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251 SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR INFORMATIONAL SOCIETY AND THE COPYRIGHT: REREADING ARTICLE 170 OF THE BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTION OF 1988 AND ARTICLE 4 OF THE CONSUMER PROTECTION CODE Marcus Pinto Aguiar 1 Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Júnior 2 hiago Anastácio Carcará 3 RESUMO A obra intelectual enseja uma proteção especial ao direito de autor tendo em vista sua relevância como produto do espírito deste, mas simultaneamente, esta mesma obra pode vir a ter um valor para a comunidade local em que aquele está inserido ou 1 Doutorando e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), com bolsa PROSUP/CAPES. Especialista em Direito Civil e Direito do Trabalho. Guaduado em Direito e Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Culturais (GEPDC), da Universidade de Fortaleza. Advogado. 2 Mestre em Direito Constitucional nas Relações Privadas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), com bolsa PROSUP/CAPES. Pesquisador nas áreas de Direito da Propriedade Intelectual, Análise Econômica do Direito e Direito Tributário. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo e Tributário (GEPDAT) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais (GEPDC), da Universidade de Fortaleza. 3 Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas, no Piauí. Coordenador e Professor em Direito da Faculdade de Tecnologia do Piauí (FATEPI). Advogado, associado ao escritório Conceição Carcará Advocacia e Consultoria Jurídica, no Piauí.

Livro - Direitos Culturais - Volume II - Artigo

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  • 251SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    INFORMATIONAL SOCIETY AND THE COPYRIGHT: REREADING ARTICLE

    170 OF THE BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTION OF 1988 AND

    ARTICLE 4 OF THE CONSUMER PROTECTION CODE

    Marcus Pinto Aguiar1

    Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Jnior2

    hiago Anastcio Carcar3

    RESUMO

    A obra intelectual enseja uma proteo especial ao direito de autor tendo em vista

    sua relevncia como produto do esprito deste, mas simultaneamente, esta mesma

    obra pode vir a ter um valor para a comunidade local em que aquele est inserido ou

    1 Doutorando e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Poltica pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), com bolsa PROSUP/CAPES. Especialista em Direito Civil e Direito do Trabalho. Guaduado em Direito e Engenharia Mecnica pela Universidade Federal do Cear (UFC). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Culturais (GEPDC), da Universidade de Fortaleza. Advogado.

    2 Mestre em Direito Constitucional nas Relaes Privadas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), com bolsa PROSUP/CAPES. Pesquisador nas reas de Direito da Propriedade Intelectual, Anlise Econmica do Direito e Direito Tributrio. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo e Tributrio (GEPDAT) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais (GEPDC), da Universidade de Fortaleza.

    3 Mestre em Direito Constitucional e Teoria Poltica pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela Faculdade de Sade, Cincias Humanas e Tecnolgicas, no Piau. Coordenador e Professor em Direito da Faculdade de Tecnologia do Piau (FATEPI). Advogado, associado ao escritrio Conceio Carcar Advocacia e Consultoria Jurdica, no Piau.

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    mesmo para a comunidade global, sendo assim, muitas vezes inescapvel o conlito

    entre o direito de autor e o direito de acesso cultura, ensejando uma metodologia

    prpria para a soluo deste confronto. Este trabalho se prope a apresentar algumas

    sugestes para harmonizar tais interesses individuais e coletivos em torno dos bens

    culturais, municiando-se inclusive do artigo 170 da Constituio Federal e do artigo

    4 do Cdigo de Defesa do Consumidor. Levanta ainda a intensiicao deste debate

    por conta da dinmica e abrangncia dos meios de comunicao e das tecnologias

    informacionais, que tanto podem ser instrumentos de difuso dos bens culturais

    como de excluso social.

    Palavras-chave: Direito de Autor. Direito de Acesso Cultura. Limitao de direitos fundamentais. Proteo do Consumidor.

    ABSTRACT

    The intellectual work deserves special protection of copyright due to its relevance as

    a product of the human spirit, but at the same time, the same work could have a value

    for the local community in which the author is inserted or even the global community,

    and so, it is often inescapable the conlict between copyright and the right of access

    to culture, deserving a proper methodology for solving this conlict. This work aims

    to present some suggestions to harmonize these individual and collective interests

    around the cultural goods, using as well the article 170 of the Federal Constitution and

    the article 4 of the Code of Consumer Protection. Also raises the intensiication of the

    debate because of the dynamic range of media and information technologies, which

    can be both tools for the dissemination of culture or for social exclusion.

    Keywords: Copyright. Right of Culture Access. Fundamental Rights Limitation. Consumers protection.

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    INTRODUO

    As criaes humanas tm a caracterstica marcante de contribuir tanto para o desenvolvimento do esprito do prprio autor como, ao serem exteriorizadas, inluir no progresso no apenas da comunidade em que est inserido, mas se propalar em um movimento universal ao ponto de atingir quase que a totalidade dos seres humanos, especialmente na atualidade em que os meios tecnolgicos agilizam esta difuso e ampliam seu alcance.

    Este movimento de internacionalizao das obras culturais no se restringe s fronteiras de um Estado e tem reclamado necessidade de promover sua proteo e normatizao no apenas no mbito interno, mas tambm no internacional, tendo em vista a sua importncia social, mas, principalmente, para muitos, econmica, tanto em relao ao direito autoral como tambm ao acesso cultura. Tendo em vista a importncia econmica dos bens culturais, a proteo internacional, atravs da uniformidade de tratamento, logo se fez necessria para garantir o interesse dos titulares de direitos autorais e para evitar maiores discrepncias no mbito interestatal, o que facilmente se depreende da anlise das legislaes nacionais e dos tratados multilaterais.

    Primeiramente, este trabalho informa sobre a evoluo da proteo do direito de autor para que se possa entender os interesses presentes na sua efetivao. Em seguida, sero dispostas algumas das ideias em relao natureza jurdica deste direito e seus possveis desdobramentos. A constatao de que tanto o direito de autor como o de acesso cultura so direitos fundamentais, enseja um critrio adequado para dirimir os conlitos que normalmente surgem quando da coliso deles. Este ponto tambm tratado neste trabalho sob o enfoque tambm do choque de interesses que h entre as grandes corporaes que geralmente monopolizam a difuso da cultura, juntamente com o Estado, que o principal vetor de proteo e promoo desta, e os membros da comunidade, que usufruem diretamente das obras.

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    Aqui ainda ser abordada a importante consulta pblica que se tem realizado no Brasil para a alterao da Lei de n. 9.610/98, a Lei de Direitos Autorais (LDA), e sua relevncia ao inserir a promoo dos direitos culturais em seu corpo normativo. Alm da pesquisa doutrinria para a exposio desta pesquisa, tambm se fez necessria a abordagem dos principais dispositivos constitucionais que promovem a proteo da cultura e sua interligao com os elencados no captulo referente ordem econmica, para se entender como os princpios da livre concorrncia e de defesa do consumidor podem ser manejados para a defesa e promoo dos direitos culturais, especiicamente do acesso cultura e para a limitao dos direitos de autor.

    Por im se procede a uma abordagem da sociedade informacional e suas peculiaridades para se entender como o acesso a informao hoje em dia tanto pode ser instrumento de excluso social como de promoo da existncia humana atravs da contribuio da cultura.

    1 O SURGIMENTO DO DIREITO DE AUTOR E SUA PROTEO JURDICA

    E Deus criou o homem a sua imagem e semelhana4. Da, nsito da natureza humana a capacidade de criar. Mas enquanto as obras de Deus permanecem para todo o sempre, as do homem so perenes, pois subsistem na temporalidade e na impermanncia.

    Conforme lio de ngela Kretschmann (2011, p. 91), h algo novo nas criaes humanas na sociedade informacional da atualidade: no possuem o atributo da escassez, isto , podem ser consumidas e

    4 Bblia Sagrada. Traduo portuguesa da verso francesa dos originais, grego, hebraico e aramaico, traduzidos pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Blgica). Edio Claretiana. 160 Ed. So Paulo: Editora Ave-Maria, 2004, p. 49. Cf. Livro do Gnesis, captulo 1, versculo 26: Ento Deus disse: Faamos o homem a nossa imagem e semelhana.

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    no se esgotam5. Este atributo lhes permite o uso por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento, simultaneamente.

    A capacidade criativa do ser humano algo que lhe prprio, inerente a sua personalidade. Alguns produtos, leia-se exteriorizao produtiva, desta capacidade intrnseca, recebem maior importncia na sociedade do que outros; mesmo que todos possam ter o mesmo valor humano, socialmente, alguns produtos culturais impactam mais fortemente a comunidade local, onde est inserido o criador, pelo que agregam identiicao e ao desenvolvimento humanos, podendo expandir seu mbito de inluncia a todo o planeta terra.

    Uma vez que esta produo artstica, literria, cientica, cultural enim, fruto de uma personalidade individual, misto de dom e de esforo pessoal, entendeu-se que ao autor caberia uma proteo jurdica necessria ao incentivo de sua continuada produo e de sua prpria subsistncia e amplo desenvolvimento. Nasce assim o direito de autor.

    Ensina Jos Carlos Costa Netto (2008, p. 51), que j na Grcia antiga existia alguma proteo do direito de autor, mas tal direito estava mais relacionado com a identiicao e o reconhecimento do criador da obra do que por aspectos econmicos, o que corroboraria com o pensamento amplamente majoritrio na doutrina autoralista de que a proteo dos direitos morais6 se deu anteriormente a dos patrimoniais do autor.

    5 Kretschman, op. cit.,p.91, airma que a informao no rival, uma vez que o consumo dela por uma pessoa no a torna menos acessvel outra pessoa que a pode usar do mesmo modo. Cf. tambm BENKLER, Yochai. he wealth of networks. Disponvel em: . Acesso em: 12.nov.2011. Segundo este autor, ainda sobre a no rivalidade da informao, airma que: uma vez que um cientista tenha estabelecido um fato, ou Tolystoi tenha escrito Guerra e Paz, nem o cientista nem Tolystoi precisam gastar um segundo a mais para produzir estudos adicionais ou manuscritos de Guerra e Paz para o milionsimo usurio do que eles escreveram. (traduo livre)

    6 Jos de Oliveira Asceno alerta para a impropriedade do termo moral, sugerindo como melhor expresso direitos pessoais. Cf. ASCENO, Jos de Oliveira. Direitos fundamentais de acesso cultura e direito intelectual. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos (coord.) et al. Direito de autor e direitos fundamentais. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 21.

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    At a Idade Mdia, a forma manuscrita era o meio utilizado para a difuso das obras culturais e mesmo com o trabalho dos copistas, e com algum ganho econmico com a venda da obra pelo autor e a conseqente transmisso da propriedade a terceiros, aquela divulgao se dava, por bvio, muito restrita, temporal e geograicamente.

    Ressalta, mais uma vez, Jos Carlos Costa Netto (2008, p. 53) que somente a partir da segunda metade do sculo XV, com a inveno da imprensa em tipos mveis, por Hans Gtenberg, na Alemanha, e a possibilidade de extrao de diversas cpias com sua difuso em larga escala, a obra intelectual passou a despertar um maior interesse econmico; entretanto, segundo Jos de Oliveira Ascenso (2007, p. 4), a tutela protetiva era concedida em favor do impressor, e no como forma de proteo da obra intelectual do autor.

    Assim, os proprietrios de gricas (impressores ou stationers) e vendedores de livros, atuando como intermedirios no negcio de difuso das obras literrias detinham os privilgios de exclusividade sobre as obras por eles reproduzidas e distribudas, cabendo-lhes inclusive o benefcio da determinao da temporariedade destes privilgios em seu favor, que na verdade, estendem-se at os dias atuais amparado pelo mito da proteo do criador, sob a forma de monoplios legais, um verdadeiro paradoxo para o Estado (neo)liberal, incentivador da liberdade de iniciativa privada e da livre concorrncia, mas defensor, conforme ensina Heleanara Braga Avancini (2010, p. 45), de privilgios feudais sob o manto da exclusividade e do risco concreto da perpetuidade dos direitos de autor7.

    7 A partir da construo do pensamento de que a natureza jurdica do direito de autor de propriedade, aliando-se a isto a caracterstica essencial desta como sendo a perpetuidade, desde o sculo XIX tem sido travado um embate denominado de marcha da perpetuidade e que tem ganhado fora ao longo do tempo com as constantes revises do prazo de proteo do direito de autor post mortem. As grandes e poderosas corporaes produtoras e distribuidoras de obras audiovisuais dos Estados Unidos tem sempre conseguido vitrias quanto ao elastecimento destes prazos. Chama ainda ateno ao risco da perpetuidade, a alterao da Lei Federal de Direito do Autor mexicana, de 1997, que aumentou o prazo de 75 para 100 anos aps a morte do autor. Para melhor anlise desta luta cf. MORAES, Rodrigo. Direito fundamental temporalidade (razovel) dos direitos patrimoniais de autor. In: SANTOS, Manoel J. Pereira (coord.) et al. Direito do autor e direitos fundamentais.So Paulo: Saraiva, 2010, p. 268.

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    Entende Jos Carlos Costa Netto (2008, p. 55) que a proteo mais especica do autor em substituio aos privilgios dos donos de grica se iniciou em 1710, na Inglaterra, a partir do denominado Estatuto da Rainha Ana, dando quele a exclusividade sobre o destino de suas obras e estabelecendo sanes para os infratores. Este marco foi de fundamental importncia para a mudana da legislao dos direitos autorais em vrios outros pases.

    O Estatuto da Rainha Ana, tambm conhecido como Copyright Act, criou o regime jurdico do copyright, cujo principal bem protegido a obra, isto , o foco da tutela no objeto do direito; de vis mais comercial e com a insero da participao de pessoas jurdicas Denominado tambm de sistema anglo-americano, por serem especialmente acolhidos pela Inglaterra e Estados Unidos da Amrica.

    O outro principal regime jurdico o droit dauteur (direito de autor), que surgiu na Frana, a partir da Revoluo Francesa, cuja tutela se volta para a pessoa do autor, o sujeito do direito em questo.

    Ainda hoje, prevalecem os dois regimes acima citados para a garantia do direito de autor em seu sentido amplo, inclusive, naturalmente, o econmico.

    Com a crescente importncia das obras e servios culturais, especialmente a partir da segunda metade do sculo XIX e o desejo de uniformizao das legislaes nacionais para garantir os interesses econmicos dos capitais transnacionais dos grandes conglomerados do entretenimento, surgiram as Convenes internacionais para concretizar os objetivos aqui citados.

    Em relevncia, a primeira delas se deu em 1886, denominada de Conveno de Berna, em vigor at o presente, com algumas revises e modiicaes. Em seguida, deu-se a Conveno Universal de 1952, em Genebra, com a participao pela primeira vez dos Estados Unidos e da Unio Sovitica. Ambas tratam especiicamente dos direitos de

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    autor. E em 1961, aconteceu a Conveno de Roma, com o intuito de regular os direitos conexos8 aos de autor.

    A partir desta normatividade internacional, as leis nacionais referentes matria da tutela dos direitos autorais foram sendo ajustadas, assim como se deu com a lei especica brasileira sobre o assunto, a Lei de n. 5.988 de 1973, atualmente em vigor a Lei de n. 9.610, de 19 de fevereiro de 19989.

    Outra legislao importante de cunho internacional sobre a matria, segundo Jos Carlos Costa Netto (2008, p. 60-61) o Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comrcio, conhecido como TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights), de 1994, que trata principalmente de sanes comerciais frente a prtica de ilcitos no campo dos direitos intelectuais. E tambm os tratados da Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)10, de 1996, sobre direito de autor e sobre interpretao ou execuo de fonogramas, ambos enfocando a importncia das tecnologias informacionais.

    8 Os direitos conexos (vizinhos ou ains) ao direito de autor so aqueles atribudos aos difusores intermedirios que interpretam e divulgam as obras do autor, tais como: intrpretes (artistas), produtores de fonogramas e videogramas e os organismos de radiodifuso. Acrescidos a eles atualmente, o direito de arena, relacionados com os desportistas. Ensina Asceno que: A conexo no vem s da razo didtica de serem estudados em conjunto com os direitos de autor, ou da razo histrica de se terem desenvolvido em confronto com este, ou da razo formal de serem regulados na mesma lei. Vem ainda de os preceitos sobre o exerccio do direito de autor serem tendencialmente aplicveis a estes direitos [...]. (ASCENO, Jos de Oliveira. Direito autoral. 2 ed. ref. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 468).

    9 Para uma anlise mais precisa sobre a legislao autoral em vigor no Brasil, cf.. Costa Netto, op. cit., p. 61-73.

    10 A OMPI uma agncia especializada da Organizao das Naes Unidas, formada em 1967, em Estocolmo, por meio de uma Conveno celebrada especialmente para sua criao, cuja inalidade principal a promoo da proteo da propriedade intelectual em todo o mundo. Cf. WIPO (World Intellectual Property Organization. About WIPO. What is WIPO? Disponvel em: . Acesso em 14. nov. 2011.

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    2 NATUREZA JURDICA DO DIREITO DE AUTOR

    Antes de se adentrar na discusso especica sobre a natureza jurdica do direito de autor, alguns esclarecimentos so importantes, e entre eles, a questo da nomenclatura que se utiliza para identiicar este tipo especico de instituto.

    Em primeiro lugar, a expresso propriedade intelectual bastante criticada, especialmente por Jos Carlos Costa Netto (2008, p. 24) e Jos de Oliveira Asceno (2010, p. 9), expoentes do direito autorrio, que preferem o termo direito intelectual por no entenderem que se trata propriamente de um direito de propriedade, apesar de sua freqente denominao na forma de propriedade intelectual, e de sua difuso internacional tal e qual, especialmente atravs do seu rgo mximo de proteo, a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (World Intellectual Property Organization).

    Alm disso, conforme, mais uma vez, ensinamento de Jos de Oliveira Ascenso (2010, p. 9), com a inteno de uniformizar para evitar dvidas, ainda em relao nomenclatura, este trabalho utiliza a expresso direito intelectual como gnero das espcies direito autoral e propriedade industrial; e direito autoral, gnero de direito de autor e direitos conexos.

    Quanto natureza jurdica do direito de autor, h uma grande controvrsia em relao a esse tema, por suas caractersticas sui generis. Assim, Jos Carlos Costa Netto (2008, p. 75) elenca as diversas teorias que surgiram para explicar a essncia do direito de autor, culminando com a teoria dualista ou hbrida que aponta a coexistncia do direito patrimonial e do direito de personalidade derivados da obra intelectual.

    Esta questo tem relevncia em especial quando se observa a permanente movimentao por todo o mundo na tentativa de afastar a temporalidade do direito exclusivo do autor para atribuir-lhe as caractersticas de um direito absoluto e perptuo, tendo em vista, segundo Rodrigo Moraes (2010, p. 286), sua insero na categoria de

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    direitos reais, como uma espcie de direito patrimonial. Contrariamente ao que pensa Asceno, por consider-lo um direito de exclusivo11. E um exclusivo temporrio.

    3 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONFLITOS ENTRE O DIREITO DE AUTOR E DE ACESSO CULTURA

    No que se refere ao direito de autor, no h questionamentos em relao a sua fundamentalidade constitucional, pelo fato do mesmo se encontrar expressamente disposto no rol do artigo 5, inciso XXVII da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Entretanto, o mesmo entendimento no se d paciicamente em relao ao direito de acesso cultura. Na verdade o artigo 215 e os incisos que tratam da cultura no art. 5 da Constituio Federal12, e, conforme lio de Jos de Oliveira Ascenso (2010, p. 10), expressam muito mais uma competncia ou dever do Estado de promoo da cultura.

    Entretanto, ainda segundo Jos de Oliveira Asceno (2010, p. 14): No se pe em dvida que haja um direito fundamental de acesso cultura. Aos moldes do que preconiza a Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1949, em seu artigo 27: Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso cientico e de fruir de seus benefcios13.

    11 Dispe o artigo 5, inciso XXVII do texto constitucional: aos autores pertence o direito exclusivo de utilizao, publicao ou reproduo de suas obras, transmissvel aos herdeiros pelo tempo que a lei ixar. (grifo nosso)

    12 Art. 215. O Estado garantir a todos o pleno exerccio dos direitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes culturais. (BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Disponvel em: . Acesso em: 04.nov.2011.

    13 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Declarao Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela resoluo 217 A (III) daAssemblia Geral das Naes Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponvel em: . Acesso em: 14. nov. 2011.

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    Quando se confronta a soberania do direito de autor, seu carter exclusivo e transmissvel e o acesso cultura, claramente se percebe aqui um conlito entre direitos fundamentais, o que de imediato evoca a necessidade de um critrio adequado para resolver tal conlito diante de um confronto direto entre ambos.

    A proposta de Jos de Oliveira Asceno (2010, p. 19) para a soluo deste conlito a conciliao, processo este que leva em considerao a questo da hierarquizao, onde se vai ponderar sobre a superioridade de um em relao ao outro, que neste caso, quer por questes ligadas diretamente ao desenvolvimento da pessoa humana, quer pelo maior interesse social, o direito de acesso cultura tende a prevalecer sobre o direito de autor, em conformidade com o que defende aqui este trabalho.

    Entretanto, Jos de Oliveira Ascenso (2010, p. 20), quando trata da conciliao remete a necessidade de buscar um ponto timo de equilbrio, a partir da valorao do mbito de aplicao de cada direito, uma clara aplicao tambm do princpio da proporcionalidade.

    A proteo do direito de autor legtima, independentemente de qual corrente se adote em relao a sua natureza jurdica, quer seja patrimonial ou pessoal, levando em considerao o seu direito de subsistncia, o impulso criatividade e a sua liberdade de disposio de seus bens, entre outros valores que so prprios ao autor. Entretanto, a proposta aqui que outros valores e direitos fundamentais tambm devem ser levados em considerao quando se analisa a questo da sua exclusividade.

    A crtica mais pertinente que se faz que o direito de autor tem servido de forma privilegiada aos interesses das sociedades empresrias titulares deste direito, via cesso do prprio autor, que visam a maximizao do lucro, principalmente pela dominao e globalizao de mercados, prejudicando interesses pblicos relevantes. E mais, os limites que tm sido impostos aos direitos autorais como um todo, na verdade, podem ser consideradas excees de menor relevncia.

    A relevncia do tema to grande que atualmente, em fase de consolidao, h uma proposta de alterao da Lei de Direitos

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    Autorais promovida pelo Ministrio da Cultura do Brasil, com a ampla participao de autores, artistas, e a comunidade em geral, uma vez que tal normatividade tem sido considerada insensvel aos interesses coletivos, como assim se considera neste trabalho tambm, a normatividade internacional como um todo.

    O processo de reviso da LDA iniciou-se em 2005, a partir da I Conferncia Nacional de Cultura, em Braslia, promovida pelo Ministrio da Cultura, onde esteve em debate o Plano Nacional de Cultura, com a inalidade de elaborar um Sistema Nacional de Cultura14.

    A partir da conferncia acima citada, iniciou-se um amplo debate sobre os direitos autorais e polticas pblicas especicas para o setor. Entretanto, somente em dezembro de 2007, o Ministrio da Cultura lanou o Frum Nacional de Direito Autoral, com, segundo Marcos Wachovicz e Manoel J. Pereira Santos (2011, p. 3), o objetivo de discutir com a sociedade a legislao existente e o papel do Estado nessa rea e subsidiar a formulao da poltica autoral.

    Um exemplo importante destas propostas de alterao e que se coaduna com a valorizao dos interesses de promoo cultural a de mudana do primeiro artigo da Lei de n. 9.610/98, que atualmente vigora com a seguinte disposio: Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominao os direitos de autor e os que lhes so conexos. Com a atual proposta consolidada, o mesmo dispositivo passaria a ser expresso como segue:

    Art. 1o Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominao os direitos de autor e os que lhes so conexos, e orienta-se pelo equilbrio entre os ditames

    14 A Conferncia Nacional de Cultura pretende, com a participao da sociedade civil e governos federal, municipais e estaduais, construir um novo modelo de poltica pblica de cultura.Pela primeira vez na histria do Brasil ser realizada uma conferncia nacional de cultura que consolidar a unio entre a sociedade civil e Governo, na formulao e execuo de polticas pblicas de cultura. Cf. BRASIL. Ministrio da Cultura. Portal da Cultura. Disponvel em: . Acesso em 04. nov. 2011.

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    constitucionais de proteo aos direitos autorais e de garantia ao pleno exerccio dos direitos culturais e dos demais direitos fundamentais e pela promoo do desenvolvimento nacional.

    Pargrafo nico. A proteo dos direitos autorais deve ser aplicada em harmonia com os princpios e normas relativos livre iniciativa, defesa da concorrncia e defesa do consumidor.

    Analisando rasamente (ou pretensiosamente) o exemplo acima, pode-se inferir que tal alterao seria totalmente desnecessria e redundante, pois de conhecimento comum que a interpretao da legislao infraconstitucional deve ser feita em conformidade com a Carta Magna, ou seja, de forma sistemtica.

    Entretanto, tal alterao, no entender desta pesquisa, de extrema relevncia, pois em que pese a obviedade da coliso de direitos fundamentais (entre direito de autor e direito cultura) e da necessidade do sopesamento entre os mesmos para a aplicabilidade de tais direitos, dentro de uma sociedade de mercado como a brasileira (porque no dizer, como a ocidental), a expressa determinao legal fortalece a hermenutica constitucional, mesmo sendo desnecessria para esta, e evita abusos judiciais que pretendam dar interpretaes por demasiado subjetivas aos direitos e princpios fundamentais.

    Tal preocupao com a expressa disposio legal do contedo proposto do artigo primeiro, para a considerao da proteo e promoo do direito cultura, pode ser conirmada pela fala do Ministro da Cultura naquela ocasio, Juca Ferreira, que mostra a importncia de uma lei como esta ainda vinculada aos interesses do mercado, a saber: A harmonizao de todo o sistema interessa ao autor, pois quanto mais consumidores, mais investidores e mais arrecadao para os artistas. Nenhum lado pode sair perdendo, seno o mercado no incorpora o modelo.15

    15 BRASIL. Portal da Cultura. Ministrio da Cultura. Notcias do MinC. Direito Autoral: Compositores se renem no Rio e apoiam modernizao da Lei de Direitos Autorais. Disponvel em: . Acesso em 04. nov. 2011.

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    Deve-se ainda levar em considerao que tais pretensas alteraes na Lei de n. 9.610/98 devero sofrer certamente um bombardeio das indstrias de entretenimento com base nos tratados internacionais aqui citados dos quais o Brasil signatrio e conforme visto, amplamente favorveis quelas e que procuram no levar em consideraes os interesses culturais locais, pelo menos na prtica.

    4 A ORDEM ECONMICA CONSTITUCIONAL E OS LIMITES AO DIREITO DE AUTOR

    Para a efetivao do acesso cultura, deve tambm o Estado proporcionar o livre acesso informao e o acesso ao conhecimento, ambos tambm prenhes de proteo constitucional e instrumentos eicazes para a efetividade daquele.

    O Estado brasileiro ressalta a importncia da liberdade de mercado quando, atravs do seu texto constitucional, escolheu a iniciativa privada (inciso IV do art. 1) como um dos pilares fundamentais para sua constituio, e mais especiicamente, fundamento da ordem econmica (caput do art. 170), devendo esta ltima ser pautada pelo princpio da livre concorrncia, com expressa proteo legal a sua ofensa, conforme disposto no 4 do seu art. 173, a saber: A lei reprimir o abuso do poder econmico que vise dominao dos mercados, eliminao da concorrncia e ao aumento arbitrrio dos lucros. Desta forma, as normas infraconstitucionais devem ser promotoras da livre concorrncia, ou no mnimo, impedir o abuso do poder econmico.

    Constitucionalmente, reconhece o Estado que sua opo por um sistema capitalista de mercado onde a iniciativa16 privada tambm

    16 A livre iniciativa constitui um dos fundamentos da ordem econmica. Pode ser traduzida no direito que todos tem de se lanarem ao mercado de produo de bens e servios por sua conta e risco. Cf. PETTER, Lafayete Josu. Princpios constitucionais da ordem econmica: o signiicado e o alcance do ar. 170 da Constituio Federal. 2 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 88.

  • 265SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    agente de fomento para o desenvolvimento econmico da nao e da sociedade, implica necessariamente no risco de desvirtuamento da liberdade de mercado, com a concentrao econmica, pela eliminao da concorrncia e consequentemente, ainda com base no caput do artigo 170, de no assegurar a todos uma existncia digna, conforme os ditames da justia social.

    No que a livre concorrncia necessariamente seja sempre positiva, no que se refere ao acesso cultura, pois, segundo Jos de Oliveira Ascenso (2010, p. 13), ao mesmo tempo que serve como instrumento de aproximao, tem o seu efeito negativo, conforme exposto acima, de reduzir a riqueza da pluralidade cultural, ao patamar homogeneizador das expresses da criatividade humana.

    Em relao ao nosso tema especico dos direitos autorais, tem-se claramente uma situao de abuso do poder econmico, a partir da criao de monoplios nascidos do excesso de protecionismo ao suposto direito de autor, na verdade, resguardo mesmo das indstrias culturais, aqui tomadas como grandes corporaes que detem a titularidade dos direitos de autor.

    Uma vez que o direito de autor, no aspecto patrimonial, visa exclusivamente a explorao econmica, no tem sentido, por exemplo, qualquer restrio ao uso da obra quando no houver inalidade econmica, o que se d no caso de uso privado da obra, alm das hipteses de acesso e difuso por parte de instituies educacionais, bibliotecas, e outros agentes de promoo cultual.

    Um grande desaio dos tempos atuais o acesso informao atravs dos meios digitais, meio de enormes potencialidades para o desenvolvimento do acesso cultura ou, contrariamente, para excluso de acesso, tendo em vista a universalizao massiicada dele.

    Segundo lio de Philippe Aigrain (2006, online), o reconhecimento de interesses de grandes corporaes que dominam o portal de acesso informao e que afetam o direito de acesso cultura diretamente tambm reconhecido pelo debate que se trava na Frana sobre o assunto, especiicamente na Assemblia Nacional

  • 266 MARCUS PINTO AGUIAR ICENTE DE PAULO AUGUSTO DE OLIvEIRA JNIOR ThIAGO ANASTCIO CARCAR

    Francesa, onde os deputados discutem sobre a insero da Diretiva 2001/29 da Unio Europia, que trata da regulao dos direitos autorais dentro da sociedade informacional e do controle de acesso s obras cujo ponto mais polmico a recusa a criao de excees para a pesquisa e o ensino ou para as bibliotecas e a condenao dos programas de digitalizao de arquivos educativos e culturais, tudo isto para defender os interesses econmicos das transnacionais do showbusiness e do sotware que propem impedir a circulao no-mercantil de obras artsticas pela internet.

    Mais uma vez se airma que no se trata de desapropriar o autor de seu direito, mas de avaliar os valores que esto em jogo e hierarquiz-los segundo uma perspectiva de relevncia coletiva, inclusive com a possibilidade da licena no voluntria, para em determinadas situaes se permitir a difuso das obras mesmo sem a autorizao do autor, como se levantou nas propostas de alterao da Lei de Direitos Autorais17, o que seria praticamente uma releitura do artigo 5, inciso XXIX, da Constituio Federal, onde se permite a licena compulsria da propriedade industrial, tendo em vista o interesse social do Pas, e aqui, neste trabalho, ao direito de autor tambm, a partir de uma interpretao extensiva, sistemtica e axiolgica do dispositivo constitucional.

    No se est aqui a questionar o valor econmico da obra criada pelo seu autor e da possibilidade deste auferir lucro atravs da mesma. O que se pretende a busca de um equilbrio entre este legtimo direito de autor e o tambm legtimo direito que tem a comunidade na qual o mesmo est inserido e mesmo numa escala global, que as pessoas

    17 Um dos pontos mais questionados ao longo desse processo foi o da licena no voluntria: ela se destina a equacionar casos excepcionais dentro do conjunto dodireito autoral e visa permitir a reedio de obras esgotadas e as chamadas obras rfs, fundamentalmente. Cf. FERREIRA, Juca. Uma lei com milhares de autores. Artigo publicado originalmente na Folha de SP, no caderno Opinio, em 31/08/2010. Disponvel em: . Acesso em: 19.nov.2011.

  • 267SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    possam aceder a este bem cultural de forma realizao tambm da sua funo social18.

    Mesmo que se levem em conta apenas os aspectos econmicos dos bens protegidos pela legislao autoral, a aplicao do artigo 170 da Constituio Federal de 1988, deve ser seu norte, o que implicaria no acolhimento harmonioso dos princpios da ordem econmica fundadores das relaes ditas econmicas, em especial o da propriedade privada, da funo social da propriedade, da livre concorrncia e da defesa do consumidor, plenamente compatvel com as normas de compromisso social e os objetivos fundamentais do Estado Democrtico de Direito.

    Os princpios acima elencados demonstram que o Estado brasileiro no despreza a importncia da economia no desenvolvimento da nao, de tal forma que expressamente fez uma opo clara pelo modelo capitalista de mercado, como meio de proporcionar um crescimento19 econmico-social no apenas ao Estado em si mesmo, mas ao seu povo, conforme disposto no artigo 219 do seu texto constitucional, nos termos que seguem: O mercado interno integra o patrimnio nacional e ser incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e scio-econmico, o bem-estar da populao e a autonomia tecnolgica do Pas, nos termos de lei federal 20.

    18 A funo do direito a formao e regramento da cultura humana no intercurso dos membros da sociedade, isto , nas relaes sociais. Esse modelo jurdico aberto permite relexo e construo para o jurista, tendo em conta valores ticos, econmicos e sociais contemporneo ao momento social. Cf. TEIZEN JNIOR, Augusto Geraldo. A funo social no cdigo civil. So Paulo: Editora dos Tribunais, 2004, p. 133.19

    19 O capitalismo propicia o crescimento econmico, mas o desenvolvimento econmico aquele que afere a dignidade da existncia de todos, num ambiente de justia social. (sic). Cf. PETTER, Lafayete Josu. Princpios constitucionais da ordem econmica: o signiicado e o alcance do ar. 170 da Constituio Federal. 2 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 88.

    20 enriquecedor o conceito bsico de desenvolvimento em Amartya Sen, a saber: O desenvolvimento consiste na eliminao de privaes de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condio de agente. Cf. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Traduo de Laura Teixeira Motta. So Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 10.

  • 268 MARCUS PINTO AGUIAR ICENTE DE PAULO AUGUSTO DE OLIvEIRA JNIOR ThIAGO ANASTCIO CARCAR

    Entende-se aqui que outro fator limitante aos direitos de autor a defesa do consumidor. Conforme lio de Ada Pellegrini Grinover, Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Roberto Fink, Jos Geraldo Brito Filomeno, Nelson Nery Junior e Zelmo Denari (2004, p. 31), em uma sociedade de mercado como a brasileira, em que se procura dar importncia a valores sociais e que busquem alcanar a promoo da dignidade humana conforme ditames constitucionais, de fundamental importncia a defesa do principal protagonista deste modelo de sociedade, o consumidor, cuja conceituao jurdica se d aos moldes do artigo segundo do Cdigo de Defesa do Consumidor ou simplesmente CDC (Lei de n. 8.078/90), e que de maneira prtica, pode ser compreendido como um dos participantes das relaes de consumo cuja principal caracterstica seja a vulnerabilidade, por sua submisso ao controle dos titulares de bens de produo.

    A legislao consumerista ptria tem a clara inteno de proporcionar a proteo e defesa do consumidor como o mais fraco na cadeia econmica, mas tambm de promover a harmonia nas relaes de consumo massiicadas como fruto de uma efetiva Poltica Nacional de Relaes de Consumo, cujos princpios norteadores esto expressos no artigo 4 do CDC, entre eles, o dever de ao do Estado no mercado de consumo para proteger efetivamente o consumidor, a parte mais vulnervel como j dito anteriormente, inclusive com a represso eiciente aos abusos praticados por este mercado, de modo a viabilizar os princpios nos quais se funda a ordem econmica, expressos no artigo 170 da Constituio Federal de 1988, para que o desenvolvimento econmico seja instrumento para se alcanar uma condio adequada de dignidade existencial dentro de uma sociedade justa.

    Segundo lio de Ada Pellegrini Grinover, Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Roberto Fink, Jos Geraldo Brito Filomeno, Nelson Nery Junior e Zelmo Denari (2004, p. 61), foi o prprio Henry Ford, um dos grandes contribuintes para o crescimento do mercado de consumo com o desenvolvimento da produo em

  • 269SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    srie, quem pensou paralelamente na importncia da proteo do consumidor, quando disse que: O consumidor o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que o seu elo mais fraco.

    De que forma se poderia pensar na interveno do Estado para a proteo do consumidor diante da relevncia do mercado de consumo de bens culturais?

    Usando os prprios pressupostos da sociedade de consumo, pode-se airmar que a livre concorrncia com certeza contribui para a defesa do consumidor, apesar deste, que tambm um princpio constitucional, ser visto mais como ferramenta para o desenvolvimento do sistema do capital. Mas indiferentemente, lembrando que o remdio tambm mata, acredita-se no mbito desta pesquisa que a livre concorrncia tambm deve ser invocada como meio de garantia dos direitos dos consumidores, inclusive os de acesso a bens e produtos culturais, j que praticamente inescapvel a convivncia hoje em dia com esta realidade de consumo.

    Assim, estes princpios da ordem econmica com sua releitura luz dos direitos fundamentais, que conduz funcionalizao21 da propriedade autoral podem ser fortes instrumentos na concretizao dos direitos de acesso cultura. Corrobora com este pensamento a seguinte deciso do Ministro-relator Moreira Alves na Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) de n. 319-DF (RTJ 149/666), como segue:

    [...] a liberdade de iniciativa econmica privada, num contexto de uma Constituio preocupada com a realizao da justia social (o im condiciona os meios), no pode signiicar mais do que liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder pblico, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se

    21 O direito de autor tem como funo social a promoo do desenvolvimento econmico, cultural e tecnolgico [...]. Cf. CARBONI, Guilherme. Funo social do direito de autor. Curitiba: Juru Editora, 2008, p. 97.

  • 270 MARCUS PINTO AGUIAR ICENTE DE PAULO AUGUSTO DE OLIvEIRA JNIOR ThIAGO ANASTCIO CARCAR

    s limitaes postas pelo mesmo. nesse contexto que se h de entender o texto supratranscrito do artigo 170, pargrafo nico, sujeito aos ditames da lei e, ainda, dos condicionamentos constitucionais em busca do bem estar coletivo. Ela constitui uma liberdade legtima, enquanto exercida no interesse da justia social. Ser ilegtima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realizao pessoal do empresrio.

    Outro meio importante de interveno do Estado como forma de proteger o consumidor e simultaneamente o acesso cultura incentivar a participao da sociedade civil e da comunidade cultural, especialmente nos rgos criados para este im, tal como a Comisso Nacional de Incentivo Cultura (CNIC)22, para que seja gerado um compromisso com a comunidade em defesa das manifestaes culturais.

    5 DIREITO DE AUTOR E A SOCIEDADE INFORMACIONAL

    Apesar da importncia da internet como meio de propagao de bens culturais, ressalta que ngela Kretshmann (2011, p. 76) este mesmo instrumento tambm responsvel por duas condutas excludentes, primeiro dos que no tem acesso a este recurso tecnolgico, e segundo, dos que mesmo em condies de faz-lo, encontram-se limitados, condicionados e muitas vezes manipulados pelos que detem o poder de intermediar o acesso, em especial, quando o assunto direito autoral.

    22 O CNIC um instrumento de participao da comunidade para proteger e promover o patrimnio cultural brasileiro, fundamentado no pargrafo primeiro do artigo 216 da Constituio Federal e que tem sofrido de um retrocesso democrtico a partir de alteraes normativas que buscam a concentrao do seu poder decisrio nas mos do Ministrio da Cultura. Cf. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Cultura e democracia na Constituio Federal de 1988: a representao de interesses e sua aplicao ao Programa Nacional de Apoio Cultura. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004, p. 152.

  • 271SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    Aqui mais uma vez se defrontam princpios fundamentais e se faz necessria a devida ponderao entre os mesmos para que se alcance a mxima efetividade da aplicao deles, sempre tomando como parmetro chave a proteo e a promoo da dignidade humana.

    Observa-se atualmente que o capitalismo industrial cada vez mais se distancia do formato de mercado que ele mesmo criou, e assume o modelo atual de um capitalismo inanceiro, onde seus produtos so cada vez mais imateriais formando assim a base de uma nova economia global. Desta realidade no escapam os bens e servios culturais.

    Em uma anlise mais realista do que futurista, Jason Epstein (2010, online) lembra que os desaios de uma era informacional no so apenas instrumentais, mas tambm moral, e alerta para as questes de compartilhamento de arquivos (musicais, literrios, etc.) pela internet que no se resumem censura para o acesso a eles e a proteo dos direitos autorais ou sobrevivncia dos autores, mas lembra que est em jogo o prprio desenvolvimento da humanidade.

    Da airmar, mais uma vez, Jason Epstein (2010, online) que as idias so intrinsecamente sociais: elas no so produzidas por indivduos sozinhos, mas so frutos da experincia de um processo coletivo, defendendo o utilitarismo social como a base doutrinria contra a exclusividade dos direitos de autor.

    O autor ao criar tambm usufrui do patrimnio cultural existente, ele no est s no mundo, mas dentro de um contexto cultural que o inluencia mais do que pode inluenciar, especialmente no sistema informacional globalizado que alcana a todos, fenmeno este conhecido, conforme lio de ngela Kretschmann (2011, p. 147) como criao colaborativa.

    A hiperproteo ao direito autoral no permite mais uma interpretao prpria de nefelibatas que imaginam uma sociedade que se preocupa com o criador de bens culturais apenas para que o mesmo tenha condies de sobrevivncia para criar cada vez mais e contribuir para o desenvolvimento integral da humanidade. Na

  • 272 MARCUS PINTO AGUIAR ICENTE DE PAULO AUGUSTO DE OLIvEIRA JNIOR ThIAGO ANASTCIO CARCAR

    verdade a proteo exacerbada que se impe hoje, feita por conta de interesses mercantilistas, como alerta apropriadamente ngela Kretschmann (2011, p. 86):

    Grandes interesses industriais que comandam o mundo cultural trataram de fazer inserir a proteo a dados nas diversas legislaes do planeta, e logo, a proteo informao que deveria ser um direito de todos, ser apenas de alguns, que tm interesse em comercializ-la. A informao tende a se tornar o principal bem de consumo do sculo XXI, e se o conhecimento e a informao so mercantilizados, tambm so os direitos intelectuais, e no por outra razo que a competncia do tema est sob a Organizao Mundial do Comrcio (OMC).

    O que se observa durante este perodo inicial de delimitao do direito autoral a partir do Estatuto da Rainha Ana (1710) at os dias atuais que com o passar do tempo as legislaes referentes ao tema de um modo geral tendem absolutizao23 de tal direito como forma de garantir um poder maior do que a opresso fsica, e o fez, segundo lio de ngela Kretschmann (2011, p. 87) baseado na mxima de que quem domina a informao, domina o mundo.

    A proteo dos direitos intelectuais se estendem s informaes, e estas reclamam as mesmas regras protecionistas daqueles, atravs da ao dos titulares que detem a capacidade de produzi-las e distribui-las, funes bsicas de um capitalismo agora fundado na elaborao de bens imateriais.

    A globalizao tem sido utilizada no como instrumento para fomentar o desenvolvimento integral do homem, em seus aspectos

    23 O Maestro Alonso Martnez citado por Vide e Drummond, airma que: O homem no tem s deveres consigo mesmo e com seus ilhos; os tem tambm com seus semelhantes e, coadunando ao progresso social no faz, em rigor, mais do que pagar o tributo devido sociedade na qual vive, de cujos bens se nutre. Cf. VIDE, Carlos Rogel; DRUMMOND, Victor (coord.). Manual de direito autoral. Coleo Direitos Autorais e Temas Ains. 2 tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 108.

  • 273SOCIEDADE INFORMACIONAL E DIREITO DO AUTOR: RELEITURA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E 4 DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

    bio-psquicos, econmicos e tambm culturais, como seria prprio de qualquer processo que respeite a individualidade humana dentro de sua diversidade multicultural, mas aquela tem sido direcionada acintosamente em benefcio de poucos e excluso de muitos; e a exclusividade da informao e restrio ao seu acesso tem sido hoje em dia, nesta sociedade dita da comunicao, a arma mais eicaz.

    Neste processo de mercantilizao de obras culturais, h uma verdadeira discriminao para a escolha do que deve ou no ser difundido, e esta deciso est mais apoiada em resultados de pesquisas de mercado do que propriamente no valor cultural daquelas. E a necessidade de concentrao deste poder de decidir o que ser lido, ouvido ou visto tamanha, que, por exemplo, at o projeto de universalizao da nuvem de informao interliga-se com o de homogeneizao da individualidade; a tecnologia a servio da dominao das mentes24.

    Esta voz preocupada de Jason Epstein no isolada. ngela Kretschmann (2011, p. 95), citando Paesini, airma: Na medida em que os meios de comunicao se tornam mais soisticados e tecnologicamente mais avanados, eles podem passar a defender e divulgar o prprio pensamento. Alerta para a necessidade de vigilncia das empresas de comunicao, pois se trata de um novo poder, um poder de disposio da informao que pode se transformar em poder de censura e arbtrio.

    O que fazer diante deste desenvolvimento inexorvel e avassalador de novas tecnologias, desenvolvidas com perspectivas econmicas pela iniciativa privada, que descaracterizam a prpria identidade e individualidade do autor, mas que afetam comunidades inteiras em escala global? Com certeza uma anlise mais detida do

    24 Jason Epstein alerta para o risco de empobrecimento cultural advindo destas novas tecnologias, mesmo reconhecendo sua importncia e sua capacidade de expanso. Cf. EPSTEIN, Jason.

    Publishing: the revolutionary future. Disponvel em: http://www.nybooks.com/articles/archives/2010/mar/11/publishing-the-revolutionary-future/> Acesso em 06.nov.2011.

  • 274 MARCUS PINTO AGUIAR ICENTE DE PAULO AUGUSTO DE OLIvEIRA JNIOR ThIAGO ANASTCIO CARCAR

    direito de autor pode regular este processo e harmoniz-lo com um projeto coletivo de desenvolvimento humano.

    No se pretende subtrair o direito de autor, o que por si mesmo seria uma ofensa dignidade humana, mas entender que aceitar que o acesso aos bens culturais seja tratado simplesmente como bem de consumo tambm uma ofensa dignidade humana.

    Alerta ngela Kretschmann (2011, p. 103) que a produo do conhecimento possui papel fundamental na emancipao do ser humano, na autonomia da subjetividade e no reforo de sua identidade e que a reduo do conhecimento a um objeto de consumo [...] seria como construir uma nova legio de escravos, pior do que a que j pudemos criar, pois estes sequer teriam noo da sua escravido.

    Assim, restrio ao conhecimento restrio liberdade que consequentemente gera excluso e ofensa ao direito de igualdade substancial. Neste contexto, ressalta Joaquin Herrera Flores (2009, p. 42) que liberdade implica em dar autonomia ao indivduo de escolher e esta capacidade de escolher est ligada ao conhecimento que ele tem da realidade que o cerca e mais, de si mesmo, de seu poder de decidir, de empoderamento.

    CONCLUSO

    De maneira geral, dentro de uma sociedade pluralista como a que se vive hoje em dia, convivem diversas ordens de interesses (individual, coletiva, pblica e corporativa) que buscam a satisfao de suas pretenses e que constantemente esto se entrechocando.

    Entende-se que a existncia do Estado tem sua importncia para harmonizar estes interesses, solucionar os conlitos e mais, proteger e promover uma gama enorme de princpios, direitos e por que no dizer deveres.

    No mbito do estudo deste trabalho, procurou-se analisar o direito de autor e o direito de acesso cultura na interrelao entre as

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    diversas ordens acima citadas, de modo a se ter uma idia de alguns dos conlitos de interesses concorrentes que permeiam a existncia e a aplicao de tais direitos.

    Assim como fundamental a proteo e promoo da individualidade criativa do autor, tambm o a difuso de e o acesso s suas obras, levando-se em considerao a importncia que a cultura tem em nossa sociedade como meio de identiicao e desenvolvimento dos indivduos e dela mesma, e mesmo com a tcnica da ponderao de direitos, por seu valor social e maior interesse pblico, deve-se ser mais propcio a pender para o lado da proteo e promoo do direito de acesso cultura.

    Percebe-se um fortalecimento cada dia maior dos grandes empreendimentos privados e corporativos, como intermedirios, que buscam atravs de tudo que produzem e distribuem a maximizao do seu lucro; ao mesmo tempo, um Estado cada vez mais tbio em relao voracidade com que aqueles procuram impor seus interesses econmicos, utilizando inclusive da via normativa nacional e internacional.

    A reviso destes instrumentos legais, quer seja a lei interna referente aos direitos autorais (LDA), quer sejam os tratados internacionais, deve ser feita com a participao popular para a garantia da legitimidade das condutas que devero ser tomadas diante daqueles que querem a qualquer custo fazer valer seus interesses econmicos, que em algumas situaes podem at estar irmanados com o compromisso de desenvolvimento da comunidade e ai sero considerados legtimos.

    Os artigos 170 da Constituio Federal de 1988 e 4 do Cdigo de Defesa do Consumidor, se interpretados sob a tica de concretizao dos direitos fundamentais, levando-se em conta a funo social do direito de autor, garantir a consecuo dos objetivos nacionais de construir uma sociedade solidria e justa, onde seus membros realizao de verdade uma existncia digna.

  • 276 MARCUS PINTO AGUIAR ICENTE DE PAULO AUGUSTO DE OLIvEIRA JNIOR ThIAGO ANASTCIO CARCAR

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