermelho e do ultravioleta sao efeitosnao ressonantes.

Estes efeitos serao tratados de forma mais porme-norizada daqui em diante.

6. Aplicacao do modelo e espalhamentoRayleigh – a cor do ceu

Na verdade, se eu pensar na luz como uma onda,nao consigo entender por que somente a luz azul erefletida pelos gases da atmosfera, se esses gases naoabsorvem no visıvel. Mas, pensando na luz comouma partıcula (foton), tambem nao (...), porque aluz vermelha tambem deveria colidir e se espalhar.

Com base no modelo exposto, estudaremos a corazul do ceu. Vejamos, entao, como se interpreta essefenomeno, utilizando explicitamente o modelo ondu-latorio para a luz.

Os gases predominantes na atmosfera sao o ni-trogenio e o oxigenio, e ambos, como a maioria dasmoleculas simples, nao possuem ressonancia no espec-tro visıvel – portanto podemos interpretar as interacoesda luz visıvel com tais moleculas com o modelo on-dulatorio. Utilizando para as moleculas o modelo deDrude-Lorentz, podemos substituı-las por dois tipos

de osciladores: um com frequencia de ressonancia naregiao do infravermelho (correspondendo a nıveis vibra-cionais e rotacionais das moleculas) e outro na regiaodo ultravioleta (que corresponde a mudancas de nıveisenergeticos dos eletrons ligados). As interacoes da luzvisıvel serao, em seguida, estudadas como acoes nessesdois tipos de osciladores.

Quando a frequencia ω da onda incidente e muitomenor que a frequencia ω0 de ressonancia, podemos des-prezar o termo ω2 no calculo da amplitude (Eq. (9)) econsiderar o movimento dominado pela forca restaura-dora (da frequencia fundamental do oscilador). Comoω0 e uma constante, as interacoes ω << ω0 possuemamplitude praticamente independente da frequencia daluz incidente. E o caso das interacoes da luz visıvel comos osciladores eletronicos: a frequencia de ressonanciados eletrons e maior que a frequencia da luz incidente e,por isso, quando qualquer comprimento de onda visıvelincide sobre um desses osciladores, provocara pratica-mente o mesmo efeito (isso tambem ocorre, por exem-plo, com as interacoes dos osciladores pesados, que pos-suem ω0 na faixa do infravermelho, com o.e.m. da faixadas microondas).

Quando a frequencia ω da luz incidente se apro-xima de ω0, a amplitude de oscilacao deve aumentar.O grafico da Fig. 8 descreve esse efeito. A curva de-senhada no grafico pode servir tanto para osciladorescorrespondentes a eletrons (ligados aos atomos), quantopara moleculas. O pico de amplitude ocorre em suafrequencia ω0 de ressonancia (que para os eletrons eUV e para as moleculas e IV ou microondas). Paraa esquerda desse pico, observa-se uma amplitude cons-tante, que cresce de modo mais perceptıvel a partir deω ≈ ω0/2.

Figura 8 - Amplitude do oscilador vs. frequencia da radiacaoincidente sobre a de ressonancia do oscilador.

Em uma possıvel interpretacao do grafico para umasituacao concreta, supomos que a curva represente umoscilador eletronico. Para uma molecula de nitrogenio,a primeira banda de absorcao UV ocorre em torno de189 nm [11], que corresponde a uma frequencia an-

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gular em torno de ω = 1016 rad/s. Nele, ω0/2 cor-responde aproximadamente a frequencia da luz violeta(ω = 4,7x1015 rad/s). Assim, e razoavel que as faixasazul e violeta tenham re-emissao mais intensa do quefrequencias visıveis menores, sendo, por isso, mais espa-lhadas por esse gas. E como os demais gases presentesna atmosfera possuem comportamento semelhante aodo nitrogenio, causando espalhamento na faixa da luzazul-violeta, essa cor chega aos nossos olhos vinda detodos os pontos da atmosfera – e vemos o ceu azul.3

Em 1871, Lord Rayleigh mostrou empiricamente quea intensidade da luz visıvel espalhada pela atmosferaobedece a uma dependencia com ω4, o que expressa oespalhamento maior das frequencias proximas ao azulna atmosfera, devido a interacao com os eletrons dosatomos dos gases que a compoem, conforme previstopelo modelo de Drude-Lorentz [1].

E os osciladores moleculares dos gases, em que con-tribuem para o fenomeno da cor do ceu? Como fa-lado anteriormente, substituımos as moleculas do ar pordois tipos de osciladores – um leve, que representa oseletrons dos atomos, e outro mais pesado, que repre-senta oscilacoes das proprias moleculas. O grafico daFig. 8 justifica por que, ao estudarmos as interacoesda luz com a materia, podemos desprezar os efeitos dainteracao da luz com os osciladores moleculares – quesao aqueles com ω0 no espectro infravermelho.

A parte a direita do pico de oscilacao de um os-cilador, na Fig. 8, mostra uma oscilacao de mınimaamplitude. Essa e a situacao em que ω >> ω0 naEq. (9). Nesse caso, podemos desprezar o termo ω0

da equacao, e teremos uma amplitude dependente deω. Mas ω sendo grande e estando no denominador,fara com que a amplitude de oscilacao seja realmentemuito pequena. E o que ocorre quando a luz visıvel in-terage com os osciladores moleculares (e tambem o queocorre com o.e.m.com frequencias maiores que a UV eminteracao com os osciladores eletronicos).

7. A cor do Sol

E estranho admitir que a estrela mais proxima denos e amarela e no entanto emite luz branca. Afi-nal, o Sol e mesmo amarelo ou e so algum efeitovisual?

O Sol e visto amarelo porque e uma estrela de5a grandeza, entao emite mais luz amarela que asoutras. O Sol da tarde e avermelhado porque oamarelo colide mais com o ar e fica para tras.

Quando os astronomos classificam as estrelas em“azul”, “amarela” e “vermelha”, eles nao se referemprecisamente ao pico de emissao da estrela, mas sim-plesmente usam essas cores como referencias para indi-car diferencas de temperatura. Em particular, o nosso

Sol (classificado como uma estrela de 5a grandeza, ou“amarela”) tem pico de emissao proximo a 500 nm –ou seja, na regiao verde do espectro (Fig. 9). Mas asaturacao do verde e tao baixa que podemos afirmarque a cor do Sol, fora da atmosfera, e branca.

Figura 9 - Espectro de emissao do Sol, aproximado pelo espectrode um corpo negro a 5800 K [12].

Contudo, na superfıcie da Terra o Sol tem aspectoamarelado. Essa cor amarelada, assim como a cor azuldo ceu, tambem pode ser explicada espalhamento pre-ferencial das o.e.m. de frequencias na faixa azul na at-mosfera terrestre: a faixa azul e parcialmente retiradado feixe de luz principal que nos chega diretamente doSol. Retirando-se o azul, os cones mais sensibilizadosda retina sao os L e M (com cones C menos sensibili-zados) e portanto a sensacao visual e de cor amarela(essa analise tambem pode ser feita pelo conceito decores complementares, no diagrama de cores primariaspor absorcao; ver Secao 3).

O espalhamento Rayleigh tambem determina porque os saboes em po sao muitas vezes fabricados nacor azul. A predominancia do amarelo na luz solar in-cidente nas roupas pode lhes conferir um tom envelhe-cido. Para anular o efeito, adiciona-se um pigmentoazul a roupa ao lava-la, de modo que esta mantenha,apos a lavagem, uma leve reemissao adicional no azul,compensando a carencia desse comprimento de onda naluz solar incidente.

8. Fenomenos de reflexao e refracao – acor das nuvens

Embora a reflexao e a refracao sejam comumente utili-zadas em situacoes didaticas para explicar o arco-ıris,muitos textos que explicam a cor da nuvem utilizamo termo “espalhamento” (significando, implicitamente,as sucessivas reflexoes e refracoes). Nao vamos utilizaresse termo, porque ele pode confundir em vez de escla-

3Nao vemos o ceu violeta porque a faixa violeta que chega a superfıcie e menos intensa que as demais faixas do visıvel e tambemporque os cones “vermelhos” da retina humana sao levemente estimulados pela luz violeta, influenciando na “soma” das intensidadesque o cerebro faz para interpretar a cor (vide Fig. 2).

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recer. O que ocorre com a luz na nuvem e diferente doque ocorre nos gases da atmosfera – afinal, a agua danuvem esta em estado lıquido.

Os fenomenos de reflexao e refracao sao usualmenteinterpretados com a optica geometrica. Tentamos, aseguir, enfatizar o modelo ondulatorio e as interacoescom a materia que resultam nesses fenomenos.

As nuvens sao feitas de agua no estado lıquidoe ar. As moleculas de agua, assim como as do ar,tambem possuem frequencias de ressonancia (ω0) ape-nas no IV e no UV. Portanto o espalhamento Rayleighque ocorre nas moleculas da atmosfera tambem ocorrenas moleculas da nuvem. Por conseguinte, uma per-gunta razoavel e – por que, entao, a nuvem nao e azul,seguindo-se o mesmo raciocınio que explica o azul doceu?

O que ocorre e que a reflexao e a refracao anulama preferencia pelo azul do espalhamento Rayleigh, demodo a conferir a cor branca da nuvem. Recorrendoaos modelos fısicos – para que haja esses fenomenos,e necessario que, assim como o ar, o outro meio te-nha tambem osciladores com frequencias de ressonanciaapenas no IV e no UV (para que nao haja absorcao sig-nificativa da luz visıvel), como e o caso da agua. Alemdisso, os fenomenos de reflexao e refracao dependemde um arranjo mais organizado das moleculas – o queocorre nos lıquidos e solidos, mas nao nos gases, onde asmoleculas estao aleatoriamente espalhadas no espaco.Nos lıquidos e solidos a distancia entre as moleculas epequena em comparacao com o comprimento de ondada luz visıvel (o que resultara em efeitos de interferenciadas o.e.m. reemitidas, como veremos a seguir). Dessaforma, os osciladores devem ser considerados como aco-plados [9].

A luz incidente, ao atingir a interface entre doismeios, e absorvida parcialmente e reemitida pelos osci-ladores do material. A reemissao tem simetria esferica,conforme o princıpio de Huygens. Em osciladores livres,a direcao da onda emitida nao seria regida pelas leis dareflexao (i = r) e da refracao (n1.seni =n2.senr). O aco-plamento dos osciladores deve produzir esse efeito, e aexplicacao tera origem na interferencia entre as ondasreemitidas por eles.

8.1. A refracao

As ondas eletromagneticas reemitidas pelos osciladoresdos atomos sofrem interferencias sucessivas entre si ecom a parte da onda incidente que penetrou no materiale nao foi absorvida, de modo que se anulam em certasregioes do espaco (interferencia destrutiva); em outrasregioes ha interferencia construtiva, que e o que deter-mina a direcao de propagacao da onda refratada [9]. Ouseja, as frentes de onda refratadas, de acordo com o mo-delo usado, sao resultado da interferencia construtivada onda incidente com a onda produzida pela absorcaoe reemissao da luz pelos atomos do material. Podemos

considerar que a refracao nao discrimina frequencias;portanto se a luz incidente e branca, a luz refratadatambem o sera.

8.2. A reflexao

No interior do material, as ondas que sao reemitidaspara tras sofrem interferencia destrutiva. No entanto,na superfıcie, por efeitos de assimetria, isso nao acon-tece totalmente, o que resulta numa regiao em que haluz: a onda refletida.

O efeito da reflexao tambem depende de conside-rarmos os osciladores acoplados, pois a direcao de pro-pagacao da onda refletida tambem e consequencia deinterferencias construtivas e destrutivas das ondas pro-duzidas por varios osciladores. Isso ocorre sempre que osistema no qual a luz incide tiver tamanho muito maiorque o comprimento de onda da luz [13]. A intensidadeda onda de retorno a superfıcie de origem e consideradalevando-se em conta tres aspectos:

1. A intensidade da luz refletida (I) depende donumero de osciladores (N) ao quadrado, conside-rando a hipotese de que em lıquidos e solidos ososciladores estao acoplados;

2. Os osciladores da superfıcie do material que con-tribuem para a onda refletida estao localizados auma profundidade que corresponde a meio com-primento de onda (λ/2) da luz incidente;

3. A area da superfıcie do material em que os os-ciladores contribuem para a reflexao depende docomprimento de onda.

Dos itens 2 e 3 deriva-se que o volume, e portanto onumero de osciladores, efetivo para a reflexao dependedo comprimento de onda ao quadrado – N ∝ λ2.

Do item 1, temos que I ∝ N2.Assim, I ∝ λ4: a reflexao tem uma dependencia

da quarta potencia do comprimento de onda. Como oespalhamento tem dependencia da quarta potencia dafrequencia, os dois fenomenos, o espalhamento e a re-flexao, se anulam quanto a emissao preferencial de umdeterminado comprimento de onda, e o resultado finalda cor do material depende apenas da luz incidente.Se a luz incidente e branca, o material sera tambembranco.

8.3. As nuvens e demais “graos” de substanciastransparentes

Quando o oleo e misturado ao papel, ele ficatranslucido porque ha uma reacao quımica, quemodifica as propriedades ou entao dissolve as fibrasdo papel.

A cor branca do acucar refinado e do sal pensoque e porque sao adicionados aditivos quımicos nasua producao. Ja o acucar cristal e o sal grosso saotransparentes porque sao naturais.

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O modelo ondulatorio da luz como ferramenta para explicar as causas da cor 1309-11

Eu li que a areia e branca por causa do espa-lhamento. Mas entao, por que o espalhamento noceu resulta em cor azul, e o da areia resulta embranco?

As nuvens sao compostas de gotıculas de agua. En-quanto cada gotıcula for maior que o comprimento deonda da luz, podemos considerar osciladores acoplados,capazes de sustentar os processos de reflexao e refracaodescritos acima. Se a luz incidente e branca, as luzesrefratadas e refletidas tambem serao, mas suas direcoesdependerao da direcao da superfıcie das gotıculas. Ecomo essas estao aleatoriamente distribuıdas, as ondasserao refletidas e refratadas em muitas direcoes e ale-atoriamente no espaco, o que fara com que a agua nanuvem perca a transparencia, pois a luz emergente edifusa.

Essa explicacao e a mesma para a cor do sal empo, do acucar refinado, de pequenos cacos de vidroou cristais, e de todos os pequenos graos brancos desubstancias que sao transparentes [1]. Ate mesmo acor branca do papel e explicada dessa forma, uma vezque o papel e formado por fibras transparentes ondefenomeno semelhante acontece.

Ainda sobre o papel, quando pingamos uma gota deoleo ou cera nele, os espacos vazios das fibras sao preen-chidos, tornando o meio mais homogeneo e diminuindoas sucessivas reflexoes e refracoes entre as fibras e o ar,o que faz com que ele perca sua cor branca e se tornetranslucido.

Conforme as gotıculas de agua das nuvens ficam me-nores, as reflexoes deixam de acontecer e sobra somenteo espalhamento Rayleigh. E, assim, a nuvem “some”,pois fica da mesma cor da atmosfera ao seu redor.

9. O fenomeno da absorcao - a cor domar

Se vemos o mar azul, deverıamos dizer que e porquea agua e azul. Mas sabemos que ela nao e azul,entao devem ser os sais e os micro-organismos quesao azuis.

A agua da piscina e azul porque o ladrilho e azul.Na agua do mar deve acontecer algo parecido? Seraque a areia do fundo deve refletir o azul?

Alem das hipoteses muito engenhosas que aparecemnas frases acima, uma afirmacao comum e que o azul domar e provindo da reflexao do ceu. Essa reflexao acon-tece, mas como qualquer outro fenomeno de reflexao,ele e um efeito de superfıcie. Portanto, se somente esseefeito acontecesse para determinar a cor do mar, comopoderıamos explicar o azul do mar em dia nublado? Ou,entao, como explicarıamos a diferenca de tonalidade deazul conforme a profundidade, se efeitos de superfıcienao dependem da profundidade?

As hipoteses sobre a influencia da areia, de sais eimpurezas ou de micro-organismos como causas do azul

do mar tambem sao facilmente refutaveis. A areia naoe azul. Os micro-organismos absorvem a luz visıvel,porem tanto as clorofilas quanto os carotenoides pre-sentes no fitoplancton tem pico de absorcao na regiaoazul [14] – ou seja, os microrganismos retiram a faixaazul, intensificando a faixa verde do espectro, que e me-nos absorvida.

A hipotese das partıculas em suspensao tambempode ser analisada conforme o espectro de absorcao des-sas partıculas, e encontra-se tambem maior absorcao nafaixa azul [15]. Portanto, esses fatores poderiam ser acausa de o mar nao ser azul (como muitas vezes e ocaso).

Para explicar o azul do mar, precisaremos recor-rer a um quarto fenomeno de interacao da luz com amateria: a absorcao. Os picos de ressonancia da aguatambem ocorrem nas faixas UV (eletronica) e IV (mole-cular – nıveis rotacionais e vibracionais das moleculas),distantes do visıvel. Mas a agua lıquida (e tambem ogelo) tem forcas intermoleculares adicionais – as pontesde hidrogenio –, o que provoca um fortalecimento dasligacoes (o que seria equivalente a deixar uma corda deviolao mais apertada – a frequencia de ressonancia au-menta). Assim, passam a ocorrer absorcoes em nıvelmolecular que se estendem ate comprimentos de ondaproximos ao visıvel (Fig. 10).

Figura 10 - Curva de absorcao molecular da agua. Na figura,R = vermelho, Y = amarelo, G = verde, B = azul [16].

A Fig. 10 mostra intensa absorcao da luz pelasmoleculas de agua na faixa espectral do infravermelho,com varios picos de ressonancia nessa faixa – correspon-dentes as principais transicoes de nıveis vibracionais erotacionais das moleculas. Observa-se, no entanto, umacurva contınua de absorcao que se estende ate a faixavisıvel. Se os nıveis sao quantizados, por que a curva

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de absorcao e contınua?Essa questao torna mais pertinente o uso do mo-

delo ondulatorio. Para justificar a pequena absorcaono visıvel, consideramos que os osciladores molecularespodem absorver a energia de uma onda que vibre emum dos harmonicos de seus modos fundamentais de vi-bracao. A molecula de agua, no estado lıquido, possuimuitas frequencias de ressonancia, pois para cada nıveleletronico pode haver algumas dezenas de nıveis vibra-cionais. Assim os nıveis vibracionais estao muito maisproximos um do outro do que os eletronicos (que saono UV), e seus harmonicos superiores e combinacoestambem se tornam muito proximos, originando essepadrao de absorcao praticamente contınuo.

Devido a absorcao nos harmonicos superiores (es-pecialmente os harmonicos da faixa visıvel, que estaomais distantes do modo fundamental de vibracao) terintensidade muito pequena, a agua em pequenas quan-tidades nao e colorida. Porem grandes volumes de aguaassumem a cor azul-esverdeada (ciano) – que e a cor re-sultante quando ocorre a absorcao da faixa vermelha doespectro.

O fenomeno se intensifica em maiores profundidades(no fundo do mar, por exemplo), pois a absorcao da luzamarela tambem se torna relevante, fazendo com quea cor percebida seja um azul mais escuro. Abaixo decerta profundidade, toda a luz vermelha e absorvida,e objetos que refletem somente o vermelho se tornamescuros.

Assim, enquanto o azul do ceu e causado pelo es-palhamento dos comprimentos de onda menores, o azulda agua e explicado pela absorcao dos comprimentosde onda maiores do espectro visıvel.

10. Os osciladores livres e a cor dos me-tais

Eu gostaria de dizer que o espelho e branco, porquereflete todas as cores; mas nao e um branco como odo papel...

As estruturas metalicas possuem uma caracterısticadiferente dos outros materiais, que e a presenca deeletrons de conducao, com movimento livre. Podemosrepresentar esses eletrons por osciladores livres, que res-soam com qualquer frequencia. Assim, a luz incidenteem uma estrutura metalica pode retornar ao meio deorigem sem nenhuma absorcao especial. Isso explica obrilho dos metais e sua cor prateada. Sabemos tambemque em materiais condutores nao ha campo eletrico (eo.e.m.) em seu interior. Portanto, as o.e.m. que inci-dem sobre eles sao quase totalmente refletidas. Se asuperfıcie for polida, de modo que as direcoes de re-flexao sejam ordenadas, o metal se comporta como umespelho.

Alguns metais, no entanto, sao amarelados, indi-cando a existencia de outros fenomenos – que nao maispoderao ser explicados pelo modelo ondulatorio da luz

e pelo modelo de Drude-Lorentz da materia. Isso seratratado a seguir.

11. Extrapolacao do modelo ondulato-rio: exemplos de ressonancia novisıvel

Quando eu explico que a luz incide em umamolecula e se reflete ou e espalhada, eu nao estouusando o modelo quantico? Mas entao como seriauma explicacao que utiliza a quantica?

A cor amarelada, que alguns metais exibem, nao sedeve aos eletrons livres, mas aos ligados. Acontece, porexemplo, com o ouro e o cobre, que seus eletrons ligadospossuem algumas transicoes quanticas de baixa energia.No ouro ha uma forte absorcao em 2,3 eV (540 nm;verde-azul) e a cor amarela e o resultado da reflexao es-pecular (por eletrons livres), subtraıda a faixa espectralrelacionada a essa absorcao seletiva. No cobre, a ab-sorcao ocorre em energia um pouco menor, resultandona cor alaranjada. A transicao de energia mais baixada prata, em contraste, e em 4 eV, que corresponde aum comprimento de onda na faixa UV (310 nm) [2].

Nos metais, a luz que foi absorvida pelos eletronsligados seria reemitida em todas as direcoes. Se forconstruıdo um filme de ouro, fino o suficiente para queocorra transmissao de luz, a luz transmitida sera aquelaproveniente da absorcao e reemissao, resultando em ou-tra cor para o mesmo material. Filmes de ouro de cercade 100 nm de espessura sao azul-esverdeados, justa-mente por causa da transmissao das faixas espectraisre-emitidas [1].

Pigmentos e tinturas, como os que fornecem o co-lorido de animais e plantas, e tambem os usados paratingir roupas e alimentos, sao moleculas que possuemressonancia com a luz visıvel, e a cor que vemos e re-sultado do fenomeno de absorcao quantica de algumasfaixas de frequencia da luz por essas moleculas. Nessecaso, nao mais podemos utilizar o modelo ondulatoriopara a luz. Como seria uma explicacao segundo o mo-delo quantico?

Como exposto anteriormente, atomos e moleculassimples possuem ressonancias somente no UV e IV. Oque faz com que uma substancia consiga absorcoes novisıvel? Ha dois meios possıveis:

1. atomos com varios sub-nıveis incompletos e comeletrons desemparelhados, ligados a determina-das estruturas que propiciem transicoes de poucaenergia dos eletrons para nıveis excitados; e

2. moleculas grandes com ligacoes duplas entreatomos (geralmente ligacoes entre carbonos), emque as ligacoes possam ir para estados excitados.

Estes casos sao os que explicam a maior parte das co-res que enxergamos na natureza. Citaremos a seguir

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O modelo ondulatorio da luz como ferramenta para explicar as causas da cor 1309-13

alguns fenomenos relacionados a cada um desses itens,cuja explicacao mais aprofundada se encontra em Nas-sau [1].

11.1. Caso 1: atomos com sub-nıveis incomple-tos

Em ligacoes ionicas puras (por exemplo, NaCl) ou co-valentes puras (O2), os eletrons estao emparelhados, edesemparelha-los (para levar um eletron a um estadoexcitado) requer grande quantidade de energia. Dessemodo, os eletrons desses tipos de ligacoes nao absorvema luz visıvel seletivamente, e o material e transparente.

Atomos dos metais de transicao possuem eletronsdesemparelhados em sub-nıveis d ou f em camadas an-teriores a de valencia. Vimos, por exemplo, que eletronsligados aos atomos de ouro e cobre possuem transicoesem comprimentos de onda visıveis. Entao, dopar ummaterial com atomos de metais de transicao pode re-sultar em efeitos de cor.

Por exemplo, a molecula Al2O3 (oxido de alumınio)tem eletrons emparelhados (portanto nao absorve novisıvel) e um cristal deste material e transparente. Jaa estrutura Cr2O3 (oxido de cromo), porque o cromoe um metal de transicao, tem tres eletrons desempa-relhados: o atomo de cromo nao ligado possui seiseletrons desemparelhados (configuracao eletronica ex-terna 3d54s1); na estrutura do oxido, o cromo doa tresdesses eletrons aos oxigenios.

Ao doparmos um cristal de oxido de alumınio comalguns atomos de cromo, conseguimos absorcoes em al-guns comprimentos de onda da faixa visıvel – violetae amarelo-verde – devido a ressonancia dos eletrons dacamada de valencia do cromo com esses comprimentosde onda. Isso resulta na cor vermelha. Essa e a causada cor de um rubi, que e um cristal de oxido de alumıniodopado com cerca de 1% de cromo.

O que acontece com a luz que foi absorvida? Apospassar a um estado excitado, o eletron pode voltar parao estado fundamental em “degraus”, cada um deles comfrequencia de emissao abaixo do visıvel. Em outros ca-sos, a energia da luz incidente e absorvida pelo materiale transformada em agitacao termica. Existem ainda ca-sos em que a luz e re-emitida na faixa do visıvel, resul-tando em um fenomeno que chamamos de fluorescencia(caso a transicao se de a um nıvel quantico permitido)ou fosforescencia (transicoes a partir de nıveis quanticosproibidos, e que portanto ocorrem com maior retardo).

11.2. Caso 2: Moleculas organicas

A Fig. 11 mostra tres moleculas que dao cor a subs-tancias: a hemoglobina, que tem coloracao vermelha; oındigo, corante natural azul extraıdo da planta Indigo-fera tinctoria; e a mauveına, primeiro corante artificial,sintetizado em 1856, que confere coloracao purpura atecidos.

Figura 11 - Estrutura das moleculas da hemoglobina (a), ındigo(b) e mauveına (c).

Essas tres moleculas, assim como outras que fun-cionam como pigmentos ou tinturas, conseguem ab-sorcoes de luz na faixa visıvel porque suas ligacoes inte-ratomicas entram em ressonancia com a luz e vao paraestados excitados. A explicacao esta nas suas ligacoesduplas e no tamanho grande das moleculas.

Quando um atomo forma ligacao dupla, a segundaligacao (denominada π) e menos estavel e requer bemmenos energia para passar ao estado excitado (deno-minado π*). Um problema e que geralmente essastransicoes, mesmo as π → π*, ainda requerem energiasna faixa UV.

Contudo, o formato ou o tamanho da molecula po-dem fazer essas energias diminuırem. Por exemplo, noformaldeıdo (H3C=O), a absorcao para π* exige com-primento de onda de 290 nm, que e UV. Porem, aoadicionarmos mais dois carbonos em hibridacao sp2 (ouseja, com uma dupla ligacao cada), conseguiremos que aressonancia dessas duplas ligacoes conjugadas faca comque a energia de transicao para o π* abaixe para a faixade 330 nm, que corresponde a luz amarela [1].

As moleculas que atuam como pigmentos ou tin-turas, como as da Fig. 11, alem de conter grandequantidade de ligacoes duplas conjugadas, tambem saolongas e contem cadeias cıclicas, atributos que contri-buem para a diminuicao da energia de transicao de suasligacoes.

Sem querermos nos alongar neste topico, percebe-mos que o fator mais relevante para os fenomenos de corem pigmentos depende de compreendermos a transicaode eletrons ou de ligacoes entre atomos para estadosexcitados. Nesses fenomenos, nao falamos tanto emoscilacao das cargas eletricas, mas em transicao en-tre nıveis de energia, ou seja, sofisticamos tambem omodelo de materia usado para a interpretacao das in-teracoes. Alem disso, so conseguimos explicar que a ab-sorcao ocorre em determinados comprimentos de onda(independentemente da intensidade total do feixe), seempregarmos para a luz o modelo quantico.

12. Finalizando

Utilizar o modelo ondulatorio, em vez de somente ummodelo simplificado de raios de luz ou corpusculos de

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luz que “colidem” com atomos, aumenta consideravel-mente a complexidade do estudo em optica. Mas con-siderando que um dos objetivos do ensino de fısica ea utilizacao de modelos fısicos para a interpretacao eentendimento do mundo, o modelo ondulatorio leva aum aumento dessa capacidade de entendimento, pro-porcionando tambem uma maior compreensao teoricada optica e do eletromagnetismo.

Nas explicacoes didaticas e comum que os modelosfısicos ocupem uma posicao implıcita, pois muitas ve-zes a explicacao e identificada com o proprio mundoempırico (o que pode deixar no ouvinte a impressao deque o conhecimento fısico e uma “copia” do mundo enao uma construcao sobre ele). Quisemos, nesse ensaio,deslocar o conceito de modelo fısico de uma posicaoimplıcita para o foco da explicacao.

A modelagem fısica – a atividade humana de cons-trucao de um conhecimento para explicar um objeto oufenomeno – e frequentemente colocada como um dosalicerces do ensino para a escola basica. Essa opcaopedagogica tem como passo importante a compreensaodos proprios modelos cientıficos e a capacidade de, comeles, representar fenomenos (alem de relacionar essesmodelos a teorias mais gerais). Este artigo procuroufazer isso, ao utilizar modelos de luz e de materia nocerne da explicacao de uma variedade de fenomenos re-lativos a cor, podendo servir de subsıdio a professoresque desejem abordar a optica fısica em suas aulas.

Agradecimentos

Ao prof. Dr. Luciano Duarte, pelas discussoes e in-centivos a esta publicacao. Fabio Marineli agradece aFAPEG e a CAPES pelo apoio financeiro.

Referencias

[1] K. Nassau, The Physics and Chemistry of Color: TheFifteen Causes of Color (Wiley & Sons, New York,

2001).

[2] Optical Society of America, The Science of Color (Tho-mas Y. Crowell Co., New York, 1953).

[3] J.R. Pierce, The Science of Musical Sound (W.H. Fre-eman & Co., New York, 1996).

[4] Imagens elaboradas a partir de um simulador quese encontra no endereco http://www.cs.brown.

edu/exploratories/freeSoftware/repository/

edu/brown/cs/exploratories/applets/spectrum/

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[5] S.J. Williamson and H.Z. Cummins, Light and Colorin Nature and Art. (Wiley & Sons, New York, 1983).

[6] C.C. Silva e R.A. Martins, Revista Brasileira de Ensinode Fısica 18, 313 (1996).

[7] M.R.M. Piccinin et al. Arquivos Brasileiros de Oftal-mologia 70, 259 (2007).

[8] T. Lamb and J. Bourriau, Colour Art & Science (Cam-bridge University Press, Cambridge, 1995).

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