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    Histria da Geografia

    Geografia

    Manual do Candidato

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    Geografia

    MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de EstadoEmbaixador Antonio de Aguiar Patriota

    Secretrio-GeralEmbaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira

    PresidenteEmbaixador Jos Vicente de S Pimentel

    Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    Centro de Histria e Documentao Diplomtica

    DiretorEmbaixador Maurcio E. Cortes Costa

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao

    Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes

    sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso

    promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes interna-

    cionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes Exteriores

    Esplanada dos Ministrios, Bloco H

    Anexo II, Trreo, Sala 1

    70170-900 - Braslia - DF

    Telefones: (61) 2030-6033/6034/6847

    Fax: (61) 2030-9125

    Site: www.funag.gov.br

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    Histria da Geografia

    Geografia

    Fundao Alexandre de Gusmo

    Braslia, 2012

    Bertha Becker

    Manual do Candidato

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    Geografia

    Direitos reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia - DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125

    Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeJess Nbrega CardosoRafael Ramos da LuzVanusa dos Santos SilvaWellington Solon de Souza Lima de Arajo

    Reviso:

    Jlia Godoy

    Projeto Grfico:Wagner Alves

    Programao Visual e Diagramao:Grfica e Editora Ideal

    Fotografia da capa:Grande Relevo Branco,de Emanoel Arajo. Relevo em madeira esmaltada de branco, 2,70 x 11,17 m, sem data.Acervo do Ministrio das Relaes Exteriores

    Impresso no Brasil 2013

    B395

    BECKER, Bertha. Manual do candidato : geografia / Bertha Becker; apresentao do Embaixador GeorgesLamazire. Braslia : FUNAG, 2012. 196 p.; 29 cm. (Manual do candidato).

    Inclui bibliografia.

    ISBN: 978-85-7631-420-2

    1.Histria da geografia. 2. Geografia da populao. 3. Geografia econmica. 4.

    Geografia agrria. 5. Geografia urbana. 6. Geografia poltica. 7. Gesto ambiental. 8. Manualdo candidato. I. Fundao Alexandre de Gusmo. II. Instituto Rio Branco. III. Manual docandidato.

    CDU: 911

    Ficha catalogrfica elaborada pela bibliotecria Talita Daemon James CRB-7/6078Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

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    Histria da Geografia

    Bertha Becker

    Doutora em Cincias, Docente-Livre pela Universidade Federal do Riode Janeiro (1970) e Professora Emrita da mesma Universidade (2002).Doutora Honoris Causapela Universidade de Lyon III (2005). Membro daAcademia Brasileira de Cincias (2006). Foi agraciada com a Ordem deMrito Cientfico (MCT) e a Ordem de Rio Branco (MRE). professora,pesquisadora e coordenadora do Laboratrio de Gesto do Territrio

    (Laget) do Departamento de Geografia da UFRJ. Foi agraciada pelaAmerican Geographical Society com a David Livingstone Centenary Medale pela Faperj com a Medalha Carlos Chagas Filho, de Mrito Cientfico.Participa de vrios comits cientficos nacionais e internacionais, tendo sidovice-presidente da Unio Geogrfica Internacional (1996-2000) e membrodo Grupo Internacional Consultivo do Programa Piloto para Proteo dasFlorestas Tropicais Brasileiras (1993-2004).Sua rea principal de pesquisa a Geopoltica do Brasil, particularmenteda Amaznia.

    E-mail: [email protected]

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    Embaixador Georges Lamazire

    Diretor do Instituto Rio Branco

    A Fundao Alexandre de Gusmo (Funag) retoma, em importante iniciativa, a

    publicao da srie de livros Manual do Candidato, que comporta diversas obras dedicadas

    a matrias tradicionalmente exigidas no Concurso de Admisso Carreira de Diplomata.

    O primeiro Manual do Candidato (Manual do Candidato: Portugus) foi publicado em 1995, e

    desde ento tem acompanhado diversas geraes de candidatos na busca por uma das vagas

    oferecidas anualmente.O Concurso de Admisso Carreira de Diplomata, cumpre ressaltar, reflete de maneira

    inequvoca o perfil do profissional que o Itamaraty busca recrutar. Refiro-me, em particular,

    sntese entre o conhecimento abrangente e multifacetado e a capacidade de demonstrar

    conhecimento especfico ao lidar com temas particulares. E assim deve ser o profissional que

    se dedica diplomacia. Basta lembrar que, em nosso Servio Exterior, ao longo de uma carreira

    tpica, o diplomata viver em diversos pases diferentes, exercendo em cada um deles funes

    distintas, o que exigir do diplomata no apenas uma viso de conjunto e entendimento amplo

    da poltica externa e dos interesses nacionais, mas tambm a flexibilidade de compreender

    como esses interesses podem ser avanados da melhor maneira em um contexto regional

    especfico.

    Nesse sentido, podemos indicar outro elemento importante que se encontra

    sempre presente nas avaliaes sobre o CACD: a diversidade. O Itamaraty tem preferncia

    pela diversidade em seus quadros, e entende que esse enriquecimento condio para

    uma expresso externa efetiva e que faa jus amplitude de interesses dispersos pelo pas.

    A Chancelaria brasileira , em certo sentido, um microcosmo da sociedade, expressa na

    mirade de diferentes divises encarregadas de temas especficos, os quais formam uma

    composio dos temas prioritrios para a ao externa do Governo brasileiro. So temas que

    vo da Economia e Finanas Cultura e Educao, passando ainda por assuntos polticos,

    jurdicos, sobre Energia, Direitos Humanos, ou ainda tarefas especficas como Protocolo e

    Assistncia aos brasileiros no exterior, entre tantas outras. Essa diversidade de tarefas ser tanto

    melhor cumprida quanto maior for a diversidade de quadros no Itamaraty, seja ela de natureza

    acadmica, regional ou ainda tnico-racial. O CACD , em razo disso, um concurso de carter

    excepcional, dada a grande quantidade de provas de diferentes reas do conhecimentoacadmico, buscando com isso o profissional que demonstre o per fil aqui esboado.

    No entanto, o perfil multidisciplinar do Concurso de Admisso Carreira de Diplomata

    pode representar um desafio para o candidato, que dever desenvolver sua prpria estratgia

    de preparao, baseado na sua experincia acadmica. Em razo disso, o Instituto Rio Branco e a

    Funag empenham-se em disponibilizar algumas ferramentas que podero auxiliar o candidato

    Apresentao

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    nesse processo. O IRBr disponibiliza, anualmente, seu Guia

    de Estudos, ao passo que a Funag publica a srie Manual

    do Candidato. Cabe destacar, a esse propsito, que as

    publicaes se complementam e, juntas, permitem ao

    candidato iniciar sua preparao e delimitar os contedos

    mais importantes. O Guia de Estudos encontra-se

    disponvel, sem custos, no stio eletrnico do Instituto

    Rio Branco e constitudo de coletneas das questes

    do concurso do ano anterior, com as melhores respostas

    selecionadas pelas respectivas Bancas.

    Os livros da srie Manual do Candidato, por sua

    vez, so compilaes mais abrangentes do contedo

    de cada matria, escritos por especialistas como Bertha

    Becker (Geografia), Paulo Visentini (Histria Mundial

    Contempornea), Evanildo Bechara (Portugus), entre

    outros. So obras que permitem ao candidato a imerso na

    matria estudada com o nvel de profundidade e reflexo

    crtica que sero exigidos no curso do processo seletivo.

    Dessa forma, a adequada preparao do candidato, ainda

    que longe de se esgotar na leitura das publicaes da

    Funag e do IRBr, deve idealmente passar por elas.

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    Histria da Geografia

    Sumrio

    1. Histria da Geografia 11

    1.1 Expanso colonial e pensamento geogrfico 111.2 A Geografia moderna e a questo nacional na Europa 15

    1.3 As principais correntes metodolgicas da Geografia 20

    Bibliografia do Captulo 1 27

    2. Geografia da populao 31

    2.1 Distribuio espacial da populao no Brasil e no mundo 31

    A populao no mundo 33 A populao no Brasil 36

    2.2 Os grandes movimentos migratrios internacionais e intranacionais 37

    Migraes internacionais 39 Migraes no Brasil 42

    2.3 Dinmica populacional e indicadores da qualidade de vida das populaes 45Bibliografia do Captulo 2 52

    3. Geografia econmica 55

    3.1 Globalizao e Diviso Internacional do Trabalho 553.2 Formao e estruturao dos blocos econmicos internacionais 65

    Regionalismo e multilateralismo 68

    3.3 Energia, logstica e reordenamento territorial ps-fordista 72

    3.4 Disparidades regionais e planejamento no Brasil 76

    O planejamento regional no Brasil 80

    Bibliografia do Captulo 3 83

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    Geografia

    4. Geografia agrria 87

    4.1 Distribuio geogrfica da agricultura e pecuria mundiais 87

    4.2 Estrutura e funcionamento do agronegcio no Brasil e no mundo 964.3 Estrutura fundiria, uso da terra e relaes de produo no campo brasileiro 103

    Bibliografia do Captulo 4 111

    5. Geografia urbana 113

    5.1 Processo de urbanizao e formao de rede de cidades 1135.2 Conurbao, metropolizao e cidades mundiais 1245.3 Dinmica intraurbana das metrpoles brasileiras 1325.4 O papel das cidades mdias na modernizao do Brasil 136

    A dinmica das cidades mdias no Brasil 140

    Bibliografia do Captulo 5 141

    6. Geografia poltica 143

    6.1 Teorias geopolticas e poder mundial 143

    6.2. Temas clssicos da geografia poltica: as fronteiras e as formas de apropriaopoltica do espao 149

    6.3 Formao territorial do Brasil 158

    Bibliografia do Captulo 6 164

    7. Geografia e Gesto Ambiental 169

    7.1 O meio ambiente nas Relaes Internacionais: avanos conceituais einstitucionais 169

    7.2 Macrodiviso natural do espao brasileiro: bacias, biomas, domnios eecossistemas 177

    7.3 Poltica e gesto ambiental no Brasil 186Bibliografia do Captulo 7 195

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    1.1 Expanso colonial e pensamento geogrfico

    Por constiturem duas faces de uma mesma moeda, no por acaso que a expanso

    colonial e a afirmao nacional na Europa do final do sculo XIX confundem-se com a legiti-

    mao do antigo saber geogrfico enquanto disciplina acadmica de grande prestgio oficial,

    como veremos nos captulos a seguir.

    Com efeito, nesse perodo, a expanso do imperialismo, no plano da poltica internacio-

    nal, ocorreu em meio intensa luta entre as potncias europeias pela diviso dos continentes

    em zonas de influncia.

    Dessa forma, a afirmao do prprio sistema capitalista em nova fase o imperialismo

    trar profunda repercusso na realidade concreta e, portanto, na diviso poltica do mundo

    e, consequentemente, no plano do saber geogrfico e de sua aceitao enquanto um conhe-

    cimento escolar e universitrio estratgico.

    Adquiriu-se reconhecimento oficial nesse perodo, o saber geogrfico acompanhou a

    descrio e o conhecimento do mundo em todos os tempos. Nesse sentido, Lacoste (1981)

    indaga se as grandes descobertas e as descries dos gegrafos rabes da Idade Mdia no

    seriam tambm Geografia.

    Recuando no tempo, a geografia existe desde o surgimento de aparelhos de Estado,

    desde Herdoto e Estrabo, por exemplo, para o mundo ocidental, que antes da era crist no

    contam simplesmente uma histria, mas procedem a um verdadeiro inqurito em funo

    dos objetivos do imperialismo comercial ateniense.

    Com efeito, segundo Moreira (1985) em sua lembrana mais remota, a geografia nasceuentre os gregos junto com a filosofia, a histria e o teatro, apoiando a expanso comercial

    grega na forma de relatos de povos, terras e mapas feitos para servir ao comrcio e ao Estado.

    Refletindo essa interpretao dos primeiros relatos geogrficos, esse autor cita Estrabo,

    a quem se atribui a primeira grande obra de sistematizao da geografia ao observar que

    a geografia familiariza-nos com os ocupantes da terra e dos oceanos, com a vegetao, os

    1. Histria da Geografia

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    12Geografia

    frutos e as peculiaridades dos vrios quadrantes da Terra;e o homem que a cultiva um homem profundamenteinteressado no grande problema da vida e da felicida-de. Assim, no curso do tempo, dos romanos idade dascincias (sculos XVIII XIX), a tradio geogrfica ter suaimagem cunhada como um inventrio sistemtico de ter-ras e povos.

    Nesse sentido essa tradio esteve sempre associa-da seja ao conhecimento do novo, seja ao esprito de do-mnio que acompanhava, via de regra, esse conhecimento

    quando no o sustentava explicitamente.Aproximando-se mais do pensamento filosfico

    que antecedeu e inspirou diretamente o aparecimen-to da geografia, enquanto pensamento indutor da ex-panso colonial do sculo XIX, no se pode deixar demencionar a obra de Immanuel Kant (1724-1804), quedurante quarenta anos lecionou na Universidade deKoenigsberg, Alemanha, o que mais tarde seria denomi-nado geografia fsica.

    As aulas professadas por ele nessa Universidade ser-vem no s de campo de aplicao de seu sistema filosfi-co, como iro respaldar grande parte da geografia cientfica

    que se desenvolver na Alemanha e, mais tarde, no mundo.Para Kant, segundo Moreira (1985), o conhecimento

    dado pelos sentidos, sendo, portanto, um conhecimentoemprico que advm da percepo de um sentido inter-no, que revela o homem (antropologia pragmtica) e um

    sentido externo, que revela a natureza (geografia fsica).

    Nesse contexto, a percepo orienta a experincia,

    que para isso precisa ser sistematizada, cabendo, portanto,

    geografia realizar essa sistematizao no plano do espa-

    o, enquanto a histria a far no plano do tempo, uma vez

    que a sistematizao passa por dois processos associados

    narrativa (histria) e descrio (geografia).

    Juntas, portanto, a geografia e a histria abarcariam

    o conjunto das nossas percepes fundamentando, assim,

    o conhecimento emprico necessrio ao desbravamento

    dos povos e das terras ainda desconhecidas ao europeuocidental ou, ao menos, elite poltica que a se consolida-

    va na forma de Estados-nao com pretenso de empre-

    ender uma nova expanso colonial.

    Para Moraes (2005), a relao entre a geografia e

    o colonialismo do sculo XIX siamesa, pois se tratava

    de promover o levantamento sistemtico do mundo ex-

    traeuropeu, identificando riquezas potenciais necess-

    rias evoluo do capitalismo que se afirmava em sua

    fase imperialista por meio da expanso industrial que

    necessitava matrias-primas e novos mercados para

    seus produtos.A Conferncia Internacional de Geografia, convocada

    pelo rei da Blgica, Leopoldo II, em 1876, na qual compare-

    ceram representantes de um saber ainda difuso adquirido

    e difundido pelas sociedades geogrficas, diplomatas e ex-

    ploradores, tinha por objetivo, segundo discurso do prprio

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    13 Histria da Geografia

    monarca, a tarefa de debruar-se sobre o continente africano

    com o intuito de abrir civilizao a nica parte do nosso glo-

    bo em que ela no havia ainda penetrado... (MOREIRA, 1985).

    Leitor assduo dos relatos das inmeras expedies

    cientficas promovidas fora da Europa, o rei Leopoldo II da

    Blgica tem seu nome relacionado a um dos mais san-

    grentos regimes coloniais africanos dos tempos modernos

    (o do Estado Livre do Congo), apesar de opor-se oficial-

    mente ao trfico de escravos, seguindo a proibio lidera-

    da pela Inglaterra desse comrcio transatlntico a partir de

    meados da dcada de 1840 (FRIEDEN, 2006).

    Em termos de avano do pensamento geogrfico

    nesse perodo pode-se afirmar que at mesmo o impul-

    so verificado nos mtodos de anlise (como o mtodo

    comparativo) e na gnese de uma geografia regional

    (CAPEL, 2008) a partir das observaes sistemticas re-

    alizadas por viajantes e naturalistas, dentre os quais se

    destacou Humboldt, est inserido em um processo de

    conhecimento mais aprofundado das terras fora da Eu-

    ropa1, a includa a partilha e colonizao da frica pelas

    potncias europeias.

    1 Grande parte do projeto de formulao de uma Teoria da Terra atravs dainvestigao sistemtica de toda a complexa e rica problemtica das relaesentre os distintos fenmenos de nosso planeta realizada por Alexander vonHumboldt (1769-1859), considerado por muitos o pai da geografia moderna(CAPEL, 2008), foi realizado em expedies cientficas s terras no europeia,notadamente Amrica espanhola.

    O colonialismo no sculo XIX, longe de se restrin-

    gir ao entesouramento do ouro e da prata do perodo

    mercantilista de expanso colonial anterior, agora ne-

    cessitava de fontes renovadas de recursos naturais e,

    portanto, de identificar novos caminhos e eventuais res-

    tries para apoiar o projeto geopoltico de hegemonia

    financeira e industrial dos pases da Europa Ocidental

    frente s novas foras econmicas que surgiam tanto na

    Rssia, como, secundariamente, na Amrica do Norte.

    Nesse contexto, a sntese geogrfica associada ao

    projeto de observao sistemtica da Terra, seja a par-

    tir do ponto de vista de um determinismo natural, e/ou

    inserida em uma viso possibilista, adaptativa da geo-

    grafia humana, e/ou mesmo de uma interpretao mais

    prxima geopoltica, serviu como instrumento afiado

    para promover a avaliao cientfica do potencial de

    expanso do colonialismo europeu naquele momento

    histrico.

    Com efeito, o estudo sistemtico da natureza, raiz

    da geografia moderna que se iniciava em princpios do

    sculo XIX, indissocivel da revoluo cientfica que

    se observava desde o final do sculo anterior. Assim, oprojeto cientfico que conduziu Humboldt Amrica es-

    panhola foi por ele definido como uma empresa ideali-

    zada com o objetivo de contribuir para o progresso das

    cincias fsicas ao mesmo tempo em que considerava

    que a publicao de seu trabalho podia oferecer inte-

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    15 Histria da Geografia

    esse autor, nas colnias o poder originava-se na proprie-

    dade fundiria e trazia em si uma acentuao dos pro-

    cessos referidos ao espao, a se incluindo at mesmo a

    dinmica da vida social.

    Nas Amricas, por exemplo, a expanso territorial,

    em linhas gerais, estava intrinsecamente assentada na

    disponibilidade de terras, possibilidade de avano da fron-

    teira econmica e demogrfica, facilitada pelos caminhos

    naturais existentes permitir a enorme velocidade com que

    a minerao, a extrao vegetal, os rebanhos e as frentes

    populacionais penetraram nas remotas extenses do con-

    tinente, traando as linhas gerais de definio dos territ-

    rios nacionais, atravs da origem de novas vilas e fronteiras

    poltico-administrativas ento criadas.

    Cabia, portanto, a um saber geogrfico em vias de

    se estabelecer como disciplina e conhecimento estrat-

    gico na consolidao do nacionalismo europeu, fornecer,

    tambm, o conhecimento necessrio no s voltado

    expanso do colonialismo africano do sculo XIX como

    consolidao da ocupao do interior das antigas colnias

    na Amrica.

    1.2 A Geografia moderna e a questo nacional na

    Europa

    A geografia moderna, como disciplina, tornou-se

    um saber estratgico na consolidao da questo nacio-

    nal na Europa a partir do final do sculo XIX, alcanando

    um papel legitimador da afirmao dos estados nacio-

    nais nesse continente, notadamente naqueles pases que

    passaram por um processo tardio de unificao de seu

    territrio.

    Para Touraine (1994), durante todo o sculo XIX,

    a humanidade viveu e pensou dentro do modelo de

    sociedade nacional e de classe construdo naquele mo-

    mento enquanto expresso concreta da modernidade

    triunfante.

    Com efeito, na Europa a plena superao da frag-

    mentao feudal e da legitimidade dinstica implicava

    a construo simblica de novos laos de coeso social

    legitimadores da forma estatal de dominao poltica.

    O discurso geogrfico moderno foi gerado naqueles

    pases, como o caso da Alemanha, onde esse processo

    necessitou de uma forte dose de induo, caminhandojunto com a prpria consolidao do moderno Estado

    nacional.

    Nesses pases, as representaes espaciais fornece-

    ram um elemento de referncia negado pela histria, co-

    locando a discusso geogrfica no centro do debate ideo-

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    16Geografia

    lgico. Isto no bero, pois a partir da as teorias e conceitos

    da geografia se difundem o que em si mesmo um ele-

    mento revelador de sua eficcia ideolgica.

    A este propsito, Claval (1984) defende que o fim do

    sculo XIX e o princpio do sculo XX ofereceram os con-

    textos polticos e intelectuais mais apropriados para uma

    reflexo sobre o Estado e o seu poder. As naes europeias

    acabavam de se constituir em Estados modernos e procu-

    ravam, assim, desenvolver o sentido nacional ensinando a

    histria do pas e os traos principais que fazem a originali-

    dade geogrfica de seu territrio.

    Segundo Schiera (1982), o surgimento do Estado

    moderno europeu reflete a tenso que vai do sistema

    policntrico e complexo dos senhorios de origem feudal

    afirmao do Estado territorial concentrado e unitrio,

    obedecendo a um nico centro irradiador de poder e suas

    respectivas hierarquias repassadoras, visando a uma racio-

    nalizao da gesto deste poder e da prpria organizao

    poltica imposta pelo processo de mudana.

    Ao ressaltar o significado histrico da centralizao do

    poder, esse autor aponta que alm do aspecto meramente

    funcional e organizativo da formao do Estado moderno,cabe ressaltar tambm o carter poltico e ideolgico des-

    te ltimo, a ser consolidado pelo ensino de uma histria e

    geografia comum que ajudasse superao do policentris-

    mo do poder e do territrio, em favor de uma concentrao

    do mesmo numa instncia unitria e exclusiva.

    Os grandes confrontos territoriais a que se assiste

    entre o fim do sculo XIX e o sculo seguinte giram prin-

    cipalmente em torno dos nacionalismos, convertendo as

    questes territoriais em temas relevantes, quer no que se

    refere s novas naes, rivalidade entre as grandes po-

    tncias de ento Inglaterra, Frana, Alemanha e Rssia

    quer no que diz respeito formao e consolidao dos

    imprios coloniais.

    A essa conjuntura sociopoltica juntava-se, assim,

    um contexto de afirmao dos estudos geogrficos quese definiam em torno das relaes entre os homens e o

    ambiente em que viviam. Essa orientao geral da geogra-

    fia aparecia, contudo, marcada por diversos matizes, uma

    vez que o movimento de constituio do pensamento

    geogrfico moderno conheceu conjunturas e contextos

    de formulao dspares, o que alimentou diferenciaes

    internas e polmicas, at porque essa geografia se institu-

    cionalizou em escolas nacionais.

    Os antagonismos de interpretao da geografia

    moderna iam desde a herana de Karl Ritter (1779-1859),

    que se fundava na compreenso das relaes entre o des-

    tino dos povos e o seu ambiente, orientao de Friedrich

    Ratzel (1844-1904), que indagava acerca da originalidade

    dos povos nos diferentes meios de desenvolvimento e nos

    diferentes meios naturais, ou orientao francesa, sob a

    influncia de Vidal de la Blache (1845-1918), que sublinha-

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    17 Histria da Geografia

    va a importncia das civilizaes e a ao do homem na

    modelagem das regies geogrficas4.

    Apesar das grandes diferenas que se foram evidencian-

    do ao longo do perodo que vai do ltimo quartel do sculo XIX

    e o primeiro do sculo XX, os grandes temas da geografia hu-

    mana e da geografia poltica, em particular, centram-se em tor-

    no do Estado, do povo e do territrio. Os corpos territoriais do

    Estado, o territrio, as fronteiras, as capitais, afirmam-se como

    objetos de estudo da geografia poltica, oferecendo um vasto

    campo de estudo inaugurado pela obra de Ratzel.Na verdade, no contexto da expanso do panger-

    manismo que esse autor realizou a obra que vai influenciar,

    ainda hoje, a geografia humana Anthropogeographic in-

    timamente associada a sua Politischeographic5.

    Para Moraes (1991), o caso alemo, com sua tardia

    unificao nacional, aparece como paradigmtico, fazendo

    desse pas o centro terico da reflexo geogrfica ao longo

    de todo o sculo XIX e onde a geografia cumpriu tambm,

    funes ideolgicas e polticas considerveis.

    4 De acordo com Moraes (1991), enquanto Humboldt e Ritter, animados peloxito da Revoluo Francesa, construam a unificao alem, Ratzel atuoucomo idelogo do Estado bismarckiano e La Blache, defendia a unidadecultural e natural da Frana de leste, lamentando a perda da Alscia e Lorena.

    5 Retomando conceitos ratzelianos, como o de espao vital, e de gegrafosamericanos e britnicos, o general Karl Haushofer (1869-1946) d, nasvsperas da Primeira Guerra Mundial, um impulso decisivo geopoltica.

    Segundo Capel (2008), a invaso napolenica deu

    lugar a uma reao nacionalista que valorizou os valores

    espirituais da cultura alem, incentivando os estudos his-

    tricos e geogrficos e contribuindo, em parte, para a cria-

    o da ctedra de geografia na Universidade de Berlim, na

    qual o papel da filosofia e das humanidades valorizou os

    aspectos espirituais da cultura alem como elemento de

    resistncia e unio, contribuindo para exaltar a histria e

    a geografia, nas quais eram buscadas as razes comuns da

    personalidade e do futuro poderio germnico6.

    A geografia, enquanto disciplina escolar, naturali-

    zou as fronteiras polticas entre os pases, ajudando a pro-

    jetar uma forte imagem simblica do Estado-nao iden-

    tificada pelo seu formato e pela descrio das inmeras

    caractersticas do territrio nacional. Para Allies (1980 apud

    MORAES, 1991), o discurso geogrfico foi, sem dvida, um

    elemento central na consolidao do sentimento de ptria

    e o principal ncleo divulgador da ideia de identidade pelo

    espao.

    6 Nas dcadas que se seguiram guerra franco-prussiana, a Alemanhaunificada havia surgido no centro da Europa como uma grande potnciamilitar em expanso que num futuro prximo poderia disputar aos ingleseso domnio dos mares. Assim, a ruptura do equilbrio de poder europeu,que fora estabelecido em 1815 pelo Congresso de Viena, colocou emperigo tanto a segurana insular quanto a supremacia martima britnicas,tornando-se um dos principais fatores de conflagrao da Primeira GrandeGuerra.

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    18Geografia

    Nesse processo, o nacional, atravs do discurso geo-

    grfico, torna-se natural. Assim, entre os acidentes geogr-

    ficos da superfcie da Terra, destacam-se as fronteiras, e es-

    tas qualificam povos, cujo carter vai sendo moldado num

    ininterrupto intercmbio com suas regies de origem.

    O nacionalismo, como ideologia identitria, consti-

    tuiu, assim, o fundamento do Estado-nao, que progres-

    sivamente se superps ao Estado moderno. Esta ideologia,

    elaborada com o auxlio do ensino da histria e da geo-

    grafia, tornou-se ento um recurso simblico necessrio

    consolidao do Estado como instituio poltica territoria-

    lizada e legitimada pela sociedade (CASTRO, 2005).

    Pode-se afirmar, desse modo, que os europeus in-

    ventaram, no mesmo perodo histrico, no somente o

    Estado moderno, conforme Ruggie (1993 apud ARRIGUI,

    1996), como a prpria geografia enquanto disciplina cur-

    ricular institucionalizada.

    De acordo com Hobsbawm (1991), a questo nacio-

    nal, como os velhos marxistas a chamavam, est situada

    na interseco da poltica, da tecnologia e da transforma-

    o social. As naes existem no apenas como funes

    de um tipo particular de Estado territorial, como tambmno contexto de um estgio particular de desenvolvimento

    econmico e tecnolgico.

    Assim, prossegue o autor, as naes e seus fenme-

    nos associados, como o nacionalismo e o prprio Estado,

    devem, portanto, ser analisados em termos das condies

    econmicas, administrativas, tcnicas, polticas, entre ou-

    tras. Nesse processo, a perspectiva holstica presente na

    proposta da geografia moderna da busca da integrao

    entre a dimenso natural e social, apresentava-se como o

    nicho acadmico e de ensino por excelncia para procurar

    descrever tais fenmenos.

    A busca de um tratamento integrado de fenmenos

    naturais e sociais est na base das indefinies e ambigui-

    dades que caracterizam ainda hoje algumas das catego-

    rias centrais da geografia moderna como os conceitos de

    meio, paisagem, ambiente, territrio, regio que, tomados

    a outras reas do conhecimento e recontextualizados no

    discurso geogrfico, emprestaram uma concretude, isto ,

    uma naturalizao aos processos sociais.

    A qualificao das sociedades pela sua espacialida-

    de aparece como expresso clara de tal enfoque, no qual

    a naturalizao das fronteiras e das nacionalidades serve

    como exemplificao histrica.

    No final do sculo XIX e incio do sculo XX, o en-

    tendimento da nao, conforme realizada pela geografia

    oficial, foi construdo essencialmente pelo alto, em mo-

    mentos, historicamente diferenciados, de necessidade deafirmao da centralidade de um Estado, agora entendido

    como um Estado territorial, um Estado-nao.

    Com efeito, o Estado moderno tornou-se progressi-

    vamente um espao poltico por excelncia, locusde uma

    vontade comum, de um poder moral, aceito contratual-

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    19 Histria da Geografia

    mente por todos a partir dos instrumentos de legitima-

    o que ele dispunha, notadamente a partir da Revoluo

    Francesa, que inaugurou a poca contempornea e o

    aprofundamento da participao da sociedade, estabele-

    cendo os marcos da expresso poltica de uma vontade

    comum e da solidariedade social estabelecida pelas regras

    do contrato com a sociedade civil que o legitimam nos li-

    mites do territrio.

    Esta solidariedade se fez, pela primeira vez na his-

    tria, com os recursos ideia de nao, tendo sido defi-

    nidos os contedos do discurso (histrico e geogrfico)

    sobre a responsabilidade comum, embasada no local de

    nascimento e no pertencimento a uma comunidade de

    destino. Ambos so fundadores de uma identidade terri-

    torial, cultural e poltica e so componentes essenciais do

    nacionalismo.

    Para Hobsbawm (1991), a nao pertence exclusi-

    vamente a um perodo particular e historicamente recen-

    te. Ela uma entidade social apenas quando relacionada a

    uma certa forma de Estado territorial moderno, o Estado-

    -nao e no faz sentido discutir nao e nacionalidade

    fora desta relao.Contudo, nesse processo histrico, a consolidao do

    Estado-nao, como instituio inovadora, como uma forma

    de poder poltico territorialmente centralizado, s foi poss-

    vel pela submisso e pelo controle do territrio. Este controle

    se fez pela imposio da lei, pelo comando centralizado da

    burocracia da administrao pblica e pela uniformizao

    das instituies sociais: lngua, moeda pesos e medidas, etc.

    Deve ser observado que a substncia da nao, no

    sentido de comunidade de destino, resultou da estratgia

    poltica de apropriar-se do sentido identitrio contido na

    ideia de povo e col-lo organizao poltica comanda-

    da pelo Estado. O povo passou a ser o corpo da nao, e,

    portanto, confundido com ela e submetido centralidade

    territorial do poder poltico. Alm do povo, era necessrio,

    tambm, possuir um territrio e uma lei para se constituir

    um Estado-nao.

    Sendo o Estado uma construo poltica e ideo-

    lgica que se fez no tempo e no espao, a centralidade

    territorial do seu poder decisrio foi fundamental para a

    tarefa de tomar a si a obrigatoriedade de fornecer edu-

    cao para todos, utilizando o aparato institucional a sua

    disposio para as exaltaes simblicas do nacionalis-

    mo. Disciplinas como a histria e a geografia foram estra-

    tgicas nesta tarefa.

    Na atualidade, do ponto de vista da geopoltica,

    pode-se afirmar que geografia dos oficiais que decidem

    com base nos mapas as tticas e estratgias, geografiados dirigentes do aparelho de Estado, que estruturam o

    seu espao em provncias, circunscries, distritos e ge-

    ografia dos exploradores (muitas vezes oficiais) que prepa-

    ram a conquista colonial e a explorao, conforme descri-

    ta por Lacoste (1981), juntou-se a geografia das grandes

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    20Geografia

    corporaes e dos grandes bancos que decidem sobre a

    localizao dos seus investimentos em nvel regional, na-

    cional e internacional, fazendo do sistema logstico, o ve-

    tor espacial mais importante no qual se trava a guerra pela

    competitividade econmica na contemporaneidade.

    Alm da leitura pelo alto feita pela geografia oficial

    do incio do sculo passado da questo nacional na Euro-

    pa, inmeros gegrafos contemporneos propem uma

    leitura do espao geogrfico a partir da complexa teia de

    interesses que caracterizam as relaes sociedade-nature-

    za nos dias atuais.

    1.3 As principais correntes metodolgicas da Geo-

    grafia

    O debate em torno das correntes metodolgicas dageografia no descolado do contexto geral de evoluodas demais cincias e dos mtodos que permitem captar aapreenso das diversas dimenses socioeconmica, am-biental, cultural e poltica presentes em um mundo emconstante transformao.

    Nesse sentido, o aprimoramento do arcabouo me-

    todolgico utilizado e uma preocupao constante comsua adequao dinmica especfica do espao geogr-fico, constituem uma questo central na qual cada novoponto de partida abre espao para novas questes e ou-tros tantos desafios e questionamentos.

    Desse modo, no se pode perder de vista de umlado a sintonia com os problemas centrais que afetam a so-ciedade e o espao geogrfico nos dias atuais e, de outrolado, a preocupao com os prprios avanos ocorridos nageografia em termos conceituais, metodolgicos e opera-cionais ao longo do tempo.

    A questo metodolgica tem que ser vista, assim,

    no bojo da problemtica terico-conceitual da geografiacomo um todo e, portanto, tendo como balizamento osanseios e indagaes que instigam o pensamento geogr-fico no curso da histria.

    Com uma trajetria marcada pelo empiricismo, a

    geografia tradicional deve essa caracterstica, em grande

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    parte, ao fato de ter sido uma disciplina escolar antes mes-

    mo de se constituir em campo de investigao cientfica.

    Desse modo, ela inicialmente estruturou um conjunto de

    informaes sobre o mundo e as ensinou em currculos es-

    colares para somente mais tarde projetar-se na academia.

    Cabe destacar, como acontecimento fundamental,

    o estabelecimento de ctedras de geografia em vrias

    universidades na Europa, onde, de acordo com Bernardes

    (1982), o governo da Prssia foi pioneiro, a partir de 1874,

    e logo em seguida, toda a Alemanha, recentemente uni-ficada.

    Ainda segundo esse autor, as principais referncias

    da geografia alem nessa poca foram Ferdinand von Ri-

    chthofen (1833-1905) e, posteriormente, Friedrich Ratzel

    (1844-1904). No entanto foi Paul Vidal de la Blache (1845-

    -1918), o grande chefe de escola francs, que centralizou,

    na virada do sculo XIX para o sculo XX, o intenso mo-

    vimento intelectual que no apenas veio dar geografia

    uma nova feio metodolgica como tambm contribuiu

    fortemente para consolida-la como um campo profissional

    legitimado pela academia.

    Essa efervescncia metodolgica da chamada Mo-

    derna Geografia a partir da ltima dcada do sculo XIX

    correspondeu a um contexto histrico mais amplo, relata-

    do anteriormente, assim como ao confronto com outros

    campos da cincia em evoluo.

    Nesse sentido, influncia poderosa no campo geo-

    grfico teve o desenvolvimento das cincias biolgicas e

    das cincias sociais, causando debates de crucial impor-

    tncia para a disciplina ainda em fase de consolidao.

    Pode-se afirmar assim que, da influncia e do con-

    fronto com as cincias naturais e sociais daquele perodo,

    sobretudo devido ao darwinismo, reforou-se o carter

    ambientalista da geografia atravs do estudo das relaes

    entre o homem e o meio, a partir do qual eclodiu o con-

    fronto doutrinrio determinismo versus possibilismo que

    desde ento ir marcar grande parte das escolhas metodo-

    lgicas que se far na geografia (BERNARDES, 1982).

    Cabe observar que ainda em seu perodo formativo,

    a geografia foi marcada por problemas metodolgicos que

    envolveram e ainda estimulam grandes discusses nesse

    campo do conhecimento, definindo linhas de pesquisa,

    grupos acadmicos ou at mesmo levando proposta de

    novos paradigmas7.

    Nesse contexto, enquanto o determinismo postu-

    la que o homem um produto da superfcie terrestre8,

    7 De acordo com Bernardes (1982), os mais clssicos dos problemas queesto na raiz das escolhas conceituais e metodolgicas feitas na geografiatradicional so: o da dicotomia entre geografia fsica e geografia humana;o da questo do prprio objeto (ou campo) da geografia; o da sua naturezacomo cincia e o da sua posio entre as cincias naturais e sociais.

    8 Isto , ele no apenas filho da terra, p do seu p, mas que a terra tem--lhe servido de me, alimentado, estabelecido suas tarefas, dirigido seus

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    os elementos do meio natural no possibilismo no pro-duzem resultados, independentes do momento hist-rico. Isto , eles constituem condies (e no fatores)

    que pesam ora mais, ora menos poderosamente, pau-tando os resultados de outras foras originrias de aohumana.

    Os possibilistas foram buscar inspirao principal-mente na interpretao das sociedades primitivas e tradicio-

    nais9a partir das quais foi produzida por Vidal de la Blache eseus discpulos imediatos uma noo fundamental para o

    novo mtodo geogrfico: a noo de gnero de vida.Nesse sentido, nas relaes entre o homem e o

    meio, o homem no um mero elemento passivo; ele sobretudo um agente e sua ao tanto mais antiga

    quanto mais avanado seu grau de cultura e mais desen-volvida a tcnica de que portador. Desse modo, dentreas condies oferecidas pelo meio, o homem escolhe asde maiores possibilidades para a sua sobrevivncia e o seudesenvolvimento cultural.

    As condies histricas possuem, assim, um signifi-

    cado particular nas relaes homem-meio, no seu desen-

    pensamentos, confrontando-o com dificuldades que tm fortalecidoseu corpo, aguado sua capacidade mental, etc. (SEMPLE, 1911 apudBERNARDES, 1982).

    9 As expedies do sculo XIX e o desenvolvimento da etnografia foramrealando o papel da cultura e da tcnica na conquista do meio pelo homem.Nesse contexto destaca-se a contribuio de Lucien Febvre que em sua obraLa terre et lvolution humaine (Paris, 1924) faz a crtica do determinismo.

    volvimento cultural e no seu papel como agente modifica-dor da superfcie da Terra.

    No se trata, portanto, de negar a influncia do meioque , por vezes, poderosa, mas sim de enfatizar como osgrupos humanos e o meio interagem mutuamente, produ-zindo uma resultante geogrfica entre meio natural e meiocultural. Ao mesmo tempo, os possibilistas no negavama ideia, presente nos deterministas, do todo da superfcieterrestre, da inter-relao entre todos os fenmenos nestamesma superfcie.

    Nesse contexto, La Blache edificou seu mtodo geo-grfico em torno de dois pontos principais:

    Adotando uma base filosfica de interpretaodos fatos constituda pela doutrina do possibilis-mo, a qual se tornou a refutao final ao determi-nismo geogrfico.

    Adotando o estudo das regies como o meiomais adequado ao conhecimento das relaeshomem-meio, centro da controvrsia filosfica,que seria apenas superada no perodo entre asduas guerras mundiais.

    Desse modo, o estudo da regio, ao privilegiar a in-tuio, a observao e a descrio da paisagem10como o

    10 Otto Schlter (1872-1952) v a geografia enquanto cincia da paisagem criadapelo homem. O conceito de paisagem tornou-se comum em uma poca em

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    que acabaram por abalar profundamente os conceitos emtodos que pautavam a Geografia at aquele momento.

    Para Moraes (1981), essa nova Geografia Pragmti-

    ca efetua uma crtica apenas insuficincia da anlise tra-dicional no que tange a seu carter pouco pragmtico, noatingindo, contudo, seus fundamentos e sua base social.

    Nesse sentido, esta disciplina privilegiava uma ticaretrospectiva, estando, assim, pouco habilitada a projetar

    o futuro e, portanto, inoperante como instrumento de in-terveno na realidade. Os autores da Nova Geografia vo

    propor, deste modo, uma tica prospectiva, um conhe-cimento voltado para o futuro, que instrumentalize umaGeografia aplicada. Da sua denominao de pragmtica(MORAES, 1981).

    Calcada no positivismo lgico, a Geografia Quanti-tativa ou Teortica12ou, simplesmente, New Geography,aoadotar mtodos hipottico-dedutivos, apoiados em mo-delos matemtico-estatsticos, promoveu, de acordo com

    Moraes (1981), uma renovao conservadora da Geografia,

    onde ocorre a passagem, ao nvel dessa disciplina, dopositivismo para o neopositivismo. Troca-se o empiris-mo da observao direta (do ater-se aos fatos ou dos

    12 Segundo Sposito (2004), a palavra teortica (uma traduo do inglstheoretical) levou aceitao e incorporao por todos, sem contestaesaparentes, do adjetivo terico por apenas uma corrente doutrinria inspiradano neopositivismo, negligenciando qualquer outra possibilidade de outrascorrentes tambm produzirem teorias.

    levantamentos dos aspectos visveis) por um empi-rismo mais abstrato, dos dados filtrados pela estatstica(das mdias, varincias e tendncias). Do contato di-reto com o trabalho de campo, ao estudo filtrado pelaparafernlia da ciberntica. Nesse processo, sofistica-seo discurso geogrfico, tornam-se mais complexas a lin-guagem e as tcnicas empregadas.

    Assim, da aceitao dos mtodos indutivos (e toda

    a Geografia Tradicional faz o elogio da induo) passa-se

    a aceitar tambm o raciocnio dedutivo. Da contagem e

    enumerao direta dos elementos da paisagem, para asmdias, os ndices e os padres. Da descrio, apoiada na

    observao de campo, para as correlaes matemticas

    expressas em ndices estatsticos.

    Nesse contexto, o objeto de estudo da Geografia

    o espao geogrfico ser estudado de forma abstrata,

    sendo concebido como uma expresso topolgica, decor-

    rendo da a importncia dos modelos e frmulas lgicas

    para sua interpretao, nos quais o homem aparece como

    mais uma varivel a ser levada em conta, ou seja, destitudo

    de qualquer expresso social ou histrica, sendo encarado

    como um elemento genrico dentro de um vasto univer-

    so de variveis espaciais. Assim, o espao no concebido

    como algo produzido historicamente pela sociedade.

    Para Moraes (1981), o saldo da Geografia Pragmti-

    ca foi, ao lado de um real crescimento tcnico-operacional

    alcanado, um empobrecimento na sua capacidade ana-

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    ltica. Nesse sentido, acusada por muitos gegrafos de

    fornecer uma viso excessivamente neutra de um espao

    geogrfico marcado por um momento histrico de inme-

    ros conflitos e rupturas na sociedade, a New Geography tem

    seus fundamentos metodolgicos cada vez mais contesta-

    dos pela Geografia Crtica.

    Desse modo, ser a leitura qualitativa da realidade

    concreta revelada pelo espao geogrfico com suas ten-

    ses e contradies derivadas das relaes sociais, eco-

    nmicas e polticas que ir marcar a geografia crtica e osnovos horizontes conceituais e metodolgicos a ela asso-

    ciada. Essa corrente defendia, sobretudo, uma geografia

    menos neutra e, portanto, mais engajada com os princ-

    pios da justia social, diminuio das desigualdades sociais

    e regionais.

    Ela se consolidou no contexto de forte reviso de

    ideias e de valores das dcadas de setenta e oitenta do s-

    culo XX influenciadas pelos movimentos de maio de 1968

    (na Frana), das lutas civis, do fim da guerra do Vietn, dos

    movimentos feministas nos Estados Unidos e na Europa,

    do acesso a terra na Amrica Latina e do surgimento daEcologia.

    Em termos ideolgicos, o dilogo com o pensa-

    mento de esquerda foi uma constante nesse perodo, des-

    tacando-se o estabelecido com os pensadores da Escola

    de Frankfurt, com o anarquismo (Rclus, Kropotkin), com

    Michel Foucault e com o marxismo e os marxistas, em par-

    ticular os no dogmticos.

    Anunciando uma transio, possivelmente marcan-

    te no pensamento crtico (SOJA, 1993apud HISSA & GE-

    RARDI, 2001), a geografia passa a dialogar na atualidade

    com teorias, conceitos e mtodos que procuram abando-

    nar referncias clssicas da modernidade nas quais se in-

    cluem a concepo marxista da cincia13, caminhando em

    direo das novas fronteiras do conhecimento.

    Nas ltimas dcadas so sucessivos os movimentos

    internos cincia como um todo e geografia, em particu-

    lar, que sugerem uma conscincia de ruptura do ambiente

    terico e metodolgico convencional e a construo de

    novas posturas que poderiam ser identificadas como a

    emergncia de um saber intitulado por alguns como ps-

    -moderno (HISSA & GERARDI, 2001), incluindo-se ainda

    incurses a teorias, como a do caos, que se voltam para

    enfrentar os desafios postos pela questo ambiental na

    atualidade.

    Nesse contexto, segundo Andrade (1995), no fcil

    elaborar um esquema de teorizao e de metodologia ni-

    cos para a Geografia ou para qualquer outra disciplina no

    13 No se pode afirmar com preciso que a obra de Soja desvencilha-se deparadigmas modernos e, em especial, do marxismo. Com efeito, esse autorrefere-se, inclusive, a uma ps modernizao da geografia marxista (SOJA,1993 apud HISSA & GERARDI, 2001).

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    momento de grandes indefinies e transformaes em

    que se vive na contemporaneidade.

    Nesse sentido, Megale (1976) afirma que no existe

    na atualidade um padro metodolgico para o pesquisa-

    dor; este deve possuir uma versatilidade, uma habilidade

    quanto ao problema pesquisado e os meios de se chegar

    a ele.

    A geografia na atualidade passa, assim, por um mo-

    mento rico de revises em um contexto global de crise

    das cincias e da humanidade (HISSA & GERARDI, 2001) no

    qual as expectativas de progresso so substitudas, ou ao

    menos acrescidas, segundo esses autores, por incertezas

    postas, entre outras, pela propagao da tcnica e da infor-

    mao em escala planetria e em ritmo acelerado apon-

    tando para uma complexidade de matrizes conceituais e

    metodolgicas portadora de mudanas no s nesse cam-

    po do conhecimento como na cincia em geral.

    Para Correa (2010), na atualidade, e no caso especfi-

    co do Brasil, no se pode falar em Escola Brasileira de Geo-

    grafia, que tem como um suposto a natureza monotnica

    de seu pensamento, de anlises aliceradas em um nico

    paradigma. Pode-se falar em Geografia Brasileira, que teveuma trajetria que partiu do monismo para chegar ao plu-

    ralismo. Neste pluralismo convivem, em maior ou menor

    grau, conceitos e formulaes tericas advindas de fontes

    diversas, expressas nas contribuies de diversos autores e

    correntes conceituais e metodolgicas.

    Nesse contexto, afirma Correa, a trajetria da geo-

    grafia brasileira caracterizou-se pela crescente complexida-

    de de paradigmas, na qual matrizes distintas, antagnicas

    ou complementares foram sendo incorporadas, gerando

    no comeo do sculo XXI um ntido e enriquecedor plu-

    ralismo.

    Na multiplicidade terico-metodolgica contem-

    pornea dentro e fora do Brasil as tendncias atuais na

    Geografia so variadas, o que bastante til ao desenvolvi-

    mento da cincia (DINIZ, 1984). Desse modo, a Geografia,

    que tem como objeto de estudo o espao geogrfico e

    suas interaes, possui inmeras possibilidades terico-

    -metodolgicas e tcnicas, configurando um pluralismo

    metodolgico.

    Cabe observar que admitir um mtodo ou teoria

    ideal para a geografia desconsiderar a histria do pensa-

    mento geogrfico e de suas caractersticas fundamentais

    que fazem dela um campo do conhecimento privilegiado

    do exerccio transdisciplinar e do ensaio da integrao ne-

    cessria para se entender a complexa realidade do mundo

    contemporneo.

    Assim, a geografia contribui em muito na atualidadepara acelerar a aproximao entre as reas do conhecimen-

    to, ampliando os horizontes conceituais e metodolgicos

    da cincia que, por sua vez, resultam na elaborao de

    estratgias de planejamento de uma realidade socioam-

    biental que requer uma viso multiescalar dos complexos

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    27 Histria da Geografia

    problemas que envolvem as relaes estabelecidas entre

    os diversos continentes, pases, regies, lugares e comuni-

    dades de um planeta que se conecta instantaneamente.

    A revalorizao da geografia e de seus mtodos de

    pesquisa se evidencia em um momento histrico como o

    atual no qual o uso sustentvel do territrio est na raiz de

    grande parte dos problemas e das solues que gravitam

    em torno dos grandes dilemas do sculo XIX, tais como o

    da questo ambiental e da permanncia e renovao das

    desigualdades e de conflitos socioespaciais.

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    29 Histria da Geografia

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    31

    2.1 Distribuio espacial da populao no Brasil e no mundo

    A distribuio espacial das populaes diz respeito sobre onde as pessoas vivem, por

    que l se concentram, para onde esto indo e o que as motivam a se deslocarem e a esco-

    lherem os lugares de destino. O planeta apresenta uma distribuio bastante heterognea

    das populaes humanas e a combinao de vrios fatores que explica essa disparidade de

    densidade populacional. So eles: os contextos histricos e culturais especficos, o desenvol-

    vimento econmico desigual das reas, as caractersticas demogrficas (como taxa de fecun-

    didade, natalidade e mortalidade) e a diversidade de ambientes fsicos, com maior ou menor

    facilidade de ocupao.

    Ao longo da histria da humanidade, a disponibilidade de recursos naturais e relevos

    que facilitassem a acessibilidade, a sobrevivncia e a defesa foram fatores importantssimos

    para a concentrao de pessoas. O fcil acesso a suplemento de gua potvel e a recursos

    minerais como ferro, carvo e petrleo e a existncia de solos frteis e de potencial de cul-

    tivo privilegiaram certas reas para a ocupao em detrimento de outras. Os frteis vales de

    grandes rios como o Ganges, na ndia e o Amarelo, na China so exemplos de regies que

    apresentam enorme concentrao populacional em funo da elevada produtividade de suas

    plancies fluviais.

    Alguns elementos fsicos devem ser destacados como importantes dificultadores de

    concentrao demogrfica, so eles: altas latitudes, relevo acentuado (altas altitudes), reas de

    temperaturas e umidade extremas (como os grandes desertos), reas polares e com escassez

    de gua. Em contrapartida, locais que apresentam clima com temperaturas moderadas, chu-vas regulares e solos frteis, assim como a existncia de importantes fluxos hdricos, favorecem

    o aumento da densidade demogrfica.

    Evidentemente, estas facilidades e dificuldades so relativizadas pela tecnologia dis-

    ponvel em cada sociedade. Por exemplo, a concentrao demogrfica existente na Roma

    antiga s foi possvel graas a tecnologia dos aquedutos. Tcnicas de extrao de gua por

    2. Geografia da populao

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    32Geografia

    meio de poos artesianos profundos e de usinas de dessa-

    linizao possibilitam um grande aumento da concentra-

    o demogrfica. Israel, por exemplo, produz 21% da gua

    que consome a partir do mar, 32% do subterrneo e 22%

    da reutilizao do esgoto. O mar da Galileia, outrora gran-

    de fonte de gua da regio, responde por apenas 25% da

    gua consumida em Israel14.

    Da mesma forma, obstculos naturais antes intrans-

    ponveis, hoje podem ser superados por obras de enge-

    nharia como tneis e pontes, rodovias e ferrovias, mudan-

    do radicalmente as condies de acessibilidade de regies

    inteiras. Tambm o avano da tecnologia agrcola e da lo-

    gstica oferecerem novas possibilidades de valorizao dos

    territrios para fins de ocupao humana.

    A distribuio das populaes no espao mundial

    passou a sofrer profundas transformaes, principalmente

    a partir do sculo XIX, com o processo de modernizao

    das sociedades baseado no progresso tcnico, no desen-

    volvimento industrial, no comrcio e na urbanizao. Re-

    gies pioneiras no processo de industrializao se torna-

    ram grandes centros de concentrao demogrfica, como

    o nordeste dos EUA e a Europa ocidental. E a decorrenteampliao de infraestrutura e melhorias nos meios de

    transportes foi e continua sendo fundamental para intensi-

    14 De acordo com o jornalValor Econmico, edio de 17/07/2009.

    ficao dos deslocamentos e direcionamento de fluxos hu-

    manos. A ocupao do oeste norte-americano, por exem-

    plo, teve como suporte o progresso tcnico das ferrovias.

    As cidades surgem, crescem e se dinamizam em funo de

    sua conectividade viabilizada por redes de transporte e de

    comunicao. A acessibilidade , portanto, fator primordial

    nos estudos de distribuio demogrfica.

    Neste sentido, no fortuita a forte concentrao

    da populao mundial nos litorais e nos vales dos gran-

    des rios, pois estas reas apresentam boa acessibilidade

    natural. Porm, a tecnologia, como dito, pode alterar as

    condies de acessibilidade. Na Amaznia brasileira, os va-

    les dos rios, em especial o do rio Amazonas, eram as reas

    preferenciais de ocupao. Com a construo de rodovias

    penetrando a floresta ao sul e a leste, estas reas passaram

    a ser as maiores concentradoras de populao, alterando

    um padro histrico.

    O processo de modernizao das sociedades no

    ocorre de forma igual nem no tempo ou no espao. As

    decorrentes transformaes demogrficas no seguem o

    mesmo padro em todos os lugares. Uma das principais

    transformaes ocorridas, a urbanizao, apresenta carac-tersticas bastante distintas ao redor do mundo (ver captu-

    lo 5). Do ponto de vista estritamente demogrfico, a mais

    importante mudana que ocorreu no sc. XX foi a queda

    acentuada da fecundidade, que teve impacto direto na de-

    sacelerao do crescimento da populao e na mudana

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    33 Geografia da populao

    da estrutura etria o envelhecimento da populao. Este

    processo se deu com a regulao voluntria da fecundida-

    de pela populao, atravs do uso de mtodos contracep-

    tivos (BERQU, 2001).

    A economia e a poltica so fatores poderosos na

    explicao da distribuio da populao. As regies eco-

    nomicamente mais dinmicas concentram mais habitan-

    tes, por meio de uma migrao que busca maior oferta de

    oportunidade de trabalho. o que explica o crescimento

    das megacidades em todo o mundo (ver captulo 5) e, em

    parte, a concentrao populacional em pases como Esta-

    dos Unidos e Alemanha, que possuam em 2010 respec-

    tivamente 42,81 e 10,76 milhes de estrangeiros vivendo

    em seus territrios. Alis, boa parte da populao que vive

    hoje em pases como Brasil, Canad, Argentina, Chile, Aus-

    trlia e Estados Unidos descende de estrangeiros que mi-

    graram para estes pases estimulados por polticas oficiais

    de migrao.

    De fato, a distribuio da populao no Brasil e no

    mundo se explica por um acmulo histrico de fatores

    demogrficos, sociais, polticos, econmicos e culturais,

    associados a caractersticas naturais nas quais o peso decada fator e sua temporalidade na explicao do padro

    de distribuio territorial varia de lugar para lugar.

    A populao no mundo

    A populao mundial era em 2011 de 6,97 bilhes

    de pessoas (UN, 2011b). As estimativas apontam para um

    contnuo crescimento demogrfico entre 2011 e 2050,

    ainda que seu ritmo diminua. Com base nessas projees,

    para 2050 esperada uma populao de 9,3 bilhes de

    habitantes, considerando a tendncia de queda da fecun-

    didade. Essa crescente populao, que est distribuda de

    forma irregular, apresenta enormes concentraes demo-

    grficas no leste asitico e no subcontinente indiano. Em

    2011, 37,1% da populao do mundo vivia na China e na

    ndia. Incluindo os outros oito pases mais populosos do

    mundo, a concentrao chega a 58,8% da populao mun-

    dial (Tabela 2.1).

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    34Geografia

    O crescimento da populao mundial teve um len-

    to ritmo at o sculo XVIII, a partir da queda dos ndices

    de mortalidade. Mas principalmente no sculo XX, e pri-

    meiramente nas regies industrializadas, que a populao

    passa a crescer intensamente devido ao aumento da lon-

    gevidade possibilitada por avanos mdicos e sanitrios e

    mudanas no modo de vida. Entre os anos de 1965 e 1970

    (UN, 2009b), o crescimento anual da populao mundial

    chegou a 2%, ndice incrementado tambm pela mudan-

    a demogrfica nos pases pobres. Em alguns destes pa-

    ses, houve primeiramente uma forte queda das taxas de

    mortalidade, e em apenas poucas dcadas depois, alcana

    uma queda correspondente nas taxas de natalidade. O re-

    sultado que certos pases, entre eles o Brasil, experimen-

    taram um forte crescimento demogrfico, aumentando,

    ento, a sua participao no total da populao mundial.

    A partir de 1970, o ritmo do crescimento popula-

    cional mundial experimentou um incio de desacelerao

    como resultado da queda de fertilidade nos pases em

    desenvolvimento. Ainda que o ritmo de crescimento nos

    ltimos quarenta anos venha diminuindo, o nvel de incre-

    mento demogrfico ainda significativo. As projees para2050 apontam para um aumento da populao mundial,

    com previstas taxas de crescimento de 1,18% ao ano para

    o perodo de 2005-2010, caindo para 0, 34% para o perodo

    de 2045-2050. Esse crescimento demogrfico mostra-se de

    forma dspar entre pases centrais e perifricos. A tendn-

    Tabela 2.1 - Pases mais populosos do mundo - 2011

    Ordem Pas Populao

    (milhares)

    1 China 1.347.565

    2 ndia 1.241.492

    3 Estados Unidos 313.085

    4 Indonsia 242.326

    5 Brasil 196.655

    6 Paquisto 176.745

    7 Nigria 162.471

    8 Bangladesh 150.494

    9 Rssia 142.83610 Japo 126.497

    11 Mxico 114.793

    12 Filipinas 94.852

    13 Vietn 88.792

    14 Etipia 84.734

    15 Egito 82.537

    16 Alemanha 82.163

    17 Ir 74.799

    18 Turquia 73.640

    19 Tailndia 69.519

    20 Rep. Democrtica do Congo 67.758

    21 Frana 63.126

    22 Reino Unido 62.41723 Itlia 60.789

    24 frica do Sul 50.460

    25 Repblica da Coreia 48.391

    Fonte: World Population Prospects: The 2010 Revision. Highlights. New York: UN, 2011.

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    35 Geografia da populao

    cia que o segundo grupo de pases concentre o cresci-

    mento, e em pelo menos 31 deles, na sua maioria pobre,

    espera-se a duplicao populacional no perodo. De fato,

    notvel a perda de participao da Europa na populao

    mundial entre 1950 e 2011, bem como na projeo para

    2050 (Tabela 2.2). Em contraposio, a frica aumenta bas-

    tante a sua participao.

    Tabela 2.2 - Distribuio da populao mundial 1950/1980/2011/2050

    RegioPopulao (milhes de habitantes) Populao (% do total mundial)

    1950 1980 2011 2050(1) 1950 1980 2011 2050(1)

    frica 230 483 1.046 2.192 9,1 10,8 15,0 23,6

    sia 1.403 2.638 4.207 5.142 55,4 59,2 60,3 55,3

    Europa 547 693 739 719 21,6 15,6 10,6 7,7

    Amrica Latina e Caribe 167 362 597 751 6,6 8,1 8,6 8,1

    Amrica do Norte (2) 172 254 348 447 6,8 5,7 5,0 4,8

    Oceania 13 23 37 55 0,5 0,5 0,5 0,6

    Fonte: World Population Prospects: The 2010 Revision. Highlights. New York: UN, 2011.

    (1) projeo considerando o cenrio mdio de crescimento

    (2) exceto Mxico

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    36Geografia

    A populao no Brasil

    A distribuio espacial da populao o retrato daformao territorial. Num primeiro momento, a ocupa-o do Brasil se restringia a poucos pontos no litoral, quecumpriam a funo de defesa do territrio e tambm deentreposto comercial. Estas ocupaes deram origem a al-gumas das maiores cidades do pas, como o Rio de Janeiro,Salvador, Recife/Olinda e Belm. Durante os sculos XVI eXVII, as atividades econmicas da colnia se concentravam

    prximas ao litoral, especialmente a produo de acarno Nordeste, gerando uma primeira concentrao demo-grfica naquela regio.

    Foi lentamente que o interior do territrio comeoua ser ocupado, dado as vastides dos sertes e a dificulda-de de acessibilidade. Os criadores de gado, que abasteciamde carne e couro as reas do litoral, e os bandeirantes, quepartiam em jornadas pelo interior em busca de mineraispreciosos e da captura de escravos foram pioneiros nesteprocesso. Para isto, os vales dos rios normalmente eram oscaminhos naturais.

    O primeiro grande processo de interiorizao da po-

    pulao brasileira veio com a descoberta de ouro em Mi-nas Gerais, causando grande afluxo de pessoas para aquelaregio. Em decorrncia disto, a capital da colnia tambmse deslocou de Salvador para o Rio de Janeiro, iniciandoo processo de transferncia do eixo demogrfico do paspara a Regio Sudeste.

    J no sculo XIX, o cultivo do caf ganhou gradativa-

    mente importncia, primeiro no Vale do Paraba Fluminen-

    se, depois se expandindo em direo a Minas Gerais e So

    Paulo. Nesta ento provncia, o trabalho escravo foi sendo

    gradativamente substitudo pela mo de obra imigrante.

    Ainda em So Paulo, a expanso da malha ferroviria pelo

    interior do estado propiciou o avano da agropecuria,

    bem como a formao de um grande nmero de cidades

    ao longo das ferrovias. J no final do sc. XIX e incio do

    sc. XX, Rio de Janeiro e So Paulo ganharam importnciacomo centros industriais, atraindo um grande nmero de

    migrantes, brasileiros e estrangeiros.

    Na Regio Sul, polticas de colonizao atraram

    tambm grande contingente de imigrantes de vrias na-

    cionalidades europeias. Em Minas Gerais, uma nova capital,

    Belo Horizonte, foi construda, reforando a tendncia de

    concentrao demogrfica na regio central do estado.

    No sc. XX, o Brasil urbanizou-se rapidamente e suas

    grandes cidades passaram a concentrar cada vez maior

    parte da populao, especialmente no Sudeste do pas.

    O Nordeste, em contrapartida, perdeu peso relativo noquadro demogrfico brasileiro.

    Em pleno Planalto Central, at ento uma vastido

    pouco ocupada, foi inaugurada Braslia, em 1960. A nova ca-

    pital se transformou numa ponta de lana para a ocupao

    do interior do pas. A partir dali partiram os eixos que fizeram

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    37 Geografia da populao

    a fronteira avanar no cerrado e na Amaznia, ajudando a

    fixar a populao em pores mais ocidentais do Brasil.

    O processo de ocupao territorial do pas, aponta-

    do em alguns de seus aspectos nos pargrafos anteriores,

    que vai explicar o atual padro de distribuio da popu-

    lao no pas. Os momentos histricos se somam e vo

    deixando a suas marcas na ocupao. A distribuio da

    populao um quadro resultante deste processo. Assim,

    o Brasil se caracteriza por uma concentrao de populao

    prxima ao litoral e algumas partes do interior, principal-

    mente nos estados de Minas Gerais e So Paulo. Estes dois

    estados, junto com o Rio de Janeiro, concentram 40,3% da

    populao do pas15. No por acaso, estas trs unidades da

    federao tambm concentram a maior parte do PIB. Ou-

    tro foco de contrao demogrfica est na rea prxima a

    costa nordestina, especialmente entre Salvador e Natal. No

    Sul, destaca-se a poro do territrio que vai de Curitiba a

    Porto Alegre. Em todo pas, a populao concentrada nas

    grandes cidades, tema abordado no captulo 5.

    As migraes, componente marcante para a expli-

    cao da distribuio da populao, sero abordada no

    prximo item.

    15 IBGE, Censo Demogrfico 2010.

    2.2 Os grandes movimentos migratrios internacio-

    nais e intranacionais

    O movimento de pessoas dentro de um pas ou

    atravessando fronteiras nacionais um fato que sempre

    esteve presente na histria da humanidade, seja como

    resposta ao crescimento demogrfico, a necessidades

    econmicas, mudanas polticas e ambientais ou devido

    a motivaes culturais.

    As migraes so fenmenos extremamente com-

    plexos em suas causas e com profundas consequncias

    nas reas receptoras e nas reas de xodo. As causas mais

    bvias das migraes so as disparidades dos nveis de

    renda, emprego e bem-estar social entre as distintas zo-

    nas. So relevantes tambm as caractersticas demogr-

    ficas no que diz respeito fecundidade, mortalidade,

    estrutura etria e ao crescimento da fora de trabalho

    (HUGO, 1998 apudCASTLES, 2000). As migraes, entre-

    tanto, no se explicam apenas por fatores econmicos e

    demogrficos. O seu entendimento requer ainda a anlise

    de elementos sociais, polticos, culturais, ambientais e ter-

    ritoriais. Pela sua complexidade e diversidade, as teoriasa respeito tratam, geralmente, de facetas do fenmeno.

    No existe uma teoria geral das migraes. Ao analis-las,

    devem-se escolher as teorias que melhor se adequarem

    as dimenses e processos especficos que se quer expli-

    car (ARANGO, 2000).

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    38Geografia

    Do ponto de vista econmico, somente a diferena

    de renda no explica as migraes. necessrio que haja

    oportunidades de trabalho razoavelmente remuneradas

    e seguras, pois as migraes normalmente envolvem es-

    tratgias familiares de sobrevivncia e busca de oportuni-

    dades, inclusive envolvendo remessas financeiras para os

    membros da famlia que no migraram (ver captulo 3).

    Este movimento em busca de melhores condies de vida

    requer uma certa base econmica dos emigrantes. Fam-

    lias muito pobres carecem de capital econmico e cultural

    necessrios para enxergar oportunidades em outros locais

    e para custear o transporte de longa distncia, especial-

    mente no caso das migraes internacionais.

    Os movimentos migratrios tpicos esto normal-

    mente relacionados ao deslocamento de jovens pioneiros.

    Uma vez iniciado o processo, uma rede social se forma e

    outros migrantes passam a seguir o caminho aberto. As re-

    des sociais tornam a migrao mais segura e tolervel para

    os migrantes e suas famlias. No por acaso algumas cida-

    des (ou partes delas) se caracterizam pela concentrao de

    imigrantes de determinada procedncia ou pela sada de

    emigrantes para determinado lugar. o caso, por exemplo,de Governador Valadares, cidade mineira com grande n-

    mero de moradores nos Estados Unidos.

    Uma vez comeado o movimento, algumas pes-

    soas passam a ser facilitadores do processo, criando uma

    indstria da migrao, envolvendo advogados, agentes,

    contrabandistas, e outros intermedirios, que podem tan-

    to ajudar, como explorar os migrantes (CASTLES, 2000). Na

    fronteira entre o Mxico e os Estados Unidos so inmeras

    as quadrilhas que atuam na facilitao da entrada ilegal

    de migrantes do pas ao norte do rio Grande, muitas ve-

    zes colocando em risco a integridade fsica deste grupo de

    pessoas.

    Os migrantes afetam todo o sistema produtivo, as

    artes, as cincias, assim como a estratificao social. Se

    algumas contribuies dos migrantes so tangveis, di-

    fcil medir as contribuies culturais e institucionais dos

    migrantes (TIMUR, 2000). No Brasil, por exemplo, os imi-

    grantes, desempenharam importante papel no processo

    de industrializao de vrias cidades pelas contribuies

    culturais que traziam de seus pases de origem. Da mesma

    forma, grandes reas do Mato Grosso, ocupadas por mi-

    grantes gachos e paranaenses, foram moldadas incorpo-

    rando elementos do modo de vida dos sulistas.

    A diversidade cultural pode ser importante vanta-

    gem econmica (ver captulos 3 e 5). Cidades como Lon-

    dres ou Nova Iorque, que possuem cerca de um tero de

    suas populaes nascidas no exterior, se aproveitam destadiversidade trazendo-a para os processos produtivos ali

    desenvolvidos, fortalecendo a posio de cidades globais.

    A migrao afeta as regies de maneiras diferentes.

    Por exemplo, medida que se desenvolve a cadeia migra-

    tria e um grande nmero de pessoas de determinada ci-

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    dade emigra, a emigrao pode levar a uma escassez de

    mo de obra local, bem como a mudanas importantes

    na vida familiar e comunitria. A chamada evaso de c-

    rebros (mo de obra altamente qualificada), por exemplo,

    um problema importante para os pases pequenos e po-

    bres. Em 2005, 72 pases tinham programas para estimular

    o retorno deste tipo de profissional. (UN, 2009a)

    Nos locais de destino dos fluxos, os migrantes ten-

    dem a se concentrarem em comunidades prximas ofer-

    ta de emprego. Em grandes cidades na Europa e nas Am-

    ricas, comum a existncia de bairros que se convertem

    em centros de assentamento de migrantes internacionais

    de determinada origem, abrigando negcios, associaes,

    servios sociais e elementos culturais caractersticos (CAS-

    TLES, 2000). o caso, por exemplo, do bairro da Liberdade

    em So Paulo, que concentra muitos asiticos.

    No plano internacional, um tipo especial de migra-

    o a de refugiados, tema tratado pela ONU atravs da

    Conveno de Genebra. Neste documento os refugiados

    so definidos como pessoas que, residindo fora de seu pas

    de origem, no queiram regressar devido a fundados te-

    mores de perseguio por motivos de raa, religio, nacio-nalidade, pertencimento a um determinado grupo social

    ou opinies polticas.

    De modo geral, as migraes se intensificaram bas-

    tante a partir do sculo XX, resultado das transformaes

    sociais, econmicas e tecnolgicas ocorridas no mundo.

    O maior movimento migratrio j ocorrido na humanida-

    de sem dvida a urbanizao do planeta (ver captulo 5).

    Centenas de milhes de pessoas se deslocaram e conti-

    nuam se deslocando de reas rurais para as cidades. En-

    quanto a Europa e as Amricas j se encontram bastantes

    urbanizadas, este movimento assume, no sculo XXI, pro-

    pores sem precedentes em pases como China e ndia,

    num processo acelerado.

    Migraes internacionais

    As migraes internacionais foram de extrema im-

    portncia para a formao territorial de muitos pases, prin-

    cipalmente no continente americano. Nas Amricas, pri-

    meiro houve o fluxo de migrantes provindos das prprias

    naes colonizadoras, que vinham exercer funes admi-

    nistrativas e ocupar as novas terras. O avano da economia

    das colnias levou ao aumento da demanda por mo de

    obra, o que implicou num grande movimento migratrio

    forado de africanos para o continente americano. Noriel

    (1988 apud CASTLES, 2000) estima que cerca de 15 mi-

    lhes de africanos abasteceram, entre os sculos XV e XIX,o mercado de trabalho das colnias. Depois, nos sculos

    XIX e XX, os novos pases da regio elaboraram polticas de

    estmulo migrao que atraiu milhes de pessoas, majo-

    ritariamente europeus. Naquele momento a Europa vivia

    uma profunda transformao pela industrializao e havia

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    40Geografia

    Unidos e a Alemanha, este percentual chegava em 2010 a

    13,5% e 13,1% respectivamente. No por acaso, a concen-

    trao de migrantes ocorre nos pases mais ricos, indican-

    do o peso do fator econmico na explicao das migra-

    es. Em contraste, o estoque internacional de migrantes

    respondia em 2010 por menos de 2% da populao total

    na frica e Amrica Latina.

    J quando se considera apenas a migrao dos refu-

    giados, a sua distribuio no mundo diferente. Do esto-

    que total de migrantes, os refugiados respondiam por 8%

    em 2010, ou 16,3 milhes de pessoas (UN, 2011a). Desta

    populao, 86% viviam em pases menos desenvolvidos,

    especialmente na sia e frica.

    um excedente demogrfico em diversos pases. Somente

    nos Estados Unidos, entre 1861 e 1920, entraram cerca de

    30 milhes de imigrantes. Outros pases, como Canad,

    Argentina, Chile, Uruguai, Austrlia, Nova Zelndia e Brasil

    tm na imigrao elemento essencial na formao social e

    territorial.

    Em 2010 existiam 213,9 milhes de pessoas (3,1% da

    populao mundial) vivendo fora de seu pas natal (Tabela

    2.3), um incremento de 58 milhes desde 1990. As reas

    onde os migrantes internacionais, em 2010, tinham o maior

    peso na populao total so a Oceania (16,8%), Amrica do

    Norte (14,2%) e a Europa (9,5%). Em alguns pases, como na

    Austrlia e na Sua, este percentual ultrapassa os 20% da

    populao. Mesmo em pases populosos como os Estados

    Tabela 2.3 - Migrantes internacionais nos continentes 1990/2010

    Continente

    Estoque de MigrantesInternacionais (milhes)

    % da Populao doContinente

    1990 2010 1990 2010

    frica 16,0 19,3 2,5 1,9

    sia 50,9 61,3 1,6 1,5

    Amrica Latina e Caribe 7,1 7,5 1,6 1,3Amrica do Norte (1) 27,8 50,0 9,8 14,2

    Europa 49,4 69,8 6,9 9,5

    Oceania 4,4 6,0 16,2 16,8

    Fonte: UNITED NATIONS (UN). International Migration Report 2009: A Global Assessment. New York: UN, 2011.

    (1) exceto Mxico

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    e da Europa. H uma rede de migrao da Amrica Lati-

    na em direo aos Estados Unidos, especialmente a partir

    do Mxico e da Amrica Central. Tambm so significati-

    vos os movimentos migratrios que conectam pases da

    Se nos sculos XIX e XX houve um grande movi-

    mento de pessoas em direo ao continente americano

    e Oceania, no sculo XXI as migraes mais marcantes

    so em direo aos pases mais ricos da Amrica do Norte

    Grfico 2.1 - Percentual de emigrantes brasileiros, segundo o pas de residncia - 2010

    Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2010.

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    Amrica Latina a Europa, com destaque para a Espanha.

    A Europa recebe, por sua vez, a maior parte dos emigran-

    tes da frica e da Turquia.

    O Brasil, que outrora recebeu grande nmero de

    migrantes, agora um pas predominantemente de emi-

    grantes. Estudos recentes indicam que h no exterior en-

    tre 2 e 3,7 milhes de brasileiros, concentrados principal-

    mente nos Estados Unidos, Europa e Japo (MRE, 2008).

    Levantamentos inditos do Censo Demogrfico

    2010 contabilizaram 491.695 brasileiros residindo no ex-terior naquele ano. Porm, o prprio IBGE indica que, por

    restries metodolgicas, h uma subnumerao neste

    quantitativo. Mas os dados do Censo mostram um retrato

    mais preciso relativo distribuio dos emigrantes brasilei-

    ros por pases e sua estrutura etria.

    O Censo Demogrfico confirma os EUA como prin-

    cipal pas receptor de migrantes brasileiros, mas a Europa,

    em seu conjunto abrigava a proporo muito maior de mi-

    grantes brasileiros. O Japo tambm aparece com desta-

    que no levantamento do IBGE (Grfico 2.1).

    Os dados do Censo de 2010 indicam ainda o perfiljovem do migrante brasileiro no exterior, com a faixa et-

    ria entre 20 e 34 anos representando 60% do total (Grfico

    2.2). Esta distribuio etria refora a associao do xodo

    do pas pela busca de melhores oportunidades de trabalho

    em outro pas. Este movimento tende a aumentar quando

    a situao econmica no pas de origem est mais degra-dada. Desde 2008, com a ecloso de grave crise econmi-ca na Europa e Estados Unidos e manuteno de nveisrecordes de emprego no Brasil, a tendncia a diminuiodo fluxo de brasileiros para o exterior e um certo aumentodo fluxo de estrangeiros para o Brasil. O volume de pessoasprocedentes do exterior que vieram morar no Brasil entre2000 e 2010 aumentou 62,7% em relao ao perodo 1990--2000 (IBGE, 2012).

    Migraes no Brasil

    No decorrer do sculo XX, muitas foram as trans-formaes na sociedade brasileira. Os contextos histri-cos, econmicos, polticos, sociais e demogrficos foramos cenrios para a urbanizao e industrializao, expli-cando os fluxos demogrficos no pas. A dinmica dedeslocamento da populao brasileira caracteriza-se porsaltos migratrios, por deslocamentos de longa distn-cia e pela elevada proporo de migrantes na populao(THRY, 2005).

    J na virada do sculo XIX para o XX a mobilidade

    espacial da populao no pas era alta. Fatos como o fim daescravido, a expanso cafeeira e a produo da borrachana Amaznia marcaram a redistribuio de populaespelo pas. A migrao de negros libertos e de estrangeirosem quantidades significativas foi importante pelo menosat a crise do caf dcada de 1930 (BERQU, 2001).

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    43 Geografia da populao

    As migraes internas entre 1930 e 1950 foram pre-

    dominantemente do campo para as cidades, principalmente

    para os centros industriais do Sudeste e para as fronteiras agr-

    colas. Na dcada de 1940 a migrao rural-urbana nacional

    chegou a trs milhes de pessoas.Na dcada de 1950, principalmente com o desenvolvi-

    mentismo de JK e a avanada urbanizao e industrializao

    do pas, o xodo rural mais que dobrou: cerca de 7 milhes

    de pessoas se deslocaram para as reas urbanizadas. Nessa

    mesma dcada, a interiorizao do territrio ocorreu princi-

    palmente por fluxos demogrficos que se direcionavam para

    as fronteiras agrcolas.

    A modernizao agrcola o marco da dcada de 1960

    que intensifica ainda mais o xodo rural, nessa dcada totali-

    zam-se 12,8 milhes de pessoas saindo do campo em direos cidades. Paralelo a este processo, os atrativos urbanos se

    diversificaram com a criao de novos empregos devido ao

    crescimento da estrutura produtiva nacional. Neste perodo

    comearam as migraes, estimuladas pelo Estado em dire-

    o Amaznia, processo que continua na dcada seguinte.

    Grfico 2.2 - Composio da populao de emigrantes brasileiros, por sexo, segundo gruposde idade na data de partida do Brasil- 2010

    Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2010.

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    A tendncia do movimento rural-urbano se inten-

    sifica a partir da dcada de 1970, quando os movimentos

    migratrios para as fronteiras agrcolas se desaceleram e os

    grandes centros urbanos se consolidaram visto o crescen-

    te processo de metropolizao (BERQU, 2001).

    Na dcada de 1980, as foras que atraiam as popula-

    es para a So Paulo se arrefecem, porm no desapare-

    cem. Se a Regio Metropolitana de So Paulo ainda conti-

    nua a receber o maior nmero de migrantes, ela passa a se

    destacar como centro de emigrao, com forte movimen-

    to de retorno.

    A dcada de 1990 confirma a posio de So Paulo

    como centro receptor de migrantes, apesar da emigrao

    de retorno. Paralelamente com o aumento das migraes

    intrarregionais e intraestaduais, fato visvel pelo crescimen-

    to das capitais nordestinas.

    Os resultados do Censo Demogrfico de 2010 mos-

    tram o cenrio da migrao na dcada no perodo 2000-

    -2010. Um indicativo importante do histrico dos movi-

    mentos migratrios o estoque de migrantes. Para 2010,

    foram registrados 26,3 milhes de pessoas que viviam em

    unidades da federao das quais no eram naturais. Destecontingente, os estados de So Paulo (8 milhes de pes-

    soas no naturais), Rio de Janeiro (2,1 milhes), Paran (1,7

    milhes) e Gois (1,6 milhes) acumulavam