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Mostruário-40 Edson Bueno de Camargo “no entanto como a poesia se faz de silêncios e ausências o calar de meu pai também me ensinou sobre a poesia”

MOSTRUÁRIO 40 - poesia

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Poemas de Edson Bueno de Carmargo

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Page 1: MOSTRUÁRIO 40 - poesia

Mostruário-40

Edson Bueno de Camargo

“no entantocomo a poesia se faz de silênciose ausências

o calar de meu paitambém me ensinou sobre a poesia”

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degraus vermelhos

a velha casaespera-me em sonhos e pesadeloscomo o desvãode fraturas no cimentadoe nos vãos da calçada de tijolos refratários(e suas superfícies vítreas)

assim como as rangedoras portas e janelastaramelas que cantavamanunciando as chegadas e partidas

os lumes tentavam desesperados furar o escuro da noiteonde vaga-lumes verdesemitiam estranhos sinaise olhos infantis e medrososviam coisas em meio às sombras

noites sem luanoite de assombrode ouvir as formigas subindo na paredee monstros sorridentes sobre o guarda roupa

piar de corujanos velhos esteiossilvo de vento que cortavamas dobras dos corredores

a velha casasobrevive ao seu fima jovem que cresceu sobre suas raízes ainda é árvore de seus tijolos

o tempo não comeu suas paredesde argamassa de caulim e terrade reboco que mostrava suas veias no verãona caiação trincadadesenhando mapas imagináriosde lugares inexistentes(mas ali presentes)

a velha casae sua varanda de degraus vermelhoscarrego-a nas costas o tempo todo

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répteis

vomito cobras vivascinco ao todorépteis que caem ao chãoe fogem assustadosainda úmidossulcam a terradesaparecem na poeira

pajés do planalto centralvisitam meu devaneiosaltam de dentrode nuvens de fumaça brancacheiram a querosene e tabacopólvora queimada e pingamoeda cachaça para todos os santospara juremaspara os caboclos errantes para os egúns vivos quase mortosque caminham pela civilizaçãoe têm nos olhos telas brilhantes e antenas

não se sabe se é noite ou diacéu vermelho sobre a cabeçatempestade de areia do Saaradormindo nas águas quentes do Caribe

câmeras assustadas filmam o abismodesvelam línguas e palavrasuma menina pivete desafia a políciacom seu corpo magro e olhos de assombroum diamante vivo em cada pálpebraGlauber Rocha ressuscitado em Brasíliadirige tudo aos berros e euforia(como todo bom baianosorri irônico como um Caetano)

tudo é sonhotudo é vermelhotudo cheira a esgoto a céu abertotudo cheira a vidro quebrado e hospital

as mesas dos botecos se embriagamdevoram as palavras que os poetas lhes derramamlambidas por lagartos abissais a cidade (e suas asas) é um poço sob os discos voadores

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ambíguo

um pássaro com umbigoseria ambíguosua placenta se exila de sua mãe no nascedouroantes mesmo do nascimentona postura

o pássaro se desambiguaantes do ente humanoem uma exercício de desapegomuito além de qualquer capacidade afetivapois o ovoé o exílio necessáriopara o vôo

isto mais tardelhe dará a possibilidadede se desvincula do chãoquando do desapegode se estar sobre a terravencerá a gravidadeou a enganará segundo as medidas quânticas

há grandes vantagens aos mamíferos bípedescrescer dentro da progenitoramas crescer desgarrados ao contrárionunca querem vir a luz de fatoprimeiro o paraíso depois a vidaterão da altura vertigemnunca serão capazes de voar(ao menos alguns de nós)

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Silêncios

há um abismo de palavrasentre eu e meu paiassim como havia entre ele e o seu falecido paie o pai de meu pai e o seu paiaté que se chegue ao primeiro macho reprodutor de minha linhagemcomo se as línguas se congelassemno instante da palavraem que os homens são rivaisem sua progenitura

no entantocomo a poesia se faz de silênciose ausências

o calar de meu paitambém me ensinou sobre a poesia

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ar seco do deserto

este redondo sol luaque mergulha lento no concretodos limites de meu olhoveste-se de lágrimas cinzase sangue seco

céu de contrafortesgrande muralhaque afasta os vivos dos mortos

sonho com arrozque se derramae uma grande mesa com carne e vinhoservidos

os touros galopam de assaltocascos em chamasasfalto que afoga a noiteo carisma dos esquecidos

forro meus olhos do medo líquidominha mão brancacoleçãode almas penadas

e o nariz em sangueno ar seco do desertoque estão estes dias

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rosas heráldicas

teus olhosdevastam-me a pelecomo rosas heráldicas entrelaçadase facas feitas de espelho

cobrem minha íris de estrelase cacos de vidro fúnebrecortam minha carne em delicadeza

teus dedossão meus dedose cada pontaum dígito em fogosua púbisseus pelosmarca de identidade

cada tempotraz a hora que cobreas colheitas do trigoas primeiras uvasas construções antigas

todos os reis são para sempree mergulham um diano esquecimento

a velhice é mergulhar em olvidocada diadistante de nós mesmos

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Manancial

hoje a poesia me abandonou no desertona beira de uma cisterna secacom pedras em suspensão

de cada seixo roladoabandonado ao fundopalavras e letras se espelham

o deserto é brancocelulose selvagemtecido fibra por fibra

a água espera em algum mananciala língua (seca) escassatem pressa

as pedras enchem minha bocaem algum alívio mineralassim como as serpentesque fogem do sol escaldante

o deserto é um mar que morreu um diao sal que ficouagora dói em meus olhos

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origem divina

as letras de todo nomecarregam no escuroos signos de animais celestes

cada palavratem origem divinae cada letraainda lembra que um diafoi um vocábulo inteiro

eestaquando grafadacria em magia um mundo

vermelha

a tarde caiabruptae vermelha

nos subterrâneos e nos subúrbiosem seus murosnecromantes desajeitadosgeram um mundo deformado

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Edson Bueno de Camargo nasceu em Santo André - SP, em 24 de julho de 1962, mora em Mauá – SP.

Publicou: “cabalísticos” Coleção Orpheu –Editora Multifoco – Rio de Janeiro – 2010,; “De Lembranças & Fórmulas Mágicas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2007; ”O Mapa do Abismo e Outros Poemas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2006, “Poemas do Século Passado-1982-2000” edição de autor - Mauá - 2002; “Cortinas” (edição artesanal), com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi - Mauá - 1981; foi publicado esparsamente em algumas antologias poéticas, jornais e revistas literárias, no papel e na Internet.

Recebeu entre outras, as premiações: CONCURSO LITERÁRIO – SÃO BERNARDO DO CAMPO – Premiado na Categoria 1 Poesia Nacional – 2010; 1º lugar 5°

FESTIVAL SANTA LÚCIA DE CONTOS E POESIAS – FESTCOPO – - Modalidade- Poesia – 2010; 1º lugar nacional - 6º CONCURSO LITERÁRIO DE SUZANO – Categoria Poesia - 2010 1º lugar nacional - 4º CONCURSO LITERÁRIO DE SUZANO – Categoria Poesia - 2008; 1º lugar do PRÊMIO OFF-FLIP DE LITERATURA – 2006 – categoria Poesia; 2º Classificado- X PRÊMIO ESCRIBA DE POESIA – 2008; 2º lugar com o poema “serpentário” e Menção Honrosa com o poema “esquisito” - 3º CONCURSO NACIONAL DE POESIA - COLATINA 2007 PRÊMIO “FILOGÔNIO BARBOSA”.

Participa do grupo poético/ literário Taba de Corumbê da cidade de Mauá –SP. Edson Bueno de CamargoRua José Cezário Mendes, 104 Vila Noêmia – Mauá – SP – Brasil.CEP – 09370-600correio eletrônico: [email protected]

http://umalagartadefogo.blogspot.com/http://inventariodn.blogspot.com/http:// www.secrel.com.br/jpoesia/ebcamargo.html http://www.gargantadaserpente.com/toca/poetas/edson_bc.phphttp://www.meiotom.art.br/edsonbuenopo.htmhttp://www.pensador.info/colecao/camargoeb/http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5443045http://www.youtube.com/camargoeb