Martyn Jones, John Stott, e 1 Co 12 13 o Debate Sobre o Batismo Com o Espirito Santo

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    Martyn Lloyd-Jones, John Stott, e 1 Co 12.13:O Debate sobre o Batismo com o Esprito Santo

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    Augustus Nicodemus Lopes*

    O debate na Igreja brasileira sobre o batismo com o Esprito Santo tem sido s vezes conduzido em torno dfiguras do (j falecido) Dr. Martyn Lloyd-Jones e do Dr. John Stott.1 Mais particularmente, o debate tem giradoem torno das suas interpretaes da conhecida passagem de Paulo em 1 Corntios 12.13, Pois, em um s

    Esprito, todos ns fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E atodos ns foi dado beber de um s Esprito .2 A passagem crucial para o debate, j que a nica, fora dosEvangelhos e de Atos, que traz juntas palavras como "todos", "Esprito", "batizar", "corpo", e "beber". Algdefensores do batismo com o Esprito Santo como uma experincia distinta da converso, referem-se ao DLloyd-Jones como exemplo de um telogo reformado e puritano que defende essa posio. Os do campocontrrio, referem-se ao Dr. Stott como um telogo de renome mundial que sustenta ser o batismo com oEsprito Santo idntico converso.

    Duas observaes iniciais sobre esta realidade. Primeira, o debate sobre o batismo com o Esprito Santo temencontrado muito mais participantes ilustres do que apenas Lloyd-Jones e Stott. Existem muitos livros e artdefendendo uma e outra posio, escritos por telogos conhecidos e de diferentes persuases teolgicas. O de que, no Brasil, esta polmica desenvolve-se em torno dos nomes de Lloyd-Jones e de Stott deve-se aosimples fato de que ambos tiveram suas obras traduzidas para o portugus, e outros no. E a segundaobservao decorre deste ltimo ponto: a doutrina do batismo com o Esprito Santo no a principal nfasministrios de Lloyd-Jones e Stott.3 Ambos falaram e escreveram sobre muitos outros assuntos. Mas o fato que, no Brasil, por falta de autores nacionais que escrevam claramente sobre o assunto, e que tomem uma posio definida, e tambm por causa das poucas tradues em portugus de livros sobre o tema, o debatedesenvolveu-se mesmo em torno desses dois nomes.

    Tambm importante lembrar que esses dois importantes lderes no se envolveram pessoalmente em disp pblica sobre esse ponto especfico. So alguns de entre os seus seguidores e admiradores que tm usado sescritos para debater as diferenas que a discusso moderna sobre o assunto tem levantado. Lloyd-Jones e na verdade, estiveram envolvidos em outro tipo de polmica, mais especificamente com relao a eclesioloe a unidade dos evanglicos.4

    Partindo ento da inevitvel realidade de que teremos de lidar com Lloyd-Jones e Stott ao nos referirmos questo do batismo com o Esprito Santo em um artigo destinado a pastores e lderes brasileiros, tentaremoaqui dar uma colaborao ao debate atravs de uma apresentao e anlise da posio de ambos, particularmente luz da maneira como interpretam 1 Co 12.13.

    Lloyd-Jones e 1 Co 12.13

    Vamos comear com Martyn Lloyd-Jones, por uma questo de cronologia. Sua opinio sobre o batismo coEsprito Santo, e sua interpretao de 1 Co 12.13, podem ser encontradas em trs de suas obras principais.Primeiro, emGods Ultimate Purpose , o primeiro volume de sua famosa srie de sermes na carta aos Efsios pregados nos anos 1954-1955, durante seu ministrio na Capela de Westminster, Londres.5 Ele expe Efsios1.13 em seis captulos, quando ento aborda o tema do batismo com o Esprito Santo.6 Segundo, no volume dasua srie em Romanos, entituladoThe Sons of God , onde ele expe Romanos 8.5-17.7 Esse volume contm ossermes pregados em Romanos durante os anos 1960-1961, dos quais oito tratam de Rm 8.16, uma passagemque, segundo Lloyd-Jones, refere-se ao batismo com o Esprito Santo.8 Por fim, em seu livro Joy Unspeakable , publicado em 1984, que a transcrio de vinte e quatro sermes pregados em 1964 na Capela de WestminInglaterra, numa srie em Joo 1.26-33.9 Nesta obra, Lloyd-Jones trata de forma detalhada da sua posio sobro batismo com o Esprito Santo, e de 1 Co 12.13.10 Procuraremos resumir, partindo destas fontes, a suainterpretao da passagem.11

    O contexto do ensino de Lloyd-Jones

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    Devemos estar conscientes do contexto em que Lloyd-Jones aborda esse assunto. Ele estava reagindo a duatendncias de sua poca, as quais considerava perniciosas para a vida da Igreja. Em primeiro lugar, contra nascente movimento de "lnguas", em Londres, cujos proponentes reivindicavam terem sido "batizados comEsprito", e colocavam a nfase maior no dom de lnguas. Lloyd-Jones freqentemente adverte contra os perigos do fanatismo, misticismo, e abusos nesta rea,12 fato que s vezes tem sido esquecido por alguns queusam seus escritos para promover conceitos e prticas carismticos.

    Lloyd-Jones enfrentava ao mesmo tempo um tipo de ensino aparentemente ortodoxo que ele considerava a

    mais pernicioso vida da Igreja do que os excessos dos carismticos. Basta que leiamos os captulos 212seu livroGods Ultimate Purpose para verificarmos que, na maioria das vezes, ele est reagindo, no aosexcessos do movimento carismtico nascente, mas ao tipo de ensino que dizia que os crentes j tinham recetudo por ocasio da sua converso, e que no mais precisavam buscar a plenitude do Esprito ou um nvel mde vida espiritual.13 Era esse Cristianismo antiemocional e intelectualista que prevalecia nas Igrejas evanglicda Inglaterra. Para muitos pastores e estudiosos daquela poca, todos os crentes j haviam recebido tudo doEsprito na sua converso, e o que restava era irem se apropriando destes benefcios gradativamente, na vidcrist.14 Para eles, quase todos os aspectos da obra redentora e santificadora do Esprito Santo ocorriam nummbito no "experiencivel",15 e atividades do Esprito como o "selo" (Ef 1.13) e o "testemunho ao nossoesprito" (Rm 8.16) eram encarados como se processando em um nvel intelectual, ou acima da nossacapacidade de sentir ou experimentar. Outros ensinavam que todas estas coisas eram para ser tomadas "pelindependentemente dos sentimentos ou das emoes.

    Para Lloyd-Jones, esse tipo de ensino era responsvel em grande parte pelo fato de a maioria dos cristos nEuropa desconhecerem um Cristianismo vigoroso, "experiencivel", e de praticarem uma religio fria, sememoes, e destituda de vigor e vida. Como pastor de formao puritana, Lloyd-Jones reagiu fortemente atipo de ensino que acabava por negar o carter "experiencivel" da f em Cristo, e o lugar das emoes naexperincia crist. Mas, o seu maior conflito com esses telogos era que tal ensinamento, na sua opinio, ndeixava lugar para reavivamentos espirituais, para novos derramamentos do Esprito sobre a Igreja.

    Por esse motivo, ele abordou o assunto do batismo com o Esprito Santo muito mais em reao friezaespiritual da sua poca, do que em reao ao movimento carismtico, que estava apenas em seus inciosnaqueles dias.

    O selo do Esprito e o batismo com o Esprito

    Ao expor Ef 1.13, fostes selados com o Santo Esprito da promessa , Lloyd-Jones segue a interpretao dealguns telogos Puritanos (Thomas Goodwin, John Owen, Charles Simeon, Richard Sibbes), e do famosoCharles Hodge de Princeton, que defendiam que esse "selo" no a mesma coisa que a converso, e podeocorrer depois.16 A principal nfase de Lloyd-Jones em sua exposio da passagem que esse "selo" algo q pode ser experimentado, sentido e identificado pelos crentes, e que no se trata de algo que j ocorreuautomaticamente com todos eles na sua converso. Como demonstrao, ele menciona experincias de

    personagens famosos na Histria da Igreja, como John Flavel, Jonathan Edwards, D. L. Moody, ChristmasEvans, George Whitefield e John Wesley.17

    Trata-se de umaexperincia, diz Lloyd-Jones, e no de um processo. Assim, algo que deve ser buscado por cada um.18 Tambm no devemos confundir o "selo" com a plenitude do Esprito, e nem com a santificao19o"selo" tambm no algo a ser "apropriado pela f", como ensinam alguns pregadores e escritores:20elefunciona como uma autenticao de Deus de que de fato pertencemos a ele, algo semelhante ao ocorrido coSenhor Jesus quando foi batizado (comparar Jo 1.32-34 com 5.27).21

    Lloyd-Jones identifica esse "selar" do Esprito com o "batismo" do Esprito, experimentado pelos apstolodia de Pentecostes, e ainda pelos samaritanos, Cornlio e sua casa, e os discpulos de Joo Batista em feso22

    O testemunho do Esprito e o batismo com o Esprito

    Em sua exposio de Romanos 8.16, Lloyd-Jones afirma que o testemunho do Esprito ao nosso prprioesprito mais do que o resultado de um processo racional, pelo qual o crente chega certeza da salvao.

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    Segundo ele, trata-se de uma certeza dada de forma imediata (sem o uso de meios) pelo Esprito, diretamennossa conscincia. Portanto, algo da mesma ordem que o "selo" ou batismo com o Esprito.23 algo distintoda converso, que ocorre aps a mesma, s vezes em um intervalo de tempo extremamente breve.24

    1 CoRNTIOS 12.13

    Lloyd-Jones est consciente de que alguns apelaro para 1 Co 12.13 para contradizer seu ponto de vista. Paele, a passagem ensina de fato que o Esprito Santo batiza o crente, colocando-o no corpo de Cristo que a

    Igreja, e que isto ocorre na converso, e que, portanto, todos os cristos j foram objeto desta atividade doEsprito. Porm, ele argumenta, esse "batismo" de 1 Co 12.13 no o mesmo "batismo" ou "selo" do Esprmencionado nos Evangelhos e em Atos. O que ocorre que a palavra "batismo" empregada no NovoTestamento com vrios sentidos diferentes.25 Para ele, o batismo pelo Esprito em 1 Co 12.13 significa o ato pelo qual o Esprito nos incorpora Igreja, e que portanto idntico converso, ao passo que, nosEvangelhos, e principalmente em Atos, o batismocom o Esprito refere-se a uma experincia ps-converso,confirmatria e autenticadora em sua essncia.26

    Lloyd-Jones argumenta que uma das diferenas decisivas entre 1 Co 12.13 e as passagens em Atos sobre o batismo com o Esprito Santo, quanto aoagente do batismo , ou seja, a pessoa que batiza. Ele acredita que naexpressoe)n e(ni/ pneu/mati h(mei=j pa/ntej ei)j e(\n sw=ma e)bapti/sqhmen a preposioe)n tem fora instrumental, e que deve, portanto, ser traduzida " por um s Esprito ", e no"em um s

    Esprito ". Ele argumenta que"por " a traduo da maioria das verses em Ingls, e que a preposioe)nocorre em vrias outras ocasies no Novo Testamento com a mesma fora instrumental (ele cita Mt 7.6; 26Lc 1.51; Rm 5.9). Ele cita ainda vrias outras autoridades na rea de exegese que mantm esta opinio.27 Eleconclui que, em 1 Co 12.13, o Esprito quem nos batiza no corpo de Cristo. Nas demais passagens, o agente o Senhor Jesus, o que algo muito diferente. A confuso existe pelo fato de que a mesma palavra "batismousada.28 Em 1 Co 12.13 ela se refere converso, mas nas demais passagens, a uma experincia posterior converso, e portanto, distinta da mesma.

    Era Lloyd-Jones um Carismtico?

    Em resumo, para Lloyd-Jones, o batismo com o Esprito Santo uma experincia na qual o Esprito concedcrente plena certeza de f, e que deve ser identificada com o selo e o testemunho do Esprito mencionados pPaulo. Esta experincia resulta em poder e ousadia, que por sua vez, capacitam o crente a testemunhar eficazmente de Cristo.

    extremamente importante notar que o pensamento de Lloyd-Jones sobre o selo ou batismo do Esprito, essencialmente diferente da posio pentecostal clssica, e da posio neopentecostal. Lloyd-Jones no vnenhuma evidncia bblica de que esta experincia deva ser acompanhada pelo falar em lnguas e pelo profetizar, ou por qualquer outra manifestao extraordinria. Na verdade, ele chama a ateno para o fato que muitos dos dons que foram concedidos no incio da Igreja Crist no haviam sido mais concedidos no

    desenrolar desta mesma histria. Ele aponta para o fato de que nenhum dos grandes nomes da Histria daIgreja, conhecidos como tendo passado por experincias profundas com o Esprito (que ele considera comotendo sido esse "selar" ou "batizar" do Esprito) terem manifestado dons como lnguas, profecia, ou milagrePara Lloyd-Jones, o ponto essencial desta experincia tambm no a capacitao de poder, como enfatizadoem crculos pentecostais e carismticos, mas a certeza dada de forma direta, pelo Esprito, de que somos filde Deus.29

    Como j mecionamos, ao mesmo tempo em que estava reagindo contra o Cristianismo frio e rido de sua Lloyd-Jones tambm estava em combate contra vrias nfases do nascente movimento carismtico. Talvez nico ponto em que ele estivesse em acordo com eles que o "selo" (batismo) do Esprito algo distinto daconverso, e que ocorre aps a mesma.30 As diferenas quanto ao propsito e s evidncias deste evento so podemais distintas das convices pentecostais-carismticas, para que venhamos a classificar Lloyd-Jones coum carismtico.

    Stott e 1 CoRNTIOS 12.13

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    Passemos agora para a opinio de John Stott. Conhecido pregador e escritor, Stott ministro da IgrejaAnglicana da Inglaterra. Em 1964 ele fez uma srie de estudos numa conferncia para lderes evanglicos sa obra do Esprito Santo, os dons espirituais, e especialmente, sobre o batismo com o Esprito Santo. Estas palestras foram uma reao de Stott ao crescente Pentecostalismo dentro da sua prpria parquia.31 As palestrasvieram ao grande pblico em 1966, num livrete intituladoThe Baptism and Fullness of the Holy Spirit ,32 apsos sermes de Lloyd-Jones sobre o assunto j terem sido impressos. Dez anos aps Stott publicou uma segedio, entitulada Baptism & Fullness: The Work of the Holy Spirit Today ,33 onde ampliou algumas partes que precisavam de mais clareza e fundamentao, sem, entretanto, alterar seus pontos de vista.34 Esta obra foi

    traduzida e publicada em Portugus em 1986, como Batismo e Plenitude do Esprito Santo .35 Nela, Stott tratados principais aspectos da obra do Esprito relacionados com a polmica moderna, tais como a promessa doEsprito, o batismo do Esprito, a plenitude, o fruto e os dons do Esprito. Procuraremos nos concentrar na interpretao de 1 Co 12.13.

    Uma experincia iniciatria

    Stott argumenta que a expresso "batismo com o Esprito Santo", que ocorre sete vezes no Novo Testamenequivalente expresso "o dom do Esprito Santo" que ocorre em At 2.38, e refere-se experincia iniciatda qual participam todos os que se tornam cristos.36O prprio conceito de "batismo com gua" iniciatrio,como sendo o ritual pblico de introduo na Igreja, e est intimamente associado ao batismo com o EspriSanto, como sugere At 10.47, 11.16 e 19.2-3.37 Ele argumenta que a linguagem empregada por Paulo paradescrever a experincia crist com o Esprito, como "estar no Esprito", "ter o Esprito", "viver pelo Esprit"ser guiado pelo Esprito", aplicada nas cartas do apstolo a todos os cristos, indistintamente, at mesmo para os recm convertidos, a partir do momento em que se tornam cristos. O Novo Testamento, continua presume que Deus tem dado o Esprito a todos os cristos, cf. Rm 8.9; Gl 5.25; Rm 8.14.38

    Das sete vezes em que a expresso "ser batizado com o Esprito Santo" ocorre no Novo Testamento, somenuma vez fora dos Evangelhos e de Atos (ou seja, em 1Co 12.13). Stott lembra que, nos Evangelhos, aexpresso aparece quatro vezes nos lbios de Joo Batista, ao descrever o ministrio do Senhor Jesus, "ele vosbatizar com o Esprito Santo " (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33). Em Atos, uma vez aplicada pelo SenhoPentecostes (At 1.5), e outra aplicada por Pedro converso de Cornlio, citando as palavras do Senhor J(At 11.16).

    A stima vez em 1 Co 12.13, Pois, em um s Esprito, todos ns fomos batizados em um corpo, quer judeus,quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos ns foi dado beber de um s Esprito . Stott contesta que,aqui, Paulo esteja se referindo ao Dia de Pentecoste, j que nem ele, nem os corntios, participaram daqueleevento histrico. Paulo est se referindo participao nas bnos que Pentecoste tornou possvel aos crisEle e os corntios tinham recebido o Esprito Santo; alis, para usar a terminologia de Paulo, tinham sido"batizados" com o Esprito Santo, e tinham "bebido" deste mesmo Esprito.

    Stott aponta para o fato de Paulo estar enfatizandoa unidade no Esprito no contexto da passagem, em contraste

    deliberado variedade dos dons espirituais, assunto que o apstolo havia discutido na primeira parte de 1 Co12. Esse ponto evidente pela repetio da palavra "todos" (todos ...foram batizados,todos ...beberam) e daexpresso "um s" (um s Esprito... emum s corpo... deum s Esprito). O que Paulo est fazendo aqui,afirma Stott, sublinhar aquela experincia com o Esprito Santo que todos os cristos tm em comum. Estdiferena entre "o dom do Esprito" (quer dizer, o prprio Esprito Santo), e "os dons do Esprito" (isto , odons espirituais que ele distribui). Neste captulo Paulo emprega vrias vezes uma terminologia onde a uniddos cristos destacada, cf. 12.4,8,9,11,13. O clmax 12.13, onde o apstolo afirma queem um s Espritotodos ns fomos batizados em um corpo . A expresso de Paulo,quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres , bem pode ser uma aluso a"toda a carne " mencionada na profecia de Joel. Stott conclui que o batismocom o Esprito Santo no uma segunda experincia, nem uma experincia subseqente desfrutada soment por alguns cristos, mas a experincia inicial desfrutada por todos.39Ou seja, o batismo com o Esprito o

    mesmo que converso. No seu recente comentrio em Atos, Stott procura deixar claro que no nega que haja experincias mais profundas e mais ricas aps a converso. Porm, ele rejeita a idia de que tais coisas possam ser chamadas"batismo com o Esprito", uma terminologia que ele reserva apenas para a converso, a obra inicial do Esp

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    no crente.40 importante notar que, para ele, as passagens nos Evangelhos e em Atos devem ser interpretadaluz da passagem de Corintios, e portanto, devem se referir converso, quando o crente recebe tudo o que dado receber do Esprito. sintomtico que no seu livro Baptism & Fullness no exista nem uma palavra sobrereavivamento espiritual. Stott aparentemente no nega a possibilidade da ocorrncia de um reavivamento enossos dias, mas certamente no um dos seus proponentes mais entusiastas.

    Batismo "pelo", "com", ou "no" Esprito?

    Em seguida, Stott passa a responder s objees que geralmente so levantadas contra sua interpretao de 12.13. Inicialmente, ele aborda o argumento de que as outras seis passagens, que se referem ao "batismo coEsprito Santo", tratam do batismo feito por Jesusem, oucom, o Esprito Santo, enquanto que 1 Co 12.13 tratado batismo realizado pelo Esprito no corpo de Cristo, algo completamente diferente. Os defensores desta posio, esclarece Stott, concordam que o Esprito Santo batizou a todos os crentes no corpo de Cristo, mano prova, para eles, que Cristo batizou a todos com o Esprito Santo. Stott afirma que esse tipo deargumentao um exemplo de se tentar defender o indefensvel, e passa, ento, a refut-la como se segue41

    Em todas as sete ocorrncias da frase, a idia de batismo expressa pelas mesmas palavras gregasbapti/zw,e)n, pneu=ma , e portanto,a priori , deve ser entendida como se referindo mesma experincia de batismoEsta uma regra sadia de interpretao, diz Stott, e cabe aos que pensam o contrrio apresentar provas de qela no se aplica aqui. A interpretao natural que Paulo estaria em 1 Co 12.13 ecoando as palavras de JoBatista, como Jesus e Pedro haviam feito antes dele (At 1.15; 11.16). estranho tomar Jesus como o batizanas seis primeiras passagens, e ento, na stima, tomar o Esprito como sendo o batizador, j que as expresso idnticas. A preposio grega em 12.13 e)n , como nos demais versculos, onde traduzida como "com".Por qu, pergunta Stott, deveria ser traduzida diferentemente?42

    Os quatro elementos de todo batismo

    Ele ento defende esse ponto com o argumento de que em qualquer tipo de batismo existem quatro partes: sujeito, que o batizador, (2) o objeto, que a pessoa sendo batizada, (3) o elementoem, ouno qual a pessoa batizada, e (4) o propsito com o qual o batismo realizado. Como exemplo, ele cita o "batismo" dos israeno Mar Vermelho (cf. 1 Co 10.1-2). Deus foi o batizador, os israelitas foram os batizandos, o elemento em foram batizados foi gua, ou vapor que caia das nuvens, e o propsito indicado pela expresso "batizadosMoiss", isto , para um relacionamento com Moiss como o lder apontado por Deus. O batismo de Joo,igualmente, tem quatro partes: Joo (o sujeito) batizou as multides que vinham de Jerusalm e regiescircunvizinhas (os batizandos) nas (e)n ) guas do Rio Jordo (elemento) para (ei)j ) arrependimento e, portanto, remisso de pecados, cf. Mt 3.5,11. O batismo cristo similar, continua Stott. O pastor (sujeito) batiza o candidato (objeto) na, ou com, gua (elemento), e o batismo ei)j , "para" o nome da Trindade, oumais especificamente, para o nome de Cristo (Mt 28.19; At 8.16). O batismo do Esprito no exceo a estaregra, conclui Stott. Se colocarmos as sete referncias juntas, verificaremos que Jesus Cristo o batizador (sujeito), todos os crentes (1 Co 12.13) so os batizandos (objeto), o Esprito Santo o "elemento" com o q

    (e)n ) somos batizados, e o propsito (ei)j ) a incorporao do crente no corpo de Cristo.43Stott reconhece que algum poderia objetar que estas quatro partes no aparecem claramente em todos as s passagens mencionadas. Por exemplo, o sujeito (o batizador) no aparece em 1 Co 12.13. Para Stott, isto n problema: Jesus Cristo o batizador implcito da passagem, assim como tambm em At 1.5 e 11.16. Ele nmencionado porque nestas passagens o verbo "batizar" est na voz passiva, e a nfase recai sobre as pessoasendo batizadas, enquanto que o sujeito da ao recua para os bastidores.

    Ele ainda argumenta que, se o Esprito quem batiza em 1 Co 12.13, ento, onde est o elemento com o quele batiza? Stott considera a falta de resposta a esta pergunta como sendo conclusiva de que sua interpretaa correta, j que a metfora do batismo requer um elemento. De outra forma, "batismo no batismo".44 Eleconclui que 1 Co 12.13 refere-se a Cristo batizando com o Esprito Santo, e nos fazendo beber do Esprito,que "todos ns" temos participado desta bno (cf. Jo 7.37-39). Esta concluso reforada pelo tempo dodois verbos, "batizar" e "beber", ambos no aoristo, e que se referem, no a Pentecoste, mas bno pessorecebida pelos cristos em sua converso.45

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    Uma avaliao crtica

    O quadro abaixo poder nos ajudar a visualizar o pensamento destes dois eminentes servos de Deus sobre 12.13.

    QUADRO 1

    COMPARAO DAS POSIES DE STOTT E LLOYD JONES

    Em que Lloyd-Jones e Stott concordam

    No h diferena entre eles quanto aosbatizandos (aqueles sendo batizados) de 1 Co 12.13, e nem de fatodeveria haver. Com a expressotodos ns Paulo se refere aos crentes em geral, e no somente a si mesmo e aoscorntios. Paulo est descrevendo na passagem uma experincia que une todos os cristos, independente deraa, sexo, ou status social, e que isto o apstolo faz porque seu objetivo, na segunda parte de 1 Co 12, enfatizar a unidade dos cristos, em contraste com a diversidade dos seus dons. Colocado dentro desta perspectiva, fica pouca dvida de que 12.13 esteja se referindo a uma experincia na qualtodos os cristos participam.

    Da mesma forma,o propsito deste batismo claramente indicado pela preposioei)j .46 Ou seja, "colocar" ocrente no corpo, que a Igreja. Ambos concordam que esse o alvo do batismo na passagem, e portanto,tambm concordam que o batismo mencionado o mesmo que a converso.

    Em que Lloyd-Jones e Stott diferem

    A traduo de e)n

    Em primeiro lugar, analisemos a traduo da preposioe)n e a sua relao com obatizador , ou o agente do batismo. No fcil decidir sobre quem est certo, se Lloyd-Jones com a traduo "por", ou se Stott, com a

    traduo "com" ou "em". Todas so gramaticalmente possveis. A deciso, finalmente, no ser uma questgramtica ou sintaxe, mas de teologia, das pressuposies teolgicas que cada exegeta traz consigo ao anal passagem.

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    A favor da traduo " por um s Esprito " (Lloyd-Jones) est o fato de que esta a traduo adotada pelamaioria das tradues nas lnguas modernas.47 Contra, est o fato de que esta traduo faz com que a passagemseja a nica no Novo Testamento a fazer do Esprito Santo oagente do batismo, e no o elemento com o qual ocrente batizado. Mas, para Lloyd-Jones, isto no dificuldade, pois o batismo "pelo" Esprito de fatodistinto do batismo "com" ou "no" Esprito. E esta a pressuposio com a qual ele se aproxima de 1 Co 12ou seja, que o batismo com o Esprito mencionado nos Evangelhos e no livro de Atos uma experincia dida converso.

    A favor de Stott est o fato de que, nas demais ocorrncias da expresso, a preposio pode ser traduzida p"com" ou "no" Esprito. Ao analisar 1 Co 12.13 luz das seis outras ocorrncias da expresso "ser batizadocom o Esprito Santo", Stott utiliza-se de um princpio sadio e slido de exegese bblica: uma passagem daEscritura deve ser interpretada luz de outras passagens que tratem do mesmo tema. Contra sua interpretaest o fato de que, em ltima anlise, sua posio exige que a converso dos apstolos, dos samaritanos e ddiscpulos de Joo Batista, narradas em Atos, tenha ocorrido na mesma ocasio em que foram batizados coEsprito. Esta posio insustentvel, do nosso ponto de vista, j que, pelo menos no caso dos apstolos, evidente que eles j eram regenerados quando foram batizados com o Esprito Santo. Porm, se considerarmas experincias de Atos como excees, o caso muda de figura. isto que Stott eventualmente faz.48

    A relao entre 1 Co 12.13 e as experinciasno livro de Atos

    Em segundo lugar, ambos divergem com respeito relao entre 1 Co 12.13 e as demais passagens paralelnos Evangelhos e Atos. Como vimos, Lloyd-Jones sustenta que se tratam de experincias diferentes: em 1Corntios "batismo pelo Esprito" se refere converso, enquanto que, em Atos, "batismo com o Esprito" refere a uma experincia de confirmao e autenticao. Por outro lado, Stott afirma que em 1 Corntios e eAtos, a expresso designa a mesma coisa, ou seja, converso.

    No podemos entrar de forma profunda aqui neste artigo na questo do batismo com o Esprito Santo nosEvangelhos e no livro de Atos, mas podemos no mnimo afirmar que, em alguns dos casos narrados em At batismo com o Esprito ocorreu com pessoas que j eram crentes, como os discpulos em Pentecostes (At 2cf. Jo 13.10; 15.3; Lc 10.20), e provavelmente os samaritanos (At 8.14-18; cf. 8.12). Somente em uma ocao batismo com o Esprito ocorreu claramente ao mesmo tempo que a converso, que foi durante a pregaoPedro na casa de Cornlio.

    Os estudiosos tm tirado concluses diferentes destes fatos. Lloyd-Jones, como vimos, conclui que tais fatoestabelecem a norma e a terminologia para todas as pocas da Igreja. Contudo, parece-nos que as experincnarradas em Atos so melhor entendidas luz do contexto histrico em que ocorreram, luz daquele peroespecial de transio, em que o Evangelho estava se universalizando, passando dos judeus para os gentios, processo onde era necessrio que manifestaes extraordinrias acompanhassem os diferentes estgios destransio, como uma forma de autenticao das mesmas. Esta a convico de Stott. Entendemos que

    MacArthur expressa bem esse ponto de vista, ao escrever o seguinte sobre a experincia dos samaritanos:Aqueles crentes em particular tiveram de esperar pelo Esprito Santo, mas no lhes foi dito que

    deviam busc-lo. O propsito daquela exceo era demonstrar aos apstolos, e fazer ouvir entre oscrentes judeus em geral, que o mesmo Esprito que havia batizado e enchido os crentes judeus, agorhavia feito o mesmo com os crentes samaritanos, exatamente como, em pouco tempo, Pedro e outro judeus crentes, haveriam de ser enviados como testemunhas casa de Cornlio, do fato de que "oEsprito havia tambm sido derramado sobre os gentios" (At 10.44-45).49

    No entendemos que as experincias narradas em Atos, onde houve um intervalo entre converso e batismcom o Esprito, sejam a norma para as demais etapas da Igreja de Cristo, aps o perodo de transio ter-se

    completado, e nem que a terminologia "batismo com o Esprito" deva ser usada para experincias posteriorconverso. Se tivssemos de tomar algum evento como normativo, tomaramos a experincia dos trs mil nde Pentecostes, que num mesmo evento se converteram, receberam o Esprito, e foram batizados com aquemesmo Esprito (cf. At 2.38).

  • 8/14/2019 Martyn Jones, John Stott, e 1 Co 12 13 o Debate Sobre o Batismo Com o Espirito Santo

    8/8

    Parece-me, concluindo, que a dificuldade com a posio de Lloyd-Jones essencialmente uma questo determinologia. Creio que ele est correto em sua tese fundamental. Ou seja, que a plenitude das bnosespirituais que recebemos em nossa converso no esvaziam, necessariamente, a possibilidade de termosexperincias espirituais profundas aps a mesma, que envolvam o crente como um todo, que atinjam as suaemoes e transformem a sua vida, que o conduzam a nveis ainda mais elevados de vida crist. A HistriaEclesistica demonstra eloqentemente a possibilidade destas experincias.

    Porm, no estou convencido de que possamos usar a terminologia do "batismo com o Esprito Santo" para

    design-las. Esta terminologia, na minha opinio, foi utilizada para expressar no incio da Igreja os eventosnicos relacionados com as etapas da universalizao do Reino, relatos esses expostos no livro de Atos. do que est narrado no livro de Atos, as Escrituras no aparentam reconhecer qualquer intervalo entre aconverso e o batismo com o Esprito Santo. Assim, a expresso corretamente empregada hoje para desigexperincia universal de todos os crentes, ao receberem a Cristo pela f em seus coraes. Ao mesmo tempde se lamentar profundamente que, ao reagir contra os abusos e exageros de muitos que professam ter receum "batismo com o Esprito", vrios estudiosos conservadores tenham adotado uma posio onde h pouconenhum, lugar para novos derramamentos do Esprito, para reavivamentos e experincias espirituais profune ricas com Deus.