236
2008 A A B B O O R R D D A A G G E E M M D D O O D D O O E E N N T T E E E E M M E E R R G G E E N N T T E E

Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

2008

AABBOORRDDAAGGEEMM DDOO DDOOEENNTTEE

EEMMEERRGGEENNTTEE

Page 2: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

GRECAR

MANUAL ELABORADO COM BASE

EUROPEAN RESUSCITATION COUNCIL GUIDELINES FOR RESUSCITATION 2005 E

ACUTE MEDICAL EMERGENCIES

EDITADO POR ALS GROUP

RESUSCITATION – JORNAL OFICIAL DO EUROPEAN RESUSCITATION COUNCIL

AMERICAN HEART ASSOCIATION

VERSÃO CRIADA PELO GRECAR – GRUPO DE REANIMAÇÃO CARDIORESPIRATÓRIA

PARA APOIO À FORMAÇÃO ABORDAGEM DO DOENTE EMERGENTE

MMaannuuaall ddee AAppooiioo AAbboorrddaaggeemm ddoo DDooeennttee EEmmeerrggeennttee

Page 3: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

GRECAR

ÍNDICE

Prefácio 3

Capitulo 1 - Introdução 4

Capitulo 2 – Reconhecimento do Doente Emergente 10

Capitulo 3 – Abordagem Estruturada do Doente Emergente 16

Capitulo 4 – Abordagem da Via Aérea e Ventilação 35

Capitulo 5 – Doente com Dificuldade Respiratória 60

Capitulo 6 – Acidente Vascular Cerebral 81

Capitulo 7 - Choque 94

Capitulo 8 - Suporte Avançado de Vida em Prespectiva 107

Capitulo 9 - Paragem cárdio-respiratória: causas e prevenção 110

Capitulo 10 - Suporte básico de vida para profissionais de saúde 120

Capitulo 11 – Suporte Básico de Vida em Ambiente Hospitalar 140

Capitulo 12 – Monitorização antes, durante e após a paragem cardiaca 146

Capitulo 13 – Desfibrilhação Eléctrica 165

Capitulo 14 – Fármacos usados na reanimação 178

Capitulo 15 – Tratamento da Paragem Cardiaca 188

Capitulo 16 – Cuidados Pós Reanimação 202

Capitulo 17 – Equipa de Reanimação 212

Capitulo 18 – Aspectos Éticos e Legais da Reanimação 218

Capitulo 19 – Apoio aos Familiares das Vitimas 229

Page 4: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

3

GRECAR

Prefácio

Abordagem do doente emergente

A formação tem como objectivo criar uma linguagem e metodologia universais para o

atendimento do doente emergente adulto. O curso destina-se a técnicos de saúde, que

participam na prestação de cuidados.

A formação promove o trabalho em equipa e pretende formar operacionais capazes de

integrarem essa equipa e de compreenderem as exigências que implica uma atitude de

liderança, em situações de crise.

A formação inclui palestras, bancas práticas (Via Aérea, Ventilação Mecânica, Suporte

Básico de Vida, monitorização e reconhecimento de ritmos, desfibrilhação e tratamento

da paragem cardio-respiratória) para aquisição de competências em simulação de casos

clínicos.

Os conhecimentos teóricos dos formandos são avaliados por um teste de escolha

múltipla. As competências práticas são, avaliadas de forma contínua ao longo da

formação

O Manual

Este manual pretende contribuir para o crescente ensino de reanimação, respeitando os

algoritmos aprovados pelo ERC – European Resuscistation Council e Acute Medical

Emergencies, pelo Advanced Life Support Group e American Heart Association) e

transmitir os conteúdos teóricos necessários ao tratamento do doente emergente adulto.

Sítios da Internet a consultar:

www.erc.edu

www.americanheart.org

Page 5: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

4

GRECAR

CAPÍTULO 1

Introdução

Uma emergência médica pode acontecer a qualquer indivíduo, sob uma variedade de

circunstâncias como por exemplo:

• Em indivíduo previamente saudável

• Numa doença crónica agudizada

• Num pós-cirúrgico

• Numa resposta ao trauma.

O problema agudo pode estar directa ou indirectamente relacionado com a situação,

pode ser uma complicação associada a um tratamento instituído, e ou o resultado de

uma acção inadequada.

Pontos-chave

Acções inapropriadas custam vidas

Além disso, com o aumento da população idosa há um correspondente aumento no

número e na complexidade dos problemas médicos. O tratamento destes doentes está

comprometido pela necessidade de controlar os custos, salvaguardando uma boa relação

de custos/cuidados, assegurando uma gestão adequada das camas, reduzindo as horas

com os técnicos de saúde.

Existe uma tendência para o aumento da afluência e admissão de doentes em cerca de

5% ao ano nos Serviços de Urgência, aumentando significativamente a despesa com a

saúde pública.

As situações agudas comuns podem ser classificadas de uma forma global, de acordo

com o sistema do corpo afectado (tabela 1.1).

Page 6: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

5

GRECAR

Classificação da tabela 1.1 de emergências médicas

Tipo %

Cardíacas 29

Respiratórias 26

Neurológicas 21

Gastrointestinais 13

Esta informação pode ser ainda mais específica, de forma a revelar as situações mais

comuns para admissão na Urgência:

• Enfarte do miocárdio

• AVC

• Insuficiência cardíaca

• Asma agudizada

• DPCO

• Auto agressão

Apesar do facto de estas serem condições comuns, erros frequentes na gestão de

cuidados e condutas impróprias resultam em morbilidade e mortalidade que podem ser

prevenidas.

Um estudo recente com o objectivo de examinar os cuidados prestados nos serviços de

urgência, mostrou que estavam presentes uns ou mais incidentes evitáveis. Os erros

mais comuns estão mencionados na caixa em baixo.

Page 7: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

6

GRECAR

ERROS COMUNS

Falha no reconhecimento e tratamento da infecção grave

Erro no diagnóstico – Cefaleia aguda

Dispneia aguda

Epilepsia

Má interpretação dos dados clínicos

Abordagem inadequada da sintomatologia abdominal

Estes dados basearam-se num pequeno estudo, mas dos 29 pacientes que morreram, 20

teriam uma boa possibilidade de sobreviver a longo prazo se tivesse havido uma

actuação apropriada. Mais ainda, dos 11 doentes que sobreviveram, 3 sofreram sérias

lesões neurológicas, três foram submetidos a ressecção intestinal evitável e quatro

doentes tiveram uma permanência hospitalar prolongada e desnecessária.

Os erros diagnósticos foram encontrados em 80% dos pacientes devido a uma

interpretação inadequada do quadro clínico e da avaliação inicial. Estes erros encontram-

se na caixa.

Page 8: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

7

GRECAR

ERROS NA ABORDAGEM DO PACIENTE

Incorrecta avaliação dos achados clínicos

Falha na identificação e tratamento do doente urgente / emergente

Resultados da avaliação mal interpretados ou ignorados

Falhas na avaliação radiológica

Incumprimento dos protocolos

Avaliação e tratamento inadequado

Alta clínica sem correcta avaliação

De um modo geral foram identificados os seguintes problemas:

• As urgências não dispunham de recursos humanos experientes em número

suficiente

• Não foi pedida uma segunda opinião

• A abordagem foi executada inadequadamente antes da alta

• Os raios X não foram discutidos com os radiologistas

• Os protocolos não foram usados para circunstâncias normais

Além disso, a abordagem dos pacientes que precisavam de cuidados intensivos foi

incompleta, inapropriada ou tardia para impedir o aumento da morbilidade e mortalidade.

Consequentemente, há problemas em áreas fundamentais da prestação de cuidados ao

paciente, isto é, exame clínico, requisição de estudos apropriados e sua correcta

interpretação e comunicação. Entretanto, provavelmente o mais importante de tudo é

saber quando e a quem pedir ajuda. Uma resposta a este problema importante é fornecer

uma aproximação estruturada à avaliação paciente que facilitará a identificação do

problema e dará prioridade à gestão dos cuidados.

Page 9: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

8

GRECAR

Tudo o que é necessário para lidar com emergências médicas é conhecimento focalizado

e competências básicas. Estes assegurarão uma avaliação correcta e em tempo útil,

melhorando o prognóstico do paciente. As mortes evitáveis são devidas à abordagem

inapropriada, á indecisão ou atrasos no tratamento. Uma outra questão importante é o

tempo de espera para atendimento apropriado.

No Reino Unido, numerosos estudos mostraram que os cuidados prestados por

especialistas são melhores do que aqueles prestados por um generalista. Por exemplo, a

rápida avaliação por um médico especializado mostrou reduzir a morbilidade /

mortalidade para a asma.

A mortalidade das hemorragia gastrointestinal cai de 40% para aproximadamente 5% se

a abordagem é feita por um gastrenterologista. Evidências de suporte adicional foram

fornecidas por estudos nos Estados Unidos onde a mortalidade por enfarte agudo do

miocárdio ou angina instável era maior nos pacientes tratados por generalistas.

No entanto o número insuficiente de técnicos de saúde especializados para atender

todos os pacientes críticos leva a que alguns sejam avaliados e tratados por técnicos

generalistas. Assim, todos os técnicos de saúde necessitam saber lidar com situações de

emergências médicas. Esta formação ensina uma aproximação estruturada que permita

uma abordagem segura, efectiva e apropriada ao doente emergente

O ensino clínico tradicional dita que a historia deve sempre ser colhida antes do exame

clínico. Isto permitirá subsequentemente a formulação de um diagnóstico e ditará as

acções a seguir. Infelizmente esta aproximação nem sempre é possível; por exemplo,

tentar obter a história de um paciente que se apresente com dificuldade respiratória pode

não só exacerbar a sua situação clínica mas também atrasar o seu tratamento.

Esta formação foi desenvolvida observando como os médicos e enfermeiros experientes

gerem emergências médicas. Os resultados mostraram um desvio cultural interessante.

A maioria de nós, enquanto nos aproximamos do paciente, faz uma rápida avaliação de

todos os sinais físicos óbvios, por exemplo dispneia, e focalizamos então nossa atenção

nos sintomas até que o diagnóstico esteja identificado. Somente quando os sintomas do

paciente melhorarem, fazemos a colheita da história e terminamos o exame físico. Este

processo foi refinado e formalizado para produzir uma abordagem estruturada à

avaliação do paciente. Isto assegurará que todos os problemas imediatos que ameaçam

a vida, sejam identificados rapidamente e tratados prontamente. Todos problemas

Page 10: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

9

GRECAR

restantes serão identificados subsequentemente como parte da aproximação clássica e

holística ao paciente, isto é, colhendo a história e examinando o paciente. Entretanto, se

o estado clínico do paciente se deteriorar em qualquer fase a reavaliação esta deve ser

novamente iniciada. Assim, esta aproximação estruturada considera as circunstâncias

que são mais prováveis de matar o paciente. Se estas forem excluídas os técnicos de

saúde terão então tempo para a abordagem mais tradicional.

Princípios Chave

Não causar nenhum dano adicional

Conhecimento focalizado e competências básicas são essenciais

A abordagem estruturada identifica problemas e prioriza acções

A avaliação rápida e precisa melhora o prognóstico do paciente

SUMÁRIO

O número e a complexidade de emergências médicas agudas estão a aumentar.

Entretanto, a maioria dos erros resulta de falhas na avaliação intensiva do paciente

emergente, na má interpretação ou em ignorar dados relevantes assim como numa

gestão inapropriada dos cuidados. Estes textos de apoio, associado à formação,

pretendem fornecer conhecimentos e competências para superar estas dificuldades e

para fornecer um nível de cuidado seguro, eficaz, e apropriado.

Page 11: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

10

GRECAR

CAPÍTULO 2

Reconhecimento do Doente Emergente

OBJETIVOS

Após ter lido este capítulo deve:

• Compreender o quadro clínico da falência respiratória, cardíaca e neurológica

• Descrever este quadro e usá-lo como base da avaliação primária.

Independente da patologia de base, o doente emergente morrerá pela falência do

sistema respiratório, circulatório ou SNC, ou uma combinação destes. É

consequentemente de extrema importância que seja reconhecida falência potencial

destes três sistemas porque o seu rápido reconhecimento e actuação reduzirão a

morbilidade e mortalidade.

Este capítulo fornecerá uma visão geral da avaliação clínica dos pacientes com a falência

respiratória, circulatória, e neurológica.

RECONHECIMENTO DA FALÊNCIA RESPIRATÓRIA

Isto pode rapidamente ser avaliado examinando a frequência, o esforço, a simetria, e a

eficácia da respiração.

Frequência Respiratória

A frequência respiratória do adulto normal é de 14 — 20 ciclos por o minuto. A

Taquipneia (mais de 30 ciclos por minuto em repouso) indica que a ventilação aumentada

surge por causa da hipóxia associada a patologia da via aérea, do pulmão ou a

circulação, ou acidose metabólica. Similarmente, frequências respiratórias de ≤10 ciclos

por minuto são uma indicação para o suporte ventilatório.

Page 12: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

11

GRECAR

Esforço da respiração

Se o paciente puder contar seguido até 10 sem ter necessidade de respirar, geralmente

não há nenhum problema respiratório subjacente significativo. Outras características que

sugerem o esforço respiratório aumentado são tiragem intercostal e subcostal, uso dos

músculos acessórios, e um ruído inspiratório rouco (estridor; é um sinal de obstrução

laríngea). Na obstrução severa, o estridor pode também ocorrer na expiração mas o

componente inspiratório é geralmente mais pronunciado. Pelo contrário, a obstrução

parcial da via aérea baixa, resulta ou em respiração ofegante e/ou em uma fase

expiratória aumentada.

Simetria da respiração

A expansão assimétrica da caixa torácica sugere alterações no lado com movimento

reduzido.

Eficácia da respiração

A expansão da caixa torácica indicará o volume do ar que está a ser inspirado e

expirado. Achados similares serão obtidos na auscultação.

Pontos-chave

Uma caixa torácica silenciosa é um sinal extremamente preocupante

A oximetria de pulso pode ser usada para medir a saturação arterial do oxigénio (SaO2).

Estes instrumentos são pouco precisos quando o SaO2 está abaixo de 70%, se houver

má perfusão periférica, e na presença de carboxi-hemoglobina.

Page 13: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

12

GRECAR

Efeitos da falência respiratória em outros órgãos

Frequência Cardíaca

A hipóxia produz taquicardia; contudo, a ansiedade e a febre contribuirão também para o

aparecimento deste sinal, fazendo-o não específico. A hipoxemia severa ou prolongada

eventualmente conduzirá a bradicardia – sinal de morte iminente.

Cor da pele

A hipóxia, através da libertação de catecolaminas, produz vasoconstrição e

consequentemente palidez. Cianose da pele é um sinal de hipóxia severa. A cianose

central na patologia respiratória aguda é indicativa de paragem respiratória iminente. No

paciente anémico, a cianose pode ser difícil de detectar apesar da hipóxia profunda.

Estado de Consciência

O paciente hipoxémico aparecerá agitado e eventualmente tornar-se-á sonolento.

Características similares ocorrerão também com hipercápnia e o paciente exibirá também

a vasodilatação e flapping (asterixis). Se a hipóxia não for tratada a função cerebral será

afectada permanentemente.

RECONHECIMENTO DA FALÊNCIA CIRCULATÓRIA

Frequência de cardíaca

Está aumentada no paciente em choque devido à libertação de catecolaminas,

secundário a um volume circulatório diminuído. Há muitas razões porque um adulto

normal pode experimentar taquicardia (frequência de pulso> 100). Outros sinais devem

ser pesquisados para confirmar a suspeita clínica de problema circulatório.

Page 14: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

13

GRECAR

Eficácia da circulação

Pulso

Embora a pressão sanguínea seja mantida até que choque seja muito severo (perda pelo

menos de um terço do volume) uma avaliação rápida da perfusão pode ser feita

examinando pulsos periféricos e centrais. O pulso radial desaparecerá se a pressão de

sangue sistólica estiver abaixo de 80 mmHg. Assim a combinação de pulsos periféricos

ausentes e de pulsos centrais fracos é um sinal sinistro que indica choque grave e

hipotensão profunda.

Perfusão

O preenchimento capilar após pressão no leito ungueal por cinco segundos deve ocorrer

normalmente em menos de dois segundos. Um tempo de preenchimento superior indica

má perfusão periférica. Contudo, este sinal é inválido se o paciente estiver hipotermico.

Pressão sanguínea

O Hipotensão na falência circulatória é um indicador de mortalidade aumentada.

Assegure-se sempre que usa o tamanho apropriado do cuff para avaliação da pressão

arterial.

Efeitos da falência circulatória em outros órgãos

Sistema Respiratório

Uma frequência respiratória rápida com um volume tidal aumentado, mas nenhum sinal

de esforço respiratório aumentado, é causada essencialmente por acidose metabólica

associada com a falência circulatória.

Pele

Pele marmoreada, fria e pálida indicam má perfusão periférica.

Page 15: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

14

GRECAR

Estado de consciência

Agitação, confusão, sonolência e inconsciência são os estágios progressivos da

disfunção associados com falência circulatória. Este quadro é atribuído a má perfusão

cerebral.

Débito urinário

Débito urinário inferior a 0.5 ml/kg/hora indica perfusão renal inadequada.

RECONHECIMENTO DA FALÊNCIA NEUROLÓGICA CENTRAL

Tanto a falência circulatória como respiratória terão efeitos neurológicos centrais. A

situação oposta ocorre também. Por exemplo, os pacientes que têm crises convulsivas

terão consequências respiratórias e circulatórias.

Estado de Consciência

Uma avaliação rápida do nível consciência do paciente pode ser feita atribuindo ao

paciente uma das categorias mostradas na caixa.

AVDS

A – Alerta

V – Responde á Voz

D – Responde á Dor

S – Sem resposta

Um estímulo doloroso deve ser aplicado pela pressão sobre a arcada orbital superior. Um

adulto que responda somente à dor ou esteja inconsciente tem um grau significativo de

coma equivalente a 8 ou a menos na Escala de Coma de Glasgow.

Page 16: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

15

GRECAR

Postura

Postura anormal tal como decorticação (braços flectidos e pés estendidos) ou

descerebração (braços estendidos, pés estendidos) é um sinal preocupante de disfunção

cerebral. Um estímulo doloroso pode ser necessário para despistar estes sinais.

Pupilas

Muitas drogas e lesões cerebrais têm efeitos no tamanho e na reactividade pupilar. Os

sinais pupilares mais importantes a pesquisar são tamanho, reactividade e simetria.

Estes indicadores podem representar sérios danos cerebrais.

Efeitos sobre o sistema respiratório da falência neurológica

Há diversos padrões respiratórios reconhecidos e associados com o aumento da pressão

intracraniana. Contudo, são frequentemente variáveis entre hiperventilação apneias

esporádicas. A presença de qualquer padrão respiratório anormal num paciente em coma

sugere disfunção do tronco cerebral.

Efeitos sobre o sistema circulatório da falência neurológica

A hipertensão com bradicardia sinusal indica compressão medular causado pelo

herniação das amígdalas cerebrais através do foramen magnum. Este é um sinal tardio

grave.

SUMÁRIO

No paciente emergente o exame rápido detectará potencial falência respiratória,

circulatória, e neurológica. Os sinais clínicos são:

• Respiração - frequência, esforço, e eficácia respiratória

• Circulação - frequência cardíaca e eficácia circulatória

• Neurológico - nível consciência, postura e pupilas.

Estas características dão forma à estrutura da avaliação primária.

Page 17: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

16

GRECAR

CAPÍTULO 3

Uma Abordagem Estruturada do

Doente Emergente

OBJECTIVOS

Depois de ler este capítulo deverá ser capaz de abordar:

• A correcta sequência das prioridades a ser seguidas ao avaliar um doente

numa situação de emergência

• Saber efectuar a avaliação primária e secundária

• Definir os componentes chaves da história de um paciente urgente

• Saber aplicar as técnicas usadas na reanimação, na investigação, e no

cuidado definitivo de uma emergência médica.

INTRODUÇÃO

A abordagem de um paciente numa emergência médica requer uma avaliação rápida

com tratamento apropriado. Isto pode ser conseguido usando uma abordagem

estruturada.

Abordagem estruturada

Avaliação primária e reanimação

Tratamento secundário

Reavaliação

Cuidados definitivos

O objectivo da avaliação primária é identificar e tratar qualquer situação de risco

eminente de vida. Isto difere muito da avaliação clínica tradicional, onde primeiro é

Page 18: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

17

GRECAR

efectuada uma história clínica seguida só depois pelo exame clínico. Esta abordagem

atrasa a identificação de uma situação potencialmente mortal. A maioria dos doentes

graves (aproximadamente 75%) não está numa situação de risco de vida imediata. No

entanto, uma avaliação preliminar rápida é mesmo assim necessária.

A avaliação primária deve ser repetida se voltar a ocorrer uma nova deterioração da

situação do doente, de modo a não atrasar uma reanimação apropriada caso seja

necessário.

Logo que alguma circunstância ameaçadora da vida tenha sido excluída ou tratada,

pode-se prosseguir, fazendo o exame com a história detalhada. Terminando a

observação com o exame físico completo; a esta fase designaremos como a avaliação

secundária. Após realizado todo o tratamento emergente o doente deve ser reavaliado. A

estratégia para os cuidados definitivos pode então ser definida incluindo o transporte para

o local mais apropriado para prosseguir a investigação e o tratamento definitivo.

Use sempre precauções universais antes de avaliar um doente grave

AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E REANIMAÇÃO

O objectivo da avaliação primária é IDENTIFICAR e TRATAR imediatamente todas as

situações que ameaçam a vida do doente

Os componentes chave da avaliação primária (ABCDE) são:

A – Via aérea e administração de oxigénio

B – Ventilação

C – Circulação

D – Disfunção neurológica

E – Exposição

Page 19: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

18

GRECAR

A – Via aérea e administração de oxigénio

Objectivos:

Avaliar permeabilidade; se necessário aspirar e assegurar a via aérea

Administrar oxigénio

Avaliar o risco de lesão da coluna cervical

Avaliação

Avalie a permeabilidade da via aérea falando com o doente. Uma resposta apropriada ao

“ você está bem? ” indica que a via aérea está desobstruída, o doente consegue respirar

e há uma perfusão cerebral adequada. Se não houver nenhuma resposta, permeabilizar

então a via aérea com a manobra de elevação do queixo e extensão da cabeça (Atenção

às vitimas de trauma), seguida da avaliação da ventilação da seguinte maneira (VOS):

• Vendo se existem movimentos torácicos

• Ouvindo se existem os sons respiratórios

• Sentindo se há ar expirado.

Uma verificação rápida de outras potenciais causas da obstrução da via aérea superior

deve incluir a inspecção para corpos estranhos, incluindo dentaduras, bem como

anomalias de tipo macroglossia.

Reanimação

Se for necessário manter a elevação e extensão da mandíbula para manter a via aérea

permeável, então será preferível utilizar um adjuvante básico da via aérea de forma a se

manter a permeabilização permanente. Um tubo nasofaringeo será útil no doente

consciente. Pelo contrário, um tubo “orofaríngeo” ou de Guedel pode ser um adjuvante

provisório no doente inconsciente antes da entubação endotraqueal.

Page 20: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

19

GRECAR

Estando conseguido um controlo definitivo da via aérea, deve ser administrado oxigénio

suplementar aos pacientes que estão em dificuldade respiratória, em choque ou com

hemorragia. Se o paciente não estiver entubado o oxigénio deve ser fornecido usando

uma máscara de non-rebreathing com reservatório (mascara de Hudson). Isto permite

obter uma concentração inspirada fraccionada de oxigénio (FiO2) de aproximadamente

0.85. Mesmo os doentes que têm uma doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)

devem receber fluxo elevado de oxigénio; este pode depois ser reduzido de acordo com

os valores da gasimetria e da evolução clínica.

Problemas na coluna cervical são muito raros em doentes do foro médico — excepto

naqueles com doença reumatóide, espondilitis anquilosante e síndrome de Down. As

características clínicas destas circunstâncias são geralmente facilmente identificadas.

Contudo, esteja atento ao doente idoso encontrado caído no fundo das escadas após um

“AVC aparente”. Se suspeitar de lesão da coluna cervical peça ajuda imediata para se

proceder à rápida imobilização.

A hipóxia mata, e por isso deve ser tratada de imediato!

A hipercápnia não é mortal desde que doente esteja a receber oxigénio suplementar

Monitorização

O dióxido de carbono expirado (ETCO2) deve ser medido após a entubação

endotraqueal para verificar da colocação correcta do tubo.

B— Respiração / Ventilação

Objectivo:

Detectar e tratar broncospasmo grave, edema pulmonar e um pneumotórax

da tensão.

Page 21: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

20

GRECAR

Avaliação

Um via aérea permeável não assegura uma ventilação adequada. A última requer um

centro respiratório íntegro assim como uma função pulmonar adequada pelos

movimentos coordenados da parede, do diafragma e da caixa torácica.

Inspecção da caixa torácica

Cor/marcas/rash

Frequência

Esforço

Simetria

Avalie a presença de cianose, a frequência e esforço respiratório, a simetria dos

movimentos. Palpe a traqueia para sentir algum ressalto ou desvio. A posição da traqueia

e do impulso cardíaco máximo – apex, poderá indicar também da existência de um

desvio do mediastino. Faça a percussão da parede anterior da caixa torácica nas zonas

superiores, médias, e mais baixas, avaliando diferenças no timbre da percussão entre o

hemitórax esquerdo e direito. Repita este procedimento na parede posterior da caixa e na

axila para detectar também áreas de hiperresonância (ar), de macissez (líquido

intersticial ou líquido pleural). Ausculte para estabelecer se os sons da respiração estão

ausentes ou mascarados por sons adicionados. Uma informação adicional poderá ser

fornecida por um oxímetro do pulso.

Reanimação

O broncospasmo grave deve ser tratado inicialmente com nebulização de salbutamol (β2-

agonista) e brometo do ipratropium (antagonista muscarínico). Considerar que um

pneumotórax de tensão pode comprometer quer a função respiratória quer a cardíaca, e

requer a descompressão urgente com uma toracocentese por agulha seguido pela

obtenção de um acesso venoso antes da inserção do dreno pleural. A suspeita adicional

quanto à causa subjacente pode ser obtida pelo exame do aparelho cardiovascular do

doente.

Page 22: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

21

GRECAR

Monitorização

A saturação arterial do oxigénio (SaO2) deve ser monitorizado continuamente.

C – Circulação

Objectivo:

Detectar e tratar o choque

Há muitas causas de choque que requerem um tratamento específico, como por

exemplo, a adrenalina na anafilaxia.

Avaliação

A avaliação rápida do status hemodinâmico do doente é necessário monitorizando quer

os índices cardiovasculares quer o nível de consciência do doente. Examine um pulso

central, idealmente o carotídeo para saber a frequência, o ritmo, e as características. É

importante, entretanto, comparar não simultaneamente ambos os pulsos carotídeos, mas

se existe uma redução ou uma ausência em outro pulso, que pode reflectir ou ateroma

focal ou um aneurisma dissecante. Meça a pressão sanguínea e avalie a perfusão

periférica usando o tempo de preenchimento capilar. Não se esqueça de que a redução

no volume do sangue pode alterar o estado de consciência devido à redução da perfusão

cerebral.

Reanimação

Um acesso intravenoso é obrigatório em todos os doentes agudos. Se houver uma

suspeita de choque hipovolémico então dois cateteres de grande calibre devem ser

introduzidos. A fossa ante cubital é geralmente o local de mais fácil acesso e o mais

conveniente. Nessa altura, deve-se efectuar a colheita de sangue para valores

hematológicos e bioquímicos basais, incluindo o doseamento da glicose. Os gases de

sangue arterial devem também fazer parte do exame analítico inicial.

Page 23: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

22

GRECAR

Pontos-chave

Fluidos, antibióticos, adrenalina e inotrópicos são cruciais no tratamento de choque

O tratamento da hipovolémia, especial a hemorragia do aparelho gastrointestinal, deve

ser efectuado com a reposição vigorosa de fluidos, ou seja a administração imediata de

dois litros de cristalóide “morno”. Bólus adicionais devem ser titulados de acordo com os

sinais clínicos do paciente. Se após dois litros do líquido o doente permanecer hipotenso

e a hemorragia persistir, considerar sangue como uma urgência. O tratamento específico

estará dependente da situação clínica. A abordagem cirúrgica precoce está

recomendada. Não esquecer que um quadro idêntico de palidez, frio, e diaforese também

é observado no choque cardiogénico. A presença de edema pulmonar é um factor

importante para o diagnóstico diferencial entre as duas situações. Neste caso inotrópicos,

tais como o Dobutamina poderá ser necessário.

Ao contrário, o doente febril, hipotenso, quente, vasodilatado é em prova de contrário um

“séptico”. Procure activamente um rash purpurico da septicemia meningocócica. Esta

situação requer o tratamento imediato com penicilina benzatinica intravenosa 2.4 g e

ceftriaxona 1 g, bem como as subsequentes investigações que devem incluir culturas do

sangue e a proteína C-reactiva como um marcador da infecção/inflamação.

Pensar também que um doente taquipneico, desidratado, hipotenso pode ter uma

cetoacidose diabética, possivelmente com uma sépsis subjacente.

O tratamento deve incluir unidades intravenosas de insulina a cada 6/horas e antibióticos

além do oxigénio e da fluidoterapia.

Todo o distúrbio do ritmo que provoque uma instabilidade hemodinâmica necessita de ser

identificado e de ser tratado de acordo com as normas do Resuscitation European

Council e ou do American Heart Association.

Ocasionalmente, o choque pode ter mais do que uma causa. Se não houver nenhuma

evidência de falência ventricular ou de uma disritmias, todos os doentes devem fazer

fluidoterapia.

O tratamento subsequente dependerá acima de tudo dos resultados da resposta clínica e

das análises do sangue.

Page 24: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

23

GRECAR

Monitorização

A monitorização contínua do pulso, da pressão arterial e do ECG fornecerá uma

informação valiosa de base para avaliar a resposta do doente ao tratamento. Verifique

sempre a temperatura central do doente. A situação clínica irá justificar a colocação ou

não de cateter urinário.

D - Avaliação neurológica

Objectivo:

Efectuar uma avaliação neurológica rápida e começar a tratar imediatamente

todas as situações neurológicas que ponham em risco de vida tais como

prolongada hipoglicemia, uma overdose opióide, e ou uma infecção.

Avaliação

A avaliação rápida do sistema nervoso compreende o registo do tamanho e da reacção

pupilar à luz assim como a avaliação do nível consciência usando o sistema de AVPU ou

a pontuação do Score Coma de Glasgow (GCS) (tabela 3.1). Os sinais de infecção

meningea devem ser também avaliados. O GCS tem o benefício adicional de poder

identificar uma perda de força unilateral.

Sistema de AVDS

AVDS

A – Alerta

V – Responde á Voz

D – Responde á Dor

S – Sem resposta

Page 25: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

24

GRECAR

Tabela: Score Coma de Glasgow

Resposta

Score

Abertura dos olhos Espontânea À fala A estímulos dolorosos Nula

4 3 2 1

Resposta motora Obedece os comandos Localiza a dor Foge da dor Flexão anormal Extensão anormal Nula

6 5 4 3 2 1

Resposta verbal Orientada Confusa Palavras inapropriadas Sons incompreensíveis Nula

5 4 3 2 1

Na presença de qualquer disfunção neurológica, uma avaliação da glicose sérica é

necessária. Se o resultado não estiver imediatamente disponível então a avaliação deve

ser efectuada com um glucometro ou na gasimetria se disponível.

Reanimação

No paciente inconsciente é vital a desobstrução e o isolamento da via aérea com o

fornecimento de oxigénio suplementar até ser possível uma informação clínica mais

detalhada bem como os resultados das investigações. Convulsões e ou movimentos

“Tónico – clónicos” resolvem-se geralmente espontaneamente e nenhuma acção é

necessária excepto para assegurar de que o doente tenha um via aérea permeável, que

está com o oxigénio suplementar, e que seus sinais vitais estão monitorizados. É também

importante colocar o paciente na posição lateral de segurança para impedir a aspiração e

afastar de todos os objectos adjacentes que possam ser traumatizantes. Se a crise for

prolongada o tratamento de eleição são as benzodiazepinas intravenosas, como por

exemplo 2 mg de diazemuls (até um máximo de 20 mg). Se duas doses não controlarem

a crise convulsiva, então inicie fenitoína intravenosa com 15 mg/quilo durante 30 minutos

sob monitorização de ECG. Este fármaco não altera o nível de consciência e facilitará a

avaliação neurológica subsequente (ao contrário das benzodiazepinas). Se esta

Page 26: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

25

GRECAR

combinação não controlar ainda, procure ajuda para sedar, curarizar e ventilar o doente.

O Coma associado quer à hipoglicemia (comum) ou à hiperglicemia (raro) deve ser

tratado previamente (isto é A, B, C). Entretanto, com hipoglicemia a administração de

dextrose intravenosa (10%) e/ou de glucagon intravenoso (1 mg) deve ser imediata.

Pelo contrário, a insulina intravenosa deve ser ajustada segundo o tipo de coma

hiperglicémico. O doente inconsciente que apresenta sinais de excesso de opióide deve

ser tratado com antagonista (Naloxona). O paciente inconsciente ou confuso necessitará

de uma TAC cerebral. Entretanto, isto não deve atrasar o tratamento antibiótico e/ou

antiviral para os casos suspeitos de meningite/encefalite.

Monitorização

Score Coma de Glasgow, resposta pupilar, e níveis de glicose sérica.

E – Exposição

Objectivo:

Obter uma exposição adequada do paciente

Avaliar

• Rash – Purpurico que não desaparece com a pressão?

- Eritrodermia?

Reanimação

• Antibióticos intravenosos

Monitorização

• Temperatura

É impossível executar um exame detalhado a menos que o doente esteja completamente

despido. No entanto, devem ser tomadas medidas para impedir a hipotermia,

Page 27: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

26

GRECAR

especialmente em pacientes idosos. Cubra adequadamente os doentes entre as

observações e assegure que todos os líquidos intravenosos são aquecidos.

MONITORIZAÇÃO

A eficácia da reanimação é medida por uma melhoria no status clínico do paciente como

descrita anteriormente. É por isso importante que as observações repetidas sejam

registadas frequentemente e gravadas. Os parâmetros apresentados no quadro devem

ser considerados como o nível mínimo da monitorização para a avaliação primária.

Monitorização mínima do paciente

.Pulso oximetria

Frequência Respiratória

Pressão arterial, monitorizada idealmente automaticamente

Monitorização contínua de ECG

Raio X pulmonar

Gases do sangue arterial

Avaliação da temperatura central

Pressão venosa central quando apropriado

Débito urinário

Contagem do Score Coma de Glasgow e resposta pupilar

quando apropriado

É importante durante a avaliação primária reavaliar regularmente o doente, em especial

depois de se ter iniciado o tratamento. Isso assegurará se o doente está a responder

apropriadamente e não está a deteriorar a sua situação.

Ponto-chave

A avaliação mais importante é a reavaliação

Se o doente se deteriorar comece de novo a avaliação primária pelo ABCDE

Page 28: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

27

GRECAR

SUMÁRIO

• O objectivo da avaliação primária é identificar e tratar imediatamente as situações

que ameaçam a vida do doente.

• Na maioria dos doentes isso pode ser feito rapidamente à cabeceira.

• Não passe para a avaliação secundária até que os sinais vitais do paciente

estejam estabilizados.

AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA

O objectivo da avaliação secundária é identificar e tratar todas as circunstâncias não

detectadas na avaliação primária e procurar as evidencias que permitam um diagnóstico

provisório e estabelecer prioridades de acordo com a situação do doente.

A avaliação secundária começa no momento em que as funções vitais estão

estabilizadas e as situações que possam comprometer de imediato a vida do doente

estão tratadas.

História

Quase todos os diagnósticos são feitos depois que uma boa história ter sido colhida ao

doente. Ocasionalmente, por múltiplas razões isto não pode ser possível.

Consequentemente os factos devem ser obtidos através dos familiares, de eventuais

relatório que acompanhem o doente, do médico/enfermeiro de família, de amigos, da

polícia e ou do serviço da ambulância. Uma história bem “estruturada” é fundamental, e

uma mnemónica pode ser útil para não esquecermos os dados principais dessa

anamnese.

Uma história bem “estruturada”(PHRASED)

P Problema

H História do problema

R Relevância médica dos problemas

Page 29: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

28

GRECAR

A Alergias

S Sistemas

E Dado Essenciais familiares e sociais

D Drogas (fármacos)

A história dos problemas (queixas) é de capital importância. Uma observação detalhada

dos vários sistemas e aparelhos, será a garantia que nada de importante foi excluído

durante o exame. Para além disso tem a particular vantagem de nos permitir depois

focalizar no sistema ou órgão mais relevante.

Observação

Objectivos:

Descobrir outras anomalias que muitas das vezes são a chave para o

esclarecimento do diagnóstico

Reavaliação detalhada de anomalias identificadas na avaliação primária

Procurar evidências para o diagnóstico considerado na avaliação primária O exame

deve ser dirigido pela história e pelos dados preliminares da avaliação primária. É

uma abordagem metódica, estruturada que compreende uma observação geral e a

detecção de alterações específicas.

Geral

Uma observação geral do doente “da ponta da cabeça aos pés” pode dar indícios de uma

patologia subjacente.

Exame Clínico Geral

Postura

Pigmentação

Palidez

Teste padrão da respiração

Pronunciação

Pulsações

Page 30: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

29

GRECAR

Características específicas

As mãos, inspeccionem as mãos para excluir os estigmas da endocardite infecciosa, da

doença de fígado crónica, da tirotoxicosis, da retenção de dióxido de carbono, da

poliartropatia, e doença multisistémica. Palpe o pulso radial para definir a frequência, o

ritmo, o volume e a simetria, comparando com o pulso radial contra lateral e o pulso

femoral.

A face examinando a existência de assimetria facial, cianose e a presença de

pigmentação, bem como estigmas de hiperlipidémia e de características cutâneas

doença sistémica. Inspeccione a boca, a língua, a faringe para a presença de úlceras

bem como de bolhas, vesículas, ou do eritema que pode sugerir a ingestão de compostos

tóxicos. A pigmentação da mucosa oral deve ser investigada para excluir uma doença de

Addisson. O pescoço avaliando o comprimento, a mobilidade e as características do

pulso jugular interno. Depois palpe ambas as artérias carótidas internas para comparar e

determinar a amplitude do pulso. Verifique a posição da traqueia e a presença

linfoadenopatias.

O tórax avaliando a forma da caixa e o padrão respiratório. Inspeccione a frequência,

esforço e simetria da respiração, e a presença de cicatrizes cirúrgicas. Palpe o pre-córdio

para determinar o local e o carácter do impulso apical, a presença de um frémito

ventricular esquerdo e/ou direito, e a presença de crepitações. Aguarde até escutar o

primeiro, o segundo, e todos os sons de coração adicionais. Percute a caixa torácica

anterior e bilateralmente nas zonas superiores, médias, e mais baixas comparando os

dois hemitórax, esquerdo e direito. Ausculte estas áreas para determinar a presença, o

tipo, e a qualidade de sons respiratórios assim como alguns sons adicionados.

O abdómen examinando sistematicamente de acordo com as nove divisões anatómicas.

As características específicas que devem ser procuradas incluem a

hepatoesplenomegalia, peritonite, massas abdominais, ascites assim como pontos renais

dolorosos. O exame dos genitália e do recto é necessário mas não sempre no doente

agudo.

Locomotor, inspeccionando todas as articulações e procurando a presença de dor, de

deformidade, de movimento restrito, de espessamento sinovial e de inflamação. A história

do paciente, entretanto, indicará as articulações afectadas. Embora as poliartropatias

Page 31: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

30

GRECAR

inflamatórias possam ter apresentação aguda, as monoartropatias agudas são

potencialmente mais graves.

Neurológico

O exame neurológico detalhado raramente é necessário na fase aguda da doença. Um

exame selectivo do sistema nervoso pode ser efectuado seguindo a seguinte

metodologia:

1. Avalie o estado de consciência usando a escala do Coma de Glasgow.

2. Utilize a Avaliação Mental Breve (ESMM) (veja a caixa abaixo).

Exame abreviado do Estado Mental

1 Idade

2 Tempo (relação com a hora mais próxima)

3 A morada

4 Conhecimento do ano civil

5 Nome da instituição

6 Identificação de 2 pessoas presentes (médico, enfermeira, etc.)

7 Data de nascimento (dia e mês suficiente)

8 Recordar uma data mundialmente importante.

9 Nome do Presidente actual

10 Contagem para trás começando em 20

Cada resposta correcta contabiliza um ponto. Indivíduos

saudáveis somam de 8—10 pontos

Fonte: Qureshi KN, Hodkinson HM. A avaliação de um teste mental de dez-perguntas no idoso

internado. Age and Ageing 1974; 3:152-7.

3. Examine os movimentos ocular externos para excluir diplopia, nistagmus ou

fadigabilidade. Avalie a resposta pupilar à luz e à acomodação (PERLA, isto é pupilas

reagem igualmente à luz e à acomodação). Examine o fundo ocular. A ausência dos

movimentos “eyes-dolls” (reflexo oculocefálico) aponta para um problema mesencefálico.

Avalie o reflexo corneano, os músculos da mastigação e da mímica facial seguidos pelo

movimento do palato, o reflexo de morder, e a protusão da língua.

Page 32: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

31

GRECAR

4. Teste aspecto dos quatro membros, a força muscular e os reflexos incluindo a

resposta e a coordenação do Plantar (Babinski).

5. Teste o Sensorio, embora subjectivo, é útil na avaliação do doente agudo quando se

suspeita de uma lesão da medula.

6. Um exame mais profundo do CNS será orientado pela história do doente e pelos

achados do exame, especialmente da avaliação neurológico sumária.

Pele a pele e a mucosa oral devem ser completamente inspeccionadas. As lesões podem

estar localizados à pele e às membranas mucosas, e serem a manifestação de uma

doença sistémica.

REAVALIAÇÃO

A situação do paciente deve ser monitorizada para detectar todas as mudanças e para

avaliar o efeito do tratamento. Se houver alguma evidência da deterioração reavalie

regressando ao A da avaliação primária. Muitos pacientes que se apresentam com um

problema médico aparente podem requerer uma intervenção cirúrgica. É, por isso da

maior importância para não atrasar uma cirurgia urgente, obter uma opinião cirúrgica

sempre que necessário, como por exemplo quando estamos perante um doente com

uma hemorragia gastrointestinal.

Pontos-chave

Nunca se esqueça de examinar as costas e dorso do doente durante a avalia

primária ou secundária

REGISTOS

Documente sempre os dados das avaliações primários e secundária. Este registo, junto

com as subsequentes notas, deve ser datado e assinado. Os registos devem também

conter um plano de cuidados, uma lista dos exames subsidiários ou complementares de

diagnóstico pedidas, e os seus resultados, assim como os detalhes de todos os cuidados

efectuados.

Page 33: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

32

GRECAR

Isto fornecerá não somente um aide-mémoire mas permitirá também que a situação do

doente possa ser monitorizada e fornecida aos colegas que posteriormente venham a

seguir e a observar o doente.

CUIDADOS DEFINITIVOS

Plano de Tratamento

Se necessário enumerar mais investigações para a prossecução do tratamento. Este

deve ser um plano dinâmico que muda de acordo com a condição clínica.

Investigações

Estes serão ditados pelos achados da avaliação inicial e dos pareceres dos vários

colegas envolvidos. Alguns exames não são desprovidos de riscos; portanto os exames

só devem somente ser feitos se influenciarem directamente no cuidado do doente.

Transporte

Alguns dos doentes poderão vir a ser transferidos dentro ou fora do hospital.

Independente da distância de transferência, o número apropriado e a qualificação dos

elementos da equipe são fundamentais para um transporte seguro.

UMA PALAVRA (OU DUAS) DE AVISO

A abordagem estruturada é um método seguro de avaliar todo o doente agudo. Deve ser

considerada como “o método standard” que impedirá qualquer dano adicional e que

alerta para todos os problemas médicos. Entretanto, porque a maioria dos doentes não

têm um risco potencial de vida de imediato, uma avaliação primária rápida é fundamental.

Muitos doentes também não necessitam de altas concentrações de oxigénio, de dois

acessos intravenosos ou de fluidoterapia agressiva. A avaliação clínica associada a um

Page 34: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

33

GRECAR

aprimorado senso clínico será fundamentais para definir os verdadeiros problemas e as

correctas actuações. Se tiver dúvidas, não hesite e regresse ao A do ABCDE.

RESUMO

O doente agudo deve ser avaliado rapidamente e adequadamente. Assim, você deve

desenvolver um método estruturado para a avaliação e cuidados. Nos doentes mais

críticos a avaliação primária tem de ser rápida e reanimação raramente é necessária. O

diagnóstico é baseado numa história “phrased” obtida do paciente. Entretanto se isto não

for possível então uma informação mais adicional deve ser procurada nos registos

clínicos, dos familiares ou dos colegas dos serviços de emergência. A avaliação e o

tratamento são divididos em duas fases chaves da avaliação:

• Avaliação e Reanimação primária

Para identificar tratar problemas que ameaçam a vida do doente. Avaliação de:

A – Via aérea

B – Ventilação

C – Circulação

D – Alterações neurológica

E – Exposição

Reanimação por:

1. Permeabilização e isolamento seguro da via aérea com oxigenação

2. Ventilação

Page 35: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

34

GRECAR

3. Acessos e tratamento do choque - fluidoterapia, antibióticos, inotrópicos, tratamento de

disritmias

4. Excluir e corrigir a hipoglicemia; fármacos anti-epilépticos, antídotos específicos

5. Monitorizar a frequência respiratória, o pulso, a pressão sanguínea, a saturação do

oxigénio, o débito urinário, a resposta pupilar, o AVPU, e a gasimetria do sangue arterial

• Avaliação secundária e tratamento de emergência

Para obter uma evidência consistente para o diagnóstico preliminar; para identificar e

tratar circunstâncias novas.

Exame físico detalhado incluindo:

1. Observação geral

2. Mãos e pulso radial

3. Face

4. Pescoço – pulso venoso jugular, pulso carotídeo, traqueia

5. Tórax – precordio e ambos os pulmões

6. Abdómen e genitais

7. Sistema locomotor

8. Sistema nervoso

9. Pele.

• Cuidado Definitivo

1. Plano de Tratamento

2. Investigações

3. Transporte

Page 36: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

35

GRECAR

CAPÍTULO 4

ABORDAGEM DA VIA AEREA E VENTILAÇÃO

INTRODUÇÃO

Os doentes que requerem reanimação têm frequentemente obstrução da via aérea,

geralmente como resultado da depressão do estado de consciência, mas,

ocasionalmente como causa primária da paragem cardiorespiratória. A avaliação

imediata, com controlo da via aérea e o início precoce de ventilação artificial, é essencial,

não apenas para prevenir lesões hipóxicas cerebrais e de outros órgãos vitais, mas

também porque sem uma reoxigenação adequada pode ser impossível pôr em

funcionamento um miocárdio "parado". A abordagem da via aérea é portanto, a primeira

prioridade.

CAUSAS DE OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA

A obstrução da via aérea pode ser parcial ou completa. Pode ocorrer a qualquer nível

desde o nariz e boca até à traqueia. No doente inconsciente, o local mais comum de

obstrução da via aérea, é ao nível da faringe. A obstrução surge pela queda da língua

para trás, resultante da perda do tónus normal dos músculos que ligam a língua ao

maxilar inferior e à base da língua, como consequência da perda de consciência.

A obstrução também pode ser causada pelo vómito ou pelo sangue, resultante de

regurgitação do conteúdo gástrico ou trauma e ainda por corpos estranhos.

A obstrução ao nível da laringe pode ocorrer por edema de estruturas da via aérea

superior, na sequência de queimaduras, inflamação ou anafilaxia.

O espasmo laríngeo pode ainda resultar de uma resposta inadequada à estimulação da

via aérea superior, ou devido à inalação de um corpo estranho.

A obstrução da via aérea abaixo da laringe é menos comum mas pode surgir devido a

secreções brônquicas excessivas, edema da mucosa, bronco pasmo, edema pulmonar,

Page 37: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

36

GRECAR

aspiração do conteúdo gástrico, hemorragia pulmonar, pneumotórax secundário a trauma

torácico ou barotrauma.

CORPO ESTRANHO

PARAGEM CARDIACA COMA TRAUMA

ANAFILAXIA CORPO ESTRANHO IRRITANTES

IRRITANTES ANAFILAXIA INFECÇÃO QUASE AFOGAMENTO CHOQUE NEUROGÉNICO

INFECÇÃO ANAFILAXIA

TRAUMA

ASMA ANAFILAXIA CORPO ESTRANHO IRRITANTES

QUEDA DA LINGUA

EDEMA DA LINGUA OBSTRUÇÃO DA OROFARINGE ESPAMO LARINGEO

OBSTRUÇÃO DA LARINGE, DA TRAQUEIA OU BRÔNQUIOS

LESÃO DA LARINGE

EDEMA DA LARINGE

BRONCOSPASMO

EDEMA PULMONAR

CAUSAS DE OBSTRUÇÃO DA VIA AEREA

Page 38: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

37

GRECAR

RECONHECIMENTO DA OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA

A forma mais adequada de reconhecer a obstrução da via aérea é proceder ao V.O.S.

(Ver, Ouvir e Sentir):

• Ver movimentos torácicos e abdominais,

• Ouvir ruídos respiratórios;

• Sentir o fluxo de ar saindo pela boca e nariz.

Na obstrução parcial, a entrada de ar está diminuída e geralmente é ruidosa. O estridor

inspiratório sugere obstrução ao nível ou acima da laringe, enquanto que a existência de

pieira e sibilos expiratórios sugere obstrução das vias aéreas inferiores que colapsam

durante a expiração. Outros sons característicos que também poderão ser ouvidos são:

• O gorgolejo: que sugere a presença de líquido ou material estranho semi-sólido na

via aérea principal;

• O ressonar: que surge quando a faringe está parcialmente ocluída pela língua e

pelo palato mole;

• O estridor: som associado ao espasmo laríngeo que pode causar grande

desconforto ao doente.

A obstrução completa da via aérea num doente ainda a fazer esforço respiratório resulta

num movimento respiratório paradoxal. A observação revela que quando o doente tenta

inspirar as paredes torácicas levantam mas o abdómen é empurrado para dentro. O

padrão normal da respiração é um movimento síncrono para cima e para fora do

abdómen (que é empurrado para baixo pelo diafragma) com o levantamento da parede

torácica. Durante a obstrução da via aérea, outros músculos acessórios da respiração

são chamados a participar, como os do pescoço e os músculos dos ombros, tentando

auxiliar o movimento da caixa torácica. E necessário proceder ao exame completo do

pescoço, do tórax e abdómen para diferenciar movimentos paradoxais que podem

mimetizar uma respiração normal.

O exame deve incluir a audição, confirmando a ausência de ruídos respiratórios, de modo

a diagnosticar correctamente uma obstrução completa da via aérea.

Page 39: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

38

GRECAR

Quando tentamos ouvir o fluxo de ar, devemos lembrar-nos que a respiração normal é

calma e o som suave, que na obstrução completa há silêncio total e que qualquer ruído

respiratório indica obstrução parcial da via aérea. Se a obstrução da via aérea não for

resolvida em poucos minutos, de forma a permitir ventilação adequada, podem ocorrer

lesões do sistema nervoso e outros órgãos vitais, por hipóxia, levando a paragem

cardíaca a curto prazo a qual pode ser irreversível.

PERMEABILIZAÇÃO DA VIA AÉREA USANDO TECNICAS BÁSICAS

Uma vez reconhecido qualquer grau de obstrução, devem ser tomadas de imediato,

medidas para permeabilizar a via aérea.

Existem três manobras que podem ser usadas para permeabilizar a via aérea obstruída

por queda da língua num doente inconsciente:

• Extensão da cabeça,

• Elevação do queixo

• Sub-Iuxação da mandíbula

As duas primeiras técnicas (Figura 4.1) foram abordadas no capítulo de suporte básico. A

gravidade só por si não explica a obstrução da via aérea num doente inconsciente, já que

a obstrução pode ocorrer quando um doente está na posição supina, em pronação ou em

posição lateral. A actividade anormal de vários músculos da língua, faringe, pescoço e

laringe, pode resultar numa incapacidade de manter a permeabilidade da via aérea

quando a cabeça está numa posição neutra ou flectida. O uso de um tubo orofaríngeo

(descrita mais adiante) pode ser de alguma utilidade, mas pode não ser por si só o

suficiente para prevenir a obstrução.

Page 40: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

39

GRECAR

Figura 4.1 Extensão da cabeça e elevação do queixo

A sub-Iuxação da mandíbula é uma manobra alternativa que leva o maxilar inferior para a

frente, aliviando a obstrução causada pela língua. Pode também ser usada quando há

uma obstrução nasal e a boca precisa de ser aberta para conseguir uma via aérea. A

sub-Iuxação da mandíbula é a técnica de escolha nos doentes em que há uma suspeita

de lesão da coluna cervical.

Como efectuar a sub-Iuxação da mandíbula:

• Identificar o ângulo da mandíbula com o dedo indicador;

• Com os outros dedos colocados atrás do ângulo da mandíbula aplicar uma

pressão mantida para cima e para diante de modo a levantar o maxilar inferior

(figura 4.2(a));

• Usando os polegares abrir ligeiramente a boca através da deslocação do queixo

para baixo. (Figura 4.2(b)).

Estes métodos simples têm sucesso na maioria dos casos em que a obstrução da via

aérea resulta de um relaxamento dos tecidos moles.

Depois de cada manobra deve-se avaliar o sucesso usando o VOS Em caso de

insucesso é necessário procurar outras causas de obstrução da via aérea.

Page 41: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

40

GRECAR

Figura 4.2 Sub-Iuxação da mandíbula

Abordagem da via aérea em doentes com suspeita de lesão da coluna cervical

Nestes doentes a extensão da cabeça e elevação do queixo podem resultar em lesão da

medula cervical. O método recomendado para permeabilizar a via aérea é a Sub-Iuxação

da mandíbula em combinação com alinhamento e estabilização manual da cabeça e do

pescoço. É necessário que um assistente mantenha a cabeça numa posição neutra. É

essencial, no entanto, permeabilizar a via aérea, já que a morte por obstrução da via

aérea é mais comum do que a lesão cervical resultante da manipulação da via aérea.

ADJUVANTES PARA TÉCNICAS BÁSICAS DA VIA AÉREA

Acessórios simples são muitas vezes úteis e, por vezes essenciais, para manter

permeabilidade da via aérea, particularmente quando a reanimação é prolongada. A

posição da cabeça e do pescoço deve ser mantida com o objectivo de conseguir o

alinhamento da via aérea. Os tubos orofaríngeos e nasofaríngeos evitam o deslocamento

da língua para trás, num doente inconsciente, mas a extensão da cabeça ou a sub-

luxação da mandíbula podem também ser necessários.

Tubos orofaríngeos

Tubos orofaríngeos ou de "Guedel", são tubos de plástico curvos e achatados, reforçados

na extremidade oral, para permitir que se adaptem perfeitamente entre a língua e o

palato duro.

Page 42: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

41

GRECAR

Os tamanhos mais comuns são o 2, 3 e 4 respectivamente para adultos pequenos,

médios e grandes.

O tamanho do tubo adequado é aquele cujo comprimento correspondente à distancia

entre a comissura labial e o ângulo da mandíbula (ou o lóbulo da orelha) do doente.

Durante a inserção do tubo orofaríngeo a língua pode ser empurrada para trás,

agravando a obstrução em vez de a aliviar. Pode ocorrer vómito ou laringospasmo se o

reflexo glossofaríngeo e laríngeo estiver presentes. A inserção de um tubo orofaríngeo

deve ser reservada apenas para doentes comatosos.

Como inserir o tubo orofaríngeo

• Abrir a boca do doente;

• Assegurar que não há qualquer material estranho presente que possa ser

empurrado para a laringe;

• Introduzir o tubo na cavidade oral em posição invertida - com a cavidade para cima

(Figura 4.3(a));

• Rodar o tubo 180 graus à medida que ele passa o palato duro para a orofaringe

(Figura 4.3(b)).

Esta técnica de rotação minimiza a possibilidade de empurrar a língua para trás. O

doente deve, no entanto, estar suficientemente inconsciente para não ter o reflexo de

vómito ou lutar contra o tubo. Se o doente tosse ou reage, o tubo orofaríngeo deve ser

imediatamente retirado. A colocação correcta verifica-se pela melhoria da permeabilidade

da via aérea e pela adaptação da secção achatada reforçada entre os dentes do doente.

Após a inserção deve-se verificar a permeabilidade da via aérea e ventilação usando

mais uma vez o VOS, enquanto se mantém a extensão da cabeça e elevação do mento

ou a sub-Iuxação da mandíbula.

Page 43: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

42

GRECAR

Figura 4.3 Inserção do tubo orofaríngeo

Tubos nasofaríngeos

São feitos de plástico maleável com uma extremidade em biseI. São, muitas vezes,

melhor tolerados do que os tubos orofaríngeos em doentes que não estão profundamente

inconscientes e podem ser muito úteis em doentes com mandíbulas fechadas, com

"trismus" ou com lesões maxilofaciais. No entanto, não devem ser utilizados em doentes

com suspeita de fractura da base do crânio. Os tubos têm tamanhos em milímetros de

acordo com o seu diâmetro interno e com o comprimento. O comprimento aumenta com

o diâmetro. Os tamanhos utilizados nos adultos vão de 6 a 8 milímetros,

aproximadamente o mesmo diâmetro do 5º dedo do doente. A inserção pode causar

danos na mucosa nasal resultando em hemorragia. Se o tubo é demasiado longo pode

estimular o reflexo laríngeo ou glossofaríngeo e provocar laringospasmo ou vómito.

Como inserir o tubo nasofaringeo (Figura 4.4)

• Verificar a permeabilidade da narina direita;

• Lubrificar o tubo usando Liderava em gelou similar;

• Inserir a extremidade biselada verticalmente ao longo do pavimento do nariz com

um ligeiro movimento de torção;

• Se existir dificuldade na progressão remover o tubo e tentar a narina esquerda.

Page 44: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

43

GRECAR

Figura 4.4 Inserção do tubo nasofaringeo

Quando completamente inserido, a ponta deve ficar na faringe atrás da língua e a

extremidade anterior deve ficar ao nível da narina.

Pode ser fixado com adesivo, alguns modelos têm um alfinete de segurança ou um

batente de borracha que evitam que o tubo possa progredir distalmente.

Uma vez colocado, verificar a permeabilidade da via aérea e se a ventilação é adequada,

mais uma vez, pela técnica de ver, ouvir e sentir. Manter a permeabilidade da via aérea

com extensão da cabeça e elevação mento ou com sub-Iuxação da mandíbula.

Se após a utilização de técnicas básicas, com ou sem adjuvantes de via aérea, o doente

recupera a ventilação espontânea, deve ser colocado na posição lateral de segurança,

como descrito no capítulo de SBV.

Se estiver disponível, deve-se administrar oxigénio. Uma máscara de "Venturi" fornecerá

uma percentagem de 24 a 60 % dependendo da mascara escolhida. Uma máscara de

oxigénio standard poderá fornecer até 50 %, desde que o fluxo de oxigénio seja

suficientemente alto. A menos que esteja contra indicado por uma doença respiratória

preexistente a maior concentração de oxigénio disponível deve ser administrada. A

melhor forma de o conseguir é utilizando uma máscara com saco reservatório que pode

fornecer uma concentração de oxigénio inspirado até 85%, com um fluxo de 10 a 15 litros

por minuto.

Page 45: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

44

GRECAR

VENTILAÇÃO

Em qualquer doente com respiração espontânea inadequada ou ausente, devemos

começar a ventilação artificial assim que seja praticável e o local seja seguro. A

ventilação com ar respirado é eficaz mas a concentração de oxigénio fornecida é apenas

de 16 %. Assim que for possível deve ser substituída por ventilação com ar enriquecido

com oxigénio.

A ventilação boca-a-boca tem o benefício de não requerer qualquer equipamento. Alguns

reanimadores, no entanto, têm relutância em se colocarem em íntimo contacto com uma

vítima desconhecida para eles, e a técnica é particularmente desagradável se estão

presentes vómito ou sangue. Qualquer pessoa pode ter de encarar a possibilidade de

reanimar um membro da sua família, sendo neste caso, mais provável a ventilação boca-

a-boca.

Existem auxiliares simples que podem ser usados para evitar o contacto directo de

pessoa a pessoa e alguns desses dispositivos reduzem o risco de infecção cruzada entre

o doente e o reanimador.

O mais largamente usado é a máscara de bolso, também conhecida por "Pocket mask".

Este dispositivo é semelhante a uma máscara anestésica, permitindo a ventilação boca-

máscara. Tem uma válvula unidireccional de modo que o ar expirado do doente não volta

para o reanimador, isolando portanto as duas vias aéreas. As máscaras são

transparentes de modo que o vómito ou sangue possam ser observados, e algumas têm

uma conexão para oxigénio suplementar de forma a enriquecer o ar expirado em

oxigénio.

A principal dificuldade associada ao uso destas máscaras é conseguir manter uma

selagem perfeita entre a máscara e a face da vítima.

Se os volumes correntes forem demasiado altos, podem ser criadas altas pressões na via

aérea. Evitar volumes correntes altos reduz, também a hipótese de insuflação gástrica e

o consequente risco de regurgitação e aspiração pulmonar.

A possibilidade de insuflação gástrica está aumentada se houver um mau alinhamento da

cabeça e do pescoço e a via aérea não estiver permeável, se houver um esfíncter

esofágico incompetente (o que acontece em todos os doentes em PCR) ou se houver

Page 46: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

45

GRECAR

uma pressão da via aérea proximal muito elevada, criada pelo reanimador. Este último

factor é considerado como sendo o mais importante. Recomenda-se que os volumes

correntes sejam apenas de 400 a 600 mililitros por ciclo respiratório, o que corresponde a

um movimento normal do tórax. Estudos recentes mostraram que este volume corrente é

adequado para remover o dióxido de carbono e manter a oxigenação, durante a paragem

cardíaca, já que o dióxido carbono produzido está muito reduzido.

Ventilação Máscara - Boca (Figura 4.5)

• Colocar o doente em decúbito dorsal, com a cabeça em extensão e elevação da

mandíbula;

• Aplicar a máscara à face do doente usando os polegares e indicadores de ambas

as mãos;

• Levantar a mandíbula com os dedos restantes, exercendo pressão atrás dos

ângulos da mandíbula;

• Ao mesmo tempo que se faz a elevação da mandíbula pressionar a máscara

contra a face, para conseguir uma selagem perfeita;

• Soprar através da válvula inspiratória e observar a expansão torácica;

• Interromper a insuflação e observar o tórax descer;

Figura 4.5 Ventilação máscara-boca

Qualquer fuga entre a face e a máscara pode ser reduzida ou abolida ajustando a

pressão de contacto, alterando a posição dos dedos e/ou aumentando a sub-Iuxação da

mandíbula.

Page 47: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

46

GRECAR

Se estiver disponível administrar oxigénio, ele deve colocado através da conexão

apropriada a um débito de 10 L/min.

Insuflador Manual

O insuflador manual pode ser conectado, quer a uma máscara, quer ao tubo

endotraqueal, e permite administração de oxigénio suplementar. Durante a compressão

do balão, o ar é insuflado para os pulmões. O relaxamento do balão permite que, o ar

expirado saia através da válvula unidireccional e o insuflador encha por uma válvula na

extremidade oposta. Podem ser obtidas percentagens de oxigénio de 45 % quando é

usado um débito de 5 a 6 l/min. Alguns modelos têm um reservatório balão acoplado que

permite obter percentagens de 85 %, usando 10 l/min.

A sua utilização eficaz requer treino continuado dado que é necessário efectuar em

simultâneo vários movimentos: extensão da cabeça, elevação da mandíbula, pressão da

máscara sobre a face, e insuflação do balão. A má técnica pode causar hipoventilação ou

distensão gástrica e regurgitação. Executar simultaneamente pressão na cricóide diminui

o risco, mas requer a existência de mais um operador treinado e disponível.

A ventilação com insuflador manual e máscara sempre que possível deve ser executada

por dois elementos, sendo que um adapta a máscara e mantém o posicionamento da

cabeça e o outro insufla o balão (Figura 4.6).

Figura 4.6 Técnica de ventilação máscara-insuflador manual com duas pessoas

Page 48: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

47

GRECAR

TÉCNICAS DE ABORDAGEM AVANÇADA DA VIA AÉREA

A entubação endotraqueal é o melhor método para ventilar eficazmente, mantendo uma

via aérea permeável e segura. No entanto, requer muita experiência e treino para a sua

execução. Várias técnicas alternativas têm sido tentadas, sendo consideradas válidas em

alternativa à ventilação com insuflador e máscara e à entubação endotraqueal - Máscara

Laríngea e o "Combitube"

Máscara Laríngea

É num tubo de grande calibre que tem numa das extremidades um "cuff' em forma de

elipse, adaptável à abertura laríngea. A ventilação com máscara laríngea foi introduzida

na prática anestésica nos anos 80 tendo-se revelado um dispositivo fiável e seguro que

pode ser facilmente introduzido, com uma alta taxa de sucesso, após um curto período

de treino. Este dispositivo, permite uma ventilação mais eficiente e mais fácil do que a

conseguida com o insuflador manual e máscara. Embora, não garantido uma protecção

total da via aérea, a aspiração pulmonar associada com o uso da mascara laríngea é

rara, desde que não se gerem pressões de insuflação elevadas. Devem-se evitar

pressões superiores a 20 cmH2O. A inserção da máscara laríngea não requer extensão

acentuada da cabeça, podendo ser o dispositivo de escolha na presença de lesão

cervical.

Pelo reduzido treino que exige a mascara laríngea mostrou-se fiável, para ser usada na

reanimação por médicos, enfermeiros e paramédicos. Tal como a entubação

endotraqueal requer que o doente esteja profundamente inconsciente.

A mascara laríngea pode ser usada até 40 vezes, após esterilização, existindo modelos

de utilização única que podem ser especialmente adequados para uso pré-hospitalar.

Podem ser administrados fármacos na traqueia através da mascara laríngea, se

necessário.

Como colocar a mascara laríngea

• Escolher a máscara laríngea de tamanho adequado e desinsuflar totalmente o cuff

(o tamanho 4 ou o 5 são apropriados para a maioria dos adultos);

Page 49: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

48

GRECAR

• Lubrificar com gel a face externa da zona do cuff (na parte que não está em

contacto com a laringe);

• Colocar o doente em decúbito dorsal com a cabeça e pescoço alinhados

(idealmente o pescoço deve estar ligeiramente flectido e a cabeça ligeiramente em

extensão);

• Se o doente não pode ser abordado por trás da cabeça a mascara laríngea pode

ser introduzida pela frente, segurando o tubo como uma caneta introduzir a

máscara laríngea na boca, com a abertura distal orientada para os pés do doente;

• Avançar a máscara laríngea deslizando-a ao longo do palato duro até à parede

posterior da faringe (figura 4.7(a));

• Pressionar a máscara para trás e para baixo até sentir resistência - isso

corresponde à localização da máscara na hipofarínge (Figura 4.7(b));

• Insuflar o cuff com o volume de ar adequado (máscara n°3:20 ml, máscara n°4:30

ml, máscara n°5:40 ml), se a inserção foi correcta o tubo será levantado

ligeiramente (1 a 2cm) para fora da boca;

• Confirmar a permeabilidade da via aérea e ventilação auscultando e observando

expansão torácica. Se existir grande fuga é sugestivo de mau posicionamento da

máscara laríngea;

• Se após 30 segundos não tiver sido conseguido o correcto posicionamento, retirar

máscara laríngea e proceder à oxigenação com ventilação com máscara -

insuflador;

• Após colocação bem sucedida fixar com nastro ou adesivo.

Figura 4.7 Técnica de inserção da máscara laríngea

Page 50: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

49

GRECAR

Inconvenientes da máscara laríngea

• Os doentes que não estão profundamente inconscientes podem reagir à máscara

laríngea tossindo e desenvolvendo espasmo laríngeo.

• Se não for usada uma técnica rigorosa pode não ser conseguida uma boa

permeabilização da via aérea com a máscara laríngea, pelo que, se tal acontecer,

a máscara deve ser retirada e recolocada.

• Nos casos em que a pressão nas vias aérea estão elevadas (broncospasmo,

DPOC) pode ocorrer hipoventilação por fuga excessiva de ar, apesar da insuflação

do cuff, existindo neste caso, risco de insuflação gástrica.

• Pode acontecer, embora seja raro, o deslocamento da epiglote para baixo,

agravando a obstrução da via aérea por oclusão da entrada da laringe. Retirar e

efectuar nova tentativa de colocação.

• A colocação de máscara laríngea requer prática, a qual deve ser conseguida

ambiente controlado e supervisionado, como o bloco operatório.

Combitube

É um tubo de duplo "lúmen", introduzido às cegas e que permite a ventilação quer o tubo

seja introduzido na traqueia, quer seja introduzido no esófago. A extremidade traqueal

tem abertura distal, enquanto o tubo esofágico, não tem abertura na ponta, mas tem

vários orifícios laterais entre os dois "cuffs", um pequeno distal e um grande proximal,

desenhado para ser insuflado na hipofarínge.

Ao ser introduzido de modo cego é habitual que o tubo entre no esófago, o doente é

ventilado através do tubo esofágico pelos orifícios laterais entre os dois cuffs, que ficam

ao nível da laringe ou acima desta. Não entra ar para o estômago porque, a extremidade

distal é encerrada e o cuff é proximal em relação a esta extremidade. O cuff da

hipofarínge previne a fuga de ar pela boca.

Se, por outro lado, o tubo entra na traqueia a ventilação é conseguida através do canal

traqueal que tem uma extremidade distal aberta. Por ser um tubo de duplo lúmen, cada

lúmen é necessariamente estreito e a resistência à ventilação é elevada.

Page 51: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

50

GRECAR

Como colocar o Combitube

• Colocar o doente em decúbito dorsal;

• Efectuar extensão da cabeça e elevação do queixo;

• Lubrificar bem o Combitube;

• Introduzi-lo às cegas até que a marca existente na parte proximal do tubo esteja

ao nível dos dentes;

• Insuflar o cuff grande (proximal) com 85-100 mililitros de ar. Pode-se observar

algum movimento do tubo, para cima e para fora;

• Insuflar o cuff distal com 15 a 20 mililitros de ar;

• Ventilar pelo tubo esofágico, observar a expansão torácica e auscultar (Figura

4.8(a));

• Se não houver ventilação, insuflar pelo tubo traqueal e verificar novamente (Figura

4.8(b));

• Se a ventilação não for conseguida por qualquer das entradas o tubo deve ser

removido e outras formas alternativas de ventilação devem ser utilizadas.

Figura 4.8 (a) Combitube no esófago . (b) Combitube na traqueia

Inconvenientes do Combitube

• O dispositivo é caro e de uso único.

Page 52: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

51

GRECAR

• É necessária uma abertura adequada da boca. Os "cuffs" podem ser danificados

durante a inserção por contacto com os dentes.

• Pode causar lesões dos tecidos moles, foram referidos casos de enfisema

subcutâneo e rotura do esófago.

• Apenas existem tamanhos de adulto.

Entubação endotraqueal

Continua a ser considerada como a técnica de referência para manutenção da

permeabilidade da via aérea e ventilação, mas é uma técnica que exige treino e

experiência para ser utilizada. É considerada superior às outras técnicas porque:

• Permite isolar a via aérea por insuflação do cuff, reduzindo o risco de aspiração;

• Permite a aspiração endotraqueal se necessário;

• Permite ventilar eficazmente, sem fugas, mesmo quando a pressão nas vias

aéreas é elevada;

• Permite a administração de fármacos quando não se consegue obter um acesso

venoso.

Em alguns casos a laringoscopia e a tentativa de entubação podem ser impossíveis ou

mesmo pôr em risco a vida do doente, como nos casos de epiglotites agudas, patologia

com lesões intracranianas (por causar aumento da pressão intracraniana) ou ainda em

doentes com lesão da coluna cervical. Nestas circunstâncias pode ser necessário

requerer ajuda de um perito no manuseamento da via aérea, para administração de

fármacos anestésicos ou utilização de laringoscopia de fibra óptica.

É importante salientar que a entubação endotraqueal requer aptidões e treino que são

mais demorados de obter do que qualquer outra técnica avançada de controlo da via

aérea, pelo que, não deve ser usada por inexperientes, cujas tentativas repetidas podem

comprometer a oxigenação.

Equipamento

Um conjunto de equipamento em bom funcionamento é necessário para conseguir

entubação com sucesso.

Page 53: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

52

GRECAR

• Laringoscópio, geralmente com lâmina curva, tipo Macintosh. Existem vários

tamanhos, para a maioria dos doentes o número 3 será o adequado;

• A lâmpada e as pilhas deverão ser observadas regularmente, para assegurar o

correcto funcionamento. Devem existir suplentes disponíveis imediatamente;

• Tubos endotraqueais, com cuff, de diferentes tamanhos devem estar disponíveis e

com os respectivos conectores standard. Os mais usuais para um homem adulto

são os tubos 8 a 9, e para uma mulher os de 7 a 8 milímetros de diâmetro interno.

Na prática um conjunto de tubos 3, 5, 7 e 8 milímetros devem ser suficientes para

as necessidades imediatas de todos os doentes;

• Seringa para a insuflação do cuff;

• Aspirador de secreções com cânula rígida.

Outros acessórios

• Gel para lubrificação;

• Pinça de Maguill;

• Condutores ou introdutores semi-rígidos, que podem ser úteis numa entubação

difícil;

• Adesivo para fixação;

• Estetoscópio para confirmar a posição do tubo;

• Sondas de aspiração flexíveis;

• Sensores de "end tidal CO2"

Técnica de entubação endotraqueal

• Pré-oxigenacão: a entubação não deve demorar mais de 30 segundos e deve ser

precedida por ventilação, com a concentração máxima de oxigénio disponível

(idealmente pelo menos 85 % e no mínimo durante 15 segundos);

Page 54: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

53

GRECAR

• Posicionamento: o pescoço deve estar ligeiramente flectido, colocando uma

pequena almofada debaixo da região occipital, e a cabeça deve estar em

extensão. Se existir lesão da coluna cervical, a cabeça e o pescoço devem ser

mantidos em posição neutra, com estabilização manual por um ajudante;

• Abrir a boca usando a mão direita, enquanto se segura no laringoscópio com a

esquerda. Inspeccionar a boca e remover corpos estranhos, nomeadamente

dentes partidos ou próteses dentárias e aspirar secreções se necessário (Figura

4.9)

• Identificação dos três pontos de referencia:

o fossa amigdalina - colocar o laringoscópio no lado direito da língua até

atingir a terminação do palato mole. Identificar a parede lateral da faringe e

a fossa amigdalina (Figura 4.10). Não inserir o laringoscópio em todo o seu

comprimento e procurar a

o úvula - mover a lâmina para a esquerda, puxando a língua para a linha

média e visualizar a úvula

o epiglote - avançar cuidadosamente o laringoscópio ao longo da língua, até

visualizar a epiglote

Figura 4.9 Colocação de laringoscópio Figura 4.10 Laringoscopia

Page 55: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

54

GRECAR

• Colocar a extremidade distal do laringoscópio na valécula (espaço entre a epiglote

e a base da língua) (Figura 4.11) e fazer um movimento para a frente e para cima,

no sentido do cabo do laringoscópio. Este movimento arrasta a epiglote para a

frente e permite visualizar as cordas vocais;

• Visualização da laringe - tem o aspecto de um triângulo de vértice anterior,

visualizando-se as duas cordas vocais lateralmente, com um aspecto branco

nacarado (Figura 4.12). Pode ser necessária a colaboração de um ajudante para

pressionar a cartilagem tiróide para melhor exposição das cordas;

Figura 4.11 Colocação do laringoscópio na valécula Figura 4.12 Visualização da laringe

• Aspirar se necessário;

• Introdução do tubo - introduzir o tubo apenas após visualização das cordas vocais

(Figura 4.13). Deve ser introduzido pelo lado direito da boca mantendo a

visualização directa das cordas vocais, até que a parte proximal do cuff ultrapasse

as cordas. A distância habitual até à arcada dentária é de 21 cm nas mulheres e

de 23 nos homens;

• Conectar o insuflador manual e insuflar o cuff de modo a não existirem fugas;

• Confirmar o correcto posicionamento do tubo auscultando em ambos os campos

pulmonares. Deve-se auscultar nos vértices, nas bases e em ambas as linhas

axilares médias para verificar de os sons são simétricos. Se verificar que a

ventilação está selectiva para a direita, significa que o tubo foi demasiado

introduzido e deve ser retirado alguns centímetros (após desinsuflar o cuff). Após o

reposicionamento do tubo, deve-se voltar a confirmar a sua posição. Auscultar o

Page 56: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

55

GRECAR

epigastro para detectar fugas de ar para o estômago. Confirmar a local.

conectando a um sensor de "End tidal CO2".

• Fixar o tubo com nastro ou adesivo. Pode ser útil a colocação de um tubo de

Guedel para evitar mordedura do tubo caso o doente fique mais reactivo.

• Ventilação - manter elevadas concentrações de oxigénio.

Figura 4.13 Introdução do tubo endotraqueal

Atenção: Nunca efectuar tentativas de entubação que ultrapassem os 30 segundos sem

reoxigenar o doente. Se existem dúvidas sobre a correcta localização do tubo o mesmo

deve ser retirado, o doente reoxigenado e feita nova tentativa de entubação.

Confirmação da localização do tubo

Existe uma percentagem de entubações que são feitas para o esófago, cerca de 17%. É

fácil confirmar que o tubo se encontra na árvore traqueo-brônquica com um sensor de

CO2. A existência de CO2 no ar expirado após 6 ventilações confirma que o mesmo se

encontra na árvore traqueo-brônquica. A sua correcta localização acima da carina é

confirmada pela auscultação pulmonar.

Nos doentes em PCR a produção de CO2 é muito reduzida, pelo que a ausência de

CO2no sensor não esclarece a localização do tubo, mas. a sua presença confirma a

localização endobrônquica. Nos doentes com circulação espontânea a ausência de

CO2confirma a localização do tubo no esófago.

Page 57: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

56

GRECAR

Problemas durante a entubação endotraqueal

• Variações anatómicas - retrognatismo, pescoço curto, dentes incisivos

proeminentes, arcada do palato elevada, reduzida abertura da boca, rigidez do

pescoço ou "trismus" podem dificultar ou impossibilitar a entubação. Se não for

possível visualizar as cordas vocais não deve ser tentada a entubação. Deve ser

assegurada a ventilação por técnicas básicas enquanto se recorre a ajuda

diferenciada. Um mandril de borracha dura mas maleável (bougie), pode ser mais

facilmente introduzido na traqueia e posteriormente o tubo endotraqueal é

introduzido pelo mandril. Pode também ser utilizado um condutor rígido por dentro

do tubo para lhe dar uma curvatura adequada.

• Peças dentárias soltas ou próteses - uma boa técnica de entubação deve permitir

identificar estas situações e ultrapassar o problema.

• Regurgitação do conteúdo gástrico e aspiração - para evitar a entrada de conteúdo

gástrico na árvore brônquica é fundamental ter sempre disponível o equipamento

de aspiração. A pressão na cricóide (descrita adiante pode ser útil).

• Traumatismos faciais e queimaduras da face - pode ser impossível conseguir a

ventilação, quer com técnicas básicas quer por entubação endotraqueal. A

cricotiroidotomia pode ser a única medida possível.

• Entubação esofágica – é fundamental que seja reconhecida, o que, se forem

seguidas as regras da entubação, não deixará de acontecer. Em caso de dúvida

retirar o tubo, oxigenar o doente e tentar novamente.

• Lesão da coluna cervical – é habitualmente uma entubação difícil e requer que a

cabeça e o pescoço sejam mantidos numa posição neutra com imobilização

manual por um outro operador, na suspeita de lesão da coluna cervical.

Pressão na cricóide (Figura 4.14)

Tem como objectivo evitar a regurgitação gástrica e a consequente aspiração. Requer

um ajudante treinado e pode ser utilizada durante a ventilação com insuflador manual e

máscara.

Page 58: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

57

GRECAR

A cartilagem cricóide localiza-se imediatamente abaixo da cartilagem tiróide. A pressão

no sentido antero-posterior empurra o esófago contra a coluna vertebral. A pressão sobre

a cricóide deve ser mantida até à confirmação do correcto posicionamento do tubo e

insuflação do cuff. Não deve ser utilizada nos casos de vómito activo pois pode causar

roturas esofágicas. No caso de suspeita de lesão cervical é necessário apoiar a coluna

cervical com outra mão para garantir que o pescoço se mantém em posição neutra. Se

for incorrectamente executada, por exemplo, fazendo pressão excessiva, pode dificultar

ainda mais a entubação.

Figura 4.14 Pressão na cricóide

Outros adjuvantes da entubação

• Lâminas alternativas – embora o tamanho 3 seja habitualmente adequado para a

maioria dos doentes é necessário dispor de lâminas mais longas para algumas

situações. Poderá também ser necessário dispor de lâminas rectas.

• Introdutores – já foram descritos anteriormente

Aspiração

Para a aspiração da via aérea superior devem ser usadas cânulas rígidas "tipo

Yankauer", que permitem remover líquidos (sangue, saliva, vómito etc.). Sempre que

possível deve ser feito sob visualização directa.

Page 59: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

58

GRECAR

A aspiração endotraqueal é feita com sondas maleáveis, devendo ser feita apenas por

breves períodos e precedida por pré oxigenação com oxigénio a 100 %, pois pode causar

hipóxia.

Cricotiroidotomia por agulha (Figura 4.15)

Ocasionalmente, pode ser completamente impossível ventilar um doente em apneia.

Nestes casos é necessário criar uma via aérea cirúrgica abaixo da obstrução. A

traqueostomia de emergência não é um procedimento indicado dado que requer material,

treino e tempo. A inserção de uma agulha de grande calibre é um gesto rápido, que

requer apenas equipamento simples e é relativamente pouco arriscada. No entanto, é

apenas uma medida temporária.

Como proceder

• Colocar o doente em decúbito dorsal com ligeira extensão da cabeça;

• Identificar a membrana cricóide (entre a cartilagem tiróide e a cartilagem cricóide);

• Puncionar na vertical e na linha média com um cateter de calibre 14G ou maior,

ligado a uma seringa e efectuando ligeira aspiração. Assim que, for aspirado ar o

cateter está na traqueia;

• Mover a agulha no sentido caudal até fazer um ângulo de 45º com o plano do

pescoço, avançar o cateter retirando o mandril;

• Conectar o cateter a uma fonte de oxigénio com alto débito, 12-15 L/min, usando

uma conexão em "Y" ou um sistema alternativo (ex. torneira de 3 vias, abertura de

orifício no tubo de oxigénio);

• Tapando a abertura do "Y" durante um segundo (ou até observar expansão

torácica) e libertar durante 4 segundos. Se não for dado tempo para a expiração

existe risco de aumento excessivo da pressão intra-torácica e barotrauma;

• Se obtém expansão torácica e expiração adequadas pode fixar a cânula.

Page 60: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

59

GRECAR

Figura 4.15 Cricotiroidotomia

Este não é verdadeiramente um procedimento de ventilação mas permite manter uma

oxigenação adequada. Já a eliminação de CO2pode não ser possível, o que limita o uso

da técnica a 45 minutos.

Existe risco de posicionamento inadequado do cateter, hemorragia, enfisema e

perfuração esofágica.

A cricotiroidotomia cirúrgica deve ser programada de imediato para assegurar a

ventilação adequada.

RESUMO

• Na reanimação é essencial dominar correctamente as técnicas de permeabilização

da via aérea e ventilação.

• Podem ser executadas manobras simples e que estão ao alcance de todos.

• Os profissionais de saúde devem saber utilizar adjuvantes de via aérea e

enriquecer o ar com oxigénio dado que aumentam a eficácia da reanimação.

• A entubação endotraqueal é o melhor método para proteger a via aérea e ventilar

com eficácia, mas exige prática.

• Métodos alternativos como a Máscara Laríngea ou o Combitube são considerados

válidos.

• A cricotiroidotomia por agulha pode ser necessária como medida “life saving”.

Page 61: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

60

GRECAR

Capitulo 5

Doente com Dificuldade Respiratória

Asma

A Asma é um processo inflamatório crónico cujas consequências resultam no

estreitamento reversível das vias aéreas. Afecta aproximadamente 5% da população e

pode ocorrer pela a primeira vez em qualquer idade e com um predominância pelo sexo

masculino na infância, e pelas mulheres em idades mais avançadas. A Asma nas

crianças está associada geralmente a atopia, enquanto que nos adultos está mais

associada a não atopia. Ambos, entretanto, têm um componente hereditário.

Embora haja muitos potenciais desencadeantes, a asma é caracterizada pela pieira

devido ao estreitamento difuso das vias aéreas periféricas. Pode haver um aumento

associado no volume e na viscosidade das secreções brônquicas. Ocasionalmente uma

tosse nocturnal será um sintoma proeminente e os pacientes podem descrever uma

pressão na caixa torácica ou um sensação mais de bloqueio do que chiadeira. Além

disso, a exposição aos estímulos externos, como o ar frio, o fumo do cigarro e mesmo

vapores da pintura, podem induzir um ataque agudo “asmático”. Isto não indica uma

resposta alérgica mas demonstra que as vias aéreas são hiperactivas e produzem uma

resposta exagerada aos irritantes inespecificos.

Patofisiologia

Os ataques agudos de broncospasmo podem ser precipitados por IgE que promovem a

desgranulação dos mastócitos. Por outro lado, quando expostos aos factores ambientais,

por exemplo alergénios e poluentes, a via aérea dos asmáticos fica susceptível ao

processo inflamatório crónico, caracterizado pela infiltração eosinofilica e de linfócitos T.

Estas células são responsáveis para libertação dos mediadores inflamatórios que

disparam uma variedade das respostas e que culminam nas vias aéreas estreitando e

aumentando a resistência ao fluxo de ar. Como a resistência é inversamente proporcional

à quarta potência do raio (lei de Poiseulle), um aumento pequeno na espessura das vias

aéreas provocará um efeito marcado na resistência e consequentemente uma

Page 62: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

61

GRECAR

significativa redução do fluxo de ar. A mudança no raio da via aérea é geralmente devido

à contracção da musculatura brônquica, mas no asmático esta está ainda mais

exacerbada pelo edema da mucosa, pela produção aumentada do muco e pelos danos

nas células epiteliais. Além disso, a resposta inflamatória crónica reduz a elasticidade

normal das vias aéreas, exacerbando o estreitamento ainda mais.

Alterações induzidas pelos mediadores inflamatórios na Asma:

• Quebram a integridade funcional e estrutural do epitelium

•Estimulam a secreção do muco a formação do edema e contracção da musculatura lisa

• Promovem a deposição do colagénio sob a membrana basal

O fluxo de ar alterado e diminuído manifesta-se clinicamente como pieira, reduzido

volume expiratório forçado reduzido no primeiro segundo (FEV1), reduzida frequência de

fluxo expiratória (PEFR), com uma capacidade residual funcional aumentada (FRC)

devido à retenção do ar, sem nenhuma alteração na capacidade total pulmonar (TLC).

Assim, por causa do aumento das resistências da via aérea o trabalho de respirar está

aumentado e o paciente sente dispneia.

Durante um ataque asmático agudo, algumas das vias aéreas ficam obstruídas por

rolhões do muco, o que resulta na hipóxia devido as alterações da ventilação perfusão

(V/Q). Este aumento adicional do trabalho respiratório leva à hiperventilação na tentativa

de corrigir a hipóxia.

Ponto-chave

A falência em conseguir manter o esforço respiratório aumentado numa exacerbação grave de

asma, será traduzida por um tórax silencioso, pela hipóxia e por um PaCO2 elevado

Page 63: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

62

GRECAR

Tratamento

Nota

As mortes evitáveis por asma aguda, ainda ocorrem devido a atraso no tratamento

O tratamento apresentado segue as guidelines da Sociedade Torácica Inglesa.

Asma Grave com ameaça de vida

A avaliação caracterizada por:

• Via aérea — normalmente permeável mas que pode estar comprometida pela exaustão

• Ventilação — cianosado, exausto e uma caixa torácica silenciosa

• Circulação — taquicardia superior a 130 batimentos por minuto, bradicardia,

— Hipotensão.

Além disso o fluxo expiratório máximo é inferior a 33% do normal ou o melhor do doente.

Ponto-chave

Uma caixa silenciosa é um sinal ameaçador porque significa que o ar já

é insuficiente (dentro e fora da caixa) para produzir pieira

O tratamento imediato

É importante lembrar que a dispneia aguda num asmático é geralmente devido ao

broncospasmo. Entretanto, por causa do “ar retido” há um aumento na pressão final

expiratória. Isto aumenta o risco de desencadear um pneumotórax que leve mais tarde ao

distress do aparelho respiratório. Esteja sempre alerta a esta possibilidade nos asmáticos

que não respondem ao tratamento ou que ficam dispneicos agudamente. A reavaliação

regular e um raio X de urgência são necessários.

Líquidos intravenosos devem ser administrados porque uma grande maioria dos doentes

tem associada desidratação. Uma hidratação adequada ajuda também a tornar a

Page 64: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

63

GRECAR

expectoração mais fluida. Além disso a hipocalemia pode surgir em consequência ou da

própria asma ou da terapêutica com agonistas B2. Assim, a monitorização cuidadosa e

uma apropriada terapêutica são fundamentais.

A resposta clínica do paciente ao tratamento (como descrito antes) deve ser monitorizada

continuamente com a avaliação regular dos gases no sangue arterial.

Se o paciente ou se tornar exausto, ou se retiver o CO2 ou se a oxigenação adequada

não for possível, então deverá ser equacionada a ventilação com pressão positiva. A

consulta com um intensivista será então vital.

Indicações para cuidados intensivos

Hipoxemia (PaO2 <8 KPa apesar de FiO2> 0.6)

Hipercápnia (PaCO2> 6 kPa)

Exaustão

Alteração do estado de consciência (confusão, obnubilação, inconsciente)

Paragem Respiratória

PNEUMOTÓRAX

Um pneumotórax resulta na entrada de gás para o espaço potencial que existe entre a

pleura visceral e parietal. Isto pode surgir espontaneamente devido à ruptura de uma

bolha ou de um cisto na superfície do pulmão ou após um trauma penetrante. A doença

de pulmão subjacente funciona como um factor predisponente importante no

desenvolvimento de um pneumotórax. Entretanto, há um número de procedimentos

invasivos tais como o cateterismo da veia subclávia que também pode ser responsável.

Page 65: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

64

GRECAR

Pneumotórax iatrogénico

Tentativas de acesso da veia jugular interna/subclávia

Biopsia/drenagem pleural

Biopsia pulmonar percutânea/biopsia hepática

Biopsia transbrônquica

Ventilação com pressões positivas (IPPV)

Patofisiologia

O movimento expansivo da caixa e a retracção elástica do pulmão produzem uma

pressão negativa no espaço entre a pleura visceral e a pleura parietal. Esta pressão, em

relação à atmosférica, torna-se mais negativa durante a inspiração. Depois de uma

ruptura da pleura visceral, o ar move-se preferencialmente dos alvéolos para o espaço

pleural até se adquirir um equilíbrio de pressões — então o pulmão colapsa, resultando

num simples pneumotórax. Se, entretanto, a ruptura na pleura actuar como uma válvula

de sentido único, irá entrar ar na pleura durante a inspiração que não desaparece na

expiração. Então a pressão no espaço intrapleural vai subir acima da pressão

atmosférica. A hipoxemia resultante actua como um estímulo respiratório que ocasiona

movimentos inspiratórios mais profundos, que por sua vez aumentam ainda mais o ar

retido intrapleural. Isto produz um pneumotórax da tensão. Se não for tratado vai surgir o

deslocamento do mediastino, causando torção dos grandes vasos, diminuindo o retorno

venoso, e comprimindo o pulmão oposto. Este processo exacerba a hipoxemia e causa

eventualmente uma actividade eléctrica sem pulso (Dissociação Electromecânica).

Ponto-chave

O pneumotórax da tensão é um diagnóstico clínico.

A toracocentese por agulha é o tratamento imediato

Page 66: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

65

GRECAR

Pneumotórax Primário

Esta circunstância é relativamente rara (afectando aproximadamente 9/100 000 doentes

com uma incidência no sexo masculino em relação ao feminino de aproximadamente

4:1). Ocorre em pulmões previamente saudáveis e é atribuída à ruptura de uma bolha ou

de um cisto que frequentemente surge na zona do apex. Aproximadamente 20% dos

pacientes terão pneumotórax recorrentes nos lados ipsilateral e contra lateral.

Pneumotórax Secundário

Esta circunstância está associada a uma doença preexistente no pulmão e a

procedimentos .

Condições Preexistentes no pulmão que se associam a Pneumotórax

Enfisema

Doença pulmonar obstrutiva crónica

Agudizações de asma

Infecções:

empiema

pneumonia estafilocócica

tuberculose

Malignidade

Fibrose Cística

Avaliação

Pneumotórax simples

Os sintomas e os sinais podem estar ausentes mas geralmente o doente apresentar-se-á

com dispneia e dor de tipo pleuritica localizada no lado afectado. A dispneia pode estar

relacionada com a dor, o tamanho do pneumotórax e uma doença de pulmão subjacente.

Page 67: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

66

GRECAR

Ponto-chave

Num doente com doença de pulmão preexistente, mesmo um pneumotórax pode produzir uma insuficiência respiratória aguda

Os sinais clínicos são difíceis de detectar quando o pneumotórax é pequeno ou quando

há um enfisema coexistente. Frequentemente há uma expansão reduzida da caixa no

lado afectado (geralmente devido à dor) e uma hipersonoridade na percussão é típica. A

hiperresonância é muito difícil de detectar mesmo ao comparar com o lado não-afectado.

O sinal mais consistente será uma redução/ ausência dos sons respiratórios no lado do

pneumotórax.

Pneumotórax de tensão

Apresenta-se como distress respiratório agudo. Inicialmente pode haver um aumento da

frequência respiratória e do esforço com redução dos movimentos, uma hiperresonância

à percussão e ausência dos ruídos respiratórios no lado afectado. O desvio da traqueia, a

distensão venosa jugular e a cianose são tardias, frequentemente manifestações

terminais.

Tratamento

Pneumotórax simples

A resolução espontânea ocorrerá em doente assintomático com colapso parcial do

pulmão (e nenhuma deterioração em 24 horas) em aproximadamente 1.25% do volume

do hemitórax por dia. O alívio da dor é fundamental com utilização de analgésicos anti-

inflamatorios não-esteroides. Não se esqueça de tranquilizar o paciente!

A drenagem é uma técnica simples com uma morbilidade insignificante. Se bem sucedido

produz a resolução rápida da dispneia e desconforto torácico.

Page 68: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

67

GRECAR

Pneumotórax de tensão

A toracocentese imediata é um imperativo. Isto aliviará a tensão e os problemas agudos,

mas a inserção formal do dreno no tórax só deverá ser efectuada após ter garantido um

acesso intravenoso. Esta é uma precaução porque ocasionalmente o pneumotórax pode

ser acompanhado e complicado de hemotórax, possivelmente devido à laceração de uma

lesão vascular pleural ou de um tumor necrótico adjacente.

Investigação

A confirmação radiológica de um pneumotórax simples é importante e guiará a terapia

apropriada. Pelo contrário, o pneumotórax de tensão é um diagnóstico clínico e o raio X

só será necessário depois da inserção do dreno pleural.

Problemas potenciais

• O pulmão não expande depois de colocado o dreno pleural considerar a hipótese de

aspiração com baixa pressão

• Pneumotórax recorrentes – Considere a hipótese de contactar com cirurgião torácico

para pleurodesis química ou cirúrgica. O aconselhamento cirúrgico deve também ser

procurado se houver pneumotórax bilateral.

PNEUMONIA

A Pneumonia é o termo usado para descrever a inflamação dos tecidos relacionados com

as trocas gasosas no pulmão. A pneumonia tradicionalmente é descrita de acordo com o

aspecto radiológico, por exemplo pneumonia lobar, lobular ou broncopneumonia.

Infelizmente esta abordagem não ajuda no diagnóstico nem no tratamento. Pelo

contrário, as circunstâncias da doença e os achados clínicos, fornecem indícios úteis

para ajudar à investigação e ao tratamento.

Page 69: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

68

GRECAR

Classificação da Pneumonia

o Adquirida na Comunidade

o Adquirida no Hospital

o De aspiração e por anaeróbios

o Recorrente

o Associada a Imunosupressão

o De viagem

Princípios do tratamento – Check List

Diagnóstico

Historia

Exame Clínico

Investigações:

o Raio X do tórax: Antero posterior

o Gases do sangue arterial

o Hemoculturas: Sangue venoso

o Análises hematológicas e bioquímica

o Serologia para Mycoplasma, Legionella, Chlamydia

o Expectoração: Culturas

o Urina: Antigeneo Legionella

Tratamento

• Oxigénio – a menos que o paciente não esteja dispneico ou os gases no sangue

estejam normais

•Antibióticos

Page 70: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

69

GRECAR

•Fluidoterapia, oral ou intravenosa de acordo com o quadro clínico

• Analgesia se necessário

• Considere a colaboração precoce do microbiologista

Pneumonia adquirida na Comunidade

Esta é a causa aguda mais comum de admissão hospitalar e ocorre frequentemente nos

meses de inverno. A pneumonia adquirida na comunidade pode afectar indivíduos

previamente saudáveis ou doentes com doença pulmonar subjacente. A idade do

paciente é provável que possa influenciar o patogeneo envolvido.

Modos de transmissão da Infecção

Através das bactérias que habitualmente colonizam o aparelho respiratório

“Gotículas de saliva” de indivíduos infectados

Animais, como no caso da Chlamydia psittaci

Gotas da água na Legionella pneumophilia

Os organismos que ocasionam com mais frequência a pneumonia adquirida na

comunidade são mostrados a seguir.

Organismos que causam o pneumonia adquirida comunidade:

Streptococcus pneumoniae

Hemophilus influenzae

Staphylococcus aureus

Vírus Influenza

Mycoplasma pneumoniae

Chlamydia psittaci / Febre Q

Legionella

Page 71: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

70

GRECAR

O Streptococcus pneumoniae (pneumonia pneumocócica) é a bactéria envolvida com

mais frequência, enquanto que o vírus influenza é a infecção virica mais comum. É

importante notar que as infecções virais causadas pela influenza, pelo parainfluenza e

pelo vírus sincicial respiratório estão associadas geralmente com superinfecção

bacteriana.

Avaliações

As características clínicas são muito variáveis.

Sintomas Respiratórios

Dor pleuritica

Sudorese

Hemoptises

Artralgia

Cefaleias

Tosse

Prodromal: Febre

Expectoração

Mialgias

Dispneia

Anorexia

Na observação da maioria dos doentes, este surgem febris com taquipneia e/ou

taquicardia. A temperatura pode exceder 39.5°C e os calafrios não são raros nos mais

jovens. Pelo contrário, os doentes idosos podem permanecer apiréticos. A infecção por

Herpes simples labial está presente em um terço dos doentes com pneumonia

pneumocócica. Os movimentos do tórax estão diminuídos no lado afectado,

especialmente se se associar a dor pleuritica.

Os sarridos inspiratórios são o achado mais comum e o broncospasmo é raro. Um atrito

pleural pode ser audível mesmo quando a dor pleuritica está ausente.

Algumas raras vezes o exame clínico é inteiramente normal; no entanto o raio X do

tórax é obrigatório.

Page 72: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

71

GRECAR

É importante considerar que os sintomas não-respiratorios podem predominar; por

exemplo, um doente com uma pneumonia inferior do lóbulo pode apresentar-se com dor

e peritonismo abdominal.

Ter também presente que a Legionella pneumophila está associada também com

cefaleias graves, disfunção cerebelar, e ou amnésia. Vómitos e diarreia podem ocorrer

como um manifestação directa da doença ou relacionada com a antibioterapia.

Infelizmente a mortalidade pela pneumonia grave permanece elevada. As características

clínicas associadas com a pneumonia grave estão descritas na caixa, e a sua presença

indicam mau prognostico. A colaboração precoce com intensivista é necessária se dois

ou mais estiverem presentes.

Tratamento

Não todos os doentes necessitam de internamento hospitalar. Todos os doentes devem

ficar acamados; trate a febre e a dor pleuritica com anti-inflamatorios não-esteroides. A

correcção da hipoxemia e dos balanços hídricos é muito importante. A fisioterapia

respiratória raramente é necessário na fase aguda.

Tratamento específico Quando a apresentação da doença é aguda o microrganismo

responsável pela pneumonia não está identificado. Então a escolha do antibiótico é feita

de acordo com o número limitado dos organismos que causam mais frequência a

pneumonia adquirida na comunidade. A maioria de hospitais adopta políticas de

antibioterapia específicas.

• Pneumonia Grave. Pode afectar mesmo indivíduos previamente saudáveis. Porque a

mortalidade é elevada, a antibioterapia endovenosa deve ser iniciada imediatamente.

Considerando os potenciais organismos que podem ser responsáveis, uma combinação

de ceftriaxona 2g com claritromicina 1g diário é a recomendação mais habitual. A

duração do tratamento endovenoso é baseada na resposta clínica do doente.

• Pneumonia ligeira. Nos indivíduos saudáveis o organismo habitual é o Streptococus

pneumoniae ou ocasionalmente o Mycoplasma pneumoniae, a Chlamydia, a Legionella

ou a Coxiella burnetii. A associação de amoxicilina e de eritromicina é barata e eficaz. A

Page 73: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

72

GRECAR

Eritromicina em monoterapia está indicada nos doentes que são alérgicos à penicilina ou

se suspeito um agente atípico, como é por exemplo o Mycoplasma, Chlamydia, e a

Legionella. Se o doente não responder a esta combinação, então a ciprofloxacina deve

ser considerada.

Pneumonia adquirida no hospital

Define-se como a pneumonia que surge 48 horas ou mais após a admissão no hospital,

independentemente do motivo da admissão.

Patofisiologia

A colonização bacteriana da nasofaringe altera-se significativamente nos doentes

internados em hospital, particularmente aqueles que recebem antibióticos de largo

espectro e estão gravemente doentes. Estas bactérias podem ser originárias do próprio

ambiente hospitalar e ou do aparelho gastrointestinal do doente. Tais patogénicos são

aspirados com maior frequência pelos doentes graves, acamados e com alterações do

estado de consciência. Isto pode ser ainda agravado e facilitado pela incapacidade de

mobilizar as secreções brônquicas após uma anestesia geral ou porque o reflexo da

tosse está comprometido após uma cirurgia torácica ou abdominal. O risco de pneumonia

pós-operatória está associado também ao aumento da idade, hábitos tabágicos,

obesidade, a doença crónica subjacente, e a anestesia prolongada. Os Patogénicos

podem também ser adquiridos através de equipamento contaminado tais como

nebulizadores, ventiladores, equipamento de aspiração ou mesmo dos profissionais de

saúde.

O bacilos gram negativos são os mais implicados e em casos mais raros os gram

positivos, especialmente o Staphylococcus aureus, desde que o doente não esteja

imunocomprometido.

Tratamento específico

Porque há um largo leque de potenciais organismos responsáveis pela pneumonia

adquirida no hospital o tratamento inicial da pneumonia incluirá o ceftriaxona ou uma

combinação, por exemplo ciprofloxacina mais um aminoglicosideo (gentamicina). Uma

combinação alternativa é recomendada para infecções anaeróbica, isto é ceftriaxona e

Page 74: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

73

GRECAR

metronidazol. Se for suspeita uma infecção por pseudomonas então um derivado da

penicilina tal como a ticacilina deve ser usado. Recomenda-se a consulta do

microbiologista clínico.

A terapêutica antibiótica deverá posteriormente ser adaptadas de acordo com os

resultados das investigações.

Idealmente, o tratamento deve ser pró-activo para impedir tais infecções, seja através de

cuidados restritos de higiene, pelo controle apropriado da infecção e conselhos pré-

operatórios ao doente.

Aspiração e pneumonia por anaeróbios

Está geralmente associada com alterações da consciência e/ou disfagia. A infecção é

provocada geralmente pela Pseudomona aeruginosa ou pelo Enterobacter em ambiente

hospitalar. O tratamento compreende geralmente o ceftriaxona intravenoso 1 g diário e o

metronidazol 400 mg oral.

Pneumonia Recorrente

Se um paciente sofrer três ou mais episódios de pneumonia, deve ser considerado o

seguinte:

• Bronquectasia localizadas

• Obstrução brônquica, por exemplo corpo estranho, carcinoma ou compressão

externa

• Uma anomalia respiratória generalizada se a pneumonia surgir em locais

diferentes

• DPCO com ou sem bronquectasias

• Aspiração de conteúdo esófago-gástrico em doentes com, por exemplo doença

do neurónio motor, esclerose disseminada, acalasia, epilepsia, alcoolismo, e uso

de droga/fármacos

• Considerar a pneumonia crónica (pneumonia da bronquiolitis obliterans)

Page 75: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

74

GRECAR

Pneumonia associada a Imunosupressão

A Pneumonia de início agudo e de progressão rápida sugere uma origem bacteriana.

Consequentemente o tratamento inicial deve incluir uma combinação de ceftriaxona e de

Gentamicina para assegurar a cobertura adequada do Streptococcus pneumoniae,

Hemophillus –Influenzae, Staphylococcus aureus e outros gram negativos. Se o doente

não responder a esta associação deve ser então procurado parecer de especialista.

Pneumonia de Viagem

Com o aumento das deslocações de populações, uma variedade de infecções

respiratórias inesperadas pode ser observada. Este assunto é demasiado extensivo ser

coberto aqui, mas não se esqueça:

• Faça exame com uma história do percurso da viagem

• Considere infecções bacterianas, virais e fungicas

• Participação precoce de infecciologia e microbiologia.

EMBOLISMO PULMONAR

O embolismo Pulmonar é uma condição importante porque é potencialmente fatal,

prevenível e às vezes tratável. A maioria dos êmbolos pulmonares originam-se nas veias

profundas dos pés e da pélvis. Ocasionalmente, porém o lado direito do coração pode ser

a fonte dos êmbolos, por exemplo na fibrilhação auricular, enfarte ventricular direito ou

num ventrículo direito dilatado. Os principais factores de risco do embolismo pulmonar

são mostrados na caixa.

Patofisiologia

Uma normal função dos pulmões é filtrar pequenos coágulos de sangue. Este processo

ocorre sem nenhum sintoma. Contudo êmbolos que venham a obstruir ramos maiores da

artéria pulmonar provocam uma subida na pressão da artéria pulmonar e a respiração

torna-se rápida. Pensa-se que a subida na pressão arterial pulmonar seja devida, em

Page 76: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

75

GRECAR

parte, à vasoconstrição reflexa mediada pelo simpático e também pelo estímulo da

hipoxia.

Factores de risco para o embolismo pulmonar e a “possibilidade” de encontrar-se com este factor Cirurgia recente

Imobilidade por mais de quatro dias

Idade> 40 anos

Trombose/embolismo venoso

Doença Maligna

Sépsis

Obesidade

Varizes

Gravidez/contraceptivo oral

Síndrome Nefrótico

Cetoacidose Diabética

Resistência à proteína C activada

Deficiência de antitrombina III

Deficiência da proteína C e S

Hemoglobinúria nocturna paroxistica

Doença de Behçet

diária

diário

diário

diário

diária

diário

diário

diárias

diário

semanal

semanal

anualmente

anualmente

somente nos exames

somente nos exames

somente nos exames

A Taquipneia é uma resposta reflexa à activação dos receptores do vago responsável

pelo estiramento e os receptors J intersticiais dentro dos alvéolos e capilares. Além disso,

a libertação de substâncias vasoactivas sugere que a 5-hydroxytryptamine, o tromboxano

libertados das plaquetas activadas podem amplificar a vasoconstrição e a

neurotransmissão.

Nota

O efeito na hemodinâmica estará relacionado com o tamanho dos êmbolos.

Por uma questão descritiva a embolia pulmonar será classificada como embolia maciça,

moderada, e minor.

Page 77: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

76

GRECAR

Embolismo pulmonar maciça

Isto ocorre geralmente após uma obstrução aguda de pelo menos 50% da circulação

pulmonar. Um êmbolo no tronco pulmonar principal ou na bifurcação da artéria pulmonar

pode produzir o colapso circulatório, isto é paragem em dissociação electromecânica e

morte. No entanto, um retrato clínico idêntico pode surgir com menores graus de

obstrução desde que haja uma disfunção cardio-respiratória previa. O aumento agudo na

resistência vascular pulmonar e então do ventrículo direito leva a uma subida repentina

na pressão telediastólica e posteriormente uma dilatação do ventrículo direito. Isto pode

ser traduzido na clínica como uma regurgitação tricúspide e uma elevação da pressão

venosa jugular. O ventrículo direito dilatado e a subida na pressão arterial pulmonar

causam uma marcada queda na pressão arterial sistémica pelos seguintes mecanismos.

• Uma queda no volume de carga ventricular esquerda. A dilatação do ventrículo direito e

o aumento da pressão na artéria pulmonar indicam que o trabalho ventricular direito está

comprometido. Isto resulta no atraso do esvaziamento do ventrículo direito, e daqui a

uma queda no volume de carga ventricular esquerdo.

• Alterações da mobilidade do septum interventricular. O ventrículo direito dilatado e

associada subida da pressão levam ao deslocamento do septo interventricular para

dentro da cavidade ventricular esquerda (o efeito de Bernheim) que reduz o volume

ventricular esquerdo.

Estes processos culminam numa queda no volume de carga sistémica que em alguma

extensão é mediado pelo simpático quando ocorre um aumento na resistência vascular

sistémica (periférica). Assim, o doente com uma embolia pulmonar maciço pode

apresentar-se com as características de “choque”.

Embolia Pulmonar Moderada

Enquanto que a patofisiologia é idêntica ao descrito acima para a embolia maciça, o

efeito na resistência arterial pulmonar e na função ventricular direita é mínima. A

dificuldade respiratória subjacente e os mecanismos subjacente já foram descritos. O

Page 78: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

77

GRECAR

enfarte do parênquima pulmonar e da pleura induz a inflamação, culminando ambos os

processos na hemoptise e na dor pleuritica.

Embolia Pulmonar Minor

Esta passa frequentemente despercebida mas os ataques repetidos podem resultar na

dispneia progressiva, na hiperventilação, e na síncope possivelmente induzida pelo

esforço. Se este problema permanecer por diagnosticar a hipertensão pulmonar conduz à

hipertrofia cardíaca e subsequente insuficiência do ventrículo direito.

Diagnóstico diferencial

O colapso circulatório agudo é uma característica cardinal do embolismo pulmonar

maciço. Entretanto, circunstâncias específicas que merecem ser descritas no contexto da

dispneia aguda, hipotensão, dor torácica, e inconsciência será a insuficiência ventricular

aguda, enfarte do miocárdio, e tamponamento cardíaco. Todas as características

principais estão relacionadas com a redução do débito cardíaco, hipovolémia relativa e

hipoxemia. O diagnóstico diferencial, no doente agudo, pode ser difícil mas há diversas

características chaves que podem ajudar.

Em todos os doentes em choque, oxigénio de alto fluxo (FiO2 = 0.85) é obrigatório.

Investigações

As alterações do ECG ocorrerão em aproximadamente 75% de todos os doentes após

uma embolia pulmonar maciça. Entretanto, estas são mudanças inespecíficas e a

inversão da onda T nas derivações pré-cordiais são frequentes. Além disso, distúrbios do

ritmo, como habitualmente, uma taquicardia sinusal ou uma fibrilhação auricular podem

ocorrer junto com manifestações de aumento agudo da pressão do coração direito,

variando desde o clássico padrão de SI, QIII, TIII, até ao bloqueio de ramo direito e aos

Page 79: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

78

GRECAR

critérios de hipertrofia ventricular direita. Os complexos de baixa amplitude são

sugestivos de tamponamento cardíaco.

Ponto-chave

Um ECG normal não exclui uma embolia pulmonar aguda ou um enfarte miocárdio

• O raio X torácico é geralmente pouco útil no diagnóstico da embolia pulmonar aguda.

Ocasionalmente a artéria pulmonar afectada pode ser proeminente ou pode haver uma

perda do volume de pulmão ou raramente um defeito em forma de “cunha”. No entanto a

radiografia poderá ser útil no diagnóstico quer do edema pulmonar e do tamponamento

cardíaco.

• Gás do sangue arterial. A hipoxemia e a hipercápnia são comuns após embolia

pulmonar maciça ou moderada. Pelo contrário, uma alcalose respiratória/alcalose

secundária à hiperventilação é compatível com pequenos êmbolos recorrentes.

• D-dimeros plasmáticos. São produtos provenientes da degradação da fibrina quase

sempre detectados no tromboembolismo. Consequentemente, sua ausência exclui uma

embolia pulmonar recente.

• Anomalias da ventilação/perfusão. Trata-se do exame mais específico e útil para excluir

a embolia pulmonar. Entretanto, não é raro o relatório mencionar “compatível com, mas

não diagnóstico de TEP”. Sob estas circunstâncias, o médico deve tratar o doente de

acordo com os achados clínicos.

• Ecocardiografia. Mostrará anomalias ventriculares direitas em 40% dos pacientes.

• Angiografia Pulmonar. Será o gold-standard.

• Angio TAC e RMN não estão ainda rotineiramente disponíveis.

Tratamento específico para o embolismo pulmonar agudo

Independentemente dos resultados das investigações, se a suspeita clínica de uma

embolia pulmonar persistir elevada então o doente deve ser tratado apropriadamente. Se

perante uma dissociação electromecânica a ressuscitação da embolia pulmonar maciça

deve seguir as guidelines do ALS.

Page 80: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

79

GRECAR

No doente hipoxémico e hipotenso, a abordagem imediata deve ter em atenção a

reversão rápida destes dois problemas, mantendo um débito cardíaco adequado. A

decisão principal é mais médica que cirúrgica. Tal dependerá se:

• Se o doente tem algum contra-indicação à Trombólise

• Disponibilidade cirúrgica local.

Contra-indicações à Trombólise

Ressuscitação cardiopulmonar prolongada

Cirurgia major recente

Hemorragia gastrointestinal

TCE ou neurocirurgia recente

AVC prévio

Terapêutica previa com estreptoquinase (há mais de uma semana ou

menos de um ano)

A maioria dos doentes com um diagnóstico definitivo ou suspeita de embolia pulmonar

são tratados com heparina intravenosa ou heparina de baixo peso molecular

subcutaneamente. Se for utilizada a fraccionada, verifique o tempo parcial de

tromboplastina activada (APTT) seis horas após ter começado ou ter mudado a dose.

Ponto-chave

Seja cauteloso em etiquetar indivíduos como “hiperventiladores histéricos” a

menos que exclua patologia subjacente, nomeadamente TEP

SUMÁRIO

A Dispneia é uma emergência médica comum.

Page 81: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

80

GRECAR

A abordagem estruturada garante que as situações potencias de risco de vida

sejam identificadas e tratadas.

As causas de dispneia mais graves são:

Obstrução da via aérea

Asma agudo grave

Crise aguda de DPOC

Edema pulmonar agudo

Pneumotórax da tensão

Insuficiência ventricular esquerda aguda por:

hipovolémia

embolia pulmonar

tamponamento cardíaco.

Page 82: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

81

GRECAR

CAPÍTULO 6

Acidente Vascular Cerebral

Objectivos:

• Saber identificar o doente com AVC

• Conhecer a realidade e as normas para a criação de Unidades de AVC

• Qual a vantagem de uma Unidade de AVC e a cadeia de sobrevivência do AVC

• Tratamento segundo prioridades

Introdução

Os Acidentes Vasculares Cerebrais são uma causa comum de morbilidade e mortalidade

na Europa, sendo a primeira causa de morte em Portugal e a principal causa de

incapacidade nas pessoas idosas. Embora não se verifique alteração significativa na

incidência dos AVC, a sua prevalência, na população, é crescente devido ao aumento da

sobrevivência e do crescimento da população idosa.

Como esta patologia aparece, sobretudo, nas idades mais avançadas e as tendências

demográficas caminham no sentido do envelhecimento da população, é possível que a

quantidade e a qualidade de cuidados de saúde sejam mais necessários. Como tal,

absorve uma considerável proporção dos orçamentos dos sistemas de saúde nacionais,

consequentemente dos cuidados de saúde, o que justifica uma preocupação crescente

dos responsáveis.

A Mortalidade

A mortalidade geral em Portugal, em 1999, foi de 108 268 óbitos (sexos reunidos).

Desses óbitos, 21 617 foram por AVC. Em Portugal, as taxas de mortalidade

(padronizadas pela idade) por AVC têm vindo a decrescer. Na década de 80, registou-se

Page 83: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

82

GRECAR

uma redução de 24,0%, e na de 90, uma redução de 25,1% sem variações significativas

entre sexos, mas com grandes assimetrias regionais. Uma parte importante da

mortalidade ocorre logo no hospital durante o internamento. Alguns apontam para uma

mortalidade hospitalar que pode variar entre os 17 e os 30% nos internados por AVC.

Numa revisão dos internamentos em medicina interna do hospital de Faro foi encontrada

uma mortalidade hospitalar por AVC de 26,3%.

Estudo semelhante realizado no Hospital do Funchal com 1373 doentes internados entre

1986 -1993 mostra que a mortalidade hospitalar foi de 17,9%.

Num estudo realizado em 349 doentes admitidos no Hospital de Vila Real por AVC a

mortalidade foi de 11,4% e noutro semelhante realizado no hospital de Leiria em 431

doentes a mortalidade hospitalar foi de 19,01%.

Keating no seu estudo levado a efeito no Hospital de Amarante conclui que a doença

afecta, igualmente, ambos os sexos, embora as mulheres mais tardiamente que os

homens. Conclui, ainda, que a mortalidade por AVC é mais elevada nas mulheres (19%)

que nos homens (15%).

Num estudo levado a efeito pela Direcção-Geral da Saúde em colaboração com os

Hospitais públicos do Continente, com todos os doentes internados com o diagnóstico de

AVC – 1 912, durante o mês de Março de 1996 (foi obtida informação sobre 1568

doentes), verificou-se que, durante o internamento, faleceram 158 doentes (10,1%), até

aos 30 dias pós AVC, faleceram 202 (12,9%), e até aos 90 dias pós AVC, faleceram 347

(22,1%).

Incidência e prevalência

Alguns autores defendem que a incidência do AVC é, habitualmente, de 1 a 2 por 1000

habitantes por ano, considerando que o maior factor de risco é o aumento da idade.

Consideram, ainda, que 85% dos doentes tem mais de 65 anos, que acima dos 85 anos

a incidência é de 20 % por ano e que é raro aparecer um AVC antes dos 55 anos.

Não é conhecida, em rigor, qual a incidência dos AVC na população portuguesa, já que a

utilização dos Cuidados de Saúde por estes pacientes é muito diversa.

Page 84: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

83

GRECAR

De acordo com os dados do Projecto "Médicos Sentinela", as taxas anuais de incidência

de AVC (tendo por base, apenas, o número de casos notificados) foram mais elevadas

no sexo masculino (219,9 por 1000 hab.) que no feminino (177,1 por 1000 hab.), em

todos os grupos etários. No grupo etário dos de 75 e mais anos os valores foram

semelhantes. Neste grupo, a proporção dos idosos de 80 anos e mais é superior no sexo

feminino. Verifica-se, ainda, que as taxas de incidência aumentam com a idade em

ambos os sexos e que são raros os casos em idades inferiores a 45 anos. Em estudo

realizado por Gonçalves e Cardoso em amostra aleatória da população de Coimbra foi

encontrada uma prevalência de 8%.

Incapacidade

As sequelas são frequentes e o seu impacto familiar, social e económico é muito grande.

No estudo levado a efeito pela Direcção-Geral da Saúde em 1996, verificou-se que

13,8% dos doentes já tinham uma incapacidade muito grave antes do AVC, 59,3%

estavam independentes e 15,0% tinham uma incapacidade ligeira. Três meses após o

AVC constatou-se que 24,0% tinham ficado gravemente incapacitados, 30,8% ficaram

independentes e 18,2% ficaram com incapacidade ligeira.

Para Ramires (20) "80% dos doentes que sofreram um AVC atingem o melhor nível

funcional às seis semanas, 90% atingem-no às 12,5 semanas (3 meses). Não é de

esperar grande melhoria funcional ou neurológica após os 3 meses, pois só 5% dos

doentes farão algum progresso a partir desta altura. Quando completam o programa de

reabilitação, 20% vão ficar com incapacidade grave, 8% com incapacidade moderada,

26% com ligeira incapacidade e 46% ficam independentes. Uma percentagem próxima

dos 50% retomará uma profissão ou manterá as actividades habituais".

Estes resultados, aparentemente mais favoráveis que os do estudo da DGS poderão

resultar da base populacional do estudo ser mais selectiva nos doentes que são seguidos

no hospital.

Os resultados do inquérito nacional de saúde realizado em 1995 a 49 718 indivíduos, dos

quais 9 551 com mais de 65 anos, mostraram que dos 240 com mais de dez anos

sempre acamados, 85 estavam-no por trombose cerebral; dos 116 sempre sentados

numa cadeira, 27 estavam nessa situação pela trombose, e dos 688 limitados à sua casa

para se movimentar, 105 deviam-no a trombose cerebral.

Page 85: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

84

GRECAR

Repercussões nos serviços

De acordo com os registos efectuados nos hospitais públicos através do sistema de

classificação dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH), sabemos que o número

de internamentos por AVC tem vindo a aumentar (no ano de 1998 o número de episódios

de internamentos foi de 23 725 e em 1999 foi de 24 873), ao mesmo tempo que a

demora média por este motivo se vem a reduzir; o último valor conhecido refere-se a

1998 e é de 11 dias.

Em alguns hospitais centrais os AVC representam mais de 4% de todos os

internamentos.

A previsível dimensão do problema

Se extrapolarmos para o nível nacional a informação parcelar que temos hoje disponível,

poderemos encontrar, previsivelmente, o seguinte cenário: em média, há entre 20 000 e

25 000 internamentos por AVC por ano, com uma demora média distribuindo-se num

intervalo de variação entre 11 e 15 dias.

Em média morrerão durante o internamento 2 250 doentes e até aos três meses após o

AVC cerca de 4 950 doentes.

Se a situação em termos de capacidade funcional for semelhante à encontrada nos

estudos já realizados, previsivelmente teremos aos três meses após o AVC, em cada

ano: 5 400 indivíduos com uma incapacidade muito grave (0-4 na escala de Barthel); 2

745 com incapacidade grave; 3 330 com incapacidade moderada; 4095 com

incapacidade ligeira e 6930 independentes.

Respostas dos Serviços

Quando o AVC é ligeiro, não dando origem a nenhuma incapacidade, o doente tem

vindo, muitas vezes a ser tratado pelo seu médico assistente. Há, no entanto, casos mais

graves com sequelas incapacitantes. Em qualquer caso deve recorrer ao hospital o mais

Page 86: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

85

GRECAR

rapidamente possível (dentro das 3 horas subsequentes aos primeiros sintomas ou

sinais).

O doente que teve um AVC provavelmente vai participar num programa de reabilitação

durante um a dois meses. O programa consiste em terapia física, terapia ocupacional e,

se necessário, terapia da fala.

O progresso da reabilitação varia de pessoa para pessoa. Para algumas a recuperação

fica completa em algumas semanas a seguir ao AVC. Algumas queixas e dificuldades

desaparecem ou melhoram muito com o tempo e a reabilitação, especialmente nos 3

primeiros meses a seguir ao AVC.

Quem teve um AVC tem maior risco de vir a ter outro pelo que deve fazer, para sempre,

tratamento preventivo.

Os doentes, mesmo os que não foram muito afectados ou ficaram sem incapacidade

devem fazer a prevenção de um novo AVC, tendo em atenção os factores de risco e

tomando os medicamentos prescritos pelo médico.

Tratamento convencional

Os doentes com AVC internados são hoje encaminhados para os Serviços de Medicina

ou Neurologia, sendo o enfoque dos cuidados sobretudo orientado para a fase aguda. Os

cuidados orientados para a reabilitação não têm sido tão valorizados quanto seria

desejável.

Unidades de AVC

A realidade tem demonstrado que os doentes com AVC, dispersos por várias

enfermarias, não usufruem das sinergias que podem resultar de uma intervenção

multiprofissional.

Perante a proporção de pessoas incapacitadas após o AVC há necessidade de

equacionar as novas abordagens ao problema que passam por melhores cuidados

durante o internamento, melhor acompanhamento em ambulatório e por imprescindível

Page 87: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

86

GRECAR

articulação com outras instituições públicas ou privadas que dão contributo importante

para assegurar/manter uma vida de qualidade.

Vários estudos têm demonstrado que novas formas organizativas dos serviços

contribuem para mais ganhos de saúde tais como menor mortalidade e incapacidade.

As Unidades de AVC têm sido apontadas como uma das formas que mais têm

contribuído para esses ganhos.

As Unidades de AVC

Finalidade

A finalidade das UAVC é reduzir o internamento em Hospitais de agudos, a incapacidade

funcional e as complicações pós AVC e o número de doentes que necessitam de

cuidados de enfermagem em casa ou nas Unidades de doentes crónicos, assim como

facilitar o retorno de uma grande proporção de doentes ao seu ambiente familiar e, tanto

quanto possível, ao seu local de trabalho.

Objectivos

São objectivos das UAVC:

Iniciar precocemente o tratamento e a neuro reabilitação;

Prevenir o agravamento do AVC;

Identificar factores de risco;

Implementar medidas preventivas do AVC recorrente;

Prevenir complicações;

Tratar situações co-mórbidas;

Desenvolver um plano de alta e de follow-up adequados.

Page 88: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

87

GRECAR

Definição

A expressão "unidade de AVC" designa um sistema de organização de cuidados

prestados aos doentes com AVC numa área geograficamente bem definida. A expressão

"equipa de AVC" é usada quando há uma equipa móvel no hospital referenciada aos

AVC em diferentes unidades do hospital. Devem considerar-se, prioritariamente, como

Hospitais-alvo para estas Unidades os hospitais que tenham, pelo menos, por ano, entre

300 e 400 AVC.

Todo o doente que entra no hospital com diagnóstico de AVC, sempre que,

logisticamente possível, deve ser encaminhado para esta Unidade. Os hospitais com

grande volume de AVC devem ter critérios explícitos de admissão na Unidade.

Simultaneamente devem ser assegurados serviços de Medicina Física e de Reabilitação

nestes hospitais ou realizados protocolos com entidades privadas para apoio após a alta

(para não se perder todo o investimento feito a nível hospitalar).

Princípios gerais

Os grupos multidisciplinares que tratam estes doentes nas UAVC desenvolvem,

coordenadamente, políticas e procedimentos para formular e executar um plano de

cuidados e reabilitação integrada baseado nas necessidades e problemas individuais dos

doentes, no conceito do AVC enquanto emergência médica e na forte colaboração entre

as diversas especialidades e profissionais. Estas unidades devem ter um programa de

educação, de formação contínua, de investigação e de Desenvolvimento Contínuo da

Qualidade (DCQ).

Estrutura recomendada

Esta Unidade deve ficar situada no CRI de Medicina/Doenças Neurológicas/Doenças

Vasculares ou no Departamento/Serviço de Medicina, ou de Doenças Neurológicas ou

ainda como unidade autónoma.

Os doentes são concentrados num determinado espaço geográfico, dentro do hospital,

com pessoal (médico, de enfermagem e outro) especialmente preparado para tratar estes

Page 89: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

88

GRECAR

doentes; Uma Unidade que trata 300 a 400 doentes por ano deve ter 4 a 6 camas de

cuidados "iniciais" (intermédios/diferenciados) onde os doentes são tratados na fase

aguda e cerca de 8 a 12 camas para onde os doentes transitam depois da fase aguda.

Nota: Devem ser tidas em conta as especificidades de cada Hospital ou Região

Recursos Humanos

Deve ter técnicos, tais como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala,

técnico de cardiopneumografia e secretária de unidade; Estima-se que para tratar 300 a

400 doentes/ano sejam necessários dois internistas, dois neurologistas, um fisiatra a

tempo parcial, fisioterapeutas e enfermeiros, de preferência com a especialização de

enfermagem de reabilitação.

É recomendável a consultoria de cardiologia que, habitualmente, já existe no hospital.

Estas Unidades devem ter um coordenador que deve ser, em princípio, um internista ou

um neurologista com a categoria de Chefe de Serviço ou Assistente Graduado.

Em alternativa, em hospitais mais pequenos que não disponham de Neurologia e/ou

Fisiatria, deve haver um consultor de neurologia, um de fisiatria e um de cardiologia.

Equipamento

Para além do material de qualquer unidade de internamento, a UAVC deve ter um

ecógrafo que permita realizar Eco-Doppler cardíaco e transcraneano, assim como dos

vasos do pescoço. O hospital que implementar esta Unidade deve ter acesso a TAC e a

laboratório 24 horas por dia e ter, ainda, os meios necessários à prevenção do

tromboembolismo e úlceras de pressão.

Page 90: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

89

GRECAR

Operacionalização das unidades

Devem considerar-se, prioritariamente, como Hospitais-alvo para estas unidades os

hospitais que tenham, pelo menos, por ano, entre 300 e 400 AVC; Todo o doente que

entra no hospital, com diagnóstico de AVC, sempre que, logisticamente possível, deve

ser encaminhado para esta Unidade; Os hospitais com grande volume de AVC, podendo

ter mais que uma unidade, devem ter critérios explícitos de admissão na Unidade,

enquanto não for possível encaminhar todos os doentes; Simultaneamente devem ser

assegurados serviços de MFR nestes hospitais ou realizados protocolos com entidades

privadas para apoio após a alta (para não se perder todo o investimento feito a nível

hospitalar).

Formação

Deve ser assegurada formação multidisciplinar aos grupos profissionais que venham a

trabalhar nestas Unidades.

Avaliação

Para se poder avaliar o sucesso desta iniciativa há necessidade de adoptar alguns

mecanismos de Desenvolvimento Contínuo da Qualidade. Assim, estas novas Unidades

devem adoptar o modelo de centros de custo e comprometer-se a realizar uma avaliação

com alguns indicadores de Qualidade, a apresentar, anualmente, à ARS, com cópia para

a Direcção-Geral de Saúde.

Qualidade dos Cuidados Boas Práticas nos AVC

Cuidados gerais nos AVC isquémicos

À entrada no hospital: falar com o doente com voz calma; avaliação do estado de

consciência (entubação nasogastrica, se alterações de consciência; cateterismo vesical,

pesado o risco de infecção urinária/úlceras de pressão); evitar algaliação. Os doentes

com AVC só devem ser algaliados se houver uma clara indicação médica; fazer TAC -

Page 91: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

90

GRECAR

CE; em caso de necessidade, colocar soros (não devem ser colocados

no membro plégico).

Na enfermaria (prevenir complicações):

• Ambiente de internamento – o internamento deve ser feito, preferencialmente, em locais

sossegados, se possível em UAVC.

1.° Dia:

Postura correcta no leito (não deitar sobre o ombro plégico); reavaliar o estado de

consciência e decidir sobre a necessidade da continuação da entubação nasogastrica;

nos acamados fazer logo no primeiro dia medidas terapêuticas de prevenção de

trombose venosa dos membros inferiores; Dar especial atenção ao rastreio da disfagia

pela pesquisa do reflexo da deglutição (com o doente sentado) e tomar as medidas

necessárias para evitar complicações respiratórias.

2.° Dia e seguintes:

Avaliação pelo médico fisiatra entre as 48 e as 72 horas e pôr em execução o programa

de reabilitação definido; obter avaliação funcional com o índice de Barthel e também uma

avaliação cognitiva na primeira semana de internamento (Mini-Mental State);

Iniciar mobilização suave com técnicas anti-espásticas, tendo em conta o ombro do lado

plégico – prevenção da sub-luxação do ombro e do ombro doloroso. Iniciar treino

funcional;

Iniciar levante para a cadeira de braços o mais cedo possível (habitualmente até às 72

horas) logo que clinicamente estável (estatisticamente os hemorrágicos estabilizam mais

tarde que os isquémicos);

Iniciar o treino do equilíbrio sentado; reavaliação da necessidade de algaliação e treino

vesical, se algaliado;

Iniciar mobilização activa e deambulação, pelo menos, três vezes por dia; sessão formal

de ensino à família (se houver) antes da alta (individual ou de grupo);

Page 92: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

91

GRECAR

h) Estimulação cognitiva e sensorial, através das técnicas de terapia ocupacional e

terapia da fala três vezes por dia – conversa sobre aspectos correntes, jogos de palavras,

etc. (ter em conta a velocidade de resposta do doente).

Na alta:

Avaliação da capacidade funcional com a escala de Barthel e das alterações cognitivas

(MMS) pela equipa assistente (medicina, neurologia);

Consulta de fisiatria com prescrição terapêutica até nova consulta no ambulatório (os

encargos com os primeiros vinte tratamentos devem ser da responsabilidade do

hospital); informação escrita ao Centro de Saúde pela equipa assistente (Fax, ofício, etc.)

ou informação pelo telefone; preenchimento do "Guia do doente com AVC".

No ambulatório:

Até aos 3 meses após o AVC, cabe ao médico fisiatra decidir da necessidade de

reabilitação; deve haver nova avaliação do fisiatra aos 3 meses - Barthel e IADL. Os

doentes que não colaboram, que têm uma função cognitiva pobre e Barthel _<5,

excluídas as causas tratáveis, já não beneficiam tratamentos de reabilitação. Os

restantes doentes, se não recuperaram, podem continuar, ainda, a beneficiar de

tratamentos de reabilitação até aos 6 meses; c) a partir dos seis meses, a continuação da

terapêutica de reabilitação só será assegurada pelos serviços públicos após a apreciação

dos Fisiatras Consultores das ARS.

Cuidados gerais nos AVC hemorrágicos

À entrada no hospital:

Falar com o doente com voz calma; avaliação do estado de consciência (entubação

nasogastrica, se alterações de consciência; cateterismo vesical, pesado o risco de

infecção urinária/úlceras de pressão); evitar algaliação. Os doentes com AVC só devem

Page 93: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

92

GRECAR

ser algaliados se houver uma clara indicação médica; fazer TAC – CE; em caso de

necessidade, colocar soros (não devem ser colocados no membro plégico).

Na enfermaria (prevenir complicações):

Ambiente de internamento – o internamento deve ser feito, preferencialmente, em locais

sossegados, se possível em UAVC.

1.° Dia:

Postura correcta no leito (não deitar sobre o ombro plégico); reavaliar o estado de

consciência e decidir sobre a necessidade da continuação da entubação nasogastrica;

nos acamados fazer logo no primeiro dia medidas terapêuticas de prevenção de

trombose venosa dos membros inferiores; dar especial atenção ao rastreio da disfagia

pela pesquisa do reflexo da deglutição (com o doente sentado) e tomar as medidas

necessárias para evitar complicações respiratórias.

2.° Dia e seguintes:

Avaliação pelo médico fisiatra entre as 48 e as 72 horas e pôr em execução o programa

de reabilitação definido; obter avaliação funcional com o índice de Barthel e também uma

avaliação cognitiva na primeira semana de internamento (Mini--Mental State); iniciar

mobilização suave com técnicas anti-espásticas, tendo em conta o ombro do lado plégico

- prevenção da sub-luxação do ombro e do ombro doloroso. Iniciar treino funcional; iniciar

levante para a cadeira de braços o mais cedo possível (habitualmente até às 72 horas)

logo que clinicamente estável (estatisticamente os hemorrágicos estabilizam mais tarde

que os isquémicos);

Iniciar o treino do equilíbrio sentado; reavaliação da necessidade de algaliação e treino

vesical, se algaliado; iniciar mobilização activa e deambulação, pelo menos, três vezes

por dia; sessão formal de ensino à família (se houver) antes da alta (individual ou de

grupo); h) estimulação cognitiva e sensorial, através das técnicas de terapia ocupacional

e terapia da fala três vezes por dia – conversa sobre aspectos correntes, jogos de

palavras, etc. ter em conta a velocidade de resposta do doente).

Page 94: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

93

GRECAR

Na alta:

Avaliação da capacidade funcional com a escala de Barthel e das alterações cognitivas

(MMS) pela equipa assistente (medicina, neurologia); consulta de fisiatria com prescrição

terapêutica até nova consulta no ambulatório (os encargos com os primeiros vinte

tratamentos devem ser da responsabilidade do hospital); informação escrita ao Centro de

Saúde pela equipa assistente (Fax, ofício, etc.) ou informação pelo telefone;

preenchimento do "Guia do doente com AVC".

No ambulatório

Até aos 3 meses após o AVC cabe ao médico fisiatra decidir da necessidade de

reabilitação; deve haver nova avaliação do fisiatra aos 3 meses – Barthel e I Nota: A

Direcção-Geral da Saúde compromete-se a, no início de cada ano, divulgar os resultados

nacionais relativos ao ano anterior ADL. Os doentes que não colaboram, que têm uma

função cognitiva pobre e Barthel _<5, excluídas as causas tratáveis, já não beneficiam de

tratamentos de reabilitação. Os restantes doentes, se não recuperaram podem continuar,

ainda, a beneficiar de tratamentos de reabilitação até aos 6 meses; c) a partir dos seis

meses, a continuação da terapêutica de reabilitação só será assegurada pelos serviços

públicos após a apreciação dos Fisiatras Consultores das ARS.

Page 95: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

94

GRECAR

CAPÍTULO 7

CHOQUE

ESTRUTURA DA CÉLULA E METABOLISMO

O corpo possui triliões de células, que com as suas membranas semipermeáveis regulam

o meio intra e extra celular. O protoplasma das células é composto maioritariamente por

água. O líquido extra-celular contém mais sódio, cloretos e bicarbonato que o meio intra-

celular que por um processo de transporte activo e passivo, entram na célula para

participarem no metabolismo e produção de energia.

SISTEMA CARDIOVASCULAR

Uma circulação eficaz depende de ser unidireccional, de o rendimento dos ventrículos ser

idêntico, e de o sangue circular num gradiente de pressão do sistema arterial (alta-

pressão) para venoso (baixa-pressão).

O termo Microcirculação refere-se aos capilares, veias, arteríolas, metarteríolas e

anastomoses arteriovenosas; na microcirculação ocorrem trocas de gases e nutrientes, e

controla-se a resistência periférica total (TPR), que reflecte a taxa de fluxo de sangue nos

vasos (influenciada pelo hematócrito e viscosidade do sangue) e as diferenças de

pressão dentro dos vasos.

Os capilares possuem esfíncteres que sob estimulação simpática, influenciam a

vasoconstrição e a vasodilatação. Possuímos cerca de 5 litros de sangue, dos quais 3

são de plasma e 2 são de G.R., a maioria do volume sanguíneo encontra-se no sistema

venoso.

A tensão sistólica reflecte o débito cardíaco (força e velocidade), enquanto que a

diastólica reflecte a TPR. A Pressão Arterial Média (MAP) reflecte o grau de hipoperfusão

tecidular. Para calcular a MAP usa-se a fórmula: 1/3 (TAS - TAD) + TAD.

CONTROLE NERVOSO DO SISTEMA CIRCULATÓRIO

Page 96: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

95

GRECAR

O Sistema Nervoso Autónomo (SNA) é responsável pelo controle nervoso do músculo

liso, cardíaco e glândulas, bem como das funções viscerais. É dividido em Simpático

(SNS) e Parassimpático (SNP), que diferem na localização das células nervosas, efeitos

e mediadores químicos.

O SNS é importante na síndrome de choque, pois muitos dos sinais que o doente

apresenta resultam da sua estimulação. As suas fibras têm origem em segmentos da

espinal-medula de Dl até L2. É predominantemente um sistema motor, que pelas fibras

pos-gangliónicas chegam ao coração (aumentam a força de contracção e ritmo),

pulmões, brônquios (dilatação), estômago, intestino, rins (aumenta a secreção de renina),

vasos (vasoconstrição), pupilas (midríase) e glândulas (aumenta a secreção). Estas

fibras são adrenérgicas (o mediador químico libertado é a norepinefrina, uma

catecolamida, neurotransmissora e poderoso vasoconstritor).

Especiais receptores sensitivos da pressão sanguínea são enervados por fibras do SNA.

No Sinus Carotídeo e nas paredes do arco aórtico é onde existem mais destes

receptores, chamados de Baroreceptores. Uma TA sistólica inferior a 6OmmHg deixa de

estimular os baroreceptores, causando a inibição de impulsos ao centro vasomotor do

cérebro, originando aumento da actividade vasomotora, com vasoconstrição e subida da

pressão sanguínea.

OBJECTIVOS

• Definir os quatro tipos de choque.

• Descrever as mudanças anatomo-fisiologicas que estão na base dos sinais e

sintomas do choque.

• Descrever a avaliação de enfermagem no doente em choque.

• Com base na informação disponível, identificar diagnósticos e resultados

esperados nos doentes com choque.

• Planear intervenções adequadas para o doente em choque.

• Avaliar a eficácia das intervenções.

Page 97: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

96

GRECAR

INTRODUÇÃO

CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA

É um síndrome resultante da inadequada perfusão tecidular, levando a uma diminuição

no aporte de 02 e nutrientes necessários ao metabolismo celular; esta insuficiência de

aporte de 02 e nutrientes às necessidades normais do metabolismo celular, leva a que o

organismo responda activando mecanismos compensatórios intrínsecos para melhorar a

perfusão, principalmente em zonas de grande exigência (cérebro, coração e pulmões).

Quando os mecanismos compensatórios falham em restabelecer a perfusão adequada,

uma cascata de anormalidades celulares podem levar a uma total disfunção orgânica e,

eventualmente, à morte.

CHOQUE HIPOVOLEMICO

O choque mais comum que afecta doentes de trauma é causado pela hipovolémia.

Hipovolémia consiste na diminuição do volume de sangue em circulação, pode resultar

de perdas significativas de sangue por causa de hemorragias. Também pode ser

causado por grandes perdas de plasma e proteínas por quebra de integridade da

membrana semipermeável das células, como nas queimaduras, onde estes componentes

passam do espaço intravascular para o intersticial. Choque devido a hemorragia é

classificado em quatro classes baseado na percentagem de volume de sangue perdido. A

tabela que se segue lista as respostas fisiológicas dos quatro graus de volume de sangue

perdido.

TABELA - Respostas fisiológicas à hemorragia (baseado num homem de 70Kg)

• Classe I — perdas até 15% (750 ml), com P<100, TA normal, ligeiramente ansioso, FR

entre 14-20 ciclos/min e um débito urinário> 30 ml/h.

Page 98: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

97

GRECAR

• Classe II perdas entre 15-30% (750-1500ml), com P>100, TA normal, moderadamente

ansioso, FR entre 20-30 ciclos/min e débito urinário entre 20-30 ml/h.

• Classe III — perdas entre 30-40% (1500-2000 ml), com P>120. TA diminuída, ansioso e

confuso, Taquipneico (30-40 ciclos/min.) e baixo débito urinário (5-15 ml/h).

• Classe IV — perdas superiores a 40 % (+ de 2000ml), P>140, TA diminuída, confuso e

letárgico, FR>35 ciclos/min. e débito urinário mínimo.

CHOQUE CARDIOGÉNICO

Choque cardiogénico é uma síndrome resultante da perfusão ineficaz por contractilidade

inadequada do músculo cardíaco. Causado por EAM, lesão cardíaca fechada,

insuficiência mitral, disritmias e falência cardíaca. Raramente surge por Trauma e o EAM

a causa mais comum.

CHOQUE OBSTRUTIVO

Choque obstrutivo resulta de um volume inadequado de sangue em circulação, por

obstrução/compressão nas grandes veias, aorta, artérias pulmonares ou o próprio

coração. O Tamponamento Cardíaco pode comprimir de tal forma o coração durante a

diástole, que as aurículas ficam incapazes de se contraírem e de se preencherem

adequadamente, levando a uma diminuição do débito ventricular. O Pneumotórax de

tensão pode levar a um debito de volume inadequado por desvio da Veia Cava Inferior e

obstrução do retomo venoso à aurícula direita. Urna embolia gasosa pode levar à

obstrução da artéria pulmonar e subsequente obstrução do fluxo ventricular direito

durante a sístole. O Hemotórax de tensão é outra situação, em tudo semelhante à do

pneumotórax de tensão. Ou seja, as causas que levam a este tipo de choque incluem:

• Compressão cardíaca com obstrução do preenchimento auricular (Tamponamento

cardíaco).

• Deslocamento mediastínico com obstrução do preenchimento auricular (Pneumotórax

de tensão).

Page 99: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

98

GRECAR

• Urna combinação destas duas causas (Hemotórax de tensão).

CHOQUE DISTRIBUTIVO

Choque distributivo é uma síndrome resultante de uma má distribuição do volume ou do

fluxo sanguíneo. Causado por má distribuição do volume, temos o choque neurológico e

o anafílático.

Choque Neurogénico ocorre por má distribuição do volume, por lesão da espinal-medula

cervical ou dorsal alta. As funções Simpáticas Autónomas perdem-se, resultando em:

Perda do Tónus vasomotor regulado pelo SNS, que resulta em vasodilatação

periférica e má distribuição do sangue nos vasos periféricos (principalmente

veias), levando à hipotensão.

Perda do controle cutâneo das glândulas sudoríparas levando à incapacidade

de transpirar, perda de controlo da regulação térmica, e pele quente e seca.

Aumento do controle Parassimpático na frequência cardíaca, causando

bradicardia.

O choque medular é um termo usado para descrever a ausência de reflexos e tónus, que

regressam após a resolução do choque Outro tipo de choque distributivo é o Séptico,

onde há má distribuição do sangue devido alterações na microcirculação e dilatação

venosa.

LESÕES ASSOCIADAS COMUNS

Feridas no tórax, abdómen e/ou certos ossos podem levar a perdas variáveis de sangue.

Lesões no fígado, baço, grandes vasos torácicos, fémur e múltiplos ossos longos, bem

como a pélvis, podem levar a grave hipovolémia. Eventualmente, uma combinação de

várias feridas menores podem levar ao choque.

FISIOPATOLOGIA COMO A BASE DOS SINAIS E SINTOMAS

O choque é uma síndrome que envolve todas as células e o seu equilíbrio químico e

metabólico. As consequências da má perfusão tecidular variam de órgão para órgão. As

respostas dos mecanismos compensatórios também variam mediante o órgão atingido.

Page 100: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

99

GRECAR

Se não for tratado, o choque pode evoluir para estados irreversíveis, à medida que esses

mecanismos falham em restabelecer a perfusão e o sistema do órgão perde a

homeostasia.

RESPOSTA VASCULAR

Numa hemorragia, o volume sanguíneo diminui, levando à vasoconstrição periférica por

estimulação simpática, causada pela inibição dos baroreceptores (devido à menor

pressão sobre os mesmos) Dá-se a libertação de catecolaminas das glândulas adrenais

e a constrição das arteríolas (vasoconstrição para melhorar o retomo venoso à aurícula

direita) como tentativa para aumentar a resistência periférica total, a Pré-carga e a Pós-

carga cardíaca (Output), e consequentemente a pressão sanguínea. A vasoconstrição

tenta melhorar o retorno venoso à aurícula direita. Os Corpos Carotídeos nas bifurcações

das artérias carotídeas, e os Corpos Aórticos têm quimioreceptores sensíveis aos níveis

arteriais baixos em O2 e altos de CO2. Se a pressão arterial baixar, o fluxo através da

artéria com estes quimioreceptores é diminuído, e a baixa de O2 e subida de CO2

estimulam os receptores; como consequência, o centro vasomotor é estimulado e a

resposta destes quimioreceptores é a vasoconstrição. A pressão tem de ser inferior a 80

mmHg para os activar e a resposta surge segundos após a alteração da pressão.

A resposta vascular pode ser detectada pela subida da TA diastólica.

RESPOSTA CEREBRAL

Numa situação de choque, o principal objectivo do corpo é manter a perfusão cerebral,

cardíaca e pulmonar; assim, a perfusão para estes órgãos é beneficiada em detrimento

doutros, como o fígado, os intestinos, a pele e os rins.

A estimulação simpática (vasoconstrição) tem pouco efeito nos vasos cerebrais e

coronários, mas o cérebro e o coração podem autorregular o fluxo segundo as

necessidades dos seus tecidos. Desta forma, cérebro e coração são preferencialmente

irrigados durante os estágios iniciais e intermédio do choque. Se a pressão arterial for

inferior a 50 mmHg e se iniciar isquemia cerebral, o acumular de CO2 no centro

vasomotor do cérebro estimula a resposta do sistema nervoso central à isquemia. Esta

resposta consiste numa ainda maior estimulação do sistema nervoso simpático.

Alterações do nível de consciência podem iniciar isquemia cerebral.

Page 101: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

100

GRECAR

RESPOSTA RENAL

A isquemia renal activa a libertação para o plasma em circulação de Renina, uma enzima

armazenada nas células justaglomerular das arteríolas renais. A Renina faz a

Angiotensina, uma proteína normal do plasma, libertar a Angiotensina I; a ACE (Enzima

de conversão da angiotensina, situada nos pulmões) converte-a na Angiotensina II. Os

efeitos da Angiotensina II são:

• Vasoconstrição das arteríolas e algumas veias.

• Estimulação do SNS.

• Retenção de água pelos rins.

• Estimula a libertação da Aldosterona (hormona que retém o sódio) do Córtex

Supra-Renal.

O sistema Renina-Angiotensina é tão poderoso, que demora cerca de 10 a 60 minutos a

ser completamente activado. Um sinal de hipoperfusão renal pode ser a diminuição do

débito urinário.

RESPOSTA DA GLÂNDULA SUPRA-RENAL

Quando estimulada pelo SNS, libertam-se catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) da

medula supra-renal. A Epinefrina estimula os receptores cardíacos com aumento da força

de contracção (inotropia positiva) e aumenta o ritmo cardíaco (cronotropia positiva) de

forma a melhorar o output cardíaco (débito) e consequentemente a pressão e perfusão

tecidular. Também causa vasoconstrição. A Norepinefrina leva à vasoconstrição para

aumentar a resistência periférica total, e como tal, aumentar a pressão e perfusão

sanguínea. Os sinais de choque pela libertação das catecolaminas são a taquicardia,

aumento da ansiedade, e uma subida da TA diastólica.

RESPOSTA HEPÁTICA

O fígado pode acumular o excesso de glicose sob a forma de glicogénio. À medida que o

choque se instala, a epinefrina activa a glicogenólise para transformar o glicogénio em

glicose. Em resposta ao choque, os vasos hepáticos sofrem constrição para dirigir o

Page 102: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

101

GRECAR

sangue a outras áreas vitais: mas se a isquemia hepática for muito profunda, a função

hepática fica comprometida.

RESPOSTA PULMONAR

Pode existir taquipneia por 2 motivos:

• Para manter o equilíbrio ácido-base.

• Para manter um elevado aporte de O2. Para as células produzirem energia, tem

de haver O2 para os processos de oxidação, que usam os iões e de hidrogénio do

metabolismo da glicose para gerar energia. Quando o O2 escasseia, esta fase de

oxidação está comprometida.

Como a degradação da molécula de glicose em ácido pirúvico é um processo anaeróbio,

este processo continua, levando ao acumular de ácido pirúvico, convertido em ácido

láctico. Daqui resulta Acidose metabólica do metabolismo anaeróbio, que estimula os

pulmões a aumentar a frequência respiratória, para tentar corrigir a acidose e tentar

maximizar o fornecimento de O2 aos alvéolos.

CHOQUE IRREVERSÍVEL

O choque não tratado, ou numa fase irreversível, irá comprometer a maioria dos sistemas

corporais. Por exemplo, uma hipovolémia prolongada irá causar uma queda tensional,

uma vez que há retorno venoso insuficiente, um preenchimento cardíaco inadequado e

uma diminuição da perfusão coronária; como estas artérias são irrigadas na diástole e a

pressão diastólica cai, elas serão menos irrigadas com consequente diminuição da

contractilidade do miocárdio. As membranas dos lisossomas, nas células, quebram-se e

libertam enzimas digestivas que causam danos intracelulares. Outros químicos no corpo,

como a Histamina, a Serotonina e as Prostaglandinas também são activadas. Os

derivados do metabolismo proteico — Ureia, Ácido Úrico e Creatinina não são excretados

pelos rins, mas sim reabsorvidos na circulação. Como os mecanismos compensatórios

continuam a falhar, desenvolvem-se trombos na microcirculação, a passagem do sangue

fica obstruída, e principalmente, as células dos tecidos ficam isquémicas. O estado de

choque toma-se irreversível, podendo surgir acidose, falha vasomotora, paragem

cardíaca e falência hepática, entre outros.

Page 103: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

102

GRECAR

CUIDADOS NO CHOQUE HIPOVOLÉMICO

Avaliação - O doente que chega em estado de choque profundo por trauma, exige

avaliação e intervenção em simultâneo.

História - Tem locais de hemorragia evidentes? Qual a estimativa da perda de sangue?

Avaliação física

1. Inspecção

• Determinar o nível de consciência - este pode deteriorar progressivamente; na

hipoperfusão cerebral pode surgir ansiedade, confusão e prostração. Com 30-40% de

perda de volume de sangue, o doente pode não responder a estímulos verbais/dolorosos.

Perdas superiores a 40% levam geralmente à inconsciência,

• Os sinais precoces de hipoperfusão cerebral são difíceis de interpretar se se suspeitar

da presença de álcool ou drogas. Qualquer alteração do estado de consciência deve ser

considerada como resultado de isquemia até prova em contrário.

• Verificar a eficácia e ritmo respiratório.

• Identificar locais óbvios de hemorragia externa.

• Avaliar a coloração da pele — pode existir palidez ou cianose, especialmente à volta da

boca; as mucosas podem estar pálidas.

• Observar as veias jugulares externas e veias periféricas, que podem estar dilatadas ou

deprimidas

• Inspeccionar o tórax, abdómen e extremidades por sinais óbvios de hemorragia,

fractura ou grandes lesões tecidulares.

2. Auscultação

• Avaliar a TA — devido à vasoconstrição e a um débito (output) cardíaco baixo, pode ser

difícil de a obter; pode-se pedir ajuda a um Doppler Ultra-sónico.

• Calcular a Pressão do Pulso (diferença entre a TA sistólica e a diastólica) — à medida

que a resistência periférica sobe nas fases iniciais de choque (normal ou diminuição da

TA sistólica e aumento da diastólica), a TA diastólica também sobe; logo, a pressão de

pulso estreita-se à medida que o débito cardíaco cai e há vasoconstrição. O

estreitamento do Pulse Pressure é um mau sinal.

Page 104: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

103

GRECAR

• Auscultar os sons respiratórios — hemorragias na cavidade torácica podem levar à

diminuição ou abafamento dos sons respiratórios.

• Auscultar os sons cardíacos — podem parecer distantes ou abafados se houver sangue

a nível pericárdico.

• Auscultar sons intestinais — a sua ausência pode indicar hemorragia intra-abdominal;

mas mesmo que os sons estejam presentes, não se pode excluir a hipótese de

hemorragia. Doentes em choque profundo geralmente apresentam sons intestinais

ausentes ou hipoactivos.

3. Percussão do peito e do abdómen; a não ressonância pode indicar presença de

sangue. A identificação de fontes de hemorragia interna é essencial.

4. Palpação

Palpar o pulso carotídeo — numa fase precoce a taquicardia pode indicar um

forte efeito de cronotropia positivo (frequência) das catecolaminas em

circulação. Um efeito de Inotropia positivo (força de contracção) pode ser

evidenciado por um pulsátil pulso carotídeo.

Palpar pulsos periféricos — um pulso fraco ou filiforme pode ser causado por

uma diminuição do volume bombeado como resultado da hipovolémia.

Palpar a temperatura e grau de diaforese da pele.

Procedimentos diagnósticos

1) Estudos Radiológicos Radiografia ao tórax — despiste de hemo/pneumotórax e

tamanho do Mediatismo (um mediastino alargado pode indicar lesão aórtica ou outros

vasos mediastínicos). Radiografia pélvica (bacia) — despiste de fracturas, que podem

levar a perdas significativas de sangue por ruptura dos vasos pélvicos. Radiografia ao

fémur, se houver suspeita de fractura.

2) Estudos Laboratoriais

Amostra para tipagem — obter os níveis de Hgb, Htc, electrólitos, creatinina, ureia e

lactatos. Urina com sedimento. Gasimetria — PH, PaO2. PaCO2. Baixos níveis de Ph (o

normal é entre 7.35-7.45) revelam uma pioria do débito celular de oxigénio à medida que

a acidose metabólica se instala devido ao metabolismo anaeróbio e produção de ácido

Page 105: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

104

GRECAR

láctico. Um PaCO2 elevado (o normal é entre 35-45 mmHg) indica acidose respiratória e

insuficiente ventilação alveolar. Uma baixa de PaO2 indica hipóxia.

ANÁLISE, DIAGNÓSTICOS, INTERVENÇÕES E RESULTADOS ESPERADOS

Após a avaliação inicial, o diagnóstico pode ser definido como um problema actual ou

risco potencial de o vir a desenvolver; o diagnóstico será estabelecido com base nos

sinais e sintomas do doente.

PLANEAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO

Administrar O2 por máscara de alta concentração, com quantidade de O2 suficiente para

manter o reservatório insuflado (pelo menos 12 Lt/m). O oxigénio é essencial para o

doente em choque: pela máscara unidireccional, podemos fornecer até 100% de O2.

Controlar qualquer hemorragia externa abundante — prevenir assim a progressão do

choque. Qualquer grande hemorragia externa deve ser controlada por pressão directa.

Preparar para a cirurgia caso a hemorragia interna o indique — promover o transporte

imediato após os cuidados de estabilização terem sido prestados. Iniciar reposição

endovenosa de fluidos antes de administrar sangue ou soluções colóides, deve-se iniciar

uma solução isotónica e electrolítica equilibrada, e uma solução cristalóide via 2 catéteres

14/16 gauge. O Lactato de Ringer é uma solução “quase-fisiológica” semelhante ao fluído

extra-celular, O S.F. normal (0.9%) é a segunda escolha no doente com hipovolémia. O

bólus inicial de Lactato de Ringer deve ser de 1-2 litros, em perfusão rápida. O uso de

catéteres de grande débito, curtos, com prolongamentos de soro curtos ou uma infusora

rápida, contribuem para tal. É importante avaliar a resposta do doente ao bólus através

da avaliação da TA e ritmo cardíaco, no mesmo tempo que se auscultam os sons

respiratórios.

No choque neurogénico deve-se monitorizar o volume intravenoso: uma vez que o

doente está normovolémico, deve-se evitar a sobrecarga de fluidos. A hipotensão pode

estar relacionada com a hipovolémia de outras lesões ou com o choque neurogénico.

Avalie a frequência do pulso, temperatura corporal e manifestações neurológicas para

distinguir qual dos 2 tipos de choque é.

Page 106: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

105

GRECAR

Iniciar reposição sanguínea - quando não respondem de forma adequada ao bólus de

cristaloides. O ideal é sangue do mesmo grupo (Type-specific) e compatibilizado com

reacção cruzada (Crossmatched); caso não seja possível, usar o O-Negativo (dador

universal) uma vez que não tem aglutinogénios (antigénios) que reajam com aglutinas

(anticorpos) e como é Rh negativo, não tem antigénio tipo D. Se não existir sangue O-

Negativo, usa-se por vezes em elementos masculinos o O-positivo, uma vez que o risco

de conterem anticorpos D é remoto (85% dos brancos e 95% dos negros são Rh+); se se

der este sangue a uma mulher pré-menopausa cujo grupo seja desconhecido, deve ter-

se em conta a administração posterior de Imunoglobulina Rho (D).

Em grandes transfusões de sangue, vigiar a trombocitopenia: a administração de Plasma

fresco congelado (FFP), crioprecipitado (Factor VIII) e/ou plaquetas deve ser considerada

quando os estudos de coagulação são desconhecidos. O sangue deve ser administrado

através de sistema com filtro (impedir passagem de coágulos — clots) macroporoso (140-

l7Oμm) e nunca microporoso. Perfunde por um acesso com solução normal salina. Deve-

se administrar fluidos quentes (até 39º) para prevenir a hipotermia. Se a vítima de trauma

era saudável e recebe fluidos de ressuscitação, uma Hgb de 7g/dl e um Htc de 20-21%

devem ser toleráveis. Seguir os protocolos de cuidados em doentes que recusam

transfusões de derivados de sangue. Num doente com Hemotórax, considerar a hipótese

de auto transfusão. Continuar ou considerar a aplicação de PASG (pneumatic antishock

garment) — a pressão nos tecidos à volta dos vasos que estão debaixo deste vestuário

causa um gradiente de pressão dentro dos vasos que os faz diminuir de tamanho;

aumenta-se assim o afterload (pressão contra a que o coração faz ao bombear e que é

determinada principalmente pela TA), e logo o afluxo ao cérebro, coração e pulmões. Há

controvérsia sobre se não se deverá primeiro controlar e repor as perdas, uma vez que

esta pressão pode aumentar a hemorragia e a des-saturação de 02. PASG é indicado em

hemorragias intra-abdominais e fracturas da bacia e das extremidades inferiores. A

aplicação deste aparelho não deve atrasar o tempo de transporte ou a reposição de

fluidos. É contra-indicado em choque cardiogénico com edema pulmonar e/ou ruptura do

diafragma, em mulheres grávidas ou eviscerações/objectos empalados no abdómen

(insuflar apenas as extremidades), ou se existir urna hemorragia fora dos limites do

PASG. Á medida que a TA for estabilizando, o PASG pode ir sendo gradualmente

Page 107: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

106

GRECAR

desinsuflado; começa-se pelo abdómen, e uma vez totalmente desinsuflado, passa-se a

uma perna de cada vez. Posicionar o doente com as pernas elevadas.

A posição de Trendlenburg modificada pode ter vantagens quando não se suspeita de

TVM ou TCE, o doente fica em decúbito dorsal com as pernas elevadas e o abdómen na

sua posição normal, favorecendo o retomo venoso à aurícula direita; à medida que a TA

for estabilizando, pode-se ir baixando gradualmente as pernas mantendo a monitorização

da TA. Colocar um tubo gástrico, uma vez que a distensão abdominal pode levar ao

vómito e/ou aspiração; a distensão pode estimular o nervo vago levando a uma

bradicardia. Ao se colocar o tubo, estamos a fazer a evacuação do conteúdo do

estômago, a aliviar a sua distensão, e a prevenir a estimulação vagal. Após inserir o tubo,

testar o conteúdo aspirado pela presença de sangue. Algaliar para vigilância do débito

urinário e é necessário para qualquer doente em choque que se prepara para uma

cirurgia. Algaliação pela uretra é contra-indicada quando se suspeita de lesão desta.

Colocar os eléctrodos e monitorizar a função cardíaca (ritmo e frequência). Mudanças de

ECG ou taquicardias sinusais podem passar despercebidas até demasiado tarde no

choque hipovolémico; no entanto, um doente com compromisso da circulação arterial

coronária pode apresentar alterações de ST devido a isquemia. Colocar um oxímetro de

pulso para monitorizar a SaO2; este pode ser ineficaz se existir vasoconstrição periférica.

Vasoconstritores periféricos são contra-indicados nos doentes hipovolémicos, mas

devem ser considerados nos choques neurogénico sem lesões que causem hipovolémia.

REAVALIAÇÃO CONTÍNUA

Vigiar débito urinário como resposta aos fluidos administrados e estado da função renal;

a capacidade dos rins formarem urina reflecte o estado geral da sua perfusão. Colaborar

com outros elementos da equipa à medida que os estudos diagnósticos e a avaliação

física identificam a causa e local da hemorragia.

Monitorizar a temperatura para despiste de hipotermia, pois esta pode levar a um menor

aproveitamento de O2 da Hgb por parte dos tecidos, a uma menor força de contracção

cardíaca e consequente diminuição do seu débito, e a coagulopatias por ruptura da

função celular enzimática, perturbações plaquetárias e aumento da fibrinólise. A

combinação de Hipotermia, coagulopatia e acidose metabólica predispõe o doente a

graves consequências.

Page 108: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

107

GRECAR

CAPÍTULO 8

SUPORTE AVANÇADO DE VIDA

EM PRESPECTIVA

INTRODUÇÃO: O PROBLEMA

Na Europa, as doenças cardiovasculares, contribuem para 60 % de todas as mortes em

indivíduos com menos de 75 anos.

Cerca de um terço das vítimas de Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) morrem antes de

chegar ao hospital, a maioria na primeira hora após o início dos sintomas. O ritmo mais

frequentemente encontrado numa primeira avaliação é a Fibrilhação Ventricular (FV) ou a

Taquicardia Ventricular sem pulso (TVsp). O único tratamento eficaz nestas situações é a

desfibrilhação eléctrica, cuja eficácia decresce em cerca de 10%, por cada minuto que

passa.

Nos doentes hospitalizados por EAM, a incidência de FV / TV é cerca de 5%. A paragem

cardio-respiratória (PCR) em contexto hospitalar, na maioria das vezes, ocorre por ritmos

não desfibrilháveis - assistolia ou actividade eléctrica sem pulso (AESP), também

designada como dissociação electromecânica (DEM).

CADEIA DE SOBREVIVÊNCIA

A força da cadeia de sobrevivência depende da resistência de todos os elos, sobretudo

do elo mais fraco. Assim, todos os elos devem ser igualmente fortes/resistentes. Este

conceito resume todos os procedimentos indispensáveis para o sucesso de uma

reanimação. Estes procedimentos estão indicados tanto para as vítimas de Paragem

Respiratória, Paragem Cardio-respiratória (PCR) e vítimas de doença crítica.

Page 109: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

108

GRECAR

Figura 8.1 Cadeia de Sobrevivência

1. Reconhecimento precoce da situação de emergência (vítima de doença crítica, dor

torácica ou PCR) e pedido de ajuda

2. Iniciar precocemente Reanimação Cardio-Pulmonar (RCP)

3. Desfibrilhação precoce

4. Suporte Avançado de Vida (SAV) precoce e cuidados pós reanimação eficazes.

O acesso à desfibrilhação por elementos não médicos, nomeadamente enfermeiros,

bombeiros e outros profissionais de saúde devidamente treinados e integrados em

organizações qualificadas, tem permitido a desfibrilhação cada vez mais precoce.

1. Reconhecimento precoce da situação de emergência e pedido de ajuda

O primeiro elo revela a importância crescente no reconhecimento atempado das

situações que podem desencadear um PCR e activar os serviços de emergência na

esperança que o tratamento precoce possa impedir a paragem.

É essencial o acesso imediato aos Serviços de Emergência, em caso de PCR em

contexto extra-hospitalar. Na maioria dos países europeus, estes serviços são activados

por um número telefónico único. O Conselho Europeu de Ressuscitação (ERC -European

Resuscitation Council) recomenda a utilização do número 112 para todos os países da

Europa.

Nos casos de PCR em meio intra-hospitalar, deve existir um sistema interno de

comunicação que active a Equipa de Emergência Médica (EEM).

É fundamental que todos os profissionais de saúde tenham treino e recursos para

desfibrilhar precocemente, mesmo antes da chegada da equipa de reanimação.

Page 110: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

109

GRECAR

2. Iniciar precocemente Reanimação Cardio-Pulmonar (RCP):

O início imediato de RCP pode triplicar a sobrevivência das vítimas de PCR, por FV.

As manobras de ventilação e de compressão torácica externa têm como objectivo manter

o sangue a ser oxigenado e em circulação, para a preservação da viabilidade do coração

e do cérebro. O Suporte Básico de Vida (SBV) tem como função ganhar tempo até à

chegada do desfibrilhador e da equipa de SAV.

Em situações de PCR testemunhada, o início imediato de SBV, aumenta a probabilidade

de recuperação e de sobrevivência. Contudo, só num pequeno número de países da

Europa, o SBV é praticado por leigos que testemunham a PCR.

Na PCR em contexto intra-hospitalar, o SBV deve ser iniciado de imediato mas nunca

deve atrasar o acesso à desfibrilhação.

3. Desfibrilhação Precoce

Manobras de reanimação cardio-respiratória mais a desfibrilhação nos primeiros 3 a 5

minutos após PCR produz taxas de sobrevivência de 49 - 75%, nos ritmos de paragem

desfibrilháveis. Por cada minuto que passa sem desfibrilhação a probabilidade de

sobrevivência é reduzida em 10 -15%. Em muitos locais isto, implica implementar

programas de Desfibrilhação Automática Externa (DAE).

Em meio intra-hospitalar, o objectivo é que um número cada vez maior de profissionais

de saúde tenha formação e capacidade para desfibrilhar de imediato, respeitando os

algoritmos de reanimação.

4. Suporte Avançado de Vida (SAV) e Cuidados Pós Reanimação Eficazes

Em muitas situações, apesar da desfibrilhação recuperar os sinais de circulação

espontânea, esta não é suficiente, sendo necessário manobras de suporte adicionais que

optimizem a função cardio-respiratória, aumentando a taxa de sobrevivência a longo

prazo e melhorando a qualidade de vida das vítimas de PCR.

Page 111: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

110

GRECAR

CAPÍTULO 9

PARAGEM CARDIORESPIRATÓRIA:

CAUSAS E PREVENÇÃO

A PCR pode acontecer no contexto de problemas primários da via aérea, respiratórios ou

ainda, estar associada a patologia cardiovascular.

A maior parte das patologias que implicam risco de vida, levam a compromisso

respiratório e ou cardiovascular e associam-se a risco de PCR. Por outro lado, os

sistemas respiratórios e cardiovasculares estão estreitamente ligados. Por exemplo, a

hipoxia pode condicionar alterações da função cardíaca, da mesma forma que as

doenças cardíacas provocam um aumento do trabalho respiratório e do consumo de

oxigénio. Daí que a falência cardíaca possa ser consequência de insuficiência

respiratória e vice-versa.

A. OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA

A obstrução da via área pode ser completa ou parcial. No caso de ser completa conduz

rapidamente a PCR. As obstruções parciais precedem frequentemente as obstruções

completas e podem, por si só, condicionar lesões cerebrais e pulmonares, como

resultado da exaustão e da apneia secundária ou, inclusivamente, conduzir à PCR.

São causas frequentes de obstrução da via aérea:

Sangue Epiglotite

Aspiração de conteúdo gástrico Edema da laringe

Corpos estranhos (dentes, alimen

etc.)

Espasmo laríngeo

Broncospasmo Traumatismos da face e/ou pescoç

Secreções brônquicas Depressão do estado de consciênc

Page 112: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

111

GRECAR

A depressão do estado de consciência, por si só, pode comprometer a protecção da via

aérea. Exemplos desta situação são:

Vítimas de TCE com valor da escala de coma de Glasgow <8.

Outras lesões estruturais intracranianas.

Depressão do estado de consciência secundária a hipercápnia, alterações

metabólicas, ingestão de álcool ou opióides...

Deve ter-se em atenção que a estimulação da via aérea pode conduzir a espasmo

laríngeo, sobretudo em doentes com alteração do estado de consciência que mantêm

intactos os reflexos protectores da via aérea. Exemplos claros desta situação são a

tentativa forçada de colocação de um tubo orofaríngeo ou a aspiração intempestiva de

secreções da via aérea em doentes estuporosos.

B. FALÊNCIA RESPIRATÓRIA

A falência respiratória pode ser classificada como aguda ou crónica, contínua ou

intermitente, sendo suficientemente grave, nalguns casos, para provocar apneia e PCR

subsequente.

Nos doentes com reserva respiratória diminuída, pequenas alterações podem ser o

suficiente para precipitar complicações graves, incluindo situações de PCR. Estas

resultam, habitualmente, de um conjunto de factores; por exemplo, um doente com

doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e insuficiência respiratória crónica a quem

surge uma infecção respiratória aguda, uma situação associada a fraqueza muscular ou

um síndrome restritivo resultante, por exemplo, de uma fractura de costela com dor

subsequente. Em qualquer uma destas situações pode verificar-se uma

descompensação com falência respiratória iminente.

Centro respiratório

Uma afecção grave do SNC pode significar uma depressão ou uma abolição dos

movimentos respiratórios. As causas são semelhantes às descritas para a obstrução da

via aérea de causa central.

Page 113: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

112

GRECAR

Esforço ventilatório

Os músculos mais importantes para a ventilação são o diafragma e os músculos

intercostais. Estes últimos são enervados ao nível de cada dermátomo intercostal e

podem ficar afectados na sequência de lesão medular. Por outro lado, o diafragma pode

ser afectado por lesões medulares entre a 3ª e a 5ª vértebras cervicais, suficientemente

graves para serem incompatíveis com ventilação autónoma.

Existem ainda múltiplas patologias neuromusculares (miastenia gravis, síndrome de

Guillan- Barré, esclerose múltipla, etc...) que podem associar-se a alterações da

ventilação, com grau variável de gravidade.

As doenças sistémicas graves e a desnutrição crónica podem implicar fraqueza muscular

e limitações ventilatórias subsequentes.

Outras situações como a cifoescoliose, fracturas de costelas ou do esterno, podem limitar

a amplitude dos movimentos respiratórios e condicionar a eliminação de secreções

pulmonares pela tosse, afectando a ventilação.

Doenças pulmonares

A ventilação pode ser afectada pela presença de um pneumotórax ou por um derrame

pleural. Um pneumotórax hipertensivos, se não for rapidamente drenado, pode levar a

restrição respiratória e compromisso hemodinâmico graves. Para além disto, o

parênquima pulmonar pode ser sede de um conjunto de doenças que comprometem, em

menor ou maior grau, a ventilação. Pneumonias, aspiração, DPOC agudizada, asma,

embolia pulmonar, contusão pulmonar, ARDS e edema pulmonar são exemplos comuns

deste mecanismo fisiopatológico.

C. PATOLOGIA CARDÍACA

Existem situações de PCR cuja etiologia não é possível determinar. As afecções

cardíacas podem ser primárias ou secundárias e a PCR pode ser súbita ou precedida de

um estado de baixo débito, com maior ou menor duração.

Page 114: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

113

GRECAR

Causas primárias de paragem cardíaca:

Isquemia do miocárdio

EAM

Cardiopatia hipertensiva

Valvulopatias

Fármacos (ex. antiarrítmicos, antidepressivos tricíclicos, digitálicos)

Acidose

Desequilíbrios electrolíticos

Hipotermia

Electrocussão

A PCR pode resultar também de insuficiência cardíaca, tamponamento cardíaco, ruptura

cardíaca, miocardite ou miocardiopatia hipertrófica.

Síndrome Coronário Agudo (SCA) - A oclusão de uma artéria coronária com EAM

subsequente pode ocorrer sem sintomatologia prévia. Cerca de 50 % dos doentes

morrem na primeira hora após o início das queixas, na sua maior parte, por ocorrência de

FV, antecedida ou não de TV. O risco máximo de FV ocorre logo após o início da

sintomatologia, diminuindo nas horas seguintes.

Causas secundárias:

São situações em que o coração é afectado secundariamente por um problema extra-

cardíaco, que pode surgir de forma aguda ou crónica. É o que acontece nos casos de

PCR secundária a asfixia por obstrução da via aérea, apneia, pneumotórax hipertensivo

ou hemorragia aguda. Noutras situações, o coração é afectado secundariamente no

contexto da evolução de doenças cronicamente hipoxemiantes, anemia, hipovolémia e

sépsis grave.

IDENTIFICAÇÃO DE DOENTES EM RISCO E PREVENÇÃO DA PCR

A mortalidade pós - PCR é elevada, pelo que os doentes em risco devem ser

identificados para que se tomem as medidas de prevenção em tempo oportuno e exista

Page 115: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

114

GRECAR

uma maior probabilidade de salvar vidas. A identificação tem por base o exame

individual, com exame clínico complementado por exames auxiliares.

No caso dos doentes hospitalizados, a PCR não é imprevista nem súbita e, em cerca de

80 % dos casos, verifica-se uma deterioração progressiva prévia. As manifestações

clínicas mais frequentes são os sinais de dificuldade respiratória, a elevação da

frequência cardíaca e a diminuição do débito cardíaco.

Igualmente frequentes são manifestações de hipotensão, prostração, letargia, estado

confusional ou deterioração do estado de consciência. Nas horas que precedem a PCR

são comuns alterações metabólicas, particularmente acidose.

Do ponto de vista respiratório, os sinais e sintomas mais frequentes são a dispneia, o

aumento da frequência respiratória e a diminuição da SatO2. A existência de pele fria,

marmoreada e cianosada, com decréscimo da amplitude do pulso e oligúria, sugerem

diminuição do débito cardíaco. Alterações da consciência têm, neste contexto, significado

idêntico.

Equipa médica de emergência

A possibilidade de se obter apoio especializado para os doentes em risco de PCR, seja

de cuidados intensivos, unidades intermédias ou coronárias, com correcção precoce das

alterações detectadas, melhora o prognóstico.

Ao nível mundial, de forma crescente, foi introduzido no funcionamento dos hospitais o

conceito de Equipa Médica de Emergência (EME) ou Equipa para Doentes em Risco

(EDR), de forma a melhorar o prognóstico e prevenir a PCR.

Nestas equipas estão incluídos médicos e enfermeiros com experiência em cuidados

intensivos.

Os critérios de activação da EME do Liverpool Hospital, em Sidney, encontram-se na

Tabela em baixo.

A sua actividade inclui a possibilidade de internamento precoce em UCI e a correcção de

disritmias malignas, podendo contribuir também para a decisão de considerar o doente

como não candidato a reanimação (estabelecer a Decisão de Não Reanimar -DNR).

Page 116: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

115

GRECAR

PARÂMETROS ALTERAÇÕES

Via aérea Em dificuldade

Respiração Todas as paragens respiratórias

FR < 5 ciclos/min

FR> 36 ciclos/min

Circulação Todas as PCR

FC < 40 bat/min

FC > 140 bat/min

PA sistólica < 90 mmHg

Neurológico Alteração súbita da consciência c

diminuição do GCS > 2 pontos

Convulsões repetidas/prolongadas

Outros Qualquer doente que, sem preenc

estes critérios, apresente situa

preocupante

Tabela - Critérios de activação da EME

A. OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA

Verificar a permeabilidade da via aérea constitui uma medida indispensável na avaliação

dos doentes em risco de obstrução.

No caso de "engasgamento" se o doente estiver consciente, pode queixar-se de

dificuldade respiratória ou apresentar um "fácies" de angústia marcada, levando muitas

vezes as mãos ao pescoço em sinal de desespero.

Na obstrução parcial existe um ruído inspiratório mas, se a obstrução é total, há silêncio

respiratório. Se ainda houver esforço respiratório, o doente apresenta sinais de grande

angústia e pode já estar em exaustão. Há recurso aos músculos acessórios (adejo nasal

e tiragem intercostal e supraclavicular) e o padrão dos movimentos abdominais é descrito

como "em barco", com expansão do abdómen e retracção torácica, pois o esforço

inspiratório com a via aérea obstruída provoca movimentos opostos aos da respiração

normal.

Page 117: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

116

GRECAR

Recomendação: Nestes casos, a prioridade é a permeabilização da via aérea, incluindo

as manobras descritas no SBV ou mais avançadas, como a entubação endotraqueal.

Recomendação: A prevenção da obstrução da via aérea centra-se, essencialmente, na

identificação e resolução do problema que a provoca. Por exemplo:

O sangue e secreções devem ser removidas precocemente e o doente

colocado em PLS, salvo se houver contra-indicação;

Os doentes com alterações do estado de consciência têm risco de obstrução da

via aérea, o que significa ser necessário assumir medidas preventivas,

nomeadamente:

Aspiração de secreções;

Posicionamento (alinhamento da cabeça e pescoço, no caso de estarem

desalinhados);

Hiperextensão da cabeça;

Colocação de um tubo orofaríngeo ou nasofaringeo;

Entubação endotraqueal ou traqueostomia.

B. VENTILAÇÃO INADEQUADA

Diagnóstico

Os doentes conscientes, com dificuldade respiratória, apresentam habitualmente queixas

e a avaliação clínica permite identificar a etiologia:

A hipóxia manifesta-se, muitas vezes, por irritabilidade e confusão;

A hipercápnia pode provocar letargia e depressão do estado de consciência;

A cianose pode ser evidente;

A elevação da FR (> 30 ciclos/min) indica, geralmente, problemas respiratórios.

A oximetria de pulso é um método simples e útil de complementar a avaliação destes

doentes, não dispensando, contudo, a avaliação por gasimetria arterial que, não só

fornece informações mais fidedignas sobre a oxigenação, como sobre a PaC02 e o pH.

Uma elevação progressiva da PaC02 e a diminuição do valor de pH são, habitualmente,

sinais tardios de problemas respiratórios.

Page 118: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

117

GRECAR

Tratamento

Aos doentes com hipóxia deve ser administrado oxigénio suplementar e o tratamento

dirigido à causa subjacente. Por exemplo, num doente em dificuldade respiratória e com

história de traumatismo torácico recente, deve-se considerar sempre a possibilidade de

pneumotórax e confirmá-lo ou exclui-lo imediatamente. O diagnóstico clínico de

pneumotórax hipertensivo implica drenagem imediata, inicialmente através da introdução

de um cateter venoso G14 no 2º espaço intercostal ao nível da linha médio-clavicular e,

depois, pela colocação de uma drenagem pleural, caso se confirme a presença de

pneumotórax.

Nos casos de pneumonia devem ser utilizados antibióticos e, de forma complementar,

cinesiterapia e terapêutica de suporte.

Em alguns casos, pode haver necessidade de suporte ventilatório após entubação

endotraqueal ou a utilização de ventilação não invasiva.

C. CAUSAS CARDÍACAS

Diagnóstico

A maior parte dos casos de morte súbita ocorre em vítimas com patologia cardíaca

prévia, desconhecida em alguns casos. Embora o risco seja mais elevado nos doentes

com doença cardíaca grave, a maioria das mortes súbitas ocorre em doentes sem

doença conhecida. Nas formas assintomáticas de doença cardíaca incluem-se:

cardiopatia hipertensiva, valvulopatias, miocardite, fibrose ou isquemia silenciosa. Um

pequeno número de casos de PCR ocorre em doentes com coração aparentemente

normal, principalmente jovens activos e saudáveis.

Epidemiologicamente, é possível caracterizar um conjunto de factores de risco para a

doença cardiovascular. Os factores de risco independentes são:

Idade

Sexo masculino

História familiar de doe

cardiovascular

Tabagismo

Diabetes mellitus

Hiperlipidémia

HTA

Page 119: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

118

GRECAR

Hoje em dia é possível identificar marcadores genéticos num número crescente de

doenças cardíacas, como a cardiomiopatia hipertrófica, miocardiopatia do ventrículo

direito e síndrome do QT longo. A prevenção mais eficaz resulta do controlo da doença

de base. A forma mais comum de apresentação do SCA é o EAM no homem e a angina

na mulher.

A angina manifesta-se geralmente pela sensação de aperto ou de desconforto pré

cordial, com irradiação para a mandíbula, pescoço e para um ou ambos os membros

superiores. A prova de esforço permite caracterizar a doença coronária em doentes

sintomáticos. A angiografia caracteriza a doença e ajuda a planificar o tratamento.

A dor associada ao EAM tem características semelhantes às da angina, mas é mais

prolongada no tempo, habitualmente mais de 30 minutos. As manifestações associadas

incluem náuseas e vómitos, angústia e sintomas neurovegetativos. Alguns doentes,

nomeadamente os com Diabetes mellitus, podem sofrer EAM sem apresentarem sinais

ou sintomas.

Recomendação

As prioridades no tratamento do SCA são:

Analgesia, habitualmente com Morfina em bólus (2 a 3 mg), repetidos até se

obter controlo da dor; é frequente a necessidade de associar anti-eméticos;

O2 em concentrações elevadas;

Nitratos;

Aspirina (300 mg);

Trombólise, quando indicada.

Nos doentes com doença coronária, o tratamento farmacológico e a revascularização por

angioplastia, ou cirurgia de by-pass, diminuem o risco de PCR. De forma similar, o

tratamento e monitorização das doenças cardíacas tem um impacto semelhante.

Alguns doentes, nomeadamente os que sofreram EAM prévio, têm indicação para a

investigação e estratificação de subgrupos de risco. Entre os métodos a utilizar, está o

ECG contínuo e a avaliação funcional do miocárdio. Nos subgrupos de maior risco a

correcção dos desvios é eficaz na prevenção de PCR.

Page 120: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

119

GRECAR

As medidas de prevenção dependem de decisões individualizadas, mas incluem a

utilização de ß-bloqueantes, inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e

vasodilatadores, antiarrítmicos ou outras intervenções, como a revascularização e a

utilização de cardioversores/desfibrilhadores implantados, em alguns doentes.

Nos casos de risco de PCR secundária, a acção prioritária é corrigir o problema primário.

Isto não exclui a possibilidade de iniciar medidas de suporte cardiovascular que

optimizem a oxigenação do miocárdio e de outros órgãos, como a correcção da

hipovolémia, da anemia, da hipotermia ou do choque séptico.

A correcção dos desequilíbrios electrolíticos e ácido base, o controlo da frequência

cardíaca e das disritmias são medidas importantes que se enquadram na designação de

optimização hemodinâmica.

Para melhor caracterizar estes casos é, muitas vezes, necessário recorrer a meios

diferenciados como a ecocardiografia e o cateterismo da artéria pulmonar. Com a

utilização destes recursos, podem ser definidos objectivos mais precisos para cada

doente, de modo a optimizar o seu estado através da manipulação de diversas variáveis

hemodinâmicas, como a frequência cardíaca, as pressões de enchimento, o volume de

ejecção e as resistências vasculares periféricas, pela utilização de aminas vasoactivas e

outros fármacos.

RESUMO

A PCR pode ser secundária a obstrução da via aérea, alterações respiratório ou

disfunção cardíaca.

A PCR em doentes hospitalizados é habitualmente secundária a outros

problemas sendo, com frequência, antecedida de sinais de alarme nas horas

precedentes.

Os doentes com risco de PCR, se identificados em tempo útil, devem ser alvo

de medidas preventivas eficazes. A eficácia da prevenção poderá ser

optimizada pela existência de equipas médicas de emergência.

Page 121: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

120

GRECAR

CAPÍTULO 10

SUPORTE BÁSICO DE VIDA NO ADULTO

O suporte básico de vida (SBV) tem como objectivo a manutenção de algum grau de

ventilação e de circulação de modo a manter a vítima viável até que possa ser instituído o

tratamento médico adequado e revertida a causa de paragem. A interrupção da

circulação durante 3 a 4 minutos (ou mesmo menos, no caso de uma vítima já

previamente com hipoxémia) implica lesões cerebrais, que poderão ser irreversíveis, e

cuja tradução clínica pode ser variável. Qualquer atraso no início de SBV reduz

drasticamente as hipóteses de recuperação.

Por definição, o SBV implica que seja praticado sem recurso a qualquer equipamento. Se

isto é inquestionável quando falamos para leigos, já com os profissionais de saúde (em

ambiente pré-hospitalar ou numa instituição de saúde) não se passa o mesmo. Os

profissionais de saúde no desempenho da sua profissão devem ter equipamento

adequado para lidar com as vítimas de paragem cardio-respiratória.

Qualquer pessoa poderá, no entanto, ser confrontada com a necessidade de efectuar

SBV sem recurso a equipamento, pelo que se justifica uma descrição do tema nessa

vertente.

História da reanimação

Já em 1878, Bohem descreveu a "massagem cardíaca externa" a qual terá sido utilizada

com sucesso esporádico nos 10 anos seguintes. Só no final dos anos 50 surgiu a

publicação de trabalhos sobre a eficácia da ventilação boca a boca (Peter Safar) e nos

anos 60 a publicação do clássico trabalho de Kouwenhoven, Jude e Knickerbocker sobre

a massagem cardíaca externa. A reanimação moderna surge em 1961, por Peter Safar,

com a descrição do método de conjugação das duas técnicas.

Durante a reanimação obtém-se algum fluxo anterógrado de circulação pela conjugação

da compressão do coração (efeito de bomba cardíaca) e a elevação da pressão intra-

torácica (efeito de bomba torácica), durante a qual o colapso que ocorre no sistema

venoso impede o fluxo retrógrado.

Page 122: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

121

GRECAR

Mesmo em condições óptimas a compressão cardíaca externa apenas consegue

aproximadamente 30 % do débito cardíaco normal.

Até há pouco tempo, o diagnóstico de paragem cardíaca residia na ausência de pulso

central palpável (carotídeo ou outro). Experiência acumulada tem vindo a demonstrar que

se trata de um processo que requer habitualmente mais tempo que o previsto e que tem

cerca de 50 % avaliações incorrectas. Por esta razão, a pesquisa de pulso é reservada

apenas aos profissionais de saúde deixando de ser ensinada a leigos.

SEQUÊNCIA DE ACÇÕES EM SBV

1. AVALIE AS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA NO LOCAL

2. AVALIE SE A VÍTIMA RESPONDE:

Abane suavemente os ombros e pergunte em voz alta

"Está bem? Sente-se bem?" (Figura 4.1)

Figura 10.1 Avalie se a vitima responde

2a. Se a vítima responder

• Deixe-a na posição em que a encontrou (desde que isso não represente perigo

acrescido);

Page 123: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

122

GRECAR

• Avalie a situação e peça ajuda, se necessário;

• Reavalie periodicamente.

Figura 10.2 Grite por ajuda Figura 10.3 Extensão da cabeça e elevação do queixo

2b. Se a vítima não responder

• Peça ajuda gritando em voz alta (Figura 10.2);

• Não abandone a vítima e prossiga com a avaliação. A menos que não seja

possível avaliar adequadamente a vítima na posição em que ela se encontra, deverá

colocá-Ia em decúbito dorsal;

• PERMEABILIZE A VIA AÉREA (Figura 10.3)

o Verifique se existem corpos estranhos dentro da boca (comida, próteses

dentárias soltas, secreções); se existirem deve removê-Ios mas somente se os visualizar

o Nota: As próteses dentárias bem fixas não devem ser removidas.

o Coloque a palma de uma mão na testa da vítima e dois dedos da outra mão no

bordo do maxilar inferior;

o Efectue simultaneamente a extensão da cabeça e elevação do maxilar inferior.

ATENÇÃO: Nas situações em que exista suspeita de trauma não fazer hiperextensão da

cabeça. Nestes casos a permeabilização da via aérea deve ser feita mantendo o

alinhamento do corpo, pescoço e cabeça com ligeira elevação do queixo. A sub-luxação

não está mais indicada por ser de difícil realização e na maioria das vezes ser ineficaz e

também provocar movimentos cervicais.

Page 124: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

123

GRECAR

3. PESQUISE SINAIS DE CIRCULAÇÃO Mantendo a permeabilização da via aérea

(Figura 10.4)

Procure

VER se existe movimentos torácicos;

OUVIR se existem ruídos de saída de ar junto à boca e nariz da vítima;

SENTIR na sua face se há saída de ar pela boca da vítima;

Palpar pulso central

o Deverá Ver, Ouvir e Sentir (VOS) durante 10 segundos.

Deve procurar a existência de movimentos respiratórios normais e o pulso.

Figura 10.4 Pesquise Sinais de Circulação

Movimentos respiratórios ocasionais e ineficazes designados por "gasping" ou

"respiração agónica" não devem ser confundidos com respiração normal. Estes

movimentos não causam uma expansão torácica normal.

Em caso de dúvida haja como se a vítima não ventilasse.

O pulso que deve ser pesquisado é pulso carotídeo. Procure palpar o pulso do mesmo

lado em que se encontra, e não do lado oposto, é mais fácil e não corre o risco de causar

obstrução da via aérea ao comprimir os tecidos sobre a traqueia.

Em caso de dúvida haja como se a vítima não tenha sinais de circulação.

Page 125: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

124

GRECAR

3a. Se a vítima respira normalmente

• Colocar em posição lateral de segurança –PLS (Figura 10.5);

• Pedir ou mandar pedir ajuda;

• Reavaliar continuamente a respiração.

Figura 10.5 Posição Lateral de Segurança

3b. Se a vítima não respira normalmente mas tem sinais de circulação

• Activar de imediato o sistema de emergência médica ligando 112

o Se estiver sozinho, deve, se necessário, abandonar a vítima e ligar de imediato

112;

o Se estiver alguém junto de si deve pedir a essa pessoa que vá ligar 112

prosseguindo a sequência do SBV;

• Efectuar 10 insuflações;

• Reavaliar sinais de circulação a cada minuto.

Nota

• Se a causa da PCR é de origem respiratória, isto acontece habitualmente nas

situações de afogamento e nas crianças (idade < 8 anos).

Page 126: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

125

GRECAR

NESTAS SITUAÇÕES O REANIMADOR DEVE PROSSEGUIR O SBV DURANTE UM

MINUTO E SÓ DEPOIS, SE AINDA ESTIVER SOZINHO, ABANDONAR A VÍTIMA PARA

IR SOLICITAR AJUDA, LIGANDO 112.

• Se quando abandonou a vítima ainda existiam sinais de circulação embora não

respirasse, deverá reavaliar os mesmos no seu regresso.

Ventilação com ar expirado

• Assegure a correcta permeabilização da via aérea com a extensão da cabeça e

elevação do queixo (Figura 10.6);

• Tape o nariz da vítima, pinçando-o entre os dedos polegar e o indicador da mão que

faz a extensão da cabeça (Figura 10.6);

• Mantenha a elevação do queixo, sem fechar a boca da vítima;

• Inspire profundamente (*) e coloque os lábios à volta da boca da vítima certificando-se

que não há fuga de ar (Figura 10.7);

• Insuflar durante 1 seg. para o interior da boca da vítima, observando

simultaneamente a expansão do tórax;

• Afaste a sua boca da boca da vítima, mantendo o posicionamento da cabeça da

vítima, para permitir a saída do ar, verifique a depressão torácica (Figura 10.7);

• Espere cerca de 4 segundos para que, o tórax relaxe completamente e repita o

procedimento de insuflação de ar.

Figura 10.6 Permeabilização da VA Figura 10.7 Insuflar para a boca da vitima Figura 10.8 Retirar a sua boca da enquanto verifica a expansão torácica vitima e verificar a depressão do tórax

(*) Nota: A quantidade de oxigénio no ar atmosférico é de 21 %. O ar que expiramos

contém apenas cerca de 16 % de oxigénio, pelo que, sempre que possível, deve ser

Page 127: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

126

GRECAR

enriquecido o seu conteúdo em oxigénio. Durante a ventilação boca-a-boca é

fundamental inspirar profundamente antes de cada insuflação para melhorar a

quantidade de oxigénio com que vamos ventilar a vítima.

Para que possa avaliar se a insuflação é eficaz deve confirmar em cada insuflação se o

tórax se eleva como numa respiração normal.

Se não conseguir ventilar (não há expansão torácica ou há resistência excessiva à

insuflação):

Verifique novamente se não existem corpos estranhos visíveis na boca e, em caso

afirmativo, tente removê-los;

Confirme a correcta permeabilização da via aérea reposicionando a cabeça, se

necessário;

Tente insuflar de novo. Se mantêm ventilação ineficaz proceder como para a

obstrução da VA.

3c. Se a vítima não tem sinais de circulação

• Deve ser feito o pedido de ajuda (ligar 112);

• Iniciar de imediato compressões torácicas;

A activação precoce do sistema de emergência médica é fundamental nas situações em

que a causa provável de paragem é de origem cardíaca (habitualmente devida a

fibrilhação ventricular, cujo único tratamento é a desfibrilhação) o que acontece na

generalidade das vítimas adultas (+ de 60%).

Figura 10.9 Coloque a palma da mão no centro do Figura 10.10 Coloque a palma da outra mão sobre tórax da vítima a primeira mão e entrelace os dedos

• Ajoelhe-se ao lado da vítima;

Page 128: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

127

GRECAR

• Coloque a palma de uma das mãos no centro do tórax da vítima (Figura 10.9);

• Coloque a outra mão e entrelace os dedos levantando-os, de forma a não

exercer qualquer pressão sobre as costelas. Não exerça qualquer pressão sobre o

epigastro ou sobre o apêndice xifóide (Figura 10.10);

• Mantenha os braços esticados, sem flectir os cotovelos, e posicione-se de

forma a que os seus ombros fiquem perpendiculares ao esterno da vítima (Figura

10.11);

• Pressione verticalmente sobre o esterno, causando uma depressão de 4 a 5

cm (Figura 10.12);

• Alivie a pressão, de forma que o tórax possa descomprimir totalmente, mas

sem perder o contacto da mão com o esterno;

• Repita o movimento de compressão e descompressão de forma a obter uma

frequência de 100 /min (cerca de 2 compressões em 1,5 seg.);

• O gesto de compressão deve ser firme, controlado e executado na vertical e os

períodos de compressão e descompressão devem ter a mesma duração

Figura 10.11 Posicione-se com os ombros Figura 10.12 Fazer 30 compressões perpendiculares ao esterno da vítima

Page 129: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

128

GRECAR

• Sincronize as compressões com as ventilações

o Ao fim de 30 compressões, permeabilize a via aérea e faça 2 insuflações

eficazes (Figura 10.13);

o Reposicione as mãos no local correcto para efectuar compressões;

o Faça de novo 30 compressões.

Figura 10.13 Após 30 compressões permeabilizar a VA e efectuar 2 insuflações

As manobras de SBV, uma vez iniciadas, devem continuar sem interrupção até que:

• Chegue ajuda diferenciada;

• A vítima recupere (**);

• O reanimador esteja exausto.

(**) Nota

Só deve interromper as manobras de SBV, para reavaliação da vítima, caso a vítima faça

algum movimento que sugira a presença de circulação.

Page 130: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

129

GRECAR

PONTOS IMPORTANTES RELATIVAMENTE AO SBV

Ventilação

A insuflação de ar deve ser lenta, efectuada ao longo de cerca de 1 segundo, e não

deverá ser sentida grande resistência à insuflação. Se a insuflação for demasiado rápida

a resistência aumenta e é maior a probabilidade de o ar insuflado ir para o estômago,

causando regurgitação do conteúdo gástrico.

O volume de ar a insuflar é de 500 a 600 ml, quando não é utilizada aporte suplementar

de oxigénio, o que deverá corresponder à quantidade necessária para causar uma

expansão visível do tórax da vítima.

Quando a via aérea não está protegida, um volume corrente de 1litro provoca

significativamente uma maior distensão gástrica do que um volume corrente de 500ml.

Evite a hiperinsuflação (muitas insuflações ou grande quantidade de ar), porque aumenta

a pressão intra-torácica, provocando diminuição do retorno venoso com consequente

diminuição do débito cardíaco. Reduz a probabilidade de sobrevivência.

A duração exacta da expiração (habitualmente, cerca de 4 seg.) não é um valor rígido, o

que é fundamental, é esperar que o tórax relaxe completamente antes de voltar a

efectuar nova ventilação.

Compressões Torácicas

As compressões torácicas, mesmo quando correctamente executadas conseguem

apenas gerarem aproximadamente um quarto do débito cardíaco normal.

Efectuar compressões obliquamente em relação ao tórax da vítima faz com que a vítima

possa rolar e diminui a eficácia das compressões.

Efectuar cerca de 100 compressões por minuto.

Ter atenção à depressão que provoca no tórax, que deve ser de 4 a 5 cm.

É importante permitir que o tórax descomprima totalmente durante a realização de

compressões para permitir o retorno de sangue ao coração antes da próxima

compressão e optimizar assim o débito cardíaco que se consegue.

Page 131: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

130

GRECAR

O tempo de compressão e de relaxamento do tórax deve ser aproximadamente o

mesmo.

As compressões torácicas podem causar fractura de articulações contrapostas e

consequentemente causar lesões de órgãos internos como: rotura do pulmão, do coração

ou mesmo do fígado. Este risco é minimizado, pela correcta execução das compressões.

As hipóteses de uma vítima de paragem cardio-respiratória recuperar actividade cardíaca

espontânea apenas com SBV são praticamente nulas. O SBV serve fundamentalmente

para ganhar tempo, mantendo algum grau de perfusão cerebral e coronária até à

chegada do SAV. Quando se interrompem as compressões, a perfusão cerebral e

coronária diminuem para valores muito baixos levando algum tempo a retomar aos

valores prévios. Por estes motivos não faz qualquer sentido interromper o SBV para

pesquisar a existência de sinais de circulação, excepto se a vítima fizer qualquer

movimento que possa traduzir a existência de circulação. Caso contrário não deve

interromper as manobras de SBV até à chegada de SAV.

A existência de midríase foi valorizada no passado como sinal de lesão cerebral

irreversível. No entanto, sabe-se hoje que a midríase pode estabelecer-se precocemente

após a cessação de circulação cerebral e é influenciada por múltiplos factores pelo que

não deve ser critério para a suspensão das manobras ou de prognóstico.

VARIANTES DAS TÉCNICAS NA REANIMAÇÃO

Reanimação com dois reanimadores

Embora a realização de compressões e ventilações de forma sincronizada por duas

pessoas seja mais eficaz, por reduzir o tempo perdido entre compressões e ventilações,

a realização de SBV com dois reanimadores requer mais treino do que a aprendizagem

da técnica apenas com um reanimador. Por este motivo, a técnica de SBV a dois

reanimadores é ensinada apenas a profissionais de saúde. Neste caso um dos

reanimadores efectua ventilações e o outro, as compressões mantendo sempre uma

relação compressões: ventilações de 30:2. Deverão trocar as posições de 2 em 2

minutos para evitar o cansaço e exaustão.

Page 132: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

131

GRECAR

Estando presentes dois reanimadores profissionais de saúde, a prioridade continua a ser

pedir ajuda diferenciada, pelo que um deles vai ligar 112, após a confirmação da

paragem respiratória, enquanto o outro reanimador inicia o SBV sozinho.

O outro elemento quando regressar deve iniciar as compressões torácicas, aproveitando

o tempo durante o qual estão a ser efectuadas as 2 insuflações para localizar o ponto

onde deverá fazer as compressões. Deste modo reduzem-se as perdas de tempo

desnecessárias.

Durante a ventilação não devem ser efectuadas compressões. Logo após se completar a

2 insuflação devem ser iniciadas as compressões não sendo necessário esperar que a

expiração se complete passivamente.

Deve manter-se a permeabilização da via aérea.

O reanimador que está a fazer as insuflações deverá preparar-se para iniciar as mesmas

logo após a 30ª compressão, com o mínimo de perda de tempo possível. É importante

que quem faz as compressões conte em voz alta de forma a manter o ritmo e também a

coordenação da equipa.

É útil que os dois reanimadores se coloquem em lados opostos da vítima. Quando for

necessário trocar tarefas por um deles estar cansado, a troca deve ser efectuada

perdendo o menos tempo possível. Isto requer treino, para que não haja perda de tempo

e sem prejuízo da correcta execução das manobras.

Ventilação boca-nariz

A ventilação boca-nariz está recomendada quando é impossível ventilar pela boca, o que

pode acontecer por:

• Impossibilidade de abrir a boca da vítima ou de conseguir resolver uma

obstrução;

• Existência de lesões graves da face;

• Dificuldade em conseguir uma boa adaptação da boca à boca da vítima;

• Se a ventilação se inicia dentro de água, situação em que o reanimador só tem

uma mão livre dado que a outra está a suportar o peso do corpo;

Page 133: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

132

GRECAR

• Se o reanimador é uma criança e a boca não tem dimensões suficientes para

se adaptar à boca da vítima.

Como proceder

• Manter a cabeça da vítima inclinada para trás;

• Fechar a boca da vítima com uma mão;

• Fazer insuflações como descrito anteriormente soprando pelo nariz;

• Abrir a boca da vítima para permitir a expiração;

• Fechar de novo a boca e repetir o procedimento.

Reanimação só com compressões torácicas

Vários estudos mostram que muitos reanimadores têm relutância em efectuar ventilação

boca-a-boca. Nesta situação recomenda-se que sejam pelo menos efectuadas

compressões torácicas. Ao efectuar apenas compressões torácicas consegue-se

igualmente algum grau de ventilação. Fazer apenas compressões torácicas associa-se a

melhores resultados que não fazer nada. Neste caso as compressões são efectuadas

ininterruptamente a um ritmo de 100 compressões por minuto.

POSIÇÃO LATERAL DE SEGURANÇA

Tal como referido anteriormente, se a vítima respira mas está inconsciente, deve ser em

colocada em posição lateral de segurança (PLS).

A PLS permite manter a permeabilidade da via aérea, garantindo a não obstrução por

queda da língua e permite a livre drenagem de qualquer líquido da cavidade oral,

evitando a entrada do mesmo na via respiratória, minimizando o risco de aspiração do

conteúdo gástrico.

Existem múltiplas variações da posição lateral de segurança. Nenhuma é indicada para

todas as vítimas. Todas elas devem ter presentes os seguintes princípios:

Page 134: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

133

GRECAR

• Ser uma posição o mais "lateral" possível para que a cabeça fique numa

posição em que a drenagem da cavidade oral se faça livremente;

• Deve ser uma posição estável;

• Não deve causar pressão no tórax que impeça a respiração normal;

• Deve possibilitar a observação e acesso fácil à via aérea;

• Deve ser possível voltar a vítima em decúbito dorsal de forma fácil e rápida;

• Não deve causar nenhuma lesão à vítima.

É particularmente importante não causar nenhuma lesão adicional à vítima com a

colocação em PLS. Por este motivo no caso de existir suspeita de traumatismo da coluna

cervical não está indicada a colocação da vítima em PLS.

O ERC recomenda a seguinte sequência para colocar a vítima em PLS

• Afastar os espectadores;

• Retirar óculos e objectos volumosos (chaves, telefones, canetas etc.) dos

bolsos da vítima;

• Alargar a gravata (se apropriado) e desapertar o colarinho;

• Ajoelhar-se ao lado da vítima e estender-lhe as duas pernas;

• Permeabilizar a via aérea, efectuando a extensão da cabeça e elevação do

maxilar inferior;

• Colocar o braço da vítima, mais próximo de si, dobrado ao nível do cotovelo,

de forma a fazer um ângulo recto com o corpo da vítima ao nível do ombro e com a

palma da mão virada para cima (Figura 10.14);

• Dobrar o outro braço sobre o tórax e encostar a face dorsal da mão à face da

vítima do seu lado (Figura10.15);

• Com a outra mão segurar a coxa da vítima do lado oposto, imediatamente

acima do joelho e levantá-Ia mantendo o pé no chão, de forma a dobrar a perna da vítima

ao nível do joelho (Figura 10.16);

• Manter uma mão a apoiar a cabeça e com a outra puxar a perna ao nível do

joelho, rolando o corpo da vítima na sua direcção;

Page 135: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

134

GRECAR

• Ajustar a perna que fica por cima de modo a formar um ângulo recto ao nível

da coxa e do joelho;

• Se necessário ajustar a mão sob a face da vítima de forma que a cabeça fique

em extensão;

• Verificar se a via aérea se mantém permeável, certificando-se que a vítima

respira sem fazer ruído;

• Vigiar regularmente.

Se a vítima tiver que ficar nesta posição mais de 30 minutos, a posição deverá ser

alterada para o lado oposto para aliviar a pressão do braço inferior.

Figura 10.14 Colocar o braço da vítima, mais próximo de si, dobrado ao nível do cotovelo, de forma a fazer

um ângulo recto com o corpo da vítima ao nível do ombro e com a palma da mão virada para cima

Figura 10.15 Dobrar o outro braço sobre o tórax e encostar a face dorsal da mão à face da vítima do seu lado

Page 136: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

135

GRECAR

Figura 10.16 Com a outra mão segurar a coxa da vítima do lado oposto, imediatamente acima do joelho e levantá-Ia mantendo o pé no chão de forma a, dobrar a perna da vítima ao nível do joelho

Figura 4.17 Posição Lateral de Segurança

Para voltar a colocar a vítima de costas

• Ajoelhar por trás da vítima; estender a perna da vítima que está por cima,

alinhando-a com a outra;

• Retirar a mão da vítima que se encontra sob a face e colocar o braço desta sobre

o tórax; colocar uma mão na anca da vítima e a outra a apoiar a cabeça;

• Com um movimento seguro e firme, puxar ao nível da coxa da vítima, rolando-a

sobre as próprias coxas, mantendo simultaneamente a outra mão a apoiar a cabeça;

• Afastar-se progressivamente de forma a acompanhar o movimento da vítima até

esta estar em decúbito dorsal;

• Estender o outro braço ao longo do corpo.

Page 137: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

136

GRECAR

ALGORITMO DO SUPORTE BÁSICO DE VIDA NO ADULTO

*ou o numero de emergência nacional

OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA POR CORPO ESTRANHO

A obstrução da via aérea pode ser total ou parcial.

Na obstrução parcial a vítima começa por tossir, ainda consegue falar e pode emitir

algum ruído ao respirar.

Na obstrução total da via aérea a vítima não consegue falar, tossir ou respirar. Poderá

demonstrar grande aflição e ansiedade e agarrar o pescoço com as duas mãos. Não há

qualquer ruído respiratório (apesar das tentativas de respiração) dado que não há

entrada nem saída de ar. É necessário actuar rapidamente, porque se a obstrução não

for resolvida a vítima poderá rapidamente ficar inconsciente e morrer.

INCONSCIENTE?

PERMEABILIZAR V.A. AVALIAR SINAIS DE CIRCULAÇÃO

10 SEG

SEM SINAIS DE CIRCULAÇÃO

LIGAR 112*

2 INSUFLAÇÕES

30 COMPRESSÕES

30 COMPRESSÕES Á

CONDIÇÕES DE SEGURANÇA

RESPIRA NORMALMENTE •PLS •AJUDA •REAVALIAR

NÃO RESPIRA E TEM PULSO •AJUDA 112 •10 INSUFLAÇÕES •REAVALIAR CADA MINUTO

GRITE POR AJUDA

Até chegar ajuda

Até a vitima recuperar

Até ficar exausto

Page 138: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

137

GRECAR

SEQUÊNCIA DE DESOBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA

1. SE A VÍTIMA ESTÁ CONSCIENTE, RESPIRA E CONSEGUE TOSSIR

• Encorajar a tosse e vigiar se a obstrução é ou não resolvida.

2. SE A VITIMA MOSTRA SINAIS DE OBSTRUÇÃO TOTAL

2a. Está consciente

• Cinco pancadas interescapulares (Figura 10.18)

o Colocar-se ao lado e ligeiramente por detrás da vítima;

o Suportar o corpo de vítima ao nível do tórax com uma mão, mantendo-a

inclinada para a frente numa posição tal que se algum objecto for deslocado com as

pancadas possa sair livremente pela boca;

o Aplicar até 5 pancadas interescapulares;

o Cada pancada deverá ser efectuada com a força adequada tendo como

objectivo resolver a obstrução;

o Após cada pancada deve verificar-se se a obstrução foi ou não

resolvida, aplicando até 5 pancadas no total;

• Se a obstrução não for resolvida com a aplicação das pancadas

interescapulares, passar à aplicação de compressões abdominais - Manobra de

Heimlich (Figura 10.19)

o Colocar-se por trás da vítima;

o Colocar os braços à volta da vítima ao nível da cintura;

o Fechar uma das mãos, em punho, e colocar a mão com o polegar

encostado ao abdómen da vítima, na linha média um pouco acima do umbigo e bem

afastada do apêndice xifóide (Figura 10.19);

o Com a outra mão agarrar o punho da mão colocada anteriormente e,

puxar com um movimento rápido e vigoroso para dentro e para cima na direcção do

reanimador;

Page 139: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

138

GRECAR

o Cada compressão deve ser um movimento claramente separado do

anterior e efectuado com a intenção de resolver a obstrução;

o Repetir as compressões abdominais até 5 vezes, vigiando sempre se

ocorre ou não resolução da obstrução e o estado de consciência da vítima.

• Repetir alternadamente 5 pancadas interescapulares e 5 compressões

abdominais até desobstrução

Figura 10.18 Pancadas interescapulares Figura 10.19 Posição do reanimador Figura 4.20 Manobra de para efectuar a manobra de Heimlich Heimlich

2b. A vítima está / fica inconsciente

A perda de consciência pode-se acompanhar de relaxamento dos músculos da laringe,

facto que pode só por si permitir a passagem de algum fluxo de ar.

• No caso de uma vítima de obstrução da via aérea ficar inconsciente durante a

tentativa de desobstrução da via aérea o reanimador deve:

o Colocá-la cuidadosamente no chão para não se magoar;

o Activar o sistema de emergência médica ligando 112;

o Iniciar compressões torácicas, seguindo o algoritmo de SBV.

Page 140: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

139

GRECAR

ALGORITMO DE TRATAMENTO DA OBSTRUÇÃO DA VIA AÉREA NO ADULTO

Notas

Durante a sequência de desobstrução, de cada vez que permeabilize a via aérea deve

verificar se foi expelido algum objecto que possa ser a causa da obstrução.

No caso de uma vítima encontrada inconsciente o algoritmo de actuação mantém-se

igual ao algoritmo de SBV.

RESUMO

• É fundamental conhecer os riscos para o reanimador e adoptar medidas universais

de protecção.

• O suporte básico de vida é uma medida de suporte que permite manter a vítima

viável até à chegada do suporte avançado de vida.

• É fundamental saber como e quando pedir ajuda e iniciar o mais precocemente as

manobras de SBV.

• A colocação de uma vítima inconsciente em PLS, permite manter a

permeabilidade da via aérea e minimizar o risco de aspiração do conteúdo gástrico.

• Reconhecer uma obstrução da via aérea e iniciar de imediato as medidas

adequadas pode evitar a paragem cardio-respiratória.

AVALIAR GRAVIDADE

OBSTRUÇÃO TOTAL (TOSSE INEFICAZ)

OBSTRUÇÃO PARCIAL (TOSSE EFICAZ)

INCONSCIENTE CONSCIENTE ENCORAJAR A TOSSE AVALIAR A EFICACIA DA

TOSSE

INICIAR COMPRESSÕES TORÁCICAS SBV

5 PALMADAS INTERESCAPULARES 5 COMPRESSÕES ABDOMINAIS

Page 141: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

140

GRECAR

CAPÍTULO 11

SBV EM AMBIENTE HOSPITALAR

Numa unidade de saúde deve existir de imediato equipamento auxiliar para a

reanimação, o que justifica alguma adaptação do algoritmo base do SBV, fazendo a sua

integração nos procedimentos de SAV. Estas adaptações são igualmente válidas para o

contexto pré-hospitalar quando, o mesmo equipamento e profissionais qualificados no

seu manuseamento se encontram presentes.

Em todas as paragens cardiorespiratórias em ambiente hospitalar é fundamental que:

• A paragem cardio-respiratória seja reconhecida imediatamente;

• Seja pedida ajuda através de um número de telefone standard;

• Seja iniciada imediatamente reanimação cardio-respiratória, recorrendo a

adjuvantes da via aérea, e se indicado proceder à desfibrilhação num espaço de 3

minutos.

A exacta sequência das acções depois da PCR no hospital depende de múltiplos

factores, incluindo:

1. Local;

2. Conhecimentos / treino dos profissionais;

3. Numero de profissionais;

4. Equipamento disponível;

5. Resposta do sistema de emergência existente no hospital, ex. equipa de

reanimação.

1. Local

Doentes que estejam monitorizados, as PCR normalmente são diagnosticados

rapidamente. Doentes graves podem ter um período de deterioração e a paragem pode

Page 142: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

141

GRECAR

não ser presenciada. Idealmente, todos os doentes que apresentem alto risco de

paragem cardíaca deverão estar numa área que permita a sua monitorização para que,

rapidamente sejam reanimados em caso de paragem.

2. Conhecimentos / treino dos profissionais

Todos os profissionais de saúde deveriam ser capazes de reconhecer a paragem

cardíaca, chamar por ajuda e iniciar reanimação cardio-respiratória.

As equipas deveriam fazer aquilo para o qual foram treinados. Por exemplo, as equipas

dos cuidados intensivos e da urgência deverão possuir aptidões específicas do suporte

avançado de vida, que os outros profissionais de outras áreas envolvidos na reanimação

não possuem.

Os profissionais que actuam na reanimação poderão ter diferentes níveis de aptidões na

abordagem da via aérea, respiração e circulação. O reanimador deve realizar os

cuidados para os quais está mais habilitado e treinado.

3. Numero de profissionais

Na presença de um único profissional, este deve assegurar a activação do pedido de

ajuda. Se outros profissionais estão presentes, devem ser desencadeadas outras acções

em simultâneo.

4. Equipamento disponível

Todas as áreas clínicas deveriam ter acesso rápido ao equipamento e fármacos de

reanimação para que imediatamente se proceda à aplicação do suporte avançado de

vida.

Idealmente, o equipamento usado na reanimação (incluindo desfibrilhador) e os fármacos

deverão estar standardizados no hospital.

5. Equipa de reanimação

A activação da equipa de reanimação pode ser a tradicional, em que esta equipa é

activada apenas quando uma paragem é diagnosticada.

Page 143: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

142

GRECAR

Outra alternativa é o hospital criar estratégias de identificação de doentes com risco de

desenvolverem paragem cardíaca e activar a equipa médica de emergência antes da

paragem suceder. Em ambiente hospitalar a paragem cardíaca raramente é súbita e

inesperada. Um plano de identificação de doentes com risco de paragem cardíaca podo

prevenir algumas possíveis paragens, ou pode evitar reanimações fúteis nos doentes que

não beneficiaram com a reanimação.

5.1 SEQUÊNCIA DE REANIMAÇÃO EM AMBIENTE HOSPITALAR

Quando um profissional de saúde se depara com um doente aparentemente inconsciente

deve:

• Gritar por ajuda;

• Avaliar o estado de consciência;

• Se mais profissionais estão no local, várias acções podem ocorrer em simultâneo.

1. AVALIAR ESTADO DE CONSCIÊNCIA

1a. O doente está consciente

• Activar a equipa medica de emergência (dependente do protocolo existente);

• Administrar oxigénio;

• Monitorizar e colocar acesso venoso.

1b. O doente está inconsciente

• Gritar por ajuda;

• Colocar o doente em decúbito dorsal;

A. Permeabilizar via aérea

o Extensão da cabeça e elevação do queixo / sub-luxação da mandíbula

se suspeita de lesão cervical;

o Verificar cavidade oral – se tem corpo estranho, secreções, conteúdo

gástrico… Remover, aspirar.

Page 144: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

143

GRECAR

B e C. Avaliar Sinais de Circulação – 10 seg

o VER se existe movimentos torácicos;

o OUVIR se existem ruídos de saída de ar junto à boca e nariz do doente

o SENTIR na sua face se há saída de ar pela boca do doente

o Palpar pulso carotídeo

2. O DOENTE APRESENTA SINAIS DE CIRCULAÇÃO

• Avaliar ABCDE;

• Activar equipa médica de emergência;

• Administrar oxigénio;

• Monitorização;

• Colocar acesso venoso.

3. O DOENTE NÃO TEM SINAIS DE CIRCULAÇÃO

3a. Doente com paragem respiratória (tem pulso)

• Activar equipa de emergência médica;

• Efectuar 10 ventilações;

• Verificar pulso a cada 10 ventilações.

3b. Doente com paragem cardio-respiratória

• Activar equipa de emergência médica;

• Iniciar reanimação cardio-respiratória

30 compressões torácicas / 2 ventilações.

Page 145: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

144

GRECAR

NOTA

• Enquanto se aguarda pela equipa de emergência e se inicia o SBV, devem

igualmente ser iniciadas outras medidas básicas dependendo do número de

elementos e recursos disponíveis no local:

o Administração de oxigénio

o Monitorização cardíaca

o Acesso venoso

o Mobilização de carro de emergência e desfibrilhador para o local.

• Se estiver presente apenas uma pessoa a activação da equipa de emergência

continua a ser prioritária nem que isso signifique abandonar o doente; se estiverem

presentes 2 ou mais pessoas podem ser asseguradas as tarefas anteriormente

descritas e mantido o SBV.

• A abordagem da via aérea deve ser efectuada com o equipamento mais

apropriado, de acordo com as competências dos elementos presentes, o que poderá

acontecer usando uma máscara de bolso conectada a uma fonte de oxigénio ou

utilizando o insuflador manual igualmente conectado a uma fonte de oxigénio.

Enquanto a via aérea não se encontrar protegida, são recomendados volumes

correntes de 400-600 ml, que se considera serem suficientes para assegurar uma

oxigenação adequada reduzindo o risco insuflação gástrica e consequente aspiração.

• A relação compressões/ventilações devem ser 30:2 enquanto a via aérea não

estiver protegida. Após a entubação endotraqueal e insuflação do cuff, as

compressões devem ser mantidas continuamente a uma frequência de 100 /min e a

ventilação deve ter uma frequência de 10 /min, sem sincronização com as

compressões.

• Logo que esteja disponível o desfibrilhador, o doente deve ser monitorizado e o

ritmo analisado, decidindo se está ou não indicada a desfibrilhação. No caso de estar

presente um ritmo desfibrilhável, a desfibrilhação é prioritária em relação a qualquer outro

procedimento incluindo a ventilação e protecção da via aérea.

• Se existirem elementos suficientes, deverão ser preparados os fármacos e

estabelecido um acesso venoso.

Page 146: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

145

GRECAR

• Um dos elementos deve ser responsável pela liderança da equipa e registos. O

processo clínico deve estar disponível para consulta imediata para conhecimento da

situação clínica. A transmissão de informação ao líder da equipa de reanimação deverá

ser a mais precisa e objectiva possível.

ALGORITMO DO SBV INTRA-HOSPITALAR

Seguir o ABCDE Reconhecer e tratar

O2, Monitorização e Acesso Venoso

Chamar a Equipa de Emergência se necessário

Colaborar com a Equipa de Emergência

DOENTE EM APARENTE COLAPSO

GRITAR POR AJUDA (EX.: PORTA DA ENFERMARIA) VOLTA PARA JUNTO DO DOENTE

Sinais de Vida NÃO

Chamar a Equipa de Emergência

RCP 30:2 O2 e Adjuvante da VA

Monitorizar Desfibrilhar se necessário

SAV Com a Equipa de Emergência

SIM

Page 147: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

146

GRECAR

CAPITULO 12

MONITORIZAÇÃO ANTES, DURANTE E APÓS A

PARAGEM CARDIACA

INTRODUÇÃO

Até ao momento não existem critérios clinicos eficazes que possam ser utilizados pelos

médicos e que permitam avaliar a eficácia da CPR. Embora o CO2 expirado possa servir

como um indicador de debito cardiaco produzido pelas compressões esternais e pode

indicar o regresso de circulação espontânea.

O principal objectivo da monitorização ECG é a identificação do ritmo para instituir de

imediato o tratamento correcto.

Nas situações de disritmia peri-paragem, a monitorização ECG permite a identificação da

arritmia em questão, promovendo o seu tratamento precoce com o objectivo de evitar a

sua evolução para paragem cardíaca.

A leitura correcta do traçado ECG exige experiência, mas o cumprimento sistemático das

regras básicas de interpretação do traçado facilitam a identificação, rápida e correcta do

ritmo.

A incapacidade de diagnosticar atempadamente ritmos desfibrilháveis, é o principal

obstáculo à desfibrilhação precoce e, consequentemente à eficácia das manobras de

Suporte Avançado de Vida, o que levou à criação dos Desfibrilhadores Automáticos ou

Semi – Automáticos Externos (DAE). Estes aparelhos fazem a análise automática do

ritmo e quando identificam ritmos desfibrilháveis, carregam-se automaticamente e

informam o operador de que se trata de um ritmo desfibrilhável e de quando é possível

accionar o choque eléctrico. Desta forma foi possível aumentar o número de indivíduos

com capacidade para desfibrilharem. Estes desfibrilhadores devem ser utilizados por

elementos que não têm formação suficiente para interpretarem ritmos

electrocardiográficos.

A leitura correcta do traçado ECG implica reconhecer ritmos que possam cursar com

compromisso do débito cardíaco, que possam anteceder a paragem cardíaca ou

complicar o período de recuperação pós reanimação de paragem cardíaca. Mais

importante que identificar o ritmo exacto, é saber que se trata de um registo ECG

Page 148: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

147

GRECAR

anormal e avaliar a sua repercussão sobre o débito cardíaco, isto é, a sua tradução em

termos hemodinâmicos. Por exemplo, num doente com bradiarritmia é essencial saber se

existe compromisso hemodinâmico e iniciar o tratamento adequado, sendo a

identificação exacta do ritmo secundária.

De forma semelhante, a mesma taquidisritmia pode ter diferentes consequências em

doentes com patologia e reserva funcional cardíaca distintas.

Em conclusão, em situações urgentes/emergentes, o mais importante é saber avaliar a

repercussão hemodinâmica da arritmia, a sua classificação precisa é secundária.

Avaliação da Hemodinâmica

Pressão de Perfusão Coronária

A pressão de perfusão coronária (CPP = pressão de relaxamento aortico [diastolo]

menos a pressão de relaxamento da auricula direita) durante a CPR correlaciona-se quer

com o fluxo de sangue miocardico e circulação espontânea. Uma CPP >15 mmHg é

predictiva de recuperação de circulção. Em estudos animais, um aumento da CPP

correlaciona-se com melhor sobrevida às 24 horas, e com melhoria dos fluxos coronários

quando se utiliza adrenalina, vasopressina e angiotensina II.

Em situações de monitorização intra-arterial durante a reanimação, os clínicos deverão

tentar optimizar e maximizar a pressão diastolica para adquirir uma PCC optima.

Assumindo-se uma pressão auricular de 10 mmHg, deveremos ter uma pressão aortica

ideal de 30 mmHg para manter uma CPP >20 mmHg durante a reanimação. Infelizmente

este tipo de monitorização raramente é possível fora do ambiente de cuidados intensivos.

Pulsos

É frequente a avaliação do pulso arterial durante as compressões esternais para avaliar a

eficácia das mesmas. Nenhum estudo conseguiu até à data validar a utilidade destas

avaliações durante as manobras. Como não à valvulas na veia cava inferior, o fluxo

retrogado no sistema venoso pode produzir pulsação da veia femural. Então a palpação

Page 149: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

148

GRECAR

de um pulso no triangulo femural pode confundir a existencia de pulso arterial femural.

Pulsação carotidea palpada durante as manobras também não quer indicar eficácia de

circulação coronária, miocárdica e ou cerebral.

Avaliação dos Gases Respiratórios

Gasimetria Arterial

A avaliação da gasimetria durante a paragem cardiaca não é um indicador fiável da

gravidade da hipoxia, hipercarbia ( e portanto da eficacia ventilatória) ou acidose

tecidular.

Oximetria

Durante a paragem cardiaca a oximetria não funciona, porque o pulso periférico é

ineficaz. A oximetria de pulso é utilizada para monitorizar doentes nos departamentos de

emergência e cuidados intensivos que não estão em situação de paragem cardiaca,

porque é um metodo simples, fácil e em continuo de avaliar a saturação da

oxihemoglobina.

Uma oximetria de pulso com valores de saturação nomal, não assegura um fornecimento

de oxigénio adequado, porque não calcula o conteudo total de oxigenio (O2 ligado à

hemoglobina + O2 dissolvido) e o débito cardiaco.

A tensão tecidular de O2 não é normalmente avaliada durante CPR, mas pode fornecer

um mecanismo para avaliar a perfusão tecidular, porque tensão parcial de O2

transtecidular cai rapidamente durante a paragem cardiaca e regressa ao valor basal

quando é restaurada a circulação espontanea.

Monitorização do CO2 expirado

A monitorização do CO2 expirado é um indicador seguro e não invasivo de débito

cardiaco durante a reanimação, e pode ser um indicador precoce de recuperação de

ventilação espontânea. Durante a paragem cardiaca o CO2 continua a ser produzido. O

grande determinante da sua excreção é a taxa de transporte da circulação periférica para

Page 150: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

149

GRECAR

os pulmões. Num estado de baixo fluxo durante a CPR, a ventilação é comparativamente

mais alta em relação ao fluxo, e por isso a concentração de CO2 expirado é baixo.

Se a ventilação é razoavelmente constante, então alterações na concentração do CO2

expirado, reflecte alterações no débito cardiaco.

Numa série de 774 doentes entubados em paragem cardiaca em reanimação e que

tinham valores máximos de CO2 expirado de < 10 mmHg tiveram o pior prognóstico.

Em resumo, a monitorização do CO2 expirado durante a paragem cardiaca pode ser um

indicador útil não invasivo de débito cardiaco produzido durante as manobras.

Em doentes que recuperam da paragem, monitorização continua ou intermitente do CO2

expirado assegura que o TOT está bem posicionado na traqueia. Pode ainda dar

indicações da ventilação, especialmente ao correlacionar com o PaCO2 medido na

gasimetria arterial.

Monitores Cardíacos

Existem vários tipos de monitores cardíacos, tendo em comum várias características,

todas têm um ecrã para visualização do ritmo cardíaco e alguns permitem imprimir e

gravar os registos ECG. Há monitores que permitem a análise automática do ritmo,

(como os DAE) e muitos determinam a frequência cardíaca e têm alarmes automáticos

pré-estabelecidos.

Eléctrodos de Monitorização

Quando há tempo para efectuar monitorização ECG, é preferível usar eléctrodos

adesivos colados ao tórax do doente, em áreas previamente depiladas ou limpas com

álcool. Estes geralmente têm cores codificadas, o que simplifica a sua utilização: o

vermelho no ombro direito, o amarelo no ombro esquerdo e o verde na região epigástrica

ou por baixo do peitoral esquerdo, de preferência sobre eminências ósseas para

minimizar as interferências eléctricas. A região précordial deve ficar livre para o caso de

ser necessário fazer compressões e/ou desfibrilhação.

• DI: + no ombro esquerdo e – no ombro direito

Page 151: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

150

GRECAR

• DII: - na clavícula direita e + no tórax inferior esquerdo

• DIlI: - na clavícula esquerda e + no tórax inferior esquerdo

Estas posições, permitem registos semelhantes aos das derivações DI, DII e DIII do ECG

convencional. Habitualmente selecciona-se a derivação DII, que é aquela que permite

visualizar melhor a onda P, com complexo QRS com amplitude suficiente para permitir a

leitura da frequência cardíaca.

Monitorização após Paragem Cardíaca

Em situações de paragem cardíaca, é fundamental visualizar o ritmo rapidamente. A

maioria dos desfibrilhadores permite monitorizar o ritmo com as pás aplicadas sobre o

tórax, o que tem vários inconvenientes, como o registo de várias interferências e a

interrupção da monitorização com o início das compressões torácicas. Pelo que as pás

devem ser aplicadas com pressão sobre o tórax e para análise rápida e temporária do

ritmo cardíaco, até iniciar monitorização mais adequada com os eléctrodos.

Outra alternativa, é a monitorização com almofadas de gel, que têm a desvantagem de

registarem "falsas assistolias", após várias desfibrilhações seguidas, por aumento da

impedância do gele. Nestes casos é necessário aplicar os eléctrodos de monitorização

clássicos.

Monitorização com DAE

Os DAE e vários desfibrilhadores multifunções utilizam eléctrodos multifunções

impregnados de gel, que permitem simultaneamente registar o ritmo e desfibrilhar

(choque de mãos livres). Os eléctrodos devem colocar-se por baixo da clavícula à direita

e à esquerda fora da área do choque da ponta. Caso não seja possível, devem ser

colocados em posição antero-posterior (trauma grave nos locais descritos ou pace

implantado à direita).

A maioria dos desfibrilhadores automáticos e semi-automáticos externos (DAE), permite

a monitorização cardíaca com eléctrodos aplicados nos locais onde se colocam as pás

para a desfibrilhação, desempenhando em simultâneo as funções de eléctrodos e pás de

desfibrilhação.

Page 152: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

151

GRECAR

Diagnóstico Baseado no Registo do Monitor Cardíaco

A imagem do écran e os registos impressos a partir dessa imagem só permitem

identificar o ritmo cardíaco, não permitindo a avaliação do segmento ST ou outras

interpretações mais elaboradas. É fundamental registar uma tira de ritmo, para

documentação das ocorrências durante a reanimação.

O ECG de 12 derivações deve ser obtido assim que seja possível, porque não pode ser

feito um diagnóstico preciso apenas com a imagem do monitor. Só um registo de 12

derivações permite obter toda a informação ECG possível, para iniciar o tratamento

adequado. Da mesma forma, deve ser registado de forma contínua a resposta ao

tratamento, nomeadamente aos antiarrítmicos, pela possibilidade de nos dar informações

importantes sobre a natureza e origem da disritmia.

Conceitos Básicos de Electrofisiologia

A contracção do músculo cardíaco resulta da despolarização das membranas celulares.

Em repouso, a célula miocárdica e o tecido de condução estão polarizadas,

apresentando uma diferença de potencial, de aproximadamente 90 mV, entre o interior e

o exterior da célula. O processo de despolarização anula este diferencial com entrada e

saída de iões a que se segue a contracção muscular.

Na ausência de patologia, a despolarização inicia-se no nodo sino-auricular, tecido de

condução dotado de despolarização automática localizado na aurícula direita, e propaga-

se a toda a aurícula desencadeando a sua contracção.

A onda de despolarização atinge o nodo aurículo-ventricular, onde sofre um atraso de

condução, propagando-se posteriormente para o ventrículo, através do Feixe de His.

Este divide-se em ramo direito (despolarização do ventrículo direito) e em ramo

esquerdo, que se subdivide em feixe anterior e posterior. Os ramos do feixe de His vão-

se subdividindo até formarem a rede de Purkinje. O complexo QRS corresponde à

despolarização ventricular e a onda T, que se segue ao complexo QRS, corresponde à

repolarização ventricular.

Page 153: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

152

GRECAR

Como Ler uma Tira de Ritmo

A interpretação correcta do ritmo, pode ser facilitada pela aplicação de princípios básicos.

Colocar as seguintes questões, para interpretação de qualquer traçado:

• Há actividade eléctrica?

• Qual é a frequência ventricular (do QRS)?

• O ritmo é regular ou irregular?

• A duração do QRS é normal ou está alargada?

• Há actividade auricular?

• Qual é a relação da actividade auricular com a ventricular?

Há Actividade Eléctrica?

Na ausência de sinais eléctricos, primeiro confirmar todas as conexões e aumentar o

ganho do ECG, para eliminar a hipótese de se tratar de um artefacto. Se confirma a

ausência de actividade eléctrica, estamos perante uma assistolia. Quando coexistem a

assistolia auricular e ventricular, o traçado é uma linha sem deflecções, mas que tem

frequentemente interferências do registo de base ou do movimento da vítima causado

pelos reanimadores. O aparecimento de uma linha recta no monitor significa que este

não está ligado aos eléctrodos, o que obriga a verificar as conexões.

É fundamental reconhecer o ritmo em que persista actividade auricular (traduzida por

ondas P) apesar da assistolia ventricular (ausência de complexos QRS), por breves

instantes, porque é uma indicação formal para aplicação de pacemaker.

Quando se reconhece que há actividade eléctrica, a próxima etapa é tentar identificar

complexos QRS. Na fibrilhação ventricular não se identificam complexos QRS, o ritmo

ventricular é caótico e não existe contracção muscular eficaz. No traçado são visíveis

ondas disformes, sem regularidade ou ritmicidade. Pode ser classificada em grosseira ou

fina, de acordo com a amplitude das ondas. O tratamento é o mesmo, para as duas

situações.

Após concluirmos que existem complexos QRS, segue-se a seguinte pergunta:

Page 154: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

153

GRECAR

Qual é a Frequência Ventricular?

A frequência ventricular normal situa-se entre os 60-100 bat/min. Na bradicardia, as

frequências são inferiores a 60 bat/min e na taquicardia são superiores a 100 bat/min. O

papel electrocardiográfico convencional está calibrado em milímetros, com linhas

reforçadas cada 5 mm (0,5 cm). No papel padrão 25 mm (2,5 cm) equivalem a 1

segundo, ou seja a 5 quadrados largos.

• Para determinar a frequência ventricular, contam-se os QRS durante um certo

tempo e calcula-se a frequência por minuto. Por exemplo, se são contados 15

QRS em 50 quadrados largos (10 segundos), a frequência é de 15 x 6 = 90

bat/min.

• Uma forma mais rápida, é contar o número de quadrados largos (5 mm) entre dois

complexos QRS consecutivos, e dividir 300 por esse número, o que dá a

frequência dos QRS por minuto.

• Outra forma de determinar a frequência é contar o número de quadrados

pequenos (1mm) entre dois QRS consecutivos e dividir 1.500 por esse valor.

Exemplo do Cálculo da Frequência Cardíaca:

1. Em 6 seg. contam-se 10 complexos QRS: a frequência cardíaca é de

10 x 10 = 100 bat/min;

2. Entre dois QRS consecutivos existem 5 quadrados grandes, logo a frequência será de

300:5 = 60 bat/min;

3. Entre dois QRS consecutivos contam-se 20 quadrados pequenos, a frequência será de

1500 : 20 = 75 bat/min.

O padrão é Rítmico ou Arrítmico?

Para frequências cardíacas elevadas por vezes é difícil perceber se trata de uma arritmia,

por os complexos QRS se encontrarem muito próximos. Por exemplo, uma fibrilhação

auricular pode ser claramente irregular se a frequência for baixa, mas parecer regular

para frequências de 170 bat/min. Nestes casos, devem-se comparar minuciosamente os

intervalos R-R de complexos adjacentes, em diferentes momentos do registo, para tentar

identificar um ritmo irregular. Esta tarefa pode ser simplificada pela utilização de uma

Page 155: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

154

GRECAR

régua. Alternativamente, marca-se a posição de quatro pontos (por ex. a ponta da onda

R) idênticos e adjacentes no ciclo cardíaco, numa tira de papel e sobrepõem-se as

marcas feitas noutro local da tira de ritmo. Se o ritmo for regular as marcas coincidem

com as pontas das ondas R, se o ritmo for irregular alguns complexos não irão coincidir.

Em casos mais complicados, pode ser útil registar uma tira de ritmo adicional durante a

massagem do seio carotídeo (diminui transitoriamente a frequência cardíaca). Após se

concluir, de que se trata de um ritmo irregular, deve-se mencionar se o ritmo é totalmente

irregular ou se existem variações cíclicas nos intervalos R-R. Nas arritmias completas,

sem onda P visível, mas com complexos QRS de morfologia semelhante, o diagnóstico

provável é de fibrilhação auricular.

Se o ritmo dos complexos QRS é regular, deve-se pesquisar a presença de complexos

ectópicos (com origem em focos anormais). Se estes complexos surgem precocemente

do QRS (precoces), dizem-se prematuros e designam-se extra-sístoles. Se surgem

tardiamente, após falhar um complexo do ritmo de base, chamam-se complexos de

escape. A morfologia do QRS depende do foco que o originou.

A ocorrência de complexos de escape, traduz a falência intermitente do "pacemaker" que

comanda o coração, tendo o complexo de escape origem num "pace" auxiliar.

Os complexos ectópicos podem ocorrer de forma isolada, aos pares ou em salvas. Se

ocorrem três ou mais complexos em sucessão rápida, trata-se de uma taquicardia; se

ocorrem em salvas e são auto limitadas, designam-se complexos paroxísticos.

A Duração do QRS é Normal ou está Alargada?

Em condições normais, o QRS tem uma duração inferior a 0,12 seg. (3 quadrados

pequenos). Se os QRS são estreitos (< 0,12 seg.), o ritmo tem origem supraventricular,

se os complexos são largos (> 0,12 seg.), podem ter origem nas aurículas ou no

ventrículos.

Se os complexos alargados têm origem nas aurículas, isto significa que existem

distúrbios na condução aurículo-ventricular (feixes de condução aberrante), ou seja o

estímulo não é conduzido directamente ao tecido de condução ventricular. Neste caso, o

QRS surge após uma onda P. Nos bloqueios completos de ramo, os complexos QRS

alargados têm origem nos ventrículos.

Page 156: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

155

GRECAR

Há actividade auricular?

Deve-se pesquisar sistematicamente a existência de actividade auricular, em todas as

tiras de ritmo, o que pode ser complicado pois as ondas T podem ser pontiagudas,

bifásicas ou invertidas e podem preceder ou suceder o QRS. Esta análise deve ser feita

num ECG de 12 derivações, para se observar as diferentes morfologias da onda P, nas

várias derivações. Se necessário registam-se tiras de ritmo.

As ondas P podem alterar a configuração dos complexos QRS, segmento ST ou ondas

P. As ondas P podem ficar ocultas pelas ondas T ou U.

A derivação DII, porque coincide com o maior eixo da despolarização auricular, é a

melhor derivação para analisar a onda P. Existem outras derivações adicionais, como a

V1, que permite um bom registo da actividade auricular. Esta obtém-se colocando uma

pá sobre segundo espaço intercostal direito e outra no quarto espaço intercostal direito.

Outra forma de revelar a actividade auricular é provocar a redução da frequência do

QRS. Na taquicardia supraventricular, pode-se provocar bloqueio aurículo-ventricular

pela realização de manobras vagotónicas ou pela administração endovenosa de

Adenosina. Por exemplo, uma taquicardia de complexos estreitos a 150 bat/min pode

corresponder a um flutter 2:1, evidenciado por estas manobras. As ondas em dente de

serra, típicas do flutter auricular, identificam-se melhor nas derivações DII, DIII e aVF,

para frequências de 300 bat/min. Por vezes a amplitude da actividade auricular na

fibrilhação auricular é tão baixa, que parece não existir.

Da mesma forma que para os complexos QRS, assim se determina a frequência e a

regularidade da onda P. É fundamental analisar a relação entre a onda P e o QRS. A

morfologia da onda P, pode dar informações importantes quanto ao ritmo. Se a

despolarização tem início no nodo sino-auricular, as ondas P são pontiagudas em DII e

aVF. Se o ritmo é juncional ou tem origem ventricular, pode ocorrer estimulação

retrógrada da aurícula através do nodo aurículo-ventricular, pelo que as ondas P são

invertidas nestas derivações (a despolarização auricular ocorre em sentido inverso ao

normal).

Como se Relaciona a Actividade Auricular com a Ventricular?

Se o intervalo entre a onda P e o complexo QRS que se lhe segue é sempre o mesmo, o

mais provável é que a actividade auricular e ventricular estejam relacionadas. Na

Page 157: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

156

GRECAR

fibrilhação auricular, a actividade ventricular é determinada pela actividade auricular mas

não existe qualquer relação sistemática entre si, com arritmia e irregularidade dos QRS.

Existem ritmos em que a actividade auricular e ventricular são independentes. Noutros

casos, existem focos auriculares múltiplos e bloqueios aurículo-ventriculares (BAV)

variáveis, que complicam a análise dessa relação. Nestes traçados convém analisar as

ondas P em mais do que uma derivação, quanto à sua forma, frequência e ritmo, de

forma independente dos complexos QRS. No fim, comparar as duas observações e

concluir pela relação ou não entre as ondas P e os complexos QRS.

RITMOS DE PARAGEM CARDÍACA

• Fibrilhação ventricular (FV)

• Taquicardia ventricular sem pulso (TV sp)

• Assistolia ventricular

• Dissociação electromecânica (DEM)

• Bradicardia extrema

Fibrilhação Ventricular

Na fibrilhação ventricular, o miocárdio ventricular sofre despolarizações múltiplas, sem

qualquer coordenação da actividade eléctrica. É um ritmo irregular, rápido e bizarro, com

uma frequência e amplitude sem qualquer regularidade aparente. Pode ser classificada

em grosseira ou fina, dependendo da amplitude dos complexos. A fibrilhação fina pode

confundir-se com a assistolia. Na dúvida não desfibrilar.

O traçado da fibrilhação ventricular habitualmente é típico, mas pode-se confundir com a

taquidisritmia com condução AV aberrante do Síndrome de Wolff-Parkinson-White e com

a taquicardia ventricular polimórfica, porque ambas têm traçado ECG irregular, variável e

podem-se acompanhar de compromisso hemodinâmico.

Na suspeita de fibrilhação ventricular fina, aumentar o ganho do monitor e verificar todas

as conexões.

Page 158: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

157

GRECAR

Taquicardia Ventricular

A taquicardia ventricular (TV) pode cursar com ausência do débito cardíaco, se a

frequência ventricular for muito elevada ou se a função ventricular já estiver

comprometida. O tratamento da TV sem pulso é o mesmo da fibrilhação ventricular:

desfibrilhação imediata. Se o doente tem pulso e os complexos QRS são alargados,

trata-se de TV de complexos largos cujo tratamento está descrito no capítulo das

disritmias peri-paragem.

Na taquicardia ventricular monomórfica, o ritmo é regular com frequências entre os 120 –

170 bat/min. A actividade auricular geralmente mantém-se e pode ser visível no traçado

ECG, gerando complexos de fusão ou de captura, quando pontualmente ocorre

condução da actividade auricular para os ventrículos.

Pode ocorrer taquicardia ventricular de complexos largos mas de origem supraventricular,

quando existem distúrbios da condução intraventricular, como é o caso dos bloqueios

completos de ramo, direito ou esquerdo. Após o enfarte agudo do miocárdio, os QRS

largos devem ser interpretados como de origem ventricular, devendo-se ignorar a

hipótese de ritmo supraventricular com condução aberrante. A torsade de pointes é uma

variante de taquicardia ventricular polimórfica, em que os complexos são pontiagudos,

com uma variação regular do eixo, o que lhe confere um aspecto sinusoidal. Este ritmo é

mais frequente em doentes com Síndrome de QT longo ou com repolarização anormal

(onda T profunda e invertida e algumas bradicardias). A fibrilhação ventricular também

pode ter um aspecto sinusoidal, sobretudo no início e de curta duração; mas a análise

continua do traçado mostra uma maior variabilidade da morfologia do QRS. A

identificação do ritmo de torsade de pointes é fundamental, porque o seu tratamento

(com β-bloqueantes, magnésio ou pace) é distinto do tratamento recomendado para

outras taquiarritmias ventriculares. Não raramente, estão na sua origem distúrbios

electrolíticos como a hipokalemia e/ou hipomagnesemia, que devem ser corrigidos. Não

esquecer que a torsade de pointes pode desencadear uma fibrilhação ventricular.

Assistolia

Habitualmente a assistolia auricular e ventricular coexistem, pelo que o traçado é uma

linha sem deflexões. Contudo podem-se observar deflexões por interferências múltiplas,

anteriormente descritas, que se podem confundir com fibrilhação ventricular fina.

Page 159: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

158

GRECAR

Uma linha totalmente recta ocorre quando um dos eléctrodos está desligado ou existe um

problema com as conexões. Se possível, avaliar uma derivação diferente e interromper o

contacto com o corpo do doente por instantes, para excluir interferências.

Recomendação: Para confirmar o diagnóstico de assistolia deve-se:

• Confirmar se as derivações estão colocadas correctamente;

• Aumentar o ganho (amplitude) do registo;

• Mudar de derivação.

Atenção: A actividade auricular pode ocorrer por um curto período de tempo após o

início da assistolia ventricular. Neste caso o traçado ECG, mostra uma linha interrompida

por ondas P, sem sinais de despolarização ventricular.

Dissociação Electromecânica (DEM)

A dissociação electromecânica significa a existência de actividade eléctrica normal ou

quase, mas com diminuição acentuada do débito cardíaco, que na clínica equivale a

paragem cardíaca.

O diagnóstico de DEM implica a identificação de um ritmo ECG que habitualmente se

acompanha de função ventricular normal ou quase, mas que se acompanha de ausência

de débito cardíaco eficaz, ou seja, ausência de pulso.

Bradiarritmias

O diagnóstico de bradicardia implica frequências cardíacas inferiores a 60 bat/min e o

seu tratamento de emergência é a Atropina e/ou pacemaker e/ou fármacos

simpaticomiméticos como a Adrenalina. Em primeiro lugar, analisar as repercussões

hemodinâmicas da bradicardia e posteriormente esclarecer a causa da bradiarritmia.

A emergência do tratamento da bradiarritmia é avaliada pelo risco de assistolia. Não

esquecer que a bradiarritmia pode preceder uma paragem cardíaca.

A bradiarritmia mais importante é o bloqueio AV completo adquirido (bloqueio AV de 3º

grau). A presença de um ritmo de escape (25 -50 bat/min), sem qualquer relação com o

Page 160: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

159

GRECAR

ritmo auricular (fibrilhação/flutter auricular ou outro ritmo supraventricular), sugere o seu

diagnóstico.

Bloqueios Aurículo-Ventriculares (BAV)

BAV de 1º Grau

No BAV de 1º grau, o intervalo PR (início da onda P ao início do QRS) é superior a 0,20

seg. e é um achado frequente. Ocorre por lentificação da condução AV (nodo AV ou feixe

de His) e pode ser fisiológico em alguns indivíduos (atletas de competição).

Outras causas de BAV de 1º grau, são: lesão isquémica do miocárdio, fibrose do

miocárdio e alguns fármacos.

BAV de 2º Grau

No BAV de 2º grau nem todas as ondas P são conduzidas, e podem ser de 2 tipos:

• BAV Mobitz tipo I, com fenómeno de Wenckenbach

• BAV Mobitz tipo II

No BAV de 2º grau com fenómeno de Wenckenbach, o intervalo PR vai aumentando de

sístole para sístole, até que a onda P deixa de ser conduzida e isto repete-se

ciclicamente. É um fenómeno frequentemente observado após EAM inferior. Se

assintomático, não tem indicação para tratamento, mas a presença de fenómeno de

Wenckenbach aumenta o risco de evolução para BAV completo.

No BAV de 2º grau Mobitz tipo II, nem todas as ondas P são conduzidas, sem que haja

uma relação AV fixa. Por exemplo, se em cada duas ondas P só uma é conduzida diz-se

que é um bloqueio de 2:1 ou se em cada três ondas P só uma não é conduzida, diz-se

que o bloqueio é de 3:1.

BAV 3º Grau ou Completo

No BAV completo a actividade auricular (onda P) é independente da actividade

ventricular (complexo QRS). A frequência do pace ventricular depende da sua

localização. O pace com origem no nodo AV ou no feixe de His tem uma frequência de

40 -50 bat/min e aquele com origem nas fibras de Purkinje tem uma frequência de 30 - 40

bat/min, tendo maior risco de falência súbita.

Page 161: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

160

GRECAR

Ritmos de escape

Se o pacemaker natural do coração falhar, outra parte do tecido de condução do coração

dotada de automaticidade dispara, assumindo o controle da despolarização cardíaca.

Surge assim um ritmo de escape, habitualmente mais lento que o ritmo sinusal normal.

O ritmo de escape idioventricular descreve um ritmo com origem no miocárdio ventricular,

mas com frequência cardíaca normal. Observa-se frequentemente com a reperfusão

miocárdica pós trombólise e não afecta o prognóstico, desde que a frequência se

mantenha elevada.

O complexo QRS de um ritmo idioventricular é largo (superior a 0,12 seg.) enquanto que

o QRS dos ritmos juncionais são estreitos ou largos, consoante haja ou não distúrbios da

condução intraventricular.

Ritmo Agónico

O ritmo agónico caracteriza-se por complexos QRS largos, lentos e irregulares com

morfologia variável. Observa-se com frequência, na fase final da tentativa de reanimação

sem sucesso. Os complexos vão ficando cada vez mais largos, até desaparecerem todos

os vestígios de actividade eléctrica.

RESUMO

• Durante as manobras de reanimação é fundamental a monitorização adequada do

ritmo cardíaco.

• É essencial o conhecimento básico da monitorização ECG, porque as decisões

terapêuticas são feitas em sua função.

• A avaliação ECG requer treino e experiência, pelo que deve ser feita de forma

sistematizada.

• A Desfibrilhação Automática Externa (DAE) permite ultrapassar o problema da

interpretação ECG e identificar mais rápida e correctamente os ritmos

desfibrilháveis.

Page 162: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

161

GRECAR

Ritmo sinusal

Assistolia

Fibrilhação ventricular

Fibrilhação auricular

Fibrilhação ventricular fina

Page 163: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

162

GRECAR

Flutter auricular

Torsade de pointes

Bradicardia sinusal

Extrassístoles ventriculares

Taquicardia venticular

Page 164: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

163

GRECAR

Ritmo de pacemaker

Bloqueio AV 2º grau Mobitz tipo I

Bloqueio AV 2º grau 2:1

Bloqueio AV 1º grau

Bloqueio AV 2º grau Mobitz tipo II

Page 165: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

164

GRECAR

Bloqueio AV completo ou BAV 3º grau

Taquicardia supraventricular

Ritmo agónico

Page 166: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

165

GRECAR

CAPITULO 13

DESFIBRILHAÇÃO ELÉCTRICA

INTRODUÇÃO

Quando ocorre uma fibrilhação ventricular ou uma taquicardia ventricular sem pulso,

cessa de imediato o débito cardíaco e consequentemente é interrompida a circulação

cerebral, surgindo lesões de hipóxia em apenas 2 minutos. Para que se possa conseguir

uma recuperação neurológica total é necessário restaurar, o mais precocemente

possível, o débito cardíaco. Para tal a desfibrilhação deve ser efectuada de imediato. Na

eventualidade de um desfibrilhador não estar de imediato disponível deve ser iniciado

SBV. O SBV é uma situação de suporte que permite manter algum débito cardíaco e

algum grau de oxigenação, com o objectivo de manter uma perfusão mínima dos órgãos

nobres até que o tratamento definitivo, a desfibrilhação eléctrica, possa restaurar o débito

cardíaco. Quanto mais curto for o tempo decorrido entre a FV ou TV sem pulso e a

aplicação do choque maior é a probabilidade de se conseguir reverter a arritmia e

restaurar um débito cardíaco eficaz e, consequentemente, melhor é o prognóstico do

doente.

MECANISMO DA DESFIBRILHAÇÃO ELÉCTRICA

A desfibrilhação consiste na aplicação de um choque eléctrico, habitualmente

externamente a nível do tórax, de forma, a que a corrente eléctrica atravesse o miocárdio

causando uma despolarização de toda, ou quase toda, a massa muscular cardíaca. Isto

permite ao coração retomar um ritmo normal através da entrada em funcionamento da

sua estrutura de comando habitual, o nodo sinusal.

Uma desfibrilhação com sucesso é, habitualmente, a que consegue despolarizar uma

massa crítica de miocárdio. O sucesso depende mais da corrente, que efectivamente

atinge o miocárdio (medida em amperes), do que da energia do choque (medida em

Joules). A corrente, por sua vez, é influenciada pela impedância transtorácica, pela

posição dos eléctrodos e pela energia do choque.

Page 167: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

166

GRECAR

IMPEDÂNCIA TRANSTORÁCICA

A magnitude da corrente que atravessa o miocárdio depende da voltagem aplicada e da

resistência oferecida à passagem do choque pelos vários tecidos (parede torácica,

pulmões e miocárdio).

A impedância transtorácica é influenciada:

• Pelo tamanho dos eléctrodos ou das pás:

- O diâmetro dos eléctrodos ou pás para a desfibrilhação em adultos pode variar

de 10 a 30 cm, sendo o mais frequente 13 cm.

• Pela interface eléctrodos e pele ou pás e pele:

- A impedância entre as pás e a pele pode ser reduzida pela aplicação de gel

líquido. No entanto o excesso de gel sobre o tórax do doente pode levar a

fenómenos de arco voltaico. Eléctrodos autocolantes com gel condutor na

forma semi-sólida são preferíveis, devendo ser cuidadosamente colados.

• Pela pressão exercida sobre as pás:

- A aplicação de pressão sobre as pás (por exemplo cerca de 10 kg) melhora o

contacto e permite também reduzir a impedância.

• Pela fase da ventilação:

- A impedância é menor na expiração, por ser menor o volume de ar nos

pulmões, pelo que a desfibrilhação deve ser feita nesta fase (o que é o usual).

• Pelo tempo decorrido desde o choque anterior:

- A aplicação de choques sequenciais permite reduzir a impedância para o

choque seguinte

Apenas uma pequena percentagem (cerca de 4 %), da corrente aplicada no tórax atinge

efectivamente o miocárdio. Alguns desfibrilhadores actuais têm capacidade de medir a

impedância transtorácica e ajustar a corrente à impedância medida.

O tamanho corporal também influencia a impedância e a energia necessária para a

desfibrilhação, no entanto, a variação ponderal habitual no adulto não justifica qualquer

ajuste em função do peso.

Page 168: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

167

GRECAR

Outros factores como o estado metabólico do organismo, a isquemia miocárdica ou a

utilização de determinados fármacos influenciam o sucesso da desfibrilhação mas não é

habitual fazer modificações em função destas variáveis.

POSIÇÃO DOS ELÉCTRODOS

A posição ideal dos eléctrodos é aquela que permite a passagem do máximo de corrente

pelo miocárdio. O posicionamento standard é colocar um eléctrodo à direita na região

infra – clavicular direita e outro à esquerda a nível do 5º espaço inter-costal esquerdo na

linha axilar anterior. Local correspondente (aproximadamente) à localização do eléctrodo

V5 do electrocardiograma.

Apesar de os eléctrodos estarem marcados como "positivo" e "negativo" ou as pás com

"esternal" e "apical" a sua colocação é indiferente no que concerne ao sucesso da

desfibrilhação. Na eventualidade de várias tentativas sem sucesso, justifica-se tentar

locais alternativos, como a "posição antero-posterior". Neste caso um dos eléctrodos é

colocado à esquerda do bordo esternal na sua porção inferior e o outro no dorso abaixo

da omoplata esquerda. Esta técnica implica o rolamento do doente para a direita,

interferindo com a compressão cardíaca, e pode não ser possível num doente obeso. A

posição antero-posterior só é prática no caso de se usarem eléctrodos autocolantes.

Se o doente é portador de um pacemaker, são necessárias algumas modificações em

relação ao posicionamento standard dos eléctrodos. Os pacemakers actuais têm

mecanismos de protecção em relação a interferências externas no seu funcionamento.

No entanto, a corrente aplicada na desfibrilhação encontra no circuito do pacemaker-

eléctrodo um local de passagem facilitada, podendo percorrer o eléctrodo e causar

queimaduras no local de contacto deste com o miocárdio. Se isto acontecer, a resistência

à corrente eléctrica no local da queimadura, aumenta, condicionando um aumento do

limiar de estimulação do pacemaker. Se as manobras de reanimação tiverem sucesso

recomenda-se a revisão e testes periódicos do funcionamento do pacemaker nos 2

meses subsequentes.

A colocação dos eléctrodos ou pás de desfibrilhação pelo menos 12,5 cm afastados do

gerador minimiza os riscos. No caso de pacemakers provisórios deve ser evitado o

contacto dos eléctrodos ou do gel condutor com o eléctrodo de pacing.

Page 169: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

168

GRECAR

ENERGIA DO CHOQUE

A energia do choque é habitualmente expressa em Joules. Se a energia do choque for

demasiado baixa a desfibrilhação não será eficaz, no entanto, o uso de energia excessiva

pode lesar o miocárdio comprometendo a sua função ou causando o aparecimento de

arritmias refractárias. Não foi demonstrada qualquer vantagem na utilização de choques

iniciais com energia (Bifásica) superior a 150-200 J. Parte dos doentes que não responde

ao 1º choque responde ao 2º choque com a mesma energia, em parte devido à redução

da impedância transtorácica causada pela passagem do 1º choque. Se o 2º choque

também não é eficaz deve ser aumentada a energia nos choques subsequentes. Quando

a desfibrilhação foi eficaz e se obteve retorno de circulação espontânea, mas o ritmo

voltou a FV ou TV sem pulso, devem retomar-se as tentativas de desfibrilhação com 150-

200J (bifásica).

CARDIOVERSÃO ELÉCTRICA SINCRONIZADA

A cardioversão eléctrica sincronizada pode ser usada para converter taquicardias

supraventriculares ou ventriculares. Sempre que o doente se encontre consciente deve

ser previamente sedado.

A sincronização consiste na aplicação do choque exactamente sobre o complexo QRS,

evitando a sua aplicação ao acaso e o risco de que o mesmo ocorra sobre a onda T em

período refractário relativo, o que pode induzir fibrilhação ventricular.

A maioria dos desfibrilhadores manuais tem um botão de sincronização do choque que

associa um sinal eléctrico a cada complexo QRS de forma a que a aplicação de energia

seja feita apenas quando surge esse sinal.

O gel é colocado no tórax do doente e o procedimento é em tudo semelhante ao da

desfibrilhação, mas o operador deve estar alerta para a existência de um atraso entre o

momento em que pressiona os botões de descarga e o momento da aplicação efectiva

do choque, que apenas ocorrerá quando for detectado um complexo QRS. Durante este

período de espera, as pás não devem ser mexidas do tórax do doente e devem manter-

se pressionados os botões de descarga.

Quando se trata de uma TV sem pulso deve ser feito de imediato um choque não

sincronizado tal como anteriormente referido para a FV.

Page 170: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

169

GRECAR

Atenção: Com alguns destibrilhadores é necessário voltar a pressionar o botão de

sincronização para efectuar nova cardioversão sincronizada, outros mantém o botão de

sincronização ligado. Neste caso, deve ser tido todo o cuidado para não deixar o

destibrilhador com a sincronização ligada, pois isso impede a aplicação do choque no

caso de o doente entrar em FV, uma vez que não são detectados complexos QRS.

SEGURANÇA

A desfibrilhação deve ser segura, não pondo em risco os elementos da equipa. É

fundamental que ninguém esteja em contacto directo ou indirecto com o doente.

É necessário ter o maior cuidado com a água. Se o doente estiver molhado, deve ser

seco previamente e serem retiradas as roupas molhadas ou húmidas. É necessário

retirar os "autocolantes" de medicação transdérmica, pois a aplicação das pás sobre os

mesmos acarreta riscos de explosão (ex: nitroglicerina transdérmica), queimaduras locais

(se os autocolantes contiverem partes metálicas) ou ainda, resistência aumentada à

passagem da corrente. Ninguém pode estar em contacto com a cama ou maca do

doente, nem tocar ou manipular os sistemas de perfusão de soros (seringas infusoras ou

outros).

O elemento da equipa responsável pelo manuseamento da via aérea deve assegurar que

não existe fluxo de oxigénio nas proximidades, no momento da aplicação do choque,

dado o risco de arco eléctrico e explosão.

Não deve ser aplicado gel em excesso nem ser espalhado por todo o tórax pelos riscos já

anteriormente referidos. A utilização de eléctrodos autocolantes reduz o risco.

O operador deve ter o cuidado de não tocar em qualquer parte dos eléctrodos e gritar

AFASTAR confirmando visualmente que essa ordem é cumprida.

Regra básica de segurança: Um desfibrilhador manual só deve ser posto em carga com

as pás já colocadas no tórax do doente ou no seu local de fixação no desfibrilhador.

Quando inicialmente colocadas em cima do tórax do doente podem ser usadas apenas

para monitorização do ritmo, devendo o operador informar o resto da equipa se vai

carregá-Ias ou não. Se for necessário efectuar alteração dos valores de energia do

choque, isso pode ser efectuado no desfibrilhador por outro elemento no desfibrilhador

ou, em alguns modelos, pelo operador no selector de energia existente nas pás. Na

Page 171: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

170

GRECAR

ausência de um elemento disponível para alterar o valor da energia e de comando nas

pás o operador deve colocar uma das pás no desfibrilhador e manter a outra no tórax da

vítima alterando ele próprio a energia.

Se o desfibrilhador tiver sido carregado e já não estiver indicada a aplicação do choque, a

mesma pode ser anulada colocando o selector de energia na posição "zero J". Alguns

aparelhos perdem automaticamente a carga se a energia não for administrada durante

um determinado período de tempo.

DESFIBRILHADORES

Existem vários tipos de monitores cardíacos que têm em comum um ecrã, para

visualização do ritmo cardíaco. Alguns permitem ainda imprimir e/ou gravar os registos

electrocardiográticos, detectar a frequência cardíaca e estabelecer alarmes para vários

parâmetros. Outros destibrilhadores permitem a análise automática de ritmos, como os

DAE. Os destibrilhadores convencionais permitiam apenas a aplicação de choques com

ondas de corrente monofásicas, existem actualmente destibrilhadores que permitem a

aplicação de corrente com ondas bifásicas.

DESFIBRILHADORES MANUAIS

Com um destibrilhador manual o operador tem que interpretar o ritmo e decidir se está ou

não indicada a aplicação do choque. A selecção de energia, carga e aplicação do choque

são igualmente determinadas pelo operador.

Embora tenham a vantagem de permitir efectuar cardioversão sincronizada e permitir a

aplicação do choque qualquer que seja o ritmo do doente (o que pode ser útil nas

situações de FV tina, que pode ser interpretada como assistolia por um destibrilhador

automático, não permitindo aplicação de choque), têm a desvantagem de só poderem ser

utilizados por operadores com a capacidade de interpretar o ritmo o que requer treino

prolongado.

A sequência de acções reporta-se ao algoritmo de suporte avançado de vida:

1. Confirmar a paragem cardíaca.

Page 172: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

171

GRECAR

2. Confirmar a existência de ritmo desfibrilhável (FV/TV) a partir do ritmo do monitor

(doente já previamente monitorizado) ou do ritmo obtido com a aplicação das pás

no tórax do doente.

3. Aplicar os eléctrodos de desfibrilhação no tórax do doente, um abaixo da clavícula

direita e o outro no 5º espaço intercostal esquerdo na linha axilar anterior, ou

aplicar gel no mesmo local e apoiar firmemente as pás do desfibrilhador sobre o

gelo

4. Seleccionar a energia -começar com 150-200 J (bifásica) ou 360 J (Monofásica).

5. Afastar fontes de oxigénio da zona de desfibrilhação.

6. Pôr em carga a energia seleccionada.

7. Avisar toda a equipa para se afastar e confirmar visualmente que essa ordem é

cumprida.

8. Confirmar no monitor se mantém o ritmo desfibrilhável e aplicar o choque.

9. Retirar as pás do tórax do doente e iniciar SBV. Analisar ritmo ao fim de 2 minutos

de SBV.

10. Se o ritmo continuar a ser desfibrilhável aplicar mais um choque com a energia de

360 J se energia monofásica e 150-200J ou energias superiores se bifásica.

DESFIBRILHADORES AUTOMÁTICOS EXTERNOS – DAE

Os DAE analisam o ritmo cardíaco e, se estiver indicada, preparam a administração do

choque. O operador deve reconhecer a paragem cardíaca (ausência de sinais se

circulação em vítima inconsciente) e colocar os eléctrodos no tórax do doente na posição

já anteriormente descrita. Os eléctrodos permitem ao aparelho analisar o ritmo e aplicar o

choque, se indicado. O DAE reconhece os ritmos desfribrilháveis (FV e algumas arritmias

ventriculares, nomeadamente a TVsp), decide se o choque está indicado e carrega

automaticamente a uma energia predeterminada, indicando quando o choque está pronto

para ser administrado. As indicações aparecem automaticamente no écrã e, em alguns

modelos, são reforçadas por um comando de voz. Alguns aparelhos possuem um

dispositivo que lhes permite passar a funcionar como destibrilhador manual.

Page 173: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

172

GRECAR

Quando se usa um DAE, após ter sido confirmada a paragem cardíaca e efectuado o

pedido de ajuda, deve ser iniciado suporte básico de vida enquanto se colocam os

eléctrodos autocolantes. Caso o doente tenha muitos pêlos no tórax, pode ser necessário

efectuar uma rápida tricotomia para permitir uma boa aderência dos eléctrodos, pelo que

devem sempre existir, junto com o aparelho, lâminas de barbear.

Entre as sequências de choques não se deve palpar o pulso porque pode interferir com a

análise do traçado pelo DAE. Se o aparelho identifica um ritmo não desfibrilhável deve

ser iniciado de imediato SBV até que o DAE volte a indicar o momento para nova análise

de ritmo (habitualmente programada para 1 min.). Se for efectuada entubação e

administração de fármacos tal deve ser feito apenas entre as sequências de choques.

É praticamente impossível administrar um choque inapropriadamente, uma vez que a

especificidade dos DAE para ritmos desfibrilháveis anda próximo dos 100 %. A

sensibilidade é ligeiramente menor pelo que, tal como anteriormente referido, a FV fina

pode não ser detectada. O movimento é detectado automaticamente, interrompendo a

análise e impedindo que artefactos, causados pelo movimento, possam ser interpretados

como ritmo desfibrilhável. Estes aparelhos requerem menor tempo de treino que o

necessário para a utilização de um desfibrilhador manual. É assim possível alargar a

capacidade de desfibrilhar a profissionais não médicos e até a leigos. Como se sabe, a

desfibrilhação é a única forma de tratamento eficaz da FV e o tempo decorrido entre o

início da FV e a aplicação do 1º choque é o principal determinante da sobrevivência de

vítimas de PCR. A probabilidade de sucesso e a probabilidade de sobrevivência sem

sequelas diminuem cerca de 7-10 % por cada minuto decorrido. A implementação da

desfibrilhação por leigos que presenciaram o acontecimento ("first responder

defibrilation") é um passo vital para melhoria da sobrevivência após PCR.

Este facto é reconhecido nas "lnternational Guidelines 2000 for Cardiopulmonary

Resuscitation and Emergency Cardiac Care" que reforçam a importância da

desfibrilhação precoce:

• Os profissionais de saúde que fazem reanimação cardiorespiratória devem ser

treinados e autorizados a efectuar desfibrilhação.

• O objectivo na desfibrilhação dentro do hospital deverá ser um tempo entre o

colapso e a 1ª desfibrilhação inferior a 3 minutos.

Page 174: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

173

GRECAR

• Programas de desfibrilhação por leigos devem ser implementados nos

seguintes casos:

- Quando o número de paragens cardiorespiratória seja tal que se preveja o

uso de um DAE em 5 anos (ou uma taxa estimada de 1 PCR por

1000/pessoas/ano)

- Quando não se conseguir obter um tempo entre o pedido de socorro e o 1º

choque <5 minutos com os Serviços de Emergência Médica convencionais.

Em muitas comunidades este tempo poderá ser alcançado treinando e

equipando leigos para serem “first responders", incluindo polícias,

bombeiros, agentes de segurança ou voluntários, na utilização de DAE.

A adopção destas guidelines implicará a alteração da legislação em muitos países

europeus, onde a desfibrilhação só pode ser executada por médicos. A desfibrilhação é

apenas um dos elos da cadeia de sobrevivência. A desfibrilhação executada pelos

profissionais dos Sistemas de Emergência Médica será de valor limitado, se não for

acompanhada do reforço dos outros elos da cadeia: activação precoce, SBV precoce e

SAV precoce.

Sequência de acções na utilização de um DAE

• Chegada dos reanimadores:

- Se estão presentes dois reanimadores é necessário distribuir tarefas - a

desfibrilhação é a prioridade.

- Levar de imediato o DAE e activar os Serviço de Emergência Médica (ou

equipa de reanimação intra-hospitalar)

• Avaliar estado de consciência da vítima, ventilação e sinais de circulação:

- Iniciar SBV se apropriado:

- Se o DAE não estiver disponível de imediato

- Se existir um reanimador disponível para iniciar o SBV enquanto outro opera o

DAE.

• Na ausência de sinais de circulação:

Page 175: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

174

GRECAR

- Ligar o DAE e aplicar os eléctrodos no tórax do doente

- Seguir as instruções verbais

- Garantir que ninguém toca no doente, nos eléctrodos ou nos cabos enquanto o

DAE procede à análise do ritmo.

• Se estiver indicado aplicar um choque:

- Assegurar que toda a gente está afastada e que ninguém toca no doente

- Premir o botão de choque quando indicado pelo DAE.

- Iniciar manobras de CPR durante cinco ciclos (2 min.) e revaliar ritmo e pulso

• Se indicado aplicar o segundo choque e repetir de novo os mesmos passos

- Avaliar sinais de circulação ao fim de cinco ciclos de CPR

• Se não estiver indicado aplicar um choque:

- Pesquisar sinais de circulação

- Na ausência de sinais de circulação iniciar SBV

- Manter o SBV durante 2 minuto sem interrupção para pesquisa de pulso ou

análise de ritmo.

• Ao fim de 2 minuto de SBV:

- Carregar no botão "analisar" ou esperar que o aparelho inicie a análise,

garantindo que ninguém toca no doente ou nos cabos.

- Seguir o algoritmo de acordo com as indicações do DAE.

• Continuar o algoritmo até estar disponível o SAV.

Page 176: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

175

GRECAR

• Prosseguir até à chegada do SAV

Avaliar a vítima De acordo com o algoritmo de SBV

Iniciar SBV Se DAE não acessível de imediato

• Ligar o DAE • Aplicar os eléctrodos • Seguir as instruções

Analisar

Choque indicado Choque não indicado

1 Choque Iniciar CPR imediatamente

durante cinco ciclos SBV cinco ciclos

Pesquisar sinais de circulação

AusentesPresentes

Seguir o Algoritmo de SBV

Algoritmo Actuação com DAE

Page 177: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

176

GRECAR

Este algoritmo de actuação é adaptável a um ou - dois reanimadores. Se estão

presentes dois reanimadores um deve iniciar a utilização do DAE após constatar a

inexistência de sinais de circulação enquanto o outro deve activar o Sistema de

Emergência Médica e inicia SBV.

Se só está presente um reanimador deve activar o Sistema de Emergência Médica

logo após constatar a paragem respiratória e prosseguir a avaliação da vítima e

utilização do DAE conforme explicado anteriormente.

A mala de transporte do DAE deve igualmente conter uma tesoura para cortar a roupa,

uma lâmina de barbear para eventual tricotomia e pensos absorventes para secar e

limpar adequadamente a pele do tórax do doente.

DESFIBRILHADORES BIFÁSICOS

Com as ondas monofásicas o fluxo de corrente

entre os eléctrodos tem apenas uma direcção. As

ondas bifásicas fornecem inicialmente energia

numa direcção -positiva e depois invertem a

direcção da corrente -negativa, durante a última

fase de descarga de energia.

A utilização deste tipo de onda nos desfibrilhadores implantados mostrou reduzir o

limiar de desfibrilhação e a quantidade de energia necessária para obter uma

desfibrilhação com sucesso. Sabe-se ainda que, após a aplicação de um choque com

onda bifásica, o período refractário é maior o que ajuda a bloquear potenciais fontes

de fibrilhação. Como este tipo de desfibrilhação requer menor energia, os

desfibrilhadores bifásicos precisam de baterias e acumuladores de menores

dimensões o que lhes permite serem mais pequenos e mais leves. O perigo e as

potenciais complicações com a desfibrilhação ficam também reduzidas.

A aplicação repetida de choques de baixa energia (> 200 J) com ondas bifásicas

mostrou-se mais eficaz para converter FV /TV que a aplicação de choques de energia

Page 178: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

177

GRECAR

crescente de onda monofásica. Ainda não está esclarecido se esta melhoria no

sucesso imediato se irá repercutir numa melhoria na sobrevivência alongo prazo.

Ainda não está determinado qual a onda bifásica ideal em termos de energia,

morfologia e duração.

RESUMO

• A desfibrilhação é o único método para restabelecer circulação espontânea no

doente em fibrilhação ventricular.

• Para ser eficaz a desfibrilhação deve ser o mais precoce possível, eficiente e

segura.

Page 179: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

178

GRECAR

CAPÍTULO 14

FÁRMACOS USADOS NA REANIMAÇÃO

NOTA INICIAL

Este capítulo contém informação considerada "essencial" para a correcta utilização

dos diversos fármacos no contexto da paragem cardio-respiratória (PCR) e no período

peri-PCR. Não sendo exaustiva, remete para os tratados de Farmacologia a obtenção

de conhecimentos mais exaustivos sobre os fármacos aqui abordados.

FÁRMACOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA PCR

INTRODUÇÃO

O número de fármacos com indicação formal para utilização em situação de PCR é

limitado, de acordo com as "evidências" publicadas. A sua utilização deve ser

efectuada de acordo com o estabelecido no algoritmo de SAV, nunca descurando a

execução das manobras de SBV.

OXIGÉNIO

A administração de oxigénio (O2) é mandatória na abordagem de uma vítima em PCR,

com débitos suficientes para se conseguir uma FiO2 capaz de produzir Sat.O2 > 95 %.

O suplemento de O2 não deve ainda ser esquecido após a recuperação da situação

de PCR e na abordagem das disritmias peri-paragem.

ADRENALINA

Mecanismo de acção

Page 180: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

179

GRECAR

A Adrenalina é uma amina simpaticomimética, com acção agonista α e β, que,

mediante estimulação dos receptores α1 e α2, causa vasoconstrição periférica, com

aumento das resistências vasculares periféricas e da pressão arterial, aumentando a

perfusão cerebral e coronária. O efeito β-adrenérgico pode também aumentar a

perfusão cerebral, independentemente dos mecanismos referidos anteriormente.

Dados os efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos, a Adrenalina pode aumentar o

consumo de O2 pelo miocárdio, com agravamento da isquemia. Por outro lado, ao

aumentar a excitabilidade miocárdica, a Adrenalina pode causar arritmias,

especialmente no contexto de isquemia ou hipóxia. No período pós-PCR pode mesmo

estar implicada na recorrência de fibrilhação ventricular.

Não esquecer que em situação de PCR no contexto do consumo de cocaína ou de

outros fármacos simpaticomiméticos, o uso de Adrenalina deve ser cauteloso.

Indicações

1. A Adrenalina é o primeiro fármaco a utilizar em PCR de qualquer causa

2. Anafilaxia

3. Segunda linha no tratamento do choque cardiogénico

Dose

Em situação de PCR, a dose a utilizar é 1 mg EV a cada 3/5 minutos, até que as

manobras de reanimação tenham sucesso ou sejam abandonadas. Em alternativa,

nos casos de acesso venoso difícil, pode ser administrada por via endotraqueal,

devendo-se administrar 2 a 3 mg diluída em 10 cc de soro.

Não existem dados que suportem a utilização de doses superiores em situações de

PCR refractária às medidas efectuadas. A Adrenalina pode ainda ser utilizada em

perfusão contínua no período pós-reanimação.

Utilização

As formulações de Adrenalina habitualmente disponíveis são: 1:10000 (10 mI contêm

1 mg); 1:1000 (1 mI contém 1 mg). As soluções utilizadas em reanimação diferem, na

Page 181: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

180

GRECAR

Europa, de país para país. Contudo, em PCR deve ser utilizada uma diluição de

1:10000, de forma a serem administrados 10 mI, isto é, 1 mg cada 3/5 minutos.

ATROPINA

Mecanismo de acção

A Atropina é um parassimpaticolítico, antagonizando os efeitos da acetilcolina nos

receptores muscarínicos. Bloqueia assim os efeitos vagais sobre o nodo sinusal e

aurículo-ventricular, aumentando o automatismo sinusal e facilitando a condução AV.

Outras acções da Atropina, como alterações da visão, midríase, xerostomia, e

retenção urinária, são acentuadas pelo aumento da dose, não sendo contudo

relevantes em RCR. Após administração EV pode ser responsável pelo surgimento de

quadros confusionais agudos.

De salientar ainda que, pós-PCR, o surgimento de dilatação pupilar não deve ser

atribuída exclusivamente à administração de Atropina.

Indicações

1. Assistolia

2. Actividade eléctrica sem pulso com frequência < 60 /min

3. Bradicardia sinusal, auricular ou juncional com repercussão hemodinâmica

Dose

Nos casos de assistolia, ou de actividade eléctrica sem pulso com frequência < 60

/min, deve ser administrada dose única de 3 mg EV, considerada a dose vagolítica

máxima.

Utilização

Apesar de não existirem dados conclusivos sobre a utilidade deste fármaco em casos

de PCR em assistolia, justifica-se a sua utilização dada a gravidade do prognóstico da

Page 182: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

181

GRECAR

situação e pelo facto de existirem algumas referências bibliográficas que relatam

casos de sucesso após a administração de Atropina, não sendo evidente que tenha

algum efeito deletério.

AMIODARONA

Mecanismo de acção

A Amiodarona provoca uma maior duração do potencial de acção miocárdico, com

prolongamento do intervalo QT. Ao ser administrada por via endovenosa, pode ter

acção bloqueadora α-adrenérgica não competitiva, e discreto efeito inotrópico

negativo.

Indicações

1. FV e TV sp refractárias

2. TV com estabilidade hemodinâmica e outras taquidisritmias resistentes

Dose

No algoritmo da FV/TV sem pulso, se esta persistir após a administração da primeira

sequência de três choques, deve-se ponderar a administração de um bólus EV de 300

mg de Amiodarona, diluída em 20 cc de dextrose a 5 % em H2O. Em situação de

PCR, este bólus pode ser administrado por via periférica; contudo, se estiver colocado

um acesso venoso central, esta deve ser a via preferencial.

Utilização

Como acontece com todos os fármacos utilizados para o tratamento das disritmias, a

Amiodarona pode ter acção pró-arrítmica, sobretudo quando administrada em conjunto

com outros fármacos que condicionam o prolongamento do intervalo QT. Contudo,

esta acção é menos marcada, comparativamente a outros antiarrítmicos utilizados nas

mesmas circunstâncias. Os principais efeitos secundários imediatos associados à

administração de Amiodarona são bradicardia e hipotensão. Estes podem ser

prevenidos pela realização de uma administração lenta do fármaco e pela instilação de

Page 183: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

182

GRECAR

fluidos ou inotrópicos positivos. Os efeitos secundários da administração prolongada

por via oral (disfunção tiróideia, microdepósitos na córnea, neuropatia periférica,

infiltrados pulmonares e hepáticos) não são relevantes no contexto da utilização

pontual.

SULFATO DE MAGNÉSIO

Mecanismo de acção

Associada com frequência à hipocaliémia, a hipomagnesémia pode ser um factor

contributivo para o surgimento de disritmias, inclusive de paragem cardíaca. O

magnésio é um dos constituintes essenciais de várias enzimas envolvidos na

produção de energia muscular, desempenhando um papel importante na transmissão

do impulso nervoso, já que está associado à redução da libertação de acetilcolina,

com diminuição da sensibilidade da placa motora. O excesso de magnésio é um

depressor das funções miocárdica e neurológica, actuando como um bloqueador

fisiológico do cálcio, tal como acontece com o potássio.

Indicações

1. FV refractária à desfibrilhação, na presença de hipomagnesémia provável

2. TV, na presença de hipomagnesémia provável

3. Torsade de Pointes

Dose

N o caso de FV refractária, pode ser administrada por via periférica uma dose de I a 2

g, podendo ser repetida ao fim de 10 a 15 minutos (correspondendo a 2 a 4 ml de uma

solução de Sulfato de magnésio a 50 %). Nas outras situações, pode ser adequada a

administração em perfusão de 2,5 g (5 ml de Sulfato de magnésio a 50 %), durante 30

minutos. Diferindo a forma de apresentação entre vários países europeus, em Portugal

existem soluções de Sulfato de magnésio a 20 % e a 50 %.

Utilização

Page 184: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

183

GRECAR

Os doentes com hipocaliémia, frequentemente, têm também hipomagnesémia. No

caso de surgirem taquidisritmias ventriculares, o uso de magnésio endovenoso é

seguro e eficaz. Em situação de enfarte agudo do miocárdio, o seu papel é, ainda,

duvidoso. Apesar de ser excretado pelos rins, são raros os efeitos secundários

associados à hipermagnesémia, mesmo na presença de insuficiência renal.

LIDOCAÍNA

Mecanismo de acção

Para além de ser um anestésico local, a Lidocaína reduz a automaticidade ventricular,

suprimindo a actividade ectópica dos ventrículos. Ao elevar o limiar para o surgimento

de FV, reduz a sua incidência nas situações de enfarte agudo do rniocárdio. Apesar

destes dados, a sua utilização de forma sistemática não está associada a uma

diminuição da mortalidade, não estando indicado o seu uso de forma profilática,

mesmo no caso de enfarte agudo do rniocárdio. Os efeitos secundários associados à

utilização de doses tóxicas de Lidocaína incluem parestesias, obnubilação, confusão

mental, mioclonias e convulsões. Quando surgem, implicam a suspensão imediata do

fármaco e o tratamento das convulsões. Apesar de deprimir a função miocárdica, não

são previsíveis acções sobre a condução aurículo-ventricular, excepto no caso de

doença prévia ou de utilização de doses elevadas.

Indicações

1. FV/TVsp refractárias (na ausência de Amiodarona)

2. TV sem instabilidade hemodinâmica (em alternativa à Arniodarona)

Dose

Na FV/TV sem pulso, persistente antes do terceiro choque, na indisponibilidade de

Amiodarona, podem-se administrar 100 mg de Lidocaína (1 a 1,5 mg/kg) em bólus

inicial, podendo ser repetida uma segunda administração de 50 mg. Contudo, não

deve ser excedida a dose total de 3 mg/kg na primeira hora.

Page 185: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

184

GRECAR

Utilização

Deve ser considerada a utilização de Lidocaína no tratamento da FV /TV sem pulso,

quando refractárias e na ausência de Arniodarona disponível. A Lidocaína constitui

uma alternativa à Amiodarona no tratamento da TV na ausência de sinais de

gravidade (Subcap. 8.2). Ao ser metabolizada no fígado, na presença de redução do

fluxo hepático, como acontece nos casos de baixo débito cardíaco, doenças hepáticas

ou no idoso, a semi-vida da Lidocaína está prolongada. No caso de PCR, os

mecanismos habituais de eliminação do fármaco não funcionam, podendo ser

atingidas concentrações plasmáticas elevadas após dose única. Também se verifica

um aumento significativo da semi-vida plasmática nos casos de perfusão contínua ao

longo de 24 horas. Nestes casos, são necessárias doses menores, devendo-se

reavaliar regularmente as indicações para a continuação da terapêutica. Na presença

de hipocaliémia e hipomagnesémia, verifica-se uma diminuição da eficácia da

Lidocaína, pelo que devem ser corrigidas.

BICARBONATO DE SÓDIO

Mecanismo de acção:

Como é sabido, em PCR surge acidose respiratória e metabólica, na sequência do

metabolismo anaeróbio celular, dada a interrupção de trocas gasosas a nível

pulmonar. Neste caso, a melhor forma de tratamento para a acidémia é a compressão

torácica, podendo-se obter benefícios adicionais com a ventilação.

Se o pH arterial for inferior a 7,1 (ou BE < -10 mmol), pode ser útil a administração de

Bicarbonato de sódio em pequenas doses (50 ml de Bicarbonato de sódio a 8,4 %),

durante ou após a reanimação. Contudo, deve-se ter em atenção que, durante a PCR,

a avaliação da gasimetria arterial pode ser enganadora, tendo pouca relação com os

valores do pH intracelular.

Para além disto, a administração de Bicarbonato de sódio conduz à produção de

dióxido de carbono, que se difunde rapidamente para o interior das células, com os

seguintes efeitos:

Page 186: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

185

GRECAR

1. Agrava a acidose intracelular;

2. Tem efeito inotrópico negativo no miocárdio isquémico;

3. Constitui uma sobrecarga de sódio, osmoticamente activa, sobre a circulação e

o cérebro já comprometidos;

4. Provoca um desvio esquerdo da curva de dissociação da hemoglobina, inibindo

ainda mais a libertação de O2 a nível tecidular.

Por outro lado, um grau ligeiro de acidose provoca vasodilatação, podendo aumentar o

fluxo cerebral, pelo que a total correcção do pH arterial pode conduzir a uma

diminuição do fluxo cerebral numa altura particularmente crítica. Como o ião

Bicarbonato é excretado pelo pulmão, sob a forma de dióxido de carbono, deve-se

aumentar a ventilação. Por tudo isto, só se justifica a administração de Bicarbonato de

sódio se a acidose metabólica for grave.

Deve-se ter ainda em atenção que o extravasamento subcutâneo do fármaco provoca

lesão tecidular grave e que o Bicarbonato de sódio é incompatível com as soluções de

sais de cálcio, uma vez que provoca a sua precipitação.

Indicações

1. Acidose metabólica grave

2. Hiperkalémia

Dose

Uma dose de 50 mEq (50 ml de Bicarbonato de sódio a 8,4 %) administrada por via

EV pode ser adequada no tratamento da PCR em algumas situações particulares

(acidose prévia grave, PCR associada a hiperkalémia ou intoxicação por

antidepressivos tricíclicos). Pode ainda ser repetida, se necessário, com a

monitorização apropriada.

VASOPRESSINA

A Vasopressina, ou hormona antidiurética, é, em doses elevadas, um vasoconstritor

potente, actuando pela estimulação dos receptores V1 do músculo liso.

Page 187: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

186

GRECAR

Em caso de PCR, a sua semi-vida é de cerca de 10 a 20 minutos, consideravelmente

superior à da Adrenalina. Em estudos realizados com modelos animais, demonstrou-

se que a Vasopressina é mais eficaz que a Adrenalina na manutenção da pressão de

perfusão coronária acima do limiar crítico correlacionado com o restabelecimento de

circulação espontânea.

Aguardam-se os resultados da eficácia a longo prazo para a definição do seu papel no

âmbito da reanimação cárdio-respiratória.

FLUÍDOS

A utilização de fluidos por via EV está indicada no período de PCR e pós-reanimação,

sendo de particular importância nos casos de hipovolérnia (por ex. trauma e outras

causas de hemorragia). A reanimação com fluidos é iniciada normalmente com

cristalóides e/ou colóides (dependendo dos protocolos locais). No adulto, quando as

perdas excedem 1500 a 2000 ml, será necessário, provavelmente, recorrer à

administração de sangue.

Dado que a hiperglicérnia tem efeitos neurológicos deletérios após PCR, os

cristalóides de uso preferencial em reanimação são o Soro Fisiológico ou o Lactato de

Ringer.

CLORETO DE CÁLCIO

Mecanismo de acção Apesar de possuir um papel fundamental no mecanismo celular

de contracção miocárdica, existem poucos dados que suportem o efeito benéfico da

administração de cálcio na maior parte das situações de PCR. Por outro lado, as

elevadas concentrações plasmáticas obtidas após administração EV podem ter efeitos

deletérios sobre o miocárdio isquémico e afectar a recuperação cerebral. Assim, só

deve ser administrado Cloreto de cálcio durante a RCR quando existam indicações

específicas.

Page 188: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

187

GRECAR

Nota: em contexto de PCR, utilizar Cloreto ou Gluconato de cálcio não é indiferente. O

Gluconato de cálcio precisa de ser previamente metabolizado pelo fígado, pelo que a

sua utilização durante uma PCR não está indicada.

Indicações

1. Actividade eléctrica sem pulso provocada por hiperkalérnia

2. Hipocalcémia

3. Intoxicação por bloqueadores dos canais de cálcio

Dose

A dose inicial é de 10 ml de Cloreto de cálcio a 10% (6,8 mmol de Ca²+, podendo ser

repetida, se necessário.

Utilização

O cálcio pode lentificar a frequência cardíaca e precipitar o surgimento de arritmias. No

caso de PCR pode ser administrado por via EV rápida, enquanto que na presença de

circulação espontânea este deve ser dado lentamente. As soluções de Bicarbonato de

sódio não podem ser administradas simultaneamente, na mesma via, com soluções de

cálcio.

Page 189: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

188

GRECAR

CAPITULO 15

TRATAMENTO DA PARAGEM CARDIACA

INTRODUÇÃO

Os ritmos inerentes à paragem cardíaca dividem-se em dois grupos:

1. Os ritmos destibrilháveis - Fibrilhação Ventricular (FV) e a Taquicardia

Ventricular sem pulso (TV sp)

2. Os ritmos não destibrilháveis – que incluem a Assistolia e a Dissociação

Electromecânica (DEM)

Os procedimentos a seguir, de resto, são os mesmos, obedecendo aos mesmos

objectivos e princípios:

• Efectuar Suporte Básico de Vida com

• Permeabilização da via aérea de modo a assegurar oxigenação dos

órgãos nobres através da ventilação eficaz

• Estabelecer acessos venosos

• Administrar Adrenalina

• Identificar e corrigir, se possível, causas potencialmente reversíveis

Em algumas situações especiais, os procedimentos em caso de PCR são

ligeiramente diferentes, como é o caso do afogamento, gravidez, trauma,

crianças, etc.

FIBRILHAÇÃO VENTRICULAR (FV)

TAQUICARDIA VENTRICULAR SEM PULSO (TVsp)

Page 190: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

189

GRECAR

No adulto, o ritmo que mais frequentemente se encontra nos primeiros minutos de

paragem cardíaca é a Fibrilhação Ventricular, que pode ser precedida por um

período de Taquicardia Ventricular ou de Taquicardia Supraventricular.

Nestes casos, a precocidade da desfibrilhação é extremamente importante para

aumentar a probabilidade de sucesso da desfibrilhação pois ela diminui à razão

de 7 a 10 % por cada minuto de paragem cardíaca. Por este motivo, é

extremamente importante identificar o ritmo de paragem de modo a decidir-se o

procedimento mais adequado, sem perda de tempo (Classe I).

O choque eléctrico, quando indicado, tem prioridade sobre todas as outras

intervenções.

Se o desfibrilhador não estiver pronto a descarregar, deve ser feito SBV eficaz

mas sem nunca atrasar a desfibrilhação.

Tentativa de desfibrilhação

A desfibrilhação deve ser tentada com um choque, sendo de 150-200 J a energia

a utilizar se desfibrilador bifasico e 360 J se monofasico.

Ter em atenção:

Quando se utiliza pás ou placas de gel deve-se ter em atenção possíveis falsas

assistolias. Após os choques não se palpa pulso, inicia-se de imediato 2 minutos

de SBV e só após confirmar ritmo.

Após uma desfibrilhação com sucesso segue-se, em geral, um período de

verdadeira assistolia (automatismo do miocárdio "atordoado"). Além disso, mesmo

que o ECG seja considerado normal, o pulso pode ser imperceptível porque a

contracção do miocárdio ainda é fraca. Por isso, não se pode fazer o diagnóstico

de Dissociação Electromecânica (DEM) imediatamente após uma desfibrilhação

Page 191: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

190

GRECAR

bem sucedida. Nessa circunstância, devem ser feitos cinco ciclos de CPR ou dois

minutos de CPR se estabelecida uma via area avançada e, só após esse período,

deve ser confirmado o ritmo e a existência, ou não, de pulso.

Actualmente os desfibrilhadores que utilizam formas de onda diferentes,

nomeadamente bifásicas, com os quais se conseguem resultados iguais ou

superiores com níveis de energia menores. A intensidade dos choques com

diferentes tipos de ondas e a respectiva equivalência ainda está a ser investigado.

Com um desfibrilador bifasico é razoável utilizar no primeiro choque, energias de

150 a 200 J bifasicos que produzam ondas exponenciais e 120 J com ondas

rectilineas. No segundo e seguintes choques deve-se utilizar a mesma ou energia

de descarga mais elevada (Classe IIa)

Compressões torácicas, permeabilização da via aérea e ventilação

Se a FV persistir, o tratamento de eleição para restaurar a circulação eficaz

continua a ser a desfibrilhação eléctrica, mas é preciso assegurar a perfusão do

cérebro e do miocárdio através das compressões torácicas externas e da

ventilação o que se faz durante cinco ciclos numa relação de 30:2 (SBV) ou 2

minutos. Se estiver assegurada uma via aérea avançada (TET, LAM, Combitube)

devendo neste caso haver autonomia das compressões (100 cpm) sobre a

ventilação (10 a 12 cpm) enquanto se vão corrigindo as situações associadas

potencialmente reversíveis.

Durante o Suporte Básico de Vida deve-se:

1. Verificar os eléctrodos, a posição das pás e os contactos (se os eléctrodos

ou as pás não estiverem bem colocados, a probabilidade de conseguir desfibrilhar

é menor)

Page 192: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

191

GRECAR

2. Proceder ou confirmar a entubação endotraqueal

3. Administrar oxigénio

4. Estabelecer acesso venoso

5. Administrar Adrenalina -1 mg cada 3 ou 5 min.

6. Corrigir as causas reversíveis

7. Considerar as indicações para:

Amiodarona

Sulfato de Magnésio

Atropina/pacing

Correcção de desequilíbrios ácido-base

É imprescindível assegurar a permeabilidade da via aérea sendo a melhor

maneira a entubação endotraqueal a qual deve ser tentada por pessoas

experientes neste procedimento. Se não for possível deve-se considerar a

utilização da máscara laríngea ou do Combitube.

O objectivo da ventilação eficaz é a administração da maior quantidade de

oxigénio possível, de preferência O2 a 100 %. A partir do momento em que está

assegurada a entubação endotraqueal as compressões torácicas devem ser

efectuadas a um ritmo de 100 /min, sem interrupção, excepto para desfibrilhar ou

para verificar pulso porque, sempre que as compressões torácicas param a

pressão de perfusão coronária cai drasticamente e, quando se retomam há um

atraso até que a pressão de perfusão coronária volte aos níveis anteriores, sendo

por essa razão que se recomenda continuar as compressões torácicas

ininterruptamente, mesmo durante a ventilação, desde que a permeabilidade da

via aérea esteja assegurada eficazmente.

Page 193: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

192

GRECAR

Um Combitube bem colocado permite ventilar com eficácia. Com a máscara

laríngea utiliza-se a mesma técnica de ventilação/compressões. Se a selagem da

máscara for boa pode-se conseguir ventilações eficazes. Em caso de se observar

fuga de ar as compressões torácicas têm de ser interrompidas durante a

ventilação de modo a permitir uma insuflação de ar eficaz, numa relação de 30:2.

Acessos Venosos

O acesso venoso, se ainda não existe, deve ser estabelecido.

Se for necessário estabelecer um acesso vascular deve-se colocar um acesso

periférico, pois a cateterização de uma veia periférica é mais rápida, mais fácil e

mais segura.

Em resumo: a via de administração deve ter em atenção a experiência do

reanimador e a situação clínica do doente.

Atenção:

• Quando se utiliza uma veia periférica, deve-se fazer um bólus de 20 cc

de SF logo após a administração de um medicamento, de modo a permitir que ele

entre mais rapidamente em circulação

• O membro onde se estabeleceu o acesso deve ser elevado

• As veias periféricas devem ser "espremidas" no sentido proximal

Fármacos

A Adrenalina é um agonista α-adrenérgico que se usa para promover a

vasoconstrição, de modo a aumentar a pressão de perfusão do cérebro e do

miocárdio. Administra-se:

• 1 mg por via endovenosa ou

• 2 a 3 mg por via endotraqueal (diluídos até 10 ml de água destilada)

Page 194: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

193

GRECAR

DURANTE RCP

Corrigir causas reversíveis* Se não realizado

previamente: - verificar eléctrodos, posição das pás e contactos - assegurar/verificar via aérea, O2 e acesso venoso - administrar adrenalina cada 3 a 5 min Considerar: Amiodorona 300mg IV/IO e 150 mg IV/IO adicionais 1x) Lidocaina(1 a 1.5 mg/kg primeira dose e depois 0.5 mg/kg IV/IO máximo de três doses ou 3 mg/kg) Magnesio na dose de 1 a 2gr IV/IO no torsade de pointes - atropina / pacing

+/- Verificar Pulso

SUPORTE AVANÇADO DE VIDA ALGORITMO UNIVERSAL

INICIAR SBV

MONITORIZAR

Identificar o RITMO

1 FV / TV

2 CPR imediata 5 ciclos. Quando

IV/IO disponível Adrenalina 1mg cada 3 a 5 min. Considerar atropina 3 mg IV/IO

na assistolia ou DEM* com bradicardia. DESFIBRILHAR

1ºchoque (120 a 200J bifasico) Monofasico: 360 J

Iniciar CPR imediatamente, ou se assistolia passe ao quadro 2

Se actividade electrica avalie pulso. Sem pulso quadro 2, com pulso cuidados pós-reanimação

Avaliar ritmo? Se desfibrilável passe ao

quadro 1, se não desfibrilável passe

ao quadro 2 RCP 5 ciclos

2 min.

*CAUSAS POTENCIALMENTE REVERSÍVEIS Hipoxia PneumoTórax Hipertensivo Hipovolémia Tamponamento Hipo/Hiperkalémia e alerções metabólicas Tóxicos Hipotermia Tromboembolismo pulmonar e obstrução mecânica

PARAGEM CARDIACA

Page 195: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

194

GRECAR

Após administração por via endotraqueal, devem-se fazer 5 insuflações para

dispersar o medicamento pela árvore brônquica, de modo a facilitar a sua

absorção (efeito “spray”)

Foi proposto, em alternativa à Adrenalina, a utilização da Vasopressina EV, em

bólus único e na dose de 40 U se, a seguir a três choques, se a FV persistir. É

necessário mais evidência clínica para que o uso deste medicamento seja

recomendado na prática clínica.

Ainda não está provado a utilização de medicamentos antiarrítmicos na FV/TV sp

mas recomenda-se a administração de Amiodarona após a Adrenalina, no

tratamento da FV/TVsp resistente à desfibrilhação. A altura recomendada é entre

o 3º e o 4º choque, desde que não se atrase a desfibrilhação.

A Amiodarona é administrada por via endovenosa, na dose de 300 mg, em bólus,

diluídos em 20 cc de dextrose a 5% em água. Em caso de FV/TV sp recorrentes

devem ser administrados mais 150 mg de Amiodarona diluídos, seguidos de uma

perfusão a 1 mg/min durante 6 h e de 0,5 mg/min durante mais 12 h.

Em caso de persistência de FV refractária ou suspeita de hipomagnesémia (por

ex. se história de uso de diuréticos espoliadores de magnésio), deve-se

administrar Sulfato de magnésio EV na dose de 2 g (4 ml = 8 mmol de MgSO4 a

50%).

A Lidocaína é uma alternativa à Amiodarona mas não deve ser administrada

depois ou em associação com a Amiodarona.

A procainamida é outra alternativa à Amiodarona e à Lidocaína no caso de FV

refractária, na dose de 30 mg/min, num total de 17 mg/Kg. A necessidade de ser

administrada lentamente torna-a pouco recomendável no caso de paragem

cardíaca.

O Bicarbonato de sódio deve ser administrado EV, na dose única de 50 mEq, no

caso de:

Page 196: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

195

GRECAR

• PH sérico < 7,1

• Paragem cardíaca associada a intoxicação por antidepressivos

tricíclicos

• Hiperkalémia

A repetição do Bicarbonato depende do resultado de gasimetrias seriadas.

Se não for possível a realização de gasimetrias durante a reanimação e se

passaram mais de 20 a 25 min, nomeadamente se o SBV não foi optimizado,

deve-se considerar a repetição da administração do Bicarbonato na mesma dose.

Tem de se ter cuidado na administração do Bicarbonato porque este gera CO2 e

pode agravar a acidose, nomeadamente a nível intracelular. Nessa perspectiva,

será necessário aumentar a eficácia da ventilação.

Durante o SBV, recordar a necessidade de permeabilizar a via aérea e de

estabelecer acessos venosos, se ainda não tiver sido efectuado.

Se a VF persistir pode-se mudar a localização das pás/eléctrodos, para uma

posição antero- posterior.

Não esquecer que se deve identificar e corrigir as causas potencialmente

reversíveis pois qualquer uma delas pode impedir a conversão a ritmo sinusal.

O número de vezes que se repete o algoritmo durante a reanimação depende do

critério clínico determinado pelas condições específicas de cada caso – por ex.

diagnóstico e prognóstico.

Em geral, se a reanimação foi iniciada correctamente e com indicação, deve-se

prosseguir enquanto o ritmo for fibrilhação ventricular.

RITMOS NÃO FV/TV SEM PULSO

O prognóstico destes ritmos é bastante pior a menos que se identifique e se

corrija a causa da paragem cardíaca.

Page 197: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

196

GRECAR

Causas de PCR potencialmente reversíveis:

• H's

Hipóxia

Hipovolémia

Hidrogenião (Acidose)

Hiper/Hipocaliémia e alterações metabólicas

Hipotermia

T's

pneumoTórax hiperTensivo

Tamponamento cardíaco

Tóxicos e iaTrogenia medicamentosa

Trombose (coronária e pulmonar)

Se, após a desfibrilhação e as manobras de CPR ( cinco ciclos ou dois minutos)

se confirmar a assistolia ou DEM, deve-se proceder à administração dos

medicamentos adequados e mudar para a árvore de decisão de ritmos não

desfibriláveis.

Atenção:

• Durante um minuto, até se confirmar se existe ritmo, não se administra

Adrenalina, porque se confirmar um ritmo eficaz a Adrenalina pode ser

prejudicial

• Quando se usam as pás do desfibrilhador para identificar o ritmo e se observa

"assistolia" a mesma deve ser reconfirmada com os eléctrodos colocados no

sítio certo

Page 198: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

197

GRECAR

ASSISTOLIA

O essencial, neste caso, é ter a certeza que estamos perante uma assistolia e

não de uma fibrilhação ventricular fina ou falha no equipamento, sendo por isso

necessário:

• Confirmar que os eléctrodos estão correctamente colocados

• Confirmar a derivação

• Confirmar o ritmo em DI e DII

Em caso de dúvida, de estarmos perante uma FV de baixa amplitude ou uma

assistolia, deve-se proceder como se tratasse de uma assistolia e não desfibrilhar.

No caso de assistolia deve-se iniciar de imediato SBV durante 2 minutos durante

os quais de deve:

Assegurar a permeabilidade da via aérea

Estabelecer um acesso venoso

Administrar 1 mg de Adrenalina EV ou 2 mg ET.

Pode-se ainda administrar Atropina na dose de 3 mg EV ou 6 mg por via

ET (diluída até 10 cc de água destilada)

A Atropina administra-se em dose única com o objectivo de provocar de imediato

bloqueio vagal completo.

Logo que é estabelecido o diagnóstico de assistolia é fundamental observar com

muito cuidado a linha do ECG com o objectivo de procurar possíveis ondas P ou,

actividade ventricular muito lenta porque, nestes casos, há indicação formal para

implantar pacemaker externo de imediato.

No caso de ondas P não conduzidas deve-se proceder à percussão précordial

com o objectivo de estimular a despolarização ventricular enquanto não estiver

implantado o pacemaker externo e a funcionar eficazmente. A manobra consta de

Page 199: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

198

GRECAR

murros secos na região média do esterno ao ritmo de 70/min e a sua eficácia

verifica-se pela capacidade de provocar sístole ventricular.

Se durante o tratamento de assistolia ou DEM o ritmo passar a ser de FV ou TV

sem pulso volta-se ao ramo esquerdo do algoritmo.

No caso de persistência de assistolia ou DEM deve-se manter o SBV e

administrar Adrenalina de 3-5 minutos, numa dose não superior a 1 mg.

É essencial identificar e corrigir causas potencialmente reversíveis.

DISSOCIAÇÃO ELECTROMECÂNICA (DEM)

São as situações em que o ritmo cardíaco é compatível com circulação eficaz

mas isso não se verifica. A provabilidade de sobrevivência da vítima depende da

capacidade de identificar e corrigir causas potencialmente reversíveis. As de

pesquisa obrigatória são, as causas denominadas 4 H's e 4 T's.

A reanimação deve continuar enquanto as possíveis causas são pesquisadas e

corrigidas:

Deve-se iniciar SBV imediato;

Assegurar a permeabilidade da via aérea;

Estabelecer acesso venoso – em caso de trauma é necessário dois

acessos venosos periféricos (G14 ou G16);

Administrar Adrenalina EV na dose de 1 mg, de 3 em 3 minutos.

Se verificar bradicardia (FC < 60 bpm) deve-se administrar Atropina na

dose de 3 mg EV ou 6 mg diluído até 10 cc água destilada por via

endotraqueal, dose única.

CAUSAS POTENCIALMENTE REVERSÍVEIS

Qualquer que seja o ritmo é extremamente importante identificar e corrigir as

situações potencialmente reversíveis que possam ser a causa da paragem

Page 200: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

199

GRECAR

cardíaca ou, que agravam a situação de base. Para facilitar a memorização, fala-

se nos 4 H' s e 4 T' s.

Os 4 H's

Hipóxia – deve ser rapidamente corrigida com O2 a alto débito, se possível a

100%, assegurando a permeabilização da via aérea – observar se os movimentos

torácicos são eficazes e se o tubo endotraqueal está bem colocado.

Hipovolémia – deve ser considerada nos casos de trauma, hemorragias,

digestivas graves, rotura de aneurisma da aorta, deplecções maciças de volume

por diarreia ou vómitos incoercíveis e prolongados que levam a desidratações

graves (principalmente nos crianças e idosos).

A prioridade máxima nestas situações é a reposição de volume sendo necessário

estabelecer acessos venosos o mais rapidamente possível, com abocaths de

grande calibre - G14 ou G16.

Hiperkalémia, hipokalémia, acidémia ou outras alterações metabólicas – podem

ser identificadas através de análises de sangue pedidas à entrada ou sugeridas

pela história clínica, por ex.: insuficiência renal, diuréticos. O ECG de 12

derivações pode ser útil para diagnóstico e tratamento destas situações.

Deve-se administrar Cloreto de cálcio EV em caso de hiperkalémia, hipocalcémia,

intoxicação por bloqueadores dos canais de cálcio ou hipermagnesémia -por ex.

iatrogenia no tratamento de pré-eclâmpsia.

Hipotermia – deve ser considerada em todos as situações de submersão, vítimas

expostas ao frio, particularmente se com alterações do nível de consciência em

especial nos idosos e nas crianças. O diagnóstico deve ser feito com termómetros

que permitam ler temperaturas baixas. Não esquecer que durante as manobras

de reanimação a vitima pode arrefecer.

Os 4 T's

Pneumotórax hipertensivo – é uma das causas principais de DEM que tem de ser

considerada em caso de trauma, após colocação de catéter central ou nos casos

Page 201: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

200

GRECAR

de dificuldade respiratória de instalação súbita nos asmáticos. O diagnóstico é

clínico e exige tratamento imediato. O diagnóstico é confirmado com um abocath

G14 que se introduz a nível do 20 espaço intercostal na linha médio-clavicular. O

pneumotórax, após confirmação diagnóstica, deve ser imediatamente drenado.

Tamponamento cardíaco – o diagnóstico definitivo é difícil porque, os sinais

característicos desta situação são difíceis de pesquisar durante a reanimação,

seja na sala de emergência seja no local da ocorrência:

Ingurgitamento jugular a 450

Sons cardíacos apagados

Hipotensão/ausência de sinais de circulação – o que também é comum

ás outras causas de DEM

Deve-se ter em atenção as situações que têm maior probabilidade de causar

tamponamento cardíaco tratável, como por ex. traumatismo torácico penetrante

(considerar a necessidade de drenagem com uma agulha).

Tóxicos e iatrogenia medicamentosa – pode ser suspeitado pela história clínica

e/ou confirmados por análises. Nas situações em que for justificado considerar a

utilização de antídotos ou antagonistas.

Tromboembolismo Pulmonar e Coronário (obstrução mecânica) – é a causa mais

frequente de choque obstrutivo, sendo o tratamento de eleição a trombólise e/ou

cirurgia dependendo das especialidades existentes no hospital.

RESUMO

Nos casos de paragem cárdio-respiratória é prioridade absoluta

identificar o ritmo. Os doentes em FV/TV sem pulso devem ser

desfibrilhados o mais rapidamente possível.

A sobrevivência dos doentes em FV refractária ou em paragem não

Page 202: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

201

GRECAR

FV/TV sem pulso depende da identificação de causas potencialmente

reversíveis com tratamento.

Em todas as situações é essencial a preservação da perfusão cerebral e

coronária através do SBV correctamente efectuado.

Page 203: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

202

GRECAR

CAPÍTULO 16

CUIDADOS PÓS-REANIMAÇÃO

INTRODUÇÃO

A recuperação da circulação espontânea é um momento crucial da reanimação

pois é o início da fase em que é necessário optimizar as condições que permitam

que a vítima tenha maior possibilidade de recuperação neurológica, de

estabilização cardiovascular através do controle do ritmo e do estado

hemodinâmico não esquecendo outras atitudes terapêuticas apropriadas para

cada doente.

APÓS REANIMAÇÃO

As prioridades depois da recuperação da circulação da vítima continuam a ser as

mesmas: ABCDE.

A e B – via aérea e ventilação

Objectivos:

• Assegurar a permeabilidade da via aérea;

• Oxigenação adequada;

• Ventilação eficaz;

Os doentes que estiveram em paragem cardíaca e que recuperaram rapidamente,

por ex.: Fibrilhação Ventricular testemunhada que reverte a ritmo sinusal com

murro précordial ou desfibrilhação precoce, podem recuperar rapidamente o

estado de consciência prévio, não precisam de ser entubados nem ventilados só

necessitando de administração de O2 a alto débito por máscara facial.

Page 204: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

203

GRECAR

A hipóxia e a hipercapnia são factores facilitadores de nova PCR. A hipocapnia

excessiva, por outro lado, pode provocar vasospasmo e redução da perfusão

cerebral.

Por estas razões é importante optimizar as condições da oxigenação e da

ventilação sendo necessário efectuar avaliação bioquímica e gasimetrias.

É necessário verificar se os movimentos respiratórios são simétricos e auscultar

para confirmar se o murmúrio vesicular é simétrico porque um tubo endotraqueal

demasiado introduzido pode entrar no brônquio principal direito, excluindo o

pulmão esquerdo.

O pneumotórax pode manifestar-se por hipofonese ou abolição do murmúrio

vesicular de um dos lados e deve-se despistar fracturas de costelas ou das

condrocostais quer seja resultado das compressões torácicas quer por trauma

prévio.

A auscultação também permite o diagnóstico dum possível edema pulmonar que

pode ser devido a falência cardíaca, aspiração de vómito ou secundário a doença

inflamatória do pulmão. Se houve necessidade de entubação endotraqueal e o

doente acorda, é preciso extubá-Io, principalmente se o doente reagir ao tubo

porque isso faz aumentar os níveis de catecolaminas circulantes o que por sua

vez facilita o aparecimento de arritmias.

É necessário proceder à entubação gástrica do doente, principalmente se houve

ventilação boca a boca ou com máscara facial, para drenagem gástrica e para

descompressão do estômago para melhorar a ventilação, pois isso reduz a

pressão sobre o diafragma principalmente se houve ventilação boca a boca ou

com máscara facial.

Ter em atenção

• Antes de entubar, deve-se:

o Hiper-oxigenar o doente;

o Aspirar as secreções

o Explicar o que se vai fazer;

Page 205: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

204

GRECAR

o Posicioná-lo de forma confortável com tronco elevado;

C-Circulação

Objectivos:

• Um ritmo cardíaco estável;

• Débito cardíaco eficaz de modo a permitir uma perfusão adequada dos

órgãos vitais;

É possível que o ritmo cardíaco e o débito, após a reanimação, estejam instáveis.

É absolutamente crucial manter a monitorização cardíaca, vigiar os sinais e

sintomas de falência cardíaca/baixo débito, avaliando o pulso, tensão arterial e os

sinais de perfusão periférica - temperatura, cor e preenchimento capilar.

Também não nos podemos esquecer de pesquisar as manifestações de falência

cardíaca direita -ingurgitamento jugular, edemas nas zonas de declive,

hepatomegalia dolorosa, etc. - e sinais e sintomas de falência cardíaca esquerda,

por exemplo edema pulmonar.

A optimização da terapêutica nos doentes com falência cardíaca exige

monitorização invasiva de modo a controlar a administração de fluidos, diuréticos,

vasodilatadores, vasopressores, etc. A auscultação também é importante porque

permite suspeitar de derrame pericárdico ou doença valvular ou interseptal.

Os métodos de imagem confirmam e definem com maior precisão o significado

dos achados clínicos.

D e E - Disfunção neurológica e Exposição

Objectivos:

• Avaliar o estado neurológico pós PCR;

• Verificar se há situações precipitantes ou agravantes da PCR que exijam a

intervenção imediata, nomeadamente cirúrgica;

Page 206: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

205

GRECAR

No adulto a PCR súbita é na maior parte das vezes devido a Enfarte Agudo do

Miocárdio mas, as causas são múltiplas e têm de ser identificadas e corrigidas

rapidamente, se possível. As mais frequentes são:

• Hipovolémia por exemplo de causa hemorrágica;

• Choque não hipovolémico por exemplo de causa séptica;

• Doenças respiratórias agudas e crónicas agudizadas;

• Graves desequilíbrios metabólicos;

• Intoxicações;

• Doenças do SNC capazes de provocar ou contribuir para a PCR

A identificação destes problemas passa pela recolha da história clínica ou

consulta do processo clínico, dependendo da situação.

É importante saber o que se passou e há quanto tempo decorreu o acidente ou

incidente.

A avaliação deve ser registada e monitorizada de forma simples e facilmente

perceptível por todos:

• Monitorização hemodinâmica – Tensão arterial, ritmo cardíaco e sinais de

perfusão periférica;

• Monitorização da função respiratória – sinais de dificuldade respiratória,

coloração da pele e mucosas, gasimetria arterial...

• Monitorização da diurese;

• Monitorização do estado de consciência -escala de coma de Glasgow;

Exames a pedir a todos os doentes após reanimação:

• Hemograma – hematócrito, despistar anemia ou doenças hematológicas;

• Bioquímica – função renal, electrólitos, glicémia, enzimas cardíacas;

• ECG de 12 derivações – ritmo, síndromes isquémicos coronários, lesões

miocárdicas anteriores – é necessário ter ECG de entrada para referência;

Page 207: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

206

GRECAR

• Radiografia do tórax – para despiste de pneumotórax, hemotórax, posição

do tubo endotraqueal e da sonda nasogástrica, lesões infiltrativas

parenquimatosas (pneumonia, aspiração de vómito);

• Gasimetria arterial – para avaliar e corrigir a ventilação e o estado ácido-

base;

Atenção:

• Após PCR é frequente a hipercaliémia seguido de hipocaliémia devido a

um estado hiperadrenérgico que promove a entrada de potássio para

dentro das células. A hipocaliémia pode levar a arritmias. É preciso repor o

potássio de modo a ter valores entre 4 a 4,5 mEq/l;

• Os estados hiperglicémicos após PCR têm pior prognóstico e a

hipoglicémia leva a lesões endoteliais que contribuem para o agravamento

das lesões isquémicas. É imprescindível monitorizar a glicémia e corrigi-la

de modo a promover a normoglicémia;

• O sincronismo entre a contracção auricular e a ventricular é necessária

para assegurar um estado hemodinâmico eficaz, principalmente se existe

disfunção miocárdica. Tem de se corrigir as disrritmias potencialmente

tratáveis conforme as recomendações dos algoritmos peri-paragem;

• Se a PCR surgiu no contexto de síndrome coronário agudo é essencial

estabelecer o diagnóstico correcto o mais rapidamente possível para

decidir qual o tratamento a efectuar – o diagnóstico e a estratificação de

risco em caso de Enfarte Agudo de Miocárdio são imprescindíveis para

decidir a sequência da terapêutica a realizar nomeadamente a reperfusão

coronária;

• A seguir à PCR há habitualmente acidose metabólica, com acidémia e

Bicarbonato baixo, alterações que tendem a normalizar com a recuperação

da circulação e com a oxigenação -o tratamento deve ser dirigido à

correcção da causa (controle do ritmo, reposição de volume, uso de

Page 208: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

207

GRECAR

inotrópicos,...) e não há sua correcção com administração de bicarbonatos.

A acidémia reflecte o estado de hipoperfusão periférica e a sua auto

correcção é um bom marcador da eficácia do tratamento;

• A resposta metabólica à acidémia é a redução da PaCO2 por

hiperventilação. Se o nível de consciência estiver deprimido (por ex. lesão

neurológica, sob efeito de sedativos, incapaz de hiperventilar), e o doente

estiver em respiração espontânea, pode não ser capaz de hiperventilar de

modo a corrigir a acidémia, ou mesmo, agravando-a;

É importante detectar imediatamente qualquer sinal de dificuldade respiratória,

monitorizar a oximetria de pulso e vigiar o equilíbrio ácido-base.

A administração de Bicarbonato pode agravar a acidose porque ele é

metabolizado em CO2 e hidrogeniões dentro das células agravando o pH

intracelular. Assim o tratamento da acidémia deve ser dirigido à causa.

As indicações para a administração de Bicarbonato durante uma reanimação são:

• pH extremamente baixo (< 7,1) e que não recupera;

• Hipercalémia grave;

• Intoxicação por tricíclicos;

A TRANSFERÊNCIA DO DOENTE

O objectivo é assegurar que a transferência é efectuada para o local adequado e

em condições de segurança.

Após uma reanimação bem sucedida o doente tem de ser transferido para uma

unidade de cuidados intensivos na qual possa ser monitorizado e tratado de modo

adequado segundo as suas necessidades.

A transferência só pode ser feita após se ter contactado com o responsável da

unidade de modo a discutir a situação do doente e se está em condições de

receber a vítima.

Page 209: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

208

GRECAR

Se o doente durante e após a reanimação necessitou de monitorização e

cuidados diferenciados os mesmos devem continuar durante o transporte.

Antes de iniciar o transporte deve-se garantir que todos os tubos, cateteres,

drenos, cânulas e sistemas conectados estão a funcionar adequadamente e

seguros.

A equipa de procede ao transporte deve-se fazer acompanhar por todo o

equipamento necessário para qualquer emergência.

Existem protocolos como guia de orientação para as equipas que efectuam a

transferência sobre a sua organização e material necessário.

OPTIMIZAÇÃO DA PERFUSÃO E OXIGENAÇÃO

O objectivo é prevenir os síndromes de disfunção multi-orgânica, optimizando a

oxigenação e a perfusão de modo a impedir os quadros de isquemia/reperfusão.

Coração – após a reanimação o coração pode passar por um período de

deterioração da sua função que é interpretado como associado a lesões de

isquemia/reperfusão. A recuperação eficaz passa pela optimização do estado

hemo dinâmico de modo a conseguir uma recuperação total cárdio circulatória, o

que é conseguido com a manipulação de fluidos e medicamentos vasoactivos. A

disfunção do miocárdio pós reanimação não é por si só sinal de mau prognóstico

mas, a persistência da má função apesar da optimização da terapêutica já o é.

Cérebro – após a ressuscitação o cérebro passa por um período de hiperémia

mas 15 a 30 min depois passa a um estado de hipoperfusão por diminuição global

do fluxo sanguíneo. A autoregulação do cérebro perde-se tomando-o mais

sensível ao estado de hipotensão. É essencial manter a tensão arterial evitando

hipotensões mesmo que seja necessário recorrer a medicamentos vasoactivos.

Neste período pós reanimação podem ocorrer convulsões o que por si só

aumenta a necessidade de oxigénio pois o seu consumo aumenta cerca de 4

vezes em relação ao habitualmente necessário, o que torna imprescindível o

controle das convulsões através de benzodiazepinas, fenitoína, barbitúricos, etc.

Page 210: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

209

GRECAR

Qualquer destes anticonvulsivantes podem causar hipotensão a qual deve ser

antecipada e corrigida.

Não há evidência clínica que haja medicamentos que protejam o cérebro de

lesões por isquemia pós PCR. No entanto há relatos que documentam que a

hipotermia pode ter efeitos benéficos quando existe traumatismo craniano. Devido

a isso os casos em que se constata hipotermia (33°C) pós reanimação não devem

ser activamente aquecidos mas as situações em que se verifica hipertermia

devem ser activamente tratadas.

ESTABELECER O PROGNÓSTICO

O objectivo é prevenir a disfunção multiorgânica, optimizando a oxigenação e a

perfusão dos órgãos nobres de modo a evitar os quadros de isquemia/reperfusão.

Uma vez restabelecida a circulação eficaz e após a estabilização do ponto de

vista hemodinâmico o prognóstico passa a depender essencialmente das lesões

cerebrais. O ideal seria ter acesso a um teste com valor prognóstico com 100% de

especificidade em relação à probabilidade de recuperação de forma a manter-se

uma vida com qualidade.

Actualmente não há forma de definir o prognóstico nas primeiras horas pós

paragem. A CPK no líquido cefaloraquidiano e o doseamento da proteína S100

(uma proteína da glia) no soro são marcadores de grande especificidade mas que

só têm valor prognóstico passado 48 a 72 h após PCR.

O EEG dá pouca informação mesmo quando se observa ondas sem deflecções

porque, isso é passível de recuperação se a causa subjacente for corrigida.

Os potenciais evocados somato sensitivos têm algum valor prognóstico mas, só

ao fim de algum tempo pós paragem.

Devido ao facto de não haver teste especifico que permita saber precocemente o

prognóstico das vítimas pós ressuscitação sucedida, estas devem receber todo o

suporte necessário para se manterem vivas (aos 3 dias 50% já faleceram). Das

restantes, as que não têm reflexos pupilares e as que não reagem à dor têm uma

Page 211: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

210

GRECAR

probabilidade elevadíssima de morte/estado vegetativo, sendo estes indicadores

por si só de grande significado clínico e independentes entre si. Quando estes

dados são sustentados com estudos electrofisiológicos, a especificidade é de 100

%.

ESCALA DE COMA DE GLASGOW

Espontânea 4

À estimulação verbal 3

À estimulação dolorosa 2

ABERTURA DOS OLHOS

Nula 1

Orientada 5

Confusa 4

Inapropriada 3

Sons incompreensíveis 2

RESPOSTA VERBAL

Nula 1

Obedece a ordens 6

Localiza a dor 5

De fuga 4

Em flexão 3

Em extensão 2

RESPOSTA MOTORA

Sem resposta 1

Pontuação máxima 15

Pontuação mínima 3

Page 212: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

211

GRECAR

O APOIO À EQUIPA DE REANIMAÇÃO

Todas as tentativas de reanimação deveriam ser objecto de auditoria sob a forma

de registos segundo o estilo Utstein.

É essencial que a equipa de reanimação reveja, em conjunto, o seu próprio

desempenho no fim de cada reanimação, salientando os pontos positivos, os

negativos e os pontos a melhorar.

O exame neurológico deve ser rigoroso e descritivo mas, para avaliações

repetidas do nível de consciência de modo a ser perceptível por todos os

intervenientes no processo de ressuscitação, deve-se utilizar a escala de coma de

Glasgow, inicialmente utilizada para avaliar a evolução neurológica dos doentes

com TCE.

RESUMO

• A ressuscitação cádio-respiratória eficaz (RCR) é somente o 1º passo de

todo um processo com evolução incerta e complexa.

• A qualidade de cuidados pós reanimação é crucial se definir o prognóstico.

• Os doentes pós RCE necessitam de cuidados especiais, nomeadamente

monitorização, pelo que devem ser transferidos para uma unidade de

cuidados intensivos.

• Actualmente a capacidade de previsão da evolução neurológica destes

doentes em coma pós RCE ainda é limitada.

Page 213: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

212

GRECAR

CAPITULO 17

A EQUIPA DE REANIMAÇÃO

A SEQUÊNCIA DE EVENTOS DURANTE RCR

O suporte básico de vida (SBV) e o reconhecimento do ritmo precedem o suporte

avançado de vida (SAV), e a desfibrilhação precede as técnicas e o tratamento

avançado. Dependendo do número de membros presentes na equipa de

reanimação algumas tarefas podem ser realizadas simultaneamente, mas a

ordem dos eventos deve ser respeitada.

Suporte Básico de Vida

A seguir ao diagnóstico de Paragem Cárdio Respiratório deve-se iniciar SBV o

mais rapidamente possível. O SBV deve ser continuado ininterruptamente durante

todo o período de tentativa de ressuscitação (excepto para desfibrilhar). Se o SBV

não for iniciado logo, a probabilidade de sucesso diminui drasticamente.

Habitualmente, no meio hospitalar, o qual, o SBV já foi iniciado quando a equipa

de reanimação chega.

Monitorização

O diagnóstico de paragem cardíaca deve ser feito o mais rapidamente possível e,

por isso, se o doente ainda não estiver monitorizado a monitorização do mesmo

deverá ser feita imediatamente. Em alternativa, as pás do destibrilhador podem

ser utilizadas ou, a vítima pode ser conectada a um desfibrilhador externo

automático.

Se a paragem foi testemunhada ou monitorizada é apropriado o murro précordial

o qual deve ser dado logo de seguida.

Page 214: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

213

GRECAR

Desfibrilhação

Se é diagnosticada Fibrilhação Ventricular ou Taquicardia Ventricular sem pulso o

tratamento mais efectivo é a desfibrilhação e o tempo que decorre até ao 1º

choque é crucial para se ter sucesso.

A desfibrilhação é a 1ª manobra no SAV quando se diagnostica paragem cardíaca

(FV/TVsp). A energia a utilizar é de 200J ou 360 J e deve preceder qualquer

outra intervenção de suporte avançado.

A pesquisa de pulso na artéria carótida entre os choques só deve ser efectuada

se no monitor surgir um ritmo compatível com circulação eficaz.

O SBV, após a desfibrilhação deve ser efectuado de imediato após cada choque

durante cinco ciclos antes de avaliar ritmo e pulso. Se o ritmo parecer de

assistolia , mudar para o ramo dos ritmos de assistolia.

Entubação endotraqueal e acesso vascular

Enquanto se está a proceder ao SBV, uma via para administração de drogas tem

de ser estabelecida. A Adrenalina é administrada durante a ressuscitação,

preferencialmente por via endovenosa ou intraossea.

A escolha de qual é estabelecido em 1º lugar (e assim qual a via de administração

da Adrenalina) é decidido pelo “team leader”. Tem a ver com a experiência dos

membros da equipa de reanimação. Se, como é a maior parte das vezes, existe

mais do que uma pessoa a participar na reanimação o acesso venoso e a

entubação endotraqueal podem ser efectuadas ao mesmo tempo sem interrupção

da RCR. No entanto, se só houver uma pessoa a efectuar a ressuscitação, a

entubação endotraqueal tem a vantagem de proteger a via aérea, garantir a

ventilação com O2 a 100 % e permitir a administração de Adrenalina.

O protocolo de tratamento deve seguir da seguinte forma: Se a vitima continua em

FV ou TVsp após 2 min de SBV (30:2), deve-se proceder a novo choque, de

200 J se bifasico ou 360J monofasico.

Page 215: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

214

GRECAR

Se o ritmo não for TV/FV o SBV deve continuar enquanto se identifica e corrige as

causas potencialmente reversíveis.

Seja qual for o ritmo a Adrenalina deve ser administrada cada 3 ou 5 min.

É essencial que, durante todo o tempo de reanimação, seja assegurado que o

SBV está a ser feito de forma correcta e que a vítima está monitorizada de forma

a detectar-se alterações de ritmo sendo necessário confirmar o bom

funcionamento do equipamento.

O papel do "Team Leader"

A equipa de reanimação depende do seu team leader para funcionar

correctamente.

A pessoa com mais experiência e com formação em SAV é que deve ser o "Team

Leader". Em meio hospitalar muitas vezes acontece que várias pessoas têm essa

formação devendo ser pré definido qual delas vai ser o "Team Leader". Em meio

pré hospitalar é o 1º que chega ao local com experiência em SA V. O papel do

"tearn leader" é assegurar que a avaliação da vítima está a ser feita

correctamente, sendo o responsável pela coordenação da equipa.

Após se confirmar paragem cardíaca (não responde, não respira, não há

evidência de circulação) o passo seguinte é assegurar um adequado SBV:

• As compressões cardíacas coordenadas com a ventilação;

• A concentração máxima de O2 está a ser administrada;

• Cada compressão cardíaca "produz" pulso;

Assim que tudo é confirmado, o "team leader" deve ficar afastado de modo a ter

uma visão global da tentativa de reanimação. Evidentemente que isto só é

possível se os reanimadores também tiverem experiência em reanimação. Seja

qual for a situação o "team leader" deve rever toda as tarefas regularmente de

modo a assegurar que nenhum passo vital foi descurado. Assumindo que a

Page 216: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

215

GRECAR

continuação da ressuscitação vai ser efectiva, o "team leader" deve garantir que o

doente é monitorizado o mais rapidamente possível.

A abordagem inicial pode ser resumida da seguinte forma:

É só depois de se diagnosticar o ritmo que o tratamento adequado pode ser instituído.

O "team leader" tem a responsabilidade de assegurar que existem condições de

segurança, tanto em relação à vítima, com em relação à equipa de reanimação ou

de outra pessoas presentes. O risco maior é durante a desfibrilhação e o leader

deve garantir que ninguém da equipa está em risco enquanto a vítima está a ser

desfibrilhada. Isto é tanto mais difícil quanto maior for a equipa ou se estiverem

presentes familiares da vítima. O acesso venoso e a entubação endotraqueal

devem ser efectuadas pelo elemento da equipa com maior experiência nessa

tarefa. O team leader tem de assegurar que o equipamento e as técnicas que

estão a ser utilizadas são as mais adequadas e, deve ser capaz de identificar e

conseguir resolver qualquer complicação que possa ocorrer. Finalmente, deve

assegurar que a dose (concentração e volume) de Adrenalina ou de outras drogas

a serem administradas é a adequada. Após cada intervenção o pulso e o ritmo da

vítima devem ser confirmados, e o team leader deve dar directrizes claras e

concisas sobre o passo a seguir. Isso não exclui que os outros membros da

equipa de reanimação dêem sugestões mas, a decisão final é do team leader.

Enquanto a tentativa de reanimação está a decorrer, o team leader deve obter

todos os dados clínicos da vítima que sejam relevantes, nomeadamente hábitos

medicamentosos ou de toxicofilia. Isto é relativamente fácil nos doentes

internados. No pré hospitalar tem de se questionar os presentes (familiares ou

outros) ou o doente pode ser portador de um cartão de prescrição.

Resolução de problemas

Se o doente não responde adequadamente ás manobras de reanimação, o papel

do team leader é investigar o porquê e alterar o tratamento de modo adequado, o

que inclui repensar o diagnóstico inicial, identificar o mau funcionamento do

Page 217: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

216

GRECAR

equipamento ou ver se a cânula ou o tubo endotraqueal se deslocou. Deve-se ter

em atenção que o algoritmo de SA V é só um guia e que o tratamento deve ter em

atenção a situação clínica. Por exemplo, a paragem cardíaca num doente com

insuficiência renal pode requerer correcção de hipercaliémia, ou seja

administração de cálcio, apesar de ele não estar referenciado directamente no

algoritmo.

Se a ressuscitação for bem sucedida, é da responsabilidade do team leader

comunicá-lo aos que posteriormente serão responsáveis pela continuação dos

cuidados médicos. No pré hospitalar deve-se contactar o local para onde o doente

vai ser transportado, em meio hospitalar deve contactar o responsável pela

unidade de cuidados intensivos ou da unidade de coronários dependendo do

suporte que a vítima necessite.

É essencial que o team leader se assegure que toda a documentação está

completa, tão depressa quanto possível, após a ressuscitação. As notas médicas

e de enfermagem devem estar escritas de modo claro, indicando a data, a hora e

a sequência dos eventos efectuados e devem ser assinadas.

O papel final é falar com os familiares num ambiente apropriado,

A decisão de parar

Em muitas ocasiões, a ressuscitação não é bem sucedida e é da

responsabilidade do team leader tomar a decisão final de parar. Esta decisão é

sempre difícil mas, após confirmar o diagnóstico, de se assegurar que os

protocolos foram seguidos, complicações adicionais identificadas e tratadas e

todos os pontos da história esclarecidos, o team leader está em posição de tomar

a decisão de parar. Usualmente, isso só é feito após ser discutido com todos os

membros da equipa, tendo em conta os seus pontos de vista e serem

esclarecidas todas as dúvidas que possam ter.

Page 218: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

217

GRECAR

RESUMO

• O "Team Leader" deve ser a pessoa com mais experiência em SAV.

• O papel do "Team Leader" é assegurar que o maior número de tarefas

sejam realizadas de modo a maximizar as chances do doente de

sobrevivência.

Page 219: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

218

GRECAR

CAPÍTULO 18

ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS DA REANIMAÇÃO

INTRODUÇÃO

Qualquer abordagem completa do tema "Reanimação" envolve aspectos técnicos,

éticos morais e jurídicos.

A Ética médica assenta no pressuposto do valor fundamental da vida humana. O

princípio ancestral da beneficência e da não maleficência obriga o médico a

precaver-se contra a obstinação terapêutica, não mobilizando meios

tecnologicamente avançados quando é previsível, sob o ponto de vista cientifico,

que não se vão obter os benefícios esperados.

Como em qualquer outro procedimento de emergência, existe consentimento para

a reanimação cardiorespiratória (RCR) em face de um doente incapaz de

comunicar a sua vontade, já que o adiamento dessa atitude resultaria na morte do

doente.

Contudo, a frequente utilização de manobras de RCR em doentes com doenças

em estadio terminal ou sem poucas hipóteses de sobrevivência por mais do que

um período curto de tempo, tem levantado a preocupação de que os esforços de

reanimação estejam a ser correctamente empregues.

O doente inconsciente e que não pode exprimir a sua vontade, constitui para a

medicina moderna, um problema emocional, ético e jurídico.

CRITÉRIOS PARA INICIAR RCR

As manobras de RCR são, actualmente, uma prática que pode ser tentada em

todo o indivíduo que sofra uma paragem respiratória e/ou cardíaca. Visto que

qualquer uma destas situações é parte inevitável do processo de morte, a RCR

pode ser efectuada em todo o indivíduo que morre. Todos os doentes em

Page 220: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

219

GRECAR

paragem cardiorespiratória (PCR) devem ser reanimados, excepto se esse

procedimento se revele fútil ou contrarie a vontade expressa do doente.

A alternativa à RCR é a própria morte.

Fora dos hospitais, em que na maioria dos casos, não se tem acesso a

informações clínicas sobre o doente, detalhadas e precisas, a reanimação deve

ser iniciada sempre e tão breve quanto possível, mesmo que existam dúvidas

sobre o tempo real de paragem, e/ou sobre a existência de doença grave

preexistente. As excepções a esta regra serão abordadas mais a frente.

O médico deve, em qualquer lugar ou circunstância, prestar tratamento de

urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato, independentemente da

sua função específica ou da sua formação especializada. (artigo 8º do Código

Deontológico da Ordem dos Médicos)

CONCEITO DE NORMA

Espera-se do médico que inicia as manobras de reanimação, eficácia

cientificamente comprovada e rigor na acção desenvolvida.

Como em muitos outros campos da medicina, as manobras de RCR são

suportadas por normas de orientação - "guidelines", sendo as mais divulgadas no

nosso país as emanadas pelo Conselho Português de Ressuscitação (CPR),

membro activo do European Resuscitation Council (ERC). Uma norma de

orientação é uma matriz de referência ou conjunto de recomendações,

(estruturadas) periodicamente actualizadas, que contem uma definição clara das

situações e das circunstâncias em que se aplica e que deve informar o processo

ou a decisão médica de forma a produzir acções de maior qualidade e de maior

consistência. O objectivo geral de qualquer norma de orientação é a melhoria da

qualidade do processo a que dizem respeito. O não seguimento desta normas

deverá ser baseado numa justificação explicável. No entanto, a flexibilidade da

sua aplicação só poderá existir quanto menor for o grau de urgência da

intervenção. Por este motivo, é de todo inadmissível e profissionalmente

inaceitável, qualquer alteração aos algoritmos de RCR existentes.

Page 221: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

220

GRECAR

Invocar desconhecimento destas normas, falta de experiência e de treino não é,

nem deve ser argumento aceitável numa acusação de negligência, se o médico

foi solicitado para actuar de acordo com as competências que se esperava que

tivesse. Assim, todo o médico deve estar a par das actualizações em RCR e de

uma maneira ideal, estar habilitado com pós graduações, certificadas por

instituições credenciadas para o efeito. O médico deve cuidar da permanente

actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica. (Artigo 11º do

Código Deontológico da Ordem dos Médicos)

DECISÕES DE NÃO REANIMAR (DNR)

A paragem cardiorespiratória é uma das mais emergentes situações com que se

defrontam os profissionais de saúde.

As manobras de RCR praticadas nos hospitais e fora deles, permitem salvar

milhares de vidas. Estudos retrospectivos revelam que a RCR é praticada em

cerca de um terço dos mais de 2.000.000 de doentes que morrem anualmente

nos hospitais dos EUA.

A proporção de tentativas de RCR consideradas bem sucedidas depende dos

objectivos pretendidos com essa manobra. Com efeito, a taxa de sucesso varia

significativamente, dependendo do objectivo da reanimação ser a mera reposição

da função cardiorespiratória ou a sobrevida do doente até ter alta do hospital.

Assim, dos doentes hospitalizados que recebem RCR, 30 % sobrevive a essa

manobra pelo menos 24 horas, mas, na melhor das hipóteses, só um terço (10 %)

destes sobrevive até à data de alta.

Têm os doentes e a opinião pública em geral, expectativas realistas acerca da

taxa de sucesso das manobras de RCR?

É obvio que não. Trabalhos realizados nestas áreas revelam que após a análise

detalhada das situações encenadas de RCR em ambiente hospitalar e

transmitidas em filmes, aproximadamente 67% dos "doentes" submetidos a

manobras de RCR (em muitos casos só com o recurso ao Suporte Básico de

Page 222: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

221

GRECAR

Vida) sobrevivem imediatamente e aparentemente tem alta hospitalar nas horas

que se seguem.

O resultado das manobras de RCR está intimamente ligado a natureza e

gravidade da doença subjacente. Situações tendo como doença de base

neoplasia metastizada, sépsis, falência cardíaca, respiratória e renal em fase

terminal ou falência multiorgânica estão geralmente associadas a baixos níveis de

sobrevivência.

Apesar do uso generalizado da RCR em doentes hospitalizados, são

reconhecidas duas excepções aos pressupostos que obrigam à sua

administração:

1. A vontade do doente em relação à RCR, obviamente expressa e conhecida

antes da situação que justifique a sua utilização;

2. A RCR não deve efectuada se, na opinião do médico em causa, esse

procedimento se revelar inútil;

A 1ª excepção – é sobejamente conhecido o direito que assiste o doente

esclarecido recusar qualquer tratamento médico, mesmo quando tal atitude

resulta num agravamento do seu estado ou mesmo a morte. Por conseguinte, um

doente pode expressar antecipadamente a sua opção de que não sejam

realizadas manobras de RCR. Tal recusa pode servir de base para a inserção de

uma directiva de não reanimar no processo do doente A capacidade mental do

doente deve ser comprovada, bem como, deve existir a certeza de que não houve

influências de terceiros. Importa salientar que nos países europeus, estas DNR

não tem valor legal vinculativo para o médico.

A 2ª excepção à regra da realização das manobras de RCR refere-se aos casos

em que, na opinião do médico assistente, tais manobras se revelem inúteis.

Nenhum médico está ética ou legalmente obrigado a proceder a um tratamento

específico, mesmo que expressamente pedido pelo doente, se esse procedimento

se evidenciar fútil.

Page 223: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

222

GRECAR

No entanto, os conceitos de inutilidade e futilidade estão sujeitos a uma grande

variedade de interpretações. São encontrados na literatura quatro tipos

conceptuais de futilidade:

1. Fisiológica – a intervenção efectuada não tem efeito fisiológico;

2. Futilidade e morte iminente – o doente morre antes da intervenção;

3. Futilidade e condição letal – o doente está em estadio terminal;

4. Qualitativa – a qualidade de vida resultante da acção é muito reduzida;

As recomendações sobre DNR existentes na literatura têm como pressupostos

estes quatro tipos de futilidade. É preciso não esquecer que os processos de

determinação de futilidade de um dado procedimento, neste caso a RCR, não são

perfeitos e têm, na maioria dos casos, uma posição unilateral, podendo por isso

ser acusados de falta de ética.

É necessário que se chame ao processo de DNR todos os intervenientes: o

doente, os seus familiares, o médico assistente, a instituição e a sociedade em

geral.

A autonomia do doente deve ser, sempre que possível, preservada.

DNR E O PRÉ HOSPITAL

A paragem cardiorespiratória que ocorre em ambiente extra hospitalar é

habitualmente inesperada. As decisões de iniciar, continuar ou parar as manobras

de RCR são tomadas pelo médico do pré-hospitalar e não tem em conta as

eventuais decisões do doente. No caso de, durante o processo de reanimação,

não estar presente nó local um médico com formação em Suporte Avançado de

Vida (SAV), os doentes são, na grande maioria dos casos, transportados para o

hospital ou centro de saúde.

Importa salientar que a RCR fora do hospital é acompanhada de grande

expectativa pelos familiares da vítima e público em geral. Ninguém espera que a

equipa de emergência se limite apenas anunciar o óbito. Por isso, e até à

Page 224: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

223

GRECAR

chegada do SAV, as manobras de RCR devam de pronto ser iniciadas e

mantidas. Este procedimento que poderá ser rotulado de fútil é defendido pelo

princípio da dúvida.

Fora dos hospitais, quando a informação clínica do doente é diminuta e

inconclusiva e o tempo é escasso, a RCR deve ser iniciada sempre e de imediato,

exceptuando os casos em que se verifiquem situações de lesões incompatíveis

com a vida:

• Decapitação;

• Incineração;

• Rigor mortis;

• Decomposição;

• Hemicorporectomia (Secção transversa);

Especial atenção devem merecer os casos de hipotermia ou em que se suspeita

ter havido ingestão de fármacos (barbitúricos, ansiolíticos), já que estas situações

podem conferir algum grau de protecção cerebral. Sempre que possível, a morte

deve ser documentada com traçado electrocardiográfico.

Aceita-se que não se iniciem manobras de RCR nos casos em que o tempo que

mediou a PCR e o início de SBV seja superior a 15 min e o ritmo encontrado pela

equipa de SAV não seja desfibrilhável. É imperativo que esteja correctamente

documentada a ausência de sinais de circulação e/ou pulso.

Um importante factor no atendimento à vítima em PCR é aquele que está

relacionado com a segurança da equipa de socorro. A exposição da equipa ao

meio que condicionou a PCR (electrocussão, intoxicação com organofosforados)

e a assistência a vítimas de acidentes rodoviários ou em locais de difícil e

perigoso acesso deve ser rodeada de todas as medidas de segurança, de modo a

não colocar em perigo os profissionais de saúde e o trabalho por eles

desenvolvido.

Page 225: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

224

GRECAR

CRITÉRIOS DE SUSPENSÃO DA RCR

É tremendo o impacto emocional e financeiro dos doentes com encefalopatia

anóxica. Este dramático quadro que geralmente ocorre após 3 a 5 minutos de

anóxia leva, muitas vezes, os familiares e os próprios médicos a julgarem esta

situação pior que a própria morte. Contudo, é importante salientar que o

diagnóstico de "lesão cerebral irreversível" ou "morte cerebral" não pode ser feito

em ambiente pré-hospitalar e, como tal, não deve ser utilizado como critério para

não iniciar ou suspender a RCR.

Um sinal positivo da RCR fora do hospital é o retorno da circulação espontânea

(ROSC), definido como a existência de pulso durante, pelo menos, 5 minutos.

Assim a equipa de socorro deve manter os esforços de reanimação até que:

• Haja existência de ROSC;

• Transferência dos cuidados para a equipa de SAV;

• Decisão médica de parar a RCR;

• Reconhecimento seguro da morte da vítima;

• Exaustão ou factores de risco que coloquem em perigo o socorrista ou a

vida de terceiros;

• Existência de uma DNR com suporte legal claro e inequívoco.

Como atrás referido, quando existem dúvidas sobre as possibilidades de

recuperação, a regra de Epstein dever ser seguida pelo médico -"Preserve a vida

o mais que puder". O médico que não cumpre este princípio deontológico está a

infringir o seu código de ética.

Na eventualidade de estar seguro acerca da irreversibilidade da situação, o

médico tem que assumir a responsabilidade de não introduzir métodos especiais

de tratamento.

De acordo com o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida merece

juízo ético favorável a decisão médica de não iniciar medidas extraordinárias de

Page 226: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

225

GRECAR

suporte ventilatório ou cardíaco, quando elas são medicamente inúteis, bem como

a decisão médica de as suspender logo que foi verificada a morte do tronco

cerebral.

A morte cerebral equivale à ausência total e irreversível das funções do tronco

cerebral. Relembram-se os critérios de certificação de morte cerebral publicados

em decreto-lei, (Diário da República -I Série -B n.º 235; 11/10/1994; 6160):

I – Condições prévias

1. Para o estabelecimento do diagnóstico de morte cerebral é necessário que

se verifiquem as seguintes condições:

2. Conhecimento da causa e irreversibilidade da situação clínica;

3. Estado de coma com ausência de resposta motora à estimulação dolorosa

na área dos pares cranianos;

4. Ausência de respiração espontânea;

5. Constatação de estabilidade hemo dinâmica e ausência de hipotermia,

alterações endócrino-metabólicas, agentes depressores do sistema

nervoso central e ou de agentes bloqueadores neuromusculares, que

possam ser responsabilizados pela supressão das funções referidas nos

números anteriores.

II – Regras de semiologia

1. O diagnóstico de morte cerebral implica a ausência na totalidade dos

seguintes reflexos do tronco cerebral:

a) Reflexos fotomotores com pupilas de diâmetro fixo;

b) Reflexos oculocefálicos;

c) Reflexos oculovestibulares;

d) Reflexos comeopalpebrais;

e) Reflexo faríngeo.

Page 227: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

226

GRECAR

2. Realização da prova da apneia confirmativa da ausência de respiração

espontânea.

III – Metodologia

A verificação de morte cerebral requer:

1. Realização de, no mínimo, dois conjuntos de provas com intervalo

adequado à situação clínica e à idade;

2. Realização de exames complementares de diagnóstico, sempre que for

considerado necessário;

3. A execução das provas de morte cerebral é efectuada por dois médicos

especialistas (em neurologia, neurocirurgia ou com experiência de

cuidados intensivos);

4. Nenhum dos médicos que executa as provas poderá pertencer a equipas

envolvidas no transplante no transplante de órgãos ou tecidos e pelo

menos um não deverá pertencer à unidade ou serviço em que o doente

esteja internado.

Os doentes que, antes da chegada ao hospital, apresentem ROSC, têm uma

probabilidade aumentada de sobreviverem. Estudos mostram, que o transporte

rápido da vítima, que no local não apresenta um retomo à circulação espontânea,

não aumenta a taxa de sobrevivência e pode, eventualmente por em perigo, a

equipa de reanimação.

A decisão de suspender as medidas de RCR deve ter vários factores em conta:

Duração da RCR

As manobras de RCR, no pré-hospital, devem ser interrompidas quando

ultrapassam os 25 minutos de duração sem ROSC.

Esta recomendação exclui os casos excepcionais de intoxicação com drogas ou

situações de hipotermia extrema.

Page 228: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

227

GRECAR

Quando não se tem acesso ao SAV nos 30min após o início do SBV, quer pela a

sua inexistência, quer por a PCR surgir em locais remotos, a taxa de sobrevida é

reduzida.

Idade da vítima

O efeito da idade da vítima no prognóstico da RCR é controverso.

A idade "fisiológica", mais do que a idade "anatómica", poderá ter alguma

influência sobre o insucesso das manobras.

Ritmo peri-paragem

Os ritmos não destibrilháveis (dissociação electromecânica assistolia) tem um pior

prognóstico.

Em termos gerais, considera-se que a reanimação não deve ser suspensa

enquanto se apresentar o ritmo de fibrilhação ventricular.

Factores potencialmente reversíveis

Segundo as recomendações do ERC, os seguintes factores (4 H's e 4 T's) devem

ser equacionados e, se presentes, resolvidos no decurso de uma RCR:

Hipóxia

4 H's Hipovolémia

Hiper/Hipocaliémia e alterações metabólicas

Hipotermia

Page 229: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

228

GRECAR

PneumoTórax hiperTensivo

4T’s Tamponamento cardíaco

Tóxicos e iaTrogenia médica

Tromboembolismo pulmonar e obstrução mecânica

COMISSÃO DE ÉTICA

É obrigação dos hospitais criarem e manterem Comissões de Ética que possam

responder ás solicitações surgidas com problemas éticos.

Cabe a estas comissões organizar programas educacionais, desenvolver políticas

hospitalares e estabelecer contactos com os serviços de emergência, tendo como

fim a protecção dos direitos do doente e do médico.

RESUMO:

Todos os doentes em PCR devem ser reanimados, excepto nos casos em que

esse procedimento se revele fútil ou contrarie a vontade expressa pelo doente.

O médico tem a obrigação ética de respeitar a vontade do doente face à RCR,

não devendo interferir com juízos de valor pessoais.

Fora dos hospitais, quando a informação clínica do doente é diminuta e

inconclusiva e o tempo é escasso, a RCR deve ser iniciada sempre e de imediato,

exceptuando os casos em que se verifiquem situações de lesões incompatíveis

com a vida.

Page 230: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

229

GRECAR

CAPÍTULO 19

APOIO AOS FAMILIARES DA VITIMA

Uma abordagem correcta dos familiares da vítima de paragem cardio-respiratória, logo desde o início, pode ajudar a lidar com o luto.

INTRODUÇÃO

"Os homens receiam a morte tal como as crianças receiam o escuro (...)"

Francis Bacon

A reanimação é um acontecimento stressante quer para os familiares da vítima

quer para a equipa de reanimação. Lidar com os familiares nesta situação não é

fácil. É uma altura que os familiares nunca esquecem. Se a abordagem não for

correcta deixará marcas permanentes. Infelizmente a maioria dos profissionais de

saúde não tem qualquer formação para lidar com estas situações.

Embora as situações nunca sejam iguais, existem alguns princípios gerais que se

podem aplicar a todas as situações.

CONTACTO INICIAL COM OS FAMILIARES

O contacto inicial com os familiares é um momento particularmente importante e

não deve ser deixado ao acaso. Quando ocorre uma paragem cardio-respiratória

a prioridade é iniciar imediatamente a reanimação. Se os familiares não estão

presentes, assim que possível deve-se tentar identificar o familiar ou amigo mais

próximo.

É sempre preferível que o contacto com os familiares seja feito por alguém que

esteve envolvido na reanimação, pois permite responder a perguntas que

frequentemente se relacionam com pormenores do acontecimento terminal. E útil

Page 231: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

230

GRECAR

explicar detalhes do processo de reanimação e circunstâncias da morte, se for

caso disso.

Sempre que possível deve ser evitada a comunicação por telefone, as notícias

devem ser dadas em presença, a pelo menos dois familiares ou amigos de forma

a que se possam apoiar mutuamente.

A chegada dos familiares ao hospital deve ser preparada de forma a que sejam

recebidos e encaminhados para uma sala apropriada. Deverá existir uma divisão

acolhedora e confortável onde os familiares possam falar com um ou mais

membros da equipa de reanimação, colocando as questões que entenderem, ou

mesmo ficar a sós se assim o preferirem.

Durante a reanimação os familiares devem ser informados da evolução da

situação de forma clara, evitando termos vagos como " a situação está má", "está

muito doente" ou "é uma situação crítica". Não usar terminologia médica por

vezes incompreensível, em vez de "teve uma paragem cardio-respiratória"

explicar "o coração parou e não está a respirar, podendo mesmo vir a morrer". A

experiência mostra que perante factos concretos e uma explicação adequada a

maioria das pessoas lida relativamente bem com as más notícias.

PRESENÇA DOS FAMILIARES DURANTE A REANIMAÇÃO

Em muitos casos a PCR é presenciada por familiares ou amigos e, embora

infrequente, podem mesmo ser estes os primeiros a iniciar manobras de

reanimação. Se uma pessoa próxima da vítima expressar o desejo de estar

presente durante a tentativa de reanimação, afastá-Io pode ser muito prejudicial.

Alguns estudos sugerem mesmo que estar presente durante a reanimação de um

familiar é benéfico.

A presença dos familiares durante a reanimação tem várias vantagens:

• Facilita o processo de luto, em caso de morte, ajudando a enfrentar a

realidade e evitando a tendência para a negação.

Page 232: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

231

GRECAR

• Evita a sensação de abandono, permitindo-lhes estar presente num

momento complicado ou mesmo nos últimos momentos

• Permite constatar os esforços de reanimação evitando a dúvida "será que

foi feito tudo o que era possível".

• Possibilita uma despedida, falando e tocando o corpo quando ainda está

quente.

No entanto, a presença de familiares durante a reanimação pode:

• Causar inibição ou interferir emocionalmente com a equipa de reanimação;

• Por em causa a segurança no local da reanimação;

• Ser uma memória perturbadora muitas vezes pela presença de "tubos" e

outro equipamento. Ao contrário do que se pensa, a maior parte das

pessoas não é particularmente impressionada pelo equipamento médico;

• Ser um momento stressante, sobretudo se o som do monitor cardíaco

estiver ligado. Recomenda-se que, no caso de estarem presentes

familiares, o som do monitor esteja desligado;

Desde que expresso o desejo de estar presente, e sempre que as condições de

trabalho o permitam, os profissionais de saúde devem consentir a presença de

um familiar ou amigo próximo. É conveniente que:

• Alguém da equipa se ocupe do familiar explicando o que se está a passar,

garantido a segurança e a não interferência na reanimação;

• Seja explicado que podem sempre decidir sair ou estar presentes, tentando

evitar sentimentos de culpa qualquer que seja a decisão;

Em caso de insucesso, pedir ao familiar que saia momentaneamente para serem

retirados os equipamentos utilizados, permitindo-lhe posteriormente regressar e

estar a sós com o falecido, se assim o desejar.

Page 233: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

232

GRECAR

A NOTÍCIA DO FALECIMENTO

A notícia do falecimento é um momento particularmente complexo e difícil para os

familiares. É um momento que habitualmente não esquecem pelo que é muito

importante a forma como é dada a notícia, as palavras utilizadas permanecem na

memória dos familiares por vezes para sempre devendo ser cuidadosamente

escolhidas. Algumas situações são ainda particularmente mais difíceis,

nomeadamente quando envolvem doentes jovens ou situações súbitas e

inesperadas.

Habitualmente também é um momento complexo e difícil para os elementos da

equipa envolvidos. Não é forçoso que a notícia seja dada pelo "team leader" ou

mesmo por um médico, deve, no entanto, ser um elemento com qualificação

técnica para explicar o que aconteceu, capacidade de comunicação e preparação

para lidar com a reacção de perda dos familiares.

Não existem regras estritas nem uma forma standard de o fazer, no entanto, é útil seguir algumas orientações:

• Prepare-se previamente, física e emocionalmente. Se esteve envolvido na

reanimação faça uma pausa, pense o que vai dizer e como. Cuide da sua

aparência e certifique-se que a bata não tem vestígios de sangue;

• Apresente-se e certifique-se que está a falar com os familiares da vítima,

procurando saber exactamente com quem. Tente saber o que já conhecem

da situação e prossiga a partir dessa base;

• Sente-se ou coloque-se ao mesmo nível dos interlocutores, mostrando

disponibilidade para ouvir e informar;

• Utilize um tom de voz e uma atitude corporal adequados ao que está a

dizer. Não evite o contacto com o olhar ou mesmo um contacto físico

(segurar uma mão ou o ombro, por exemplo, pode muitas vezes ser

apropriado);

Page 234: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

233

GRECAR

• Utilize palavras simples em vez de terminologia médica e vá directo ao

assunto de forma empática e honesta. Não faça grandes introduções nem

perca tempo a tentar recolher informação sobre os antecedentes do

doente, mesmo que lhe pareçam relevantes. As pessoas querem saber de

imediato o que se passa, nomeadamente se a pessoa está viva ou morta;

• Não use frases vagas, se o doente morreu utilize as palavras "morte",

"morto" ou "morta" e certifique-se de que foram ouvidas. Tudo o que for

vago é uma esperança para os familiares.

• Sempre que for conhecida a causa de morte deve ser explicada de forma

clara;

• Aborde directamente a questão do sofrimento do doente, mesmo quando

não é colocada a questão é sempre tranquilizante para os familiares

saberem que o seu ente querido não teve sofrimento adicional no momento

da morte;

• Responda às perguntas de forma clara e sem evasivas. Não tenha receio

de dizer que não sabe a resposta a questões médicas ou filosóficas como

"porque é que isto aconteceu?" ou "porquê ele?";

• Se possível evite que persistam dúvidas que possam levar a um

sentimento de culpa futuro, como por exemplo: "se o tivesse trazido mais

cedo ao hospital!". Explicar o percurso inexorável de algumas situações

pode ajudar;

• Prepare-se para a reacção emocional dos familiares. Não receie o silêncio

e se necessário leve-os a ver o doente. As pessoas precisam de tempo, ou

mesmo de ver o corpo, para interiorizarem a situação;

• Esteja preparado para lidar com: raiva, culpa, negação, desequilíbrio

emocional agudo;

• Permita e encoraje a reacção manifestada (chorar, estar sozinho, gritar

etc.);

Page 235: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

234

GRECAR

• Esteja preparado para respeitar as formas de expressão específicas dos

vários grupos culturais ou sociais;

OBSERVAÇÃO DO CADÁVER

É frequente os familiares manifestarem o desejo de ver o corpo. Essa observação

não deve ser negada, é um direito. No caso de existirem mutilações é

conveniente preparar previamente o corpo e avisar os familiares do que irão ver.

Por muito cruel que nos possa parecer a realidade é preferível à mera

imaginação. Deve ser permitido aos familiares tempo para estar junto do corpo e

expressar os seus sentimentos (falar, tocar, beijar etc.).

PARTICULARIDADES ÉTNICAS E RELIGIOSAS

Os diferentes grupos étnicos apresentam reacções e atitudes diferentes face à

notícia do falecimento e seguem, habitualmente, diferentes procedimentos de

carácter religioso. É útil confirmar com um familiar ou com o capelão do hospital

se existe um rito específico que desejam cumprir de forma a que possa ser

respeitado. Por exemplo em algumas religiões ninguém de outra religião deve

tocar no corpo.

ASPECTOS PRÁTICOS E LEGAIS

Após o falecimento existem alguns aspectos de ordem prática, administrativa ou

mesmo legal que é necessário assegurar.

Relativos aos familiares:

• Procedimentos necessários após a morte (como e quando pode ser

levantado o corpo, certificação do óbito versus necessidade de autópsia);

• Discussão de eventual doação de órgãos;

Page 236: Manual - Abordagem Do Doente Emergente (PDF)

235

GRECAR

• Apoio possível dos serviços sociais;

• Apoio religioso disponível;

• Aconselhamento sobre acompanhamento e apoio;

Assuntos administrativos ou legais

• Certificação do óbito;

• Pedido de autópsia, clínica ou médico-legal;

• Notificação de autoridades;

• Notificação do médico assistente;

A EQUIPA DE REANIMAÇÃO

Após uma reanimação que resultou em insucesso os elementos da equipa podem

manifestar receios, dúvidas, culpa ou ansiedade relativamente ao seu

desempenho e mesmo em relação aos seus próprios medos e sentimentos. Não

esquecer a equipa. Sempre que possível reservar tempo para rever com a equipa

estes aspectos e também o desempenho durante a reanimação. A análise do

desempenho, o reforço ou a correcção, quando necessário, são importantes

instrumentos de aprendizagem e melhoria da prestação da equipa.

RESUMO

• Muitas reanimações terminam em insucesso e morte, sendo difícil aos

familiares lidar com tal facto sobretudo se for súbito. Informá-los de forma

precisa, directa e honesta ajuda a lidar com a situação.

• É fundamental ajudar os familiares a lidar com o luto permitindo-lhes tempo

e liberdade para expressar os seus sentimentos e a possibilidade de

observar o corpo.

• Guardar tempo para apoio da equipa após a reanimação é fundamental

para manter um bom nível de desempenho.