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2008
AABBOORRDDAAGGEEMM DDOO DDOOEENNTTEE
EEMMEERRGGEENNTTEE
GRECAR
MANUAL ELABORADO COM BASE
EUROPEAN RESUSCITATION COUNCIL GUIDELINES FOR RESUSCITATION 2005 E
ACUTE MEDICAL EMERGENCIES
EDITADO POR ALS GROUP
RESUSCITATION – JORNAL OFICIAL DO EUROPEAN RESUSCITATION COUNCIL
AMERICAN HEART ASSOCIATION
VERSÃO CRIADA PELO GRECAR – GRUPO DE REANIMAÇÃO CARDIORESPIRATÓRIA
PARA APOIO À FORMAÇÃO ABORDAGEM DO DOENTE EMERGENTE
MMaannuuaall ddee AAppooiioo AAbboorrddaaggeemm ddoo DDooeennttee EEmmeerrggeennttee
GRECAR
ÍNDICE
Prefácio 3
Capitulo 1 - Introdução 4
Capitulo 2 – Reconhecimento do Doente Emergente 10
Capitulo 3 – Abordagem Estruturada do Doente Emergente 16
Capitulo 4 – Abordagem da Via Aérea e Ventilação 35
Capitulo 5 – Doente com Dificuldade Respiratória 60
Capitulo 6 – Acidente Vascular Cerebral 81
Capitulo 7 - Choque 94
Capitulo 8 - Suporte Avançado de Vida em Prespectiva 107
Capitulo 9 - Paragem cárdio-respiratória: causas e prevenção 110
Capitulo 10 - Suporte básico de vida para profissionais de saúde 120
Capitulo 11 – Suporte Básico de Vida em Ambiente Hospitalar 140
Capitulo 12 – Monitorização antes, durante e após a paragem cardiaca 146
Capitulo 13 – Desfibrilhação Eléctrica 165
Capitulo 14 – Fármacos usados na reanimação 178
Capitulo 15 – Tratamento da Paragem Cardiaca 188
Capitulo 16 – Cuidados Pós Reanimação 202
Capitulo 17 – Equipa de Reanimação 212
Capitulo 18 – Aspectos Éticos e Legais da Reanimação 218
Capitulo 19 – Apoio aos Familiares das Vitimas 229
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GRECAR
Prefácio
Abordagem do doente emergente
A formação tem como objectivo criar uma linguagem e metodologia universais para o
atendimento do doente emergente adulto. O curso destina-se a técnicos de saúde, que
participam na prestação de cuidados.
A formação promove o trabalho em equipa e pretende formar operacionais capazes de
integrarem essa equipa e de compreenderem as exigências que implica uma atitude de
liderança, em situações de crise.
A formação inclui palestras, bancas práticas (Via Aérea, Ventilação Mecânica, Suporte
Básico de Vida, monitorização e reconhecimento de ritmos, desfibrilhação e tratamento
da paragem cardio-respiratória) para aquisição de competências em simulação de casos
clínicos.
Os conhecimentos teóricos dos formandos são avaliados por um teste de escolha
múltipla. As competências práticas são, avaliadas de forma contínua ao longo da
formação
O Manual
Este manual pretende contribuir para o crescente ensino de reanimação, respeitando os
algoritmos aprovados pelo ERC – European Resuscistation Council e Acute Medical
Emergencies, pelo Advanced Life Support Group e American Heart Association) e
transmitir os conteúdos teóricos necessários ao tratamento do doente emergente adulto.
Sítios da Internet a consultar:
www.erc.edu
www.americanheart.org
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GRECAR
CAPÍTULO 1
Introdução
Uma emergência médica pode acontecer a qualquer indivíduo, sob uma variedade de
circunstâncias como por exemplo:
• Em indivíduo previamente saudável
• Numa doença crónica agudizada
• Num pós-cirúrgico
• Numa resposta ao trauma.
O problema agudo pode estar directa ou indirectamente relacionado com a situação,
pode ser uma complicação associada a um tratamento instituído, e ou o resultado de
uma acção inadequada.
Pontos-chave
Acções inapropriadas custam vidas
Além disso, com o aumento da população idosa há um correspondente aumento no
número e na complexidade dos problemas médicos. O tratamento destes doentes está
comprometido pela necessidade de controlar os custos, salvaguardando uma boa relação
de custos/cuidados, assegurando uma gestão adequada das camas, reduzindo as horas
com os técnicos de saúde.
Existe uma tendência para o aumento da afluência e admissão de doentes em cerca de
5% ao ano nos Serviços de Urgência, aumentando significativamente a despesa com a
saúde pública.
As situações agudas comuns podem ser classificadas de uma forma global, de acordo
com o sistema do corpo afectado (tabela 1.1).
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GRECAR
Classificação da tabela 1.1 de emergências médicas
Tipo %
Cardíacas 29
Respiratórias 26
Neurológicas 21
Gastrointestinais 13
Esta informação pode ser ainda mais específica, de forma a revelar as situações mais
comuns para admissão na Urgência:
• Enfarte do miocárdio
• AVC
• Insuficiência cardíaca
• Asma agudizada
• DPCO
• Auto agressão
Apesar do facto de estas serem condições comuns, erros frequentes na gestão de
cuidados e condutas impróprias resultam em morbilidade e mortalidade que podem ser
prevenidas.
Um estudo recente com o objectivo de examinar os cuidados prestados nos serviços de
urgência, mostrou que estavam presentes uns ou mais incidentes evitáveis. Os erros
mais comuns estão mencionados na caixa em baixo.
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GRECAR
ERROS COMUNS
Falha no reconhecimento e tratamento da infecção grave
Erro no diagnóstico – Cefaleia aguda
Dispneia aguda
Epilepsia
Má interpretação dos dados clínicos
Abordagem inadequada da sintomatologia abdominal
Estes dados basearam-se num pequeno estudo, mas dos 29 pacientes que morreram, 20
teriam uma boa possibilidade de sobreviver a longo prazo se tivesse havido uma
actuação apropriada. Mais ainda, dos 11 doentes que sobreviveram, 3 sofreram sérias
lesões neurológicas, três foram submetidos a ressecção intestinal evitável e quatro
doentes tiveram uma permanência hospitalar prolongada e desnecessária.
Os erros diagnósticos foram encontrados em 80% dos pacientes devido a uma
interpretação inadequada do quadro clínico e da avaliação inicial. Estes erros encontram-
se na caixa.
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GRECAR
ERROS NA ABORDAGEM DO PACIENTE
Incorrecta avaliação dos achados clínicos
Falha na identificação e tratamento do doente urgente / emergente
Resultados da avaliação mal interpretados ou ignorados
Falhas na avaliação radiológica
Incumprimento dos protocolos
Avaliação e tratamento inadequado
Alta clínica sem correcta avaliação
De um modo geral foram identificados os seguintes problemas:
• As urgências não dispunham de recursos humanos experientes em número
suficiente
• Não foi pedida uma segunda opinião
• A abordagem foi executada inadequadamente antes da alta
• Os raios X não foram discutidos com os radiologistas
• Os protocolos não foram usados para circunstâncias normais
Além disso, a abordagem dos pacientes que precisavam de cuidados intensivos foi
incompleta, inapropriada ou tardia para impedir o aumento da morbilidade e mortalidade.
Consequentemente, há problemas em áreas fundamentais da prestação de cuidados ao
paciente, isto é, exame clínico, requisição de estudos apropriados e sua correcta
interpretação e comunicação. Entretanto, provavelmente o mais importante de tudo é
saber quando e a quem pedir ajuda. Uma resposta a este problema importante é fornecer
uma aproximação estruturada à avaliação paciente que facilitará a identificação do
problema e dará prioridade à gestão dos cuidados.
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GRECAR
Tudo o que é necessário para lidar com emergências médicas é conhecimento focalizado
e competências básicas. Estes assegurarão uma avaliação correcta e em tempo útil,
melhorando o prognóstico do paciente. As mortes evitáveis são devidas à abordagem
inapropriada, á indecisão ou atrasos no tratamento. Uma outra questão importante é o
tempo de espera para atendimento apropriado.
No Reino Unido, numerosos estudos mostraram que os cuidados prestados por
especialistas são melhores do que aqueles prestados por um generalista. Por exemplo, a
rápida avaliação por um médico especializado mostrou reduzir a morbilidade /
mortalidade para a asma.
A mortalidade das hemorragia gastrointestinal cai de 40% para aproximadamente 5% se
a abordagem é feita por um gastrenterologista. Evidências de suporte adicional foram
fornecidas por estudos nos Estados Unidos onde a mortalidade por enfarte agudo do
miocárdio ou angina instável era maior nos pacientes tratados por generalistas.
No entanto o número insuficiente de técnicos de saúde especializados para atender
todos os pacientes críticos leva a que alguns sejam avaliados e tratados por técnicos
generalistas. Assim, todos os técnicos de saúde necessitam saber lidar com situações de
emergências médicas. Esta formação ensina uma aproximação estruturada que permita
uma abordagem segura, efectiva e apropriada ao doente emergente
O ensino clínico tradicional dita que a historia deve sempre ser colhida antes do exame
clínico. Isto permitirá subsequentemente a formulação de um diagnóstico e ditará as
acções a seguir. Infelizmente esta aproximação nem sempre é possível; por exemplo,
tentar obter a história de um paciente que se apresente com dificuldade respiratória pode
não só exacerbar a sua situação clínica mas também atrasar o seu tratamento.
Esta formação foi desenvolvida observando como os médicos e enfermeiros experientes
gerem emergências médicas. Os resultados mostraram um desvio cultural interessante.
A maioria de nós, enquanto nos aproximamos do paciente, faz uma rápida avaliação de
todos os sinais físicos óbvios, por exemplo dispneia, e focalizamos então nossa atenção
nos sintomas até que o diagnóstico esteja identificado. Somente quando os sintomas do
paciente melhorarem, fazemos a colheita da história e terminamos o exame físico. Este
processo foi refinado e formalizado para produzir uma abordagem estruturada à
avaliação do paciente. Isto assegurará que todos os problemas imediatos que ameaçam
a vida, sejam identificados rapidamente e tratados prontamente. Todos problemas
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GRECAR
restantes serão identificados subsequentemente como parte da aproximação clássica e
holística ao paciente, isto é, colhendo a história e examinando o paciente. Entretanto, se
o estado clínico do paciente se deteriorar em qualquer fase a reavaliação esta deve ser
novamente iniciada. Assim, esta aproximação estruturada considera as circunstâncias
que são mais prováveis de matar o paciente. Se estas forem excluídas os técnicos de
saúde terão então tempo para a abordagem mais tradicional.
Princípios Chave
Não causar nenhum dano adicional
Conhecimento focalizado e competências básicas são essenciais
A abordagem estruturada identifica problemas e prioriza acções
A avaliação rápida e precisa melhora o prognóstico do paciente
SUMÁRIO
O número e a complexidade de emergências médicas agudas estão a aumentar.
Entretanto, a maioria dos erros resulta de falhas na avaliação intensiva do paciente
emergente, na má interpretação ou em ignorar dados relevantes assim como numa
gestão inapropriada dos cuidados. Estes textos de apoio, associado à formação,
pretendem fornecer conhecimentos e competências para superar estas dificuldades e
para fornecer um nível de cuidado seguro, eficaz, e apropriado.
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GRECAR
CAPÍTULO 2
Reconhecimento do Doente Emergente
OBJETIVOS
Após ter lido este capítulo deve:
• Compreender o quadro clínico da falência respiratória, cardíaca e neurológica
• Descrever este quadro e usá-lo como base da avaliação primária.
Independente da patologia de base, o doente emergente morrerá pela falência do
sistema respiratório, circulatório ou SNC, ou uma combinação destes. É
consequentemente de extrema importância que seja reconhecida falência potencial
destes três sistemas porque o seu rápido reconhecimento e actuação reduzirão a
morbilidade e mortalidade.
Este capítulo fornecerá uma visão geral da avaliação clínica dos pacientes com a falência
respiratória, circulatória, e neurológica.
RECONHECIMENTO DA FALÊNCIA RESPIRATÓRIA
Isto pode rapidamente ser avaliado examinando a frequência, o esforço, a simetria, e a
eficácia da respiração.
Frequência Respiratória
A frequência respiratória do adulto normal é de 14 — 20 ciclos por o minuto. A
Taquipneia (mais de 30 ciclos por minuto em repouso) indica que a ventilação aumentada
surge por causa da hipóxia associada a patologia da via aérea, do pulmão ou a
circulação, ou acidose metabólica. Similarmente, frequências respiratórias de ≤10 ciclos
por minuto são uma indicação para o suporte ventilatório.
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GRECAR
Esforço da respiração
Se o paciente puder contar seguido até 10 sem ter necessidade de respirar, geralmente
não há nenhum problema respiratório subjacente significativo. Outras características que
sugerem o esforço respiratório aumentado são tiragem intercostal e subcostal, uso dos
músculos acessórios, e um ruído inspiratório rouco (estridor; é um sinal de obstrução
laríngea). Na obstrução severa, o estridor pode também ocorrer na expiração mas o
componente inspiratório é geralmente mais pronunciado. Pelo contrário, a obstrução
parcial da via aérea baixa, resulta ou em respiração ofegante e/ou em uma fase
expiratória aumentada.
Simetria da respiração
A expansão assimétrica da caixa torácica sugere alterações no lado com movimento
reduzido.
Eficácia da respiração
A expansão da caixa torácica indicará o volume do ar que está a ser inspirado e
expirado. Achados similares serão obtidos na auscultação.
Pontos-chave
Uma caixa torácica silenciosa é um sinal extremamente preocupante
A oximetria de pulso pode ser usada para medir a saturação arterial do oxigénio (SaO2).
Estes instrumentos são pouco precisos quando o SaO2 está abaixo de 70%, se houver
má perfusão periférica, e na presença de carboxi-hemoglobina.
12
GRECAR
Efeitos da falência respiratória em outros órgãos
Frequência Cardíaca
A hipóxia produz taquicardia; contudo, a ansiedade e a febre contribuirão também para o
aparecimento deste sinal, fazendo-o não específico. A hipoxemia severa ou prolongada
eventualmente conduzirá a bradicardia – sinal de morte iminente.
Cor da pele
A hipóxia, através da libertação de catecolaminas, produz vasoconstrição e
consequentemente palidez. Cianose da pele é um sinal de hipóxia severa. A cianose
central na patologia respiratória aguda é indicativa de paragem respiratória iminente. No
paciente anémico, a cianose pode ser difícil de detectar apesar da hipóxia profunda.
Estado de Consciência
O paciente hipoxémico aparecerá agitado e eventualmente tornar-se-á sonolento.
Características similares ocorrerão também com hipercápnia e o paciente exibirá também
a vasodilatação e flapping (asterixis). Se a hipóxia não for tratada a função cerebral será
afectada permanentemente.
RECONHECIMENTO DA FALÊNCIA CIRCULATÓRIA
Frequência de cardíaca
Está aumentada no paciente em choque devido à libertação de catecolaminas,
secundário a um volume circulatório diminuído. Há muitas razões porque um adulto
normal pode experimentar taquicardia (frequência de pulso> 100). Outros sinais devem
ser pesquisados para confirmar a suspeita clínica de problema circulatório.
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GRECAR
Eficácia da circulação
Pulso
Embora a pressão sanguínea seja mantida até que choque seja muito severo (perda pelo
menos de um terço do volume) uma avaliação rápida da perfusão pode ser feita
examinando pulsos periféricos e centrais. O pulso radial desaparecerá se a pressão de
sangue sistólica estiver abaixo de 80 mmHg. Assim a combinação de pulsos periféricos
ausentes e de pulsos centrais fracos é um sinal sinistro que indica choque grave e
hipotensão profunda.
Perfusão
O preenchimento capilar após pressão no leito ungueal por cinco segundos deve ocorrer
normalmente em menos de dois segundos. Um tempo de preenchimento superior indica
má perfusão periférica. Contudo, este sinal é inválido se o paciente estiver hipotermico.
Pressão sanguínea
O Hipotensão na falência circulatória é um indicador de mortalidade aumentada.
Assegure-se sempre que usa o tamanho apropriado do cuff para avaliação da pressão
arterial.
Efeitos da falência circulatória em outros órgãos
Sistema Respiratório
Uma frequência respiratória rápida com um volume tidal aumentado, mas nenhum sinal
de esforço respiratório aumentado, é causada essencialmente por acidose metabólica
associada com a falência circulatória.
Pele
Pele marmoreada, fria e pálida indicam má perfusão periférica.
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GRECAR
Estado de consciência
Agitação, confusão, sonolência e inconsciência são os estágios progressivos da
disfunção associados com falência circulatória. Este quadro é atribuído a má perfusão
cerebral.
Débito urinário
Débito urinário inferior a 0.5 ml/kg/hora indica perfusão renal inadequada.
RECONHECIMENTO DA FALÊNCIA NEUROLÓGICA CENTRAL
Tanto a falência circulatória como respiratória terão efeitos neurológicos centrais. A
situação oposta ocorre também. Por exemplo, os pacientes que têm crises convulsivas
terão consequências respiratórias e circulatórias.
Estado de Consciência
Uma avaliação rápida do nível consciência do paciente pode ser feita atribuindo ao
paciente uma das categorias mostradas na caixa.
AVDS
A – Alerta
V – Responde á Voz
D – Responde á Dor
S – Sem resposta
Um estímulo doloroso deve ser aplicado pela pressão sobre a arcada orbital superior. Um
adulto que responda somente à dor ou esteja inconsciente tem um grau significativo de
coma equivalente a 8 ou a menos na Escala de Coma de Glasgow.
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GRECAR
Postura
Postura anormal tal como decorticação (braços flectidos e pés estendidos) ou
descerebração (braços estendidos, pés estendidos) é um sinal preocupante de disfunção
cerebral. Um estímulo doloroso pode ser necessário para despistar estes sinais.
Pupilas
Muitas drogas e lesões cerebrais têm efeitos no tamanho e na reactividade pupilar. Os
sinais pupilares mais importantes a pesquisar são tamanho, reactividade e simetria.
Estes indicadores podem representar sérios danos cerebrais.
Efeitos sobre o sistema respiratório da falência neurológica
Há diversos padrões respiratórios reconhecidos e associados com o aumento da pressão
intracraniana. Contudo, são frequentemente variáveis entre hiperventilação apneias
esporádicas. A presença de qualquer padrão respiratório anormal num paciente em coma
sugere disfunção do tronco cerebral.
Efeitos sobre o sistema circulatório da falência neurológica
A hipertensão com bradicardia sinusal indica compressão medular causado pelo
herniação das amígdalas cerebrais através do foramen magnum. Este é um sinal tardio
grave.
SUMÁRIO
No paciente emergente o exame rápido detectará potencial falência respiratória,
circulatória, e neurológica. Os sinais clínicos são:
• Respiração - frequência, esforço, e eficácia respiratória
• Circulação - frequência cardíaca e eficácia circulatória
• Neurológico - nível consciência, postura e pupilas.
Estas características dão forma à estrutura da avaliação primária.
16
GRECAR
CAPÍTULO 3
Uma Abordagem Estruturada do
Doente Emergente
OBJECTIVOS
Depois de ler este capítulo deverá ser capaz de abordar:
• A correcta sequência das prioridades a ser seguidas ao avaliar um doente
numa situação de emergência
• Saber efectuar a avaliação primária e secundária
• Definir os componentes chaves da história de um paciente urgente
• Saber aplicar as técnicas usadas na reanimação, na investigação, e no
cuidado definitivo de uma emergência médica.
INTRODUÇÃO
A abordagem de um paciente numa emergência médica requer uma avaliação rápida
com tratamento apropriado. Isto pode ser conseguido usando uma abordagem
estruturada.
Abordagem estruturada
Avaliação primária e reanimação
Tratamento secundário
Reavaliação
Cuidados definitivos
O objectivo da avaliação primária é identificar e tratar qualquer situação de risco
eminente de vida. Isto difere muito da avaliação clínica tradicional, onde primeiro é
17
GRECAR
efectuada uma história clínica seguida só depois pelo exame clínico. Esta abordagem
atrasa a identificação de uma situação potencialmente mortal. A maioria dos doentes
graves (aproximadamente 75%) não está numa situação de risco de vida imediata. No
entanto, uma avaliação preliminar rápida é mesmo assim necessária.
A avaliação primária deve ser repetida se voltar a ocorrer uma nova deterioração da
situação do doente, de modo a não atrasar uma reanimação apropriada caso seja
necessário.
Logo que alguma circunstância ameaçadora da vida tenha sido excluída ou tratada,
pode-se prosseguir, fazendo o exame com a história detalhada. Terminando a
observação com o exame físico completo; a esta fase designaremos como a avaliação
secundária. Após realizado todo o tratamento emergente o doente deve ser reavaliado. A
estratégia para os cuidados definitivos pode então ser definida incluindo o transporte para
o local mais apropriado para prosseguir a investigação e o tratamento definitivo.
Use sempre precauções universais antes de avaliar um doente grave
AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E REANIMAÇÃO
O objectivo da avaliação primária é IDENTIFICAR e TRATAR imediatamente todas as
situações que ameaçam a vida do doente
Os componentes chave da avaliação primária (ABCDE) são:
A – Via aérea e administração de oxigénio
B – Ventilação
C – Circulação
D – Disfunção neurológica
E – Exposição
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GRECAR
A – Via aérea e administração de oxigénio
Objectivos:
Avaliar permeabilidade; se necessário aspirar e assegurar a via aérea
Administrar oxigénio
Avaliar o risco de lesão da coluna cervical
Avaliação
Avalie a permeabilidade da via aérea falando com o doente. Uma resposta apropriada ao
“ você está bem? ” indica que a via aérea está desobstruída, o doente consegue respirar
e há uma perfusão cerebral adequada. Se não houver nenhuma resposta, permeabilizar
então a via aérea com a manobra de elevação do queixo e extensão da cabeça (Atenção
às vitimas de trauma), seguida da avaliação da ventilação da seguinte maneira (VOS):
• Vendo se existem movimentos torácicos
• Ouvindo se existem os sons respiratórios
• Sentindo se há ar expirado.
Uma verificação rápida de outras potenciais causas da obstrução da via aérea superior
deve incluir a inspecção para corpos estranhos, incluindo dentaduras, bem como
anomalias de tipo macroglossia.
Reanimação
Se for necessário manter a elevação e extensão da mandíbula para manter a via aérea
permeável, então será preferível utilizar um adjuvante básico da via aérea de forma a se
manter a permeabilização permanente. Um tubo nasofaringeo será útil no doente
consciente. Pelo contrário, um tubo “orofaríngeo” ou de Guedel pode ser um adjuvante
provisório no doente inconsciente antes da entubação endotraqueal.
19
GRECAR
Estando conseguido um controlo definitivo da via aérea, deve ser administrado oxigénio
suplementar aos pacientes que estão em dificuldade respiratória, em choque ou com
hemorragia. Se o paciente não estiver entubado o oxigénio deve ser fornecido usando
uma máscara de non-rebreathing com reservatório (mascara de Hudson). Isto permite
obter uma concentração inspirada fraccionada de oxigénio (FiO2) de aproximadamente
0.85. Mesmo os doentes que têm uma doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)
devem receber fluxo elevado de oxigénio; este pode depois ser reduzido de acordo com
os valores da gasimetria e da evolução clínica.
Problemas na coluna cervical são muito raros em doentes do foro médico — excepto
naqueles com doença reumatóide, espondilitis anquilosante e síndrome de Down. As
características clínicas destas circunstâncias são geralmente facilmente identificadas.
Contudo, esteja atento ao doente idoso encontrado caído no fundo das escadas após um
“AVC aparente”. Se suspeitar de lesão da coluna cervical peça ajuda imediata para se
proceder à rápida imobilização.
A hipóxia mata, e por isso deve ser tratada de imediato!
A hipercápnia não é mortal desde que doente esteja a receber oxigénio suplementar
Monitorização
O dióxido de carbono expirado (ETCO2) deve ser medido após a entubação
endotraqueal para verificar da colocação correcta do tubo.
B— Respiração / Ventilação
Objectivo:
Detectar e tratar broncospasmo grave, edema pulmonar e um pneumotórax
da tensão.
20
GRECAR
Avaliação
Um via aérea permeável não assegura uma ventilação adequada. A última requer um
centro respiratório íntegro assim como uma função pulmonar adequada pelos
movimentos coordenados da parede, do diafragma e da caixa torácica.
Inspecção da caixa torácica
Cor/marcas/rash
Frequência
Esforço
Simetria
Avalie a presença de cianose, a frequência e esforço respiratório, a simetria dos
movimentos. Palpe a traqueia para sentir algum ressalto ou desvio. A posição da traqueia
e do impulso cardíaco máximo – apex, poderá indicar também da existência de um
desvio do mediastino. Faça a percussão da parede anterior da caixa torácica nas zonas
superiores, médias, e mais baixas, avaliando diferenças no timbre da percussão entre o
hemitórax esquerdo e direito. Repita este procedimento na parede posterior da caixa e na
axila para detectar também áreas de hiperresonância (ar), de macissez (líquido
intersticial ou líquido pleural). Ausculte para estabelecer se os sons da respiração estão
ausentes ou mascarados por sons adicionados. Uma informação adicional poderá ser
fornecida por um oxímetro do pulso.
Reanimação
O broncospasmo grave deve ser tratado inicialmente com nebulização de salbutamol (β2-
agonista) e brometo do ipratropium (antagonista muscarínico). Considerar que um
pneumotórax de tensão pode comprometer quer a função respiratória quer a cardíaca, e
requer a descompressão urgente com uma toracocentese por agulha seguido pela
obtenção de um acesso venoso antes da inserção do dreno pleural. A suspeita adicional
quanto à causa subjacente pode ser obtida pelo exame do aparelho cardiovascular do
doente.
21
GRECAR
Monitorização
A saturação arterial do oxigénio (SaO2) deve ser monitorizado continuamente.
C – Circulação
Objectivo:
Detectar e tratar o choque
Há muitas causas de choque que requerem um tratamento específico, como por
exemplo, a adrenalina na anafilaxia.
Avaliação
A avaliação rápida do status hemodinâmico do doente é necessário monitorizando quer
os índices cardiovasculares quer o nível de consciência do doente. Examine um pulso
central, idealmente o carotídeo para saber a frequência, o ritmo, e as características. É
importante, entretanto, comparar não simultaneamente ambos os pulsos carotídeos, mas
se existe uma redução ou uma ausência em outro pulso, que pode reflectir ou ateroma
focal ou um aneurisma dissecante. Meça a pressão sanguínea e avalie a perfusão
periférica usando o tempo de preenchimento capilar. Não se esqueça de que a redução
no volume do sangue pode alterar o estado de consciência devido à redução da perfusão
cerebral.
Reanimação
Um acesso intravenoso é obrigatório em todos os doentes agudos. Se houver uma
suspeita de choque hipovolémico então dois cateteres de grande calibre devem ser
introduzidos. A fossa ante cubital é geralmente o local de mais fácil acesso e o mais
conveniente. Nessa altura, deve-se efectuar a colheita de sangue para valores
hematológicos e bioquímicos basais, incluindo o doseamento da glicose. Os gases de
sangue arterial devem também fazer parte do exame analítico inicial.
22
GRECAR
Pontos-chave
Fluidos, antibióticos, adrenalina e inotrópicos são cruciais no tratamento de choque
O tratamento da hipovolémia, especial a hemorragia do aparelho gastrointestinal, deve
ser efectuado com a reposição vigorosa de fluidos, ou seja a administração imediata de
dois litros de cristalóide “morno”. Bólus adicionais devem ser titulados de acordo com os
sinais clínicos do paciente. Se após dois litros do líquido o doente permanecer hipotenso
e a hemorragia persistir, considerar sangue como uma urgência. O tratamento específico
estará dependente da situação clínica. A abordagem cirúrgica precoce está
recomendada. Não esquecer que um quadro idêntico de palidez, frio, e diaforese também
é observado no choque cardiogénico. A presença de edema pulmonar é um factor
importante para o diagnóstico diferencial entre as duas situações. Neste caso inotrópicos,
tais como o Dobutamina poderá ser necessário.
Ao contrário, o doente febril, hipotenso, quente, vasodilatado é em prova de contrário um
“séptico”. Procure activamente um rash purpurico da septicemia meningocócica. Esta
situação requer o tratamento imediato com penicilina benzatinica intravenosa 2.4 g e
ceftriaxona 1 g, bem como as subsequentes investigações que devem incluir culturas do
sangue e a proteína C-reactiva como um marcador da infecção/inflamação.
Pensar também que um doente taquipneico, desidratado, hipotenso pode ter uma
cetoacidose diabética, possivelmente com uma sépsis subjacente.
O tratamento deve incluir unidades intravenosas de insulina a cada 6/horas e antibióticos
além do oxigénio e da fluidoterapia.
Todo o distúrbio do ritmo que provoque uma instabilidade hemodinâmica necessita de ser
identificado e de ser tratado de acordo com as normas do Resuscitation European
Council e ou do American Heart Association.
Ocasionalmente, o choque pode ter mais do que uma causa. Se não houver nenhuma
evidência de falência ventricular ou de uma disritmias, todos os doentes devem fazer
fluidoterapia.
O tratamento subsequente dependerá acima de tudo dos resultados da resposta clínica e
das análises do sangue.
23
GRECAR
Monitorização
A monitorização contínua do pulso, da pressão arterial e do ECG fornecerá uma
informação valiosa de base para avaliar a resposta do doente ao tratamento. Verifique
sempre a temperatura central do doente. A situação clínica irá justificar a colocação ou
não de cateter urinário.
D - Avaliação neurológica
Objectivo:
Efectuar uma avaliação neurológica rápida e começar a tratar imediatamente
todas as situações neurológicas que ponham em risco de vida tais como
prolongada hipoglicemia, uma overdose opióide, e ou uma infecção.
Avaliação
A avaliação rápida do sistema nervoso compreende o registo do tamanho e da reacção
pupilar à luz assim como a avaliação do nível consciência usando o sistema de AVPU ou
a pontuação do Score Coma de Glasgow (GCS) (tabela 3.1). Os sinais de infecção
meningea devem ser também avaliados. O GCS tem o benefício adicional de poder
identificar uma perda de força unilateral.
Sistema de AVDS
AVDS
A – Alerta
V – Responde á Voz
D – Responde á Dor
S – Sem resposta
24
GRECAR
Tabela: Score Coma de Glasgow
Resposta
Score
Abertura dos olhos Espontânea À fala A estímulos dolorosos Nula
4 3 2 1
Resposta motora Obedece os comandos Localiza a dor Foge da dor Flexão anormal Extensão anormal Nula
6 5 4 3 2 1
Resposta verbal Orientada Confusa Palavras inapropriadas Sons incompreensíveis Nula
5 4 3 2 1
Na presença de qualquer disfunção neurológica, uma avaliação da glicose sérica é
necessária. Se o resultado não estiver imediatamente disponível então a avaliação deve
ser efectuada com um glucometro ou na gasimetria se disponível.
Reanimação
No paciente inconsciente é vital a desobstrução e o isolamento da via aérea com o
fornecimento de oxigénio suplementar até ser possível uma informação clínica mais
detalhada bem como os resultados das investigações. Convulsões e ou movimentos
“Tónico – clónicos” resolvem-se geralmente espontaneamente e nenhuma acção é
necessária excepto para assegurar de que o doente tenha um via aérea permeável, que
está com o oxigénio suplementar, e que seus sinais vitais estão monitorizados. É também
importante colocar o paciente na posição lateral de segurança para impedir a aspiração e
afastar de todos os objectos adjacentes que possam ser traumatizantes. Se a crise for
prolongada o tratamento de eleição são as benzodiazepinas intravenosas, como por
exemplo 2 mg de diazemuls (até um máximo de 20 mg). Se duas doses não controlarem
a crise convulsiva, então inicie fenitoína intravenosa com 15 mg/quilo durante 30 minutos
sob monitorização de ECG. Este fármaco não altera o nível de consciência e facilitará a
avaliação neurológica subsequente (ao contrário das benzodiazepinas). Se esta
25
GRECAR
combinação não controlar ainda, procure ajuda para sedar, curarizar e ventilar o doente.
O Coma associado quer à hipoglicemia (comum) ou à hiperglicemia (raro) deve ser
tratado previamente (isto é A, B, C). Entretanto, com hipoglicemia a administração de
dextrose intravenosa (10%) e/ou de glucagon intravenoso (1 mg) deve ser imediata.
Pelo contrário, a insulina intravenosa deve ser ajustada segundo o tipo de coma
hiperglicémico. O doente inconsciente que apresenta sinais de excesso de opióide deve
ser tratado com antagonista (Naloxona). O paciente inconsciente ou confuso necessitará
de uma TAC cerebral. Entretanto, isto não deve atrasar o tratamento antibiótico e/ou
antiviral para os casos suspeitos de meningite/encefalite.
Monitorização
Score Coma de Glasgow, resposta pupilar, e níveis de glicose sérica.
E – Exposição
Objectivo:
Obter uma exposição adequada do paciente
Avaliar
• Rash – Purpurico que não desaparece com a pressão?
- Eritrodermia?
Reanimação
• Antibióticos intravenosos
Monitorização
• Temperatura
É impossível executar um exame detalhado a menos que o doente esteja completamente
despido. No entanto, devem ser tomadas medidas para impedir a hipotermia,
26
GRECAR
especialmente em pacientes idosos. Cubra adequadamente os doentes entre as
observações e assegure que todos os líquidos intravenosos são aquecidos.
MONITORIZAÇÃO
A eficácia da reanimação é medida por uma melhoria no status clínico do paciente como
descrita anteriormente. É por isso importante que as observações repetidas sejam
registadas frequentemente e gravadas. Os parâmetros apresentados no quadro devem
ser considerados como o nível mínimo da monitorização para a avaliação primária.
Monitorização mínima do paciente
.Pulso oximetria
Frequência Respiratória
Pressão arterial, monitorizada idealmente automaticamente
Monitorização contínua de ECG
Raio X pulmonar
Gases do sangue arterial
Avaliação da temperatura central
Pressão venosa central quando apropriado
Débito urinário
Contagem do Score Coma de Glasgow e resposta pupilar
quando apropriado
É importante durante a avaliação primária reavaliar regularmente o doente, em especial
depois de se ter iniciado o tratamento. Isso assegurará se o doente está a responder
apropriadamente e não está a deteriorar a sua situação.
Ponto-chave
A avaliação mais importante é a reavaliação
Se o doente se deteriorar comece de novo a avaliação primária pelo ABCDE
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GRECAR
SUMÁRIO
• O objectivo da avaliação primária é identificar e tratar imediatamente as situações
que ameaçam a vida do doente.
• Na maioria dos doentes isso pode ser feito rapidamente à cabeceira.
• Não passe para a avaliação secundária até que os sinais vitais do paciente
estejam estabilizados.
AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
O objectivo da avaliação secundária é identificar e tratar todas as circunstâncias não
detectadas na avaliação primária e procurar as evidencias que permitam um diagnóstico
provisório e estabelecer prioridades de acordo com a situação do doente.
A avaliação secundária começa no momento em que as funções vitais estão
estabilizadas e as situações que possam comprometer de imediato a vida do doente
estão tratadas.
História
Quase todos os diagnósticos são feitos depois que uma boa história ter sido colhida ao
doente. Ocasionalmente, por múltiplas razões isto não pode ser possível.
Consequentemente os factos devem ser obtidos através dos familiares, de eventuais
relatório que acompanhem o doente, do médico/enfermeiro de família, de amigos, da
polícia e ou do serviço da ambulância. Uma história bem “estruturada” é fundamental, e
uma mnemónica pode ser útil para não esquecermos os dados principais dessa
anamnese.
Uma história bem “estruturada”(PHRASED)
P Problema
H História do problema
R Relevância médica dos problemas
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GRECAR
A Alergias
S Sistemas
E Dado Essenciais familiares e sociais
D Drogas (fármacos)
A história dos problemas (queixas) é de capital importância. Uma observação detalhada
dos vários sistemas e aparelhos, será a garantia que nada de importante foi excluído
durante o exame. Para além disso tem a particular vantagem de nos permitir depois
focalizar no sistema ou órgão mais relevante.
Observação
Objectivos:
Descobrir outras anomalias que muitas das vezes são a chave para o
esclarecimento do diagnóstico
Reavaliação detalhada de anomalias identificadas na avaliação primária
Procurar evidências para o diagnóstico considerado na avaliação primária O exame
deve ser dirigido pela história e pelos dados preliminares da avaliação primária. É
uma abordagem metódica, estruturada que compreende uma observação geral e a
detecção de alterações específicas.
Geral
Uma observação geral do doente “da ponta da cabeça aos pés” pode dar indícios de uma
patologia subjacente.
Exame Clínico Geral
Postura
Pigmentação
Palidez
Teste padrão da respiração
Pronunciação
Pulsações
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GRECAR
Características específicas
As mãos, inspeccionem as mãos para excluir os estigmas da endocardite infecciosa, da
doença de fígado crónica, da tirotoxicosis, da retenção de dióxido de carbono, da
poliartropatia, e doença multisistémica. Palpe o pulso radial para definir a frequência, o
ritmo, o volume e a simetria, comparando com o pulso radial contra lateral e o pulso
femoral.
A face examinando a existência de assimetria facial, cianose e a presença de
pigmentação, bem como estigmas de hiperlipidémia e de características cutâneas
doença sistémica. Inspeccione a boca, a língua, a faringe para a presença de úlceras
bem como de bolhas, vesículas, ou do eritema que pode sugerir a ingestão de compostos
tóxicos. A pigmentação da mucosa oral deve ser investigada para excluir uma doença de
Addisson. O pescoço avaliando o comprimento, a mobilidade e as características do
pulso jugular interno. Depois palpe ambas as artérias carótidas internas para comparar e
determinar a amplitude do pulso. Verifique a posição da traqueia e a presença
linfoadenopatias.
O tórax avaliando a forma da caixa e o padrão respiratório. Inspeccione a frequência,
esforço e simetria da respiração, e a presença de cicatrizes cirúrgicas. Palpe o pre-córdio
para determinar o local e o carácter do impulso apical, a presença de um frémito
ventricular esquerdo e/ou direito, e a presença de crepitações. Aguarde até escutar o
primeiro, o segundo, e todos os sons de coração adicionais. Percute a caixa torácica
anterior e bilateralmente nas zonas superiores, médias, e mais baixas comparando os
dois hemitórax, esquerdo e direito. Ausculte estas áreas para determinar a presença, o
tipo, e a qualidade de sons respiratórios assim como alguns sons adicionados.
O abdómen examinando sistematicamente de acordo com as nove divisões anatómicas.
As características específicas que devem ser procuradas incluem a
hepatoesplenomegalia, peritonite, massas abdominais, ascites assim como pontos renais
dolorosos. O exame dos genitália e do recto é necessário mas não sempre no doente
agudo.
Locomotor, inspeccionando todas as articulações e procurando a presença de dor, de
deformidade, de movimento restrito, de espessamento sinovial e de inflamação. A história
do paciente, entretanto, indicará as articulações afectadas. Embora as poliartropatias
30
GRECAR
inflamatórias possam ter apresentação aguda, as monoartropatias agudas são
potencialmente mais graves.
Neurológico
O exame neurológico detalhado raramente é necessário na fase aguda da doença. Um
exame selectivo do sistema nervoso pode ser efectuado seguindo a seguinte
metodologia:
1. Avalie o estado de consciência usando a escala do Coma de Glasgow.
2. Utilize a Avaliação Mental Breve (ESMM) (veja a caixa abaixo).
Exame abreviado do Estado Mental
1 Idade
2 Tempo (relação com a hora mais próxima)
3 A morada
4 Conhecimento do ano civil
5 Nome da instituição
6 Identificação de 2 pessoas presentes (médico, enfermeira, etc.)
7 Data de nascimento (dia e mês suficiente)
8 Recordar uma data mundialmente importante.
9 Nome do Presidente actual
10 Contagem para trás começando em 20
Cada resposta correcta contabiliza um ponto. Indivíduos
saudáveis somam de 8—10 pontos
Fonte: Qureshi KN, Hodkinson HM. A avaliação de um teste mental de dez-perguntas no idoso
internado. Age and Ageing 1974; 3:152-7.
3. Examine os movimentos ocular externos para excluir diplopia, nistagmus ou
fadigabilidade. Avalie a resposta pupilar à luz e à acomodação (PERLA, isto é pupilas
reagem igualmente à luz e à acomodação). Examine o fundo ocular. A ausência dos
movimentos “eyes-dolls” (reflexo oculocefálico) aponta para um problema mesencefálico.
Avalie o reflexo corneano, os músculos da mastigação e da mímica facial seguidos pelo
movimento do palato, o reflexo de morder, e a protusão da língua.
31
GRECAR
4. Teste aspecto dos quatro membros, a força muscular e os reflexos incluindo a
resposta e a coordenação do Plantar (Babinski).
5. Teste o Sensorio, embora subjectivo, é útil na avaliação do doente agudo quando se
suspeita de uma lesão da medula.
6. Um exame mais profundo do CNS será orientado pela história do doente e pelos
achados do exame, especialmente da avaliação neurológico sumária.
Pele a pele e a mucosa oral devem ser completamente inspeccionadas. As lesões podem
estar localizados à pele e às membranas mucosas, e serem a manifestação de uma
doença sistémica.
REAVALIAÇÃO
A situação do paciente deve ser monitorizada para detectar todas as mudanças e para
avaliar o efeito do tratamento. Se houver alguma evidência da deterioração reavalie
regressando ao A da avaliação primária. Muitos pacientes que se apresentam com um
problema médico aparente podem requerer uma intervenção cirúrgica. É, por isso da
maior importância para não atrasar uma cirurgia urgente, obter uma opinião cirúrgica
sempre que necessário, como por exemplo quando estamos perante um doente com
uma hemorragia gastrointestinal.
Pontos-chave
Nunca se esqueça de examinar as costas e dorso do doente durante a avalia
primária ou secundária
REGISTOS
Documente sempre os dados das avaliações primários e secundária. Este registo, junto
com as subsequentes notas, deve ser datado e assinado. Os registos devem também
conter um plano de cuidados, uma lista dos exames subsidiários ou complementares de
diagnóstico pedidas, e os seus resultados, assim como os detalhes de todos os cuidados
efectuados.
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GRECAR
Isto fornecerá não somente um aide-mémoire mas permitirá também que a situação do
doente possa ser monitorizada e fornecida aos colegas que posteriormente venham a
seguir e a observar o doente.
CUIDADOS DEFINITIVOS
Plano de Tratamento
Se necessário enumerar mais investigações para a prossecução do tratamento. Este
deve ser um plano dinâmico que muda de acordo com a condição clínica.
Investigações
Estes serão ditados pelos achados da avaliação inicial e dos pareceres dos vários
colegas envolvidos. Alguns exames não são desprovidos de riscos; portanto os exames
só devem somente ser feitos se influenciarem directamente no cuidado do doente.
Transporte
Alguns dos doentes poderão vir a ser transferidos dentro ou fora do hospital.
Independente da distância de transferência, o número apropriado e a qualificação dos
elementos da equipe são fundamentais para um transporte seguro.
UMA PALAVRA (OU DUAS) DE AVISO
A abordagem estruturada é um método seguro de avaliar todo o doente agudo. Deve ser
considerada como “o método standard” que impedirá qualquer dano adicional e que
alerta para todos os problemas médicos. Entretanto, porque a maioria dos doentes não
têm um risco potencial de vida de imediato, uma avaliação primária rápida é fundamental.
Muitos doentes também não necessitam de altas concentrações de oxigénio, de dois
acessos intravenosos ou de fluidoterapia agressiva. A avaliação clínica associada a um
33
GRECAR
aprimorado senso clínico será fundamentais para definir os verdadeiros problemas e as
correctas actuações. Se tiver dúvidas, não hesite e regresse ao A do ABCDE.
RESUMO
O doente agudo deve ser avaliado rapidamente e adequadamente. Assim, você deve
desenvolver um método estruturado para a avaliação e cuidados. Nos doentes mais
críticos a avaliação primária tem de ser rápida e reanimação raramente é necessária. O
diagnóstico é baseado numa história “phrased” obtida do paciente. Entretanto se isto não
for possível então uma informação mais adicional deve ser procurada nos registos
clínicos, dos familiares ou dos colegas dos serviços de emergência. A avaliação e o
tratamento são divididos em duas fases chaves da avaliação:
• Avaliação e Reanimação primária
Para identificar tratar problemas que ameaçam a vida do doente. Avaliação de:
A – Via aérea
B – Ventilação
C – Circulação
D – Alterações neurológica
E – Exposição
Reanimação por:
1. Permeabilização e isolamento seguro da via aérea com oxigenação
2. Ventilação
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GRECAR
3. Acessos e tratamento do choque - fluidoterapia, antibióticos, inotrópicos, tratamento de
disritmias
4. Excluir e corrigir a hipoglicemia; fármacos anti-epilépticos, antídotos específicos
5. Monitorizar a frequência respiratória, o pulso, a pressão sanguínea, a saturação do
oxigénio, o débito urinário, a resposta pupilar, o AVPU, e a gasimetria do sangue arterial
• Avaliação secundária e tratamento de emergência
Para obter uma evidência consistente para o diagnóstico preliminar; para identificar e
tratar circunstâncias novas.
Exame físico detalhado incluindo:
1. Observação geral
2. Mãos e pulso radial
3. Face
4. Pescoço – pulso venoso jugular, pulso carotídeo, traqueia
5. Tórax – precordio e ambos os pulmões
6. Abdómen e genitais
7. Sistema locomotor
8. Sistema nervoso
9. Pele.
• Cuidado Definitivo
1. Plano de Tratamento
2. Investigações
3. Transporte
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GRECAR
CAPÍTULO 4
ABORDAGEM DA VIA AEREA E VENTILAÇÃO
INTRODUÇÃO
Os doentes que requerem reanimação têm frequentemente obstrução da via aérea,
geralmente como resultado da depressão do estado de consciência, mas,
ocasionalmente como causa primária da paragem cardiorespiratória. A avaliação
imediata, com controlo da via aérea e o início precoce de ventilação artificial, é essencial,
não apenas para prevenir lesões hipóxicas cerebrais e de outros órgãos vitais, mas
também porque sem uma reoxigenação adequada pode ser impossível pôr em
funcionamento um miocárdio "parado". A abordagem da via aérea é portanto, a primeira
prioridade.
CAUSAS DE OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA
A obstrução da via aérea pode ser parcial ou completa. Pode ocorrer a qualquer nível
desde o nariz e boca até à traqueia. No doente inconsciente, o local mais comum de
obstrução da via aérea, é ao nível da faringe. A obstrução surge pela queda da língua
para trás, resultante da perda do tónus normal dos músculos que ligam a língua ao
maxilar inferior e à base da língua, como consequência da perda de consciência.
A obstrução também pode ser causada pelo vómito ou pelo sangue, resultante de
regurgitação do conteúdo gástrico ou trauma e ainda por corpos estranhos.
A obstrução ao nível da laringe pode ocorrer por edema de estruturas da via aérea
superior, na sequência de queimaduras, inflamação ou anafilaxia.
O espasmo laríngeo pode ainda resultar de uma resposta inadequada à estimulação da
via aérea superior, ou devido à inalação de um corpo estranho.
A obstrução da via aérea abaixo da laringe é menos comum mas pode surgir devido a
secreções brônquicas excessivas, edema da mucosa, bronco pasmo, edema pulmonar,
36
GRECAR
aspiração do conteúdo gástrico, hemorragia pulmonar, pneumotórax secundário a trauma
torácico ou barotrauma.
CORPO ESTRANHO
PARAGEM CARDIACA COMA TRAUMA
ANAFILAXIA CORPO ESTRANHO IRRITANTES
IRRITANTES ANAFILAXIA INFECÇÃO QUASE AFOGAMENTO CHOQUE NEUROGÉNICO
INFECÇÃO ANAFILAXIA
TRAUMA
ASMA ANAFILAXIA CORPO ESTRANHO IRRITANTES
QUEDA DA LINGUA
EDEMA DA LINGUA OBSTRUÇÃO DA OROFARINGE ESPAMO LARINGEO
OBSTRUÇÃO DA LARINGE, DA TRAQUEIA OU BRÔNQUIOS
LESÃO DA LARINGE
EDEMA DA LARINGE
BRONCOSPASMO
EDEMA PULMONAR
CAUSAS DE OBSTRUÇÃO DA VIA AEREA
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GRECAR
RECONHECIMENTO DA OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA
A forma mais adequada de reconhecer a obstrução da via aérea é proceder ao V.O.S.
(Ver, Ouvir e Sentir):
• Ver movimentos torácicos e abdominais,
• Ouvir ruídos respiratórios;
• Sentir o fluxo de ar saindo pela boca e nariz.
Na obstrução parcial, a entrada de ar está diminuída e geralmente é ruidosa. O estridor
inspiratório sugere obstrução ao nível ou acima da laringe, enquanto que a existência de
pieira e sibilos expiratórios sugere obstrução das vias aéreas inferiores que colapsam
durante a expiração. Outros sons característicos que também poderão ser ouvidos são:
• O gorgolejo: que sugere a presença de líquido ou material estranho semi-sólido na
via aérea principal;
• O ressonar: que surge quando a faringe está parcialmente ocluída pela língua e
pelo palato mole;
• O estridor: som associado ao espasmo laríngeo que pode causar grande
desconforto ao doente.
A obstrução completa da via aérea num doente ainda a fazer esforço respiratório resulta
num movimento respiratório paradoxal. A observação revela que quando o doente tenta
inspirar as paredes torácicas levantam mas o abdómen é empurrado para dentro. O
padrão normal da respiração é um movimento síncrono para cima e para fora do
abdómen (que é empurrado para baixo pelo diafragma) com o levantamento da parede
torácica. Durante a obstrução da via aérea, outros músculos acessórios da respiração
são chamados a participar, como os do pescoço e os músculos dos ombros, tentando
auxiliar o movimento da caixa torácica. E necessário proceder ao exame completo do
pescoço, do tórax e abdómen para diferenciar movimentos paradoxais que podem
mimetizar uma respiração normal.
O exame deve incluir a audição, confirmando a ausência de ruídos respiratórios, de modo
a diagnosticar correctamente uma obstrução completa da via aérea.
38
GRECAR
Quando tentamos ouvir o fluxo de ar, devemos lembrar-nos que a respiração normal é
calma e o som suave, que na obstrução completa há silêncio total e que qualquer ruído
respiratório indica obstrução parcial da via aérea. Se a obstrução da via aérea não for
resolvida em poucos minutos, de forma a permitir ventilação adequada, podem ocorrer
lesões do sistema nervoso e outros órgãos vitais, por hipóxia, levando a paragem
cardíaca a curto prazo a qual pode ser irreversível.
PERMEABILIZAÇÃO DA VIA AÉREA USANDO TECNICAS BÁSICAS
Uma vez reconhecido qualquer grau de obstrução, devem ser tomadas de imediato,
medidas para permeabilizar a via aérea.
Existem três manobras que podem ser usadas para permeabilizar a via aérea obstruída
por queda da língua num doente inconsciente:
• Extensão da cabeça,
• Elevação do queixo
• Sub-Iuxação da mandíbula
As duas primeiras técnicas (Figura 4.1) foram abordadas no capítulo de suporte básico. A
gravidade só por si não explica a obstrução da via aérea num doente inconsciente, já que
a obstrução pode ocorrer quando um doente está na posição supina, em pronação ou em
posição lateral. A actividade anormal de vários músculos da língua, faringe, pescoço e
laringe, pode resultar numa incapacidade de manter a permeabilidade da via aérea
quando a cabeça está numa posição neutra ou flectida. O uso de um tubo orofaríngeo
(descrita mais adiante) pode ser de alguma utilidade, mas pode não ser por si só o
suficiente para prevenir a obstrução.
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GRECAR
Figura 4.1 Extensão da cabeça e elevação do queixo
A sub-Iuxação da mandíbula é uma manobra alternativa que leva o maxilar inferior para a
frente, aliviando a obstrução causada pela língua. Pode também ser usada quando há
uma obstrução nasal e a boca precisa de ser aberta para conseguir uma via aérea. A
sub-Iuxação da mandíbula é a técnica de escolha nos doentes em que há uma suspeita
de lesão da coluna cervical.
Como efectuar a sub-Iuxação da mandíbula:
• Identificar o ângulo da mandíbula com o dedo indicador;
• Com os outros dedos colocados atrás do ângulo da mandíbula aplicar uma
pressão mantida para cima e para diante de modo a levantar o maxilar inferior
(figura 4.2(a));
• Usando os polegares abrir ligeiramente a boca através da deslocação do queixo
para baixo. (Figura 4.2(b)).
Estes métodos simples têm sucesso na maioria dos casos em que a obstrução da via
aérea resulta de um relaxamento dos tecidos moles.
Depois de cada manobra deve-se avaliar o sucesso usando o VOS Em caso de
insucesso é necessário procurar outras causas de obstrução da via aérea.
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GRECAR
Figura 4.2 Sub-Iuxação da mandíbula
Abordagem da via aérea em doentes com suspeita de lesão da coluna cervical
Nestes doentes a extensão da cabeça e elevação do queixo podem resultar em lesão da
medula cervical. O método recomendado para permeabilizar a via aérea é a Sub-Iuxação
da mandíbula em combinação com alinhamento e estabilização manual da cabeça e do
pescoço. É necessário que um assistente mantenha a cabeça numa posição neutra. É
essencial, no entanto, permeabilizar a via aérea, já que a morte por obstrução da via
aérea é mais comum do que a lesão cervical resultante da manipulação da via aérea.
ADJUVANTES PARA TÉCNICAS BÁSICAS DA VIA AÉREA
Acessórios simples são muitas vezes úteis e, por vezes essenciais, para manter
permeabilidade da via aérea, particularmente quando a reanimação é prolongada. A
posição da cabeça e do pescoço deve ser mantida com o objectivo de conseguir o
alinhamento da via aérea. Os tubos orofaríngeos e nasofaríngeos evitam o deslocamento
da língua para trás, num doente inconsciente, mas a extensão da cabeça ou a sub-
luxação da mandíbula podem também ser necessários.
Tubos orofaríngeos
Tubos orofaríngeos ou de "Guedel", são tubos de plástico curvos e achatados, reforçados
na extremidade oral, para permitir que se adaptem perfeitamente entre a língua e o
palato duro.
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GRECAR
Os tamanhos mais comuns são o 2, 3 e 4 respectivamente para adultos pequenos,
médios e grandes.
O tamanho do tubo adequado é aquele cujo comprimento correspondente à distancia
entre a comissura labial e o ângulo da mandíbula (ou o lóbulo da orelha) do doente.
Durante a inserção do tubo orofaríngeo a língua pode ser empurrada para trás,
agravando a obstrução em vez de a aliviar. Pode ocorrer vómito ou laringospasmo se o
reflexo glossofaríngeo e laríngeo estiver presentes. A inserção de um tubo orofaríngeo
deve ser reservada apenas para doentes comatosos.
Como inserir o tubo orofaríngeo
• Abrir a boca do doente;
• Assegurar que não há qualquer material estranho presente que possa ser
empurrado para a laringe;
• Introduzir o tubo na cavidade oral em posição invertida - com a cavidade para cima
(Figura 4.3(a));
• Rodar o tubo 180 graus à medida que ele passa o palato duro para a orofaringe
(Figura 4.3(b)).
Esta técnica de rotação minimiza a possibilidade de empurrar a língua para trás. O
doente deve, no entanto, estar suficientemente inconsciente para não ter o reflexo de
vómito ou lutar contra o tubo. Se o doente tosse ou reage, o tubo orofaríngeo deve ser
imediatamente retirado. A colocação correcta verifica-se pela melhoria da permeabilidade
da via aérea e pela adaptação da secção achatada reforçada entre os dentes do doente.
Após a inserção deve-se verificar a permeabilidade da via aérea e ventilação usando
mais uma vez o VOS, enquanto se mantém a extensão da cabeça e elevação do mento
ou a sub-Iuxação da mandíbula.
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GRECAR
Figura 4.3 Inserção do tubo orofaríngeo
Tubos nasofaríngeos
São feitos de plástico maleável com uma extremidade em biseI. São, muitas vezes,
melhor tolerados do que os tubos orofaríngeos em doentes que não estão profundamente
inconscientes e podem ser muito úteis em doentes com mandíbulas fechadas, com
"trismus" ou com lesões maxilofaciais. No entanto, não devem ser utilizados em doentes
com suspeita de fractura da base do crânio. Os tubos têm tamanhos em milímetros de
acordo com o seu diâmetro interno e com o comprimento. O comprimento aumenta com
o diâmetro. Os tamanhos utilizados nos adultos vão de 6 a 8 milímetros,
aproximadamente o mesmo diâmetro do 5º dedo do doente. A inserção pode causar
danos na mucosa nasal resultando em hemorragia. Se o tubo é demasiado longo pode
estimular o reflexo laríngeo ou glossofaríngeo e provocar laringospasmo ou vómito.
Como inserir o tubo nasofaringeo (Figura 4.4)
• Verificar a permeabilidade da narina direita;
• Lubrificar o tubo usando Liderava em gelou similar;
• Inserir a extremidade biselada verticalmente ao longo do pavimento do nariz com
um ligeiro movimento de torção;
• Se existir dificuldade na progressão remover o tubo e tentar a narina esquerda.
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GRECAR
Figura 4.4 Inserção do tubo nasofaringeo
Quando completamente inserido, a ponta deve ficar na faringe atrás da língua e a
extremidade anterior deve ficar ao nível da narina.
Pode ser fixado com adesivo, alguns modelos têm um alfinete de segurança ou um
batente de borracha que evitam que o tubo possa progredir distalmente.
Uma vez colocado, verificar a permeabilidade da via aérea e se a ventilação é adequada,
mais uma vez, pela técnica de ver, ouvir e sentir. Manter a permeabilidade da via aérea
com extensão da cabeça e elevação mento ou com sub-Iuxação da mandíbula.
Se após a utilização de técnicas básicas, com ou sem adjuvantes de via aérea, o doente
recupera a ventilação espontânea, deve ser colocado na posição lateral de segurança,
como descrito no capítulo de SBV.
Se estiver disponível, deve-se administrar oxigénio. Uma máscara de "Venturi" fornecerá
uma percentagem de 24 a 60 % dependendo da mascara escolhida. Uma máscara de
oxigénio standard poderá fornecer até 50 %, desde que o fluxo de oxigénio seja
suficientemente alto. A menos que esteja contra indicado por uma doença respiratória
preexistente a maior concentração de oxigénio disponível deve ser administrada. A
melhor forma de o conseguir é utilizando uma máscara com saco reservatório que pode
fornecer uma concentração de oxigénio inspirado até 85%, com um fluxo de 10 a 15 litros
por minuto.
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GRECAR
VENTILAÇÃO
Em qualquer doente com respiração espontânea inadequada ou ausente, devemos
começar a ventilação artificial assim que seja praticável e o local seja seguro. A
ventilação com ar respirado é eficaz mas a concentração de oxigénio fornecida é apenas
de 16 %. Assim que for possível deve ser substituída por ventilação com ar enriquecido
com oxigénio.
A ventilação boca-a-boca tem o benefício de não requerer qualquer equipamento. Alguns
reanimadores, no entanto, têm relutância em se colocarem em íntimo contacto com uma
vítima desconhecida para eles, e a técnica é particularmente desagradável se estão
presentes vómito ou sangue. Qualquer pessoa pode ter de encarar a possibilidade de
reanimar um membro da sua família, sendo neste caso, mais provável a ventilação boca-
a-boca.
Existem auxiliares simples que podem ser usados para evitar o contacto directo de
pessoa a pessoa e alguns desses dispositivos reduzem o risco de infecção cruzada entre
o doente e o reanimador.
O mais largamente usado é a máscara de bolso, também conhecida por "Pocket mask".
Este dispositivo é semelhante a uma máscara anestésica, permitindo a ventilação boca-
máscara. Tem uma válvula unidireccional de modo que o ar expirado do doente não volta
para o reanimador, isolando portanto as duas vias aéreas. As máscaras são
transparentes de modo que o vómito ou sangue possam ser observados, e algumas têm
uma conexão para oxigénio suplementar de forma a enriquecer o ar expirado em
oxigénio.
A principal dificuldade associada ao uso destas máscaras é conseguir manter uma
selagem perfeita entre a máscara e a face da vítima.
Se os volumes correntes forem demasiado altos, podem ser criadas altas pressões na via
aérea. Evitar volumes correntes altos reduz, também a hipótese de insuflação gástrica e
o consequente risco de regurgitação e aspiração pulmonar.
A possibilidade de insuflação gástrica está aumentada se houver um mau alinhamento da
cabeça e do pescoço e a via aérea não estiver permeável, se houver um esfíncter
esofágico incompetente (o que acontece em todos os doentes em PCR) ou se houver
45
GRECAR
uma pressão da via aérea proximal muito elevada, criada pelo reanimador. Este último
factor é considerado como sendo o mais importante. Recomenda-se que os volumes
correntes sejam apenas de 400 a 600 mililitros por ciclo respiratório, o que corresponde a
um movimento normal do tórax. Estudos recentes mostraram que este volume corrente é
adequado para remover o dióxido de carbono e manter a oxigenação, durante a paragem
cardíaca, já que o dióxido carbono produzido está muito reduzido.
Ventilação Máscara - Boca (Figura 4.5)
• Colocar o doente em decúbito dorsal, com a cabeça em extensão e elevação da
mandíbula;
• Aplicar a máscara à face do doente usando os polegares e indicadores de ambas
as mãos;
• Levantar a mandíbula com os dedos restantes, exercendo pressão atrás dos
ângulos da mandíbula;
• Ao mesmo tempo que se faz a elevação da mandíbula pressionar a máscara
contra a face, para conseguir uma selagem perfeita;
• Soprar através da válvula inspiratória e observar a expansão torácica;
• Interromper a insuflação e observar o tórax descer;
Figura 4.5 Ventilação máscara-boca
Qualquer fuga entre a face e a máscara pode ser reduzida ou abolida ajustando a
pressão de contacto, alterando a posição dos dedos e/ou aumentando a sub-Iuxação da
mandíbula.
46
GRECAR
Se estiver disponível administrar oxigénio, ele deve colocado através da conexão
apropriada a um débito de 10 L/min.
Insuflador Manual
O insuflador manual pode ser conectado, quer a uma máscara, quer ao tubo
endotraqueal, e permite administração de oxigénio suplementar. Durante a compressão
do balão, o ar é insuflado para os pulmões. O relaxamento do balão permite que, o ar
expirado saia através da válvula unidireccional e o insuflador encha por uma válvula na
extremidade oposta. Podem ser obtidas percentagens de oxigénio de 45 % quando é
usado um débito de 5 a 6 l/min. Alguns modelos têm um reservatório balão acoplado que
permite obter percentagens de 85 %, usando 10 l/min.
A sua utilização eficaz requer treino continuado dado que é necessário efectuar em
simultâneo vários movimentos: extensão da cabeça, elevação da mandíbula, pressão da
máscara sobre a face, e insuflação do balão. A má técnica pode causar hipoventilação ou
distensão gástrica e regurgitação. Executar simultaneamente pressão na cricóide diminui
o risco, mas requer a existência de mais um operador treinado e disponível.
A ventilação com insuflador manual e máscara sempre que possível deve ser executada
por dois elementos, sendo que um adapta a máscara e mantém o posicionamento da
cabeça e o outro insufla o balão (Figura 4.6).
Figura 4.6 Técnica de ventilação máscara-insuflador manual com duas pessoas
47
GRECAR
TÉCNICAS DE ABORDAGEM AVANÇADA DA VIA AÉREA
A entubação endotraqueal é o melhor método para ventilar eficazmente, mantendo uma
via aérea permeável e segura. No entanto, requer muita experiência e treino para a sua
execução. Várias técnicas alternativas têm sido tentadas, sendo consideradas válidas em
alternativa à ventilação com insuflador e máscara e à entubação endotraqueal - Máscara
Laríngea e o "Combitube"
Máscara Laríngea
É num tubo de grande calibre que tem numa das extremidades um "cuff' em forma de
elipse, adaptável à abertura laríngea. A ventilação com máscara laríngea foi introduzida
na prática anestésica nos anos 80 tendo-se revelado um dispositivo fiável e seguro que
pode ser facilmente introduzido, com uma alta taxa de sucesso, após um curto período
de treino. Este dispositivo, permite uma ventilação mais eficiente e mais fácil do que a
conseguida com o insuflador manual e máscara. Embora, não garantido uma protecção
total da via aérea, a aspiração pulmonar associada com o uso da mascara laríngea é
rara, desde que não se gerem pressões de insuflação elevadas. Devem-se evitar
pressões superiores a 20 cmH2O. A inserção da máscara laríngea não requer extensão
acentuada da cabeça, podendo ser o dispositivo de escolha na presença de lesão
cervical.
Pelo reduzido treino que exige a mascara laríngea mostrou-se fiável, para ser usada na
reanimação por médicos, enfermeiros e paramédicos. Tal como a entubação
endotraqueal requer que o doente esteja profundamente inconsciente.
A mascara laríngea pode ser usada até 40 vezes, após esterilização, existindo modelos
de utilização única que podem ser especialmente adequados para uso pré-hospitalar.
Podem ser administrados fármacos na traqueia através da mascara laríngea, se
necessário.
Como colocar a mascara laríngea
• Escolher a máscara laríngea de tamanho adequado e desinsuflar totalmente o cuff
(o tamanho 4 ou o 5 são apropriados para a maioria dos adultos);
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GRECAR
• Lubrificar com gel a face externa da zona do cuff (na parte que não está em
contacto com a laringe);
• Colocar o doente em decúbito dorsal com a cabeça e pescoço alinhados
(idealmente o pescoço deve estar ligeiramente flectido e a cabeça ligeiramente em
extensão);
• Se o doente não pode ser abordado por trás da cabeça a mascara laríngea pode
ser introduzida pela frente, segurando o tubo como uma caneta introduzir a
máscara laríngea na boca, com a abertura distal orientada para os pés do doente;
• Avançar a máscara laríngea deslizando-a ao longo do palato duro até à parede
posterior da faringe (figura 4.7(a));
• Pressionar a máscara para trás e para baixo até sentir resistência - isso
corresponde à localização da máscara na hipofarínge (Figura 4.7(b));
• Insuflar o cuff com o volume de ar adequado (máscara n°3:20 ml, máscara n°4:30
ml, máscara n°5:40 ml), se a inserção foi correcta o tubo será levantado
ligeiramente (1 a 2cm) para fora da boca;
• Confirmar a permeabilidade da via aérea e ventilação auscultando e observando
expansão torácica. Se existir grande fuga é sugestivo de mau posicionamento da
máscara laríngea;
• Se após 30 segundos não tiver sido conseguido o correcto posicionamento, retirar
máscara laríngea e proceder à oxigenação com ventilação com máscara -
insuflador;
• Após colocação bem sucedida fixar com nastro ou adesivo.
Figura 4.7 Técnica de inserção da máscara laríngea
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GRECAR
Inconvenientes da máscara laríngea
• Os doentes que não estão profundamente inconscientes podem reagir à máscara
laríngea tossindo e desenvolvendo espasmo laríngeo.
• Se não for usada uma técnica rigorosa pode não ser conseguida uma boa
permeabilização da via aérea com a máscara laríngea, pelo que, se tal acontecer,
a máscara deve ser retirada e recolocada.
• Nos casos em que a pressão nas vias aérea estão elevadas (broncospasmo,
DPOC) pode ocorrer hipoventilação por fuga excessiva de ar, apesar da insuflação
do cuff, existindo neste caso, risco de insuflação gástrica.
• Pode acontecer, embora seja raro, o deslocamento da epiglote para baixo,
agravando a obstrução da via aérea por oclusão da entrada da laringe. Retirar e
efectuar nova tentativa de colocação.
• A colocação de máscara laríngea requer prática, a qual deve ser conseguida
ambiente controlado e supervisionado, como o bloco operatório.
Combitube
É um tubo de duplo "lúmen", introduzido às cegas e que permite a ventilação quer o tubo
seja introduzido na traqueia, quer seja introduzido no esófago. A extremidade traqueal
tem abertura distal, enquanto o tubo esofágico, não tem abertura na ponta, mas tem
vários orifícios laterais entre os dois "cuffs", um pequeno distal e um grande proximal,
desenhado para ser insuflado na hipofarínge.
Ao ser introduzido de modo cego é habitual que o tubo entre no esófago, o doente é
ventilado através do tubo esofágico pelos orifícios laterais entre os dois cuffs, que ficam
ao nível da laringe ou acima desta. Não entra ar para o estômago porque, a extremidade
distal é encerrada e o cuff é proximal em relação a esta extremidade. O cuff da
hipofarínge previne a fuga de ar pela boca.
Se, por outro lado, o tubo entra na traqueia a ventilação é conseguida através do canal
traqueal que tem uma extremidade distal aberta. Por ser um tubo de duplo lúmen, cada
lúmen é necessariamente estreito e a resistência à ventilação é elevada.
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GRECAR
Como colocar o Combitube
• Colocar o doente em decúbito dorsal;
• Efectuar extensão da cabeça e elevação do queixo;
• Lubrificar bem o Combitube;
• Introduzi-lo às cegas até que a marca existente na parte proximal do tubo esteja
ao nível dos dentes;
• Insuflar o cuff grande (proximal) com 85-100 mililitros de ar. Pode-se observar
algum movimento do tubo, para cima e para fora;
• Insuflar o cuff distal com 15 a 20 mililitros de ar;
• Ventilar pelo tubo esofágico, observar a expansão torácica e auscultar (Figura
4.8(a));
• Se não houver ventilação, insuflar pelo tubo traqueal e verificar novamente (Figura
4.8(b));
• Se a ventilação não for conseguida por qualquer das entradas o tubo deve ser
removido e outras formas alternativas de ventilação devem ser utilizadas.
Figura 4.8 (a) Combitube no esófago . (b) Combitube na traqueia
Inconvenientes do Combitube
• O dispositivo é caro e de uso único.
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GRECAR
• É necessária uma abertura adequada da boca. Os "cuffs" podem ser danificados
durante a inserção por contacto com os dentes.
• Pode causar lesões dos tecidos moles, foram referidos casos de enfisema
subcutâneo e rotura do esófago.
• Apenas existem tamanhos de adulto.
Entubação endotraqueal
Continua a ser considerada como a técnica de referência para manutenção da
permeabilidade da via aérea e ventilação, mas é uma técnica que exige treino e
experiência para ser utilizada. É considerada superior às outras técnicas porque:
• Permite isolar a via aérea por insuflação do cuff, reduzindo o risco de aspiração;
• Permite a aspiração endotraqueal se necessário;
• Permite ventilar eficazmente, sem fugas, mesmo quando a pressão nas vias
aéreas é elevada;
• Permite a administração de fármacos quando não se consegue obter um acesso
venoso.
Em alguns casos a laringoscopia e a tentativa de entubação podem ser impossíveis ou
mesmo pôr em risco a vida do doente, como nos casos de epiglotites agudas, patologia
com lesões intracranianas (por causar aumento da pressão intracraniana) ou ainda em
doentes com lesão da coluna cervical. Nestas circunstâncias pode ser necessário
requerer ajuda de um perito no manuseamento da via aérea, para administração de
fármacos anestésicos ou utilização de laringoscopia de fibra óptica.
É importante salientar que a entubação endotraqueal requer aptidões e treino que são
mais demorados de obter do que qualquer outra técnica avançada de controlo da via
aérea, pelo que, não deve ser usada por inexperientes, cujas tentativas repetidas podem
comprometer a oxigenação.
Equipamento
Um conjunto de equipamento em bom funcionamento é necessário para conseguir
entubação com sucesso.
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GRECAR
• Laringoscópio, geralmente com lâmina curva, tipo Macintosh. Existem vários
tamanhos, para a maioria dos doentes o número 3 será o adequado;
• A lâmpada e as pilhas deverão ser observadas regularmente, para assegurar o
correcto funcionamento. Devem existir suplentes disponíveis imediatamente;
• Tubos endotraqueais, com cuff, de diferentes tamanhos devem estar disponíveis e
com os respectivos conectores standard. Os mais usuais para um homem adulto
são os tubos 8 a 9, e para uma mulher os de 7 a 8 milímetros de diâmetro interno.
Na prática um conjunto de tubos 3, 5, 7 e 8 milímetros devem ser suficientes para
as necessidades imediatas de todos os doentes;
• Seringa para a insuflação do cuff;
• Aspirador de secreções com cânula rígida.
Outros acessórios
• Gel para lubrificação;
• Pinça de Maguill;
• Condutores ou introdutores semi-rígidos, que podem ser úteis numa entubação
difícil;
• Adesivo para fixação;
• Estetoscópio para confirmar a posição do tubo;
• Sondas de aspiração flexíveis;
• Sensores de "end tidal CO2"
Técnica de entubação endotraqueal
• Pré-oxigenacão: a entubação não deve demorar mais de 30 segundos e deve ser
precedida por ventilação, com a concentração máxima de oxigénio disponível
(idealmente pelo menos 85 % e no mínimo durante 15 segundos);
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GRECAR
• Posicionamento: o pescoço deve estar ligeiramente flectido, colocando uma
pequena almofada debaixo da região occipital, e a cabeça deve estar em
extensão. Se existir lesão da coluna cervical, a cabeça e o pescoço devem ser
mantidos em posição neutra, com estabilização manual por um ajudante;
• Abrir a boca usando a mão direita, enquanto se segura no laringoscópio com a
esquerda. Inspeccionar a boca e remover corpos estranhos, nomeadamente
dentes partidos ou próteses dentárias e aspirar secreções se necessário (Figura
4.9)
• Identificação dos três pontos de referencia:
o fossa amigdalina - colocar o laringoscópio no lado direito da língua até
atingir a terminação do palato mole. Identificar a parede lateral da faringe e
a fossa amigdalina (Figura 4.10). Não inserir o laringoscópio em todo o seu
comprimento e procurar a
o úvula - mover a lâmina para a esquerda, puxando a língua para a linha
média e visualizar a úvula
o epiglote - avançar cuidadosamente o laringoscópio ao longo da língua, até
visualizar a epiglote
Figura 4.9 Colocação de laringoscópio Figura 4.10 Laringoscopia
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GRECAR
• Colocar a extremidade distal do laringoscópio na valécula (espaço entre a epiglote
e a base da língua) (Figura 4.11) e fazer um movimento para a frente e para cima,
no sentido do cabo do laringoscópio. Este movimento arrasta a epiglote para a
frente e permite visualizar as cordas vocais;
• Visualização da laringe - tem o aspecto de um triângulo de vértice anterior,
visualizando-se as duas cordas vocais lateralmente, com um aspecto branco
nacarado (Figura 4.12). Pode ser necessária a colaboração de um ajudante para
pressionar a cartilagem tiróide para melhor exposição das cordas;
Figura 4.11 Colocação do laringoscópio na valécula Figura 4.12 Visualização da laringe
• Aspirar se necessário;
• Introdução do tubo - introduzir o tubo apenas após visualização das cordas vocais
(Figura 4.13). Deve ser introduzido pelo lado direito da boca mantendo a
visualização directa das cordas vocais, até que a parte proximal do cuff ultrapasse
as cordas. A distância habitual até à arcada dentária é de 21 cm nas mulheres e
de 23 nos homens;
• Conectar o insuflador manual e insuflar o cuff de modo a não existirem fugas;
• Confirmar o correcto posicionamento do tubo auscultando em ambos os campos
pulmonares. Deve-se auscultar nos vértices, nas bases e em ambas as linhas
axilares médias para verificar de os sons são simétricos. Se verificar que a
ventilação está selectiva para a direita, significa que o tubo foi demasiado
introduzido e deve ser retirado alguns centímetros (após desinsuflar o cuff). Após o
reposicionamento do tubo, deve-se voltar a confirmar a sua posição. Auscultar o
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GRECAR
epigastro para detectar fugas de ar para o estômago. Confirmar a local.
conectando a um sensor de "End tidal CO2".
• Fixar o tubo com nastro ou adesivo. Pode ser útil a colocação de um tubo de
Guedel para evitar mordedura do tubo caso o doente fique mais reactivo.
• Ventilação - manter elevadas concentrações de oxigénio.
Figura 4.13 Introdução do tubo endotraqueal
Atenção: Nunca efectuar tentativas de entubação que ultrapassem os 30 segundos sem
reoxigenar o doente. Se existem dúvidas sobre a correcta localização do tubo o mesmo
deve ser retirado, o doente reoxigenado e feita nova tentativa de entubação.
Confirmação da localização do tubo
Existe uma percentagem de entubações que são feitas para o esófago, cerca de 17%. É
fácil confirmar que o tubo se encontra na árvore traqueo-brônquica com um sensor de
CO2. A existência de CO2 no ar expirado após 6 ventilações confirma que o mesmo se
encontra na árvore traqueo-brônquica. A sua correcta localização acima da carina é
confirmada pela auscultação pulmonar.
Nos doentes em PCR a produção de CO2 é muito reduzida, pelo que a ausência de
CO2no sensor não esclarece a localização do tubo, mas. a sua presença confirma a
localização endobrônquica. Nos doentes com circulação espontânea a ausência de
CO2confirma a localização do tubo no esófago.
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GRECAR
Problemas durante a entubação endotraqueal
• Variações anatómicas - retrognatismo, pescoço curto, dentes incisivos
proeminentes, arcada do palato elevada, reduzida abertura da boca, rigidez do
pescoço ou "trismus" podem dificultar ou impossibilitar a entubação. Se não for
possível visualizar as cordas vocais não deve ser tentada a entubação. Deve ser
assegurada a ventilação por técnicas básicas enquanto se recorre a ajuda
diferenciada. Um mandril de borracha dura mas maleável (bougie), pode ser mais
facilmente introduzido na traqueia e posteriormente o tubo endotraqueal é
introduzido pelo mandril. Pode também ser utilizado um condutor rígido por dentro
do tubo para lhe dar uma curvatura adequada.
• Peças dentárias soltas ou próteses - uma boa técnica de entubação deve permitir
identificar estas situações e ultrapassar o problema.
• Regurgitação do conteúdo gástrico e aspiração - para evitar a entrada de conteúdo
gástrico na árvore brônquica é fundamental ter sempre disponível o equipamento
de aspiração. A pressão na cricóide (descrita adiante pode ser útil).
• Traumatismos faciais e queimaduras da face - pode ser impossível conseguir a
ventilação, quer com técnicas básicas quer por entubação endotraqueal. A
cricotiroidotomia pode ser a única medida possível.
• Entubação esofágica – é fundamental que seja reconhecida, o que, se forem
seguidas as regras da entubação, não deixará de acontecer. Em caso de dúvida
retirar o tubo, oxigenar o doente e tentar novamente.
• Lesão da coluna cervical – é habitualmente uma entubação difícil e requer que a
cabeça e o pescoço sejam mantidos numa posição neutra com imobilização
manual por um outro operador, na suspeita de lesão da coluna cervical.
Pressão na cricóide (Figura 4.14)
Tem como objectivo evitar a regurgitação gástrica e a consequente aspiração. Requer
um ajudante treinado e pode ser utilizada durante a ventilação com insuflador manual e
máscara.
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GRECAR
A cartilagem cricóide localiza-se imediatamente abaixo da cartilagem tiróide. A pressão
no sentido antero-posterior empurra o esófago contra a coluna vertebral. A pressão sobre
a cricóide deve ser mantida até à confirmação do correcto posicionamento do tubo e
insuflação do cuff. Não deve ser utilizada nos casos de vómito activo pois pode causar
roturas esofágicas. No caso de suspeita de lesão cervical é necessário apoiar a coluna
cervical com outra mão para garantir que o pescoço se mantém em posição neutra. Se
for incorrectamente executada, por exemplo, fazendo pressão excessiva, pode dificultar
ainda mais a entubação.
Figura 4.14 Pressão na cricóide
Outros adjuvantes da entubação
• Lâminas alternativas – embora o tamanho 3 seja habitualmente adequado para a
maioria dos doentes é necessário dispor de lâminas mais longas para algumas
situações. Poderá também ser necessário dispor de lâminas rectas.
• Introdutores – já foram descritos anteriormente
Aspiração
Para a aspiração da via aérea superior devem ser usadas cânulas rígidas "tipo
Yankauer", que permitem remover líquidos (sangue, saliva, vómito etc.). Sempre que
possível deve ser feito sob visualização directa.
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GRECAR
A aspiração endotraqueal é feita com sondas maleáveis, devendo ser feita apenas por
breves períodos e precedida por pré oxigenação com oxigénio a 100 %, pois pode causar
hipóxia.
Cricotiroidotomia por agulha (Figura 4.15)
Ocasionalmente, pode ser completamente impossível ventilar um doente em apneia.
Nestes casos é necessário criar uma via aérea cirúrgica abaixo da obstrução. A
traqueostomia de emergência não é um procedimento indicado dado que requer material,
treino e tempo. A inserção de uma agulha de grande calibre é um gesto rápido, que
requer apenas equipamento simples e é relativamente pouco arriscada. No entanto, é
apenas uma medida temporária.
Como proceder
• Colocar o doente em decúbito dorsal com ligeira extensão da cabeça;
• Identificar a membrana cricóide (entre a cartilagem tiróide e a cartilagem cricóide);
• Puncionar na vertical e na linha média com um cateter de calibre 14G ou maior,
ligado a uma seringa e efectuando ligeira aspiração. Assim que, for aspirado ar o
cateter está na traqueia;
• Mover a agulha no sentido caudal até fazer um ângulo de 45º com o plano do
pescoço, avançar o cateter retirando o mandril;
• Conectar o cateter a uma fonte de oxigénio com alto débito, 12-15 L/min, usando
uma conexão em "Y" ou um sistema alternativo (ex. torneira de 3 vias, abertura de
orifício no tubo de oxigénio);
• Tapando a abertura do "Y" durante um segundo (ou até observar expansão
torácica) e libertar durante 4 segundos. Se não for dado tempo para a expiração
existe risco de aumento excessivo da pressão intra-torácica e barotrauma;
• Se obtém expansão torácica e expiração adequadas pode fixar a cânula.
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GRECAR
Figura 4.15 Cricotiroidotomia
Este não é verdadeiramente um procedimento de ventilação mas permite manter uma
oxigenação adequada. Já a eliminação de CO2pode não ser possível, o que limita o uso
da técnica a 45 minutos.
Existe risco de posicionamento inadequado do cateter, hemorragia, enfisema e
perfuração esofágica.
A cricotiroidotomia cirúrgica deve ser programada de imediato para assegurar a
ventilação adequada.
RESUMO
• Na reanimação é essencial dominar correctamente as técnicas de permeabilização
da via aérea e ventilação.
• Podem ser executadas manobras simples e que estão ao alcance de todos.
• Os profissionais de saúde devem saber utilizar adjuvantes de via aérea e
enriquecer o ar com oxigénio dado que aumentam a eficácia da reanimação.
• A entubação endotraqueal é o melhor método para proteger a via aérea e ventilar
com eficácia, mas exige prática.
• Métodos alternativos como a Máscara Laríngea ou o Combitube são considerados
válidos.
• A cricotiroidotomia por agulha pode ser necessária como medida “life saving”.
60
GRECAR
Capitulo 5
Doente com Dificuldade Respiratória
Asma
A Asma é um processo inflamatório crónico cujas consequências resultam no
estreitamento reversível das vias aéreas. Afecta aproximadamente 5% da população e
pode ocorrer pela a primeira vez em qualquer idade e com um predominância pelo sexo
masculino na infância, e pelas mulheres em idades mais avançadas. A Asma nas
crianças está associada geralmente a atopia, enquanto que nos adultos está mais
associada a não atopia. Ambos, entretanto, têm um componente hereditário.
Embora haja muitos potenciais desencadeantes, a asma é caracterizada pela pieira
devido ao estreitamento difuso das vias aéreas periféricas. Pode haver um aumento
associado no volume e na viscosidade das secreções brônquicas. Ocasionalmente uma
tosse nocturnal será um sintoma proeminente e os pacientes podem descrever uma
pressão na caixa torácica ou um sensação mais de bloqueio do que chiadeira. Além
disso, a exposição aos estímulos externos, como o ar frio, o fumo do cigarro e mesmo
vapores da pintura, podem induzir um ataque agudo “asmático”. Isto não indica uma
resposta alérgica mas demonstra que as vias aéreas são hiperactivas e produzem uma
resposta exagerada aos irritantes inespecificos.
Patofisiologia
Os ataques agudos de broncospasmo podem ser precipitados por IgE que promovem a
desgranulação dos mastócitos. Por outro lado, quando expostos aos factores ambientais,
por exemplo alergénios e poluentes, a via aérea dos asmáticos fica susceptível ao
processo inflamatório crónico, caracterizado pela infiltração eosinofilica e de linfócitos T.
Estas células são responsáveis para libertação dos mediadores inflamatórios que
disparam uma variedade das respostas e que culminam nas vias aéreas estreitando e
aumentando a resistência ao fluxo de ar. Como a resistência é inversamente proporcional
à quarta potência do raio (lei de Poiseulle), um aumento pequeno na espessura das vias
aéreas provocará um efeito marcado na resistência e consequentemente uma
61
GRECAR
significativa redução do fluxo de ar. A mudança no raio da via aérea é geralmente devido
à contracção da musculatura brônquica, mas no asmático esta está ainda mais
exacerbada pelo edema da mucosa, pela produção aumentada do muco e pelos danos
nas células epiteliais. Além disso, a resposta inflamatória crónica reduz a elasticidade
normal das vias aéreas, exacerbando o estreitamento ainda mais.
Alterações induzidas pelos mediadores inflamatórios na Asma:
• Quebram a integridade funcional e estrutural do epitelium
•Estimulam a secreção do muco a formação do edema e contracção da musculatura lisa
• Promovem a deposição do colagénio sob a membrana basal
O fluxo de ar alterado e diminuído manifesta-se clinicamente como pieira, reduzido
volume expiratório forçado reduzido no primeiro segundo (FEV1), reduzida frequência de
fluxo expiratória (PEFR), com uma capacidade residual funcional aumentada (FRC)
devido à retenção do ar, sem nenhuma alteração na capacidade total pulmonar (TLC).
Assim, por causa do aumento das resistências da via aérea o trabalho de respirar está
aumentado e o paciente sente dispneia.
Durante um ataque asmático agudo, algumas das vias aéreas ficam obstruídas por
rolhões do muco, o que resulta na hipóxia devido as alterações da ventilação perfusão
(V/Q). Este aumento adicional do trabalho respiratório leva à hiperventilação na tentativa
de corrigir a hipóxia.
Ponto-chave
A falência em conseguir manter o esforço respiratório aumentado numa exacerbação grave de
asma, será traduzida por um tórax silencioso, pela hipóxia e por um PaCO2 elevado
62
GRECAR
Tratamento
Nota
As mortes evitáveis por asma aguda, ainda ocorrem devido a atraso no tratamento
O tratamento apresentado segue as guidelines da Sociedade Torácica Inglesa.
Asma Grave com ameaça de vida
A avaliação caracterizada por:
• Via aérea — normalmente permeável mas que pode estar comprometida pela exaustão
• Ventilação — cianosado, exausto e uma caixa torácica silenciosa
• Circulação — taquicardia superior a 130 batimentos por minuto, bradicardia,
— Hipotensão.
Além disso o fluxo expiratório máximo é inferior a 33% do normal ou o melhor do doente.
Ponto-chave
Uma caixa silenciosa é um sinal ameaçador porque significa que o ar já
é insuficiente (dentro e fora da caixa) para produzir pieira
O tratamento imediato
É importante lembrar que a dispneia aguda num asmático é geralmente devido ao
broncospasmo. Entretanto, por causa do “ar retido” há um aumento na pressão final
expiratória. Isto aumenta o risco de desencadear um pneumotórax que leve mais tarde ao
distress do aparelho respiratório. Esteja sempre alerta a esta possibilidade nos asmáticos
que não respondem ao tratamento ou que ficam dispneicos agudamente. A reavaliação
regular e um raio X de urgência são necessários.
Líquidos intravenosos devem ser administrados porque uma grande maioria dos doentes
tem associada desidratação. Uma hidratação adequada ajuda também a tornar a
63
GRECAR
expectoração mais fluida. Além disso a hipocalemia pode surgir em consequência ou da
própria asma ou da terapêutica com agonistas B2. Assim, a monitorização cuidadosa e
uma apropriada terapêutica são fundamentais.
A resposta clínica do paciente ao tratamento (como descrito antes) deve ser monitorizada
continuamente com a avaliação regular dos gases no sangue arterial.
Se o paciente ou se tornar exausto, ou se retiver o CO2 ou se a oxigenação adequada
não for possível, então deverá ser equacionada a ventilação com pressão positiva. A
consulta com um intensivista será então vital.
Indicações para cuidados intensivos
Hipoxemia (PaO2 <8 KPa apesar de FiO2> 0.6)
Hipercápnia (PaCO2> 6 kPa)
Exaustão
Alteração do estado de consciência (confusão, obnubilação, inconsciente)
Paragem Respiratória
PNEUMOTÓRAX
Um pneumotórax resulta na entrada de gás para o espaço potencial que existe entre a
pleura visceral e parietal. Isto pode surgir espontaneamente devido à ruptura de uma
bolha ou de um cisto na superfície do pulmão ou após um trauma penetrante. A doença
de pulmão subjacente funciona como um factor predisponente importante no
desenvolvimento de um pneumotórax. Entretanto, há um número de procedimentos
invasivos tais como o cateterismo da veia subclávia que também pode ser responsável.
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GRECAR
Pneumotórax iatrogénico
Tentativas de acesso da veia jugular interna/subclávia
Biopsia/drenagem pleural
Biopsia pulmonar percutânea/biopsia hepática
Biopsia transbrônquica
Ventilação com pressões positivas (IPPV)
Patofisiologia
O movimento expansivo da caixa e a retracção elástica do pulmão produzem uma
pressão negativa no espaço entre a pleura visceral e a pleura parietal. Esta pressão, em
relação à atmosférica, torna-se mais negativa durante a inspiração. Depois de uma
ruptura da pleura visceral, o ar move-se preferencialmente dos alvéolos para o espaço
pleural até se adquirir um equilíbrio de pressões — então o pulmão colapsa, resultando
num simples pneumotórax. Se, entretanto, a ruptura na pleura actuar como uma válvula
de sentido único, irá entrar ar na pleura durante a inspiração que não desaparece na
expiração. Então a pressão no espaço intrapleural vai subir acima da pressão
atmosférica. A hipoxemia resultante actua como um estímulo respiratório que ocasiona
movimentos inspiratórios mais profundos, que por sua vez aumentam ainda mais o ar
retido intrapleural. Isto produz um pneumotórax da tensão. Se não for tratado vai surgir o
deslocamento do mediastino, causando torção dos grandes vasos, diminuindo o retorno
venoso, e comprimindo o pulmão oposto. Este processo exacerba a hipoxemia e causa
eventualmente uma actividade eléctrica sem pulso (Dissociação Electromecânica).
Ponto-chave
O pneumotórax da tensão é um diagnóstico clínico.
A toracocentese por agulha é o tratamento imediato
65
GRECAR
Pneumotórax Primário
Esta circunstância é relativamente rara (afectando aproximadamente 9/100 000 doentes
com uma incidência no sexo masculino em relação ao feminino de aproximadamente
4:1). Ocorre em pulmões previamente saudáveis e é atribuída à ruptura de uma bolha ou
de um cisto que frequentemente surge na zona do apex. Aproximadamente 20% dos
pacientes terão pneumotórax recorrentes nos lados ipsilateral e contra lateral.
Pneumotórax Secundário
Esta circunstância está associada a uma doença preexistente no pulmão e a
procedimentos .
Condições Preexistentes no pulmão que se associam a Pneumotórax
Enfisema
Doença pulmonar obstrutiva crónica
Agudizações de asma
Infecções:
empiema
pneumonia estafilocócica
tuberculose
Malignidade
Fibrose Cística
Avaliação
Pneumotórax simples
Os sintomas e os sinais podem estar ausentes mas geralmente o doente apresentar-se-á
com dispneia e dor de tipo pleuritica localizada no lado afectado. A dispneia pode estar
relacionada com a dor, o tamanho do pneumotórax e uma doença de pulmão subjacente.
66
GRECAR
Ponto-chave
Num doente com doença de pulmão preexistente, mesmo um pneumotórax pode produzir uma insuficiência respiratória aguda
Os sinais clínicos são difíceis de detectar quando o pneumotórax é pequeno ou quando
há um enfisema coexistente. Frequentemente há uma expansão reduzida da caixa no
lado afectado (geralmente devido à dor) e uma hipersonoridade na percussão é típica. A
hiperresonância é muito difícil de detectar mesmo ao comparar com o lado não-afectado.
O sinal mais consistente será uma redução/ ausência dos sons respiratórios no lado do
pneumotórax.
Pneumotórax de tensão
Apresenta-se como distress respiratório agudo. Inicialmente pode haver um aumento da
frequência respiratória e do esforço com redução dos movimentos, uma hiperresonância
à percussão e ausência dos ruídos respiratórios no lado afectado. O desvio da traqueia, a
distensão venosa jugular e a cianose são tardias, frequentemente manifestações
terminais.
Tratamento
Pneumotórax simples
A resolução espontânea ocorrerá em doente assintomático com colapso parcial do
pulmão (e nenhuma deterioração em 24 horas) em aproximadamente 1.25% do volume
do hemitórax por dia. O alívio da dor é fundamental com utilização de analgésicos anti-
inflamatorios não-esteroides. Não se esqueça de tranquilizar o paciente!
A drenagem é uma técnica simples com uma morbilidade insignificante. Se bem sucedido
produz a resolução rápida da dispneia e desconforto torácico.
67
GRECAR
Pneumotórax de tensão
A toracocentese imediata é um imperativo. Isto aliviará a tensão e os problemas agudos,
mas a inserção formal do dreno no tórax só deverá ser efectuada após ter garantido um
acesso intravenoso. Esta é uma precaução porque ocasionalmente o pneumotórax pode
ser acompanhado e complicado de hemotórax, possivelmente devido à laceração de uma
lesão vascular pleural ou de um tumor necrótico adjacente.
Investigação
A confirmação radiológica de um pneumotórax simples é importante e guiará a terapia
apropriada. Pelo contrário, o pneumotórax de tensão é um diagnóstico clínico e o raio X
só será necessário depois da inserção do dreno pleural.
Problemas potenciais
• O pulmão não expande depois de colocado o dreno pleural considerar a hipótese de
aspiração com baixa pressão
• Pneumotórax recorrentes – Considere a hipótese de contactar com cirurgião torácico
para pleurodesis química ou cirúrgica. O aconselhamento cirúrgico deve também ser
procurado se houver pneumotórax bilateral.
PNEUMONIA
A Pneumonia é o termo usado para descrever a inflamação dos tecidos relacionados com
as trocas gasosas no pulmão. A pneumonia tradicionalmente é descrita de acordo com o
aspecto radiológico, por exemplo pneumonia lobar, lobular ou broncopneumonia.
Infelizmente esta abordagem não ajuda no diagnóstico nem no tratamento. Pelo
contrário, as circunstâncias da doença e os achados clínicos, fornecem indícios úteis
para ajudar à investigação e ao tratamento.
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GRECAR
Classificação da Pneumonia
o Adquirida na Comunidade
o Adquirida no Hospital
o De aspiração e por anaeróbios
o Recorrente
o Associada a Imunosupressão
o De viagem
Princípios do tratamento – Check List
Diagnóstico
Historia
Exame Clínico
Investigações:
o Raio X do tórax: Antero posterior
o Gases do sangue arterial
o Hemoculturas: Sangue venoso
o Análises hematológicas e bioquímica
o Serologia para Mycoplasma, Legionella, Chlamydia
o Expectoração: Culturas
o Urina: Antigeneo Legionella
Tratamento
• Oxigénio – a menos que o paciente não esteja dispneico ou os gases no sangue
estejam normais
•Antibióticos
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GRECAR
•Fluidoterapia, oral ou intravenosa de acordo com o quadro clínico
• Analgesia se necessário
• Considere a colaboração precoce do microbiologista
Pneumonia adquirida na Comunidade
Esta é a causa aguda mais comum de admissão hospitalar e ocorre frequentemente nos
meses de inverno. A pneumonia adquirida na comunidade pode afectar indivíduos
previamente saudáveis ou doentes com doença pulmonar subjacente. A idade do
paciente é provável que possa influenciar o patogeneo envolvido.
Modos de transmissão da Infecção
Através das bactérias que habitualmente colonizam o aparelho respiratório
“Gotículas de saliva” de indivíduos infectados
Animais, como no caso da Chlamydia psittaci
Gotas da água na Legionella pneumophilia
Os organismos que ocasionam com mais frequência a pneumonia adquirida na
comunidade são mostrados a seguir.
Organismos que causam o pneumonia adquirida comunidade:
Streptococcus pneumoniae
Hemophilus influenzae
Staphylococcus aureus
Vírus Influenza
Mycoplasma pneumoniae
Chlamydia psittaci / Febre Q
Legionella
70
GRECAR
O Streptococcus pneumoniae (pneumonia pneumocócica) é a bactéria envolvida com
mais frequência, enquanto que o vírus influenza é a infecção virica mais comum. É
importante notar que as infecções virais causadas pela influenza, pelo parainfluenza e
pelo vírus sincicial respiratório estão associadas geralmente com superinfecção
bacteriana.
Avaliações
As características clínicas são muito variáveis.
Sintomas Respiratórios
Dor pleuritica
Sudorese
Hemoptises
Artralgia
Cefaleias
Tosse
Prodromal: Febre
Expectoração
Mialgias
Dispneia
Anorexia
Na observação da maioria dos doentes, este surgem febris com taquipneia e/ou
taquicardia. A temperatura pode exceder 39.5°C e os calafrios não são raros nos mais
jovens. Pelo contrário, os doentes idosos podem permanecer apiréticos. A infecção por
Herpes simples labial está presente em um terço dos doentes com pneumonia
pneumocócica. Os movimentos do tórax estão diminuídos no lado afectado,
especialmente se se associar a dor pleuritica.
Os sarridos inspiratórios são o achado mais comum e o broncospasmo é raro. Um atrito
pleural pode ser audível mesmo quando a dor pleuritica está ausente.
Algumas raras vezes o exame clínico é inteiramente normal; no entanto o raio X do
tórax é obrigatório.
71
GRECAR
É importante considerar que os sintomas não-respiratorios podem predominar; por
exemplo, um doente com uma pneumonia inferior do lóbulo pode apresentar-se com dor
e peritonismo abdominal.
Ter também presente que a Legionella pneumophila está associada também com
cefaleias graves, disfunção cerebelar, e ou amnésia. Vómitos e diarreia podem ocorrer
como um manifestação directa da doença ou relacionada com a antibioterapia.
Infelizmente a mortalidade pela pneumonia grave permanece elevada. As características
clínicas associadas com a pneumonia grave estão descritas na caixa, e a sua presença
indicam mau prognostico. A colaboração precoce com intensivista é necessária se dois
ou mais estiverem presentes.
Tratamento
Não todos os doentes necessitam de internamento hospitalar. Todos os doentes devem
ficar acamados; trate a febre e a dor pleuritica com anti-inflamatorios não-esteroides. A
correcção da hipoxemia e dos balanços hídricos é muito importante. A fisioterapia
respiratória raramente é necessário na fase aguda.
Tratamento específico Quando a apresentação da doença é aguda o microrganismo
responsável pela pneumonia não está identificado. Então a escolha do antibiótico é feita
de acordo com o número limitado dos organismos que causam mais frequência a
pneumonia adquirida na comunidade. A maioria de hospitais adopta políticas de
antibioterapia específicas.
• Pneumonia Grave. Pode afectar mesmo indivíduos previamente saudáveis. Porque a
mortalidade é elevada, a antibioterapia endovenosa deve ser iniciada imediatamente.
Considerando os potenciais organismos que podem ser responsáveis, uma combinação
de ceftriaxona 2g com claritromicina 1g diário é a recomendação mais habitual. A
duração do tratamento endovenoso é baseada na resposta clínica do doente.
• Pneumonia ligeira. Nos indivíduos saudáveis o organismo habitual é o Streptococus
pneumoniae ou ocasionalmente o Mycoplasma pneumoniae, a Chlamydia, a Legionella
ou a Coxiella burnetii. A associação de amoxicilina e de eritromicina é barata e eficaz. A
72
GRECAR
Eritromicina em monoterapia está indicada nos doentes que são alérgicos à penicilina ou
se suspeito um agente atípico, como é por exemplo o Mycoplasma, Chlamydia, e a
Legionella. Se o doente não responder a esta combinação, então a ciprofloxacina deve
ser considerada.
Pneumonia adquirida no hospital
Define-se como a pneumonia que surge 48 horas ou mais após a admissão no hospital,
independentemente do motivo da admissão.
Patofisiologia
A colonização bacteriana da nasofaringe altera-se significativamente nos doentes
internados em hospital, particularmente aqueles que recebem antibióticos de largo
espectro e estão gravemente doentes. Estas bactérias podem ser originárias do próprio
ambiente hospitalar e ou do aparelho gastrointestinal do doente. Tais patogénicos são
aspirados com maior frequência pelos doentes graves, acamados e com alterações do
estado de consciência. Isto pode ser ainda agravado e facilitado pela incapacidade de
mobilizar as secreções brônquicas após uma anestesia geral ou porque o reflexo da
tosse está comprometido após uma cirurgia torácica ou abdominal. O risco de pneumonia
pós-operatória está associado também ao aumento da idade, hábitos tabágicos,
obesidade, a doença crónica subjacente, e a anestesia prolongada. Os Patogénicos
podem também ser adquiridos através de equipamento contaminado tais como
nebulizadores, ventiladores, equipamento de aspiração ou mesmo dos profissionais de
saúde.
O bacilos gram negativos são os mais implicados e em casos mais raros os gram
positivos, especialmente o Staphylococcus aureus, desde que o doente não esteja
imunocomprometido.
Tratamento específico
Porque há um largo leque de potenciais organismos responsáveis pela pneumonia
adquirida no hospital o tratamento inicial da pneumonia incluirá o ceftriaxona ou uma
combinação, por exemplo ciprofloxacina mais um aminoglicosideo (gentamicina). Uma
combinação alternativa é recomendada para infecções anaeróbica, isto é ceftriaxona e
73
GRECAR
metronidazol. Se for suspeita uma infecção por pseudomonas então um derivado da
penicilina tal como a ticacilina deve ser usado. Recomenda-se a consulta do
microbiologista clínico.
A terapêutica antibiótica deverá posteriormente ser adaptadas de acordo com os
resultados das investigações.
Idealmente, o tratamento deve ser pró-activo para impedir tais infecções, seja através de
cuidados restritos de higiene, pelo controle apropriado da infecção e conselhos pré-
operatórios ao doente.
Aspiração e pneumonia por anaeróbios
Está geralmente associada com alterações da consciência e/ou disfagia. A infecção é
provocada geralmente pela Pseudomona aeruginosa ou pelo Enterobacter em ambiente
hospitalar. O tratamento compreende geralmente o ceftriaxona intravenoso 1 g diário e o
metronidazol 400 mg oral.
Pneumonia Recorrente
Se um paciente sofrer três ou mais episódios de pneumonia, deve ser considerado o
seguinte:
• Bronquectasia localizadas
• Obstrução brônquica, por exemplo corpo estranho, carcinoma ou compressão
externa
• Uma anomalia respiratória generalizada se a pneumonia surgir em locais
diferentes
• DPCO com ou sem bronquectasias
• Aspiração de conteúdo esófago-gástrico em doentes com, por exemplo doença
do neurónio motor, esclerose disseminada, acalasia, epilepsia, alcoolismo, e uso
de droga/fármacos
• Considerar a pneumonia crónica (pneumonia da bronquiolitis obliterans)
74
GRECAR
Pneumonia associada a Imunosupressão
A Pneumonia de início agudo e de progressão rápida sugere uma origem bacteriana.
Consequentemente o tratamento inicial deve incluir uma combinação de ceftriaxona e de
Gentamicina para assegurar a cobertura adequada do Streptococcus pneumoniae,
Hemophillus –Influenzae, Staphylococcus aureus e outros gram negativos. Se o doente
não responder a esta associação deve ser então procurado parecer de especialista.
Pneumonia de Viagem
Com o aumento das deslocações de populações, uma variedade de infecções
respiratórias inesperadas pode ser observada. Este assunto é demasiado extensivo ser
coberto aqui, mas não se esqueça:
• Faça exame com uma história do percurso da viagem
• Considere infecções bacterianas, virais e fungicas
• Participação precoce de infecciologia e microbiologia.
EMBOLISMO PULMONAR
O embolismo Pulmonar é uma condição importante porque é potencialmente fatal,
prevenível e às vezes tratável. A maioria dos êmbolos pulmonares originam-se nas veias
profundas dos pés e da pélvis. Ocasionalmente, porém o lado direito do coração pode ser
a fonte dos êmbolos, por exemplo na fibrilhação auricular, enfarte ventricular direito ou
num ventrículo direito dilatado. Os principais factores de risco do embolismo pulmonar
são mostrados na caixa.
Patofisiologia
Uma normal função dos pulmões é filtrar pequenos coágulos de sangue. Este processo
ocorre sem nenhum sintoma. Contudo êmbolos que venham a obstruir ramos maiores da
artéria pulmonar provocam uma subida na pressão da artéria pulmonar e a respiração
torna-se rápida. Pensa-se que a subida na pressão arterial pulmonar seja devida, em
75
GRECAR
parte, à vasoconstrição reflexa mediada pelo simpático e também pelo estímulo da
hipoxia.
Factores de risco para o embolismo pulmonar e a “possibilidade” de encontrar-se com este factor Cirurgia recente
Imobilidade por mais de quatro dias
Idade> 40 anos
Trombose/embolismo venoso
Doença Maligna
Sépsis
Obesidade
Varizes
Gravidez/contraceptivo oral
Síndrome Nefrótico
Cetoacidose Diabética
Resistência à proteína C activada
Deficiência de antitrombina III
Deficiência da proteína C e S
Hemoglobinúria nocturna paroxistica
Doença de Behçet
diária
diário
diário
diário
diária
diário
diário
diárias
diário
semanal
semanal
anualmente
anualmente
somente nos exames
somente nos exames
somente nos exames
A Taquipneia é uma resposta reflexa à activação dos receptores do vago responsável
pelo estiramento e os receptors J intersticiais dentro dos alvéolos e capilares. Além disso,
a libertação de substâncias vasoactivas sugere que a 5-hydroxytryptamine, o tromboxano
libertados das plaquetas activadas podem amplificar a vasoconstrição e a
neurotransmissão.
Nota
O efeito na hemodinâmica estará relacionado com o tamanho dos êmbolos.
Por uma questão descritiva a embolia pulmonar será classificada como embolia maciça,
moderada, e minor.
76
GRECAR
Embolismo pulmonar maciça
Isto ocorre geralmente após uma obstrução aguda de pelo menos 50% da circulação
pulmonar. Um êmbolo no tronco pulmonar principal ou na bifurcação da artéria pulmonar
pode produzir o colapso circulatório, isto é paragem em dissociação electromecânica e
morte. No entanto, um retrato clínico idêntico pode surgir com menores graus de
obstrução desde que haja uma disfunção cardio-respiratória previa. O aumento agudo na
resistência vascular pulmonar e então do ventrículo direito leva a uma subida repentina
na pressão telediastólica e posteriormente uma dilatação do ventrículo direito. Isto pode
ser traduzido na clínica como uma regurgitação tricúspide e uma elevação da pressão
venosa jugular. O ventrículo direito dilatado e a subida na pressão arterial pulmonar
causam uma marcada queda na pressão arterial sistémica pelos seguintes mecanismos.
• Uma queda no volume de carga ventricular esquerda. A dilatação do ventrículo direito e
o aumento da pressão na artéria pulmonar indicam que o trabalho ventricular direito está
comprometido. Isto resulta no atraso do esvaziamento do ventrículo direito, e daqui a
uma queda no volume de carga ventricular esquerdo.
• Alterações da mobilidade do septum interventricular. O ventrículo direito dilatado e
associada subida da pressão levam ao deslocamento do septo interventricular para
dentro da cavidade ventricular esquerda (o efeito de Bernheim) que reduz o volume
ventricular esquerdo.
Estes processos culminam numa queda no volume de carga sistémica que em alguma
extensão é mediado pelo simpático quando ocorre um aumento na resistência vascular
sistémica (periférica). Assim, o doente com uma embolia pulmonar maciço pode
apresentar-se com as características de “choque”.
Embolia Pulmonar Moderada
Enquanto que a patofisiologia é idêntica ao descrito acima para a embolia maciça, o
efeito na resistência arterial pulmonar e na função ventricular direita é mínima. A
dificuldade respiratória subjacente e os mecanismos subjacente já foram descritos. O
77
GRECAR
enfarte do parênquima pulmonar e da pleura induz a inflamação, culminando ambos os
processos na hemoptise e na dor pleuritica.
Embolia Pulmonar Minor
Esta passa frequentemente despercebida mas os ataques repetidos podem resultar na
dispneia progressiva, na hiperventilação, e na síncope possivelmente induzida pelo
esforço. Se este problema permanecer por diagnosticar a hipertensão pulmonar conduz à
hipertrofia cardíaca e subsequente insuficiência do ventrículo direito.
Diagnóstico diferencial
O colapso circulatório agudo é uma característica cardinal do embolismo pulmonar
maciço. Entretanto, circunstâncias específicas que merecem ser descritas no contexto da
dispneia aguda, hipotensão, dor torácica, e inconsciência será a insuficiência ventricular
aguda, enfarte do miocárdio, e tamponamento cardíaco. Todas as características
principais estão relacionadas com a redução do débito cardíaco, hipovolémia relativa e
hipoxemia. O diagnóstico diferencial, no doente agudo, pode ser difícil mas há diversas
características chaves que podem ajudar.
Em todos os doentes em choque, oxigénio de alto fluxo (FiO2 = 0.85) é obrigatório.
Investigações
As alterações do ECG ocorrerão em aproximadamente 75% de todos os doentes após
uma embolia pulmonar maciça. Entretanto, estas são mudanças inespecíficas e a
inversão da onda T nas derivações pré-cordiais são frequentes. Além disso, distúrbios do
ritmo, como habitualmente, uma taquicardia sinusal ou uma fibrilhação auricular podem
ocorrer junto com manifestações de aumento agudo da pressão do coração direito,
variando desde o clássico padrão de SI, QIII, TIII, até ao bloqueio de ramo direito e aos
78
GRECAR
critérios de hipertrofia ventricular direita. Os complexos de baixa amplitude são
sugestivos de tamponamento cardíaco.
Ponto-chave
Um ECG normal não exclui uma embolia pulmonar aguda ou um enfarte miocárdio
• O raio X torácico é geralmente pouco útil no diagnóstico da embolia pulmonar aguda.
Ocasionalmente a artéria pulmonar afectada pode ser proeminente ou pode haver uma
perda do volume de pulmão ou raramente um defeito em forma de “cunha”. No entanto a
radiografia poderá ser útil no diagnóstico quer do edema pulmonar e do tamponamento
cardíaco.
• Gás do sangue arterial. A hipoxemia e a hipercápnia são comuns após embolia
pulmonar maciça ou moderada. Pelo contrário, uma alcalose respiratória/alcalose
secundária à hiperventilação é compatível com pequenos êmbolos recorrentes.
• D-dimeros plasmáticos. São produtos provenientes da degradação da fibrina quase
sempre detectados no tromboembolismo. Consequentemente, sua ausência exclui uma
embolia pulmonar recente.
• Anomalias da ventilação/perfusão. Trata-se do exame mais específico e útil para excluir
a embolia pulmonar. Entretanto, não é raro o relatório mencionar “compatível com, mas
não diagnóstico de TEP”. Sob estas circunstâncias, o médico deve tratar o doente de
acordo com os achados clínicos.
• Ecocardiografia. Mostrará anomalias ventriculares direitas em 40% dos pacientes.
• Angiografia Pulmonar. Será o gold-standard.
• Angio TAC e RMN não estão ainda rotineiramente disponíveis.
Tratamento específico para o embolismo pulmonar agudo
Independentemente dos resultados das investigações, se a suspeita clínica de uma
embolia pulmonar persistir elevada então o doente deve ser tratado apropriadamente. Se
perante uma dissociação electromecânica a ressuscitação da embolia pulmonar maciça
deve seguir as guidelines do ALS.
79
GRECAR
No doente hipoxémico e hipotenso, a abordagem imediata deve ter em atenção a
reversão rápida destes dois problemas, mantendo um débito cardíaco adequado. A
decisão principal é mais médica que cirúrgica. Tal dependerá se:
• Se o doente tem algum contra-indicação à Trombólise
• Disponibilidade cirúrgica local.
Contra-indicações à Trombólise
Ressuscitação cardiopulmonar prolongada
Cirurgia major recente
Hemorragia gastrointestinal
TCE ou neurocirurgia recente
AVC prévio
Terapêutica previa com estreptoquinase (há mais de uma semana ou
menos de um ano)
A maioria dos doentes com um diagnóstico definitivo ou suspeita de embolia pulmonar
são tratados com heparina intravenosa ou heparina de baixo peso molecular
subcutaneamente. Se for utilizada a fraccionada, verifique o tempo parcial de
tromboplastina activada (APTT) seis horas após ter começado ou ter mudado a dose.
Ponto-chave
Seja cauteloso em etiquetar indivíduos como “hiperventiladores histéricos” a
menos que exclua patologia subjacente, nomeadamente TEP
SUMÁRIO
A Dispneia é uma emergência médica comum.
80
GRECAR
A abordagem estruturada garante que as situações potencias de risco de vida
sejam identificadas e tratadas.
As causas de dispneia mais graves são:
Obstrução da via aérea
Asma agudo grave
Crise aguda de DPOC
Edema pulmonar agudo
Pneumotórax da tensão
Insuficiência ventricular esquerda aguda por:
hipovolémia
embolia pulmonar
tamponamento cardíaco.
81
GRECAR
CAPÍTULO 6
Acidente Vascular Cerebral
Objectivos:
• Saber identificar o doente com AVC
• Conhecer a realidade e as normas para a criação de Unidades de AVC
• Qual a vantagem de uma Unidade de AVC e a cadeia de sobrevivência do AVC
• Tratamento segundo prioridades
Introdução
Os Acidentes Vasculares Cerebrais são uma causa comum de morbilidade e mortalidade
na Europa, sendo a primeira causa de morte em Portugal e a principal causa de
incapacidade nas pessoas idosas. Embora não se verifique alteração significativa na
incidência dos AVC, a sua prevalência, na população, é crescente devido ao aumento da
sobrevivência e do crescimento da população idosa.
Como esta patologia aparece, sobretudo, nas idades mais avançadas e as tendências
demográficas caminham no sentido do envelhecimento da população, é possível que a
quantidade e a qualidade de cuidados de saúde sejam mais necessários. Como tal,
absorve uma considerável proporção dos orçamentos dos sistemas de saúde nacionais,
consequentemente dos cuidados de saúde, o que justifica uma preocupação crescente
dos responsáveis.
A Mortalidade
A mortalidade geral em Portugal, em 1999, foi de 108 268 óbitos (sexos reunidos).
Desses óbitos, 21 617 foram por AVC. Em Portugal, as taxas de mortalidade
(padronizadas pela idade) por AVC têm vindo a decrescer. Na década de 80, registou-se
82
GRECAR
uma redução de 24,0%, e na de 90, uma redução de 25,1% sem variações significativas
entre sexos, mas com grandes assimetrias regionais. Uma parte importante da
mortalidade ocorre logo no hospital durante o internamento. Alguns apontam para uma
mortalidade hospitalar que pode variar entre os 17 e os 30% nos internados por AVC.
Numa revisão dos internamentos em medicina interna do hospital de Faro foi encontrada
uma mortalidade hospitalar por AVC de 26,3%.
Estudo semelhante realizado no Hospital do Funchal com 1373 doentes internados entre
1986 -1993 mostra que a mortalidade hospitalar foi de 17,9%.
Num estudo realizado em 349 doentes admitidos no Hospital de Vila Real por AVC a
mortalidade foi de 11,4% e noutro semelhante realizado no hospital de Leiria em 431
doentes a mortalidade hospitalar foi de 19,01%.
Keating no seu estudo levado a efeito no Hospital de Amarante conclui que a doença
afecta, igualmente, ambos os sexos, embora as mulheres mais tardiamente que os
homens. Conclui, ainda, que a mortalidade por AVC é mais elevada nas mulheres (19%)
que nos homens (15%).
Num estudo levado a efeito pela Direcção-Geral da Saúde em colaboração com os
Hospitais públicos do Continente, com todos os doentes internados com o diagnóstico de
AVC – 1 912, durante o mês de Março de 1996 (foi obtida informação sobre 1568
doentes), verificou-se que, durante o internamento, faleceram 158 doentes (10,1%), até
aos 30 dias pós AVC, faleceram 202 (12,9%), e até aos 90 dias pós AVC, faleceram 347
(22,1%).
Incidência e prevalência
Alguns autores defendem que a incidência do AVC é, habitualmente, de 1 a 2 por 1000
habitantes por ano, considerando que o maior factor de risco é o aumento da idade.
Consideram, ainda, que 85% dos doentes tem mais de 65 anos, que acima dos 85 anos
a incidência é de 20 % por ano e que é raro aparecer um AVC antes dos 55 anos.
Não é conhecida, em rigor, qual a incidência dos AVC na população portuguesa, já que a
utilização dos Cuidados de Saúde por estes pacientes é muito diversa.
83
GRECAR
De acordo com os dados do Projecto "Médicos Sentinela", as taxas anuais de incidência
de AVC (tendo por base, apenas, o número de casos notificados) foram mais elevadas
no sexo masculino (219,9 por 1000 hab.) que no feminino (177,1 por 1000 hab.), em
todos os grupos etários. No grupo etário dos de 75 e mais anos os valores foram
semelhantes. Neste grupo, a proporção dos idosos de 80 anos e mais é superior no sexo
feminino. Verifica-se, ainda, que as taxas de incidência aumentam com a idade em
ambos os sexos e que são raros os casos em idades inferiores a 45 anos. Em estudo
realizado por Gonçalves e Cardoso em amostra aleatória da população de Coimbra foi
encontrada uma prevalência de 8%.
Incapacidade
As sequelas são frequentes e o seu impacto familiar, social e económico é muito grande.
No estudo levado a efeito pela Direcção-Geral da Saúde em 1996, verificou-se que
13,8% dos doentes já tinham uma incapacidade muito grave antes do AVC, 59,3%
estavam independentes e 15,0% tinham uma incapacidade ligeira. Três meses após o
AVC constatou-se que 24,0% tinham ficado gravemente incapacitados, 30,8% ficaram
independentes e 18,2% ficaram com incapacidade ligeira.
Para Ramires (20) "80% dos doentes que sofreram um AVC atingem o melhor nível
funcional às seis semanas, 90% atingem-no às 12,5 semanas (3 meses). Não é de
esperar grande melhoria funcional ou neurológica após os 3 meses, pois só 5% dos
doentes farão algum progresso a partir desta altura. Quando completam o programa de
reabilitação, 20% vão ficar com incapacidade grave, 8% com incapacidade moderada,
26% com ligeira incapacidade e 46% ficam independentes. Uma percentagem próxima
dos 50% retomará uma profissão ou manterá as actividades habituais".
Estes resultados, aparentemente mais favoráveis que os do estudo da DGS poderão
resultar da base populacional do estudo ser mais selectiva nos doentes que são seguidos
no hospital.
Os resultados do inquérito nacional de saúde realizado em 1995 a 49 718 indivíduos, dos
quais 9 551 com mais de 65 anos, mostraram que dos 240 com mais de dez anos
sempre acamados, 85 estavam-no por trombose cerebral; dos 116 sempre sentados
numa cadeira, 27 estavam nessa situação pela trombose, e dos 688 limitados à sua casa
para se movimentar, 105 deviam-no a trombose cerebral.
84
GRECAR
Repercussões nos serviços
De acordo com os registos efectuados nos hospitais públicos através do sistema de
classificação dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH), sabemos que o número
de internamentos por AVC tem vindo a aumentar (no ano de 1998 o número de episódios
de internamentos foi de 23 725 e em 1999 foi de 24 873), ao mesmo tempo que a
demora média por este motivo se vem a reduzir; o último valor conhecido refere-se a
1998 e é de 11 dias.
Em alguns hospitais centrais os AVC representam mais de 4% de todos os
internamentos.
A previsível dimensão do problema
Se extrapolarmos para o nível nacional a informação parcelar que temos hoje disponível,
poderemos encontrar, previsivelmente, o seguinte cenário: em média, há entre 20 000 e
25 000 internamentos por AVC por ano, com uma demora média distribuindo-se num
intervalo de variação entre 11 e 15 dias.
Em média morrerão durante o internamento 2 250 doentes e até aos três meses após o
AVC cerca de 4 950 doentes.
Se a situação em termos de capacidade funcional for semelhante à encontrada nos
estudos já realizados, previsivelmente teremos aos três meses após o AVC, em cada
ano: 5 400 indivíduos com uma incapacidade muito grave (0-4 na escala de Barthel); 2
745 com incapacidade grave; 3 330 com incapacidade moderada; 4095 com
incapacidade ligeira e 6930 independentes.
Respostas dos Serviços
Quando o AVC é ligeiro, não dando origem a nenhuma incapacidade, o doente tem
vindo, muitas vezes a ser tratado pelo seu médico assistente. Há, no entanto, casos mais
graves com sequelas incapacitantes. Em qualquer caso deve recorrer ao hospital o mais
85
GRECAR
rapidamente possível (dentro das 3 horas subsequentes aos primeiros sintomas ou
sinais).
O doente que teve um AVC provavelmente vai participar num programa de reabilitação
durante um a dois meses. O programa consiste em terapia física, terapia ocupacional e,
se necessário, terapia da fala.
O progresso da reabilitação varia de pessoa para pessoa. Para algumas a recuperação
fica completa em algumas semanas a seguir ao AVC. Algumas queixas e dificuldades
desaparecem ou melhoram muito com o tempo e a reabilitação, especialmente nos 3
primeiros meses a seguir ao AVC.
Quem teve um AVC tem maior risco de vir a ter outro pelo que deve fazer, para sempre,
tratamento preventivo.
Os doentes, mesmo os que não foram muito afectados ou ficaram sem incapacidade
devem fazer a prevenção de um novo AVC, tendo em atenção os factores de risco e
tomando os medicamentos prescritos pelo médico.
Tratamento convencional
Os doentes com AVC internados são hoje encaminhados para os Serviços de Medicina
ou Neurologia, sendo o enfoque dos cuidados sobretudo orientado para a fase aguda. Os
cuidados orientados para a reabilitação não têm sido tão valorizados quanto seria
desejável.
Unidades de AVC
A realidade tem demonstrado que os doentes com AVC, dispersos por várias
enfermarias, não usufruem das sinergias que podem resultar de uma intervenção
multiprofissional.
Perante a proporção de pessoas incapacitadas após o AVC há necessidade de
equacionar as novas abordagens ao problema que passam por melhores cuidados
durante o internamento, melhor acompanhamento em ambulatório e por imprescindível
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GRECAR
articulação com outras instituições públicas ou privadas que dão contributo importante
para assegurar/manter uma vida de qualidade.
Vários estudos têm demonstrado que novas formas organizativas dos serviços
contribuem para mais ganhos de saúde tais como menor mortalidade e incapacidade.
As Unidades de AVC têm sido apontadas como uma das formas que mais têm
contribuído para esses ganhos.
As Unidades de AVC
Finalidade
A finalidade das UAVC é reduzir o internamento em Hospitais de agudos, a incapacidade
funcional e as complicações pós AVC e o número de doentes que necessitam de
cuidados de enfermagem em casa ou nas Unidades de doentes crónicos, assim como
facilitar o retorno de uma grande proporção de doentes ao seu ambiente familiar e, tanto
quanto possível, ao seu local de trabalho.
Objectivos
São objectivos das UAVC:
Iniciar precocemente o tratamento e a neuro reabilitação;
Prevenir o agravamento do AVC;
Identificar factores de risco;
Implementar medidas preventivas do AVC recorrente;
Prevenir complicações;
Tratar situações co-mórbidas;
Desenvolver um plano de alta e de follow-up adequados.
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GRECAR
Definição
A expressão "unidade de AVC" designa um sistema de organização de cuidados
prestados aos doentes com AVC numa área geograficamente bem definida. A expressão
"equipa de AVC" é usada quando há uma equipa móvel no hospital referenciada aos
AVC em diferentes unidades do hospital. Devem considerar-se, prioritariamente, como
Hospitais-alvo para estas Unidades os hospitais que tenham, pelo menos, por ano, entre
300 e 400 AVC.
Todo o doente que entra no hospital com diagnóstico de AVC, sempre que,
logisticamente possível, deve ser encaminhado para esta Unidade. Os hospitais com
grande volume de AVC devem ter critérios explícitos de admissão na Unidade.
Simultaneamente devem ser assegurados serviços de Medicina Física e de Reabilitação
nestes hospitais ou realizados protocolos com entidades privadas para apoio após a alta
(para não se perder todo o investimento feito a nível hospitalar).
Princípios gerais
Os grupos multidisciplinares que tratam estes doentes nas UAVC desenvolvem,
coordenadamente, políticas e procedimentos para formular e executar um plano de
cuidados e reabilitação integrada baseado nas necessidades e problemas individuais dos
doentes, no conceito do AVC enquanto emergência médica e na forte colaboração entre
as diversas especialidades e profissionais. Estas unidades devem ter um programa de
educação, de formação contínua, de investigação e de Desenvolvimento Contínuo da
Qualidade (DCQ).
Estrutura recomendada
Esta Unidade deve ficar situada no CRI de Medicina/Doenças Neurológicas/Doenças
Vasculares ou no Departamento/Serviço de Medicina, ou de Doenças Neurológicas ou
ainda como unidade autónoma.
Os doentes são concentrados num determinado espaço geográfico, dentro do hospital,
com pessoal (médico, de enfermagem e outro) especialmente preparado para tratar estes
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GRECAR
doentes; Uma Unidade que trata 300 a 400 doentes por ano deve ter 4 a 6 camas de
cuidados "iniciais" (intermédios/diferenciados) onde os doentes são tratados na fase
aguda e cerca de 8 a 12 camas para onde os doentes transitam depois da fase aguda.
Nota: Devem ser tidas em conta as especificidades de cada Hospital ou Região
Recursos Humanos
Deve ter técnicos, tais como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala,
técnico de cardiopneumografia e secretária de unidade; Estima-se que para tratar 300 a
400 doentes/ano sejam necessários dois internistas, dois neurologistas, um fisiatra a
tempo parcial, fisioterapeutas e enfermeiros, de preferência com a especialização de
enfermagem de reabilitação.
É recomendável a consultoria de cardiologia que, habitualmente, já existe no hospital.
Estas Unidades devem ter um coordenador que deve ser, em princípio, um internista ou
um neurologista com a categoria de Chefe de Serviço ou Assistente Graduado.
Em alternativa, em hospitais mais pequenos que não disponham de Neurologia e/ou
Fisiatria, deve haver um consultor de neurologia, um de fisiatria e um de cardiologia.
Equipamento
Para além do material de qualquer unidade de internamento, a UAVC deve ter um
ecógrafo que permita realizar Eco-Doppler cardíaco e transcraneano, assim como dos
vasos do pescoço. O hospital que implementar esta Unidade deve ter acesso a TAC e a
laboratório 24 horas por dia e ter, ainda, os meios necessários à prevenção do
tromboembolismo e úlceras de pressão.
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GRECAR
Operacionalização das unidades
Devem considerar-se, prioritariamente, como Hospitais-alvo para estas unidades os
hospitais que tenham, pelo menos, por ano, entre 300 e 400 AVC; Todo o doente que
entra no hospital, com diagnóstico de AVC, sempre que, logisticamente possível, deve
ser encaminhado para esta Unidade; Os hospitais com grande volume de AVC, podendo
ter mais que uma unidade, devem ter critérios explícitos de admissão na Unidade,
enquanto não for possível encaminhar todos os doentes; Simultaneamente devem ser
assegurados serviços de MFR nestes hospitais ou realizados protocolos com entidades
privadas para apoio após a alta (para não se perder todo o investimento feito a nível
hospitalar).
Formação
Deve ser assegurada formação multidisciplinar aos grupos profissionais que venham a
trabalhar nestas Unidades.
Avaliação
Para se poder avaliar o sucesso desta iniciativa há necessidade de adoptar alguns
mecanismos de Desenvolvimento Contínuo da Qualidade. Assim, estas novas Unidades
devem adoptar o modelo de centros de custo e comprometer-se a realizar uma avaliação
com alguns indicadores de Qualidade, a apresentar, anualmente, à ARS, com cópia para
a Direcção-Geral de Saúde.
Qualidade dos Cuidados Boas Práticas nos AVC
Cuidados gerais nos AVC isquémicos
À entrada no hospital: falar com o doente com voz calma; avaliação do estado de
consciência (entubação nasogastrica, se alterações de consciência; cateterismo vesical,
pesado o risco de infecção urinária/úlceras de pressão); evitar algaliação. Os doentes
com AVC só devem ser algaliados se houver uma clara indicação médica; fazer TAC -
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GRECAR
CE; em caso de necessidade, colocar soros (não devem ser colocados
no membro plégico).
Na enfermaria (prevenir complicações):
• Ambiente de internamento – o internamento deve ser feito, preferencialmente, em locais
sossegados, se possível em UAVC.
1.° Dia:
Postura correcta no leito (não deitar sobre o ombro plégico); reavaliar o estado de
consciência e decidir sobre a necessidade da continuação da entubação nasogastrica;
nos acamados fazer logo no primeiro dia medidas terapêuticas de prevenção de
trombose venosa dos membros inferiores; Dar especial atenção ao rastreio da disfagia
pela pesquisa do reflexo da deglutição (com o doente sentado) e tomar as medidas
necessárias para evitar complicações respiratórias.
2.° Dia e seguintes:
Avaliação pelo médico fisiatra entre as 48 e as 72 horas e pôr em execução o programa
de reabilitação definido; obter avaliação funcional com o índice de Barthel e também uma
avaliação cognitiva na primeira semana de internamento (Mini-Mental State);
Iniciar mobilização suave com técnicas anti-espásticas, tendo em conta o ombro do lado
plégico – prevenção da sub-luxação do ombro e do ombro doloroso. Iniciar treino
funcional;
Iniciar levante para a cadeira de braços o mais cedo possível (habitualmente até às 72
horas) logo que clinicamente estável (estatisticamente os hemorrágicos estabilizam mais
tarde que os isquémicos);
Iniciar o treino do equilíbrio sentado; reavaliação da necessidade de algaliação e treino
vesical, se algaliado;
Iniciar mobilização activa e deambulação, pelo menos, três vezes por dia; sessão formal
de ensino à família (se houver) antes da alta (individual ou de grupo);
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GRECAR
h) Estimulação cognitiva e sensorial, através das técnicas de terapia ocupacional e
terapia da fala três vezes por dia – conversa sobre aspectos correntes, jogos de palavras,
etc. (ter em conta a velocidade de resposta do doente).
Na alta:
Avaliação da capacidade funcional com a escala de Barthel e das alterações cognitivas
(MMS) pela equipa assistente (medicina, neurologia);
Consulta de fisiatria com prescrição terapêutica até nova consulta no ambulatório (os
encargos com os primeiros vinte tratamentos devem ser da responsabilidade do
hospital); informação escrita ao Centro de Saúde pela equipa assistente (Fax, ofício, etc.)
ou informação pelo telefone; preenchimento do "Guia do doente com AVC".
No ambulatório:
Até aos 3 meses após o AVC, cabe ao médico fisiatra decidir da necessidade de
reabilitação; deve haver nova avaliação do fisiatra aos 3 meses - Barthel e IADL. Os
doentes que não colaboram, que têm uma função cognitiva pobre e Barthel _<5,
excluídas as causas tratáveis, já não beneficiam tratamentos de reabilitação. Os
restantes doentes, se não recuperaram, podem continuar, ainda, a beneficiar de
tratamentos de reabilitação até aos 6 meses; c) a partir dos seis meses, a continuação da
terapêutica de reabilitação só será assegurada pelos serviços públicos após a apreciação
dos Fisiatras Consultores das ARS.
Cuidados gerais nos AVC hemorrágicos
À entrada no hospital:
Falar com o doente com voz calma; avaliação do estado de consciência (entubação
nasogastrica, se alterações de consciência; cateterismo vesical, pesado o risco de
infecção urinária/úlceras de pressão); evitar algaliação. Os doentes com AVC só devem
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GRECAR
ser algaliados se houver uma clara indicação médica; fazer TAC – CE; em caso de
necessidade, colocar soros (não devem ser colocados no membro plégico).
Na enfermaria (prevenir complicações):
Ambiente de internamento – o internamento deve ser feito, preferencialmente, em locais
sossegados, se possível em UAVC.
1.° Dia:
Postura correcta no leito (não deitar sobre o ombro plégico); reavaliar o estado de
consciência e decidir sobre a necessidade da continuação da entubação nasogastrica;
nos acamados fazer logo no primeiro dia medidas terapêuticas de prevenção de
trombose venosa dos membros inferiores; dar especial atenção ao rastreio da disfagia
pela pesquisa do reflexo da deglutição (com o doente sentado) e tomar as medidas
necessárias para evitar complicações respiratórias.
2.° Dia e seguintes:
Avaliação pelo médico fisiatra entre as 48 e as 72 horas e pôr em execução o programa
de reabilitação definido; obter avaliação funcional com o índice de Barthel e também uma
avaliação cognitiva na primeira semana de internamento (Mini--Mental State); iniciar
mobilização suave com técnicas anti-espásticas, tendo em conta o ombro do lado plégico
- prevenção da sub-luxação do ombro e do ombro doloroso. Iniciar treino funcional; iniciar
levante para a cadeira de braços o mais cedo possível (habitualmente até às 72 horas)
logo que clinicamente estável (estatisticamente os hemorrágicos estabilizam mais tarde
que os isquémicos);
Iniciar o treino do equilíbrio sentado; reavaliação da necessidade de algaliação e treino
vesical, se algaliado; iniciar mobilização activa e deambulação, pelo menos, três vezes
por dia; sessão formal de ensino à família (se houver) antes da alta (individual ou de
grupo); h) estimulação cognitiva e sensorial, através das técnicas de terapia ocupacional
e terapia da fala três vezes por dia – conversa sobre aspectos correntes, jogos de
palavras, etc. ter em conta a velocidade de resposta do doente).
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Na alta:
Avaliação da capacidade funcional com a escala de Barthel e das alterações cognitivas
(MMS) pela equipa assistente (medicina, neurologia); consulta de fisiatria com prescrição
terapêutica até nova consulta no ambulatório (os encargos com os primeiros vinte
tratamentos devem ser da responsabilidade do hospital); informação escrita ao Centro de
Saúde pela equipa assistente (Fax, ofício, etc.) ou informação pelo telefone;
preenchimento do "Guia do doente com AVC".
No ambulatório
Até aos 3 meses após o AVC cabe ao médico fisiatra decidir da necessidade de
reabilitação; deve haver nova avaliação do fisiatra aos 3 meses – Barthel e I Nota: A
Direcção-Geral da Saúde compromete-se a, no início de cada ano, divulgar os resultados
nacionais relativos ao ano anterior ADL. Os doentes que não colaboram, que têm uma
função cognitiva pobre e Barthel _<5, excluídas as causas tratáveis, já não beneficiam de
tratamentos de reabilitação. Os restantes doentes, se não recuperaram podem continuar,
ainda, a beneficiar de tratamentos de reabilitação até aos 6 meses; c) a partir dos seis
meses, a continuação da terapêutica de reabilitação só será assegurada pelos serviços
públicos após a apreciação dos Fisiatras Consultores das ARS.
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GRECAR
CAPÍTULO 7
CHOQUE
ESTRUTURA DA CÉLULA E METABOLISMO
O corpo possui triliões de células, que com as suas membranas semipermeáveis regulam
o meio intra e extra celular. O protoplasma das células é composto maioritariamente por
água. O líquido extra-celular contém mais sódio, cloretos e bicarbonato que o meio intra-
celular que por um processo de transporte activo e passivo, entram na célula para
participarem no metabolismo e produção de energia.
SISTEMA CARDIOVASCULAR
Uma circulação eficaz depende de ser unidireccional, de o rendimento dos ventrículos ser
idêntico, e de o sangue circular num gradiente de pressão do sistema arterial (alta-
pressão) para venoso (baixa-pressão).
O termo Microcirculação refere-se aos capilares, veias, arteríolas, metarteríolas e
anastomoses arteriovenosas; na microcirculação ocorrem trocas de gases e nutrientes, e
controla-se a resistência periférica total (TPR), que reflecte a taxa de fluxo de sangue nos
vasos (influenciada pelo hematócrito e viscosidade do sangue) e as diferenças de
pressão dentro dos vasos.
Os capilares possuem esfíncteres que sob estimulação simpática, influenciam a
vasoconstrição e a vasodilatação. Possuímos cerca de 5 litros de sangue, dos quais 3
são de plasma e 2 são de G.R., a maioria do volume sanguíneo encontra-se no sistema
venoso.
A tensão sistólica reflecte o débito cardíaco (força e velocidade), enquanto que a
diastólica reflecte a TPR. A Pressão Arterial Média (MAP) reflecte o grau de hipoperfusão
tecidular. Para calcular a MAP usa-se a fórmula: 1/3 (TAS - TAD) + TAD.
CONTROLE NERVOSO DO SISTEMA CIRCULATÓRIO
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GRECAR
O Sistema Nervoso Autónomo (SNA) é responsável pelo controle nervoso do músculo
liso, cardíaco e glândulas, bem como das funções viscerais. É dividido em Simpático
(SNS) e Parassimpático (SNP), que diferem na localização das células nervosas, efeitos
e mediadores químicos.
O SNS é importante na síndrome de choque, pois muitos dos sinais que o doente
apresenta resultam da sua estimulação. As suas fibras têm origem em segmentos da
espinal-medula de Dl até L2. É predominantemente um sistema motor, que pelas fibras
pos-gangliónicas chegam ao coração (aumentam a força de contracção e ritmo),
pulmões, brônquios (dilatação), estômago, intestino, rins (aumenta a secreção de renina),
vasos (vasoconstrição), pupilas (midríase) e glândulas (aumenta a secreção). Estas
fibras são adrenérgicas (o mediador químico libertado é a norepinefrina, uma
catecolamida, neurotransmissora e poderoso vasoconstritor).
Especiais receptores sensitivos da pressão sanguínea são enervados por fibras do SNA.
No Sinus Carotídeo e nas paredes do arco aórtico é onde existem mais destes
receptores, chamados de Baroreceptores. Uma TA sistólica inferior a 6OmmHg deixa de
estimular os baroreceptores, causando a inibição de impulsos ao centro vasomotor do
cérebro, originando aumento da actividade vasomotora, com vasoconstrição e subida da
pressão sanguínea.
OBJECTIVOS
• Definir os quatro tipos de choque.
• Descrever as mudanças anatomo-fisiologicas que estão na base dos sinais e
sintomas do choque.
• Descrever a avaliação de enfermagem no doente em choque.
• Com base na informação disponível, identificar diagnósticos e resultados
esperados nos doentes com choque.
• Planear intervenções adequadas para o doente em choque.
• Avaliar a eficácia das intervenções.
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GRECAR
INTRODUÇÃO
CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA
É um síndrome resultante da inadequada perfusão tecidular, levando a uma diminuição
no aporte de 02 e nutrientes necessários ao metabolismo celular; esta insuficiência de
aporte de 02 e nutrientes às necessidades normais do metabolismo celular, leva a que o
organismo responda activando mecanismos compensatórios intrínsecos para melhorar a
perfusão, principalmente em zonas de grande exigência (cérebro, coração e pulmões).
Quando os mecanismos compensatórios falham em restabelecer a perfusão adequada,
uma cascata de anormalidades celulares podem levar a uma total disfunção orgânica e,
eventualmente, à morte.
CHOQUE HIPOVOLEMICO
O choque mais comum que afecta doentes de trauma é causado pela hipovolémia.
Hipovolémia consiste na diminuição do volume de sangue em circulação, pode resultar
de perdas significativas de sangue por causa de hemorragias. Também pode ser
causado por grandes perdas de plasma e proteínas por quebra de integridade da
membrana semipermeável das células, como nas queimaduras, onde estes componentes
passam do espaço intravascular para o intersticial. Choque devido a hemorragia é
classificado em quatro classes baseado na percentagem de volume de sangue perdido. A
tabela que se segue lista as respostas fisiológicas dos quatro graus de volume de sangue
perdido.
TABELA - Respostas fisiológicas à hemorragia (baseado num homem de 70Kg)
• Classe I — perdas até 15% (750 ml), com P<100, TA normal, ligeiramente ansioso, FR
entre 14-20 ciclos/min e um débito urinário> 30 ml/h.
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GRECAR
• Classe II perdas entre 15-30% (750-1500ml), com P>100, TA normal, moderadamente
ansioso, FR entre 20-30 ciclos/min e débito urinário entre 20-30 ml/h.
• Classe III — perdas entre 30-40% (1500-2000 ml), com P>120. TA diminuída, ansioso e
confuso, Taquipneico (30-40 ciclos/min.) e baixo débito urinário (5-15 ml/h).
• Classe IV — perdas superiores a 40 % (+ de 2000ml), P>140, TA diminuída, confuso e
letárgico, FR>35 ciclos/min. e débito urinário mínimo.
CHOQUE CARDIOGÉNICO
Choque cardiogénico é uma síndrome resultante da perfusão ineficaz por contractilidade
inadequada do músculo cardíaco. Causado por EAM, lesão cardíaca fechada,
insuficiência mitral, disritmias e falência cardíaca. Raramente surge por Trauma e o EAM
a causa mais comum.
CHOQUE OBSTRUTIVO
Choque obstrutivo resulta de um volume inadequado de sangue em circulação, por
obstrução/compressão nas grandes veias, aorta, artérias pulmonares ou o próprio
coração. O Tamponamento Cardíaco pode comprimir de tal forma o coração durante a
diástole, que as aurículas ficam incapazes de se contraírem e de se preencherem
adequadamente, levando a uma diminuição do débito ventricular. O Pneumotórax de
tensão pode levar a um debito de volume inadequado por desvio da Veia Cava Inferior e
obstrução do retomo venoso à aurícula direita. Urna embolia gasosa pode levar à
obstrução da artéria pulmonar e subsequente obstrução do fluxo ventricular direito
durante a sístole. O Hemotórax de tensão é outra situação, em tudo semelhante à do
pneumotórax de tensão. Ou seja, as causas que levam a este tipo de choque incluem:
• Compressão cardíaca com obstrução do preenchimento auricular (Tamponamento
cardíaco).
• Deslocamento mediastínico com obstrução do preenchimento auricular (Pneumotórax
de tensão).
98
GRECAR
• Urna combinação destas duas causas (Hemotórax de tensão).
CHOQUE DISTRIBUTIVO
Choque distributivo é uma síndrome resultante de uma má distribuição do volume ou do
fluxo sanguíneo. Causado por má distribuição do volume, temos o choque neurológico e
o anafílático.
Choque Neurogénico ocorre por má distribuição do volume, por lesão da espinal-medula
cervical ou dorsal alta. As funções Simpáticas Autónomas perdem-se, resultando em:
Perda do Tónus vasomotor regulado pelo SNS, que resulta em vasodilatação
periférica e má distribuição do sangue nos vasos periféricos (principalmente
veias), levando à hipotensão.
Perda do controle cutâneo das glândulas sudoríparas levando à incapacidade
de transpirar, perda de controlo da regulação térmica, e pele quente e seca.
Aumento do controle Parassimpático na frequência cardíaca, causando
bradicardia.
O choque medular é um termo usado para descrever a ausência de reflexos e tónus, que
regressam após a resolução do choque Outro tipo de choque distributivo é o Séptico,
onde há má distribuição do sangue devido alterações na microcirculação e dilatação
venosa.
LESÕES ASSOCIADAS COMUNS
Feridas no tórax, abdómen e/ou certos ossos podem levar a perdas variáveis de sangue.
Lesões no fígado, baço, grandes vasos torácicos, fémur e múltiplos ossos longos, bem
como a pélvis, podem levar a grave hipovolémia. Eventualmente, uma combinação de
várias feridas menores podem levar ao choque.
FISIOPATOLOGIA COMO A BASE DOS SINAIS E SINTOMAS
O choque é uma síndrome que envolve todas as células e o seu equilíbrio químico e
metabólico. As consequências da má perfusão tecidular variam de órgão para órgão. As
respostas dos mecanismos compensatórios também variam mediante o órgão atingido.
99
GRECAR
Se não for tratado, o choque pode evoluir para estados irreversíveis, à medida que esses
mecanismos falham em restabelecer a perfusão e o sistema do órgão perde a
homeostasia.
RESPOSTA VASCULAR
Numa hemorragia, o volume sanguíneo diminui, levando à vasoconstrição periférica por
estimulação simpática, causada pela inibição dos baroreceptores (devido à menor
pressão sobre os mesmos) Dá-se a libertação de catecolaminas das glândulas adrenais
e a constrição das arteríolas (vasoconstrição para melhorar o retomo venoso à aurícula
direita) como tentativa para aumentar a resistência periférica total, a Pré-carga e a Pós-
carga cardíaca (Output), e consequentemente a pressão sanguínea. A vasoconstrição
tenta melhorar o retorno venoso à aurícula direita. Os Corpos Carotídeos nas bifurcações
das artérias carotídeas, e os Corpos Aórticos têm quimioreceptores sensíveis aos níveis
arteriais baixos em O2 e altos de CO2. Se a pressão arterial baixar, o fluxo através da
artéria com estes quimioreceptores é diminuído, e a baixa de O2 e subida de CO2
estimulam os receptores; como consequência, o centro vasomotor é estimulado e a
resposta destes quimioreceptores é a vasoconstrição. A pressão tem de ser inferior a 80
mmHg para os activar e a resposta surge segundos após a alteração da pressão.
A resposta vascular pode ser detectada pela subida da TA diastólica.
RESPOSTA CEREBRAL
Numa situação de choque, o principal objectivo do corpo é manter a perfusão cerebral,
cardíaca e pulmonar; assim, a perfusão para estes órgãos é beneficiada em detrimento
doutros, como o fígado, os intestinos, a pele e os rins.
A estimulação simpática (vasoconstrição) tem pouco efeito nos vasos cerebrais e
coronários, mas o cérebro e o coração podem autorregular o fluxo segundo as
necessidades dos seus tecidos. Desta forma, cérebro e coração são preferencialmente
irrigados durante os estágios iniciais e intermédio do choque. Se a pressão arterial for
inferior a 50 mmHg e se iniciar isquemia cerebral, o acumular de CO2 no centro
vasomotor do cérebro estimula a resposta do sistema nervoso central à isquemia. Esta
resposta consiste numa ainda maior estimulação do sistema nervoso simpático.
Alterações do nível de consciência podem iniciar isquemia cerebral.
100
GRECAR
RESPOSTA RENAL
A isquemia renal activa a libertação para o plasma em circulação de Renina, uma enzima
armazenada nas células justaglomerular das arteríolas renais. A Renina faz a
Angiotensina, uma proteína normal do plasma, libertar a Angiotensina I; a ACE (Enzima
de conversão da angiotensina, situada nos pulmões) converte-a na Angiotensina II. Os
efeitos da Angiotensina II são:
• Vasoconstrição das arteríolas e algumas veias.
• Estimulação do SNS.
• Retenção de água pelos rins.
• Estimula a libertação da Aldosterona (hormona que retém o sódio) do Córtex
Supra-Renal.
O sistema Renina-Angiotensina é tão poderoso, que demora cerca de 10 a 60 minutos a
ser completamente activado. Um sinal de hipoperfusão renal pode ser a diminuição do
débito urinário.
RESPOSTA DA GLÂNDULA SUPRA-RENAL
Quando estimulada pelo SNS, libertam-se catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) da
medula supra-renal. A Epinefrina estimula os receptores cardíacos com aumento da força
de contracção (inotropia positiva) e aumenta o ritmo cardíaco (cronotropia positiva) de
forma a melhorar o output cardíaco (débito) e consequentemente a pressão e perfusão
tecidular. Também causa vasoconstrição. A Norepinefrina leva à vasoconstrição para
aumentar a resistência periférica total, e como tal, aumentar a pressão e perfusão
sanguínea. Os sinais de choque pela libertação das catecolaminas são a taquicardia,
aumento da ansiedade, e uma subida da TA diastólica.
RESPOSTA HEPÁTICA
O fígado pode acumular o excesso de glicose sob a forma de glicogénio. À medida que o
choque se instala, a epinefrina activa a glicogenólise para transformar o glicogénio em
glicose. Em resposta ao choque, os vasos hepáticos sofrem constrição para dirigir o
101
GRECAR
sangue a outras áreas vitais: mas se a isquemia hepática for muito profunda, a função
hepática fica comprometida.
RESPOSTA PULMONAR
Pode existir taquipneia por 2 motivos:
• Para manter o equilíbrio ácido-base.
• Para manter um elevado aporte de O2. Para as células produzirem energia, tem
de haver O2 para os processos de oxidação, que usam os iões e de hidrogénio do
metabolismo da glicose para gerar energia. Quando o O2 escasseia, esta fase de
oxidação está comprometida.
Como a degradação da molécula de glicose em ácido pirúvico é um processo anaeróbio,
este processo continua, levando ao acumular de ácido pirúvico, convertido em ácido
láctico. Daqui resulta Acidose metabólica do metabolismo anaeróbio, que estimula os
pulmões a aumentar a frequência respiratória, para tentar corrigir a acidose e tentar
maximizar o fornecimento de O2 aos alvéolos.
CHOQUE IRREVERSÍVEL
O choque não tratado, ou numa fase irreversível, irá comprometer a maioria dos sistemas
corporais. Por exemplo, uma hipovolémia prolongada irá causar uma queda tensional,
uma vez que há retorno venoso insuficiente, um preenchimento cardíaco inadequado e
uma diminuição da perfusão coronária; como estas artérias são irrigadas na diástole e a
pressão diastólica cai, elas serão menos irrigadas com consequente diminuição da
contractilidade do miocárdio. As membranas dos lisossomas, nas células, quebram-se e
libertam enzimas digestivas que causam danos intracelulares. Outros químicos no corpo,
como a Histamina, a Serotonina e as Prostaglandinas também são activadas. Os
derivados do metabolismo proteico — Ureia, Ácido Úrico e Creatinina não são excretados
pelos rins, mas sim reabsorvidos na circulação. Como os mecanismos compensatórios
continuam a falhar, desenvolvem-se trombos na microcirculação, a passagem do sangue
fica obstruída, e principalmente, as células dos tecidos ficam isquémicas. O estado de
choque toma-se irreversível, podendo surgir acidose, falha vasomotora, paragem
cardíaca e falência hepática, entre outros.
102
GRECAR
CUIDADOS NO CHOQUE HIPOVOLÉMICO
Avaliação - O doente que chega em estado de choque profundo por trauma, exige
avaliação e intervenção em simultâneo.
História - Tem locais de hemorragia evidentes? Qual a estimativa da perda de sangue?
Avaliação física
1. Inspecção
• Determinar o nível de consciência - este pode deteriorar progressivamente; na
hipoperfusão cerebral pode surgir ansiedade, confusão e prostração. Com 30-40% de
perda de volume de sangue, o doente pode não responder a estímulos verbais/dolorosos.
Perdas superiores a 40% levam geralmente à inconsciência,
• Os sinais precoces de hipoperfusão cerebral são difíceis de interpretar se se suspeitar
da presença de álcool ou drogas. Qualquer alteração do estado de consciência deve ser
considerada como resultado de isquemia até prova em contrário.
• Verificar a eficácia e ritmo respiratório.
• Identificar locais óbvios de hemorragia externa.
• Avaliar a coloração da pele — pode existir palidez ou cianose, especialmente à volta da
boca; as mucosas podem estar pálidas.
• Observar as veias jugulares externas e veias periféricas, que podem estar dilatadas ou
deprimidas
• Inspeccionar o tórax, abdómen e extremidades por sinais óbvios de hemorragia,
fractura ou grandes lesões tecidulares.
2. Auscultação
• Avaliar a TA — devido à vasoconstrição e a um débito (output) cardíaco baixo, pode ser
difícil de a obter; pode-se pedir ajuda a um Doppler Ultra-sónico.
• Calcular a Pressão do Pulso (diferença entre a TA sistólica e a diastólica) — à medida
que a resistência periférica sobe nas fases iniciais de choque (normal ou diminuição da
TA sistólica e aumento da diastólica), a TA diastólica também sobe; logo, a pressão de
pulso estreita-se à medida que o débito cardíaco cai e há vasoconstrição. O
estreitamento do Pulse Pressure é um mau sinal.
103
GRECAR
• Auscultar os sons respiratórios — hemorragias na cavidade torácica podem levar à
diminuição ou abafamento dos sons respiratórios.
• Auscultar os sons cardíacos — podem parecer distantes ou abafados se houver sangue
a nível pericárdico.
• Auscultar sons intestinais — a sua ausência pode indicar hemorragia intra-abdominal;
mas mesmo que os sons estejam presentes, não se pode excluir a hipótese de
hemorragia. Doentes em choque profundo geralmente apresentam sons intestinais
ausentes ou hipoactivos.
3. Percussão do peito e do abdómen; a não ressonância pode indicar presença de
sangue. A identificação de fontes de hemorragia interna é essencial.
4. Palpação
Palpar o pulso carotídeo — numa fase precoce a taquicardia pode indicar um
forte efeito de cronotropia positivo (frequência) das catecolaminas em
circulação. Um efeito de Inotropia positivo (força de contracção) pode ser
evidenciado por um pulsátil pulso carotídeo.
Palpar pulsos periféricos — um pulso fraco ou filiforme pode ser causado por
uma diminuição do volume bombeado como resultado da hipovolémia.
Palpar a temperatura e grau de diaforese da pele.
Procedimentos diagnósticos
1) Estudos Radiológicos Radiografia ao tórax — despiste de hemo/pneumotórax e
tamanho do Mediatismo (um mediastino alargado pode indicar lesão aórtica ou outros
vasos mediastínicos). Radiografia pélvica (bacia) — despiste de fracturas, que podem
levar a perdas significativas de sangue por ruptura dos vasos pélvicos. Radiografia ao
fémur, se houver suspeita de fractura.
2) Estudos Laboratoriais
Amostra para tipagem — obter os níveis de Hgb, Htc, electrólitos, creatinina, ureia e
lactatos. Urina com sedimento. Gasimetria — PH, PaO2. PaCO2. Baixos níveis de Ph (o
normal é entre 7.35-7.45) revelam uma pioria do débito celular de oxigénio à medida que
a acidose metabólica se instala devido ao metabolismo anaeróbio e produção de ácido
104
GRECAR
láctico. Um PaCO2 elevado (o normal é entre 35-45 mmHg) indica acidose respiratória e
insuficiente ventilação alveolar. Uma baixa de PaO2 indica hipóxia.
ANÁLISE, DIAGNÓSTICOS, INTERVENÇÕES E RESULTADOS ESPERADOS
Após a avaliação inicial, o diagnóstico pode ser definido como um problema actual ou
risco potencial de o vir a desenvolver; o diagnóstico será estabelecido com base nos
sinais e sintomas do doente.
PLANEAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO
Administrar O2 por máscara de alta concentração, com quantidade de O2 suficiente para
manter o reservatório insuflado (pelo menos 12 Lt/m). O oxigénio é essencial para o
doente em choque: pela máscara unidireccional, podemos fornecer até 100% de O2.
Controlar qualquer hemorragia externa abundante — prevenir assim a progressão do
choque. Qualquer grande hemorragia externa deve ser controlada por pressão directa.
Preparar para a cirurgia caso a hemorragia interna o indique — promover o transporte
imediato após os cuidados de estabilização terem sido prestados. Iniciar reposição
endovenosa de fluidos antes de administrar sangue ou soluções colóides, deve-se iniciar
uma solução isotónica e electrolítica equilibrada, e uma solução cristalóide via 2 catéteres
14/16 gauge. O Lactato de Ringer é uma solução “quase-fisiológica” semelhante ao fluído
extra-celular, O S.F. normal (0.9%) é a segunda escolha no doente com hipovolémia. O
bólus inicial de Lactato de Ringer deve ser de 1-2 litros, em perfusão rápida. O uso de
catéteres de grande débito, curtos, com prolongamentos de soro curtos ou uma infusora
rápida, contribuem para tal. É importante avaliar a resposta do doente ao bólus através
da avaliação da TA e ritmo cardíaco, no mesmo tempo que se auscultam os sons
respiratórios.
No choque neurogénico deve-se monitorizar o volume intravenoso: uma vez que o
doente está normovolémico, deve-se evitar a sobrecarga de fluidos. A hipotensão pode
estar relacionada com a hipovolémia de outras lesões ou com o choque neurogénico.
Avalie a frequência do pulso, temperatura corporal e manifestações neurológicas para
distinguir qual dos 2 tipos de choque é.
105
GRECAR
Iniciar reposição sanguínea - quando não respondem de forma adequada ao bólus de
cristaloides. O ideal é sangue do mesmo grupo (Type-specific) e compatibilizado com
reacção cruzada (Crossmatched); caso não seja possível, usar o O-Negativo (dador
universal) uma vez que não tem aglutinogénios (antigénios) que reajam com aglutinas
(anticorpos) e como é Rh negativo, não tem antigénio tipo D. Se não existir sangue O-
Negativo, usa-se por vezes em elementos masculinos o O-positivo, uma vez que o risco
de conterem anticorpos D é remoto (85% dos brancos e 95% dos negros são Rh+); se se
der este sangue a uma mulher pré-menopausa cujo grupo seja desconhecido, deve ter-
se em conta a administração posterior de Imunoglobulina Rho (D).
Em grandes transfusões de sangue, vigiar a trombocitopenia: a administração de Plasma
fresco congelado (FFP), crioprecipitado (Factor VIII) e/ou plaquetas deve ser considerada
quando os estudos de coagulação são desconhecidos. O sangue deve ser administrado
através de sistema com filtro (impedir passagem de coágulos — clots) macroporoso (140-
l7Oμm) e nunca microporoso. Perfunde por um acesso com solução normal salina. Deve-
se administrar fluidos quentes (até 39º) para prevenir a hipotermia. Se a vítima de trauma
era saudável e recebe fluidos de ressuscitação, uma Hgb de 7g/dl e um Htc de 20-21%
devem ser toleráveis. Seguir os protocolos de cuidados em doentes que recusam
transfusões de derivados de sangue. Num doente com Hemotórax, considerar a hipótese
de auto transfusão. Continuar ou considerar a aplicação de PASG (pneumatic antishock
garment) — a pressão nos tecidos à volta dos vasos que estão debaixo deste vestuário
causa um gradiente de pressão dentro dos vasos que os faz diminuir de tamanho;
aumenta-se assim o afterload (pressão contra a que o coração faz ao bombear e que é
determinada principalmente pela TA), e logo o afluxo ao cérebro, coração e pulmões. Há
controvérsia sobre se não se deverá primeiro controlar e repor as perdas, uma vez que
esta pressão pode aumentar a hemorragia e a des-saturação de 02. PASG é indicado em
hemorragias intra-abdominais e fracturas da bacia e das extremidades inferiores. A
aplicação deste aparelho não deve atrasar o tempo de transporte ou a reposição de
fluidos. É contra-indicado em choque cardiogénico com edema pulmonar e/ou ruptura do
diafragma, em mulheres grávidas ou eviscerações/objectos empalados no abdómen
(insuflar apenas as extremidades), ou se existir urna hemorragia fora dos limites do
PASG. Á medida que a TA for estabilizando, o PASG pode ir sendo gradualmente
106
GRECAR
desinsuflado; começa-se pelo abdómen, e uma vez totalmente desinsuflado, passa-se a
uma perna de cada vez. Posicionar o doente com as pernas elevadas.
A posição de Trendlenburg modificada pode ter vantagens quando não se suspeita de
TVM ou TCE, o doente fica em decúbito dorsal com as pernas elevadas e o abdómen na
sua posição normal, favorecendo o retomo venoso à aurícula direita; à medida que a TA
for estabilizando, pode-se ir baixando gradualmente as pernas mantendo a monitorização
da TA. Colocar um tubo gástrico, uma vez que a distensão abdominal pode levar ao
vómito e/ou aspiração; a distensão pode estimular o nervo vago levando a uma
bradicardia. Ao se colocar o tubo, estamos a fazer a evacuação do conteúdo do
estômago, a aliviar a sua distensão, e a prevenir a estimulação vagal. Após inserir o tubo,
testar o conteúdo aspirado pela presença de sangue. Algaliar para vigilância do débito
urinário e é necessário para qualquer doente em choque que se prepara para uma
cirurgia. Algaliação pela uretra é contra-indicada quando se suspeita de lesão desta.
Colocar os eléctrodos e monitorizar a função cardíaca (ritmo e frequência). Mudanças de
ECG ou taquicardias sinusais podem passar despercebidas até demasiado tarde no
choque hipovolémico; no entanto, um doente com compromisso da circulação arterial
coronária pode apresentar alterações de ST devido a isquemia. Colocar um oxímetro de
pulso para monitorizar a SaO2; este pode ser ineficaz se existir vasoconstrição periférica.
Vasoconstritores periféricos são contra-indicados nos doentes hipovolémicos, mas
devem ser considerados nos choques neurogénico sem lesões que causem hipovolémia.
REAVALIAÇÃO CONTÍNUA
Vigiar débito urinário como resposta aos fluidos administrados e estado da função renal;
a capacidade dos rins formarem urina reflecte o estado geral da sua perfusão. Colaborar
com outros elementos da equipa à medida que os estudos diagnósticos e a avaliação
física identificam a causa e local da hemorragia.
Monitorizar a temperatura para despiste de hipotermia, pois esta pode levar a um menor
aproveitamento de O2 da Hgb por parte dos tecidos, a uma menor força de contracção
cardíaca e consequente diminuição do seu débito, e a coagulopatias por ruptura da
função celular enzimática, perturbações plaquetárias e aumento da fibrinólise. A
combinação de Hipotermia, coagulopatia e acidose metabólica predispõe o doente a
graves consequências.
107
GRECAR
CAPÍTULO 8
SUPORTE AVANÇADO DE VIDA
EM PRESPECTIVA
INTRODUÇÃO: O PROBLEMA
Na Europa, as doenças cardiovasculares, contribuem para 60 % de todas as mortes em
indivíduos com menos de 75 anos.
Cerca de um terço das vítimas de Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) morrem antes de
chegar ao hospital, a maioria na primeira hora após o início dos sintomas. O ritmo mais
frequentemente encontrado numa primeira avaliação é a Fibrilhação Ventricular (FV) ou a
Taquicardia Ventricular sem pulso (TVsp). O único tratamento eficaz nestas situações é a
desfibrilhação eléctrica, cuja eficácia decresce em cerca de 10%, por cada minuto que
passa.
Nos doentes hospitalizados por EAM, a incidência de FV / TV é cerca de 5%. A paragem
cardio-respiratória (PCR) em contexto hospitalar, na maioria das vezes, ocorre por ritmos
não desfibrilháveis - assistolia ou actividade eléctrica sem pulso (AESP), também
designada como dissociação electromecânica (DEM).
CADEIA DE SOBREVIVÊNCIA
A força da cadeia de sobrevivência depende da resistência de todos os elos, sobretudo
do elo mais fraco. Assim, todos os elos devem ser igualmente fortes/resistentes. Este
conceito resume todos os procedimentos indispensáveis para o sucesso de uma
reanimação. Estes procedimentos estão indicados tanto para as vítimas de Paragem
Respiratória, Paragem Cardio-respiratória (PCR) e vítimas de doença crítica.
108
GRECAR
Figura 8.1 Cadeia de Sobrevivência
1. Reconhecimento precoce da situação de emergência (vítima de doença crítica, dor
torácica ou PCR) e pedido de ajuda
2. Iniciar precocemente Reanimação Cardio-Pulmonar (RCP)
3. Desfibrilhação precoce
4. Suporte Avançado de Vida (SAV) precoce e cuidados pós reanimação eficazes.
O acesso à desfibrilhação por elementos não médicos, nomeadamente enfermeiros,
bombeiros e outros profissionais de saúde devidamente treinados e integrados em
organizações qualificadas, tem permitido a desfibrilhação cada vez mais precoce.
1. Reconhecimento precoce da situação de emergência e pedido de ajuda
O primeiro elo revela a importância crescente no reconhecimento atempado das
situações que podem desencadear um PCR e activar os serviços de emergência na
esperança que o tratamento precoce possa impedir a paragem.
É essencial o acesso imediato aos Serviços de Emergência, em caso de PCR em
contexto extra-hospitalar. Na maioria dos países europeus, estes serviços são activados
por um número telefónico único. O Conselho Europeu de Ressuscitação (ERC -European
Resuscitation Council) recomenda a utilização do número 112 para todos os países da
Europa.
Nos casos de PCR em meio intra-hospitalar, deve existir um sistema interno de
comunicação que active a Equipa de Emergência Médica (EEM).
É fundamental que todos os profissionais de saúde tenham treino e recursos para
desfibrilhar precocemente, mesmo antes da chegada da equipa de reanimação.
109
GRECAR
2. Iniciar precocemente Reanimação Cardio-Pulmonar (RCP):
O início imediato de RCP pode triplicar a sobrevivência das vítimas de PCR, por FV.
As manobras de ventilação e de compressão torácica externa têm como objectivo manter
o sangue a ser oxigenado e em circulação, para a preservação da viabilidade do coração
e do cérebro. O Suporte Básico de Vida (SBV) tem como função ganhar tempo até à
chegada do desfibrilhador e da equipa de SAV.
Em situações de PCR testemunhada, o início imediato de SBV, aumenta a probabilidade
de recuperação e de sobrevivência. Contudo, só num pequeno número de países da
Europa, o SBV é praticado por leigos que testemunham a PCR.
Na PCR em contexto intra-hospitalar, o SBV deve ser iniciado de imediato mas nunca
deve atrasar o acesso à desfibrilhação.
3. Desfibrilhação Precoce
Manobras de reanimação cardio-respiratória mais a desfibrilhação nos primeiros 3 a 5
minutos após PCR produz taxas de sobrevivência de 49 - 75%, nos ritmos de paragem
desfibrilháveis. Por cada minuto que passa sem desfibrilhação a probabilidade de
sobrevivência é reduzida em 10 -15%. Em muitos locais isto, implica implementar
programas de Desfibrilhação Automática Externa (DAE).
Em meio intra-hospitalar, o objectivo é que um número cada vez maior de profissionais
de saúde tenha formação e capacidade para desfibrilhar de imediato, respeitando os
algoritmos de reanimação.
4. Suporte Avançado de Vida (SAV) e Cuidados Pós Reanimação Eficazes
Em muitas situações, apesar da desfibrilhação recuperar os sinais de circulação
espontânea, esta não é suficiente, sendo necessário manobras de suporte adicionais que
optimizem a função cardio-respiratória, aumentando a taxa de sobrevivência a longo
prazo e melhorando a qualidade de vida das vítimas de PCR.
110
GRECAR
CAPÍTULO 9
PARAGEM CARDIORESPIRATÓRIA:
CAUSAS E PREVENÇÃO
A PCR pode acontecer no contexto de problemas primários da via aérea, respiratórios ou
ainda, estar associada a patologia cardiovascular.
A maior parte das patologias que implicam risco de vida, levam a compromisso
respiratório e ou cardiovascular e associam-se a risco de PCR. Por outro lado, os
sistemas respiratórios e cardiovasculares estão estreitamente ligados. Por exemplo, a
hipoxia pode condicionar alterações da função cardíaca, da mesma forma que as
doenças cardíacas provocam um aumento do trabalho respiratório e do consumo de
oxigénio. Daí que a falência cardíaca possa ser consequência de insuficiência
respiratória e vice-versa.
A. OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA
A obstrução da via área pode ser completa ou parcial. No caso de ser completa conduz
rapidamente a PCR. As obstruções parciais precedem frequentemente as obstruções
completas e podem, por si só, condicionar lesões cerebrais e pulmonares, como
resultado da exaustão e da apneia secundária ou, inclusivamente, conduzir à PCR.
São causas frequentes de obstrução da via aérea:
Sangue Epiglotite
Aspiração de conteúdo gástrico Edema da laringe
Corpos estranhos (dentes, alimen
etc.)
Espasmo laríngeo
Broncospasmo Traumatismos da face e/ou pescoç
Secreções brônquicas Depressão do estado de consciênc
111
GRECAR
A depressão do estado de consciência, por si só, pode comprometer a protecção da via
aérea. Exemplos desta situação são:
Vítimas de TCE com valor da escala de coma de Glasgow <8.
Outras lesões estruturais intracranianas.
Depressão do estado de consciência secundária a hipercápnia, alterações
metabólicas, ingestão de álcool ou opióides...
Deve ter-se em atenção que a estimulação da via aérea pode conduzir a espasmo
laríngeo, sobretudo em doentes com alteração do estado de consciência que mantêm
intactos os reflexos protectores da via aérea. Exemplos claros desta situação são a
tentativa forçada de colocação de um tubo orofaríngeo ou a aspiração intempestiva de
secreções da via aérea em doentes estuporosos.
B. FALÊNCIA RESPIRATÓRIA
A falência respiratória pode ser classificada como aguda ou crónica, contínua ou
intermitente, sendo suficientemente grave, nalguns casos, para provocar apneia e PCR
subsequente.
Nos doentes com reserva respiratória diminuída, pequenas alterações podem ser o
suficiente para precipitar complicações graves, incluindo situações de PCR. Estas
resultam, habitualmente, de um conjunto de factores; por exemplo, um doente com
doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e insuficiência respiratória crónica a quem
surge uma infecção respiratória aguda, uma situação associada a fraqueza muscular ou
um síndrome restritivo resultante, por exemplo, de uma fractura de costela com dor
subsequente. Em qualquer uma destas situações pode verificar-se uma
descompensação com falência respiratória iminente.
Centro respiratório
Uma afecção grave do SNC pode significar uma depressão ou uma abolição dos
movimentos respiratórios. As causas são semelhantes às descritas para a obstrução da
via aérea de causa central.
112
GRECAR
Esforço ventilatório
Os músculos mais importantes para a ventilação são o diafragma e os músculos
intercostais. Estes últimos são enervados ao nível de cada dermátomo intercostal e
podem ficar afectados na sequência de lesão medular. Por outro lado, o diafragma pode
ser afectado por lesões medulares entre a 3ª e a 5ª vértebras cervicais, suficientemente
graves para serem incompatíveis com ventilação autónoma.
Existem ainda múltiplas patologias neuromusculares (miastenia gravis, síndrome de
Guillan- Barré, esclerose múltipla, etc...) que podem associar-se a alterações da
ventilação, com grau variável de gravidade.
As doenças sistémicas graves e a desnutrição crónica podem implicar fraqueza muscular
e limitações ventilatórias subsequentes.
Outras situações como a cifoescoliose, fracturas de costelas ou do esterno, podem limitar
a amplitude dos movimentos respiratórios e condicionar a eliminação de secreções
pulmonares pela tosse, afectando a ventilação.
Doenças pulmonares
A ventilação pode ser afectada pela presença de um pneumotórax ou por um derrame
pleural. Um pneumotórax hipertensivos, se não for rapidamente drenado, pode levar a
restrição respiratória e compromisso hemodinâmico graves. Para além disto, o
parênquima pulmonar pode ser sede de um conjunto de doenças que comprometem, em
menor ou maior grau, a ventilação. Pneumonias, aspiração, DPOC agudizada, asma,
embolia pulmonar, contusão pulmonar, ARDS e edema pulmonar são exemplos comuns
deste mecanismo fisiopatológico.
C. PATOLOGIA CARDÍACA
Existem situações de PCR cuja etiologia não é possível determinar. As afecções
cardíacas podem ser primárias ou secundárias e a PCR pode ser súbita ou precedida de
um estado de baixo débito, com maior ou menor duração.
113
GRECAR
Causas primárias de paragem cardíaca:
Isquemia do miocárdio
EAM
Cardiopatia hipertensiva
Valvulopatias
Fármacos (ex. antiarrítmicos, antidepressivos tricíclicos, digitálicos)
Acidose
Desequilíbrios electrolíticos
Hipotermia
Electrocussão
A PCR pode resultar também de insuficiência cardíaca, tamponamento cardíaco, ruptura
cardíaca, miocardite ou miocardiopatia hipertrófica.
Síndrome Coronário Agudo (SCA) - A oclusão de uma artéria coronária com EAM
subsequente pode ocorrer sem sintomatologia prévia. Cerca de 50 % dos doentes
morrem na primeira hora após o início das queixas, na sua maior parte, por ocorrência de
FV, antecedida ou não de TV. O risco máximo de FV ocorre logo após o início da
sintomatologia, diminuindo nas horas seguintes.
Causas secundárias:
São situações em que o coração é afectado secundariamente por um problema extra-
cardíaco, que pode surgir de forma aguda ou crónica. É o que acontece nos casos de
PCR secundária a asfixia por obstrução da via aérea, apneia, pneumotórax hipertensivo
ou hemorragia aguda. Noutras situações, o coração é afectado secundariamente no
contexto da evolução de doenças cronicamente hipoxemiantes, anemia, hipovolémia e
sépsis grave.
IDENTIFICAÇÃO DE DOENTES EM RISCO E PREVENÇÃO DA PCR
A mortalidade pós - PCR é elevada, pelo que os doentes em risco devem ser
identificados para que se tomem as medidas de prevenção em tempo oportuno e exista
114
GRECAR
uma maior probabilidade de salvar vidas. A identificação tem por base o exame
individual, com exame clínico complementado por exames auxiliares.
No caso dos doentes hospitalizados, a PCR não é imprevista nem súbita e, em cerca de
80 % dos casos, verifica-se uma deterioração progressiva prévia. As manifestações
clínicas mais frequentes são os sinais de dificuldade respiratória, a elevação da
frequência cardíaca e a diminuição do débito cardíaco.
Igualmente frequentes são manifestações de hipotensão, prostração, letargia, estado
confusional ou deterioração do estado de consciência. Nas horas que precedem a PCR
são comuns alterações metabólicas, particularmente acidose.
Do ponto de vista respiratório, os sinais e sintomas mais frequentes são a dispneia, o
aumento da frequência respiratória e a diminuição da SatO2. A existência de pele fria,
marmoreada e cianosada, com decréscimo da amplitude do pulso e oligúria, sugerem
diminuição do débito cardíaco. Alterações da consciência têm, neste contexto, significado
idêntico.
Equipa médica de emergência
A possibilidade de se obter apoio especializado para os doentes em risco de PCR, seja
de cuidados intensivos, unidades intermédias ou coronárias, com correcção precoce das
alterações detectadas, melhora o prognóstico.
Ao nível mundial, de forma crescente, foi introduzido no funcionamento dos hospitais o
conceito de Equipa Médica de Emergência (EME) ou Equipa para Doentes em Risco
(EDR), de forma a melhorar o prognóstico e prevenir a PCR.
Nestas equipas estão incluídos médicos e enfermeiros com experiência em cuidados
intensivos.
Os critérios de activação da EME do Liverpool Hospital, em Sidney, encontram-se na
Tabela em baixo.
A sua actividade inclui a possibilidade de internamento precoce em UCI e a correcção de
disritmias malignas, podendo contribuir também para a decisão de considerar o doente
como não candidato a reanimação (estabelecer a Decisão de Não Reanimar -DNR).
115
GRECAR
PARÂMETROS ALTERAÇÕES
Via aérea Em dificuldade
Respiração Todas as paragens respiratórias
FR < 5 ciclos/min
FR> 36 ciclos/min
Circulação Todas as PCR
FC < 40 bat/min
FC > 140 bat/min
PA sistólica < 90 mmHg
Neurológico Alteração súbita da consciência c
diminuição do GCS > 2 pontos
Convulsões repetidas/prolongadas
Outros Qualquer doente que, sem preenc
estes critérios, apresente situa
preocupante
Tabela - Critérios de activação da EME
A. OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA
Verificar a permeabilidade da via aérea constitui uma medida indispensável na avaliação
dos doentes em risco de obstrução.
No caso de "engasgamento" se o doente estiver consciente, pode queixar-se de
dificuldade respiratória ou apresentar um "fácies" de angústia marcada, levando muitas
vezes as mãos ao pescoço em sinal de desespero.
Na obstrução parcial existe um ruído inspiratório mas, se a obstrução é total, há silêncio
respiratório. Se ainda houver esforço respiratório, o doente apresenta sinais de grande
angústia e pode já estar em exaustão. Há recurso aos músculos acessórios (adejo nasal
e tiragem intercostal e supraclavicular) e o padrão dos movimentos abdominais é descrito
como "em barco", com expansão do abdómen e retracção torácica, pois o esforço
inspiratório com a via aérea obstruída provoca movimentos opostos aos da respiração
normal.
116
GRECAR
Recomendação: Nestes casos, a prioridade é a permeabilização da via aérea, incluindo
as manobras descritas no SBV ou mais avançadas, como a entubação endotraqueal.
Recomendação: A prevenção da obstrução da via aérea centra-se, essencialmente, na
identificação e resolução do problema que a provoca. Por exemplo:
O sangue e secreções devem ser removidas precocemente e o doente
colocado em PLS, salvo se houver contra-indicação;
Os doentes com alterações do estado de consciência têm risco de obstrução da
via aérea, o que significa ser necessário assumir medidas preventivas,
nomeadamente:
Aspiração de secreções;
Posicionamento (alinhamento da cabeça e pescoço, no caso de estarem
desalinhados);
Hiperextensão da cabeça;
Colocação de um tubo orofaríngeo ou nasofaringeo;
Entubação endotraqueal ou traqueostomia.
B. VENTILAÇÃO INADEQUADA
Diagnóstico
Os doentes conscientes, com dificuldade respiratória, apresentam habitualmente queixas
e a avaliação clínica permite identificar a etiologia:
A hipóxia manifesta-se, muitas vezes, por irritabilidade e confusão;
A hipercápnia pode provocar letargia e depressão do estado de consciência;
A cianose pode ser evidente;
A elevação da FR (> 30 ciclos/min) indica, geralmente, problemas respiratórios.
A oximetria de pulso é um método simples e útil de complementar a avaliação destes
doentes, não dispensando, contudo, a avaliação por gasimetria arterial que, não só
fornece informações mais fidedignas sobre a oxigenação, como sobre a PaC02 e o pH.
Uma elevação progressiva da PaC02 e a diminuição do valor de pH são, habitualmente,
sinais tardios de problemas respiratórios.
117
GRECAR
Tratamento
Aos doentes com hipóxia deve ser administrado oxigénio suplementar e o tratamento
dirigido à causa subjacente. Por exemplo, num doente em dificuldade respiratória e com
história de traumatismo torácico recente, deve-se considerar sempre a possibilidade de
pneumotórax e confirmá-lo ou exclui-lo imediatamente. O diagnóstico clínico de
pneumotórax hipertensivo implica drenagem imediata, inicialmente através da introdução
de um cateter venoso G14 no 2º espaço intercostal ao nível da linha médio-clavicular e,
depois, pela colocação de uma drenagem pleural, caso se confirme a presença de
pneumotórax.
Nos casos de pneumonia devem ser utilizados antibióticos e, de forma complementar,
cinesiterapia e terapêutica de suporte.
Em alguns casos, pode haver necessidade de suporte ventilatório após entubação
endotraqueal ou a utilização de ventilação não invasiva.
C. CAUSAS CARDÍACAS
Diagnóstico
A maior parte dos casos de morte súbita ocorre em vítimas com patologia cardíaca
prévia, desconhecida em alguns casos. Embora o risco seja mais elevado nos doentes
com doença cardíaca grave, a maioria das mortes súbitas ocorre em doentes sem
doença conhecida. Nas formas assintomáticas de doença cardíaca incluem-se:
cardiopatia hipertensiva, valvulopatias, miocardite, fibrose ou isquemia silenciosa. Um
pequeno número de casos de PCR ocorre em doentes com coração aparentemente
normal, principalmente jovens activos e saudáveis.
Epidemiologicamente, é possível caracterizar um conjunto de factores de risco para a
doença cardiovascular. Os factores de risco independentes são:
Idade
Sexo masculino
História familiar de doe
cardiovascular
Tabagismo
Diabetes mellitus
Hiperlipidémia
HTA
118
GRECAR
Hoje em dia é possível identificar marcadores genéticos num número crescente de
doenças cardíacas, como a cardiomiopatia hipertrófica, miocardiopatia do ventrículo
direito e síndrome do QT longo. A prevenção mais eficaz resulta do controlo da doença
de base. A forma mais comum de apresentação do SCA é o EAM no homem e a angina
na mulher.
A angina manifesta-se geralmente pela sensação de aperto ou de desconforto pré
cordial, com irradiação para a mandíbula, pescoço e para um ou ambos os membros
superiores. A prova de esforço permite caracterizar a doença coronária em doentes
sintomáticos. A angiografia caracteriza a doença e ajuda a planificar o tratamento.
A dor associada ao EAM tem características semelhantes às da angina, mas é mais
prolongada no tempo, habitualmente mais de 30 minutos. As manifestações associadas
incluem náuseas e vómitos, angústia e sintomas neurovegetativos. Alguns doentes,
nomeadamente os com Diabetes mellitus, podem sofrer EAM sem apresentarem sinais
ou sintomas.
Recomendação
As prioridades no tratamento do SCA são:
Analgesia, habitualmente com Morfina em bólus (2 a 3 mg), repetidos até se
obter controlo da dor; é frequente a necessidade de associar anti-eméticos;
O2 em concentrações elevadas;
Nitratos;
Aspirina (300 mg);
Trombólise, quando indicada.
Nos doentes com doença coronária, o tratamento farmacológico e a revascularização por
angioplastia, ou cirurgia de by-pass, diminuem o risco de PCR. De forma similar, o
tratamento e monitorização das doenças cardíacas tem um impacto semelhante.
Alguns doentes, nomeadamente os que sofreram EAM prévio, têm indicação para a
investigação e estratificação de subgrupos de risco. Entre os métodos a utilizar, está o
ECG contínuo e a avaliação funcional do miocárdio. Nos subgrupos de maior risco a
correcção dos desvios é eficaz na prevenção de PCR.
119
GRECAR
As medidas de prevenção dependem de decisões individualizadas, mas incluem a
utilização de ß-bloqueantes, inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e
vasodilatadores, antiarrítmicos ou outras intervenções, como a revascularização e a
utilização de cardioversores/desfibrilhadores implantados, em alguns doentes.
Nos casos de risco de PCR secundária, a acção prioritária é corrigir o problema primário.
Isto não exclui a possibilidade de iniciar medidas de suporte cardiovascular que
optimizem a oxigenação do miocárdio e de outros órgãos, como a correcção da
hipovolémia, da anemia, da hipotermia ou do choque séptico.
A correcção dos desequilíbrios electrolíticos e ácido base, o controlo da frequência
cardíaca e das disritmias são medidas importantes que se enquadram na designação de
optimização hemodinâmica.
Para melhor caracterizar estes casos é, muitas vezes, necessário recorrer a meios
diferenciados como a ecocardiografia e o cateterismo da artéria pulmonar. Com a
utilização destes recursos, podem ser definidos objectivos mais precisos para cada
doente, de modo a optimizar o seu estado através da manipulação de diversas variáveis
hemodinâmicas, como a frequência cardíaca, as pressões de enchimento, o volume de
ejecção e as resistências vasculares periféricas, pela utilização de aminas vasoactivas e
outros fármacos.
RESUMO
A PCR pode ser secundária a obstrução da via aérea, alterações respiratório ou
disfunção cardíaca.
A PCR em doentes hospitalizados é habitualmente secundária a outros
problemas sendo, com frequência, antecedida de sinais de alarme nas horas
precedentes.
Os doentes com risco de PCR, se identificados em tempo útil, devem ser alvo
de medidas preventivas eficazes. A eficácia da prevenção poderá ser
optimizada pela existência de equipas médicas de emergência.
120
GRECAR
CAPÍTULO 10
SUPORTE BÁSICO DE VIDA NO ADULTO
O suporte básico de vida (SBV) tem como objectivo a manutenção de algum grau de
ventilação e de circulação de modo a manter a vítima viável até que possa ser instituído o
tratamento médico adequado e revertida a causa de paragem. A interrupção da
circulação durante 3 a 4 minutos (ou mesmo menos, no caso de uma vítima já
previamente com hipoxémia) implica lesões cerebrais, que poderão ser irreversíveis, e
cuja tradução clínica pode ser variável. Qualquer atraso no início de SBV reduz
drasticamente as hipóteses de recuperação.
Por definição, o SBV implica que seja praticado sem recurso a qualquer equipamento. Se
isto é inquestionável quando falamos para leigos, já com os profissionais de saúde (em
ambiente pré-hospitalar ou numa instituição de saúde) não se passa o mesmo. Os
profissionais de saúde no desempenho da sua profissão devem ter equipamento
adequado para lidar com as vítimas de paragem cardio-respiratória.
Qualquer pessoa poderá, no entanto, ser confrontada com a necessidade de efectuar
SBV sem recurso a equipamento, pelo que se justifica uma descrição do tema nessa
vertente.
História da reanimação
Já em 1878, Bohem descreveu a "massagem cardíaca externa" a qual terá sido utilizada
com sucesso esporádico nos 10 anos seguintes. Só no final dos anos 50 surgiu a
publicação de trabalhos sobre a eficácia da ventilação boca a boca (Peter Safar) e nos
anos 60 a publicação do clássico trabalho de Kouwenhoven, Jude e Knickerbocker sobre
a massagem cardíaca externa. A reanimação moderna surge em 1961, por Peter Safar,
com a descrição do método de conjugação das duas técnicas.
Durante a reanimação obtém-se algum fluxo anterógrado de circulação pela conjugação
da compressão do coração (efeito de bomba cardíaca) e a elevação da pressão intra-
torácica (efeito de bomba torácica), durante a qual o colapso que ocorre no sistema
venoso impede o fluxo retrógrado.
121
GRECAR
Mesmo em condições óptimas a compressão cardíaca externa apenas consegue
aproximadamente 30 % do débito cardíaco normal.
Até há pouco tempo, o diagnóstico de paragem cardíaca residia na ausência de pulso
central palpável (carotídeo ou outro). Experiência acumulada tem vindo a demonstrar que
se trata de um processo que requer habitualmente mais tempo que o previsto e que tem
cerca de 50 % avaliações incorrectas. Por esta razão, a pesquisa de pulso é reservada
apenas aos profissionais de saúde deixando de ser ensinada a leigos.
SEQUÊNCIA DE ACÇÕES EM SBV
1. AVALIE AS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA NO LOCAL
2. AVALIE SE A VÍTIMA RESPONDE:
Abane suavemente os ombros e pergunte em voz alta
"Está bem? Sente-se bem?" (Figura 4.1)
Figura 10.1 Avalie se a vitima responde
2a. Se a vítima responder
• Deixe-a na posição em que a encontrou (desde que isso não represente perigo
acrescido);
122
GRECAR
• Avalie a situação e peça ajuda, se necessário;
• Reavalie periodicamente.
Figura 10.2 Grite por ajuda Figura 10.3 Extensão da cabeça e elevação do queixo
2b. Se a vítima não responder
• Peça ajuda gritando em voz alta (Figura 10.2);
• Não abandone a vítima e prossiga com a avaliação. A menos que não seja
possível avaliar adequadamente a vítima na posição em que ela se encontra, deverá
colocá-Ia em decúbito dorsal;
• PERMEABILIZE A VIA AÉREA (Figura 10.3)
o Verifique se existem corpos estranhos dentro da boca (comida, próteses
dentárias soltas, secreções); se existirem deve removê-Ios mas somente se os visualizar
o Nota: As próteses dentárias bem fixas não devem ser removidas.
o Coloque a palma de uma mão na testa da vítima e dois dedos da outra mão no
bordo do maxilar inferior;
o Efectue simultaneamente a extensão da cabeça e elevação do maxilar inferior.
ATENÇÃO: Nas situações em que exista suspeita de trauma não fazer hiperextensão da
cabeça. Nestes casos a permeabilização da via aérea deve ser feita mantendo o
alinhamento do corpo, pescoço e cabeça com ligeira elevação do queixo. A sub-luxação
não está mais indicada por ser de difícil realização e na maioria das vezes ser ineficaz e
também provocar movimentos cervicais.
123
GRECAR
3. PESQUISE SINAIS DE CIRCULAÇÃO Mantendo a permeabilização da via aérea
(Figura 10.4)
Procure
VER se existe movimentos torácicos;
OUVIR se existem ruídos de saída de ar junto à boca e nariz da vítima;
SENTIR na sua face se há saída de ar pela boca da vítima;
Palpar pulso central
o Deverá Ver, Ouvir e Sentir (VOS) durante 10 segundos.
Deve procurar a existência de movimentos respiratórios normais e o pulso.
Figura 10.4 Pesquise Sinais de Circulação
Movimentos respiratórios ocasionais e ineficazes designados por "gasping" ou
"respiração agónica" não devem ser confundidos com respiração normal. Estes
movimentos não causam uma expansão torácica normal.
Em caso de dúvida haja como se a vítima não ventilasse.
O pulso que deve ser pesquisado é pulso carotídeo. Procure palpar o pulso do mesmo
lado em que se encontra, e não do lado oposto, é mais fácil e não corre o risco de causar
obstrução da via aérea ao comprimir os tecidos sobre a traqueia.
Em caso de dúvida haja como se a vítima não tenha sinais de circulação.
124
GRECAR
3a. Se a vítima respira normalmente
• Colocar em posição lateral de segurança –PLS (Figura 10.5);
• Pedir ou mandar pedir ajuda;
• Reavaliar continuamente a respiração.
Figura 10.5 Posição Lateral de Segurança
3b. Se a vítima não respira normalmente mas tem sinais de circulação
• Activar de imediato o sistema de emergência médica ligando 112
o Se estiver sozinho, deve, se necessário, abandonar a vítima e ligar de imediato
112;
o Se estiver alguém junto de si deve pedir a essa pessoa que vá ligar 112
prosseguindo a sequência do SBV;
• Efectuar 10 insuflações;
• Reavaliar sinais de circulação a cada minuto.
Nota
• Se a causa da PCR é de origem respiratória, isto acontece habitualmente nas
situações de afogamento e nas crianças (idade < 8 anos).
125
GRECAR
NESTAS SITUAÇÕES O REANIMADOR DEVE PROSSEGUIR O SBV DURANTE UM
MINUTO E SÓ DEPOIS, SE AINDA ESTIVER SOZINHO, ABANDONAR A VÍTIMA PARA
IR SOLICITAR AJUDA, LIGANDO 112.
• Se quando abandonou a vítima ainda existiam sinais de circulação embora não
respirasse, deverá reavaliar os mesmos no seu regresso.
Ventilação com ar expirado
• Assegure a correcta permeabilização da via aérea com a extensão da cabeça e
elevação do queixo (Figura 10.6);
• Tape o nariz da vítima, pinçando-o entre os dedos polegar e o indicador da mão que
faz a extensão da cabeça (Figura 10.6);
• Mantenha a elevação do queixo, sem fechar a boca da vítima;
• Inspire profundamente (*) e coloque os lábios à volta da boca da vítima certificando-se
que não há fuga de ar (Figura 10.7);
• Insuflar durante 1 seg. para o interior da boca da vítima, observando
simultaneamente a expansão do tórax;
• Afaste a sua boca da boca da vítima, mantendo o posicionamento da cabeça da
vítima, para permitir a saída do ar, verifique a depressão torácica (Figura 10.7);
• Espere cerca de 4 segundos para que, o tórax relaxe completamente e repita o
procedimento de insuflação de ar.
Figura 10.6 Permeabilização da VA Figura 10.7 Insuflar para a boca da vitima Figura 10.8 Retirar a sua boca da enquanto verifica a expansão torácica vitima e verificar a depressão do tórax
(*) Nota: A quantidade de oxigénio no ar atmosférico é de 21 %. O ar que expiramos
contém apenas cerca de 16 % de oxigénio, pelo que, sempre que possível, deve ser
126
GRECAR
enriquecido o seu conteúdo em oxigénio. Durante a ventilação boca-a-boca é
fundamental inspirar profundamente antes de cada insuflação para melhorar a
quantidade de oxigénio com que vamos ventilar a vítima.
Para que possa avaliar se a insuflação é eficaz deve confirmar em cada insuflação se o
tórax se eleva como numa respiração normal.
Se não conseguir ventilar (não há expansão torácica ou há resistência excessiva à
insuflação):
Verifique novamente se não existem corpos estranhos visíveis na boca e, em caso
afirmativo, tente removê-los;
Confirme a correcta permeabilização da via aérea reposicionando a cabeça, se
necessário;
Tente insuflar de novo. Se mantêm ventilação ineficaz proceder como para a
obstrução da VA.
3c. Se a vítima não tem sinais de circulação
• Deve ser feito o pedido de ajuda (ligar 112);
• Iniciar de imediato compressões torácicas;
A activação precoce do sistema de emergência médica é fundamental nas situações em
que a causa provável de paragem é de origem cardíaca (habitualmente devida a
fibrilhação ventricular, cujo único tratamento é a desfibrilhação) o que acontece na
generalidade das vítimas adultas (+ de 60%).
Figura 10.9 Coloque a palma da mão no centro do Figura 10.10 Coloque a palma da outra mão sobre tórax da vítima a primeira mão e entrelace os dedos
• Ajoelhe-se ao lado da vítima;
127
GRECAR
• Coloque a palma de uma das mãos no centro do tórax da vítima (Figura 10.9);
• Coloque a outra mão e entrelace os dedos levantando-os, de forma a não
exercer qualquer pressão sobre as costelas. Não exerça qualquer pressão sobre o
epigastro ou sobre o apêndice xifóide (Figura 10.10);
• Mantenha os braços esticados, sem flectir os cotovelos, e posicione-se de
forma a que os seus ombros fiquem perpendiculares ao esterno da vítima (Figura
10.11);
• Pressione verticalmente sobre o esterno, causando uma depressão de 4 a 5
cm (Figura 10.12);
• Alivie a pressão, de forma que o tórax possa descomprimir totalmente, mas
sem perder o contacto da mão com o esterno;
• Repita o movimento de compressão e descompressão de forma a obter uma
frequência de 100 /min (cerca de 2 compressões em 1,5 seg.);
• O gesto de compressão deve ser firme, controlado e executado na vertical e os
períodos de compressão e descompressão devem ter a mesma duração
Figura 10.11 Posicione-se com os ombros Figura 10.12 Fazer 30 compressões perpendiculares ao esterno da vítima
128
GRECAR
• Sincronize as compressões com as ventilações
o Ao fim de 30 compressões, permeabilize a via aérea e faça 2 insuflações
eficazes (Figura 10.13);
o Reposicione as mãos no local correcto para efectuar compressões;
o Faça de novo 30 compressões.
Figura 10.13 Após 30 compressões permeabilizar a VA e efectuar 2 insuflações
As manobras de SBV, uma vez iniciadas, devem continuar sem interrupção até que:
• Chegue ajuda diferenciada;
• A vítima recupere (**);
• O reanimador esteja exausto.
(**) Nota
Só deve interromper as manobras de SBV, para reavaliação da vítima, caso a vítima faça
algum movimento que sugira a presença de circulação.
129
GRECAR
PONTOS IMPORTANTES RELATIVAMENTE AO SBV
Ventilação
A insuflação de ar deve ser lenta, efectuada ao longo de cerca de 1 segundo, e não
deverá ser sentida grande resistência à insuflação. Se a insuflação for demasiado rápida
a resistência aumenta e é maior a probabilidade de o ar insuflado ir para o estômago,
causando regurgitação do conteúdo gástrico.
O volume de ar a insuflar é de 500 a 600 ml, quando não é utilizada aporte suplementar
de oxigénio, o que deverá corresponder à quantidade necessária para causar uma
expansão visível do tórax da vítima.
Quando a via aérea não está protegida, um volume corrente de 1litro provoca
significativamente uma maior distensão gástrica do que um volume corrente de 500ml.
Evite a hiperinsuflação (muitas insuflações ou grande quantidade de ar), porque aumenta
a pressão intra-torácica, provocando diminuição do retorno venoso com consequente
diminuição do débito cardíaco. Reduz a probabilidade de sobrevivência.
A duração exacta da expiração (habitualmente, cerca de 4 seg.) não é um valor rígido, o
que é fundamental, é esperar que o tórax relaxe completamente antes de voltar a
efectuar nova ventilação.
Compressões Torácicas
As compressões torácicas, mesmo quando correctamente executadas conseguem
apenas gerarem aproximadamente um quarto do débito cardíaco normal.
Efectuar compressões obliquamente em relação ao tórax da vítima faz com que a vítima
possa rolar e diminui a eficácia das compressões.
Efectuar cerca de 100 compressões por minuto.
Ter atenção à depressão que provoca no tórax, que deve ser de 4 a 5 cm.
É importante permitir que o tórax descomprima totalmente durante a realização de
compressões para permitir o retorno de sangue ao coração antes da próxima
compressão e optimizar assim o débito cardíaco que se consegue.
130
GRECAR
O tempo de compressão e de relaxamento do tórax deve ser aproximadamente o
mesmo.
As compressões torácicas podem causar fractura de articulações contrapostas e
consequentemente causar lesões de órgãos internos como: rotura do pulmão, do coração
ou mesmo do fígado. Este risco é minimizado, pela correcta execução das compressões.
As hipóteses de uma vítima de paragem cardio-respiratória recuperar actividade cardíaca
espontânea apenas com SBV são praticamente nulas. O SBV serve fundamentalmente
para ganhar tempo, mantendo algum grau de perfusão cerebral e coronária até à
chegada do SAV. Quando se interrompem as compressões, a perfusão cerebral e
coronária diminuem para valores muito baixos levando algum tempo a retomar aos
valores prévios. Por estes motivos não faz qualquer sentido interromper o SBV para
pesquisar a existência de sinais de circulação, excepto se a vítima fizer qualquer
movimento que possa traduzir a existência de circulação. Caso contrário não deve
interromper as manobras de SBV até à chegada de SAV.
A existência de midríase foi valorizada no passado como sinal de lesão cerebral
irreversível. No entanto, sabe-se hoje que a midríase pode estabelecer-se precocemente
após a cessação de circulação cerebral e é influenciada por múltiplos factores pelo que
não deve ser critério para a suspensão das manobras ou de prognóstico.
VARIANTES DAS TÉCNICAS NA REANIMAÇÃO
Reanimação com dois reanimadores
Embora a realização de compressões e ventilações de forma sincronizada por duas
pessoas seja mais eficaz, por reduzir o tempo perdido entre compressões e ventilações,
a realização de SBV com dois reanimadores requer mais treino do que a aprendizagem
da técnica apenas com um reanimador. Por este motivo, a técnica de SBV a dois
reanimadores é ensinada apenas a profissionais de saúde. Neste caso um dos
reanimadores efectua ventilações e o outro, as compressões mantendo sempre uma
relação compressões: ventilações de 30:2. Deverão trocar as posições de 2 em 2
minutos para evitar o cansaço e exaustão.
131
GRECAR
Estando presentes dois reanimadores profissionais de saúde, a prioridade continua a ser
pedir ajuda diferenciada, pelo que um deles vai ligar 112, após a confirmação da
paragem respiratória, enquanto o outro reanimador inicia o SBV sozinho.
O outro elemento quando regressar deve iniciar as compressões torácicas, aproveitando
o tempo durante o qual estão a ser efectuadas as 2 insuflações para localizar o ponto
onde deverá fazer as compressões. Deste modo reduzem-se as perdas de tempo
desnecessárias.
Durante a ventilação não devem ser efectuadas compressões. Logo após se completar a
2 insuflação devem ser iniciadas as compressões não sendo necessário esperar que a
expiração se complete passivamente.
Deve manter-se a permeabilização da via aérea.
O reanimador que está a fazer as insuflações deverá preparar-se para iniciar as mesmas
logo após a 30ª compressão, com o mínimo de perda de tempo possível. É importante
que quem faz as compressões conte em voz alta de forma a manter o ritmo e também a
coordenação da equipa.
É útil que os dois reanimadores se coloquem em lados opostos da vítima. Quando for
necessário trocar tarefas por um deles estar cansado, a troca deve ser efectuada
perdendo o menos tempo possível. Isto requer treino, para que não haja perda de tempo
e sem prejuízo da correcta execução das manobras.
Ventilação boca-nariz
A ventilação boca-nariz está recomendada quando é impossível ventilar pela boca, o que
pode acontecer por:
• Impossibilidade de abrir a boca da vítima ou de conseguir resolver uma
obstrução;
• Existência de lesões graves da face;
• Dificuldade em conseguir uma boa adaptação da boca à boca da vítima;
• Se a ventilação se inicia dentro de água, situação em que o reanimador só tem
uma mão livre dado que a outra está a suportar o peso do corpo;
132
GRECAR
• Se o reanimador é uma criança e a boca não tem dimensões suficientes para
se adaptar à boca da vítima.
Como proceder
• Manter a cabeça da vítima inclinada para trás;
• Fechar a boca da vítima com uma mão;
• Fazer insuflações como descrito anteriormente soprando pelo nariz;
• Abrir a boca da vítima para permitir a expiração;
• Fechar de novo a boca e repetir o procedimento.
Reanimação só com compressões torácicas
Vários estudos mostram que muitos reanimadores têm relutância em efectuar ventilação
boca-a-boca. Nesta situação recomenda-se que sejam pelo menos efectuadas
compressões torácicas. Ao efectuar apenas compressões torácicas consegue-se
igualmente algum grau de ventilação. Fazer apenas compressões torácicas associa-se a
melhores resultados que não fazer nada. Neste caso as compressões são efectuadas
ininterruptamente a um ritmo de 100 compressões por minuto.
POSIÇÃO LATERAL DE SEGURANÇA
Tal como referido anteriormente, se a vítima respira mas está inconsciente, deve ser em
colocada em posição lateral de segurança (PLS).
A PLS permite manter a permeabilidade da via aérea, garantindo a não obstrução por
queda da língua e permite a livre drenagem de qualquer líquido da cavidade oral,
evitando a entrada do mesmo na via respiratória, minimizando o risco de aspiração do
conteúdo gástrico.
Existem múltiplas variações da posição lateral de segurança. Nenhuma é indicada para
todas as vítimas. Todas elas devem ter presentes os seguintes princípios:
133
GRECAR
• Ser uma posição o mais "lateral" possível para que a cabeça fique numa
posição em que a drenagem da cavidade oral se faça livremente;
• Deve ser uma posição estável;
• Não deve causar pressão no tórax que impeça a respiração normal;
• Deve possibilitar a observação e acesso fácil à via aérea;
• Deve ser possível voltar a vítima em decúbito dorsal de forma fácil e rápida;
• Não deve causar nenhuma lesão à vítima.
É particularmente importante não causar nenhuma lesão adicional à vítima com a
colocação em PLS. Por este motivo no caso de existir suspeita de traumatismo da coluna
cervical não está indicada a colocação da vítima em PLS.
O ERC recomenda a seguinte sequência para colocar a vítima em PLS
• Afastar os espectadores;
• Retirar óculos e objectos volumosos (chaves, telefones, canetas etc.) dos
bolsos da vítima;
• Alargar a gravata (se apropriado) e desapertar o colarinho;
• Ajoelhar-se ao lado da vítima e estender-lhe as duas pernas;
• Permeabilizar a via aérea, efectuando a extensão da cabeça e elevação do
maxilar inferior;
• Colocar o braço da vítima, mais próximo de si, dobrado ao nível do cotovelo,
de forma a fazer um ângulo recto com o corpo da vítima ao nível do ombro e com a
palma da mão virada para cima (Figura 10.14);
• Dobrar o outro braço sobre o tórax e encostar a face dorsal da mão à face da
vítima do seu lado (Figura10.15);
• Com a outra mão segurar a coxa da vítima do lado oposto, imediatamente
acima do joelho e levantá-Ia mantendo o pé no chão, de forma a dobrar a perna da vítima
ao nível do joelho (Figura 10.16);
• Manter uma mão a apoiar a cabeça e com a outra puxar a perna ao nível do
joelho, rolando o corpo da vítima na sua direcção;
134
GRECAR
• Ajustar a perna que fica por cima de modo a formar um ângulo recto ao nível
da coxa e do joelho;
• Se necessário ajustar a mão sob a face da vítima de forma que a cabeça fique
em extensão;
• Verificar se a via aérea se mantém permeável, certificando-se que a vítima
respira sem fazer ruído;
• Vigiar regularmente.
Se a vítima tiver que ficar nesta posição mais de 30 minutos, a posição deverá ser
alterada para o lado oposto para aliviar a pressão do braço inferior.
Figura 10.14 Colocar o braço da vítima, mais próximo de si, dobrado ao nível do cotovelo, de forma a fazer
um ângulo recto com o corpo da vítima ao nível do ombro e com a palma da mão virada para cima
Figura 10.15 Dobrar o outro braço sobre o tórax e encostar a face dorsal da mão à face da vítima do seu lado
135
GRECAR
Figura 10.16 Com a outra mão segurar a coxa da vítima do lado oposto, imediatamente acima do joelho e levantá-Ia mantendo o pé no chão de forma a, dobrar a perna da vítima ao nível do joelho
Figura 4.17 Posição Lateral de Segurança
Para voltar a colocar a vítima de costas
• Ajoelhar por trás da vítima; estender a perna da vítima que está por cima,
alinhando-a com a outra;
• Retirar a mão da vítima que se encontra sob a face e colocar o braço desta sobre
o tórax; colocar uma mão na anca da vítima e a outra a apoiar a cabeça;
• Com um movimento seguro e firme, puxar ao nível da coxa da vítima, rolando-a
sobre as próprias coxas, mantendo simultaneamente a outra mão a apoiar a cabeça;
• Afastar-se progressivamente de forma a acompanhar o movimento da vítima até
esta estar em decúbito dorsal;
• Estender o outro braço ao longo do corpo.
136
GRECAR
ALGORITMO DO SUPORTE BÁSICO DE VIDA NO ADULTO
*ou o numero de emergência nacional
OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA POR CORPO ESTRANHO
A obstrução da via aérea pode ser total ou parcial.
Na obstrução parcial a vítima começa por tossir, ainda consegue falar e pode emitir
algum ruído ao respirar.
Na obstrução total da via aérea a vítima não consegue falar, tossir ou respirar. Poderá
demonstrar grande aflição e ansiedade e agarrar o pescoço com as duas mãos. Não há
qualquer ruído respiratório (apesar das tentativas de respiração) dado que não há
entrada nem saída de ar. É necessário actuar rapidamente, porque se a obstrução não
for resolvida a vítima poderá rapidamente ficar inconsciente e morrer.
INCONSCIENTE?
PERMEABILIZAR V.A. AVALIAR SINAIS DE CIRCULAÇÃO
10 SEG
SEM SINAIS DE CIRCULAÇÃO
LIGAR 112*
2 INSUFLAÇÕES
30 COMPRESSÕES
30 COMPRESSÕES Á
CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
RESPIRA NORMALMENTE •PLS •AJUDA •REAVALIAR
NÃO RESPIRA E TEM PULSO •AJUDA 112 •10 INSUFLAÇÕES •REAVALIAR CADA MINUTO
GRITE POR AJUDA
Até chegar ajuda
Até a vitima recuperar
Até ficar exausto
137
GRECAR
SEQUÊNCIA DE DESOBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA
1. SE A VÍTIMA ESTÁ CONSCIENTE, RESPIRA E CONSEGUE TOSSIR
• Encorajar a tosse e vigiar se a obstrução é ou não resolvida.
2. SE A VITIMA MOSTRA SINAIS DE OBSTRUÇÃO TOTAL
2a. Está consciente
• Cinco pancadas interescapulares (Figura 10.18)
o Colocar-se ao lado e ligeiramente por detrás da vítima;
o Suportar o corpo de vítima ao nível do tórax com uma mão, mantendo-a
inclinada para a frente numa posição tal que se algum objecto for deslocado com as
pancadas possa sair livremente pela boca;
o Aplicar até 5 pancadas interescapulares;
o Cada pancada deverá ser efectuada com a força adequada tendo como
objectivo resolver a obstrução;
o Após cada pancada deve verificar-se se a obstrução foi ou não
resolvida, aplicando até 5 pancadas no total;
• Se a obstrução não for resolvida com a aplicação das pancadas
interescapulares, passar à aplicação de compressões abdominais - Manobra de
Heimlich (Figura 10.19)
o Colocar-se por trás da vítima;
o Colocar os braços à volta da vítima ao nível da cintura;
o Fechar uma das mãos, em punho, e colocar a mão com o polegar
encostado ao abdómen da vítima, na linha média um pouco acima do umbigo e bem
afastada do apêndice xifóide (Figura 10.19);
o Com a outra mão agarrar o punho da mão colocada anteriormente e,
puxar com um movimento rápido e vigoroso para dentro e para cima na direcção do
reanimador;
138
GRECAR
o Cada compressão deve ser um movimento claramente separado do
anterior e efectuado com a intenção de resolver a obstrução;
o Repetir as compressões abdominais até 5 vezes, vigiando sempre se
ocorre ou não resolução da obstrução e o estado de consciência da vítima.
• Repetir alternadamente 5 pancadas interescapulares e 5 compressões
abdominais até desobstrução
Figura 10.18 Pancadas interescapulares Figura 10.19 Posição do reanimador Figura 4.20 Manobra de para efectuar a manobra de Heimlich Heimlich
2b. A vítima está / fica inconsciente
A perda de consciência pode-se acompanhar de relaxamento dos músculos da laringe,
facto que pode só por si permitir a passagem de algum fluxo de ar.
• No caso de uma vítima de obstrução da via aérea ficar inconsciente durante a
tentativa de desobstrução da via aérea o reanimador deve:
o Colocá-la cuidadosamente no chão para não se magoar;
o Activar o sistema de emergência médica ligando 112;
o Iniciar compressões torácicas, seguindo o algoritmo de SBV.
139
GRECAR
ALGORITMO DE TRATAMENTO DA OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA NO ADULTO
Notas
Durante a sequência de desobstrução, de cada vez que permeabilize a via aérea deve
verificar se foi expelido algum objecto que possa ser a causa da obstrução.
No caso de uma vítima encontrada inconsciente o algoritmo de actuação mantém-se
igual ao algoritmo de SBV.
RESUMO
• É fundamental conhecer os riscos para o reanimador e adoptar medidas universais
de protecção.
• O suporte básico de vida é uma medida de suporte que permite manter a vítima
viável até à chegada do suporte avançado de vida.
• É fundamental saber como e quando pedir ajuda e iniciar o mais precocemente as
manobras de SBV.
• A colocação de uma vítima inconsciente em PLS, permite manter a
permeabilidade da via aérea e minimizar o risco de aspiração do conteúdo gástrico.
• Reconhecer uma obstrução da via aérea e iniciar de imediato as medidas
adequadas pode evitar a paragem cardio-respiratória.
AVALIAR GRAVIDADE
OBSTRUÇÃO TOTAL (TOSSE INEFICAZ)
OBSTRUÇÃO PARCIAL (TOSSE EFICAZ)
INCONSCIENTE CONSCIENTE ENCORAJAR A TOSSE AVALIAR A EFICACIA DA
TOSSE
INICIAR COMPRESSÕES TORÁCICAS SBV
5 PALMADAS INTERESCAPULARES 5 COMPRESSÕES ABDOMINAIS
140
GRECAR
CAPÍTULO 11
SBV EM AMBIENTE HOSPITALAR
Numa unidade de saúde deve existir de imediato equipamento auxiliar para a
reanimação, o que justifica alguma adaptação do algoritmo base do SBV, fazendo a sua
integração nos procedimentos de SAV. Estas adaptações são igualmente válidas para o
contexto pré-hospitalar quando, o mesmo equipamento e profissionais qualificados no
seu manuseamento se encontram presentes.
Em todas as paragens cardiorespiratórias em ambiente hospitalar é fundamental que:
• A paragem cardio-respiratória seja reconhecida imediatamente;
• Seja pedida ajuda através de um número de telefone standard;
• Seja iniciada imediatamente reanimação cardio-respiratória, recorrendo a
adjuvantes da via aérea, e se indicado proceder à desfibrilhação num espaço de 3
minutos.
A exacta sequência das acções depois da PCR no hospital depende de múltiplos
factores, incluindo:
1. Local;
2. Conhecimentos / treino dos profissionais;
3. Numero de profissionais;
4. Equipamento disponível;
5. Resposta do sistema de emergência existente no hospital, ex. equipa de
reanimação.
1. Local
Doentes que estejam monitorizados, as PCR normalmente são diagnosticados
rapidamente. Doentes graves podem ter um período de deterioração e a paragem pode
141
GRECAR
não ser presenciada. Idealmente, todos os doentes que apresentem alto risco de
paragem cardíaca deverão estar numa área que permita a sua monitorização para que,
rapidamente sejam reanimados em caso de paragem.
2. Conhecimentos / treino dos profissionais
Todos os profissionais de saúde deveriam ser capazes de reconhecer a paragem
cardíaca, chamar por ajuda e iniciar reanimação cardio-respiratória.
As equipas deveriam fazer aquilo para o qual foram treinados. Por exemplo, as equipas
dos cuidados intensivos e da urgência deverão possuir aptidões específicas do suporte
avançado de vida, que os outros profissionais de outras áreas envolvidos na reanimação
não possuem.
Os profissionais que actuam na reanimação poderão ter diferentes níveis de aptidões na
abordagem da via aérea, respiração e circulação. O reanimador deve realizar os
cuidados para os quais está mais habilitado e treinado.
3. Numero de profissionais
Na presença de um único profissional, este deve assegurar a activação do pedido de
ajuda. Se outros profissionais estão presentes, devem ser desencadeadas outras acções
em simultâneo.
4. Equipamento disponível
Todas as áreas clínicas deveriam ter acesso rápido ao equipamento e fármacos de
reanimação para que imediatamente se proceda à aplicação do suporte avançado de
vida.
Idealmente, o equipamento usado na reanimação (incluindo desfibrilhador) e os fármacos
deverão estar standardizados no hospital.
5. Equipa de reanimação
A activação da equipa de reanimação pode ser a tradicional, em que esta equipa é
activada apenas quando uma paragem é diagnosticada.
142
GRECAR
Outra alternativa é o hospital criar estratégias de identificação de doentes com risco de
desenvolverem paragem cardíaca e activar a equipa médica de emergência antes da
paragem suceder. Em ambiente hospitalar a paragem cardíaca raramente é súbita e
inesperada. Um plano de identificação de doentes com risco de paragem cardíaca podo
prevenir algumas possíveis paragens, ou pode evitar reanimações fúteis nos doentes que
não beneficiaram com a reanimação.
5.1 SEQUÊNCIA DE REANIMAÇÃO EM AMBIENTE HOSPITALAR
Quando um profissional de saúde se depara com um doente aparentemente inconsciente
deve:
• Gritar por ajuda;
• Avaliar o estado de consciência;
• Se mais profissionais estão no local, várias acções podem ocorrer em simultâneo.
1. AVALIAR ESTADO DE CONSCIÊNCIA
1a. O doente está consciente
• Activar a equipa medica de emergência (dependente do protocolo existente);
• Administrar oxigénio;
• Monitorizar e colocar acesso venoso.
1b. O doente está inconsciente
• Gritar por ajuda;
• Colocar o doente em decúbito dorsal;
A. Permeabilizar via aérea
o Extensão da cabeça e elevação do queixo / sub-luxação da mandíbula
se suspeita de lesão cervical;
o Verificar cavidade oral – se tem corpo estranho, secreções, conteúdo
gástrico… Remover, aspirar.
143
GRECAR
B e C. Avaliar Sinais de Circulação – 10 seg
o VER se existe movimentos torácicos;
o OUVIR se existem ruídos de saída de ar junto à boca e nariz do doente
o SENTIR na sua face se há saída de ar pela boca do doente
o Palpar pulso carotídeo
2. O DOENTE APRESENTA SINAIS DE CIRCULAÇÃO
• Avaliar ABCDE;
• Activar equipa médica de emergência;
• Administrar oxigénio;
• Monitorização;
• Colocar acesso venoso.
3. O DOENTE NÃO TEM SINAIS DE CIRCULAÇÃO
3a. Doente com paragem respiratória (tem pulso)
• Activar equipa de emergência médica;
• Efectuar 10 ventilações;
• Verificar pulso a cada 10 ventilações.
3b. Doente com paragem cardio-respiratória
• Activar equipa de emergência médica;
• Iniciar reanimação cardio-respiratória
30 compressões torácicas / 2 ventilações.
144
GRECAR
NOTA
• Enquanto se aguarda pela equipa de emergência e se inicia o SBV, devem
igualmente ser iniciadas outras medidas básicas dependendo do número de
elementos e recursos disponíveis no local:
o Administração de oxigénio
o Monitorização cardíaca
o Acesso venoso
o Mobilização de carro de emergência e desfibrilhador para o local.
• Se estiver presente apenas uma pessoa a activação da equipa de emergência
continua a ser prioritária nem que isso signifique abandonar o doente; se estiverem
presentes 2 ou mais pessoas podem ser asseguradas as tarefas anteriormente
descritas e mantido o SBV.
• A abordagem da via aérea deve ser efectuada com o equipamento mais
apropriado, de acordo com as competências dos elementos presentes, o que poderá
acontecer usando uma máscara de bolso conectada a uma fonte de oxigénio ou
utilizando o insuflador manual igualmente conectado a uma fonte de oxigénio.
Enquanto a via aérea não se encontrar protegida, são recomendados volumes
correntes de 400-600 ml, que se considera serem suficientes para assegurar uma
oxigenação adequada reduzindo o risco insuflação gástrica e consequente aspiração.
• A relação compressões/ventilações devem ser 30:2 enquanto a via aérea não
estiver protegida. Após a entubação endotraqueal e insuflação do cuff, as
compressões devem ser mantidas continuamente a uma frequência de 100 /min e a
ventilação deve ter uma frequência de 10 /min, sem sincronização com as
compressões.
• Logo que esteja disponível o desfibrilhador, o doente deve ser monitorizado e o
ritmo analisado, decidindo se está ou não indicada a desfibrilhação. No caso de estar
presente um ritmo desfibrilhável, a desfibrilhação é prioritária em relação a qualquer outro
procedimento incluindo a ventilação e protecção da via aérea.
• Se existirem elementos suficientes, deverão ser preparados os fármacos e
estabelecido um acesso venoso.
145
GRECAR
• Um dos elementos deve ser responsável pela liderança da equipa e registos. O
processo clínico deve estar disponível para consulta imediata para conhecimento da
situação clínica. A transmissão de informação ao líder da equipa de reanimação deverá
ser a mais precisa e objectiva possível.
ALGORITMO DO SBV INTRA-HOSPITALAR
Seguir o ABCDE Reconhecer e tratar
O2, Monitorização e Acesso Venoso
Chamar a Equipa de Emergência se necessário
Colaborar com a Equipa de Emergência
DOENTE EM APARENTE COLAPSO
GRITAR POR AJUDA (EX.: PORTA DA ENFERMARIA) VOLTA PARA JUNTO DO DOENTE
Sinais de Vida NÃO
Chamar a Equipa de Emergência
RCP 30:2 O2 e Adjuvante da VA
Monitorizar Desfibrilhar se necessário
SAV Com a Equipa de Emergência
SIM
146
GRECAR
CAPITULO 12
MONITORIZAÇÃO ANTES, DURANTE E APÓS A
PARAGEM CARDIACA
INTRODUÇÃO
Até ao momento não existem critérios clinicos eficazes que possam ser utilizados pelos
médicos e que permitam avaliar a eficácia da CPR. Embora o CO2 expirado possa servir
como um indicador de debito cardiaco produzido pelas compressões esternais e pode
indicar o regresso de circulação espontânea.
O principal objectivo da monitorização ECG é a identificação do ritmo para instituir de
imediato o tratamento correcto.
Nas situações de disritmia peri-paragem, a monitorização ECG permite a identificação da
arritmia em questão, promovendo o seu tratamento precoce com o objectivo de evitar a
sua evolução para paragem cardíaca.
A leitura correcta do traçado ECG exige experiência, mas o cumprimento sistemático das
regras básicas de interpretação do traçado facilitam a identificação, rápida e correcta do
ritmo.
A incapacidade de diagnosticar atempadamente ritmos desfibrilháveis, é o principal
obstáculo à desfibrilhação precoce e, consequentemente à eficácia das manobras de
Suporte Avançado de Vida, o que levou à criação dos Desfibrilhadores Automáticos ou
Semi – Automáticos Externos (DAE). Estes aparelhos fazem a análise automática do
ritmo e quando identificam ritmos desfibrilháveis, carregam-se automaticamente e
informam o operador de que se trata de um ritmo desfibrilhável e de quando é possível
accionar o choque eléctrico. Desta forma foi possível aumentar o número de indivíduos
com capacidade para desfibrilharem. Estes desfibrilhadores devem ser utilizados por
elementos que não têm formação suficiente para interpretarem ritmos
electrocardiográficos.
A leitura correcta do traçado ECG implica reconhecer ritmos que possam cursar com
compromisso do débito cardíaco, que possam anteceder a paragem cardíaca ou
complicar o período de recuperação pós reanimação de paragem cardíaca. Mais
importante que identificar o ritmo exacto, é saber que se trata de um registo ECG
147
GRECAR
anormal e avaliar a sua repercussão sobre o débito cardíaco, isto é, a sua tradução em
termos hemodinâmicos. Por exemplo, num doente com bradiarritmia é essencial saber se
existe compromisso hemodinâmico e iniciar o tratamento adequado, sendo a
identificação exacta do ritmo secundária.
De forma semelhante, a mesma taquidisritmia pode ter diferentes consequências em
doentes com patologia e reserva funcional cardíaca distintas.
Em conclusão, em situações urgentes/emergentes, o mais importante é saber avaliar a
repercussão hemodinâmica da arritmia, a sua classificação precisa é secundária.
Avaliação da Hemodinâmica
Pressão de Perfusão Coronária
A pressão de perfusão coronária (CPP = pressão de relaxamento aortico [diastolo]
menos a pressão de relaxamento da auricula direita) durante a CPR correlaciona-se quer
com o fluxo de sangue miocardico e circulação espontânea. Uma CPP >15 mmHg é
predictiva de recuperação de circulção. Em estudos animais, um aumento da CPP
correlaciona-se com melhor sobrevida às 24 horas, e com melhoria dos fluxos coronários
quando se utiliza adrenalina, vasopressina e angiotensina II.
Em situações de monitorização intra-arterial durante a reanimação, os clínicos deverão
tentar optimizar e maximizar a pressão diastolica para adquirir uma PCC optima.
Assumindo-se uma pressão auricular de 10 mmHg, deveremos ter uma pressão aortica
ideal de 30 mmHg para manter uma CPP >20 mmHg durante a reanimação. Infelizmente
este tipo de monitorização raramente é possível fora do ambiente de cuidados intensivos.
Pulsos
É frequente a avaliação do pulso arterial durante as compressões esternais para avaliar a
eficácia das mesmas. Nenhum estudo conseguiu até à data validar a utilidade destas
avaliações durante as manobras. Como não à valvulas na veia cava inferior, o fluxo
retrogado no sistema venoso pode produzir pulsação da veia femural. Então a palpação
148
GRECAR
de um pulso no triangulo femural pode confundir a existencia de pulso arterial femural.
Pulsação carotidea palpada durante as manobras também não quer indicar eficácia de
circulação coronária, miocárdica e ou cerebral.
Avaliação dos Gases Respiratórios
Gasimetria Arterial
A avaliação da gasimetria durante a paragem cardiaca não é um indicador fiável da
gravidade da hipoxia, hipercarbia ( e portanto da eficacia ventilatória) ou acidose
tecidular.
Oximetria
Durante a paragem cardiaca a oximetria não funciona, porque o pulso periférico é
ineficaz. A oximetria de pulso é utilizada para monitorizar doentes nos departamentos de
emergência e cuidados intensivos que não estão em situação de paragem cardiaca,
porque é um metodo simples, fácil e em continuo de avaliar a saturação da
oxihemoglobina.
Uma oximetria de pulso com valores de saturação nomal, não assegura um fornecimento
de oxigénio adequado, porque não calcula o conteudo total de oxigenio (O2 ligado à
hemoglobina + O2 dissolvido) e o débito cardiaco.
A tensão tecidular de O2 não é normalmente avaliada durante CPR, mas pode fornecer
um mecanismo para avaliar a perfusão tecidular, porque tensão parcial de O2
transtecidular cai rapidamente durante a paragem cardiaca e regressa ao valor basal
quando é restaurada a circulação espontanea.
Monitorização do CO2 expirado
A monitorização do CO2 expirado é um indicador seguro e não invasivo de débito
cardiaco durante a reanimação, e pode ser um indicador precoce de recuperação de
ventilação espontânea. Durante a paragem cardiaca o CO2 continua a ser produzido. O
grande determinante da sua excreção é a taxa de transporte da circulação periférica para
149
GRECAR
os pulmões. Num estado de baixo fluxo durante a CPR, a ventilação é comparativamente
mais alta em relação ao fluxo, e por isso a concentração de CO2 expirado é baixo.
Se a ventilação é razoavelmente constante, então alterações na concentração do CO2
expirado, reflecte alterações no débito cardiaco.
Numa série de 774 doentes entubados em paragem cardiaca em reanimação e que
tinham valores máximos de CO2 expirado de < 10 mmHg tiveram o pior prognóstico.
Em resumo, a monitorização do CO2 expirado durante a paragem cardiaca pode ser um
indicador útil não invasivo de débito cardiaco produzido durante as manobras.
Em doentes que recuperam da paragem, monitorização continua ou intermitente do CO2
expirado assegura que o TOT está bem posicionado na traqueia. Pode ainda dar
indicações da ventilação, especialmente ao correlacionar com o PaCO2 medido na
gasimetria arterial.
Monitores Cardíacos
Existem vários tipos de monitores cardíacos, tendo em comum várias características,
todas têm um ecrã para visualização do ritmo cardíaco e alguns permitem imprimir e
gravar os registos ECG. Há monitores que permitem a análise automática do ritmo,
(como os DAE) e muitos determinam a frequência cardíaca e têm alarmes automáticos
pré-estabelecidos.
Eléctrodos de Monitorização
Quando há tempo para efectuar monitorização ECG, é preferível usar eléctrodos
adesivos colados ao tórax do doente, em áreas previamente depiladas ou limpas com
álcool. Estes geralmente têm cores codificadas, o que simplifica a sua utilização: o
vermelho no ombro direito, o amarelo no ombro esquerdo e o verde na região epigástrica
ou por baixo do peitoral esquerdo, de preferência sobre eminências ósseas para
minimizar as interferências eléctricas. A região précordial deve ficar livre para o caso de
ser necessário fazer compressões e/ou desfibrilhação.
• DI: + no ombro esquerdo e – no ombro direito
150
GRECAR
• DII: - na clavícula direita e + no tórax inferior esquerdo
• DIlI: - na clavícula esquerda e + no tórax inferior esquerdo
Estas posições, permitem registos semelhantes aos das derivações DI, DII e DIII do ECG
convencional. Habitualmente selecciona-se a derivação DII, que é aquela que permite
visualizar melhor a onda P, com complexo QRS com amplitude suficiente para permitir a
leitura da frequência cardíaca.
Monitorização após Paragem Cardíaca
Em situações de paragem cardíaca, é fundamental visualizar o ritmo rapidamente. A
maioria dos desfibrilhadores permite monitorizar o ritmo com as pás aplicadas sobre o
tórax, o que tem vários inconvenientes, como o registo de várias interferências e a
interrupção da monitorização com o início das compressões torácicas. Pelo que as pás
devem ser aplicadas com pressão sobre o tórax e para análise rápida e temporária do
ritmo cardíaco, até iniciar monitorização mais adequada com os eléctrodos.
Outra alternativa, é a monitorização com almofadas de gel, que têm a desvantagem de
registarem "falsas assistolias", após várias desfibrilhações seguidas, por aumento da
impedância do gele. Nestes casos é necessário aplicar os eléctrodos de monitorização
clássicos.
Monitorização com DAE
Os DAE e vários desfibrilhadores multifunções utilizam eléctrodos multifunções
impregnados de gel, que permitem simultaneamente registar o ritmo e desfibrilhar
(choque de mãos livres). Os eléctrodos devem colocar-se por baixo da clavícula à direita
e à esquerda fora da área do choque da ponta. Caso não seja possível, devem ser
colocados em posição antero-posterior (trauma grave nos locais descritos ou pace
implantado à direita).
A maioria dos desfibrilhadores automáticos e semi-automáticos externos (DAE), permite
a monitorização cardíaca com eléctrodos aplicados nos locais onde se colocam as pás
para a desfibrilhação, desempenhando em simultâneo as funções de eléctrodos e pás de
desfibrilhação.
151
GRECAR
Diagnóstico Baseado no Registo do Monitor Cardíaco
A imagem do écran e os registos impressos a partir dessa imagem só permitem
identificar o ritmo cardíaco, não permitindo a avaliação do segmento ST ou outras
interpretações mais elaboradas. É fundamental registar uma tira de ritmo, para
documentação das ocorrências durante a reanimação.
O ECG de 12 derivações deve ser obtido assim que seja possível, porque não pode ser
feito um diagnóstico preciso apenas com a imagem do monitor. Só um registo de 12
derivações permite obter toda a informação ECG possível, para iniciar o tratamento
adequado. Da mesma forma, deve ser registado de forma contínua a resposta ao
tratamento, nomeadamente aos antiarrítmicos, pela possibilidade de nos dar informações
importantes sobre a natureza e origem da disritmia.
Conceitos Básicos de Electrofisiologia
A contracção do músculo cardíaco resulta da despolarização das membranas celulares.
Em repouso, a célula miocárdica e o tecido de condução estão polarizadas,
apresentando uma diferença de potencial, de aproximadamente 90 mV, entre o interior e
o exterior da célula. O processo de despolarização anula este diferencial com entrada e
saída de iões a que se segue a contracção muscular.
Na ausência de patologia, a despolarização inicia-se no nodo sino-auricular, tecido de
condução dotado de despolarização automática localizado na aurícula direita, e propaga-
se a toda a aurícula desencadeando a sua contracção.
A onda de despolarização atinge o nodo aurículo-ventricular, onde sofre um atraso de
condução, propagando-se posteriormente para o ventrículo, através do Feixe de His.
Este divide-se em ramo direito (despolarização do ventrículo direito) e em ramo
esquerdo, que se subdivide em feixe anterior e posterior. Os ramos do feixe de His vão-
se subdividindo até formarem a rede de Purkinje. O complexo QRS corresponde à
despolarização ventricular e a onda T, que se segue ao complexo QRS, corresponde à
repolarização ventricular.
152
GRECAR
Como Ler uma Tira de Ritmo
A interpretação correcta do ritmo, pode ser facilitada pela aplicação de princípios básicos.
Colocar as seguintes questões, para interpretação de qualquer traçado:
• Há actividade eléctrica?
• Qual é a frequência ventricular (do QRS)?
• O ritmo é regular ou irregular?
• A duração do QRS é normal ou está alargada?
• Há actividade auricular?
• Qual é a relação da actividade auricular com a ventricular?
Há Actividade Eléctrica?
Na ausência de sinais eléctricos, primeiro confirmar todas as conexões e aumentar o
ganho do ECG, para eliminar a hipótese de se tratar de um artefacto. Se confirma a
ausência de actividade eléctrica, estamos perante uma assistolia. Quando coexistem a
assistolia auricular e ventricular, o traçado é uma linha sem deflecções, mas que tem
frequentemente interferências do registo de base ou do movimento da vítima causado
pelos reanimadores. O aparecimento de uma linha recta no monitor significa que este
não está ligado aos eléctrodos, o que obriga a verificar as conexões.
É fundamental reconhecer o ritmo em que persista actividade auricular (traduzida por
ondas P) apesar da assistolia ventricular (ausência de complexos QRS), por breves
instantes, porque é uma indicação formal para aplicação de pacemaker.
Quando se reconhece que há actividade eléctrica, a próxima etapa é tentar identificar
complexos QRS. Na fibrilhação ventricular não se identificam complexos QRS, o ritmo
ventricular é caótico e não existe contracção muscular eficaz. No traçado são visíveis
ondas disformes, sem regularidade ou ritmicidade. Pode ser classificada em grosseira ou
fina, de acordo com a amplitude das ondas. O tratamento é o mesmo, para as duas
situações.
Após concluirmos que existem complexos QRS, segue-se a seguinte pergunta:
153
GRECAR
Qual é a Frequência Ventricular?
A frequência ventricular normal situa-se entre os 60-100 bat/min. Na bradicardia, as
frequências são inferiores a 60 bat/min e na taquicardia são superiores a 100 bat/min. O
papel electrocardiográfico convencional está calibrado em milímetros, com linhas
reforçadas cada 5 mm (0,5 cm). No papel padrão 25 mm (2,5 cm) equivalem a 1
segundo, ou seja a 5 quadrados largos.
• Para determinar a frequência ventricular, contam-se os QRS durante um certo
tempo e calcula-se a frequência por minuto. Por exemplo, se são contados 15
QRS em 50 quadrados largos (10 segundos), a frequência é de 15 x 6 = 90
bat/min.
• Uma forma mais rápida, é contar o número de quadrados largos (5 mm) entre dois
complexos QRS consecutivos, e dividir 300 por esse número, o que dá a
frequência dos QRS por minuto.
• Outra forma de determinar a frequência é contar o número de quadrados
pequenos (1mm) entre dois QRS consecutivos e dividir 1.500 por esse valor.
Exemplo do Cálculo da Frequência Cardíaca:
1. Em 6 seg. contam-se 10 complexos QRS: a frequência cardíaca é de
10 x 10 = 100 bat/min;
2. Entre dois QRS consecutivos existem 5 quadrados grandes, logo a frequência será de
300:5 = 60 bat/min;
3. Entre dois QRS consecutivos contam-se 20 quadrados pequenos, a frequência será de
1500 : 20 = 75 bat/min.
O padrão é Rítmico ou Arrítmico?
Para frequências cardíacas elevadas por vezes é difícil perceber se trata de uma arritmia,
por os complexos QRS se encontrarem muito próximos. Por exemplo, uma fibrilhação
auricular pode ser claramente irregular se a frequência for baixa, mas parecer regular
para frequências de 170 bat/min. Nestes casos, devem-se comparar minuciosamente os
intervalos R-R de complexos adjacentes, em diferentes momentos do registo, para tentar
identificar um ritmo irregular. Esta tarefa pode ser simplificada pela utilização de uma
154
GRECAR
régua. Alternativamente, marca-se a posição de quatro pontos (por ex. a ponta da onda
R) idênticos e adjacentes no ciclo cardíaco, numa tira de papel e sobrepõem-se as
marcas feitas noutro local da tira de ritmo. Se o ritmo for regular as marcas coincidem
com as pontas das ondas R, se o ritmo for irregular alguns complexos não irão coincidir.
Em casos mais complicados, pode ser útil registar uma tira de ritmo adicional durante a
massagem do seio carotídeo (diminui transitoriamente a frequência cardíaca). Após se
concluir, de que se trata de um ritmo irregular, deve-se mencionar se o ritmo é totalmente
irregular ou se existem variações cíclicas nos intervalos R-R. Nas arritmias completas,
sem onda P visível, mas com complexos QRS de morfologia semelhante, o diagnóstico
provável é de fibrilhação auricular.
Se o ritmo dos complexos QRS é regular, deve-se pesquisar a presença de complexos
ectópicos (com origem em focos anormais). Se estes complexos surgem precocemente
do QRS (precoces), dizem-se prematuros e designam-se extra-sístoles. Se surgem
tardiamente, após falhar um complexo do ritmo de base, chamam-se complexos de
escape. A morfologia do QRS depende do foco que o originou.
A ocorrência de complexos de escape, traduz a falência intermitente do "pacemaker" que
comanda o coração, tendo o complexo de escape origem num "pace" auxiliar.
Os complexos ectópicos podem ocorrer de forma isolada, aos pares ou em salvas. Se
ocorrem três ou mais complexos em sucessão rápida, trata-se de uma taquicardia; se
ocorrem em salvas e são auto limitadas, designam-se complexos paroxísticos.
A Duração do QRS é Normal ou está Alargada?
Em condições normais, o QRS tem uma duração inferior a 0,12 seg. (3 quadrados
pequenos). Se os QRS são estreitos (< 0,12 seg.), o ritmo tem origem supraventricular,
se os complexos são largos (> 0,12 seg.), podem ter origem nas aurículas ou no
ventrículos.
Se os complexos alargados têm origem nas aurículas, isto significa que existem
distúrbios na condução aurículo-ventricular (feixes de condução aberrante), ou seja o
estímulo não é conduzido directamente ao tecido de condução ventricular. Neste caso, o
QRS surge após uma onda P. Nos bloqueios completos de ramo, os complexos QRS
alargados têm origem nos ventrículos.
155
GRECAR
Há actividade auricular?
Deve-se pesquisar sistematicamente a existência de actividade auricular, em todas as
tiras de ritmo, o que pode ser complicado pois as ondas T podem ser pontiagudas,
bifásicas ou invertidas e podem preceder ou suceder o QRS. Esta análise deve ser feita
num ECG de 12 derivações, para se observar as diferentes morfologias da onda P, nas
várias derivações. Se necessário registam-se tiras de ritmo.
As ondas P podem alterar a configuração dos complexos QRS, segmento ST ou ondas
P. As ondas P podem ficar ocultas pelas ondas T ou U.
A derivação DII, porque coincide com o maior eixo da despolarização auricular, é a
melhor derivação para analisar a onda P. Existem outras derivações adicionais, como a
V1, que permite um bom registo da actividade auricular. Esta obtém-se colocando uma
pá sobre segundo espaço intercostal direito e outra no quarto espaço intercostal direito.
Outra forma de revelar a actividade auricular é provocar a redução da frequência do
QRS. Na taquicardia supraventricular, pode-se provocar bloqueio aurículo-ventricular
pela realização de manobras vagotónicas ou pela administração endovenosa de
Adenosina. Por exemplo, uma taquicardia de complexos estreitos a 150 bat/min pode
corresponder a um flutter 2:1, evidenciado por estas manobras. As ondas em dente de
serra, típicas do flutter auricular, identificam-se melhor nas derivações DII, DIII e aVF,
para frequências de 300 bat/min. Por vezes a amplitude da actividade auricular na
fibrilhação auricular é tão baixa, que parece não existir.
Da mesma forma que para os complexos QRS, assim se determina a frequência e a
regularidade da onda P. É fundamental analisar a relação entre a onda P e o QRS. A
morfologia da onda P, pode dar informações importantes quanto ao ritmo. Se a
despolarização tem início no nodo sino-auricular, as ondas P são pontiagudas em DII e
aVF. Se o ritmo é juncional ou tem origem ventricular, pode ocorrer estimulação
retrógrada da aurícula através do nodo aurículo-ventricular, pelo que as ondas P são
invertidas nestas derivações (a despolarização auricular ocorre em sentido inverso ao
normal).
Como se Relaciona a Actividade Auricular com a Ventricular?
Se o intervalo entre a onda P e o complexo QRS que se lhe segue é sempre o mesmo, o
mais provável é que a actividade auricular e ventricular estejam relacionadas. Na
156
GRECAR
fibrilhação auricular, a actividade ventricular é determinada pela actividade auricular mas
não existe qualquer relação sistemática entre si, com arritmia e irregularidade dos QRS.
Existem ritmos em que a actividade auricular e ventricular são independentes. Noutros
casos, existem focos auriculares múltiplos e bloqueios aurículo-ventriculares (BAV)
variáveis, que complicam a análise dessa relação. Nestes traçados convém analisar as
ondas P em mais do que uma derivação, quanto à sua forma, frequência e ritmo, de
forma independente dos complexos QRS. No fim, comparar as duas observações e
concluir pela relação ou não entre as ondas P e os complexos QRS.
RITMOS DE PARAGEM CARDÍACA
• Fibrilhação ventricular (FV)
• Taquicardia ventricular sem pulso (TV sp)
• Assistolia ventricular
• Dissociação electromecânica (DEM)
• Bradicardia extrema
Fibrilhação Ventricular
Na fibrilhação ventricular, o miocárdio ventricular sofre despolarizações múltiplas, sem
qualquer coordenação da actividade eléctrica. É um ritmo irregular, rápido e bizarro, com
uma frequência e amplitude sem qualquer regularidade aparente. Pode ser classificada
em grosseira ou fina, dependendo da amplitude dos complexos. A fibrilhação fina pode
confundir-se com a assistolia. Na dúvida não desfibrilar.
O traçado da fibrilhação ventricular habitualmente é típico, mas pode-se confundir com a
taquidisritmia com condução AV aberrante do Síndrome de Wolff-Parkinson-White e com
a taquicardia ventricular polimórfica, porque ambas têm traçado ECG irregular, variável e
podem-se acompanhar de compromisso hemodinâmico.
Na suspeita de fibrilhação ventricular fina, aumentar o ganho do monitor e verificar todas
as conexões.
157
GRECAR
Taquicardia Ventricular
A taquicardia ventricular (TV) pode cursar com ausência do débito cardíaco, se a
frequência ventricular for muito elevada ou se a função ventricular já estiver
comprometida. O tratamento da TV sem pulso é o mesmo da fibrilhação ventricular:
desfibrilhação imediata. Se o doente tem pulso e os complexos QRS são alargados,
trata-se de TV de complexos largos cujo tratamento está descrito no capítulo das
disritmias peri-paragem.
Na taquicardia ventricular monomórfica, o ritmo é regular com frequências entre os 120 –
170 bat/min. A actividade auricular geralmente mantém-se e pode ser visível no traçado
ECG, gerando complexos de fusão ou de captura, quando pontualmente ocorre
condução da actividade auricular para os ventrículos.
Pode ocorrer taquicardia ventricular de complexos largos mas de origem supraventricular,
quando existem distúrbios da condução intraventricular, como é o caso dos bloqueios
completos de ramo, direito ou esquerdo. Após o enfarte agudo do miocárdio, os QRS
largos devem ser interpretados como de origem ventricular, devendo-se ignorar a
hipótese de ritmo supraventricular com condução aberrante. A torsade de pointes é uma
variante de taquicardia ventricular polimórfica, em que os complexos são pontiagudos,
com uma variação regular do eixo, o que lhe confere um aspecto sinusoidal. Este ritmo é
mais frequente em doentes com Síndrome de QT longo ou com repolarização anormal
(onda T profunda e invertida e algumas bradicardias). A fibrilhação ventricular também
pode ter um aspecto sinusoidal, sobretudo no início e de curta duração; mas a análise
continua do traçado mostra uma maior variabilidade da morfologia do QRS. A
identificação do ritmo de torsade de pointes é fundamental, porque o seu tratamento
(com β-bloqueantes, magnésio ou pace) é distinto do tratamento recomendado para
outras taquiarritmias ventriculares. Não raramente, estão na sua origem distúrbios
electrolíticos como a hipokalemia e/ou hipomagnesemia, que devem ser corrigidos. Não
esquecer que a torsade de pointes pode desencadear uma fibrilhação ventricular.
Assistolia
Habitualmente a assistolia auricular e ventricular coexistem, pelo que o traçado é uma
linha sem deflexões. Contudo podem-se observar deflexões por interferências múltiplas,
anteriormente descritas, que se podem confundir com fibrilhação ventricular fina.
158
GRECAR
Uma linha totalmente recta ocorre quando um dos eléctrodos está desligado ou existe um
problema com as conexões. Se possível, avaliar uma derivação diferente e interromper o
contacto com o corpo do doente por instantes, para excluir interferências.
Recomendação: Para confirmar o diagnóstico de assistolia deve-se:
• Confirmar se as derivações estão colocadas correctamente;
• Aumentar o ganho (amplitude) do registo;
• Mudar de derivação.
Atenção: A actividade auricular pode ocorrer por um curto período de tempo após o
início da assistolia ventricular. Neste caso o traçado ECG, mostra uma linha interrompida
por ondas P, sem sinais de despolarização ventricular.
Dissociação Electromecânica (DEM)
A dissociação electromecânica significa a existência de actividade eléctrica normal ou
quase, mas com diminuição acentuada do débito cardíaco, que na clínica equivale a
paragem cardíaca.
O diagnóstico de DEM implica a identificação de um ritmo ECG que habitualmente se
acompanha de função ventricular normal ou quase, mas que se acompanha de ausência
de débito cardíaco eficaz, ou seja, ausência de pulso.
Bradiarritmias
O diagnóstico de bradicardia implica frequências cardíacas inferiores a 60 bat/min e o
seu tratamento de emergência é a Atropina e/ou pacemaker e/ou fármacos
simpaticomiméticos como a Adrenalina. Em primeiro lugar, analisar as repercussões
hemodinâmicas da bradicardia e posteriormente esclarecer a causa da bradiarritmia.
A emergência do tratamento da bradiarritmia é avaliada pelo risco de assistolia. Não
esquecer que a bradiarritmia pode preceder uma paragem cardíaca.
A bradiarritmia mais importante é o bloqueio AV completo adquirido (bloqueio AV de 3º
grau). A presença de um ritmo de escape (25 -50 bat/min), sem qualquer relação com o
159
GRECAR
ritmo auricular (fibrilhação/flutter auricular ou outro ritmo supraventricular), sugere o seu
diagnóstico.
Bloqueios Aurículo-Ventriculares (BAV)
BAV de 1º Grau
No BAV de 1º grau, o intervalo PR (início da onda P ao início do QRS) é superior a 0,20
seg. e é um achado frequente. Ocorre por lentificação da condução AV (nodo AV ou feixe
de His) e pode ser fisiológico em alguns indivíduos (atletas de competição).
Outras causas de BAV de 1º grau, são: lesão isquémica do miocárdio, fibrose do
miocárdio e alguns fármacos.
BAV de 2º Grau
No BAV de 2º grau nem todas as ondas P são conduzidas, e podem ser de 2 tipos:
• BAV Mobitz tipo I, com fenómeno de Wenckenbach
• BAV Mobitz tipo II
No BAV de 2º grau com fenómeno de Wenckenbach, o intervalo PR vai aumentando de
sístole para sístole, até que a onda P deixa de ser conduzida e isto repete-se
ciclicamente. É um fenómeno frequentemente observado após EAM inferior. Se
assintomático, não tem indicação para tratamento, mas a presença de fenómeno de
Wenckenbach aumenta o risco de evolução para BAV completo.
No BAV de 2º grau Mobitz tipo II, nem todas as ondas P são conduzidas, sem que haja
uma relação AV fixa. Por exemplo, se em cada duas ondas P só uma é conduzida diz-se
que é um bloqueio de 2:1 ou se em cada três ondas P só uma não é conduzida, diz-se
que o bloqueio é de 3:1.
BAV 3º Grau ou Completo
No BAV completo a actividade auricular (onda P) é independente da actividade
ventricular (complexo QRS). A frequência do pace ventricular depende da sua
localização. O pace com origem no nodo AV ou no feixe de His tem uma frequência de
40 -50 bat/min e aquele com origem nas fibras de Purkinje tem uma frequência de 30 - 40
bat/min, tendo maior risco de falência súbita.
160
GRECAR
Ritmos de escape
Se o pacemaker natural do coração falhar, outra parte do tecido de condução do coração
dotada de automaticidade dispara, assumindo o controle da despolarização cardíaca.
Surge assim um ritmo de escape, habitualmente mais lento que o ritmo sinusal normal.
O ritmo de escape idioventricular descreve um ritmo com origem no miocárdio ventricular,
mas com frequência cardíaca normal. Observa-se frequentemente com a reperfusão
miocárdica pós trombólise e não afecta o prognóstico, desde que a frequência se
mantenha elevada.
O complexo QRS de um ritmo idioventricular é largo (superior a 0,12 seg.) enquanto que
o QRS dos ritmos juncionais são estreitos ou largos, consoante haja ou não distúrbios da
condução intraventricular.
Ritmo Agónico
O ritmo agónico caracteriza-se por complexos QRS largos, lentos e irregulares com
morfologia variável. Observa-se com frequência, na fase final da tentativa de reanimação
sem sucesso. Os complexos vão ficando cada vez mais largos, até desaparecerem todos
os vestígios de actividade eléctrica.
RESUMO
• Durante as manobras de reanimação é fundamental a monitorização adequada do
ritmo cardíaco.
• É essencial o conhecimento básico da monitorização ECG, porque as decisões
terapêuticas são feitas em sua função.
• A avaliação ECG requer treino e experiência, pelo que deve ser feita de forma
sistematizada.
• A Desfibrilhação Automática Externa (DAE) permite ultrapassar o problema da
interpretação ECG e identificar mais rápida e correctamente os ritmos
desfibrilháveis.
161
GRECAR
Ritmo sinusal
Assistolia
Fibrilhação ventricular
Fibrilhação auricular
Fibrilhação ventricular fina
162
GRECAR
Flutter auricular
Torsade de pointes
Bradicardia sinusal
Extrassístoles ventriculares
Taquicardia venticular
163
GRECAR
Ritmo de pacemaker
Bloqueio AV 2º grau Mobitz tipo I
Bloqueio AV 2º grau 2:1
Bloqueio AV 1º grau
Bloqueio AV 2º grau Mobitz tipo II
164
GRECAR
Bloqueio AV completo ou BAV 3º grau
Taquicardia supraventricular
Ritmo agónico
165
GRECAR
CAPITULO 13
DESFIBRILHAÇÃO ELÉCTRICA
INTRODUÇÃO
Quando ocorre uma fibrilhação ventricular ou uma taquicardia ventricular sem pulso,
cessa de imediato o débito cardíaco e consequentemente é interrompida a circulação
cerebral, surgindo lesões de hipóxia em apenas 2 minutos. Para que se possa conseguir
uma recuperação neurológica total é necessário restaurar, o mais precocemente
possível, o débito cardíaco. Para tal a desfibrilhação deve ser efectuada de imediato. Na
eventualidade de um desfibrilhador não estar de imediato disponível deve ser iniciado
SBV. O SBV é uma situação de suporte que permite manter algum débito cardíaco e
algum grau de oxigenação, com o objectivo de manter uma perfusão mínima dos órgãos
nobres até que o tratamento definitivo, a desfibrilhação eléctrica, possa restaurar o débito
cardíaco. Quanto mais curto for o tempo decorrido entre a FV ou TV sem pulso e a
aplicação do choque maior é a probabilidade de se conseguir reverter a arritmia e
restaurar um débito cardíaco eficaz e, consequentemente, melhor é o prognóstico do
doente.
MECANISMO DA DESFIBRILHAÇÃO ELÉCTRICA
A desfibrilhação consiste na aplicação de um choque eléctrico, habitualmente
externamente a nível do tórax, de forma, a que a corrente eléctrica atravesse o miocárdio
causando uma despolarização de toda, ou quase toda, a massa muscular cardíaca. Isto
permite ao coração retomar um ritmo normal através da entrada em funcionamento da
sua estrutura de comando habitual, o nodo sinusal.
Uma desfibrilhação com sucesso é, habitualmente, a que consegue despolarizar uma
massa crítica de miocárdio. O sucesso depende mais da corrente, que efectivamente
atinge o miocárdio (medida em amperes), do que da energia do choque (medida em
Joules). A corrente, por sua vez, é influenciada pela impedância transtorácica, pela
posição dos eléctrodos e pela energia do choque.
166
GRECAR
IMPEDÂNCIA TRANSTORÁCICA
A magnitude da corrente que atravessa o miocárdio depende da voltagem aplicada e da
resistência oferecida à passagem do choque pelos vários tecidos (parede torácica,
pulmões e miocárdio).
A impedância transtorácica é influenciada:
• Pelo tamanho dos eléctrodos ou das pás:
- O diâmetro dos eléctrodos ou pás para a desfibrilhação em adultos pode variar
de 10 a 30 cm, sendo o mais frequente 13 cm.
• Pela interface eléctrodos e pele ou pás e pele:
- A impedância entre as pás e a pele pode ser reduzida pela aplicação de gel
líquido. No entanto o excesso de gel sobre o tórax do doente pode levar a
fenómenos de arco voltaico. Eléctrodos autocolantes com gel condutor na
forma semi-sólida são preferíveis, devendo ser cuidadosamente colados.
• Pela pressão exercida sobre as pás:
- A aplicação de pressão sobre as pás (por exemplo cerca de 10 kg) melhora o
contacto e permite também reduzir a impedância.
• Pela fase da ventilação:
- A impedância é menor na expiração, por ser menor o volume de ar nos
pulmões, pelo que a desfibrilhação deve ser feita nesta fase (o que é o usual).
• Pelo tempo decorrido desde o choque anterior:
- A aplicação de choques sequenciais permite reduzir a impedância para o
choque seguinte
Apenas uma pequena percentagem (cerca de 4 %), da corrente aplicada no tórax atinge
efectivamente o miocárdio. Alguns desfibrilhadores actuais têm capacidade de medir a
impedância transtorácica e ajustar a corrente à impedância medida.
O tamanho corporal também influencia a impedância e a energia necessária para a
desfibrilhação, no entanto, a variação ponderal habitual no adulto não justifica qualquer
ajuste em função do peso.
167
GRECAR
Outros factores como o estado metabólico do organismo, a isquemia miocárdica ou a
utilização de determinados fármacos influenciam o sucesso da desfibrilhação mas não é
habitual fazer modificações em função destas variáveis.
POSIÇÃO DOS ELÉCTRODOS
A posição ideal dos eléctrodos é aquela que permite a passagem do máximo de corrente
pelo miocárdio. O posicionamento standard é colocar um eléctrodo à direita na região
infra – clavicular direita e outro à esquerda a nível do 5º espaço inter-costal esquerdo na
linha axilar anterior. Local correspondente (aproximadamente) à localização do eléctrodo
V5 do electrocardiograma.
Apesar de os eléctrodos estarem marcados como "positivo" e "negativo" ou as pás com
"esternal" e "apical" a sua colocação é indiferente no que concerne ao sucesso da
desfibrilhação. Na eventualidade de várias tentativas sem sucesso, justifica-se tentar
locais alternativos, como a "posição antero-posterior". Neste caso um dos eléctrodos é
colocado à esquerda do bordo esternal na sua porção inferior e o outro no dorso abaixo
da omoplata esquerda. Esta técnica implica o rolamento do doente para a direita,
interferindo com a compressão cardíaca, e pode não ser possível num doente obeso. A
posição antero-posterior só é prática no caso de se usarem eléctrodos autocolantes.
Se o doente é portador de um pacemaker, são necessárias algumas modificações em
relação ao posicionamento standard dos eléctrodos. Os pacemakers actuais têm
mecanismos de protecção em relação a interferências externas no seu funcionamento.
No entanto, a corrente aplicada na desfibrilhação encontra no circuito do pacemaker-
eléctrodo um local de passagem facilitada, podendo percorrer o eléctrodo e causar
queimaduras no local de contacto deste com o miocárdio. Se isto acontecer, a resistência
à corrente eléctrica no local da queimadura, aumenta, condicionando um aumento do
limiar de estimulação do pacemaker. Se as manobras de reanimação tiverem sucesso
recomenda-se a revisão e testes periódicos do funcionamento do pacemaker nos 2
meses subsequentes.
A colocação dos eléctrodos ou pás de desfibrilhação pelo menos 12,5 cm afastados do
gerador minimiza os riscos. No caso de pacemakers provisórios deve ser evitado o
contacto dos eléctrodos ou do gel condutor com o eléctrodo de pacing.
168
GRECAR
ENERGIA DO CHOQUE
A energia do choque é habitualmente expressa em Joules. Se a energia do choque for
demasiado baixa a desfibrilhação não será eficaz, no entanto, o uso de energia excessiva
pode lesar o miocárdio comprometendo a sua função ou causando o aparecimento de
arritmias refractárias. Não foi demonstrada qualquer vantagem na utilização de choques
iniciais com energia (Bifásica) superior a 150-200 J. Parte dos doentes que não responde
ao 1º choque responde ao 2º choque com a mesma energia, em parte devido à redução
da impedância transtorácica causada pela passagem do 1º choque. Se o 2º choque
também não é eficaz deve ser aumentada a energia nos choques subsequentes. Quando
a desfibrilhação foi eficaz e se obteve retorno de circulação espontânea, mas o ritmo
voltou a FV ou TV sem pulso, devem retomar-se as tentativas de desfibrilhação com 150-
200J (bifásica).
CARDIOVERSÃO ELÉCTRICA SINCRONIZADA
A cardioversão eléctrica sincronizada pode ser usada para converter taquicardias
supraventriculares ou ventriculares. Sempre que o doente se encontre consciente deve
ser previamente sedado.
A sincronização consiste na aplicação do choque exactamente sobre o complexo QRS,
evitando a sua aplicação ao acaso e o risco de que o mesmo ocorra sobre a onda T em
período refractário relativo, o que pode induzir fibrilhação ventricular.
A maioria dos desfibrilhadores manuais tem um botão de sincronização do choque que
associa um sinal eléctrico a cada complexo QRS de forma a que a aplicação de energia
seja feita apenas quando surge esse sinal.
O gel é colocado no tórax do doente e o procedimento é em tudo semelhante ao da
desfibrilhação, mas o operador deve estar alerta para a existência de um atraso entre o
momento em que pressiona os botões de descarga e o momento da aplicação efectiva
do choque, que apenas ocorrerá quando for detectado um complexo QRS. Durante este
período de espera, as pás não devem ser mexidas do tórax do doente e devem manter-
se pressionados os botões de descarga.
Quando se trata de uma TV sem pulso deve ser feito de imediato um choque não
sincronizado tal como anteriormente referido para a FV.
169
GRECAR
Atenção: Com alguns destibrilhadores é necessário voltar a pressionar o botão de
sincronização para efectuar nova cardioversão sincronizada, outros mantém o botão de
sincronização ligado. Neste caso, deve ser tido todo o cuidado para não deixar o
destibrilhador com a sincronização ligada, pois isso impede a aplicação do choque no
caso de o doente entrar em FV, uma vez que não são detectados complexos QRS.
SEGURANÇA
A desfibrilhação deve ser segura, não pondo em risco os elementos da equipa. É
fundamental que ninguém esteja em contacto directo ou indirecto com o doente.
É necessário ter o maior cuidado com a água. Se o doente estiver molhado, deve ser
seco previamente e serem retiradas as roupas molhadas ou húmidas. É necessário
retirar os "autocolantes" de medicação transdérmica, pois a aplicação das pás sobre os
mesmos acarreta riscos de explosão (ex: nitroglicerina transdérmica), queimaduras locais
(se os autocolantes contiverem partes metálicas) ou ainda, resistência aumentada à
passagem da corrente. Ninguém pode estar em contacto com a cama ou maca do
doente, nem tocar ou manipular os sistemas de perfusão de soros (seringas infusoras ou
outros).
O elemento da equipa responsável pelo manuseamento da via aérea deve assegurar que
não existe fluxo de oxigénio nas proximidades, no momento da aplicação do choque,
dado o risco de arco eléctrico e explosão.
Não deve ser aplicado gel em excesso nem ser espalhado por todo o tórax pelos riscos já
anteriormente referidos. A utilização de eléctrodos autocolantes reduz o risco.
O operador deve ter o cuidado de não tocar em qualquer parte dos eléctrodos e gritar
AFASTAR confirmando visualmente que essa ordem é cumprida.
Regra básica de segurança: Um desfibrilhador manual só deve ser posto em carga com
as pás já colocadas no tórax do doente ou no seu local de fixação no desfibrilhador.
Quando inicialmente colocadas em cima do tórax do doente podem ser usadas apenas
para monitorização do ritmo, devendo o operador informar o resto da equipa se vai
carregá-Ias ou não. Se for necessário efectuar alteração dos valores de energia do
choque, isso pode ser efectuado no desfibrilhador por outro elemento no desfibrilhador
ou, em alguns modelos, pelo operador no selector de energia existente nas pás. Na
170
GRECAR
ausência de um elemento disponível para alterar o valor da energia e de comando nas
pás o operador deve colocar uma das pás no desfibrilhador e manter a outra no tórax da
vítima alterando ele próprio a energia.
Se o desfibrilhador tiver sido carregado e já não estiver indicada a aplicação do choque, a
mesma pode ser anulada colocando o selector de energia na posição "zero J". Alguns
aparelhos perdem automaticamente a carga se a energia não for administrada durante
um determinado período de tempo.
DESFIBRILHADORES
Existem vários tipos de monitores cardíacos que têm em comum um ecrã, para
visualização do ritmo cardíaco. Alguns permitem ainda imprimir e/ou gravar os registos
electrocardiográticos, detectar a frequência cardíaca e estabelecer alarmes para vários
parâmetros. Outros destibrilhadores permitem a análise automática de ritmos, como os
DAE. Os destibrilhadores convencionais permitiam apenas a aplicação de choques com
ondas de corrente monofásicas, existem actualmente destibrilhadores que permitem a
aplicação de corrente com ondas bifásicas.
DESFIBRILHADORES MANUAIS
Com um destibrilhador manual o operador tem que interpretar o ritmo e decidir se está ou
não indicada a aplicação do choque. A selecção de energia, carga e aplicação do choque
são igualmente determinadas pelo operador.
Embora tenham a vantagem de permitir efectuar cardioversão sincronizada e permitir a
aplicação do choque qualquer que seja o ritmo do doente (o que pode ser útil nas
situações de FV tina, que pode ser interpretada como assistolia por um destibrilhador
automático, não permitindo aplicação de choque), têm a desvantagem de só poderem ser
utilizados por operadores com a capacidade de interpretar o ritmo o que requer treino
prolongado.
A sequência de acções reporta-se ao algoritmo de suporte avançado de vida:
1. Confirmar a paragem cardíaca.
171
GRECAR
2. Confirmar a existência de ritmo desfibrilhável (FV/TV) a partir do ritmo do monitor
(doente já previamente monitorizado) ou do ritmo obtido com a aplicação das pás
no tórax do doente.
3. Aplicar os eléctrodos de desfibrilhação no tórax do doente, um abaixo da clavícula
direita e o outro no 5º espaço intercostal esquerdo na linha axilar anterior, ou
aplicar gel no mesmo local e apoiar firmemente as pás do desfibrilhador sobre o
gelo
4. Seleccionar a energia -começar com 150-200 J (bifásica) ou 360 J (Monofásica).
5. Afastar fontes de oxigénio da zona de desfibrilhação.
6. Pôr em carga a energia seleccionada.
7. Avisar toda a equipa para se afastar e confirmar visualmente que essa ordem é
cumprida.
8. Confirmar no monitor se mantém o ritmo desfibrilhável e aplicar o choque.
9. Retirar as pás do tórax do doente e iniciar SBV. Analisar ritmo ao fim de 2 minutos
de SBV.
10. Se o ritmo continuar a ser desfibrilhável aplicar mais um choque com a energia de
360 J se energia monofásica e 150-200J ou energias superiores se bifásica.
DESFIBRILHADORES AUTOMÁTICOS EXTERNOS – DAE
Os DAE analisam o ritmo cardíaco e, se estiver indicada, preparam a administração do
choque. O operador deve reconhecer a paragem cardíaca (ausência de sinais se
circulação em vítima inconsciente) e colocar os eléctrodos no tórax do doente na posição
já anteriormente descrita. Os eléctrodos permitem ao aparelho analisar o ritmo e aplicar o
choque, se indicado. O DAE reconhece os ritmos desfribrilháveis (FV e algumas arritmias
ventriculares, nomeadamente a TVsp), decide se o choque está indicado e carrega
automaticamente a uma energia predeterminada, indicando quando o choque está pronto
para ser administrado. As indicações aparecem automaticamente no écrã e, em alguns
modelos, são reforçadas por um comando de voz. Alguns aparelhos possuem um
dispositivo que lhes permite passar a funcionar como destibrilhador manual.
172
GRECAR
Quando se usa um DAE, após ter sido confirmada a paragem cardíaca e efectuado o
pedido de ajuda, deve ser iniciado suporte básico de vida enquanto se colocam os
eléctrodos autocolantes. Caso o doente tenha muitos pêlos no tórax, pode ser necessário
efectuar uma rápida tricotomia para permitir uma boa aderência dos eléctrodos, pelo que
devem sempre existir, junto com o aparelho, lâminas de barbear.
Entre as sequências de choques não se deve palpar o pulso porque pode interferir com a
análise do traçado pelo DAE. Se o aparelho identifica um ritmo não desfibrilhável deve
ser iniciado de imediato SBV até que o DAE volte a indicar o momento para nova análise
de ritmo (habitualmente programada para 1 min.). Se for efectuada entubação e
administração de fármacos tal deve ser feito apenas entre as sequências de choques.
É praticamente impossível administrar um choque inapropriadamente, uma vez que a
especificidade dos DAE para ritmos desfibrilháveis anda próximo dos 100 %. A
sensibilidade é ligeiramente menor pelo que, tal como anteriormente referido, a FV fina
pode não ser detectada. O movimento é detectado automaticamente, interrompendo a
análise e impedindo que artefactos, causados pelo movimento, possam ser interpretados
como ritmo desfibrilhável. Estes aparelhos requerem menor tempo de treino que o
necessário para a utilização de um desfibrilhador manual. É assim possível alargar a
capacidade de desfibrilhar a profissionais não médicos e até a leigos. Como se sabe, a
desfibrilhação é a única forma de tratamento eficaz da FV e o tempo decorrido entre o
início da FV e a aplicação do 1º choque é o principal determinante da sobrevivência de
vítimas de PCR. A probabilidade de sucesso e a probabilidade de sobrevivência sem
sequelas diminuem cerca de 7-10 % por cada minuto decorrido. A implementação da
desfibrilhação por leigos que presenciaram o acontecimento ("first responder
defibrilation") é um passo vital para melhoria da sobrevivência após PCR.
Este facto é reconhecido nas "lnternational Guidelines 2000 for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiac Care" que reforçam a importância da
desfibrilhação precoce:
• Os profissionais de saúde que fazem reanimação cardiorespiratória devem ser
treinados e autorizados a efectuar desfibrilhação.
• O objectivo na desfibrilhação dentro do hospital deverá ser um tempo entre o
colapso e a 1ª desfibrilhação inferior a 3 minutos.
173
GRECAR
• Programas de desfibrilhação por leigos devem ser implementados nos
seguintes casos:
- Quando o número de paragens cardiorespiratória seja tal que se preveja o
uso de um DAE em 5 anos (ou uma taxa estimada de 1 PCR por
1000/pessoas/ano)
- Quando não se conseguir obter um tempo entre o pedido de socorro e o 1º
choque <5 minutos com os Serviços de Emergência Médica convencionais.
Em muitas comunidades este tempo poderá ser alcançado treinando e
equipando leigos para serem “first responders", incluindo polícias,
bombeiros, agentes de segurança ou voluntários, na utilização de DAE.
A adopção destas guidelines implicará a alteração da legislação em muitos países
europeus, onde a desfibrilhação só pode ser executada por médicos. A desfibrilhação é
apenas um dos elos da cadeia de sobrevivência. A desfibrilhação executada pelos
profissionais dos Sistemas de Emergência Médica será de valor limitado, se não for
acompanhada do reforço dos outros elos da cadeia: activação precoce, SBV precoce e
SAV precoce.
Sequência de acções na utilização de um DAE
• Chegada dos reanimadores:
- Se estão presentes dois reanimadores é necessário distribuir tarefas - a
desfibrilhação é a prioridade.
- Levar de imediato o DAE e activar os Serviço de Emergência Médica (ou
equipa de reanimação intra-hospitalar)
• Avaliar estado de consciência da vítima, ventilação e sinais de circulação:
- Iniciar SBV se apropriado:
- Se o DAE não estiver disponível de imediato
- Se existir um reanimador disponível para iniciar o SBV enquanto outro opera o
DAE.
• Na ausência de sinais de circulação:
174
GRECAR
- Ligar o DAE e aplicar os eléctrodos no tórax do doente
- Seguir as instruções verbais
- Garantir que ninguém toca no doente, nos eléctrodos ou nos cabos enquanto o
DAE procede à análise do ritmo.
• Se estiver indicado aplicar um choque:
- Assegurar que toda a gente está afastada e que ninguém toca no doente
- Premir o botão de choque quando indicado pelo DAE.
- Iniciar manobras de CPR durante cinco ciclos (2 min.) e revaliar ritmo e pulso
• Se indicado aplicar o segundo choque e repetir de novo os mesmos passos
- Avaliar sinais de circulação ao fim de cinco ciclos de CPR
• Se não estiver indicado aplicar um choque:
- Pesquisar sinais de circulação
- Na ausência de sinais de circulação iniciar SBV
- Manter o SBV durante 2 minuto sem interrupção para pesquisa de pulso ou
análise de ritmo.
• Ao fim de 2 minuto de SBV:
- Carregar no botão "analisar" ou esperar que o aparelho inicie a análise,
garantindo que ninguém toca no doente ou nos cabos.
- Seguir o algoritmo de acordo com as indicações do DAE.
• Continuar o algoritmo até estar disponível o SAV.
175
GRECAR
• Prosseguir até à chegada do SAV
Avaliar a vítima De acordo com o algoritmo de SBV
Iniciar SBV Se DAE não acessível de imediato
• Ligar o DAE • Aplicar os eléctrodos • Seguir as instruções
Analisar
Choque indicado Choque não indicado
1 Choque Iniciar CPR imediatamente
durante cinco ciclos SBV cinco ciclos
Pesquisar sinais de circulação
AusentesPresentes
Seguir o Algoritmo de SBV
Algoritmo Actuação com DAE
176
GRECAR
Este algoritmo de actuação é adaptável a um ou - dois reanimadores. Se estão
presentes dois reanimadores um deve iniciar a utilização do DAE após constatar a
inexistência de sinais de circulação enquanto o outro deve activar o Sistema de
Emergência Médica e inicia SBV.
Se só está presente um reanimador deve activar o Sistema de Emergência Médica
logo após constatar a paragem respiratória e prosseguir a avaliação da vítima e
utilização do DAE conforme explicado anteriormente.
A mala de transporte do DAE deve igualmente conter uma tesoura para cortar a roupa,
uma lâmina de barbear para eventual tricotomia e pensos absorventes para secar e
limpar adequadamente a pele do tórax do doente.
DESFIBRILHADORES BIFÁSICOS
Com as ondas monofásicas o fluxo de corrente
entre os eléctrodos tem apenas uma direcção. As
ondas bifásicas fornecem inicialmente energia
numa direcção -positiva e depois invertem a
direcção da corrente -negativa, durante a última
fase de descarga de energia.
A utilização deste tipo de onda nos desfibrilhadores implantados mostrou reduzir o
limiar de desfibrilhação e a quantidade de energia necessária para obter uma
desfibrilhação com sucesso. Sabe-se ainda que, após a aplicação de um choque com
onda bifásica, o período refractário é maior o que ajuda a bloquear potenciais fontes
de fibrilhação. Como este tipo de desfibrilhação requer menor energia, os
desfibrilhadores bifásicos precisam de baterias e acumuladores de menores
dimensões o que lhes permite serem mais pequenos e mais leves. O perigo e as
potenciais complicações com a desfibrilhação ficam também reduzidas.
A aplicação repetida de choques de baixa energia (> 200 J) com ondas bifásicas
mostrou-se mais eficaz para converter FV /TV que a aplicação de choques de energia
177
GRECAR
crescente de onda monofásica. Ainda não está esclarecido se esta melhoria no
sucesso imediato se irá repercutir numa melhoria na sobrevivência alongo prazo.
Ainda não está determinado qual a onda bifásica ideal em termos de energia,
morfologia e duração.
RESUMO
• A desfibrilhação é o único método para restabelecer circulação espontânea no
doente em fibrilhação ventricular.
• Para ser eficaz a desfibrilhação deve ser o mais precoce possível, eficiente e
segura.
178
GRECAR
CAPÍTULO 14
FÁRMACOS USADOS NA REANIMAÇÃO
NOTA INICIAL
Este capítulo contém informação considerada "essencial" para a correcta utilização
dos diversos fármacos no contexto da paragem cardio-respiratória (PCR) e no período
peri-PCR. Não sendo exaustiva, remete para os tratados de Farmacologia a obtenção
de conhecimentos mais exaustivos sobre os fármacos aqui abordados.
FÁRMACOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA PCR
INTRODUÇÃO
O número de fármacos com indicação formal para utilização em situação de PCR é
limitado, de acordo com as "evidências" publicadas. A sua utilização deve ser
efectuada de acordo com o estabelecido no algoritmo de SAV, nunca descurando a
execução das manobras de SBV.
OXIGÉNIO
A administração de oxigénio (O2) é mandatória na abordagem de uma vítima em PCR,
com débitos suficientes para se conseguir uma FiO2 capaz de produzir Sat.O2 > 95 %.
O suplemento de O2 não deve ainda ser esquecido após a recuperação da situação
de PCR e na abordagem das disritmias peri-paragem.
ADRENALINA
Mecanismo de acção
179
GRECAR
A Adrenalina é uma amina simpaticomimética, com acção agonista α e β, que,
mediante estimulação dos receptores α1 e α2, causa vasoconstrição periférica, com
aumento das resistências vasculares periféricas e da pressão arterial, aumentando a
perfusão cerebral e coronária. O efeito β-adrenérgico pode também aumentar a
perfusão cerebral, independentemente dos mecanismos referidos anteriormente.
Dados os efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos, a Adrenalina pode aumentar o
consumo de O2 pelo miocárdio, com agravamento da isquemia. Por outro lado, ao
aumentar a excitabilidade miocárdica, a Adrenalina pode causar arritmias,
especialmente no contexto de isquemia ou hipóxia. No período pós-PCR pode mesmo
estar implicada na recorrência de fibrilhação ventricular.
Não esquecer que em situação de PCR no contexto do consumo de cocaína ou de
outros fármacos simpaticomiméticos, o uso de Adrenalina deve ser cauteloso.
Indicações
1. A Adrenalina é o primeiro fármaco a utilizar em PCR de qualquer causa
2. Anafilaxia
3. Segunda linha no tratamento do choque cardiogénico
Dose
Em situação de PCR, a dose a utilizar é 1 mg EV a cada 3/5 minutos, até que as
manobras de reanimação tenham sucesso ou sejam abandonadas. Em alternativa,
nos casos de acesso venoso difícil, pode ser administrada por via endotraqueal,
devendo-se administrar 2 a 3 mg diluída em 10 cc de soro.
Não existem dados que suportem a utilização de doses superiores em situações de
PCR refractária às medidas efectuadas. A Adrenalina pode ainda ser utilizada em
perfusão contínua no período pós-reanimação.
Utilização
As formulações de Adrenalina habitualmente disponíveis são: 1:10000 (10 mI contêm
1 mg); 1:1000 (1 mI contém 1 mg). As soluções utilizadas em reanimação diferem, na
180
GRECAR
Europa, de país para país. Contudo, em PCR deve ser utilizada uma diluição de
1:10000, de forma a serem administrados 10 mI, isto é, 1 mg cada 3/5 minutos.
ATROPINA
Mecanismo de acção
A Atropina é um parassimpaticolítico, antagonizando os efeitos da acetilcolina nos
receptores muscarínicos. Bloqueia assim os efeitos vagais sobre o nodo sinusal e
aurículo-ventricular, aumentando o automatismo sinusal e facilitando a condução AV.
Outras acções da Atropina, como alterações da visão, midríase, xerostomia, e
retenção urinária, são acentuadas pelo aumento da dose, não sendo contudo
relevantes em RCR. Após administração EV pode ser responsável pelo surgimento de
quadros confusionais agudos.
De salientar ainda que, pós-PCR, o surgimento de dilatação pupilar não deve ser
atribuída exclusivamente à administração de Atropina.
Indicações
1. Assistolia
2. Actividade eléctrica sem pulso com frequência < 60 /min
3. Bradicardia sinusal, auricular ou juncional com repercussão hemodinâmica
Dose
Nos casos de assistolia, ou de actividade eléctrica sem pulso com frequência < 60
/min, deve ser administrada dose única de 3 mg EV, considerada a dose vagolítica
máxima.
Utilização
Apesar de não existirem dados conclusivos sobre a utilidade deste fármaco em casos
de PCR em assistolia, justifica-se a sua utilização dada a gravidade do prognóstico da
181
GRECAR
situação e pelo facto de existirem algumas referências bibliográficas que relatam
casos de sucesso após a administração de Atropina, não sendo evidente que tenha
algum efeito deletério.
AMIODARONA
Mecanismo de acção
A Amiodarona provoca uma maior duração do potencial de acção miocárdico, com
prolongamento do intervalo QT. Ao ser administrada por via endovenosa, pode ter
acção bloqueadora α-adrenérgica não competitiva, e discreto efeito inotrópico
negativo.
Indicações
1. FV e TV sp refractárias
2. TV com estabilidade hemodinâmica e outras taquidisritmias resistentes
Dose
No algoritmo da FV/TV sem pulso, se esta persistir após a administração da primeira
sequência de três choques, deve-se ponderar a administração de um bólus EV de 300
mg de Amiodarona, diluída em 20 cc de dextrose a 5 % em H2O. Em situação de
PCR, este bólus pode ser administrado por via periférica; contudo, se estiver colocado
um acesso venoso central, esta deve ser a via preferencial.
Utilização
Como acontece com todos os fármacos utilizados para o tratamento das disritmias, a
Amiodarona pode ter acção pró-arrítmica, sobretudo quando administrada em conjunto
com outros fármacos que condicionam o prolongamento do intervalo QT. Contudo,
esta acção é menos marcada, comparativamente a outros antiarrítmicos utilizados nas
mesmas circunstâncias. Os principais efeitos secundários imediatos associados à
administração de Amiodarona são bradicardia e hipotensão. Estes podem ser
prevenidos pela realização de uma administração lenta do fármaco e pela instilação de
182
GRECAR
fluidos ou inotrópicos positivos. Os efeitos secundários da administração prolongada
por via oral (disfunção tiróideia, microdepósitos na córnea, neuropatia periférica,
infiltrados pulmonares e hepáticos) não são relevantes no contexto da utilização
pontual.
SULFATO DE MAGNÉSIO
Mecanismo de acção
Associada com frequência à hipocaliémia, a hipomagnesémia pode ser um factor
contributivo para o surgimento de disritmias, inclusive de paragem cardíaca. O
magnésio é um dos constituintes essenciais de várias enzimas envolvidos na
produção de energia muscular, desempenhando um papel importante na transmissão
do impulso nervoso, já que está associado à redução da libertação de acetilcolina,
com diminuição da sensibilidade da placa motora. O excesso de magnésio é um
depressor das funções miocárdica e neurológica, actuando como um bloqueador
fisiológico do cálcio, tal como acontece com o potássio.
Indicações
1. FV refractária à desfibrilhação, na presença de hipomagnesémia provável
2. TV, na presença de hipomagnesémia provável
3. Torsade de Pointes
Dose
N o caso de FV refractária, pode ser administrada por via periférica uma dose de I a 2
g, podendo ser repetida ao fim de 10 a 15 minutos (correspondendo a 2 a 4 ml de uma
solução de Sulfato de magnésio a 50 %). Nas outras situações, pode ser adequada a
administração em perfusão de 2,5 g (5 ml de Sulfato de magnésio a 50 %), durante 30
minutos. Diferindo a forma de apresentação entre vários países europeus, em Portugal
existem soluções de Sulfato de magnésio a 20 % e a 50 %.
Utilização
183
GRECAR
Os doentes com hipocaliémia, frequentemente, têm também hipomagnesémia. No
caso de surgirem taquidisritmias ventriculares, o uso de magnésio endovenoso é
seguro e eficaz. Em situação de enfarte agudo do miocárdio, o seu papel é, ainda,
duvidoso. Apesar de ser excretado pelos rins, são raros os efeitos secundários
associados à hipermagnesémia, mesmo na presença de insuficiência renal.
LIDOCAÍNA
Mecanismo de acção
Para além de ser um anestésico local, a Lidocaína reduz a automaticidade ventricular,
suprimindo a actividade ectópica dos ventrículos. Ao elevar o limiar para o surgimento
de FV, reduz a sua incidência nas situações de enfarte agudo do rniocárdio. Apesar
destes dados, a sua utilização de forma sistemática não está associada a uma
diminuição da mortalidade, não estando indicado o seu uso de forma profilática,
mesmo no caso de enfarte agudo do rniocárdio. Os efeitos secundários associados à
utilização de doses tóxicas de Lidocaína incluem parestesias, obnubilação, confusão
mental, mioclonias e convulsões. Quando surgem, implicam a suspensão imediata do
fármaco e o tratamento das convulsões. Apesar de deprimir a função miocárdica, não
são previsíveis acções sobre a condução aurículo-ventricular, excepto no caso de
doença prévia ou de utilização de doses elevadas.
Indicações
1. FV/TVsp refractárias (na ausência de Amiodarona)
2. TV sem instabilidade hemodinâmica (em alternativa à Arniodarona)
Dose
Na FV/TV sem pulso, persistente antes do terceiro choque, na indisponibilidade de
Amiodarona, podem-se administrar 100 mg de Lidocaína (1 a 1,5 mg/kg) em bólus
inicial, podendo ser repetida uma segunda administração de 50 mg. Contudo, não
deve ser excedida a dose total de 3 mg/kg na primeira hora.
184
GRECAR
Utilização
Deve ser considerada a utilização de Lidocaína no tratamento da FV /TV sem pulso,
quando refractárias e na ausência de Arniodarona disponível. A Lidocaína constitui
uma alternativa à Amiodarona no tratamento da TV na ausência de sinais de
gravidade (Subcap. 8.2). Ao ser metabolizada no fígado, na presença de redução do
fluxo hepático, como acontece nos casos de baixo débito cardíaco, doenças hepáticas
ou no idoso, a semi-vida da Lidocaína está prolongada. No caso de PCR, os
mecanismos habituais de eliminação do fármaco não funcionam, podendo ser
atingidas concentrações plasmáticas elevadas após dose única. Também se verifica
um aumento significativo da semi-vida plasmática nos casos de perfusão contínua ao
longo de 24 horas. Nestes casos, são necessárias doses menores, devendo-se
reavaliar regularmente as indicações para a continuação da terapêutica. Na presença
de hipocaliémia e hipomagnesémia, verifica-se uma diminuição da eficácia da
Lidocaína, pelo que devem ser corrigidas.
BICARBONATO DE SÓDIO
Mecanismo de acção:
Como é sabido, em PCR surge acidose respiratória e metabólica, na sequência do
metabolismo anaeróbio celular, dada a interrupção de trocas gasosas a nível
pulmonar. Neste caso, a melhor forma de tratamento para a acidémia é a compressão
torácica, podendo-se obter benefícios adicionais com a ventilação.
Se o pH arterial for inferior a 7,1 (ou BE < -10 mmol), pode ser útil a administração de
Bicarbonato de sódio em pequenas doses (50 ml de Bicarbonato de sódio a 8,4 %),
durante ou após a reanimação. Contudo, deve-se ter em atenção que, durante a PCR,
a avaliação da gasimetria arterial pode ser enganadora, tendo pouca relação com os
valores do pH intracelular.
Para além disto, a administração de Bicarbonato de sódio conduz à produção de
dióxido de carbono, que se difunde rapidamente para o interior das células, com os
seguintes efeitos:
185
GRECAR
1. Agrava a acidose intracelular;
2. Tem efeito inotrópico negativo no miocárdio isquémico;
3. Constitui uma sobrecarga de sódio, osmoticamente activa, sobre a circulação e
o cérebro já comprometidos;
4. Provoca um desvio esquerdo da curva de dissociação da hemoglobina, inibindo
ainda mais a libertação de O2 a nível tecidular.
Por outro lado, um grau ligeiro de acidose provoca vasodilatação, podendo aumentar o
fluxo cerebral, pelo que a total correcção do pH arterial pode conduzir a uma
diminuição do fluxo cerebral numa altura particularmente crítica. Como o ião
Bicarbonato é excretado pelo pulmão, sob a forma de dióxido de carbono, deve-se
aumentar a ventilação. Por tudo isto, só se justifica a administração de Bicarbonato de
sódio se a acidose metabólica for grave.
Deve-se ter ainda em atenção que o extravasamento subcutâneo do fármaco provoca
lesão tecidular grave e que o Bicarbonato de sódio é incompatível com as soluções de
sais de cálcio, uma vez que provoca a sua precipitação.
Indicações
1. Acidose metabólica grave
2. Hiperkalémia
Dose
Uma dose de 50 mEq (50 ml de Bicarbonato de sódio a 8,4 %) administrada por via
EV pode ser adequada no tratamento da PCR em algumas situações particulares
(acidose prévia grave, PCR associada a hiperkalémia ou intoxicação por
antidepressivos tricíclicos). Pode ainda ser repetida, se necessário, com a
monitorização apropriada.
VASOPRESSINA
A Vasopressina, ou hormona antidiurética, é, em doses elevadas, um vasoconstritor
potente, actuando pela estimulação dos receptores V1 do músculo liso.
186
GRECAR
Em caso de PCR, a sua semi-vida é de cerca de 10 a 20 minutos, consideravelmente
superior à da Adrenalina. Em estudos realizados com modelos animais, demonstrou-
se que a Vasopressina é mais eficaz que a Adrenalina na manutenção da pressão de
perfusão coronária acima do limiar crítico correlacionado com o restabelecimento de
circulação espontânea.
Aguardam-se os resultados da eficácia a longo prazo para a definição do seu papel no
âmbito da reanimação cárdio-respiratória.
FLUÍDOS
A utilização de fluidos por via EV está indicada no período de PCR e pós-reanimação,
sendo de particular importância nos casos de hipovolérnia (por ex. trauma e outras
causas de hemorragia). A reanimação com fluidos é iniciada normalmente com
cristalóides e/ou colóides (dependendo dos protocolos locais). No adulto, quando as
perdas excedem 1500 a 2000 ml, será necessário, provavelmente, recorrer à
administração de sangue.
Dado que a hiperglicérnia tem efeitos neurológicos deletérios após PCR, os
cristalóides de uso preferencial em reanimação são o Soro Fisiológico ou o Lactato de
Ringer.
CLORETO DE CÁLCIO
Mecanismo de acção Apesar de possuir um papel fundamental no mecanismo celular
de contracção miocárdica, existem poucos dados que suportem o efeito benéfico da
administração de cálcio na maior parte das situações de PCR. Por outro lado, as
elevadas concentrações plasmáticas obtidas após administração EV podem ter efeitos
deletérios sobre o miocárdio isquémico e afectar a recuperação cerebral. Assim, só
deve ser administrado Cloreto de cálcio durante a RCR quando existam indicações
específicas.
187
GRECAR
Nota: em contexto de PCR, utilizar Cloreto ou Gluconato de cálcio não é indiferente. O
Gluconato de cálcio precisa de ser previamente metabolizado pelo fígado, pelo que a
sua utilização durante uma PCR não está indicada.
Indicações
1. Actividade eléctrica sem pulso provocada por hiperkalérnia
2. Hipocalcémia
3. Intoxicação por bloqueadores dos canais de cálcio
Dose
A dose inicial é de 10 ml de Cloreto de cálcio a 10% (6,8 mmol de Ca²+, podendo ser
repetida, se necessário.
Utilização
O cálcio pode lentificar a frequência cardíaca e precipitar o surgimento de arritmias. No
caso de PCR pode ser administrado por via EV rápida, enquanto que na presença de
circulação espontânea este deve ser dado lentamente. As soluções de Bicarbonato de
sódio não podem ser administradas simultaneamente, na mesma via, com soluções de
cálcio.
188
GRECAR
CAPITULO 15
TRATAMENTO DA PARAGEM CARDIACA
INTRODUÇÃO
Os ritmos inerentes à paragem cardíaca dividem-se em dois grupos:
1. Os ritmos destibrilháveis - Fibrilhação Ventricular (FV) e a Taquicardia
Ventricular sem pulso (TV sp)
2. Os ritmos não destibrilháveis – que incluem a Assistolia e a Dissociação
Electromecânica (DEM)
Os procedimentos a seguir, de resto, são os mesmos, obedecendo aos mesmos
objectivos e princípios:
• Efectuar Suporte Básico de Vida com
• Permeabilização da via aérea de modo a assegurar oxigenação dos
órgãos nobres através da ventilação eficaz
• Estabelecer acessos venosos
• Administrar Adrenalina
• Identificar e corrigir, se possível, causas potencialmente reversíveis
Em algumas situações especiais, os procedimentos em caso de PCR são
ligeiramente diferentes, como é o caso do afogamento, gravidez, trauma,
crianças, etc.
FIBRILHAÇÃO VENTRICULAR (FV)
TAQUICARDIA VENTRICULAR SEM PULSO (TVsp)
189
GRECAR
No adulto, o ritmo que mais frequentemente se encontra nos primeiros minutos de
paragem cardíaca é a Fibrilhação Ventricular, que pode ser precedida por um
período de Taquicardia Ventricular ou de Taquicardia Supraventricular.
Nestes casos, a precocidade da desfibrilhação é extremamente importante para
aumentar a probabilidade de sucesso da desfibrilhação pois ela diminui à razão
de 7 a 10 % por cada minuto de paragem cardíaca. Por este motivo, é
extremamente importante identificar o ritmo de paragem de modo a decidir-se o
procedimento mais adequado, sem perda de tempo (Classe I).
O choque eléctrico, quando indicado, tem prioridade sobre todas as outras
intervenções.
Se o desfibrilhador não estiver pronto a descarregar, deve ser feito SBV eficaz
mas sem nunca atrasar a desfibrilhação.
Tentativa de desfibrilhação
A desfibrilhação deve ser tentada com um choque, sendo de 150-200 J a energia
a utilizar se desfibrilador bifasico e 360 J se monofasico.
Ter em atenção:
Quando se utiliza pás ou placas de gel deve-se ter em atenção possíveis falsas
assistolias. Após os choques não se palpa pulso, inicia-se de imediato 2 minutos
de SBV e só após confirmar ritmo.
Após uma desfibrilhação com sucesso segue-se, em geral, um período de
verdadeira assistolia (automatismo do miocárdio "atordoado"). Além disso, mesmo
que o ECG seja considerado normal, o pulso pode ser imperceptível porque a
contracção do miocárdio ainda é fraca. Por isso, não se pode fazer o diagnóstico
de Dissociação Electromecânica (DEM) imediatamente após uma desfibrilhação
190
GRECAR
bem sucedida. Nessa circunstância, devem ser feitos cinco ciclos de CPR ou dois
minutos de CPR se estabelecida uma via area avançada e, só após esse período,
deve ser confirmado o ritmo e a existência, ou não, de pulso.
Actualmente os desfibrilhadores que utilizam formas de onda diferentes,
nomeadamente bifásicas, com os quais se conseguem resultados iguais ou
superiores com níveis de energia menores. A intensidade dos choques com
diferentes tipos de ondas e a respectiva equivalência ainda está a ser investigado.
Com um desfibrilador bifasico é razoável utilizar no primeiro choque, energias de
150 a 200 J bifasicos que produzam ondas exponenciais e 120 J com ondas
rectilineas. No segundo e seguintes choques deve-se utilizar a mesma ou energia
de descarga mais elevada (Classe IIa)
Compressões torácicas, permeabilização da via aérea e ventilação
Se a FV persistir, o tratamento de eleição para restaurar a circulação eficaz
continua a ser a desfibrilhação eléctrica, mas é preciso assegurar a perfusão do
cérebro e do miocárdio através das compressões torácicas externas e da
ventilação o que se faz durante cinco ciclos numa relação de 30:2 (SBV) ou 2
minutos. Se estiver assegurada uma via aérea avançada (TET, LAM, Combitube)
devendo neste caso haver autonomia das compressões (100 cpm) sobre a
ventilação (10 a 12 cpm) enquanto se vão corrigindo as situações associadas
potencialmente reversíveis.
Durante o Suporte Básico de Vida deve-se:
1. Verificar os eléctrodos, a posição das pás e os contactos (se os eléctrodos
ou as pás não estiverem bem colocados, a probabilidade de conseguir desfibrilhar
é menor)
191
GRECAR
2. Proceder ou confirmar a entubação endotraqueal
3. Administrar oxigénio
4. Estabelecer acesso venoso
5. Administrar Adrenalina -1 mg cada 3 ou 5 min.
6. Corrigir as causas reversíveis
7. Considerar as indicações para:
Amiodarona
Sulfato de Magnésio
Atropina/pacing
Correcção de desequilíbrios ácido-base
É imprescindível assegurar a permeabilidade da via aérea sendo a melhor
maneira a entubação endotraqueal a qual deve ser tentada por pessoas
experientes neste procedimento. Se não for possível deve-se considerar a
utilização da máscara laríngea ou do Combitube.
O objectivo da ventilação eficaz é a administração da maior quantidade de
oxigénio possível, de preferência O2 a 100 %. A partir do momento em que está
assegurada a entubação endotraqueal as compressões torácicas devem ser
efectuadas a um ritmo de 100 /min, sem interrupção, excepto para desfibrilhar ou
para verificar pulso porque, sempre que as compressões torácicas param a
pressão de perfusão coronária cai drasticamente e, quando se retomam há um
atraso até que a pressão de perfusão coronária volte aos níveis anteriores, sendo
por essa razão que se recomenda continuar as compressões torácicas
ininterruptamente, mesmo durante a ventilação, desde que a permeabilidade da
via aérea esteja assegurada eficazmente.
192
GRECAR
Um Combitube bem colocado permite ventilar com eficácia. Com a máscara
laríngea utiliza-se a mesma técnica de ventilação/compressões. Se a selagem da
máscara for boa pode-se conseguir ventilações eficazes. Em caso de se observar
fuga de ar as compressões torácicas têm de ser interrompidas durante a
ventilação de modo a permitir uma insuflação de ar eficaz, numa relação de 30:2.
Acessos Venosos
O acesso venoso, se ainda não existe, deve ser estabelecido.
Se for necessário estabelecer um acesso vascular deve-se colocar um acesso
periférico, pois a cateterização de uma veia periférica é mais rápida, mais fácil e
mais segura.
Em resumo: a via de administração deve ter em atenção a experiência do
reanimador e a situação clínica do doente.
Atenção:
• Quando se utiliza uma veia periférica, deve-se fazer um bólus de 20 cc
de SF logo após a administração de um medicamento, de modo a permitir que ele
entre mais rapidamente em circulação
• O membro onde se estabeleceu o acesso deve ser elevado
• As veias periféricas devem ser "espremidas" no sentido proximal
Fármacos
A Adrenalina é um agonista α-adrenérgico que se usa para promover a
vasoconstrição, de modo a aumentar a pressão de perfusão do cérebro e do
miocárdio. Administra-se:
• 1 mg por via endovenosa ou
• 2 a 3 mg por via endotraqueal (diluídos até 10 ml de água destilada)
193
GRECAR
DURANTE RCP
Corrigir causas reversíveis* Se não realizado
previamente: - verificar eléctrodos, posição das pás e contactos - assegurar/verificar via aérea, O2 e acesso venoso - administrar adrenalina cada 3 a 5 min Considerar: Amiodorona 300mg IV/IO e 150 mg IV/IO adicionais 1x) Lidocaina(1 a 1.5 mg/kg primeira dose e depois 0.5 mg/kg IV/IO máximo de três doses ou 3 mg/kg) Magnesio na dose de 1 a 2gr IV/IO no torsade de pointes - atropina / pacing
+/- Verificar Pulso
SUPORTE AVANÇADO DE VIDA ALGORITMO UNIVERSAL
INICIAR SBV
MONITORIZAR
Identificar o RITMO
1 FV / TV
2 CPR imediata 5 ciclos. Quando
IV/IO disponível Adrenalina 1mg cada 3 a 5 min. Considerar atropina 3 mg IV/IO
na assistolia ou DEM* com bradicardia. DESFIBRILHAR
1ºchoque (120 a 200J bifasico) Monofasico: 360 J
Iniciar CPR imediatamente, ou se assistolia passe ao quadro 2
Se actividade electrica avalie pulso. Sem pulso quadro 2, com pulso cuidados pós-reanimação
Avaliar ritmo? Se desfibrilável passe ao
quadro 1, se não desfibrilável passe
ao quadro 2 RCP 5 ciclos
2 min.
*CAUSAS POTENCIALMENTE REVERSÍVEIS Hipoxia PneumoTórax Hipertensivo Hipovolémia Tamponamento Hipo/Hiperkalémia e alerções metabólicas Tóxicos Hipotermia Tromboembolismo pulmonar e obstrução mecânica
PARAGEM CARDIACA
194
GRECAR
Após administração por via endotraqueal, devem-se fazer 5 insuflações para
dispersar o medicamento pela árvore brônquica, de modo a facilitar a sua
absorção (efeito “spray”)
Foi proposto, em alternativa à Adrenalina, a utilização da Vasopressina EV, em
bólus único e na dose de 40 U se, a seguir a três choques, se a FV persistir. É
necessário mais evidência clínica para que o uso deste medicamento seja
recomendado na prática clínica.
Ainda não está provado a utilização de medicamentos antiarrítmicos na FV/TV sp
mas recomenda-se a administração de Amiodarona após a Adrenalina, no
tratamento da FV/TVsp resistente à desfibrilhação. A altura recomendada é entre
o 3º e o 4º choque, desde que não se atrase a desfibrilhação.
A Amiodarona é administrada por via endovenosa, na dose de 300 mg, em bólus,
diluídos em 20 cc de dextrose a 5% em água. Em caso de FV/TV sp recorrentes
devem ser administrados mais 150 mg de Amiodarona diluídos, seguidos de uma
perfusão a 1 mg/min durante 6 h e de 0,5 mg/min durante mais 12 h.
Em caso de persistência de FV refractária ou suspeita de hipomagnesémia (por
ex. se história de uso de diuréticos espoliadores de magnésio), deve-se
administrar Sulfato de magnésio EV na dose de 2 g (4 ml = 8 mmol de MgSO4 a
50%).
A Lidocaína é uma alternativa à Amiodarona mas não deve ser administrada
depois ou em associação com a Amiodarona.
A procainamida é outra alternativa à Amiodarona e à Lidocaína no caso de FV
refractária, na dose de 30 mg/min, num total de 17 mg/Kg. A necessidade de ser
administrada lentamente torna-a pouco recomendável no caso de paragem
cardíaca.
O Bicarbonato de sódio deve ser administrado EV, na dose única de 50 mEq, no
caso de:
195
GRECAR
• PH sérico < 7,1
• Paragem cardíaca associada a intoxicação por antidepressivos
tricíclicos
• Hiperkalémia
A repetição do Bicarbonato depende do resultado de gasimetrias seriadas.
Se não for possível a realização de gasimetrias durante a reanimação e se
passaram mais de 20 a 25 min, nomeadamente se o SBV não foi optimizado,
deve-se considerar a repetição da administração do Bicarbonato na mesma dose.
Tem de se ter cuidado na administração do Bicarbonato porque este gera CO2 e
pode agravar a acidose, nomeadamente a nível intracelular. Nessa perspectiva,
será necessário aumentar a eficácia da ventilação.
Durante o SBV, recordar a necessidade de permeabilizar a via aérea e de
estabelecer acessos venosos, se ainda não tiver sido efectuado.
Se a VF persistir pode-se mudar a localização das pás/eléctrodos, para uma
posição antero- posterior.
Não esquecer que se deve identificar e corrigir as causas potencialmente
reversíveis pois qualquer uma delas pode impedir a conversão a ritmo sinusal.
O número de vezes que se repete o algoritmo durante a reanimação depende do
critério clínico determinado pelas condições específicas de cada caso – por ex.
diagnóstico e prognóstico.
Em geral, se a reanimação foi iniciada correctamente e com indicação, deve-se
prosseguir enquanto o ritmo for fibrilhação ventricular.
RITMOS NÃO FV/TV SEM PULSO
O prognóstico destes ritmos é bastante pior a menos que se identifique e se
corrija a causa da paragem cardíaca.
196
GRECAR
Causas de PCR potencialmente reversíveis:
• H's
Hipóxia
Hipovolémia
Hidrogenião (Acidose)
Hiper/Hipocaliémia e alterações metabólicas
Hipotermia
T's
pneumoTórax hiperTensivo
Tamponamento cardíaco
Tóxicos e iaTrogenia medicamentosa
Trombose (coronária e pulmonar)
Se, após a desfibrilhação e as manobras de CPR ( cinco ciclos ou dois minutos)
se confirmar a assistolia ou DEM, deve-se proceder à administração dos
medicamentos adequados e mudar para a árvore de decisão de ritmos não
desfibriláveis.
Atenção:
• Durante um minuto, até se confirmar se existe ritmo, não se administra
Adrenalina, porque se confirmar um ritmo eficaz a Adrenalina pode ser
prejudicial
• Quando se usam as pás do desfibrilhador para identificar o ritmo e se observa
"assistolia" a mesma deve ser reconfirmada com os eléctrodos colocados no
sítio certo
197
GRECAR
ASSISTOLIA
O essencial, neste caso, é ter a certeza que estamos perante uma assistolia e
não de uma fibrilhação ventricular fina ou falha no equipamento, sendo por isso
necessário:
• Confirmar que os eléctrodos estão correctamente colocados
• Confirmar a derivação
• Confirmar o ritmo em DI e DII
Em caso de dúvida, de estarmos perante uma FV de baixa amplitude ou uma
assistolia, deve-se proceder como se tratasse de uma assistolia e não desfibrilhar.
No caso de assistolia deve-se iniciar de imediato SBV durante 2 minutos durante
os quais de deve:
Assegurar a permeabilidade da via aérea
Estabelecer um acesso venoso
Administrar 1 mg de Adrenalina EV ou 2 mg ET.
Pode-se ainda administrar Atropina na dose de 3 mg EV ou 6 mg por via
ET (diluída até 10 cc de água destilada)
A Atropina administra-se em dose única com o objectivo de provocar de imediato
bloqueio vagal completo.
Logo que é estabelecido o diagnóstico de assistolia é fundamental observar com
muito cuidado a linha do ECG com o objectivo de procurar possíveis ondas P ou,
actividade ventricular muito lenta porque, nestes casos, há indicação formal para
implantar pacemaker externo de imediato.
No caso de ondas P não conduzidas deve-se proceder à percussão précordial
com o objectivo de estimular a despolarização ventricular enquanto não estiver
implantado o pacemaker externo e a funcionar eficazmente. A manobra consta de
198
GRECAR
murros secos na região média do esterno ao ritmo de 70/min e a sua eficácia
verifica-se pela capacidade de provocar sístole ventricular.
Se durante o tratamento de assistolia ou DEM o ritmo passar a ser de FV ou TV
sem pulso volta-se ao ramo esquerdo do algoritmo.
No caso de persistência de assistolia ou DEM deve-se manter o SBV e
administrar Adrenalina de 3-5 minutos, numa dose não superior a 1 mg.
É essencial identificar e corrigir causas potencialmente reversíveis.
DISSOCIAÇÃO ELECTROMECÂNICA (DEM)
São as situações em que o ritmo cardíaco é compatível com circulação eficaz
mas isso não se verifica. A provabilidade de sobrevivência da vítima depende da
capacidade de identificar e corrigir causas potencialmente reversíveis. As de
pesquisa obrigatória são, as causas denominadas 4 H's e 4 T's.
A reanimação deve continuar enquanto as possíveis causas são pesquisadas e
corrigidas:
Deve-se iniciar SBV imediato;
Assegurar a permeabilidade da via aérea;
Estabelecer acesso venoso – em caso de trauma é necessário dois
acessos venosos periféricos (G14 ou G16);
Administrar Adrenalina EV na dose de 1 mg, de 3 em 3 minutos.
Se verificar bradicardia (FC < 60 bpm) deve-se administrar Atropina na
dose de 3 mg EV ou 6 mg diluído até 10 cc água destilada por via
endotraqueal, dose única.
CAUSAS POTENCIALMENTE REVERSÍVEIS
Qualquer que seja o ritmo é extremamente importante identificar e corrigir as
situações potencialmente reversíveis que possam ser a causa da paragem
199
GRECAR
cardíaca ou, que agravam a situação de base. Para facilitar a memorização, fala-
se nos 4 H' s e 4 T' s.
Os 4 H's
Hipóxia – deve ser rapidamente corrigida com O2 a alto débito, se possível a
100%, assegurando a permeabilização da via aérea – observar se os movimentos
torácicos são eficazes e se o tubo endotraqueal está bem colocado.
Hipovolémia – deve ser considerada nos casos de trauma, hemorragias,
digestivas graves, rotura de aneurisma da aorta, deplecções maciças de volume
por diarreia ou vómitos incoercíveis e prolongados que levam a desidratações
graves (principalmente nos crianças e idosos).
A prioridade máxima nestas situações é a reposição de volume sendo necessário
estabelecer acessos venosos o mais rapidamente possível, com abocaths de
grande calibre - G14 ou G16.
Hiperkalémia, hipokalémia, acidémia ou outras alterações metabólicas – podem
ser identificadas através de análises de sangue pedidas à entrada ou sugeridas
pela história clínica, por ex.: insuficiência renal, diuréticos. O ECG de 12
derivações pode ser útil para diagnóstico e tratamento destas situações.
Deve-se administrar Cloreto de cálcio EV em caso de hiperkalémia, hipocalcémia,
intoxicação por bloqueadores dos canais de cálcio ou hipermagnesémia -por ex.
iatrogenia no tratamento de pré-eclâmpsia.
Hipotermia – deve ser considerada em todos as situações de submersão, vítimas
expostas ao frio, particularmente se com alterações do nível de consciência em
especial nos idosos e nas crianças. O diagnóstico deve ser feito com termómetros
que permitam ler temperaturas baixas. Não esquecer que durante as manobras
de reanimação a vitima pode arrefecer.
Os 4 T's
Pneumotórax hipertensivo – é uma das causas principais de DEM que tem de ser
considerada em caso de trauma, após colocação de catéter central ou nos casos
200
GRECAR
de dificuldade respiratória de instalação súbita nos asmáticos. O diagnóstico é
clínico e exige tratamento imediato. O diagnóstico é confirmado com um abocath
G14 que se introduz a nível do 20 espaço intercostal na linha médio-clavicular. O
pneumotórax, após confirmação diagnóstica, deve ser imediatamente drenado.
Tamponamento cardíaco – o diagnóstico definitivo é difícil porque, os sinais
característicos desta situação são difíceis de pesquisar durante a reanimação,
seja na sala de emergência seja no local da ocorrência:
Ingurgitamento jugular a 450
Sons cardíacos apagados
Hipotensão/ausência de sinais de circulação – o que também é comum
ás outras causas de DEM
Deve-se ter em atenção as situações que têm maior probabilidade de causar
tamponamento cardíaco tratável, como por ex. traumatismo torácico penetrante
(considerar a necessidade de drenagem com uma agulha).
Tóxicos e iatrogenia medicamentosa – pode ser suspeitado pela história clínica
e/ou confirmados por análises. Nas situações em que for justificado considerar a
utilização de antídotos ou antagonistas.
Tromboembolismo Pulmonar e Coronário (obstrução mecânica) – é a causa mais
frequente de choque obstrutivo, sendo o tratamento de eleição a trombólise e/ou
cirurgia dependendo das especialidades existentes no hospital.
RESUMO
Nos casos de paragem cárdio-respiratória é prioridade absoluta
identificar o ritmo. Os doentes em FV/TV sem pulso devem ser
desfibrilhados o mais rapidamente possível.
A sobrevivência dos doentes em FV refractária ou em paragem não
201
GRECAR
FV/TV sem pulso depende da identificação de causas potencialmente
reversíveis com tratamento.
Em todas as situações é essencial a preservação da perfusão cerebral e
coronária através do SBV correctamente efectuado.
202
GRECAR
CAPÍTULO 16
CUIDADOS PÓS-REANIMAÇÃO
INTRODUÇÃO
A recuperação da circulação espontânea é um momento crucial da reanimação
pois é o início da fase em que é necessário optimizar as condições que permitam
que a vítima tenha maior possibilidade de recuperação neurológica, de
estabilização cardiovascular através do controle do ritmo e do estado
hemodinâmico não esquecendo outras atitudes terapêuticas apropriadas para
cada doente.
APÓS REANIMAÇÃO
As prioridades depois da recuperação da circulação da vítima continuam a ser as
mesmas: ABCDE.
A e B – via aérea e ventilação
Objectivos:
• Assegurar a permeabilidade da via aérea;
• Oxigenação adequada;
• Ventilação eficaz;
Os doentes que estiveram em paragem cardíaca e que recuperaram rapidamente,
por ex.: Fibrilhação Ventricular testemunhada que reverte a ritmo sinusal com
murro précordial ou desfibrilhação precoce, podem recuperar rapidamente o
estado de consciência prévio, não precisam de ser entubados nem ventilados só
necessitando de administração de O2 a alto débito por máscara facial.
203
GRECAR
A hipóxia e a hipercapnia são factores facilitadores de nova PCR. A hipocapnia
excessiva, por outro lado, pode provocar vasospasmo e redução da perfusão
cerebral.
Por estas razões é importante optimizar as condições da oxigenação e da
ventilação sendo necessário efectuar avaliação bioquímica e gasimetrias.
É necessário verificar se os movimentos respiratórios são simétricos e auscultar
para confirmar se o murmúrio vesicular é simétrico porque um tubo endotraqueal
demasiado introduzido pode entrar no brônquio principal direito, excluindo o
pulmão esquerdo.
O pneumotórax pode manifestar-se por hipofonese ou abolição do murmúrio
vesicular de um dos lados e deve-se despistar fracturas de costelas ou das
condrocostais quer seja resultado das compressões torácicas quer por trauma
prévio.
A auscultação também permite o diagnóstico dum possível edema pulmonar que
pode ser devido a falência cardíaca, aspiração de vómito ou secundário a doença
inflamatória do pulmão. Se houve necessidade de entubação endotraqueal e o
doente acorda, é preciso extubá-Io, principalmente se o doente reagir ao tubo
porque isso faz aumentar os níveis de catecolaminas circulantes o que por sua
vez facilita o aparecimento de arritmias.
É necessário proceder à entubação gástrica do doente, principalmente se houve
ventilação boca a boca ou com máscara facial, para drenagem gástrica e para
descompressão do estômago para melhorar a ventilação, pois isso reduz a
pressão sobre o diafragma principalmente se houve ventilação boca a boca ou
com máscara facial.
Ter em atenção
• Antes de entubar, deve-se:
o Hiper-oxigenar o doente;
o Aspirar as secreções
o Explicar o que se vai fazer;
204
GRECAR
o Posicioná-lo de forma confortável com tronco elevado;
C-Circulação
Objectivos:
• Um ritmo cardíaco estável;
• Débito cardíaco eficaz de modo a permitir uma perfusão adequada dos
órgãos vitais;
É possível que o ritmo cardíaco e o débito, após a reanimação, estejam instáveis.
É absolutamente crucial manter a monitorização cardíaca, vigiar os sinais e
sintomas de falência cardíaca/baixo débito, avaliando o pulso, tensão arterial e os
sinais de perfusão periférica - temperatura, cor e preenchimento capilar.
Também não nos podemos esquecer de pesquisar as manifestações de falência
cardíaca direita -ingurgitamento jugular, edemas nas zonas de declive,
hepatomegalia dolorosa, etc. - e sinais e sintomas de falência cardíaca esquerda,
por exemplo edema pulmonar.
A optimização da terapêutica nos doentes com falência cardíaca exige
monitorização invasiva de modo a controlar a administração de fluidos, diuréticos,
vasodilatadores, vasopressores, etc. A auscultação também é importante porque
permite suspeitar de derrame pericárdico ou doença valvular ou interseptal.
Os métodos de imagem confirmam e definem com maior precisão o significado
dos achados clínicos.
D e E - Disfunção neurológica e Exposição
Objectivos:
• Avaliar o estado neurológico pós PCR;
• Verificar se há situações precipitantes ou agravantes da PCR que exijam a
intervenção imediata, nomeadamente cirúrgica;
205
GRECAR
No adulto a PCR súbita é na maior parte das vezes devido a Enfarte Agudo do
Miocárdio mas, as causas são múltiplas e têm de ser identificadas e corrigidas
rapidamente, se possível. As mais frequentes são:
• Hipovolémia por exemplo de causa hemorrágica;
• Choque não hipovolémico por exemplo de causa séptica;
• Doenças respiratórias agudas e crónicas agudizadas;
• Graves desequilíbrios metabólicos;
• Intoxicações;
• Doenças do SNC capazes de provocar ou contribuir para a PCR
A identificação destes problemas passa pela recolha da história clínica ou
consulta do processo clínico, dependendo da situação.
É importante saber o que se passou e há quanto tempo decorreu o acidente ou
incidente.
A avaliação deve ser registada e monitorizada de forma simples e facilmente
perceptível por todos:
• Monitorização hemodinâmica – Tensão arterial, ritmo cardíaco e sinais de
perfusão periférica;
• Monitorização da função respiratória – sinais de dificuldade respiratória,
coloração da pele e mucosas, gasimetria arterial...
• Monitorização da diurese;
• Monitorização do estado de consciência -escala de coma de Glasgow;
Exames a pedir a todos os doentes após reanimação:
• Hemograma – hematócrito, despistar anemia ou doenças hematológicas;
• Bioquímica – função renal, electrólitos, glicémia, enzimas cardíacas;
• ECG de 12 derivações – ritmo, síndromes isquémicos coronários, lesões
miocárdicas anteriores – é necessário ter ECG de entrada para referência;
206
GRECAR
• Radiografia do tórax – para despiste de pneumotórax, hemotórax, posição
do tubo endotraqueal e da sonda nasogástrica, lesões infiltrativas
parenquimatosas (pneumonia, aspiração de vómito);
• Gasimetria arterial – para avaliar e corrigir a ventilação e o estado ácido-
base;
Atenção:
• Após PCR é frequente a hipercaliémia seguido de hipocaliémia devido a
um estado hiperadrenérgico que promove a entrada de potássio para
dentro das células. A hipocaliémia pode levar a arritmias. É preciso repor o
potássio de modo a ter valores entre 4 a 4,5 mEq/l;
• Os estados hiperglicémicos após PCR têm pior prognóstico e a
hipoglicémia leva a lesões endoteliais que contribuem para o agravamento
das lesões isquémicas. É imprescindível monitorizar a glicémia e corrigi-la
de modo a promover a normoglicémia;
• O sincronismo entre a contracção auricular e a ventricular é necessária
para assegurar um estado hemodinâmico eficaz, principalmente se existe
disfunção miocárdica. Tem de se corrigir as disrritmias potencialmente
tratáveis conforme as recomendações dos algoritmos peri-paragem;
• Se a PCR surgiu no contexto de síndrome coronário agudo é essencial
estabelecer o diagnóstico correcto o mais rapidamente possível para
decidir qual o tratamento a efectuar – o diagnóstico e a estratificação de
risco em caso de Enfarte Agudo de Miocárdio são imprescindíveis para
decidir a sequência da terapêutica a realizar nomeadamente a reperfusão
coronária;
• A seguir à PCR há habitualmente acidose metabólica, com acidémia e
Bicarbonato baixo, alterações que tendem a normalizar com a recuperação
da circulação e com a oxigenação -o tratamento deve ser dirigido à
correcção da causa (controle do ritmo, reposição de volume, uso de
207
GRECAR
inotrópicos,...) e não há sua correcção com administração de bicarbonatos.
A acidémia reflecte o estado de hipoperfusão periférica e a sua auto
correcção é um bom marcador da eficácia do tratamento;
• A resposta metabólica à acidémia é a redução da PaCO2 por
hiperventilação. Se o nível de consciência estiver deprimido (por ex. lesão
neurológica, sob efeito de sedativos, incapaz de hiperventilar), e o doente
estiver em respiração espontânea, pode não ser capaz de hiperventilar de
modo a corrigir a acidémia, ou mesmo, agravando-a;
É importante detectar imediatamente qualquer sinal de dificuldade respiratória,
monitorizar a oximetria de pulso e vigiar o equilíbrio ácido-base.
A administração de Bicarbonato pode agravar a acidose porque ele é
metabolizado em CO2 e hidrogeniões dentro das células agravando o pH
intracelular. Assim o tratamento da acidémia deve ser dirigido à causa.
As indicações para a administração de Bicarbonato durante uma reanimação são:
• pH extremamente baixo (< 7,1) e que não recupera;
• Hipercalémia grave;
• Intoxicação por tricíclicos;
A TRANSFERÊNCIA DO DOENTE
O objectivo é assegurar que a transferência é efectuada para o local adequado e
em condições de segurança.
Após uma reanimação bem sucedida o doente tem de ser transferido para uma
unidade de cuidados intensivos na qual possa ser monitorizado e tratado de modo
adequado segundo as suas necessidades.
A transferência só pode ser feita após se ter contactado com o responsável da
unidade de modo a discutir a situação do doente e se está em condições de
receber a vítima.
208
GRECAR
Se o doente durante e após a reanimação necessitou de monitorização e
cuidados diferenciados os mesmos devem continuar durante o transporte.
Antes de iniciar o transporte deve-se garantir que todos os tubos, cateteres,
drenos, cânulas e sistemas conectados estão a funcionar adequadamente e
seguros.
A equipa de procede ao transporte deve-se fazer acompanhar por todo o
equipamento necessário para qualquer emergência.
Existem protocolos como guia de orientação para as equipas que efectuam a
transferência sobre a sua organização e material necessário.
OPTIMIZAÇÃO DA PERFUSÃO E OXIGENAÇÃO
O objectivo é prevenir os síndromes de disfunção multi-orgânica, optimizando a
oxigenação e a perfusão de modo a impedir os quadros de isquemia/reperfusão.
Coração – após a reanimação o coração pode passar por um período de
deterioração da sua função que é interpretado como associado a lesões de
isquemia/reperfusão. A recuperação eficaz passa pela optimização do estado
hemo dinâmico de modo a conseguir uma recuperação total cárdio circulatória, o
que é conseguido com a manipulação de fluidos e medicamentos vasoactivos. A
disfunção do miocárdio pós reanimação não é por si só sinal de mau prognóstico
mas, a persistência da má função apesar da optimização da terapêutica já o é.
Cérebro – após a ressuscitação o cérebro passa por um período de hiperémia
mas 15 a 30 min depois passa a um estado de hipoperfusão por diminuição global
do fluxo sanguíneo. A autoregulação do cérebro perde-se tomando-o mais
sensível ao estado de hipotensão. É essencial manter a tensão arterial evitando
hipotensões mesmo que seja necessário recorrer a medicamentos vasoactivos.
Neste período pós reanimação podem ocorrer convulsões o que por si só
aumenta a necessidade de oxigénio pois o seu consumo aumenta cerca de 4
vezes em relação ao habitualmente necessário, o que torna imprescindível o
controle das convulsões através de benzodiazepinas, fenitoína, barbitúricos, etc.
209
GRECAR
Qualquer destes anticonvulsivantes podem causar hipotensão a qual deve ser
antecipada e corrigida.
Não há evidência clínica que haja medicamentos que protejam o cérebro de
lesões por isquemia pós PCR. No entanto há relatos que documentam que a
hipotermia pode ter efeitos benéficos quando existe traumatismo craniano. Devido
a isso os casos em que se constata hipotermia (33°C) pós reanimação não devem
ser activamente aquecidos mas as situações em que se verifica hipertermia
devem ser activamente tratadas.
ESTABELECER O PROGNÓSTICO
O objectivo é prevenir a disfunção multiorgânica, optimizando a oxigenação e a
perfusão dos órgãos nobres de modo a evitar os quadros de isquemia/reperfusão.
Uma vez restabelecida a circulação eficaz e após a estabilização do ponto de
vista hemodinâmico o prognóstico passa a depender essencialmente das lesões
cerebrais. O ideal seria ter acesso a um teste com valor prognóstico com 100% de
especificidade em relação à probabilidade de recuperação de forma a manter-se
uma vida com qualidade.
Actualmente não há forma de definir o prognóstico nas primeiras horas pós
paragem. A CPK no líquido cefaloraquidiano e o doseamento da proteína S100
(uma proteína da glia) no soro são marcadores de grande especificidade mas que
só têm valor prognóstico passado 48 a 72 h após PCR.
O EEG dá pouca informação mesmo quando se observa ondas sem deflecções
porque, isso é passível de recuperação se a causa subjacente for corrigida.
Os potenciais evocados somato sensitivos têm algum valor prognóstico mas, só
ao fim de algum tempo pós paragem.
Devido ao facto de não haver teste especifico que permita saber precocemente o
prognóstico das vítimas pós ressuscitação sucedida, estas devem receber todo o
suporte necessário para se manterem vivas (aos 3 dias 50% já faleceram). Das
restantes, as que não têm reflexos pupilares e as que não reagem à dor têm uma
210
GRECAR
probabilidade elevadíssima de morte/estado vegetativo, sendo estes indicadores
por si só de grande significado clínico e independentes entre si. Quando estes
dados são sustentados com estudos electrofisiológicos, a especificidade é de 100
%.
ESCALA DE COMA DE GLASGOW
Espontânea 4
À estimulação verbal 3
À estimulação dolorosa 2
ABERTURA DOS OLHOS
Nula 1
Orientada 5
Confusa 4
Inapropriada 3
Sons incompreensíveis 2
RESPOSTA VERBAL
Nula 1
Obedece a ordens 6
Localiza a dor 5
De fuga 4
Em flexão 3
Em extensão 2
RESPOSTA MOTORA
Sem resposta 1
Pontuação máxima 15
Pontuação mínima 3
211
GRECAR
O APOIO À EQUIPA DE REANIMAÇÃO
Todas as tentativas de reanimação deveriam ser objecto de auditoria sob a forma
de registos segundo o estilo Utstein.
É essencial que a equipa de reanimação reveja, em conjunto, o seu próprio
desempenho no fim de cada reanimação, salientando os pontos positivos, os
negativos e os pontos a melhorar.
O exame neurológico deve ser rigoroso e descritivo mas, para avaliações
repetidas do nível de consciência de modo a ser perceptível por todos os
intervenientes no processo de ressuscitação, deve-se utilizar a escala de coma de
Glasgow, inicialmente utilizada para avaliar a evolução neurológica dos doentes
com TCE.
RESUMO
• A ressuscitação cádio-respiratória eficaz (RCR) é somente o 1º passo de
todo um processo com evolução incerta e complexa.
• A qualidade de cuidados pós reanimação é crucial se definir o prognóstico.
• Os doentes pós RCE necessitam de cuidados especiais, nomeadamente
monitorização, pelo que devem ser transferidos para uma unidade de
cuidados intensivos.
• Actualmente a capacidade de previsão da evolução neurológica destes
doentes em coma pós RCE ainda é limitada.
212
GRECAR
CAPITULO 17
A EQUIPA DE REANIMAÇÃO
A SEQUÊNCIA DE EVENTOS DURANTE RCR
O suporte básico de vida (SBV) e o reconhecimento do ritmo precedem o suporte
avançado de vida (SAV), e a desfibrilhação precede as técnicas e o tratamento
avançado. Dependendo do número de membros presentes na equipa de
reanimação algumas tarefas podem ser realizadas simultaneamente, mas a
ordem dos eventos deve ser respeitada.
Suporte Básico de Vida
A seguir ao diagnóstico de Paragem Cárdio Respiratório deve-se iniciar SBV o
mais rapidamente possível. O SBV deve ser continuado ininterruptamente durante
todo o período de tentativa de ressuscitação (excepto para desfibrilhar). Se o SBV
não for iniciado logo, a probabilidade de sucesso diminui drasticamente.
Habitualmente, no meio hospitalar, o qual, o SBV já foi iniciado quando a equipa
de reanimação chega.
Monitorização
O diagnóstico de paragem cardíaca deve ser feito o mais rapidamente possível e,
por isso, se o doente ainda não estiver monitorizado a monitorização do mesmo
deverá ser feita imediatamente. Em alternativa, as pás do destibrilhador podem
ser utilizadas ou, a vítima pode ser conectada a um desfibrilhador externo
automático.
Se a paragem foi testemunhada ou monitorizada é apropriado o murro précordial
o qual deve ser dado logo de seguida.
213
GRECAR
Desfibrilhação
Se é diagnosticada Fibrilhação Ventricular ou Taquicardia Ventricular sem pulso o
tratamento mais efectivo é a desfibrilhação e o tempo que decorre até ao 1º
choque é crucial para se ter sucesso.
A desfibrilhação é a 1ª manobra no SAV quando se diagnostica paragem cardíaca
(FV/TVsp). A energia a utilizar é de 200J ou 360 J e deve preceder qualquer
outra intervenção de suporte avançado.
A pesquisa de pulso na artéria carótida entre os choques só deve ser efectuada
se no monitor surgir um ritmo compatível com circulação eficaz.
O SBV, após a desfibrilhação deve ser efectuado de imediato após cada choque
durante cinco ciclos antes de avaliar ritmo e pulso. Se o ritmo parecer de
assistolia , mudar para o ramo dos ritmos de assistolia.
Entubação endotraqueal e acesso vascular
Enquanto se está a proceder ao SBV, uma via para administração de drogas tem
de ser estabelecida. A Adrenalina é administrada durante a ressuscitação,
preferencialmente por via endovenosa ou intraossea.
A escolha de qual é estabelecido em 1º lugar (e assim qual a via de administração
da Adrenalina) é decidido pelo “team leader”. Tem a ver com a experiência dos
membros da equipa de reanimação. Se, como é a maior parte das vezes, existe
mais do que uma pessoa a participar na reanimação o acesso venoso e a
entubação endotraqueal podem ser efectuadas ao mesmo tempo sem interrupção
da RCR. No entanto, se só houver uma pessoa a efectuar a ressuscitação, a
entubação endotraqueal tem a vantagem de proteger a via aérea, garantir a
ventilação com O2 a 100 % e permitir a administração de Adrenalina.
O protocolo de tratamento deve seguir da seguinte forma: Se a vitima continua em
FV ou TVsp após 2 min de SBV (30:2), deve-se proceder a novo choque, de
200 J se bifasico ou 360J monofasico.
214
GRECAR
Se o ritmo não for TV/FV o SBV deve continuar enquanto se identifica e corrige as
causas potencialmente reversíveis.
Seja qual for o ritmo a Adrenalina deve ser administrada cada 3 ou 5 min.
É essencial que, durante todo o tempo de reanimação, seja assegurado que o
SBV está a ser feito de forma correcta e que a vítima está monitorizada de forma
a detectar-se alterações de ritmo sendo necessário confirmar o bom
funcionamento do equipamento.
O papel do "Team Leader"
A equipa de reanimação depende do seu team leader para funcionar
correctamente.
A pessoa com mais experiência e com formação em SAV é que deve ser o "Team
Leader". Em meio hospitalar muitas vezes acontece que várias pessoas têm essa
formação devendo ser pré definido qual delas vai ser o "Team Leader". Em meio
pré hospitalar é o 1º que chega ao local com experiência em SA V. O papel do
"tearn leader" é assegurar que a avaliação da vítima está a ser feita
correctamente, sendo o responsável pela coordenação da equipa.
Após se confirmar paragem cardíaca (não responde, não respira, não há
evidência de circulação) o passo seguinte é assegurar um adequado SBV:
• As compressões cardíacas coordenadas com a ventilação;
• A concentração máxima de O2 está a ser administrada;
• Cada compressão cardíaca "produz" pulso;
Assim que tudo é confirmado, o "team leader" deve ficar afastado de modo a ter
uma visão global da tentativa de reanimação. Evidentemente que isto só é
possível se os reanimadores também tiverem experiência em reanimação. Seja
qual for a situação o "team leader" deve rever toda as tarefas regularmente de
modo a assegurar que nenhum passo vital foi descurado. Assumindo que a
215
GRECAR
continuação da ressuscitação vai ser efectiva, o "team leader" deve garantir que o
doente é monitorizado o mais rapidamente possível.
A abordagem inicial pode ser resumida da seguinte forma:
É só depois de se diagnosticar o ritmo que o tratamento adequado pode ser instituído.
O "team leader" tem a responsabilidade de assegurar que existem condições de
segurança, tanto em relação à vítima, com em relação à equipa de reanimação ou
de outra pessoas presentes. O risco maior é durante a desfibrilhação e o leader
deve garantir que ninguém da equipa está em risco enquanto a vítima está a ser
desfibrilhada. Isto é tanto mais difícil quanto maior for a equipa ou se estiverem
presentes familiares da vítima. O acesso venoso e a entubação endotraqueal
devem ser efectuadas pelo elemento da equipa com maior experiência nessa
tarefa. O team leader tem de assegurar que o equipamento e as técnicas que
estão a ser utilizadas são as mais adequadas e, deve ser capaz de identificar e
conseguir resolver qualquer complicação que possa ocorrer. Finalmente, deve
assegurar que a dose (concentração e volume) de Adrenalina ou de outras drogas
a serem administradas é a adequada. Após cada intervenção o pulso e o ritmo da
vítima devem ser confirmados, e o team leader deve dar directrizes claras e
concisas sobre o passo a seguir. Isso não exclui que os outros membros da
equipa de reanimação dêem sugestões mas, a decisão final é do team leader.
Enquanto a tentativa de reanimação está a decorrer, o team leader deve obter
todos os dados clínicos da vítima que sejam relevantes, nomeadamente hábitos
medicamentosos ou de toxicofilia. Isto é relativamente fácil nos doentes
internados. No pré hospitalar tem de se questionar os presentes (familiares ou
outros) ou o doente pode ser portador de um cartão de prescrição.
Resolução de problemas
Se o doente não responde adequadamente ás manobras de reanimação, o papel
do team leader é investigar o porquê e alterar o tratamento de modo adequado, o
que inclui repensar o diagnóstico inicial, identificar o mau funcionamento do
216
GRECAR
equipamento ou ver se a cânula ou o tubo endotraqueal se deslocou. Deve-se ter
em atenção que o algoritmo de SA V é só um guia e que o tratamento deve ter em
atenção a situação clínica. Por exemplo, a paragem cardíaca num doente com
insuficiência renal pode requerer correcção de hipercaliémia, ou seja
administração de cálcio, apesar de ele não estar referenciado directamente no
algoritmo.
Se a ressuscitação for bem sucedida, é da responsabilidade do team leader
comunicá-lo aos que posteriormente serão responsáveis pela continuação dos
cuidados médicos. No pré hospitalar deve-se contactar o local para onde o doente
vai ser transportado, em meio hospitalar deve contactar o responsável pela
unidade de cuidados intensivos ou da unidade de coronários dependendo do
suporte que a vítima necessite.
É essencial que o team leader se assegure que toda a documentação está
completa, tão depressa quanto possível, após a ressuscitação. As notas médicas
e de enfermagem devem estar escritas de modo claro, indicando a data, a hora e
a sequência dos eventos efectuados e devem ser assinadas.
O papel final é falar com os familiares num ambiente apropriado,
A decisão de parar
Em muitas ocasiões, a ressuscitação não é bem sucedida e é da
responsabilidade do team leader tomar a decisão final de parar. Esta decisão é
sempre difícil mas, após confirmar o diagnóstico, de se assegurar que os
protocolos foram seguidos, complicações adicionais identificadas e tratadas e
todos os pontos da história esclarecidos, o team leader está em posição de tomar
a decisão de parar. Usualmente, isso só é feito após ser discutido com todos os
membros da equipa, tendo em conta os seus pontos de vista e serem
esclarecidas todas as dúvidas que possam ter.
217
GRECAR
RESUMO
• O "Team Leader" deve ser a pessoa com mais experiência em SAV.
• O papel do "Team Leader" é assegurar que o maior número de tarefas
sejam realizadas de modo a maximizar as chances do doente de
sobrevivência.
218
GRECAR
CAPÍTULO 18
ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS DA REANIMAÇÃO
INTRODUÇÃO
Qualquer abordagem completa do tema "Reanimação" envolve aspectos técnicos,
éticos morais e jurídicos.
A Ética médica assenta no pressuposto do valor fundamental da vida humana. O
princípio ancestral da beneficência e da não maleficência obriga o médico a
precaver-se contra a obstinação terapêutica, não mobilizando meios
tecnologicamente avançados quando é previsível, sob o ponto de vista cientifico,
que não se vão obter os benefícios esperados.
Como em qualquer outro procedimento de emergência, existe consentimento para
a reanimação cardiorespiratória (RCR) em face de um doente incapaz de
comunicar a sua vontade, já que o adiamento dessa atitude resultaria na morte do
doente.
Contudo, a frequente utilização de manobras de RCR em doentes com doenças
em estadio terminal ou sem poucas hipóteses de sobrevivência por mais do que
um período curto de tempo, tem levantado a preocupação de que os esforços de
reanimação estejam a ser correctamente empregues.
O doente inconsciente e que não pode exprimir a sua vontade, constitui para a
medicina moderna, um problema emocional, ético e jurídico.
CRITÉRIOS PARA INICIAR RCR
As manobras de RCR são, actualmente, uma prática que pode ser tentada em
todo o indivíduo que sofra uma paragem respiratória e/ou cardíaca. Visto que
qualquer uma destas situações é parte inevitável do processo de morte, a RCR
pode ser efectuada em todo o indivíduo que morre. Todos os doentes em
219
GRECAR
paragem cardiorespiratória (PCR) devem ser reanimados, excepto se esse
procedimento se revele fútil ou contrarie a vontade expressa do doente.
A alternativa à RCR é a própria morte.
Fora dos hospitais, em que na maioria dos casos, não se tem acesso a
informações clínicas sobre o doente, detalhadas e precisas, a reanimação deve
ser iniciada sempre e tão breve quanto possível, mesmo que existam dúvidas
sobre o tempo real de paragem, e/ou sobre a existência de doença grave
preexistente. As excepções a esta regra serão abordadas mais a frente.
O médico deve, em qualquer lugar ou circunstância, prestar tratamento de
urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato, independentemente da
sua função específica ou da sua formação especializada. (artigo 8º do Código
Deontológico da Ordem dos Médicos)
CONCEITO DE NORMA
Espera-se do médico que inicia as manobras de reanimação, eficácia
cientificamente comprovada e rigor na acção desenvolvida.
Como em muitos outros campos da medicina, as manobras de RCR são
suportadas por normas de orientação - "guidelines", sendo as mais divulgadas no
nosso país as emanadas pelo Conselho Português de Ressuscitação (CPR),
membro activo do European Resuscitation Council (ERC). Uma norma de
orientação é uma matriz de referência ou conjunto de recomendações,
(estruturadas) periodicamente actualizadas, que contem uma definição clara das
situações e das circunstâncias em que se aplica e que deve informar o processo
ou a decisão médica de forma a produzir acções de maior qualidade e de maior
consistência. O objectivo geral de qualquer norma de orientação é a melhoria da
qualidade do processo a que dizem respeito. O não seguimento desta normas
deverá ser baseado numa justificação explicável. No entanto, a flexibilidade da
sua aplicação só poderá existir quanto menor for o grau de urgência da
intervenção. Por este motivo, é de todo inadmissível e profissionalmente
inaceitável, qualquer alteração aos algoritmos de RCR existentes.
220
GRECAR
Invocar desconhecimento destas normas, falta de experiência e de treino não é,
nem deve ser argumento aceitável numa acusação de negligência, se o médico
foi solicitado para actuar de acordo com as competências que se esperava que
tivesse. Assim, todo o médico deve estar a par das actualizações em RCR e de
uma maneira ideal, estar habilitado com pós graduações, certificadas por
instituições credenciadas para o efeito. O médico deve cuidar da permanente
actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica. (Artigo 11º do
Código Deontológico da Ordem dos Médicos)
DECISÕES DE NÃO REANIMAR (DNR)
A paragem cardiorespiratória é uma das mais emergentes situações com que se
defrontam os profissionais de saúde.
As manobras de RCR praticadas nos hospitais e fora deles, permitem salvar
milhares de vidas. Estudos retrospectivos revelam que a RCR é praticada em
cerca de um terço dos mais de 2.000.000 de doentes que morrem anualmente
nos hospitais dos EUA.
A proporção de tentativas de RCR consideradas bem sucedidas depende dos
objectivos pretendidos com essa manobra. Com efeito, a taxa de sucesso varia
significativamente, dependendo do objectivo da reanimação ser a mera reposição
da função cardiorespiratória ou a sobrevida do doente até ter alta do hospital.
Assim, dos doentes hospitalizados que recebem RCR, 30 % sobrevive a essa
manobra pelo menos 24 horas, mas, na melhor das hipóteses, só um terço (10 %)
destes sobrevive até à data de alta.
Têm os doentes e a opinião pública em geral, expectativas realistas acerca da
taxa de sucesso das manobras de RCR?
É obvio que não. Trabalhos realizados nestas áreas revelam que após a análise
detalhada das situações encenadas de RCR em ambiente hospitalar e
transmitidas em filmes, aproximadamente 67% dos "doentes" submetidos a
manobras de RCR (em muitos casos só com o recurso ao Suporte Básico de
221
GRECAR
Vida) sobrevivem imediatamente e aparentemente tem alta hospitalar nas horas
que se seguem.
O resultado das manobras de RCR está intimamente ligado a natureza e
gravidade da doença subjacente. Situações tendo como doença de base
neoplasia metastizada, sépsis, falência cardíaca, respiratória e renal em fase
terminal ou falência multiorgânica estão geralmente associadas a baixos níveis de
sobrevivência.
Apesar do uso generalizado da RCR em doentes hospitalizados, são
reconhecidas duas excepções aos pressupostos que obrigam à sua
administração:
1. A vontade do doente em relação à RCR, obviamente expressa e conhecida
antes da situação que justifique a sua utilização;
2. A RCR não deve efectuada se, na opinião do médico em causa, esse
procedimento se revelar inútil;
A 1ª excepção – é sobejamente conhecido o direito que assiste o doente
esclarecido recusar qualquer tratamento médico, mesmo quando tal atitude
resulta num agravamento do seu estado ou mesmo a morte. Por conseguinte, um
doente pode expressar antecipadamente a sua opção de que não sejam
realizadas manobras de RCR. Tal recusa pode servir de base para a inserção de
uma directiva de não reanimar no processo do doente A capacidade mental do
doente deve ser comprovada, bem como, deve existir a certeza de que não houve
influências de terceiros. Importa salientar que nos países europeus, estas DNR
não tem valor legal vinculativo para o médico.
A 2ª excepção à regra da realização das manobras de RCR refere-se aos casos
em que, na opinião do médico assistente, tais manobras se revelem inúteis.
Nenhum médico está ética ou legalmente obrigado a proceder a um tratamento
específico, mesmo que expressamente pedido pelo doente, se esse procedimento
se evidenciar fútil.
222
GRECAR
No entanto, os conceitos de inutilidade e futilidade estão sujeitos a uma grande
variedade de interpretações. São encontrados na literatura quatro tipos
conceptuais de futilidade:
1. Fisiológica – a intervenção efectuada não tem efeito fisiológico;
2. Futilidade e morte iminente – o doente morre antes da intervenção;
3. Futilidade e condição letal – o doente está em estadio terminal;
4. Qualitativa – a qualidade de vida resultante da acção é muito reduzida;
As recomendações sobre DNR existentes na literatura têm como pressupostos
estes quatro tipos de futilidade. É preciso não esquecer que os processos de
determinação de futilidade de um dado procedimento, neste caso a RCR, não são
perfeitos e têm, na maioria dos casos, uma posição unilateral, podendo por isso
ser acusados de falta de ética.
É necessário que se chame ao processo de DNR todos os intervenientes: o
doente, os seus familiares, o médico assistente, a instituição e a sociedade em
geral.
A autonomia do doente deve ser, sempre que possível, preservada.
DNR E O PRÉ HOSPITAL
A paragem cardiorespiratória que ocorre em ambiente extra hospitalar é
habitualmente inesperada. As decisões de iniciar, continuar ou parar as manobras
de RCR são tomadas pelo médico do pré-hospitalar e não tem em conta as
eventuais decisões do doente. No caso de, durante o processo de reanimação,
não estar presente nó local um médico com formação em Suporte Avançado de
Vida (SAV), os doentes são, na grande maioria dos casos, transportados para o
hospital ou centro de saúde.
Importa salientar que a RCR fora do hospital é acompanhada de grande
expectativa pelos familiares da vítima e público em geral. Ninguém espera que a
equipa de emergência se limite apenas anunciar o óbito. Por isso, e até à
223
GRECAR
chegada do SAV, as manobras de RCR devam de pronto ser iniciadas e
mantidas. Este procedimento que poderá ser rotulado de fútil é defendido pelo
princípio da dúvida.
Fora dos hospitais, quando a informação clínica do doente é diminuta e
inconclusiva e o tempo é escasso, a RCR deve ser iniciada sempre e de imediato,
exceptuando os casos em que se verifiquem situações de lesões incompatíveis
com a vida:
• Decapitação;
• Incineração;
• Rigor mortis;
• Decomposição;
• Hemicorporectomia (Secção transversa);
Especial atenção devem merecer os casos de hipotermia ou em que se suspeita
ter havido ingestão de fármacos (barbitúricos, ansiolíticos), já que estas situações
podem conferir algum grau de protecção cerebral. Sempre que possível, a morte
deve ser documentada com traçado electrocardiográfico.
Aceita-se que não se iniciem manobras de RCR nos casos em que o tempo que
mediou a PCR e o início de SBV seja superior a 15 min e o ritmo encontrado pela
equipa de SAV não seja desfibrilhável. É imperativo que esteja correctamente
documentada a ausência de sinais de circulação e/ou pulso.
Um importante factor no atendimento à vítima em PCR é aquele que está
relacionado com a segurança da equipa de socorro. A exposição da equipa ao
meio que condicionou a PCR (electrocussão, intoxicação com organofosforados)
e a assistência a vítimas de acidentes rodoviários ou em locais de difícil e
perigoso acesso deve ser rodeada de todas as medidas de segurança, de modo a
não colocar em perigo os profissionais de saúde e o trabalho por eles
desenvolvido.
224
GRECAR
CRITÉRIOS DE SUSPENSÃO DA RCR
É tremendo o impacto emocional e financeiro dos doentes com encefalopatia
anóxica. Este dramático quadro que geralmente ocorre após 3 a 5 minutos de
anóxia leva, muitas vezes, os familiares e os próprios médicos a julgarem esta
situação pior que a própria morte. Contudo, é importante salientar que o
diagnóstico de "lesão cerebral irreversível" ou "morte cerebral" não pode ser feito
em ambiente pré-hospitalar e, como tal, não deve ser utilizado como critério para
não iniciar ou suspender a RCR.
Um sinal positivo da RCR fora do hospital é o retorno da circulação espontânea
(ROSC), definido como a existência de pulso durante, pelo menos, 5 minutos.
Assim a equipa de socorro deve manter os esforços de reanimação até que:
• Haja existência de ROSC;
• Transferência dos cuidados para a equipa de SAV;
• Decisão médica de parar a RCR;
• Reconhecimento seguro da morte da vítima;
• Exaustão ou factores de risco que coloquem em perigo o socorrista ou a
vida de terceiros;
• Existência de uma DNR com suporte legal claro e inequívoco.
Como atrás referido, quando existem dúvidas sobre as possibilidades de
recuperação, a regra de Epstein dever ser seguida pelo médico -"Preserve a vida
o mais que puder". O médico que não cumpre este princípio deontológico está a
infringir o seu código de ética.
Na eventualidade de estar seguro acerca da irreversibilidade da situação, o
médico tem que assumir a responsabilidade de não introduzir métodos especiais
de tratamento.
De acordo com o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida merece
juízo ético favorável a decisão médica de não iniciar medidas extraordinárias de
225
GRECAR
suporte ventilatório ou cardíaco, quando elas são medicamente inúteis, bem como
a decisão médica de as suspender logo que foi verificada a morte do tronco
cerebral.
A morte cerebral equivale à ausência total e irreversível das funções do tronco
cerebral. Relembram-se os critérios de certificação de morte cerebral publicados
em decreto-lei, (Diário da República -I Série -B n.º 235; 11/10/1994; 6160):
I – Condições prévias
1. Para o estabelecimento do diagnóstico de morte cerebral é necessário que
se verifiquem as seguintes condições:
2. Conhecimento da causa e irreversibilidade da situação clínica;
3. Estado de coma com ausência de resposta motora à estimulação dolorosa
na área dos pares cranianos;
4. Ausência de respiração espontânea;
5. Constatação de estabilidade hemo dinâmica e ausência de hipotermia,
alterações endócrino-metabólicas, agentes depressores do sistema
nervoso central e ou de agentes bloqueadores neuromusculares, que
possam ser responsabilizados pela supressão das funções referidas nos
números anteriores.
II – Regras de semiologia
1. O diagnóstico de morte cerebral implica a ausência na totalidade dos
seguintes reflexos do tronco cerebral:
a) Reflexos fotomotores com pupilas de diâmetro fixo;
b) Reflexos oculocefálicos;
c) Reflexos oculovestibulares;
d) Reflexos comeopalpebrais;
e) Reflexo faríngeo.
226
GRECAR
2. Realização da prova da apneia confirmativa da ausência de respiração
espontânea.
III – Metodologia
A verificação de morte cerebral requer:
1. Realização de, no mínimo, dois conjuntos de provas com intervalo
adequado à situação clínica e à idade;
2. Realização de exames complementares de diagnóstico, sempre que for
considerado necessário;
3. A execução das provas de morte cerebral é efectuada por dois médicos
especialistas (em neurologia, neurocirurgia ou com experiência de
cuidados intensivos);
4. Nenhum dos médicos que executa as provas poderá pertencer a equipas
envolvidas no transplante no transplante de órgãos ou tecidos e pelo
menos um não deverá pertencer à unidade ou serviço em que o doente
esteja internado.
Os doentes que, antes da chegada ao hospital, apresentem ROSC, têm uma
probabilidade aumentada de sobreviverem. Estudos mostram, que o transporte
rápido da vítima, que no local não apresenta um retomo à circulação espontânea,
não aumenta a taxa de sobrevivência e pode, eventualmente por em perigo, a
equipa de reanimação.
A decisão de suspender as medidas de RCR deve ter vários factores em conta:
Duração da RCR
As manobras de RCR, no pré-hospital, devem ser interrompidas quando
ultrapassam os 25 minutos de duração sem ROSC.
Esta recomendação exclui os casos excepcionais de intoxicação com drogas ou
situações de hipotermia extrema.
227
GRECAR
Quando não se tem acesso ao SAV nos 30min após o início do SBV, quer pela a
sua inexistência, quer por a PCR surgir em locais remotos, a taxa de sobrevida é
reduzida.
Idade da vítima
O efeito da idade da vítima no prognóstico da RCR é controverso.
A idade "fisiológica", mais do que a idade "anatómica", poderá ter alguma
influência sobre o insucesso das manobras.
Ritmo peri-paragem
Os ritmos não destibrilháveis (dissociação electromecânica assistolia) tem um pior
prognóstico.
Em termos gerais, considera-se que a reanimação não deve ser suspensa
enquanto se apresentar o ritmo de fibrilhação ventricular.
Factores potencialmente reversíveis
Segundo as recomendações do ERC, os seguintes factores (4 H's e 4 T's) devem
ser equacionados e, se presentes, resolvidos no decurso de uma RCR:
Hipóxia
4 H's Hipovolémia
Hiper/Hipocaliémia e alterações metabólicas
Hipotermia
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PneumoTórax hiperTensivo
4T’s Tamponamento cardíaco
Tóxicos e iaTrogenia médica
Tromboembolismo pulmonar e obstrução mecânica
COMISSÃO DE ÉTICA
É obrigação dos hospitais criarem e manterem Comissões de Ética que possam
responder ás solicitações surgidas com problemas éticos.
Cabe a estas comissões organizar programas educacionais, desenvolver políticas
hospitalares e estabelecer contactos com os serviços de emergência, tendo como
fim a protecção dos direitos do doente e do médico.
RESUMO:
Todos os doentes em PCR devem ser reanimados, excepto nos casos em que
esse procedimento se revele fútil ou contrarie a vontade expressa pelo doente.
O médico tem a obrigação ética de respeitar a vontade do doente face à RCR,
não devendo interferir com juízos de valor pessoais.
Fora dos hospitais, quando a informação clínica do doente é diminuta e
inconclusiva e o tempo é escasso, a RCR deve ser iniciada sempre e de imediato,
exceptuando os casos em que se verifiquem situações de lesões incompatíveis
com a vida.
229
GRECAR
CAPÍTULO 19
APOIO AOS FAMILIARES DA VITIMA
Uma abordagem correcta dos familiares da vítima de paragem cardio-respiratória, logo desde o início, pode ajudar a lidar com o luto.
INTRODUÇÃO
"Os homens receiam a morte tal como as crianças receiam o escuro (...)"
Francis Bacon
A reanimação é um acontecimento stressante quer para os familiares da vítima
quer para a equipa de reanimação. Lidar com os familiares nesta situação não é
fácil. É uma altura que os familiares nunca esquecem. Se a abordagem não for
correcta deixará marcas permanentes. Infelizmente a maioria dos profissionais de
saúde não tem qualquer formação para lidar com estas situações.
Embora as situações nunca sejam iguais, existem alguns princípios gerais que se
podem aplicar a todas as situações.
CONTACTO INICIAL COM OS FAMILIARES
O contacto inicial com os familiares é um momento particularmente importante e
não deve ser deixado ao acaso. Quando ocorre uma paragem cardio-respiratória
a prioridade é iniciar imediatamente a reanimação. Se os familiares não estão
presentes, assim que possível deve-se tentar identificar o familiar ou amigo mais
próximo.
É sempre preferível que o contacto com os familiares seja feito por alguém que
esteve envolvido na reanimação, pois permite responder a perguntas que
frequentemente se relacionam com pormenores do acontecimento terminal. E útil
230
GRECAR
explicar detalhes do processo de reanimação e circunstâncias da morte, se for
caso disso.
Sempre que possível deve ser evitada a comunicação por telefone, as notícias
devem ser dadas em presença, a pelo menos dois familiares ou amigos de forma
a que se possam apoiar mutuamente.
A chegada dos familiares ao hospital deve ser preparada de forma a que sejam
recebidos e encaminhados para uma sala apropriada. Deverá existir uma divisão
acolhedora e confortável onde os familiares possam falar com um ou mais
membros da equipa de reanimação, colocando as questões que entenderem, ou
mesmo ficar a sós se assim o preferirem.
Durante a reanimação os familiares devem ser informados da evolução da
situação de forma clara, evitando termos vagos como " a situação está má", "está
muito doente" ou "é uma situação crítica". Não usar terminologia médica por
vezes incompreensível, em vez de "teve uma paragem cardio-respiratória"
explicar "o coração parou e não está a respirar, podendo mesmo vir a morrer". A
experiência mostra que perante factos concretos e uma explicação adequada a
maioria das pessoas lida relativamente bem com as más notícias.
PRESENÇA DOS FAMILIARES DURANTE A REANIMAÇÃO
Em muitos casos a PCR é presenciada por familiares ou amigos e, embora
infrequente, podem mesmo ser estes os primeiros a iniciar manobras de
reanimação. Se uma pessoa próxima da vítima expressar o desejo de estar
presente durante a tentativa de reanimação, afastá-Io pode ser muito prejudicial.
Alguns estudos sugerem mesmo que estar presente durante a reanimação de um
familiar é benéfico.
A presença dos familiares durante a reanimação tem várias vantagens:
• Facilita o processo de luto, em caso de morte, ajudando a enfrentar a
realidade e evitando a tendência para a negação.
231
GRECAR
• Evita a sensação de abandono, permitindo-lhes estar presente num
momento complicado ou mesmo nos últimos momentos
• Permite constatar os esforços de reanimação evitando a dúvida "será que
foi feito tudo o que era possível".
• Possibilita uma despedida, falando e tocando o corpo quando ainda está
quente.
No entanto, a presença de familiares durante a reanimação pode:
• Causar inibição ou interferir emocionalmente com a equipa de reanimação;
• Por em causa a segurança no local da reanimação;
• Ser uma memória perturbadora muitas vezes pela presença de "tubos" e
outro equipamento. Ao contrário do que se pensa, a maior parte das
pessoas não é particularmente impressionada pelo equipamento médico;
• Ser um momento stressante, sobretudo se o som do monitor cardíaco
estiver ligado. Recomenda-se que, no caso de estarem presentes
familiares, o som do monitor esteja desligado;
Desde que expresso o desejo de estar presente, e sempre que as condições de
trabalho o permitam, os profissionais de saúde devem consentir a presença de
um familiar ou amigo próximo. É conveniente que:
• Alguém da equipa se ocupe do familiar explicando o que se está a passar,
garantido a segurança e a não interferência na reanimação;
• Seja explicado que podem sempre decidir sair ou estar presentes, tentando
evitar sentimentos de culpa qualquer que seja a decisão;
Em caso de insucesso, pedir ao familiar que saia momentaneamente para serem
retirados os equipamentos utilizados, permitindo-lhe posteriormente regressar e
estar a sós com o falecido, se assim o desejar.
232
GRECAR
A NOTÍCIA DO FALECIMENTO
A notícia do falecimento é um momento particularmente complexo e difícil para os
familiares. É um momento que habitualmente não esquecem pelo que é muito
importante a forma como é dada a notícia, as palavras utilizadas permanecem na
memória dos familiares por vezes para sempre devendo ser cuidadosamente
escolhidas. Algumas situações são ainda particularmente mais difíceis,
nomeadamente quando envolvem doentes jovens ou situações súbitas e
inesperadas.
Habitualmente também é um momento complexo e difícil para os elementos da
equipa envolvidos. Não é forçoso que a notícia seja dada pelo "team leader" ou
mesmo por um médico, deve, no entanto, ser um elemento com qualificação
técnica para explicar o que aconteceu, capacidade de comunicação e preparação
para lidar com a reacção de perda dos familiares.
Não existem regras estritas nem uma forma standard de o fazer, no entanto, é útil seguir algumas orientações:
• Prepare-se previamente, física e emocionalmente. Se esteve envolvido na
reanimação faça uma pausa, pense o que vai dizer e como. Cuide da sua
aparência e certifique-se que a bata não tem vestígios de sangue;
• Apresente-se e certifique-se que está a falar com os familiares da vítima,
procurando saber exactamente com quem. Tente saber o que já conhecem
da situação e prossiga a partir dessa base;
• Sente-se ou coloque-se ao mesmo nível dos interlocutores, mostrando
disponibilidade para ouvir e informar;
• Utilize um tom de voz e uma atitude corporal adequados ao que está a
dizer. Não evite o contacto com o olhar ou mesmo um contacto físico
(segurar uma mão ou o ombro, por exemplo, pode muitas vezes ser
apropriado);
233
GRECAR
• Utilize palavras simples em vez de terminologia médica e vá directo ao
assunto de forma empática e honesta. Não faça grandes introduções nem
perca tempo a tentar recolher informação sobre os antecedentes do
doente, mesmo que lhe pareçam relevantes. As pessoas querem saber de
imediato o que se passa, nomeadamente se a pessoa está viva ou morta;
• Não use frases vagas, se o doente morreu utilize as palavras "morte",
"morto" ou "morta" e certifique-se de que foram ouvidas. Tudo o que for
vago é uma esperança para os familiares.
• Sempre que for conhecida a causa de morte deve ser explicada de forma
clara;
• Aborde directamente a questão do sofrimento do doente, mesmo quando
não é colocada a questão é sempre tranquilizante para os familiares
saberem que o seu ente querido não teve sofrimento adicional no momento
da morte;
• Responda às perguntas de forma clara e sem evasivas. Não tenha receio
de dizer que não sabe a resposta a questões médicas ou filosóficas como
"porque é que isto aconteceu?" ou "porquê ele?";
• Se possível evite que persistam dúvidas que possam levar a um
sentimento de culpa futuro, como por exemplo: "se o tivesse trazido mais
cedo ao hospital!". Explicar o percurso inexorável de algumas situações
pode ajudar;
• Prepare-se para a reacção emocional dos familiares. Não receie o silêncio
e se necessário leve-os a ver o doente. As pessoas precisam de tempo, ou
mesmo de ver o corpo, para interiorizarem a situação;
• Esteja preparado para lidar com: raiva, culpa, negação, desequilíbrio
emocional agudo;
• Permita e encoraje a reacção manifestada (chorar, estar sozinho, gritar
etc.);
234
GRECAR
• Esteja preparado para respeitar as formas de expressão específicas dos
vários grupos culturais ou sociais;
OBSERVAÇÃO DO CADÁVER
É frequente os familiares manifestarem o desejo de ver o corpo. Essa observação
não deve ser negada, é um direito. No caso de existirem mutilações é
conveniente preparar previamente o corpo e avisar os familiares do que irão ver.
Por muito cruel que nos possa parecer a realidade é preferível à mera
imaginação. Deve ser permitido aos familiares tempo para estar junto do corpo e
expressar os seus sentimentos (falar, tocar, beijar etc.).
PARTICULARIDADES ÉTNICAS E RELIGIOSAS
Os diferentes grupos étnicos apresentam reacções e atitudes diferentes face à
notícia do falecimento e seguem, habitualmente, diferentes procedimentos de
carácter religioso. É útil confirmar com um familiar ou com o capelão do hospital
se existe um rito específico que desejam cumprir de forma a que possa ser
respeitado. Por exemplo em algumas religiões ninguém de outra religião deve
tocar no corpo.
ASPECTOS PRÁTICOS E LEGAIS
Após o falecimento existem alguns aspectos de ordem prática, administrativa ou
mesmo legal que é necessário assegurar.
Relativos aos familiares:
• Procedimentos necessários após a morte (como e quando pode ser
levantado o corpo, certificação do óbito versus necessidade de autópsia);
• Discussão de eventual doação de órgãos;
235
GRECAR
• Apoio possível dos serviços sociais;
• Apoio religioso disponível;
• Aconselhamento sobre acompanhamento e apoio;
Assuntos administrativos ou legais
• Certificação do óbito;
• Pedido de autópsia, clínica ou médico-legal;
• Notificação de autoridades;
• Notificação do médico assistente;
A EQUIPA DE REANIMAÇÃO
Após uma reanimação que resultou em insucesso os elementos da equipa podem
manifestar receios, dúvidas, culpa ou ansiedade relativamente ao seu
desempenho e mesmo em relação aos seus próprios medos e sentimentos. Não
esquecer a equipa. Sempre que possível reservar tempo para rever com a equipa
estes aspectos e também o desempenho durante a reanimação. A análise do
desempenho, o reforço ou a correcção, quando necessário, são importantes
instrumentos de aprendizagem e melhoria da prestação da equipa.
RESUMO
• Muitas reanimações terminam em insucesso e morte, sendo difícil aos
familiares lidar com tal facto sobretudo se for súbito. Informá-los de forma
precisa, directa e honesta ajuda a lidar com a situação.
• É fundamental ajudar os familiares a lidar com o luto permitindo-lhes tempo
e liberdade para expressar os seus sentimentos e a possibilidade de
observar o corpo.
• Guardar tempo para apoio da equipa após a reanimação é fundamental
para manter um bom nível de desempenho.