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João Francisco Lopes de Sousa Orientação . Arqt.º Carlos Prata Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUP um lugar na paisagem construída, Estudo para a adaptação de uma Adega

Master Thesis | a place in the built Landscape

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The work synthesizes a critical analysis which graduates from an urban environment to the particular and rural site where the thesis’ object is located. For video presentation here: https://vimeo.com/joaofrancsousa

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  • Joo Francisco Lopes de SousaOrientao . Arqt. Carlos Prata

    Dissertao de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUP

    um lugar na paisagem construda,Estudo para a adaptao de uma Adega

  • Me e Pai,

  • O modo pelo qual antecipamos o futuro define o que o passado tem para ns, tal como a forma pela qual os nossos antepassados projectaram o futuro determina o mbito das nossas possibilidades.,

    FRAMPTON, Kenneth, Introduo ao estudo da cultura tectnica, AAP (Cadernos de Arquitectura), 1998, pag.69

  • Agradecimentos

    Comeou em casa, com os meus pais Lusa e Francisco.Mais tarde, na escola, na tese e no trabalho aprendi pela experiencia

    dos mais velhos, como o Carlos.Entretanto, surgiu uma oportunidade que a Ana e a famlia me deram.

    Ao tentar concretiz-la contei com a ajuda de alguns: da Ross, da Brbara, do Miguel, do Joo, do Chico, da Cati, da Ins e de outros

    Por tudo isso, e a todos estes nomes, agradeo.

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega6

  • ndice

    Resumo | Abstract 8

    Nota introdutria 14

    1. Paisagem 17

    1.1 Habitar 181.2 Paisagem 201.3 Percepes 231.4 Do urbano ao rural 25

    2. O Patrimnio contemporneo 29

    2.1 Patrimnio 322.2 Patrimnio industrial 402.3 Desactualizaes | Actualizaes 52

    3. A Geografia especfica 71

    3.1 A expanso da cidade 723.2 So Martinho do Campo 753.3 A quinta 893.4 A adega 100

    4. O Processo 115

    4.1 Programa a estabelecer 1184.2 Novo desenho 1244.3 Proposta de interveno 148

    5. Anexos 171

    5.1 Desenhos de levantamento 1725.2 Levantamento fotogrfico 176

    Bibliografia 189

    ndice de imagens 197

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega8

    Resumo

    O propsito do trabalho parte de uma oportunidade para uma prtica. Uma especulao associada a uma antiga Adega em So Martinho do Campo, comprometida pela sua desactualizao. O exerccio procurar responder s necessidades da recuperao do espao segundo um novo programa a ser instalado. A proposta de dissertao dever ser entendida no cruzar do reconhecimento Patrimonial do edificado, pela problemtica do lugar e pelo potencial de um novo programa a adaptar sobre a estrutura consolidada.

    Dividida em quatro captulos a dissertao teoriza diferentes temticas subjacentes interveno sobre a preexistncia referida, associando assim, um lugar geogrfico aos potenciais Patrimoniais do territrio contemporneo. Como ponto de partida renem-se conceitos abstractos que pelo recurso constante destes ao longo da dissertao tornaram-se fundamentais de compreender para uma interpretao mais apurada do lugar. A sua referncia notria ao longo do texto e est neste ponto salvaguardado o seu domnio.

    A segunda instncia do trabalho procura a persuaso, por uma declarao de princpios e intenes de projecto associadas ao problema do reconhecimento e manuteno de um Patrimnio contemporneo. Ser identificado um conjunto edificado que compreendido no seu potencial, trata a problemtica da apropriao de espaos que apresentem carncias na sua manuteno funcional e construtiva. Tendo em conta uma tipologia industrial sero assim, reunidas estratgias de orientao com o objectivo de visar um problema, declarando pontos de vista e evocando a oportunidade para o investimento sobre um conjunto Patrimonial necessitado de aces arquitectnicas rejuvenescedoras.

    O terceiro captulo sintetiza uma anlise crtica gradativa desde um meio Urbano at envolvente particular, Rural, onde o objecto de tese se insere. Num lugar descentralizado, o espao apresenta-se fragmentado pelas funes que agrupa. O territrio entende-se como um difuso de funes que organizadas de forma espontnea cruzam actividades agrcolas, industriais com os espaos de habitar. A marcao do espao privado determina a caracterizao do lugar e tal como o objecto de Projecto, so vrias as estruturas em redor degradadas pelo abandono das suas funes iniciais. Este entendimento do lugar revela-se importante para o trabalho pelo reconhecimento da necessidade de operaes de projecto que procurem a qualificao e dinamizao dos potenciais arquitectnicos da regio por um meio j construdo.

  • 9 O culminar da dissertao apresenta o processo de desenvolvimento do projecto de tese pela consolidao do trabalho anteriormente exposto. A antiga Adega convertida numa pequena unidade de logstica Industrial para cumprir o propsito de um novo uso: o desenvolvimento de uma marca de produtos de cosmtica e tratamento tendo como matria-prima as uvas, enquadrada numa tipologia de inovao industrial e desenvolvimento experimental. Cruzando noes obtidas nos pontos superiores relativos caracterizao geral do lugar e princpios arquitectnicos relevantes para a manuteno de preexistncias, rene-se neste ponto as consideraes e notas relativas ao novo programa a adaptar e sua estratgia comercial, bem como a declarao dos princpios interventivos considerados, referncias arquitectnicas e o conjunto de desenhos de levantamento, processo e projecto que denotam uma proposta final. Procurando desta forma, o encontro da realidade existente, pela salvaguarda de uma memria, com um novo potencial funcional expresso por uma lgica arquitectnica contempornea.

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega10

    Abstract

    The purpose of this work comes from an opportunity for a practice. A speculation associated with an ancient wine cellar in So Martinho do Campo, compromised by its obsoleteness. The exercise will try to respond to the necessities of the spaces rehabilitation according to the new functions being installed. The dissertations proposal should be understood in the meeting of the Patrimonial recognition of the built environment, due to the sites problematic and to the potential of a new use to be adapted to the existing structure.

    Divided in four chapters, the dissertation theorizes different themes underlying the intervention over said pre-existence, associating a geographic site to the Patrimonial potentials of contemporary territory. Abstract concepts are gathered as a point of departure, being constantly referred to throughout the thesis and, therefore, becoming fundamental to an accurate interpretation of the site. These references are notable throughout the text and at this point they become understood.

    The second moment of the dissertation searches the persuasion, through a declaration of the projects principles and intentions associated to the problem of the recognisance and maintenance of a contemporary Patrimony. A built ensemble will be identified which, by understanding its potential, will approach the problematic of the appropriation of spaces that present deficiencies in its functional and constructive maintenance. Keeping in mind an industrial typology, guiding strategies will be gathered with the objective of addressing a problem, declaring points of view and evoking the opportunity to the investment over a Patrimonial ensemble needing rejuvenating architectural actions.

    The third chapter synthesises a critical analysis which graduates from an urban environment to the particular and rural site where the thesis object is located. In a decentralized site, the space appears fragmented by the functions it groups out. The environment is understood as scattered functions which are organized spontaneously, gathering agricultural and industrial activities with inhabited dwellings. The definition of the private space determines the characterization of the site as object of Project, being several the surrounding structures degraded by the abandonment of their initial functions. This understanding of the site proves to be important for the dissertation by the recognition of the need for project operations that aim towards the qualification and stimulation of the regions architectural potentials through previously built buildings.

  • 11

    The culmination of the dissertation presents the projects process of development by the consolidation of previously exposed work. The old wine cellar converted in a small unit of industrial logistics to serve a new function: the development of a cosmetic and treatment unit of industrial logistics: having grapes as its raw material, framed in a typology of industrial innovation and experimental development. Assembling notions acquired in the previous points relating to the general characterisation of the site and relevant architectonic principles to the maintenance of pre-existences, the considerations and notes relating to the new functional program to be adapted and its commercial strategy will be gathered here, along with the declaration of the principles of intervention, architectonic references. and the set of process and project drawings which compose a final proposal. Searching thereby, an encounter with the existing reality, by the safeguard of a memory, with a new functional potential express by a contemporary architectural logic.

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  • imagem. 1: A Adega, a envolvente imagem. 1: A Adega, a envolvente imagem. 1: A Adega, a envolvente

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega14

    Nota introdutria

    El pensamiento contemporneo parte del desordene en la realidad, de la multiplicidad y de las diferencias entendidos como datos iniciales

    O interesse em gerir a dissertao sobre um projecto prtico prende-se com a mostra da formalizao de um mtodo de desenho, conquistado sob um percurso acadmico e tambm pela oportunidade da proximidade a uma prtica real, no seu confronto com teorias contemporneas participativas na construo do territrio.

    Mediante o espao construdo existem hoje estratgias que tratam a sua conservao, manuteno ou transformao. O tipo de edificado traduz diferentes graus de integrao das estruturas construdas com as prticas do habitar quotidiano. O pensamento contemporneo interroga-se sobre a necessidade de construir novo e da possibilidade de a partir de um meio construdo ser feito um reconhecimento de rupturas passveis de novas ocupaes. neste campo que o projecto de tese se entende: Qual o papel dos arquitectos sobre o edificado actual construdo?

    O abrandamento e a paragem do crescimento urbano, nos pases industrializados, cidade como um objecto definitivo que ser necessariamente o ambiente onde decorrer a vida do futuro. As suas partes podero ser conservadas, transformadas ou mesmo demolidas e reconstrudas. Ao arquitecto ento, delegada uma leitura global do meio, para entender como actuar de acordo com cada particularidade. Ou seja, pedida uma conscincia integral, para que o enquadramento de cada processo, apresentado por casos isolados, no se perca no territrio. portanto, essencial o interesse em diferentes escalas de construes de variadas expresses, funes e pocas. A dissertao tenta ento, uma relao entre uma anlise crtica de um contexto e paisagem, por um conjunto de teorias que reconhecem e actuam sobre um Patrimnio, tendo como base uma proposta de Projecto. Acontece portanto, que a estratgia de Projecto advm do reconhecimento de um contexto especfico na definio de um mtodo de interveno.

    O estudo da Adega acontece de uma forma gradativa. Parte de conceitos definidores do lugar, para a interpretao destas noes sobre a Paisagem, culminado com

    MORALES, Ignasi de Sola, prticas tericas,

    prticas histricas, prticas arquitectnicas, em VIDLER, Anthony

    Inscripciones, Barcelona, Gustavo Gili, 2003 ,

    pag.263

    BENEVOLO, Leonardo, O ltimo captulo da

    Arquitectura Moderna, Lisboa, Edies 70, 1985,

    pag.157

  • 15

    DIEDRICH, Lisa, Entre a Tbua Rasa e a Musei-ficao, em CARDOSO, Isabel Lopes, Paisagem

    Patrimnio, Porto, Dafne (Equaes de

    arquitectura; 65), 2013, pag.88

    GRACIA, Francisco de, Construir en lo construi-do : la arquitectura como

    modificacin, Madrid, Nerea, 2001, pag.178

    a especificidade do Projecto. Num percurso paralelo, a dissertao trata questes associadas ao Territrio contemporneo. A forma como se expande e expressa num tempo, e a forma como o reconhecemos e o definimos. Nos ltimos tempos a noo de Patrimnio tem vindo a sofrer mutaes. Hoje em dia, o Patrimnio traduz uma vontade da valorizao de uma determinada realidade sobre diversos interesses especulativos. A contemporaneidade avanou com a conscincia de que o Patrimnio no trata somente as peas isoladas, mas sim todo o tipo de construes significativas na formao de um meio. O seu interesse e valor devem ser considerados mediante uma memria, simbolismo, e as suas possibilidades: Para alm de edifcios centenrios e lugares antigos, o interesse da audincia alargada vai no sentido de incluir no patrimnio memrias desta prpria gerao como a paisagem cultural do sculo XX

    O Projecto actua nestes campos, parte de uma pr-existncia para estabelecer potenciais de um novo uso. Tenta pela especulao de uma nova funo, a transformao de uma classificao formal existente, para um oportuno desempenho.

    Reconocer el inevitable proceso de modificacin a travs del tiempo no solo por mdio de procesos de entropia y de usura, o de cambio de funcin, sino todo de cambio de significado dentro del contexto.

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    1.1 Habitar

    A construo do lugar

    1.2 Paisagem

    Identidade

    1.3 Percepes

    Apreenses individuais e noes colectivas

    1.4 Do urbano ao rural

    Indefinies

  • 1. Paisagem

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega18

    Habitar A construo do lugar

    O abrigo como refgio, surge como uma necessidade inerente condio humana e estabelece a base de transformao do Espao. De uma forma mais ou menos consciente a construo de uma residncia implica uma relao do Homem para com o meio. A apropriao resulta portanto, da definio de um campo pelo qual se identifica um hbito.

    Habitar pressupe uma espcie de ocupao onde o homem se estabelece e pelo qual se expande atravs de aces. De acordo com Martin Heidegger a relao do homem para com os lugares e atravs dos lugares para com os espaos baseia-se no habitar. A esta noo assim, indissocivel uma relao intima na qual a relao espao - homem estabelecida.

    O principio da criao de abrigo reflecte portanto, um principio de identidade. A essa identidade humana criada, est tambm relacionada a criao do Espao que lhe corresponde. Assim, o Espao ganha e acumula uma carga formulada pelas aces desempenhadas sobre ele, como se de um colector de funes e acontecimentos se tratasse. Novamente a relao espao Homem est vinculada interdependncia de ambos: esculpir o Espao formar o Homem.

    Falar portanto em espao organizado a duas e trs dimenses significa tomar uma atitude convencional, til para determinadas classificaes, mas no correspondendo realidade Em Da organizao do Espao, Fernando Tvora apresenta a construo de uma realidade pelo meio de uma noo temporal. O tempo dado como uma dimenso espacial que participa numa construo e como tal, intrnseco existencia humana. Esta concepo uma nova coordenada do grfico espacial, como um dos protagonistas na mutao do espao. parte de uma caracterizao contnua mas tambm irreversvel da caracterizao espacial.

    Habitar representa este contnuo somatrio de aces humanas sobre um Espao. A sua construo o resultado das sucessivas fraces, que representam ocasies mais ou menos fundamentais acusando por fim, uma conscincia colectiva. Esta sucesso de acontecimentos a construo da Arquitectura, de um habitat que responsabiliza o homem e o tempo na sua

    HEIDEGGER, Martin em Zumthor, Peter,

    Pensar a arquitectura, Barcelona, Gustavo Gili,

    2005, pag.36

    TVORA, Fernando, Da Organizao do Espao,

    Porto, FAUP Publicaes, 1993, pag.19

    1.1

  • 19captulo:

    definio. Habitar culmina desta forma, num sistema aberto e mutvel na qual materializada uma Arquitectura que traduz, uma forma de linguagem.

    O homem um organismo dotado de um extraordinrio passado maravilhoso. Distingue-se de todos os outros animais pelo facto de ter conseguido criar aquilo a que chamarei prolongamentos do seu organismo.

    Os prolongamentos referidos, so exactamente a construo de um habitar, a denncia da formao de uma cultura pelo Espao. A concepo de Espao cai no abstracto sem a associao humana. Surge ento, o lugar, referindo-se narrativa criada sobre um Espao. Lugar um espao concreto, envolvido a partir de um processo criativo humano como a construo do Habitar. Desta forma, as noes geomtricas sobre o espao no resolvem as qualificaes do lugar porque no atribuem uma identidade, um nome, uma pertena.

    El espacio concreto es un espacio que puede ser nombrado, un lugar () La identidad como ser especifico de cada lugar es abordada desde la nocion de pertenencia.

    A construo do lugar deriva portanto, do habitar. Os dois conceitos esto associados pelas diversas posies e aces entre os elementos do espao a quatro dimenses. Habitar reflecte as aces que constroem uma identidade de lugar. Assim se justifica a existncia humana pelo conjunto de relaes temporais e espaciais que derivam, como enunciado em A dimenso Oculta, na criao de uma linguagem espacial capaz de partilhar experincia e conhecimento para alm da de falar ou escrever sobre ele: A linguagem prolonga a experincia no tempo e no espao. a produo de uma cultura pela Arquitectura.

    Ocupar o Espao reconhece uma influncia para l das questes cientficas e programticas dos Espaos. A construo da Arquitectura atribui valor ao Homem em iguais propores que a das formas que desenha. A esta frmula, uma ideia de homem estabelecida cria tambm um espao, mutvel, que lhe corresponde para l de uma geometria.

    HALL, Edward T., A dimenso oculta, Lisboa, Relgio de gua, 1986,

    pag. 14

    RIVAS, Juan Lus de las, El espacio como lugar:

    sobre la naturaleza de la forma urbana,

    Valladolid : Universidad. Secretariado de

    Publicaciones, 1992, pag.38

    HALL, Edward T., A dimenso oculta, Lisboa, Relgio de gua, 1986,

    pag. 14

    Paisagem

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega20

    Paisagem Identidade

    O homem est no mundo e o mundo est no homem: a paisagem o nome e o local dessa circulao entre homem e mundo, dessa mistura.

    De acordo com o dicionrio portugus: paisagem, s.f. extenso de territrio que se abrange num s lance de vista, remete para uma condio visual, sensorial da percepo de uma realidade. Estabelece uma relao entre um observador, a sua viso e um territrio sendo este o princpio na base na anlise do termo.

    O termo e significado de Paisagem no se manteve inalterado. Por traduzir uma noo abstracta foi sendo construdo e ajustado a interpretaes, que de acordo a poca, o associavam por princpio, a uma conexo visual com uma determinada realidade. Etimologicamente do latim, parte da relao do termo pagus, campo ou aldeia, com o termo agem, coleco, Paisagem seria um conjunto de vistas agrupadas. Mais tarde, evolui, associado com a Renascena, pintura. Ganha ento um sentido representativo. Novamente evocando um sentido sensorial, perceptivo de uma realidade, mas desta vez limitada por uma escolha de enquadramento. Hoje em dia, Paisagem continua associada percepo humana de um Territrio, mas vai para l de um limite fsico, da sua representao esttica e instantnea das formas. Fala-se de paisagens Urbanas e Rurais, associadas a uma leitura do Espao contnuo e em transformao.

    O espao contnuo, no pode ser organizado com uma viso parcial, no aceita limitaes na sua organizao e do mesmo modo que forma o espao esto to intimamente ligados que uma negativo do outro, e vice-versa, pelo que no podem separar-se, assim as formas visualmente apreendidas mantm entre si estreitas relaes harmnicas ou desarmnicas mas de qualquer modo evidente.

    A anlise de Paisagem, das suas mutaes e formas surge na definio de um lugar. Por uma forma abstracta revista em cada caso isolado, a Paisagem representa uma observao, uma interpretao sobre um conjunto de elementos que estabelecem uma caracterizao. O interesse da anlise, procura um meio til, para o exerccio de Projecto mediante a leitura do meio, da envolvente.

    BESSE, Jean Marc, Estar na paisagem, em

    CARDOSO, Isabel Lopes, Paisagem Patrimnio, Porto, Dafne (Equaes

    de arquitectura; 65), 2013, pag 34

    http://www.dicio.com.br/paisagem, online a

    23/04/2014

    TVORA, Fernando, Da Organizao do Espao,

    Porto, FAUP Publicaes, 1993, pag.19

    1.2

  • 21captulo:

    Pretende-se entender um lugar, as suas transformaes, de forma a apreender a sua condio actual, no esttica, as causas e variantes que participam na construo daquilo que observado. No entanto, compreender fenmenos que levam a variaes de um meio envolve entender noes temporais associadas a um dos principais agentes de aco sobre este o Homem, como refere Fernando Tvora: O mundo das formas de infinita e progressiva riqueza para o homem e o seu estudo apresenta-se cada dia mais cativante e necessrio dada a conscincia crescente da importncia de que a forma se reveste em relao existncia humana. ento, sobre um ponto de vista humanizado que a noo de paisagem se torna relevante para o estudo nesta dissertao: a relao que se constri com o meio, a forma como se o habita e organiza. desta forma que Paisagem conta histrias, salvaguarda memrias, reflecte a evoluo humana pelas suas ocupaes: a ideia de que a paisagem a forma espcio-temporal segundo a qual o habitar humano se desenvolve no mundo. Cada lugar habitado tem por fim, esta condio perene na sua evoluo. Pela sua observao e anlise, apreendem-se aces passadas, (de) construes, pelas quais possvel tambm uma especulao sobre um caminho futuro a construir, a continuar, ou a abolir. A Paisagem o reflexo da evoluo natural humana e como tal deve ser analisada mediante as diferentes ocupaes associadas s funes a que as construes deram forma segundo uma base individual. Assim, o arquitecto ter de responder s questes da subjectividade perante um determinado campo. Cabe-lhe um olhar, crtico e analtico sobre a realidade consolidada mas no estabilizada capaz de servir necessidades humanas. no fundo, necessrio compreender e dominar o entendimento objectivo e tcnico dos espaos como transporte para o campo da simbologia de lugar.

    A apreciao de um Territrio tem ento que ver no s com a objectividade das funes do desenho, mas tambm com o domnio humano do espao . Ou seja, a interpretao de valores formais traduz, valores polticos, ticos e sociais. Atribui-se construo de Paisagem a relao de um meio Natural que sobre a aco humana evolui mediante as noes sociais das comunidades que sobre o meio se estabelecem. Da que a diversidade das Paisagens seja por sua vez, a diversidade da evoluo dos agrupamentos humanos perante um meio pr-estabelecido. Paisagem portanto, cultura. uma gradao de valores e costumes, um refinamento humano de solues que desde a condio bsica primitiva evoluem em diversos sentidos. Da que cada local mais ou menos Urbano expressa uma cultura e uma identidade.

    TVORA, Fernando, Da Organizao do

    Espao, Porto, FAUP Publicaes, 1993,

    pag.13

    BESSE, Jean Marc, Estar na paisagem, em CAR-DOSO, Isabel Lopes,

    Paisagem Patrimnio, Porto, Dafne (Equaes

    de arquitectura; 65), 2013, pag 34

    Paisagem

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega22

    BOYER, Christine, The city of Collective memory its historical

    imagery and architectural entertainments, London,

    The MIT press, 1996, pag.16

    SEIXAS, Joo, Paisagens com asfalto e plano de

    vertigem em fundo azul, em COSTA, Pedro Campos, LOURO,

    Nuno, 2 linhas: retracto sensorial do pas, pag.70

    DOMINGUES, lvaro, Paisagem e Identidade, beira de um ataque

    de nervos, em COSTA, Pedro Campos, LOURO, Nuno, 2 linhas: retracto sensorial do pas, pag.24

    Os lugares gerados passam a ser expresses directas desta realidade. Segundo Christine Boyer em The City of Collective memory: moral norms can be deduced from architectural expressions, a sociedade estabelecida como uma enorme colaborao reflectida na Arquitectura, como uma construo e partilha de costumes pelos habitantes de uma geografia especfica. Reflectindo uma cooperao geral na estruturao de um meio criado, tal como um sistema integrado num habitat.

    A configurao de Paisagem um processo que pela modelao de um meio Natural constri um esprito de lugar. Resulta na determinao de um Patrimnio cultural e arquitectnico, como um espelho da nossa alma, reflectem-nos Presentes, Passados e mesmo Futuros. Resumem uma geografia emocional que revela as particularidades mais subjacentes nossa evoluo. Assim, se a Paisagem registo da transformao da sociedade, ser normal que se a sociedade mude, com ela mude a paisagem. Nesta lgica, o arquitecto tem um papel fundamental na anlise crtica territorial, estabelecendo uma co-relao entre agrupamentos sociais, conjecturas econmicas, valores polticos e normas morais com edificaes espelhadas nas formas Urbanas, arquitecturas vernaculares, infra-estruturas, vias de comunicao, entre outros.

    Face a fenmenos de globalizao fica a especulao sobre a evoluo de Paisagem para expresses cada vez mais homogneas entre meios Urbanos e Rurais, pela perda de identidades locais permanecendo apenas os fenmenos Naturais impostos e condicionantes.

  • 23captulo:

    Percepes Apreenses individuais e noes colectivas

    Cada individuo imagina a sua prpria casa cada casa imaginada pelos seus habitantes diferente.

    A percepo para o projecto a primeira ferramenta em prtica, salvaguardada e reflectida no momento do desenho. A apreenso remete para uma experiencia sensorial sobre uma realidade sobre a qual se deduzem valores. uma condio imediata da experiencia espontnea no Espao por qualquer individuo. O momento da experincia corresponde a um determinismo perante um julgamento instantneo por parte de cada observador. Pela percepo atribumos valor ao limite observvel, sobre ele esto sedimentadas noes passadas que sobre esta interpretao e mediante necessidades humanas, participam no campo que se observa.

    Percepo tem portanto que ver no s com o instante da observao mas tambm com uma memria expressa previamente no Espao e no observador. uma apreenso individual sobre um campo e construda numa participao colectiva. Sobre este momento, e por todas as experienciais sensoriais anteriormente estabelecidas cria-se uma impresso, um instante de julgamento que interpreta o Espao observvel. Para Peter Zumthor, em Pensar a Arquitectura, o problema da percepo nasce da profundidade do tempo, como um vcuo que reflecte a existncia humana, no s no observvel, mas tambm numa memria individual por cada um concebida.

    A percepo do Espao uma multiplicidade de realidades que se constroem sobrepondo-se e transformando-se no prprio contacto. A experincia traduz assim, a percepo humana, num gesto, uma interpretao sobre um meio: Os espaos atravs dos quais eu tenho a possibilidade de adquirir um conhecimento novo.

    No mbito do trabalho desta dissertao, a percepo atribui prtica arquitectnica a responsabilidade de uma interpretao critica da realidade para legitimar uma aco, uma estratgia de projecto. A percepo portanto, um instrumento operativo com consequncias no desenho sobre o contexto observado. Sobre este meio, o pensamento crtico e analtico do arquitecto constitui, como refere Sola Morales, um conhecimento psicolgico - tcnico sobre los que constuye la actividad arquitectnica presente.

    YONA, Friedman, Pro Domo / Yona Friedman, Barcelona, Actar, 2006,

    pag. 32

    ZUMTHOR, Peter, Pensar a arquitectura,

    Barcelona, Gustavo Gili, 2005, pag. 17

    TEYSSOT, Georges, Da teoria da Arquitectura: Doze ensaios, Lisboa,

    Edies 70, 2010, pag.54

    MORALES, Ignasi de Sola, prticas tericas,

    prticas histricas, prticas arquitectnicas, em VIDLER, Anthony

    Inscripciones, Barcelona, Gustavo Gili, 2003,

    pag.263

    1.3

    Paisagem

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega24

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  • 25captulo:

    Do urbano ao rural Indefinies

    A urbanidade traduz-se pela relao dos diferentes elementos arquitectnicos numa comunidade associada. A escala destas relaes varia de acordo com a populao, densidades urbanas: disperses ou centrifugaes. Segundo o Modelo Compacto o Urbano apresenta-se como relativo cidade, e o rural como relativo ao campo. Segundo este modelo e por uma ideia de Urbanidade, a cidade identifica-se pelas formas Urbanas que a compem e o campo pelas formas rurais. Este modelo, tradicional, explora dois tipos de povoamento associados a diferentes escalas segregadas de onde resulta uma diviso entre uma condio urbana e uma condio rural. Desta forma, o modelo reconhece tambm diferentes lugares de implantao sobre os dois Territrios. Estas premissas relativas ao modelo Tradicional resultam de uma imagem mental gerada sobre conceitos Urbanos previamente estipulados: imagem da cidade corresponde a uma noo centrfuga, limitada por grandes vias que se direccionam a um centro, por norma histrico, comprometedor da caracterizao da Urbe. A imagem de campo, do meio rural, o restante envolvimento para l da cidade. Parte dos subrbios e periferias que pela relao com campos agrcolas e florestais determinam uma condio campestre. Pensa-se portanto, cidade como um ncleo central, com limite, forma e padres de povoamento definidos, como um conjunto, visivelmente distinto de campo.

    Cities tend to hold to their original pattern, yet still grow and evolve, deform or transform their inherited shapes.

    A poca Medieval, por um limite fsico, fazia compreender a noo Tradicional, aqui apresentada, de cidade e campo. A cidade entre muralhas, compacta no seu ncleo totalmente distinto do que para l se estabelecia o campo. Logo aps os tempos Renascentistas, a cidade compreende-se para l de qualquer limite fsico, une-se com as imediaes do campo por noes que chegam aos nossos dias, difceis de definir. A leitura dos dois territrios, Urbano e rural, por uma continuidade formal reflecte hoje a problemtica e definio do Espao Urbano Contemporneo.

    SILVA, Cidlia, Dissipar Equivocos, saber ver o Territrio contempor-neo, Arquitectura em

    Locais Comuns / Ideias e projectos para o Vale do Ave, Porto, Dafne (Equaes de arqui-

    tectura), 2008, pag. 37

    BOYER, Christine, The city of Collective memory its historical imagery and architectural entertain-

    ments, London, The MIT press, 1996, pag.16

    1.4

    Paisagem

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega26

    O meio Urbano citadino expande-se, fragmenta-se e funde-se com os traos rurais que por sua vez no traduzem mais as imagens caracterizadoras de um meio verde. So agora formados por subrbios e periferias que contemplam as mais variadas funes associadas aos eixos de ligao dos centros Urbanos. O Territrio tornou-se disperso e a sua clarificao difcil na observao. De certa forma, as duas realidades, campo e cidade, evoluram para noes mais relativas, prximas, fazendo colidir diferentes identidades num s meio: O urbano e o rural misturam-se, no sendo claro onde termina um, e comea o outro.

    O reconhecimento da transformao Urbana implica o olhar crtico, livre de preconceitos e reconhecimentos Territoriais anteriormente definidos, para constatar e interpretar o Territrio real. A representao deste Territrio no passa pelo seu simples mapeamento, mas antes pelo entendimento das dinmicas privadas e pblicas que esto na origem da mutao concreta da realidade. Estas dinmicas so processos sociais fluidos, sobre um Territrio. A paisagem do limite urbano agora ultrapassado, estabelece-se pelo edificado, e pelo seu avano sobre o espao Natural.

    Se no desenho Urbano Renascentista, as cidades avanavam para l das muralhas por lgicas encadeadoras de espaos Pblicos, nesta nova realidade, a estruturao do domnio pblico reflecte as infra-estruturas que funcionam na grande escala Urbana. No entanto, segundo estes eixos que so agregadas as variadas funes de origem privada. Nesta nova realidade, as mutaes territoriais so quebras de escala, na qual o Urbano contemporneo um novo modelo difuso, que origina uma identidade Paisagista em constante conflito. uma consequncia de uma sociedade a estabelecer-se como descentralizada, fluida e inconstante nas formas de ocupao. As Paisagens do rural determinam-se por polticas privadas que exploram a enorme competitividade da relao custo territrio e por eficazes conexes que asseguram a conexo aos centros Urbanos e entre pontos distantes. Assim, o principal agente da construo deste Territrio a infra-estrutura que permite com facilidade a deslocao entre o centro e o difuso. tambm este o agente responsvel pela repartio do Territrio, pela dissipao das pequenas localidades povoadas do rural tradicional, dos vales agrcolas pertencentes a uma identidade verdadeiramente vernacular.

    SILVA, Cidlia, Dissipar Equivocos, saber ver o Ter-ritrio contemporneo, em Arquitectura em Locais Comuns / Ideias e projec-tos para o Vale do Ave, Porto, Dafne (Equaes de arquitectura), 2008,

    pag. 36

    Arquitectura Vernacular:Uma forma intuitiva de uma cultura constituda pelas condicionantes e

    necessidades impostas pela natureza, produzidas pelo homem sem a interveno

    do arquitecto.,em: LAWRENCE,

    Roderick, em ASQUITH, Lindsay, VELLINGA,

    Marcel, Vernacular Architecture Twenty

    First Century, Theory, education and practice,

    Taylor and Francis, 2006, pag.110

    esq. 1: evoluo do modelo amuralhado para o difuso

  • 27captulo:

    Paisagem

  • 2.1 Patrimnio

    Reconhecimento no mapa contemporneo

    2.2 Patrimnio Industrial

    Indstria, revoluo

    Implantao e territrio

    Esttica e funo

    Caso Portugus

    2.3 Desactualizaes, Actualizaes

    Processos e condies em arquitectura

    Tempo, a construo de uma narrativa

    Imagem | Uso

    Princpios

    Referencias

    A unidade fabril reavaliada

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  • 2. O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega30

  • 31captulo:

    Depois de se passar seis rios e trs cadeias de montanhas surge Zora, cidade que quem a viu uma vez nunca mais pode esquecer. Mas no por ela deixar como outras cidades memorveis uma imagem fora do comum nas recordaes. Zora tem a propriedade de ficar na memria ponto por ponto, na sucesso das ruas, e das casas ao longo das ruas, e das portas e das janelas das casas, embora no apresentando nelas belezas ou raridades particulares. O seu segredo o modo como a vista percorre figuras que se sucedem como numa partitura musical em que no se pode mudar ou deslocar nenhuma nota. O homem que sabe de cor como Zora, nas noites em que no consegue dormir imagina que o relgio de cobre, o toldo s riscas do barbeiro, o repuxo dos nove esguichos, a torre de vidro do astrnomo, o quiosque do vendedor de melancias, a esttua do eremita e do leo, o banho turco, o caf da esquina, a travessa que d para o porto. Esta cidade que nunca se apaga da mente como uma armao ou um reticulado em cujas casas cada um pode dispor as coisas que lhe aprouver recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, nmeros, classificaes vegetais e minerais, datas de batalhas, constelaes, partes de um discurso. Entre todas as naes e todos os portos do itenerrio poder estabelecer um nexo de afinidades ou de contrastes que sirva de mnemnica, de referencia instantnea para a sua memria. E assim de maneira tal que os homens mais sbios do mundo so os que conhecem Zora de cor.

    Mas foi inutilmente que parti em viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imvel e igual a si prpria para melhor ser recordada, Zora estagnou, desfez-se e desapareceu. A Terra esqueceu-a.

    CALVINO, Italo, As cidades invisveis, Lisboa,

    Ed. Teorema, 1993, pag.19

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega32

    Patrimnio Reconhecimento no mapa contemporneo

    We must collect all the visual symbols of this urban being all the evidence of its pathologies and normalities, gathering and storing all the memory taken from bygone times, so that in our present time we can arrive at an equilibrium between the urban being and its material environment.

    Patrimnio (fsico) refere-se ao legado de Artefactos que por um grupo ou sociedade recebem herdados de um Passado. Estes Artefactos, mantidos no Presente, contribuem para o benefcio Futuro da comunidade envolvida, so a produo explicativa de uma cultura em construo. Assim, a uma determinada localizao e comunidade associado um conjunto de construes, enquadrando uma coleco de bens representativos de valores estticos, sociais, espirituais ou at cientficos. A arquitectura destas solues uma forma de gerar conhecimento por outros meios que no os lingusticos.

    A sociedade contempornea organiza-se na base de um mesmo legado edificado e estabelece-se na relao entre todos os indivduos por uma partilha do meio precedente. O trabalho sobre este meio requer ento, o conhecimento de narrativas histricas, de processos de consolidao que suportam a influncia do anterior construdo. Desta forma, os elementos arquitectnicos representam no ambiente contemporneo as necessidades e valores originais de uma cividade sob os efeitos de uma transformao cultural, tcnica e econmica. A conscincia sobre este Patrimnio, erguido num passado prximo ou distante tende a repensar expresses consolidadas. A interveno sobre estas estruturas deve reflectir o papel da histria do lugar como conceitos de Espao e de Tempo a considerar.

    Evoluo da noo de Patrimnio - teorias interventivas

    A noo de Patrimnio, a forma como reconhecido e valorizado tem vindo a ser construda at s consideraes que hoje se estabelecem. Desde o Renascimento que o pensamento terico em Arquitectura se debate com o problema do Patrimnio, tanto na forma como deve ser reconhecido como no modo de actuar sobre ele. As teorias de interveno sobre o construdo constituem a relevncia das questes Patrimoniais de acordo com cada poca. Para l das normativas estabelecidas importa entender a evoluo do pensamento

    BOYER, Christine, The city of Collective memory its historical imagery and architectural entertain-

    ments, London, The MIT press, 1996, pag.17

    2.1

  • 33captulo:

    idelogo sobre o edificado mediante a valorizao que lhe foi sendo atribuda de acordo com as teorias por trs das aces interventivas. Estes pensamentos transparecem no s mtodos de interveno como tambm o sentido e valor do Patrimnio nas diferentes conjecturas Urbanas e suas pocas.

    Desde os primrdios da edificao humana, passando pela Arquitectura clssica e Renascimento, at aos nossos dias, reconhecem-se tendncias para a apropriao sobre o j estabelecido. Fosse por um sentido simblico, de poder ou de simples sobrevivncia e abrigo o homem, por diferentes graus de apropriao, considera o Patrimnio como o legado existente, as formas de valor reconhecvel no meio que lhes atribui um determinado uso. Na Renascena, surgem os primeiros pensamentos tericos sobre as pr-existncias. Apoiavam-se fundamentalmente nas construes de carcter artstico e monumental, passando sculos mais tarde, no sculo XX, por ideologias extremas quanto destruio do consolidado, associado ao Movimento Moderno. No entanto, so vrias as consideraes que pela histria revelam uma postura interventiva sobre o Patrimnio, reflectindo uma avaliao, autenticidade, valor e at sentido contemporneo.

    Sobre o construdo, o homem como um agente de validao e regenerao, conjugando os valores culturais que determinam a sua permanncia qualificada.

    Numa Europa cronologicamente construda, marcada por fortes traos civilizacionais expressos pela Arquitectura, a noo de um mtodo interventivo sobre o Patrimnio qualificado surge em Itlia, por Leon Battista Alberti (1404-1472). Na sua concepo, cada pea substancial, monumental do corpo Urbano seria como um marco imutvel do ponto de vista da imagem gerada. Assim, os esforos sobre a sua manuteno deveriam ir no sentido da reposio dos valores iniciais da obra. A interveno sobre estes monumentos deveria ser contida, pelo recurso a materiais novos para que fosse clara mas subtil, a diferenciao temporal das aces, salvaguardando a imagem inicial evidenciada do objecto. Em parte comprometendo a forma a uma imagem primitiva, Alberti elabora, j luz da sua poca, um pensamento ainda hoje presente em lgicas interventivas, tendo revelado preocupaes no seu discurso e no seu tempo que hoje so alvo de discusso permanente.

    Mais tarde, em Frana, pela fora da Revoluo Industrial no final do sc. XIX, Viollet-le-Duc (1814-1879) tentou estabelecer novos princpios de interveno sobre os elementos histricos construdos. Numa poca em que a evoluo se afirmava pela cincia,

    CAMPOS, Nuno, Guia de arquitectura : espaos e edifcios reabilitados,

    Porto, Trao alternativo, 2012, pag.9

    baseado em AGUIAR, Joo Lus Costa Abreu, Casa na rua formosa: estudo e proposta de

    uma interveno, Porto, FAUP Dissertaes,

    2012, pag. 102

    O Patrimnio contemporneo

    Podemos considerar de esta forma a Viollet-le-Duc (1814-1879) como la primera figura bsica en la teria de la restau-racin de monumentosGRONDONA, Javier,

    Rehbilitacin y vivienda en Sevilla: renovacin

    y transformaciones en la arquitectura

    domstica:1975-1988, Sevilla, C.O.A.A.O.,

    1989, pag.18

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega34

    devido ao progressivo desenvolvimento tecnolgico, a ruptura com o passado estabeleceu-se como um novo paradigma social. Por sua vez, esta nova conjectura, luz do pensamento arquitectnico resultou num enorme sentido nacionalista perante os ambientes histricos. Para Le-Duc a pureza do estilo de cada Arquitectura Histrica deveria ser o sentido de todo o trabalho de Restauro e da conservao Patrimonial. A recuperao estrutural e os elementos deteriorados deveriam ser trazidos ao estado inicial, na lgica de cada tempo anterior. Le-Duc considerava tambm que a utilizao do edifcio deveria sugerir a melhor forma de conserv-lo inalterado. A principal raiz inspiradora das intervenes deveria ser pelo conhecimento profundo e cientifico do estilo representativo de cada obra. Apesar do pensamento actual relativo a mtodos de interveno e restauro no reflectir exactamente os princpios defendidos por Violle Le-Duc, o estudo profundo do projecto inicial, o levantamento detalhado so a fonte de conhecimento especulativo, sobre a qual so gerados os meios iniciais das estratgias de interveno. Considera-se assim, a reflexo de Le-Duc, fundamental para alguns dos princpios actuais, mas principalmente por ter gerado um movimento, entre arquitectos e historiadores, capaz de reconhecer e validar a importncia da manuteno do Patrimnio construdo.

    Ainda no sculo XIX, John Ruskin, ingls, surge com uma nova concepo em nada igual s teorias de conservao at data. Pelo documento The seven Lamps in Architecture distancia-se de Le-Duc na ideia base que prope de conservao. Ruskin negou-se conservao de mtodos de restauro em favor do mximo respeito pelo Monumento. A interveno deveria surgir apenas no sentido da conservao do existente nunca avanando com novos elementos comprometedores do estado inicial. Novamente afastado das compreenses actuais, o pensamento de Ruskin prope a salvaguarda do sentido histrico de cada elemento arquitectnico. Hoje esta leitura tambm muito vinculada s intervenes actuais, onde a Arquitectura requalificada deve ser capaz de permitir a observao transparente sobre o tempo histrico de cada ambiente construdo desde a estrutura inicial ao acabamento.

    Pelo sculo XIX surgem outras teorias associadas noo de Patrimnio, de Monumento e s formas de re-localizar estas estruturas de volta sua imagem digna. As diferentes teorias de Luca Beltrami (Italiano), Alois Riegl (Austraco) ou Camillo Boito (Italiano) propunham diferentes gradaes na interveno histrica mediante a simbologia que interpretavam sobre o edificado. Importa tambm referir as teorias de Gustavo Giovannoni, de Itlia, que sustenta um sentido de valor Patrimonial muito prximo ao actual pensamento contemporneo. Para Giovannoni os Monumentos apresentam-se no meio Urbano como

    baseado em RIVERA, Restauracin

    Arquitectnica Desde Los Orgenes Hasta

    Nuestros Das. Conceptos, Teora e Historia in

    Teora e Historia de la Restauracin,1997,

    pag. 104

    John Ruskin (1819-1900):Escritor e critico britanico cujo pensamento vincula-

    se ao Romantismo, movimento literrio

    e doutrinrio (fins do sc. XVIII at meados do sculo XIX), que se apoia na sensibilidade subjectiva e emotiva

    em contraponto razo. Autor do livro The Seven Lamps in Architecture que por sete pontos apresenta

    o pensamento do autor denotando uma postura passiva relativamente a intervenes histricas.baseado em http://www.gutenberg.org, online a

    22/04/2014

    baseado em RIVERA, Restauracin

    Arquitectnica Desde Los Orgenes Hasta

    Nuestros Das. Conceptos, Teora e Historia in Teora e Historia de

    la Restauracin,1997, pag.114

  • 35captulo:

    um testemunho fsico de Histria a preservar. A forma como se estabelecem operaes de projecto sobre estruturas histricas deve ser no sentido de possibilitar uma relao pacfica com a cidade nova, na perspectiva de criar um sistema nico e complexo na co-existncia de cronologias distantes. portanto, a partir do sculo XIX, pelo concretizar de diferentes teorias que o discurso sobre o legado Histrico estabelecido. Com clara relao a um movimento nacionalista dispontado pela Revoluo Industrial e aos fortes desgnios tecnolgicos que esta props, os arquitectos reconheceram e foram crticos ao ponto de criarem posturas e atitudes que levaram reflexo sobre os elementos mais caracterizadores do ambiente Urbano.

    O sculo XX marca, por sua vez, um conjunto diverso de atitudes radicais, at extremistas quanto concepo histrica no meio Urbano. Apesar dos diversos tratados, o plano Urbanstico dos incios do sculo XX visa o desenvolvimento das cidades que carecem de redes estruturais para responder ao automvel e ao crescimento demogrfico. A Carta de Atenas, documento mais influente do pensamento poca, aborda em vrios pontos a questo do Patrimnio Histrico. No entanto, o seu valor no deveria sobrepor-se s necessidades do mundo Moderno: Ponto V, Carta de Atenas:65. Os valores arquitectnicos devem ser salvaguardados;

    66.Sero salvaguardados se forem a expresso de uma cultura anterior e se corresponderem a um interesse geral;

    67. Se a sua conservao no implicar o sacrifcio de populaes mantidas em condies insalubres;

    68. Se for possvel remediar a sua existncia desvantajosa por medidas radicais, por exemplo, o desvio de elementos vitais de circulao, ou mesmo o deslocamento de centros considerados at aqui como imutveis;

    69. A destruio dos bairros miserveis volta dos monumentos histricos dar a ocasio a criar superfcies verdes;

    70. O emprego de estilos do passado, sob pretexto de esttica, (), no ser tolerado sob forma alguma; Os princpios expressos na Carta salvaguardam em parte, as construes histricas,

    Gustavo Giovannoni (1873-1947), Arquitecto

    que deu continuidade restaurao

    cientifica ou filosfica iniciada por Boito. As

    elaboraes tericas de Giovannoni tiveram seu reconhecimento e consagrao aps a publicao da Carta

    del Restauro, de 1932, cuja inteno era uniformizar a metodologia das

    diferentes tendncias italianas e oferecer um guia aos arquitectos.

    baseado em http://www.ebah.com./aspectos-

    historicos-conservacao-restauro, online a

    22/04/2014

    A Carta de Atenas, 1941, pag.17

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega36

    baseado em BENEVOLO, Leonardo,

    O ltimo captulo da Arquitectura Moderna,

    Lisboa, Edies 70, 1985, pag.142

    fundamentalmente os Monumentos de carcter excepcional no tecido Urbano e reservam aos bairros Histricos uma hiptese mediante uma avaliao do seu estado de salubridade. Na prtica os princpios da vanguarda no forma levados a cabo mas o pensamento por eles representado est presente em diversos planos Urbanos como o exemplo do plano Voisin de Le Corbusier. A proposta apresentada para a cidade de Paris, revela a tentativa de adaptao demanda habitacional pela segregao das principais funes da cidade por diferentes artrias que distribuam o habitante pelos vrios sectores Urbanos. Do ponto de vista formal o plano anula vrios quarteires histricos para a implantao de zonas ajardinadas e torres de escritrios no ncleo central Parisiense.

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  • 37captulo:

    A pura viso modernista, imposta nas novas teorias urbanas, destroi a possvel relao que poder existir entre um campo objectivo e subjectivo das histrias de cada lugar. Pela forma como prope eliminar as referncias histricas, os Modernistas imaginaram as cidades como uma tbua - rasa, livres para qualquer nova construo e futura determinao: the modernists constructed a discipline city of pure form that displaced memory and suppressed the tug of the fantastic. They relied heavily on the power of science to reduce perception to that which could be conceptualized or visualized. By following the path of scientific methodology and assuming their role to be that social engineering, they sought an absolute correspondence between the exterior city reality and its truthful and purified representation.

    A cidade expressa na Carta de Atenas, a cidade de Corbusier, hoje reconhecida como desadequada. Por diversos autores, a cidade moderna no tinha sido ainda construda visto que os esforos e inovaes dos protagonistas no conseguiram conceber, atravs do desenho Urbano, a cidade como resposta condio evolutiva do homem. Os planos do Moderno funcionaram como genricos e idlicos correspondendo ideia de uma cidade completamente criada de raiz pelo suprimento das questes Histricas e Patrimoniais associadas a fortes traos civilizacionais.

    Assim, se dispersa o futuro da cidade, composto por objectos isolados e contnuos vazios

    Na segunda metade do sculo XX surgem autores como Colin Rowe e Fred Koetter, que entre outros, partindo da desiluso Modernista conquistaram novo terreno na preservao das formas do Passado sobre o tecido Urbano: As dcadas de 70 e 80, representam no s para o desenho de Cidade, mas para a arquitectura em geral um conjunto de crticas, entre as quais a importncia da reavaliao do papel da histria na forma de conceber. No campo Urbanstico esse papel reflectia a ideia de um contexto que juntamente com o projecto actual traria novas tenses ao espao Urbano., Este princpio expresso na concepo Urbana de Rowe e Koetter, em Collage City, assume um compromisso com o j construdo. A viso da cidade resultaria do contributo das sucessivas geraes, cada uma com suas definies prprias.

    Assim, se os arquitectos modernistas voltaram a sua ateno para o Presente, o seu tempo corrente, o pensamento das dcadas de 70 e 80 entenderam a cidade como retalhos cronolgicos, passados e presentes, em que as diversas estratgias reguladoras da malha Urbana deveriam ser estabelecidas tendo em conta a presena das variadas circunstncias funcionais e histricas. No entanto, esta preocupao pelo passado levou tambm a um imediatismo na

    BOYER, Christine, The city of Collective memory its historical imagery and architectural entertain-

    ments, London, The MIT press, 1996, pag.16

    SILVA, Cidlia, Dissipar Equivocos, saber ver o Territrio contempor-neo, Arquitectura em

    Locais Comuns / Ideias e projectos para o Vale do Ave, Porto, Dafne (Equaes de arqui-

    tectura), 2008, pag. 41

    BENEVOLO, Leonardo, O ltimo captulo da

    Arquitectura Moderna, Lisboa, Edies 70,

    1985, pag.159

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega38

    compreenso destas solues como referido em The city of collective memory: If modernists were preoccupied with the present or current time, then architects and designers of the 1970s and 1980s grounded their own obsession on refiguring the past. A continuidade entre os retalhos no assegurada pela reproduo imediata dos elementos que constituem os factores de permanncia num dado Espao. Esses elementos devem ser assimilados e compreendidos de forma a responder continuidade dos mesmos por processos contemporneos de projecto.

    O conhecimento das diferentes teorias interventivas sobre meios j consolidados reflecte a importncia e o valor dado em poca ao problema do Patrimnio. Por sua vez, tambm possvel depreender um grau de relevancia estabelecido s estruturas histricas mediante diferentes perodos. Dos Monumentos procura-se, em regra geral, uma contribuio para a caracterizao de uma localizao especifica pela sua simbologia, funo e valor, aos bairros e quarteires histricos que marcam a unidade base Urbana, espera-se um sentido de loteamento e conformao urbana no deixando de ser menos significante na caracterizao de um contexto. O pensamento contemporneo parte dos testemunhos anteriores, associados a cada poca e suas preocupaes para se estabelecer hoje num campo lato de dinmicas sequenciais de funes e imagens onde as formas heterogneas e suas continuas associaes se perdem num sentido global compositivo. Por outro lado, o consequente desenvolvimento perifrico provocou em parte o abandono das reas centrais ao mesmo tempo que constituiu novas formas segregadas que expandiram a mancha Urbana para modelos mais dispersos.

    As formas criadas atingem hoje repercusses do ponto de vista territorial de consequentes degradaes que so alarmantes para a coeso Urbana. Por este legado, o pensamento actual deve apoiar-se no potencial das formas constatadas. Ou seja, deve reconhecer Patrimnio no s na base de uma memria histrica que lhe esta associada mas tambm pelo reconhecimento do potencial a gerar num Futuro: Hope in the future is rooted in the memory of the past, for without memory there is no history and no knowledge, Past, present and future, memory and prophecy are woven together into one continuous whole. Esta noo de tempo expressa o potencial de cada Arquitectura criando uma ideia de Patrimnio no s associado a um Passado mas tambm a uma especulao Futura sobre o construdo. ento, uma noo referenciada no Passado com perspectivas num Futuro.

    BOYER, Christine, The city of Collective memory its historical imagery and architectural entertain-

    ments, London, The MIT press, 1996, pag.6

    ROGERS, Richard, Architecture: a modern view, London, Thames

    and Hudson, 1991, pag.10

  • 39captulo:

    Si la historia era un instrumento ligado a la nueva teoria de la arquitectura, esa relacin era la de aportar credibilidad, certidumbre, respeto de la veracidad y convenincia de los princpios psicolgico-tcnicos sobre los que constuye la actividad arquitectnica presente.

    Os processos de interveno actuais tendem assim, a reflectir um conhecimento e estudo sobre as operaes anteriores para criar um discurso coeso no prolongar das qualificaes das estruturas expectantes. Pela leitura histrica devem adoptar-se procedimentos que anulem a separao entre as fases de construo, desenhando uma espcie de simbiose. A arquitectura deve ser portanto, esse processo, pelo qual o antigo organismo se adapta a uma nova condio populada.

    Contudo, importante considerar que nos ltimos dois sculos a construo de bens imveis atingiu dimenses desmesuradas. Hoje assiste-se ao abrandamento e paragem do crescimento Urbano pela estabilidade dos valores demogrficos. A cidade nunca ser um objecto finito, mas as suas partes tero de ser reconsideradas: conservadas, transformadas, reconstrudas ou at mesmo demolidas. Um dos principais agentes da conformao do edificado actual sobre as cidades foi a revoluo Industrial. No sculo XIX, como referido, a discusso sobre o Patrimnio evolve para posturas sobre os ambientes observados por um sentido nostalgico despontado pelo avano tecnolgico que levou construo de estruturas de dimenses e expresses considerveis. Estruturas que participam hoje no nosso territrio pela funo que desempenham ou desempenhavam. Devem assim, ser repensadas.

    Intervenir, prolongue una identidad que h sido conseguida lenta y trabajosamente. Como se h dicho en outro pasaje, la ciudad es un patrimnio del pasado a transferir hacia el futuro y, si es posible, mejorado por el presente;

    MORALES, Ignasi de Sola, prticas tericas,

    prticas histricas, prticas arquitectnicas, em VIDLER, Anthony

    Inscripciones, Barcelona, Gustavo Gili, 2003,

    pag.257

    BENEVOLO, Leonardo, O ltimo captulo da

    Arquitectura Moderna, Lisboa, Edies 70,

    1985, pag.157

    GRACIA, Francisco de, Construir en lo construido : la

    arquitectura como modificacin, Madrid, Nerea, 2001, pag.179

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega40

    Patrimnio industrial Industria, revoluo

    Na segunda metade do sc. XVIII pela evoluo do capitalismo comercial para o industrial, por meios de um elevado desenvolvimento tecnolgico, a conjectura econmica e social sofre profundas alteraes de impacto a vrios nveis. Este perodo de elevado desenvolvimento denomina-se por Revoluo Industrial. O sistema social capitalista muda de uma perspectiva mercantilista, instvel, para um cenrio produtivo, mais assertivo nos nmeros de produo e transaco pelos enormes progressos tecnolgicos e cientficos que apoiaram a formao da actividade industrial na sociedade moderna a partir do sc. XIX, atingindo a sua plenitude no sculo seguinte.

    Etimologicamente, indstria significa actividade ou habilidade, termo at ento, associado s competncias do arteso. No entanto, segundo a nova conjectura econmica, as tradicionais oficinas, so substitudas a partir dos novos conceitos de standarizao e velocidade, por espaos que cumpram estes novos propsitos. A palavra indstria surge agora, como um smbolo de desenvolvimento, de progresso e eficincia. Ao contrrio do arteso, a indstria parte de uma organizao colectiva sobre um espao comum, que a partir de processos na base de interaco do homem com mquinas, cria de forma sistematizada, um produto.

    Este fenmeno, apoiado pelo novo sector econmico em crescimento, constituiu mudanas do ponto de vista social e territorial, pelo surgimento das classes empresariais e operrias e pela implantao deste sector com forte expresso no territrio. A Fbrica o lugar e smbolo deste novo capitalismo. portanto, o agente expansivo e colonizador desta preposio econmica sobre o meio fsico e social. A evoluo do pensamento cientfico poca acompanhado por este novo programa funcional que se vem a implantar nas cidades desenraizado de qualquer noo anteriormente estabelecida. A Fbrica, ao contrrio da habitao, do programa religioso ou at militar, nada tem de natural a uma condio humana j antes instaurada. Relativiza, portanto, todo o pensamento sobre um edificado que d testemunhos das alteraes econmicas, em torno da partilha espacial entre o homem e a produo mecnica. As questes arquitectnicas surgem na tentativa de acompanhar este desenvolvimento ao mesmo tempo que se expandem as possibilidades de novas expresses associadas ao uso de novos materiais provenientes desta Revoluo.

    baseado em, CRUZ, Hugo Rafael Torres Meira da, Arquitectura industrial na obra de Armnio Losa,

    Porto, FAUP, 2011, pag.21

    FOLGADO, Deolinda, O lugar da indstria

    no territrio, em BRAA, Celestino Garca, Indstria e

    Arquitectura Moderna, em A arquitectura da indstria, 1925-1965:

    registo docomomo ibrico, Barcelona, Fundao Docomomo Ibrico,

    2005, pag.80

    2.2

  • 41captulo:

    Implantao, territrio

    Pelo seu desenvolvimento e simbologia, a mquina, torna-se o epicentro de todas as mudanas do sc. XIX. Ganha portanto, uma enorme importncia nas dinmicas sociais, desde a sua organizao, aos novos espaos desenhados destinados ao seu abrigo e funcionamento. Numa primeira fase, a implantao dos sectores industriais esteve fortemente dependente da proximidade s matrias-primas na base de cada produto, s redes virias para a sua distribuio e aos recursos energticos que utiliza. A zona Perifrica entre a cidade e o campo representou o lugar prximo das cidades, onde o recurso natural s energias e matria-prima era vivel. Assim, em contnuo com zonas agrrias surgem produes agro-alimentares ou vincolas, em zonas de montanha a explorao de minas, e junto aos meios mais urbanizados os sectores de bens de - consumo, txtil, entre outros.

    As primeiras implantaes do sector procuram optimizar as suas possibilidades pela gesto de uma economia de meios sobre a escolha da implantao industrial, utilizando as oportunidades ambientais pr-definidas na envolvente. Esta relao determina a organizao industrial como equivalente s exploraes agrrias, junto a cursos de gua (primeira fonte energtica), onde a classe operria, proveniente do meio rural, tem j a sua habitao, tirando desta forma, partido de mo-de-obra prxima.

    A proximidade das implantaes industriais com a matria-prima explorada outro dos factores determinantes na localizao das actividades produtivas. Pela sua transformao, extraco ou outra forma de explorao, a localizao das unidades de trabalho implica uma gesto entre o meio edificado da fbrica e aquilo que na sua actividade participa: a distncia matria-prima, a proximidade com as infra-estruturas de apoio distribuio mas tambm o apoio aos trabalhadores nos seus estabelecimentos quotidianos (habitao, vias de transporte, comrcio). Assim, a localizao das indstrias responsvel por uma escala de produo que se expande pela rede viria de distribuio at habitao em seu redor, no se esgotando somente num edificado inicial proposto. Este envolvimento sobre o territrio levou construo de novas paisagens que celebram diferentes funes, por construes de diferentes escalas, pela invaso de antigos espaos rurais, agrrios, constituindo lugares desorganizados, artificiais, articulados ao longo de eixos virios que se associam entre pontos na paisagem.

    O olhar sobre as implantaes industriais do sc. XIX e XX implica no s o reconhecimento e anlise do espao de trabalho da produo mas tambm os prolongamentos

    baseado em,VIDAL, Vicente Ma-

    nuel, Indstria: cidade e territrio; a geografia da indstria, em BRAA, Celestino Garca, Inds-tria e Arquitectura Mod-erna, em A arquitectura da indstria, 1925-1965:

    registo docomomo ibrico, Barcelona,

    Fundao Docomomo Ibrico, 2005,

    pag.73

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega42

    deste sector sobre uma maior escala que o envolve. reflectir portanto, nas questes Urbansticas postas em causa mediante o desenvolvimento de toda uma circunstncia econmica.

    Esttica, funo

    As exigncias do novo sector industrial resolvem a vontade de transformar, de criar novas formas, como uma oportunidade de construir elementos simblicos, atentos s mudanas da sociedade. Os Arquitectos e Engenheiros que protagonizaram estas construes, na agitao desta poca, estiveram atentos s suas mudanas para a criao de um espao funcional, produtivo, til para o novo sector. No cruzar da razo terica com um sentido prtico associado ao funcionamento das linhas de produo surge a Arquitectura Moderna Industrial: A revoluo dos mtodos de clculo estrutural e os contributos prticos dos engenheiros iro traar um panorama sensivelmente diferenciado da poca anterior. A arquitectura industrial acompanha portanto, os pressupostos da poca, deixa-se envolver para sofrer com as aplicaes cientificas na sua caracterizao. A partir dos anos 20 as indstrias esto j associadas a modernas tecnologias de construo pela aplicao de novos materiais importados da revoluo.

    O pensamento artstico e arquitectnico, no inicio do sc. XX, traduz a necessidade de responder contaminao da mquina pelos espaos sociais em que participa. A preocupao da arquitectura era entender este pressuposto e de encontrar princpios que formulassem uma esttica industrial associada a implicaes actuais. desta forma, que a arquitectura Moderna encontra uma enorme acomodao no sector Industrial. As principais caractersticas da modernidade arquitectnica do inicio do sc. XX, concretizam-se mais substancialmente no cumprimento tcnico do edifcio Industrial. As necessidades desta tipologia impem-se como argumentos transparentes para a nova Arquitectura cuja caracterizao resulta tambm da aplicao de materiais como o Ferro, o Beto e o Vidro, surgidos pelo prprio desenvolvimento. Estas aplicaes permitem ao desenho novas possibilidades expressivas como tambm uma configurao arquitectnica muito especfica, prpria do contexto. A articulao dos problemas de funcionamento, mobilidade e flexibilidade interna resultaram por norma, em formas de organizao por dois tipos de estrutura: o espao livre, abobadado, com recurso ao beto na sua materializao e a quadrcula de pilares associada ao beto e ao ferro. O desenho da estrutura estabelece por sua vez, uma nova relao com a cobertura

    BRAA, Celestino Garca, Esttica da mquina, Esttica

    do Engenheiro, em A arquitectura da indstria,

    1925-1965: registo docomomo ibrico,

    Barcelona, Fundao Docomomo Ibrico,

    2005, pag.40

  • 43captulo:

    que envolve as unidades de trabalho resolvendo o problema da iluminao na utilizao do vidro. O desenho estrutural a caracterstica fundamental no concretizar da esttica moderna industrial pelas exigncias funcionais que carecem de amplos espaos, adaptveis aos diferentes interesses espaciais que permitem expressar a prpria racionalidade de cada edifcio.

    Ao contrrio do entendimento arquitectnico at data, a edificao das construes industriais resume uma articulao entre a Arte e Tcnica estabelecida na segunda metade do sc. XIX. Por altura em que o pensamento artstico problematizava o desenvolvimento maquinista e progressiva industrializao, assumindo o exemplo da construo em 1889 da Torre Eiffel como a explorao mxima de um dos materiais mais representativos da poca: o Ferro, encarando as suas possibilidades estticas e estruturais.

    Numa instncia inicial, a conformao do espao Industrial pertencia ao campo dos engenheiros, pois era a classe que melhor sintetizava as necessidades dos processos de produo e que potenciava as linhas de montagem e produo, que conseguia portanto, uma maior eficcia de resultados. No entanto, os valores eficazes da engenharia que pareciam ter condenado um sentido artstico nas construes, foram aos poucos corrompidos pelo novo mediatismo que a Arquitectura adquire na transposio dos valores tcnicos a espaos desenhados. A arquitectura determina-se como a Arte que problematiza a tcnica industrial por uma esttica especfica:

    E a arquitectura como Arte, reduzida entretanto a sinnimo da forma e ornamento, tinha passado a opor-se tcnica, instrumento de progresso e nessa medida de bem-estar da civilizao.

    O programa Industrial, pelo abrigo das mquinas, exigia diferentes espacialidades das da escala humana. Desta forma, as novas concepes soltam-se de valores preconcebidos para noes mais despojadas, puras na sua volumetria, determinantes na caracterizao da nova Arquitectura Industrial Moderna. neste momento que pelo avano do sector e sua expanso internacional que se reconhece uma imagem de marca, a Fbrica, que agora pela apreenso de uma arquitectura nova e especfica atribui um novo valor acrescentado ao prprio fabrico.

    A esttica industrial do sc. XX celebra o alvoroo do pensamento arquitectnico pelo sentido utilitrio. Para muitos arquitectos, como Corbusier, as formas produzidas pela

    BRAA, Celestino Garca, Indstria e

    Arquitectura Moderna, em A arquitectura da indstria, 1925-1965:

    registo docomomo ibrico, Barcelona,

    Fundao Docomomo Ibrico, 2005, pag.43

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega44

    Indstria constituem a pureza pretendida pela verdadeira Arquitectura Moderna no regulada pelas tradies do ornamento na concepo do belo: A fbrica o lugar redundante onde a esttica moderna encontra o prprio programa moderno.

    Caso Portugus

    O processo de industrializao Portugus caracterizou-se de uma forma prpria com condies diferentes e independentes da conduta Europeia. A partir dos incios de novecentos debatia-se em Portugal um desejo de modernizao sobre um Territrio rural nitidamente menos desenvolvido em relao restante Europa. Enquanto smbolo de progresso e modernizao a expanso industrial Portuguesa reflecte uma assimilao lenta, mantendo at tarde uma autoria quase annima mesmo quando protagonizada por profissionais de relevo. No entanto, apesar das condies instveis ao nvel social, poltico e econmico nos finais do sculo XIX e sculo XX, a industrializao em Portugal resultou em profundas alteraes paisagsticas do Territrio, no s na concretizao do programa industrial mas tambm nos prolongamentos das suas implantaes, como a rede viria ou a localizao da habitao operria. A afirmao da arquitectura moderna Industrial Portuguesa acompanha o ritmo da produo dos novos materiais construtivos, entre um interesse de modernizao, apoiado nas potencialidades do culto maquinista e a nostalgia de uma ruralidade perdida.

    Assim, o processo de industrializao nacional parte nas primeiras dcadas do sculo XIX com o recurso s mquinas de vapor em indstrias localizadas especialmente em Lisboa, Porto, Braga e Setbal. Sente-se portanto, neste tempo, uma convergncia aos meios urbanos pelas exploraes industriais que implicam o problema da localizao da nova classe operria. O atraso tecnolgico era, por sua vez, sentido pela falta de mo-de-obra qualificada e pela falta de investimento estatal no novo sector industrial privado.

    No inicio do sculo XX mediante a nova conjectura poltica e social marcada pelo fim da Monarquia, implantao da repblica e posterior estabelecimento do regime ditatorial, desenvolvem-se em Portugal infra-estruturas que promoveram uma expanso catalisadora de novas dinmicas entre pontos distantes no Territrio. At dcada de 30 o poder estatal demonstra uma certa resistncia ao processo de industrializao para um equilbrio entre o desenvolvimento industrial em consonncia com as politicas agrrias e tradicionais muito

    FIGUEIRA, Jorge, MILHEIRO, Ana

    Vaz, O fim da fbrica, o incio da runa, em BRAA, Celestino Garca, Indstria e

    Arquitectura Moderna, em A arquitectura da indstria, 1925-1965:

    registo docomomo ibrico, Barcelona, Fundao Docomomo Ibrico,

    2005, pag.93

    baseado em, CRUZ, Hugo Rafael Torres Meira da, Arquitectura industrial

    na obra de Armnio Losa, Porto, FAUP, 2011,

    pags.65-69

  • 45captulo:

    Fbrica de Fiao e tecidos de Vizela:

    -Criada em 1845, com sede no Porto;

    -Industria textil-Representa um

    agente a considerar no desenvolvimento da regio de Negrelos e

    Santo Tirso ao nvel das redes infra-estruturais e

    dinmicas sociais;-Importante

    reconhecimento nacional;

    baseado em http://esdah_dea4a.blogs.sapo.pt/1109.html, online a

    23/04/2014

    O Patrimnio contemporneo

    img 6 e 7 Fbrica de Fiao e tecidos de Vizela

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega46

    expressivas no panorama Portugus. Com a chegada da grande exposio da Industria Portuguesa em 1932 e 33, constituiu-se uma oportunidade para o desenvolvimento do sector Industrial, rompendo a tendncia rural em vigor. O debate sobre as politicas empreendedoras e progressistas do novo sector industrial depara-se com um pas extremamente dependente de matrias-primas importadas e foca-se sobretudo no desenvolvimento de uma rede elctrica nacional. No entanto, mediante os esforos de modernizao o pas parecia no responder aos processos de industrializao no concretizando algumas das expectativas. At dcada de 40 as principais indstrias continuavam a localizar-se junto do litoral nas grandes reas de Porto e Lisboa. Verificava-se tambm a carncia de equipamentos modernos nos espaos industriais e um reduzido nmero de trabalhadores empregados, o que comprometia a eficincia e quantidades produzidas a competir dentro do contexto Europeu.

    O espao tradicional de produo como as oficinas marcava, em grande parte, o campo industrial Portugus. S mais tarde no comeo da dcada de 50, pelo apoio governamental e de vrias foras privadas que investiram no sector pela criao de infra-estruturas requeridas ao desenvolvimento e pela aprovao de leis e normativas de apoio ao ramo industrial, se comearam a estabelecer valores produtivos mais significativos e competitivos. Desta forma, as oficinas tradicionais referidas eram agora substitudas por novos complexos modernos como o das indstrias qumicas ou de fbricas ligadas explorao de novos materiais de construo. Os planos de industrializao passaram a prever a electrificao a uma grande escala territorial, a integrao de componentes cientficas aos mtodos de produo e um planeamento a longo prazo vivel.

    A par destes desenvolvimentos o desenho industrial constituiu um novo desafio pelo apuramento da tcnica em favor do progresso territorial, de uma imagem e espacialidades que aprovassem e acompanhassem o crescimento do sector. Nas dcadas seguintes, de 50 e 60 o pas estava preparado para competir na escala Europeia. O investimento estatal recaia de novo no campo industrial no sector das energias pela introduo do petrleo na substituio do carvo. Estes desenvolvimentos permitiram tambm maiores taxas de empregabilidade no sector e as condies do trabalho fabril melhoraram do ponto de vista das instalaes e tambm da habitao operria. Apesar dos ltimos desenvolvimentos, Portugal continuava ainda bastante atrasado, pouco competitivo nos mercados Europeus. Na segunda metade do sculo XX, dcadas de 60, 70 e 80, por novos meios de apoio pblico, procurou-se aumentar o valor das exportaes e elevar os nmeros de

    baseado em, CRUZ, Hugo Rafael Torres Meira da, Arquitectura industrial na obra de Armnio Losa,

    Porto, FAUP, 2011, pag.73

  • 47captulo:

    Fbrica de Adubos Qumicos da Povoa

    de Santa Iria:-Fundada em 1905

    (comeo sculo XX)-Instalada nas

    proximidades da linha de ferro;

    -Aproveitamento das matrias-primas essenciais ao produto final, o sal marinho e calcrios extrados na envolvente prxima:

    a montanha de Vialonga;

    baseado em http://restosdecoleccao.

    blogspot.pt/2012/03/companhia-industri-al-portuguesa.html, online a 23/04/2014

    O Patrimnio contemporneo

    img 8 e 9 Fbrica de Adubos Q

    umicos da Povoa de Santa Iria

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega48

    produo. Foram promovidas estratgias de descentralizao do sector. Tentou-se assim, que a distribuio das unidades fabris se expandisse para l das cidades principais de forma a criar novas dinmicas sobre zonas rurais e agrrias conjuntas ao desenvolvimento da rede viria, anos antes estabelecida. Este desenvolvimento apoia-se tambm na explorao de uma mo-de-obra pertencente j a um meio estabelecido mas com potencialidades interessantes ocupao industrial. Esta nova distribuio tem consequncias paisagsticas que hoje se lem no patrimnio rural Portugus, nas dinmicas territoriais e socias. Estabeleceu-se um sector empresarial representado pelos complexos industriais que passaram a fazer parte da subsistncia e identidade das suas localizaes.

    reflexo desta realidade industrial em visvel crescimento , no plano urbanstico, a primeira consolidao das concentraes industriais no nosso pas. Deste modo, d-se incio zonificao industrial das cidades portuguesas, dando origem a novos espaos que perduram at aos nossos dias de hoje, e que com as suas caractersticas particulares, caracterizam um territrio bem especfico

    No fim sculo XX, dcada de 90, mediante a abertura e novas normativas dos mercados Europeus, o sector Industrial Portugus demonstra carncias, em determinados sectores industriais, por no conseguir competir no mesmo plano comercial. Assim, entrada no sculo XXI, Portugal debate-se com enormes dificuldades na manuteno dos seus espaos Industriais pela fora com que perdia o seu lugar no panorama comercial Europeu e Internacional. A classe empresarial viu-se, em parte, forada a abandonar estas moradas, deixando um rasto do que ainda muito recentemente teria sido criado. Sistemas industriais obsoletos, expectantes sobre diferentes meios, perifricos, campestres ou at mesmo citadinos.

    A fbrica, como agente fsico de um sector econmico o smbolo que no territrio Portugus expressa a expectativa da modernidade industrial. hoje o reflexo de um programa que caiu na obsolescncia pela falta de rentabilidade e viabilidade do sector que representa. Qual ento o rumo que este Patrimnio deve seguir? Tornou-se uma runa que conta a histria da modernidade Portuguesa pela qual se especula uma razo para a sobrevivncia, por novas possibilidades programticas. As indstrias, hoje em dia, so altamente tecnolgicas, cumprem regulamentos e formas standart na qual a mediao pela Arquitectura de difcil assimilao. A fbrica moderna por sua vez, um objecto melanclico entre a Arte e a tcnica adequada partilha entre o homem, o objecto industrial e a paisagem em que insere.

    FERNANDES, Jos Manuel em, CRUZ, Hugo

    Rafael Torres Meira da, Arquitectura industrial

    na obra de Armnio Losa, Porto, FAUP, 2011, pag.75

    baseado emFOLGADO, Deolinda,

    O lugar da indstria no territrio, em Braa, Celestino

    Garca, Indstria e Arquitectura Moderna, em A arquitectura da indstria, 1925-1965:

    registo docomomo ibrico, Barcelona, Fundao Docomomo Ibrico,

    2005, pag.82

  • 49captulo:

    Fbrica Barros:-Sediada em Lisboa tendo o edifcio sido concludo em 1958;

    -Industria txtil; -Inserida numa lgica industrializadora de

    Lisboa;-Linguagem prpria

    num contexto Modernista;-Coloca-se

    hoje, como um problema, carente de manuteno e

    utilidade;

    baseado em CELESTINO, Garca Braa, A arquitectura

    da indstria, 1925-1965: registo docomomo

    ibrico, Barcelona, Fundao Docomomo Ibrico, 2005, pag.243

    Fbrica dOliva:-Fundada em 1925,

    desenhada pelo arquitecto Fernando

    Campos;-Assumiu um lugar

    determinante no desenvolvimento de S. Joo da Madeira;

    -Industria da Fundio;

    -Linguagem e volumetria associada

    ao Movimento Moderno;

    -Constitui hoje uma runa, na base da qual

    um novo projecto cultural revitalizador

    emergir;

    baseado em baseado em CELESTINO,

    Garca Braa, A arqui-tectura da indstria,

    1925-1965: reg-isto docomomo ibrico, Barcelona, Fundao Docomomo Ibrico,

    2005, pag.251

    O Patrimnio contemporneo

    img 10 e 11 Fbrica dO

    livaim

    g 12 Fbrica Barros

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega52

    Desactualizaes | Actualizaes Processos e condies em arquitectura

    One of the features of modern activity, noticeable both in its objects and in space, is mutability. The possibility of being modified is the actual connection that holds it together. All human production is in a continuous state of transformation.

    Por desactualizao entende-se todo o processo cujo lugar edificado no sofreu a adaptao necessria sua manuteno. Independentemente de uma imagem sugerida so muitas as estruturas que perdem sentido pela simples transferncia de um desempenho antigo para a actual circunstncia temporal. Sem os necessrios processos de ajustamento num campo patrimonial de aco, as estruturas que antes eram compreendidas na sua localizao, funo, imagem e viabilidade so agora superadas pela actualizao constante das dinmicas Urbanas.

    O programa arquitectnico acontece mediante uma necessidade de abrigo de determinados usos, segundo elementos que providenciem, ao longo de um certo tempo, as condies ao desempenho humano dessas funes. O desenho pressupe portanto, uma noo clara dos desenvolvimentos sobre o espao e est nele implcito uma circunstncia momentnea na qual o corpo arquitectnico estabelecido. A histria da Arquitectura acontece em paralelo com a evoluo humana e como tal acompanha os valores de cada poca adaptados a cada arquitectura. Assim, a morada arquitectnica deve ser tambm encarada como uma metamorfose de valores instveis a partir dos quais o espao sofre mutaes. Para os arquitectos portanto, fundamental entender que o objecto arquitectnico no se encerra no seu desenho inicial. A instabilidade de qualquer funo deve ser reconhecida para que o espao no se torne obsoleto e limitado a um primeiro desempenho tal como sugere Frederico Soriano em 100 hiperminimos: Throughout history, architecture has preserved the stability of the discipline as a reliable asset. But beauty is ephemeral, programs are flexible and instability can be constructed at last. We have to aim for a dynamic conception of architectural form. We need to become conscious of the ways of transforming.

    Sendo o Futuro sempre incerto, os valores do Passado so uma espcie de garantia e nostalgia perante o campo fsico existente. Deste modo, as possibilidades futuras no representam por si s, uma afirmao convincente sobre os elementos e condies pr-existentes. Deve ser sempre considerado e reflectido o processo de actualizao de cada

    SORIANO, Federico, 100 hipermnimos y uno lti-mo de Francisco Jarauta,

    Madrid, Lampreave, 2009, pag.56

    SORIANO, Federico, 100 hipermnimos y uno lti-mo de Francisco Jarauta,

    Madrid, Lampreave, 2009, pag.57

    2.3

  • 53captulo:

    funo edificada. O Patrimnio e o meio fsico devem ser ponderados como uma realidade em progresso e no em estagnao. As aces devem ser estabelecidas no sentido de proteger esse Patrimnio, mas tambm de criar novas narrativas, abertas a novas possibilidades de acordo com diferentes graus de interveno pelos diversos casos.

    Assim, como exposto, os princpios de actualizao do Patrimnio, para uma adequao s condies actuais do habitar, no se encerram somente na recuperao do meio fsico e construtivo do edificado. Em muitos casos, o problema da adaptao tem que ver com novas actividades funcionais que devem ento, ser reavaliadas segundo a condio existente a recuperar. portanto, um processo de apreciao funcional e construtiva, numa relao que combina uma nova dinmica apropriativa do espao existente. Em Construir en lo construido Francisco Gracia rene vrios princpios relativos a processos de actualizao sobre edifcios histricos denotando a conscincia de uma condio temporal a qualquer corpo arquitectnico: Aceptar la dimensin temporal de la arquitectura, tanto en el uso como en la prctica proyectual, significa reconocer el inevitable proceso de modificacin a travs del tiempo no solo por mdio de procesos de entropia y de usura, o de cambio de funcin, sino todo de cambio de significado dentro del contexto. O tempo ento, compreendido como o principal agente modificador da conjectura espacial. No s no sentido tectnico de cada estrutura abordada, mas tambm na forma como feito o apropriamento.

    Tempo: a construo de uma narrativa La historia se escribe a partir de operaciones que dependen de nuestra propia intencin, de la intriga que guia nuestras pesquisas. As aces que sobre o espao so estabelecidas compreendem uma construo de narrativas histricas que por intenes especficas alteram a forma arquitectnica a partir da condio inicial. Para Sola Morales, a histria o princpio terico na base da mutao espacial e como tal qualquer aco futura deve reconhecer as intenes passadas e assimiladas em cada espao. A histria surge ento, como uma ferramenta terica ao servio de uma prtica que por uma interpretao consegue elucidar e revigorar noes anteriores com impacto num novo desenho actual. O arquitecto um intrprete da realidade existente, assimila os seus valores, entende as aces passadas em cada espao desenvolvidas, para ento, conjugar um novo Futuro na base dos potenciais reconhecidos.

    GRACIA, Francisco de, Construir en lo construido : la

    arquitectura como modificacin, Madrid, Nerea, 2001, pag.178

    MORALES, Ignasi de Sola, prticas tericas,

    prticas histricas, prticas arquitectnicas, em VIDLER, Anthony

    Inscripciones, Barcelona, Gustavo Gili, 2003,

    pag.263

    O Patrimnio contemporneo

  • um lugar na paisagem construda . Estudo para a adaptao de uma Adega54

    Se cada lugar tem a sua histria, um processo de construo prprio, assim ser a interpretao que sobre cada realidade criada. As possibilidades de desenho Futuro sobre o corpo edificado variam de acordo com a subjectividade da interpretao associada a cada espao arquitectnico especfico. Deste modo, a especificidade de cada espao torna-se a base de estratgias que compreendem as suas possibilidades, estabelecendo assim, um meio contnuo, evolutivo a partir do existente. O arquitecto ento, responsvel pela conexo entre tempos distintos e o seu desenho contabilizado na criao do lugar alterado e adaptado.

    El arquitecto no es ms que el intrprete, brillante o zafio, de dicha ideologia dominante, () el discurso fiable, de la verdadera condicion de la arquitectura en el presente o en el pasado, es el discurso de la historia critica, una pratica terica que, desde la negatividad, asume la unica posibilidad de un discurso interpretativo verdadero.

    Segundo a noo apresentada, compreendem-se as aces interventivas no espao existente a partir de um grau de interveno, que por uma interpretao se estabelece, mediante o pretexto de um novo uso.

    Realidade existente

    ProjectoNova realidade

    Interpretao da realidade estratgia

    Novo uso a adaptarprograma

    MORALES, Ignasi de Sola, prticas tericas,

    prticas histricas, prticas arquitectnicas, em VIDLER, Anthony

    Inscripciones, Barcelona, Gustavo Gili, 2003,

    pag.261

    esq.

    2

  • 55captulo:

    Imagem | Uso

    La constante evolucin de la arquitectura, producida por la sucesin de culturas diversas, a lo largo del tiempo y justificada en el plano ms estrictamente funcional por la adecuacin de las edificaciones a nuevas necesidades

    O Parque edificado traduz um conjunto denso de elementos degradados pelo uso que o quotidiano actual no os sujeita. Contudo, a sua manuteno necessria para a sobrevivncia destas estruturas, para manterem a imagem que sobre uma determinada implantao actua. Alguns j sofreram estratgias de reintegrao, outros esto em processo desses procedimentos e outros parecem esquecidos com as funes que tentam segurar entre as novas possibilidades modernas.

    Cada edifcio compreendido num uso especfico responsvel por uma aparncia que caracteriza a sua localizao. O problema apresenta-se quando as estruturas se revelam inutilizadas. Independentemente do seu estado actual ou anterior utilizao, a sua condio revela-se desajustada da conjectura actual. Nesse sentido, surge o problema da conservao que pela actualizao de uma funo contribui para a manuteno de uma imagem associada ao edificado.

    Segundo J. Grandona e J. C. Babiano em Rehabilitacion y vivenda en sevilla, a conservao de qualquer estrutura arquitectnica deve reflectir a forma como esta ser apropriada por uma funo, no se fixando unicamente num valor objectual: No se produce una valoracin histrica de lo existente, se su valor es exclusivamente material. Torna-se assim fundamental, compreender a utilidade de cada edifcio para l do valor da sua imagem e encontrar um desenho de um novo estatuto que o integrar nos espaos que participam no quotidiano.

    A partir da noo referida consegue-se agora compreender vrias intervenes que sobre um lugar j estabelecido resolvem uma nova apropriao que se adapta no espao, revigorando-o, ao mesmo tempo que capaz de elucidar para as questes da pr-existncia.

    GRONDONA, Javier, Rehbilitacin y vivienda en Sevilla: renovacin

    y transformaciones en la arquitectura

    domstica:1975-1988, Sevilla, C.O.A.A.O.,

    1989, pag.16