15
2021 Daniel Amorim Assumpção Neves 13 ª edição revista atualizada Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único

Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

2021

Daniel Amorim Assumpção Neves

13ª edição

revista atualizada

Manu

al d

e DIRE

ITO

PROC

ESSU

AL C

IVIL

vo

lu

me

ún

ico

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 3Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 3 11/12/2020 07:07:1711/12/2020 07:07:17

Page 2: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

2AÇÃO

Sumário: 2.1. Teorias da ação: 2.1.1. Teoria imanentista (civilista); 2.1.2. Teoria concreta da ação; 2.1.3. Teoria abstrata do direito de ação; 2.1.4. Teoria eclética; 2.1.5. Teoria da asserção – 2.2. Condições da ação: 2.2.1. Introdução; 2.2.2. Possibilidade jurídica do pedido; 2.2.3. Interesse de agir; 2.2.4. Legitimidade – 2.3. Elementos da ação: 2.3.1. Introdução; 2.3.2. Partes; 2.3.3. Pedido; 2.3.4. Causa de pedir.

2.1. TEORIAS DA AÇÃO

É natural que com o desenvolvimento e aprimoramento dos estudos a respei-to da ciência processual tenham surgido diferentes teorias a respeito da natureza jurídica da ação. Existem algumas, como a teoria imanentista e a teoria do direito concreto de ação, que atualmente só têm interesse histórico, mas outras têm valor atual, considerando-se que até hoje existe viva polêmica a respeito da melhor teoria para explicar a natureza jurídica da ação.

Ainda que o Código de Processo Civil tenha expressamente consagrado a teo-ria eclética da ação, existem entendimentos doutrinários que defendem a teoria do direito abstrato de ação e a teoria da asserção.

2.1.1. Teoria imanentista (civilista)

Na teoria imanentista o direito de ação é considerado o próprio direito mate-rial em movimento, reagindo a uma agressão ou a uma ameaça de agressão. Nessa concepção, que não consegue entender o direito de ação como direito autônomo, quando há respeito ao direito material, ele remanesce estático, colocando-se em movimento somente no caso de agressão ou ameaça, hipótese na qual passa a ser considerado direito de ação.

É evidente que na teoria imanentista não existe direito de ação sem existir di-reito material, até porque se trata do mesmo direito em diferentes estados (estático

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 125Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 125 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 3: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

126 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL • Volume Único – Daniel Amorim Assumpção Neves

e em movimento)1. Para os defensores dessa teoria, o direito de ação é um poder que o indivíduo possui contra o seu adversário e não contra o Estado, sendo o pro-cesso um mero procedimento, ou seja, um conjunto de atos coordenados visando à obtenção de um objetivo final.

A ideia de ser o direito material e o direito de ação um mesmo direito já foi há tempos abandonada, tendo atualmente tão somente interesse histórico. Mais precisa-mente, deve-se à famosa polêmica entre Windscheid e Muther, dois romanistas estu-diosos do conteúdo da actio romana, a superação da confusão realizada pela teoria imanentista. A partir dessa polêmica e de estudos posteriores, como a clássica obra de Oscar von Bülow a respeito dos pressupostos processuais, o direito processual passou a ser estudado de forma científica, e o direito de ação passou a ser diferenciado do direito material2.

2.1.2. Teoria concreta da ação

A teoria concreta da ação, também conhecida como teoria do direito concre-to de ação, criada por Wach na Alemanha, tem como mérito ser a primeira teoria que fez a distinção entre direito de ação e direito material. Para os defensores dessa teoria, o direito de ação é um direito do indivíduo contra o Estado, com o objetivo de obtenção de uma sentença favorável, e ao mesmo tempo um direito contra o adversário, que estará submetido à decisão estatal e aos seus efeitos jurídicos3.

Apesar do avanço quando comparada com a teoria imanentista, a teoria concreta defende que o direito de ação só existe se o direito material existir, condicionando a existência do primeiro à existência do segundo. Reconhece-se a autonomia do direito de ação, mas não a sua independência, considerando que o direito de ação dependeria do direito material.

Como vertente da teoria do direito concreto, na Itália Chiovenda defendeu o entendimento de ser o direito de ação um direito potestativo, considerando que o direito a uma sentença favorável não cria nenhuma obrigação ao adversário diante do exercício do direito de ação, simplesmente estando sujeito ao seu exercício, in-dependentemente de sua vontade ou de conduta a ser por ele prestada4. Entendeu o doutrinador italiano que a ação não era um direito contra o Estado, mas um poder a ser exercido contra o réu, que ficaria sujeito aos efeitos jurídicos derivados do exercício do direito de ação pelo autor e a consequente sentença em seu favor5.

A teoria concreta do direito de ação encontra-se superada, somente tendo inte-resse histórico. Nunca conseguiu responder a dois questionamentos que demonstram a sua impropriedade:

1 Galeno Lacerda, Teoria, p. 211.2 Marinoni, Teoria, p. 162; Galeno Lacerda, Teoria, p. 216-218.3 Marinoni, Teoria, p. 164.4 Galeno Lacerda, Teoria, p. 223.5 Marinoni, Teoria, p. 165-166.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 126Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 126 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 4: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

Cap. 2 • AçãO 127

(a) na hipótese de sentença de improcedência há declaração de que o direito material alegado pelo autor não existe; nesse caso, com a resolução do mérito desfavorável ao autor, não teria ele exercido o direito de ação?

(b) na hipótese de sentença de procedência na ação declaratória negativa, quando o acolhimento do pedido do autor declara a inexistência do direito material; não teria havido direito de ação nessa sentença de procedência do pedido?

Como se nota com facilidade nos dias atuais, a vinculação entre a existência de direito de ação e a existência do direito material não consegue explicar algumas situações nas quais, apesar de inexistir o direito material, não existe dúvida a respeito da existência do direito de ação. De qualquer forma, foram os defensores da teoria concreta do direito de ação os primeiros a falar em condições da ação, embora com definição distinta da que se faz atualmente, o que mostra o avanço científico obtido com as teses criadas para defender a teoria.

2.1.3. Teoria abstrata do direito de ação

A teoria abstrata do direito de ação, também chamada de teoria do direito abstrato de ação, consequência das teorias criadas por Degenkolb e Plósz, incorpo-ra o entendimento assimilado pela teoria concreta de que direito de ação e direito material não se confundem. Mantém a autonomia entre esses dois direitos e vai além, ao afirmar que o direito de ação é independente do direito material, podendo existir o primeiro sem que exista o segundo. O direito de ação, portanto, é o direito abstrato de obter um pronunciamento do Estado, por meio da decisão judicial. É evidente que para os defensores dessa teoria a sentença de improcedência não retira no caso concreto a existência do direito de ação do autor, o mesmo ocorrendo com a sentença de procedência da ação declaratória negativa.

Para os defensores dessa teoria, o direito de ação é abstrato, amplo, genérico e incondicionado, não existindo nenhum requisito que precise ser preenchido para sua existência. Nessa concepção, não existem condições para o exercício da ação, muito menos quando tais condições só podem ser analisadas à luz do direito ma-terial, que para a teoria abstrata é absolutamente irrelevante para fins de existência do direito de ação.

Essa característica de ser o direito de ação incondicionado leva os abstrativistas puros a rejeitar a existência das condições da ação consagradas em nosso ordena-mento processual. Para essa corrente de pensamento, o termo carência de ação não existe, porque não existe nenhuma condição para o exercício do direito de ação, sendo que as chamadas “condições da ação” –interesse de agir e legitimidade – são na realidade matéria de mérito, de forma que a inexistência das chamadas condi-ções da ação no caso concreto devem gerar uma sentença de improcedência, com a rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6.

6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109; Fábio Gomes, Carência, p. 61-70.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 127Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 127 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 5: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

128 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL • Volume Único – Daniel Amorim Assumpção Neves

A consequência prática da adoção desse entendimento é relevante: ao entender que toda sentença de carência da ação é na realidade uma sentença de mérito (art. 487, I, do CPC), após o trânsito em julgado essa sentença estará protegida pelo fenômeno da coisa julgada material, o que não ocorre com a sentença terminativa fundada em carência de ação (art. 485, VI, do CPC). Para alguns doutrinadores, essa tese, além de ser academicamente a mais correta, é a mais condizente com o princípio da economia processual, ao evitar a repropositura de demandas cuja pre-tensão do autor já foi rejeitada7.

2.1.4. Teoria eclética

Atribui-se a Liebman a criação da teoria eclética, que pode ser entendida como uma teoria abstrata com certos temperamentos. Para a teoria eclética, o direito de ação não se confunde com o direito material, inclusive existindo de forma autôno-ma e independente. Não é, entretanto, incondicional e genérico, porque só existe quando o autor tem o direito a um julgamento de mérito (é irrelevante se favorável ou desfavorável), sendo que esse julgamento de mérito só ocorre no caso concreto quando alguns requisitos são preenchidos de forma a possibilitar ao juiz a análise da pretensão do autor.

A teoria eclética defende que a existência do direito de ação não depende da existência do direito material, mas do preenchimento de certos requisitos formais chamados de “condições da ação”8. Para essa teoria, as condições da ação não se confundem com o mérito, ainda que sejam aferidas à luz da relação jurídica de di-reito material discutida no processo, sendo analisadas preliminarmente e, quando ausentes, geram uma sentença terminativa de carência de ação (art. 485, VI, do CPC) sem a formação de coisa julgada material9. Estando presentes no caso concreto, o juiz profere sentença de mérito, que tanto poderá acolher como rejeitar o pedido do autor. Tratando-se de matéria de ordem pública não há preclusão, entendendo os defensores da teoria eclética que a qualquer momento do processo e com qualquer grau de cognição o juiz deve extinguir o processo sem resolução de mérito por ca-rência de ação se entender ausente uma das condições da ação10.

Como a sentença de carência de ação é uma resposta do Estado-juiz ao exer-cício de um direito do autor, a teoria eclética tem que explicar que direito exercido foi esse que obrigou o Estado a proferir uma resposta. Faz-se uma distinção entre o direito de petição, que é o direito a obter uma manifestação de qualquer órgão público, entre eles o Poder Judiciário, e o direito de ação, que é o direito a uma sentença de mérito. Enquanto o direito de petição é amplo, genérico e incondicional, o direito de ação depende do preenchimento das condições de ação. Uma mesma explicação com nomenclatura distinta está na diferença entre o direito constitucional

7 Marinoni, Teoria, p. 181.8 Dinamarco, Instituições, n. 542, p. 296; Greco Filho, Direito, n. 08, p. 43.9 Theodoro Jr., Curso, n. 52, p. 62; STJ, 3.ª Turma, REsp 782.122/RS, rel. Min. Ari Pargendler, j. 29.11.2005.10 Nery-Nery, Código, p. 167.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 128Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 128 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 6: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

Cap. 2 • AçãO 129

de ação e o direito processual de ação, sendo o primeiro incondicional e o segundo dependente de determinadas condições11.

O Código de Processo Civil adotou a teoria eclética, ao prever expressamente que a sentença fundada em ausência das condições da ação é meramente termina-tiva, não produzindo coisa julgada material (art. 485, VI, do CPC)12, ainda que não conste mais expressamente do texto legal a expressão “condições da ação”, o que, entretanto, é irrelevante, como se tentará demonstrar no próximo item. Ressalte-se que a melhor doutrina entende que as condições da ação devem estar presentes no momento da prolação da sentença, de forma que eventos supervenientes devem ser levados em consideração em sua análise (art. 493 do CPC).

Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de deci-dir que a determinação da natureza da sentença (de mérito ou terminativa) leva em consideração seu conteúdo e não a expressa menção a uma dessas espécies na própria decisão. Dessa forma, entendeu como sendo efetivamente de mérito uma decisão proferida em mandado de segurança que, com o equivocado fundamento de ilegitimidade ativa de parte, rejeitou o pedido do impetrante num mandado de segurança pela inexistência de direito material13.

Proposta uma ação sem a presença das condições da ação, caso estas venham a se verificar supervenientemente, não caberá extinção do processo sem a resolução do mérito. Com o mesmo raciocínio, mesmo estando as condições da ação presen-tes no momento da propositura, havendo carência superveniente, o processo deve ser imediatamente extinto sem a resolução do mérito, em aplicação do art. 493 do CPC14. Na carência superveniente a questão referente ao responsável pelo paga-mento das verbas de sucumbência deve ser resolvida com base em dois elementos:

(a) se no momento de propositura da demanda era necessária a intervenção jurisdicional;

(b) quem foi o responsável pelo ato superveniente que acarretou a carência da ação, devendo a este ser imputada a responsabilidade de pagamento das verbas de sucumbência15.

2.1.5. Teoria da asserção

Em tempos mais recentes surgiu na doutrina a teoria da asserção (in statu as-sertionis), também chamada de teoria della prospettazione, que pode ser considerada uma teoria intermediária entre a teoria abstrata pura e a teoria eclética. Para essa corrente doutrinária a presença das condições da ação deve ser analisada pelo juiz com os elementos fornecidos pelo próprio autor em sua petição inicial, sem nenhum

11 Marinoni, Teoria, p. 168-169; Fux, Curso, p. 148; Costa, Condições, p. 39-42. 12 Informativo 381/STJ: 4.ª Turma, REsp 254.417/MG, j. 16.12.2008, rel. Luís Felipe Salomão.13 Informativo 406/STJ: REsp 915.907-SC, rel. Min. Luiz Fux, j. 08.09.2009.14 Nery-Nery, Código, p. 167; Dinamarco, Instituições, n. 554, p. 315-317; STJ, 1.ª Turma, RMS 21.651/SP, rel. Min. Luiz

Fux, j. 04.11.2008.15 STJ, 3.ª Turma, REsp 1.072.814/RS, rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.10.2008 (Informativo 370/STJ).

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 129Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 129 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 7: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

130 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL • Volume Único – Daniel Amorim Assumpção Neves

desenvolvimento cognitivo. Existe até mesmo parcela doutrinária que entende que tal análise possa ser feita depois da petição inicial, desde que ainda com uma cognição superficial das alegações feitas pelo autor16.

Para os defensores da teoria da asserção, sendo possível ao juiz mediante uma cognição sumária perceber a ausência de uma ou mais condições da ação, deve ex-tinguir o processo sem a resolução do mérito por carência de ação (art. 485, VI, do CPC), pois já teria condições desde o limiar do processo de extingui-lo e assim evitar o desenvolvimento de atividade inútil. Com embasamento no princípio da economia processual, entende-se que, já se sabendo que o processo não reúne condições para a resolução do mérito, cabe ao juiz a sua prematura extinção por carência da ação. Nesses termos, a teoria da asserção não difere da teoria eclética.

Por outro lado, caso o juiz precise no caso concreto de uma cognição mais aprofundada para então decidir sobre a presença ou não das condições da ação, não mais haverá tais condições da ação, que passarão a ser entendidas como matérias de mérito. Dessa forma, aprofundada a cognição, a ausência daquilo que no início do processo poderia ter sido considerado uma condição da ação passa a ser matéria de mérito, gerando uma sentença de rejeição do pedido do autor (art. 487, I, do CPC), com a geração de coisa julgada material. Nesses termos, a teoria da asserção não difere da teoria abstrata pura.

Em síntese conclusiva, o que interessa para fins da existência das condições da ação para a teoria da asserção é a mera alegação do autor, admitindo-se provisoria-mente que o autor está dizendo a verdade. Se o autor alega ser o possuidor numa ação possessória, já basta para considerá-lo parte legítima, sendo a análise da vera-cidade ou não dessa alegação relegada ao juízo de mérito17. A teoria ora analisada tem ampla aceitação no Superior Tribunal de Justiça, podendo-se considerar ter a Corte adotado a teoria da asserção18, inclusive em processos penais19-.

Além da óbvia diminuição de sentenças terminativas por carência de ação, que serão substituídas por sentença de improcedência do pedido, a adoção da teoria da asserção gera outra importante consequência prática. Como as condições da ação perdem tal natureza a partir do momento em que o réu é citado, passando a ser enfrentadas como mérito, afasta-se delas a natureza de ordem pública, de forma que passam a estar sujeitas à preclusão20.

A principal crítica à teoria da asserção tem como fundamento a impossibilida-de de modificar a natureza de um instituto jurídico tomando-se por base a diferente

16 Bedaque, Condições, p. 54. 17 Greco, A teoria, n. 2.3, p. 23-25; Marinoni, Teoria, p. 181-182; Câmara, Lições, v. 1, p. 122; Barbosa Moreira, Legitimação,

p. 200.18 STJ, 4ª Turma, REsp 1.678.681/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07/12/2017, DJe 06/02/2018; Informativo 615/

STJ, 3ª Turma, REsp 1.705.311-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09/11/2017, DJe 17/11/2017; Informativo 535/STJ, 3.ª Turma, REsp 930.336-MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 06.02.2014; STJ, 2.ª Turma, REsp 1.395.875/PE, rel. Min. Herman Benjamin, j. 20.02.2014, DJe 07.03.2014.

19 STJ, 5ª Turma, REsp. 1.354.838/MT, rel. Min. Campos Marques (desembargador convocado do TJPR), j. 02.04.2013, DJe 05.04.2013.

20 STJ, 4.ª Turma, AgRg no AREsp 10.643/RS, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, j. 02.05.2013, DJe 13.05.2013; STJ, 4.ª Turma, AgRg no REsp. 688.552/RJ, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, j. 02.08.2012, DJe 10.08.2012.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 130Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 130 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 8: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

Cap. 2 • AçãO 131

carga cognitiva ou o momento em que um pronunciamento é proferido. Assim, uma condição da ação será sempre uma condição da ação, não tendo nenhuma relevância se sua ausência pode ser percebida liminarmente pelo juiz ou somente após o exauri-mento de sua cognição21. Ademais, bastaria ao autor mentir em sua petição inicial para adaptá-la as exigências das condições da ação para merecer um julgamento de mérito.

2.2. CONDIÇÕES DA AÇÃO

2.2.1. Introdução

A retirada do termo “condições da ação” do Código de Processo Civil animou parcela da doutrina ao levantar a questão do afastamento desse instituto processual de nosso sistema processual, de forma que o interesse de agir e a legitimidade pas-sassem a ser tratados como pressupostos processuais ou como mérito, a depender do caso concreto22.

Essa parcela da doutrina entende que o Código de Processo Civil teria con-sagrado o binômio pressupostos processuais e mérito, e que, ao adotar o binômio, as condições da ação deixaram de existir. É o conceito ‘condição da ação’ que seria eliminado. Aquilo que por meio dele se buscava identificar continuaria obviamente a existir. O órgão jurisdicional ainda teria de examinar a legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido. Tais questões seriam examinadas ou como ques-tões de mérito (possibilidade jurídica do pedido e legitimação ad causam ordinária) ou como pressupostos processuais (interesse de agir e legitimação extraordinária)23.

Corroboraria tal entendimento o fato de que diante do Código de Processo Civil a propositura da nova ação extinta por ausência de legitimidade e/ou interesse de agir depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito (art. 486, § 1.º, do CPC). Há também a previsão do § 2.º do art. 966 do CPC: nas hipóteses previstas no caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, não permita a repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito.

Ao se admitir que as condições da ação não existem mais como instituto pro-cessual autônomo, cabendo agora analisar-lhes como pressupostos processuais ou mérito a depender do caso, seria ver consagrada no Código de Processo Civil a teoria abstrata do direito de ação.

Certamente é tema que ainda suscitará muitos questionamentos e dúvidas, mas em minha primeira visão sobre o assunto não creio que o CPC tenha adotado a teo-ria do direito abstrato de ação24. Prova maior é que nas hipóteses já mencionadas,

21 Dinamarco, Instituições, n. 543, p. 313-315.22 Medina, Novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-ago-25/cpc-nao-adotar-conceito-condicoes-

-acao>. Acesso em: 13 fev. 2015, às 12:25; Flexa-Macedo-Bastos, Novo, pp. 54-55.23 Didier, As condições da ação e o Novo CPC. Disponível em: <http://portalprocessual.com/as-condicoes-da-acao-e-

-o-novo-cpc/>. Acesso em: 13 mar. 2015, às 10:07.24 Pela manutenção das condições da ação no Novo CPC: Câmara, Será, pp. 261-269; Theodoro Jr., Curso, n. 95, pp.

157-158; Scarpinella Bueno, Manual, pp. 98-99.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 131Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 131 11/12/2020 07:07:3211/12/2020 07:07:32

Page 9: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

8INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

Sumário: 8.1. Intervenções típicas e atípicas: 8.1.1. Processo/fase de conhecimento; 8.1.2. Processo/fase de execução; 8.1.3. Ação probatória autônoma – 8.2. Assistência: 8.2.1. Intro-dução; 8.2.2. Assistência simples (adesiva); 8.2.3. Assistência litisconsorcial (qualificada); 8.2.4. Procedimento da assistência; 8.2.5. Os poderes do assistente simples; 8.2.6. Os poderes do assistente litisconsorcial; 8.2.7. Imutabilidade da justiça da decisão; 8.2.8. Justiça da decisão e coisa julgada – 8.3. Denunciação da lide: 8.3.1. Conceito; 8.3.2. Hipóteses de cabimento; 8.3.3. Facultatividade; 8.3.4. Qualidade processual do denunciado; 8.3.5. Condenação e cumprimento de sentença diretamente contra o denunciado; 8.3.6. Denunciação sucessiva; 8.3.7. Procedimento da denunciação da lide feita pelo autor; 8.3.8. Procedimento da denunciação pelo réu – 8.4. Chamamento ao processo: 8.4.1. Conceito; 8.4.2. Hipóteses de cabimento; 8.4.3. Procedimento; 8.4.4. Chamamento ao processo no direito do consumidor – 8.5. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: 8.5.1. Introdução; 8.5.2. Momento; 8.5.3. Procedimento; 8.5.4. Forma de defesa do sócio (ou da sociedade na desconsideração inversa); 8.5.5. Recorribilidade; 8.5.6. Fraude à execução – 8.6. Amicus curiae: 8.6.1. Introdução; 8.6.2. Interesse institucional; 8.6.3. Requisitos; 8.6.4. Aspectos procedimentais.

8.1. INTERVENÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS

Por intervenção de terceiros entende-se a permissão legal para que um sujeito alheio à relação jurídica processual originária ingresse em processo já em andamen-to. Apesar das diferentes justificativas que permitem esse ingresso, as intervenções de terceiro devem ser expressamente previstas em lei, tendo fundamentalmente como propósitos a economia processual (evitar a repetição de atos processuais) e a harmonização dos julgados (evitar decisões contraditórias). É natural que, uma vez admitido no processo, o sujeito deixa de ser terceiro e passa a ser considerado parte; em alguns casos “parte na demanda” e noutros “parte no processo”1.

1 Fux, Curso, p. 273-274.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 343Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 343 11/12/2020 07:07:4711/12/2020 07:07:47

Page 10: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

344 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL • Volume Único – Daniel Amorim Assumpção Neves

O Título III do Livro III do Código de Processo Civil tem como rubrica “Da intervenção de terceiros”, compreendendo a assistência, a denunciação da lide, o chamamento ao processo (arts. 119 a 132), o incidente de desconsideração da per-sonalidade jurídica (arts. 133 a 137) e o amicus curiae (art. 138).

Ocorre, entretanto, que nem todas as intervenções encontram sua justificação nessas modalidades típicas de intervenção de terceiro, o que demonstra que o rol legal é meramente exemplificativo. Previsões legais esparsas que permitem a inter-venção de um terceiro em processo já em andamento e que não são tipificáveis em nenhuma dessas cinco modalidades, constituem as chamadas intervenções de tercei-ros atípicas. A definição dessa espécie de intervenção dependerá da amplitude que se pretenda dar à atipicidade, não existindo unanimidade na doutrina a respeito de quais efetivamente sejam essas intervenções atípicas.

8.1.1. Processo/fase de conhecimento

Ainda que as intervenções típicas tenham sido projetadas fundamentalmen-te para o processo/fase de conhecimento, com aplicação somente subsidiária aos processos/fases de execução e cautelar, existem algumas espécies de intervenção de terceiros no processo de conhecimento que não podem ser consideradas como uma daquelas espécies previstas no título destinado às intervenções de terceiro do Código de Processo Civil.

8.1.1.1. Intervenções da Lei 9.469/1997

O art. 5.º, caput, da Lei 9.469/1997 prevê a possibilidade de intervenção da União nas causas em que figurarem como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. O parágrafo único de tal artigo prevê a possibilidade de intervenção de pessoas de direito público (adminis-tração direta e indireta, federais, estaduais, municipais e distritais) em demandas já em trâmite com fundamento no eventual prejuízo indireto, mesmo que de natureza meramente econômica. A ausência de interesse jurídico a ser demonstrado afasta essa espécie de intervenção da assistência, tornando esta uma espécie anômala de intervenção, com fundamento em interesse econômico.

De duvidosa constitucionalidade2, a norma legal não deixa claro qual a qua-lidade jurídica assumida pela pessoa de direito público, parecendo não ser correta a interpretação de que funcione como amicus curiae3, como consta na Exposição de Motivos da lei. A função da União e dos entes públicos federais é esclarecer questões de fato e de direito e juntar documentos e memoriais, passando a ser considerada como parte se recorrer de decisões4. Como esses terceiros ao intervir no processo passam a atuar com os mesmos poderes do assistente, é comum a referência a essa

2 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 197-198.3 Scarpinella Bueno, Amicus, p. 214; Gusmão Carneiro, Intervenção, 71-A, p. 148-150.4 Carneiro da Cunha, A Fazenda, p. 151-152.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 344Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 344 11/12/2020 07:07:4711/12/2020 07:07:47

Page 11: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

Cap. 8 • INTERVENçãO DE TERCEIROS 345

espécie de intervenção como “assistência anômala”, havendo decisão do Superior Tribunal de Justiça que entende tratar-se de assistência simples5.

8.1.1.2. Ação de alimentos

Segundo o art. 1.694 do CC, serão obrigados a pagar alimentos os parentes, cônjuges e companheiros, sendo segundo doutrina tradicional hipótese de litiscon-sórcio facultativo, considerando-se que sua formação dependerá da vontade do au-tor6. São duas as exigências legais: não ter sido formado o litisconsórcio facultativo passivo de forma inicial e não ter o réu – “parente que deve alimentos em primeiro lugar” – condições de arcar total ou parcialmente com o encargo alimentar. Nessa hipótese, segundo o dispositivo legal, será possível chamar a integrar a lide os demais obrigados a prestar alimentos, que responderão na proporção de seus respectivos recursos. Apesar de a primeira exigência ser de fácil compreensão, a segunda merece uma análise mais cuidadosa, porque a legitimidade originária deve ser buscada na interpretação do dispositivo legal.

Entendo inviável considerar-se a intervenção de terceiro ora analisada como uma espécie de denunciação à lide, intervenção fundada no direito regressivo entre o denunciante e o denunciado. O denunciante convoca ao processo o denunciadopara que este seja desde já condenado a ressarcir seus eventuais prejuízos suportadoscom a demanda judicial, sendo importante notar que entre o denunciado e a partecontrária não existe qualquer relação jurídica de direito material. No plano material,as partes da relação jurídica principal têm uma relação entre elas, e outra relaçãode direito material têm o denunciante e o denunciado. Na hipótese de intervençãoora analisada nada disso se verifica, sendo nítida a impropriedade do entendimentode tratar-se de uma denunciação à lide7.

É importante salientar que a inadmissibilidade em se entender a intervenção de terceiros ora analisada como espécie de denunciação da lide se satisfaz com a circunstância de não existir entre os parentes, cônjuges e companheiros qualquer direito de garantia no tocante à obrigação alimentar. Essa circunstância se inten-sifica em termos de clareza se trazido à baila o caráter irrepetível dos alimentos pagos, o qual, aplicado para o beneficiado dos alimentos, também atinge os co-devedores. Significa dizer que uma vez pagos os alimentos por obrigado que não era o que “deve alimentos em primeiro lugar”, ele jamais poderá cobrar daquele que deveria ter pago, mas não o fez. Dessa forma, a ideia principal existente na denunciação à lide, da existência de um direito regressivo entre a parte e o ter-ceiro que vem participar do processo em virtude da denunciação, não se encontra presente na intervenção ora analisada, o que já se mostra o suficiente para uma diferenciação clara e definitiva.

5 Informativo 384/STJ: 4.ª Turma, REsp 708.04/RJ, rel. Luis Felipe Salomão, j. 13.02.2009.6 Por todos, Belmiro Pedro Welter, ‘‘Rito processual na prestação alimentar, litisconsórcio e tutela antecipada”, in

Alimentos no Código Civil, coord. Francisco José Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 227-228.

7 Theodoro Jr., O NCC e as regras heterotópicas de natureza processual, p. 139.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 345Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 345 11/12/2020 07:07:4711/12/2020 07:07:47

Page 12: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

346 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL • Volume Único – Daniel Amorim Assumpção Neves

A diferença entre a intervenção de terceiro prevista pelo art. 1.698 do Código Civil e o chamamento ao processo não é tão clara e óbvia quanto a diferença com a denunciação à lide, mas ainda assim é possível se identificar algumas características díspares que não permitem a conclusão de ser a intervenção ora analisada espécie de chamamento ao processo. O que torna essa conclusão mais difícil de ser obtida é que entre os dois institutos há certas características comuns, o que, entretanto, não é o suficiente para concluir de forma diversa da já indicada. Nem mesmo o enten-dimento de tratar-se de um chamamento ao processo sui generis convence, porque a flexibilização de conceitos deve ser aplicada com extremo cuidado, sob pena de sempre ser possível afirmar que determinado fenômeno é um instituto já previsto, mas com algumas diferenças. Somente diferenças muito sutis admitirão tal pensa-mento, o que não se verifica no caso ora enfrentado.

O grande obstáculo à adoção desse entendimento diz respeito à diferença existente entre a espécie de obrigação de que trata o chamamento ao processo e a obrigação alimentar entre todos os coobrigados.

É pacífico em sede doutrinária que a obrigação alimentar não seja solidária, não sendo possível exigir-se o pagamento da integralidade da dívida dessa natureza de um dos devedores, à escolha do credor8. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que a obrigação de os avós alimentarem os netos é espécie de responsabilidade subsidiária e complementar à responsabilidade dos pais, por isso só é exigível em caso de impossibilidade de cumprimento da prestação ou de cumprimento insuficiente pelos genitores9.

Na realidade, cada devedor responderá dentro dos limites da sua possibilida-de, o que naturalmente fará com que possam no caso concreto existir obrigações desiguais. A ausência da possibilidade do credor exigir tão somente de um dos de-vedores a totalidade da dívida já é suficiente para afastar a obrigação alimentar do rol das obrigações solidárias, o que é reforçado pela impossibilidade daquele que pagou o valor integral cobrar um ressarcimento dos demais devedores alimentares. Além da ausência de solidariedade, também está pacificado em sede doutrinária que a obrigação alimentar é divisível, porque cada devedor se exime de sua obrigação nos limites de suas possibilidades, ainda que a totalidade da obrigação ainda não tenha sido satisfeita. Havendo dois devedores, cada qual responsável pelo pagamento de 50% da dívida alimentar, a quitação de um deles já o libera da obrigação, ainda que o outro seja inadimplente. É justamente essa limitação de responder nos limites da possibilidade de cada devedor que impede ser a obrigação alimentar solidária.

Sendo o chamamento ao processo hipótese de intervenção fundada em obri-gação solidária, e não sendo solidária a obrigação alimentar, como seria possível afirmar-se que o art. 1.698 do CC é espécie de chamamento ao processo?10 Como se nota, não é uma diferença sutil, que possa simplesmente ser absorvida no pró-

8 Por todos, Yussef Said Cahali, Dos alimentos, 3. ed., São Paulo, RT, 1999, p. 150-166.9 Súmula 596/STJ: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando

no caso de impossibili-dade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais”.10 Justamente pela ausência de solidariedade Yussef Said Cahali, Dos alimentos, op. cit., p. 169, distingue a intervenção

prevista para a ação de alimentos do chamamento ao processo.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 346Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 346 11/12/2020 07:07:4711/12/2020 07:07:47

Page 13: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

Cap. 8 • INTERVENçãO DE TERCEIROS 347

prio conceito do chamamento ao processo, porque essa espécie de intervenção de terceiros somente existe em virtude da existência entre parte e terceiro de dívida de natureza solidária. Parece bastante claro que sem essa solidariedade entre parte e terceiro, a intervenção jamais poderá ser considerada uma espécie – ainda que sui generis – de chamamento ao processo.

Não parece ser adequado dar-se ao termo solidariedade previsto no art. 130, III, do CPC uma interpretação ampla a fim de incluir a dívida alimentar ora discu-tida, conforme sugere parcela da doutrina11. Não vejo necessidade de que, por mais elástica que necessite ser a interpretação dos institutos, novas normas de direito devam ser sempre encaixadas em institutos já existentes. Não há qualquer problema em admitir tratar-se de forma de intervenção atípica. Ademais, o chamamento ao processo é feito exclusivamente pelo réu, enquanto na intervenção dos coobrigados na ação de alimentos, servindo o instituto a favorecer o autor, porque o aumento do número de obrigados no polo passivo aumentará suas chances de receber, a le-gitimidade para pedir a intervenção não pode ser exclusiva do réu. Dessa forma, é natural que se admita que o autor chame os demais devedores ao processo, até mesmo porque tal convocação não é de interesse do réu, que responderá nos limites de suas possibilidades e não se preocupará se o autor não está totalmente satisfeito.

Ainda que se afirme que houve a formação de um litisconsórcio facultativo ulterior – circunstância que dependendo da corrente doutrinária adotada a respeito da natureza do chamamento ao processo pode ser entendida como identidade entre as duas espécies de intervenção –, não foi por vontade do réu que o litisconsórcio foi formado, mas em razão de manifestação expressa do autor nesse sentido, na ten-tativa de ampliar as possibilidades de satisfação da obrigação de natureza alimentar por meio da ampliação dos devedores trazidos ao processo.

O autor não é ouvido no chamamento ao processo, não podendo se opor a essa espécie de intervenção de terceiro. O mesmo não se poderá dizer da intervenção prevista especificamente para a demanda de alimentos, porque, sendo intervenção de iniciativa do réu, dependerá necessariamente de anuência do autor, porque este não pode ser obrigado a litigar contra quem não deseja.

Há, como se pode notar, razões suficientes para não entender a intervenção ora analisada como espécie de chamamento ao processo. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já teve a oportunidade de chamar tal forma de intervenção de chamamento ao processo12, ainda que sem grandes considerações a respeito do tema.

Apesar de ter sido muito bem recebido pela doutrina nacional, o art. 1.698 do CC também trouxe algumas preocupações. Por um lado, é inegável que essa nova espécie de intervenção nas ações de alimentos otimiza as chances de satisfação in-tegral do credor porque permite um aumento no número de sujeitos que partici-pam do polo passivo do processo quando o réu originário não consegue satisfazer totalmente a obrigação alimentar. Por outro, entretanto, há a preocupação com as

11 Scarpinella Bueno, Chamamento ao processo e o devedor de alimentos – uma proposta de interpretação para o art. 1.698 do Novo Código Civil, p. 88; Humberto Theodoro Jr., O NCC e as regras heterotópicas de natureza processual, p. 139-140.

12 Informativo 464/STJ: 4.ª Turma, REsp 958.513/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 22.02.2011.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 347Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 347 11/12/2020 07:07:4711/12/2020 07:07:47

Page 14: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

348 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL • Volume Único – Daniel Amorim Assumpção Neves

complicações de que tal espécie de intervenção poderá gerar no procedimento das ações de alimentos, tradicionalmente simples e expedito.

É preciso distinguir duas situações. A primeira diz respeito à necessidade de intervenção de terceiros com condições de satisfazer a obrigação alimentar diante da incapacidade do réu originário. Nesse caso, ainda que seja inevitável uma complicação procedimental, o autor será beneficiado com a vinda de terceiros ao processo para responder pela obrigação, devendo suportar o natural aumento de complexidade do procedimento. A segunda situação é bem diversa, dizendo respeito a manobras pro-telatórias do réu com o objetivo de complicar o procedimento e impedir um trâmite regular da demanda13. Nesse caso, as sanções processuais deverão ser duramente aplicadas, como sugere a melhor doutrina que enfrentou o tema14. Com isso se concorda, mas registre-se que, sendo sempre a intervenção dependente da vontade do autor – ainda que de iniciativa do réu –, as manobras protelatórias certamente diminuirão muito sua frequência.

Essa constatação é importante para que se conclua que, não pretendendo o autor da ação de alimentos ver tornar-se complexa – ou mais complexa – a relação jurídica processual, poderá se opor à pretensão do réu, que bem poderá estar amparada em má-fé e deslealdade, procurando somente tumultuar o andamento procedimental por meio da formação do litisconsórcio passivo ulterior. Sendo a norma legal elaborada para proteger o autor-credor, naturalmente não deve ser vista com bons olhos uma intervenção que somente torne complexa a relação jurídica processual e moroso o procedimento, sem qualquer ganho efetivo ao credor. Dessa forma, e as razões que levarão a isso dependem exclusivamente do caso concreto, não pretendendo que o litisconsórcio passivo seja formado, o autor poderá se opor à convocação de code-vedores realizada pelo réu.

Não sendo possível incluir a intervenção de terceiros prevista pelo art. 1.698 do Código Civil no âmbito da denunciação à lide ou do chamamento ao processo – a análise de outras espécies de intervenção foi dispensada em virtude de diferen-ças básicas e indiscutíveis com o instituto ora analisado –, não há outra conclusão possível que não seja a de que o Código Civil criou uma espécie anômala de inter-venção de terceiros, que não se confunde com nenhuma daquelas espécies previstas no Capítulo I, do Título III, do Livro I do Código de Processo Civil15.

Apesar de não ser frequente a situação em que uma norma de direito material cria uma espécie de intervenção de terceiros, não se vê qualquer problema quando isso excepcionalmente ocorrer, como é o caso, dada a constatação pacífica da exis-tência de normas heterotópicas, que, mesmo previstas no Código Civil, são regras de procedimento e, ainda, que mesmo previstas no Código de Processo Civil, são regras de direito material. É evidente que a localização da norma não modifica sua

13 Sílvio Venosa, Direito Civil: Direito de família, p. 403; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, vol. 6, p. 381.14 Luiz Felipe Brasil Santos, Novos aspectos da obrigação alimentar, p. 228.15 Sílvio Venosa, Direito Civil: Direito de família, p. 403; Luiz Felipe Brasil Santos, Novos aspectos da obrigação alimentar,

pp. 227-228. A defender tratar-se de litisconsórcio passivo facultativo ulterior, Fredie Didier Jr., Normas processuais do novo Código Civil, p. 125; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, vol. 5, p. 555.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 348Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 348 11/12/2020 07:07:4711/12/2020 07:07:47

Page 15: Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL volume único...rejeição do pedido do autor e a declaração da inexistência de seu direito material6. 6 Baptista da Silva, Curso, p. 108-109;

Cap. 8 • INTERVENçãO DE TERCEIROS 349

natureza jurídica, e a confusão é consequência natural da proximidade – a cada dia mais reconhecida – entre o direito material e o direito processual.

8.1.2. Processo/fase de execução

Há intervenções atípicas no processo executivo e na fase de cumprimento de sentença16, sendo também admissível, em termos de intervenções típicas, a assis-tência, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o amicus curiae.

Sempre que um terceiro ingressa na demanda executiva durante a fase de ex-propriação do bem com a intenção de adquiri-lo, estar-se-á diante de uma espécie atípica de intervenção de terceiros17. Atualmente, pode-se imaginar essa situação na adjudicação por todos os legitimados que não o exequente (art. 876, § 5º, do CPC); na alienação do bem realizada pelo próprio exequente, por corretor especializado ou por leiloeiro (art. 880 do CPC); na alienação judicial por meio de arrematação, naturalmente por sujeito que não seja o exequente.

Também haverá intervenção anômala sempre que outros credores ingressem na demanda executiva para discutir o direito de preferência. Cada qual participará do incidente processual que se formará (concurso de credores) defendendo interesse próprio à satisfação de seu crédito em primeiro lugar, sendo impossível imaginar que essa situação seja amoldável às espécies de intervenção de terceiros previstos pelo Código de Processo Civil18.

8.1.3. Ação probatória autônoma

Na vigência do CPC/1973, sempre se entendeu que no processo cautelar são inadmissíveis as intervenções de terceiros típicas, salvo a assistência19. Como conti-nuo a defender a manutenção do processo cautelar autônomo antecedente, conforme devidamente exposto no Capítulo 12, item 12.5.1., esse entendimento continua atual. Essa vedação criava uma interessante situação nas cautelares probatórias: estando limitada a utilização da prova produzida antecipadamente aos sujeitos que foram parte no processo cautelar, e sendo inadmissíveis intervenções como a denunciação da lide ou o chamamento ao processo, como valer-se dessa prova contra terceiros que poderão intervir no processo principal como denunciados à lide ou chamados ao processo?

A melhor doutrina criou uma espécie de assistência provocada, na qual o re-querente da produção antecipada de provas simplesmente pedirá a citação do ter-ceiro para fazer parte desse processo. Apesar de seu tratamento procedimental de assistente, sua intervenção coercitiva – independentemente de sua vontade – afasta essa espécie de intervenção da assistência clássica. Segundo a melhor doutrina, uma vez integrado ao processo, mesmo que se mantenha omisso, a prova será plenamente

16 Tratam do tema Araken de Assis, Manual, p. 244; Dinamarco, Instituições, n. 1.419, p. 164-165; Shimura, Título, p. 85.17 Dinamarco, Instituições, n. 1.419, p. 164.18 Araken de Assis, Manual, n. 100, p. 387. 19 Barbi, Comentários, p. 215; Fidélis dos Santos, Manual, v. 1, p. 83; Bomfim Marins, Tutela, p. 342.

Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 349Manuais-Vol Unico-Neves-Manual Dir Proc Civil-13ed.indb 349 11/12/2020 07:07:4811/12/2020 07:07:48