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HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL – EDWARD BURNS Parte 6 A civilização ocidental moderna (1789-1914): democracia, nacionalismo, industrialismo Com a Revolução Francesa, tem início uma segunda fase da história da civilização ocidental moderna. Foi profunda a influência exercida sobre o mundo moderno por esse acontecimento, que adveio entre os anos de 1789 e 1799. Liquidou o mercantilismo e os remanescentes do feudalismo, contribuindo assim para estabelecer a supremacia política da classe média. Foi, além disso, uma das fontes principais do nacionalismo militante, do individualismo econômico e do princípio da soberania das massas. Vários destes resultados — em especial o nacionalismo, a democracia e a supremacia da classe média — persistiram durante todo o século passado e o começo do nosso, podendo ser contados entre os característicos dominantes dessa época. Não devemos esquecer, ao mesmo tempo, que a história das nações ocidentais desde a Revolução Francesa até o deflagrar da Primeira Guerra Mundial foi radicalmente condicionada por outros fatores. Entre eles, o mais relevante foi a Revolução Industrial, que se iniciou por volta de 1760 e se prolongou até os nossos dias. Foram consequências de monta dessa revolução a urbanização da vida moderna, o aparecimento de novas classes sociais e de novas filosofias econômicas e políticas, o renascimento do imperialismo e uma melhora geral dos padrões de vida. Permitindo, além disso, que os países sustentassem uma população muito maior do que teria sido possível sob um regime de economia agrícola, ela contribuiu para o notável aumento da população européia, que em 1914 ultrapassava já o dobro da de 1789. A Revolução Industrial dos séculos XIX e X DURANTE o período que foi de 1400 até aproximadamente 1700 a civilização moderna atravessou a sua primeira revolução econômica. Foi ela a Revolução Comercial, que extirpou a economia semi-estática da Idade Média e a substituiu por um capitalismo dinâmico dominado por comerciantes, banqueiros e armadores de navios. Mas a Revolução Comercial não foi mais que o ponto de partida de rápidas e decisivas mudanças no campo econômico. Não tardou a seguir-se-lhe uma Revolução Industrial, que não só ampliou ainda mais a esfera dos grandes empreendimentos comerciais mas ainda se estendeu aos domínios da produção. Tanto quanto é possível reduzi-la a uma fórmula sintética, pode-se dizer que a Revolução Industrial compreendeu: 1) a mecanização da indústria e da agricultura; 2) a aplicação da força motriz à indústria; 3) o desenvolvimento do sistema fabril; 4) um sensacional aceleramento dos transportes e das comunicações; e 5) um considerável acréscimo do controle

História de Civilização Ocidental - BURNS

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HISTRIA DA CIVILIZAO OCIDENTAL

HISTRIA DA CIVILIZAO OCIDENTAL EDWARD BURNS

Parte 6A civilizao ocidental moderna (1789-1914): democracia, nacionalismo, industrialismoCom a Revoluo Francesa, tem incio uma segunda fase da histria da civilizao ocidental moderna. Foi profunda a influncia exercida sobre o mundo moderno por esse acontecimento, que adveio entre os anos de 1789 e 1799. Liquidou o mercantilismo e os remanescentes do feudalismo, contribuindo assim para estabelecer a supremacia poltica da classe mdia. Foi, alm disso, uma das fontes principais do nacionalismo militante, do individualismo econmico e do princpio da soberania das massas. Vrios destes resultados em especial o nacionalismo, a democracia e a supremacia da classe mdia persistiram durante todo o sculo passado e o comeo do nosso, podendo ser contados entre os caractersticos dominantes dessa poca. No devemos esquecer, ao mesmo tempo, que a histria das naes ocidentais desde a Revoluo Francesa at o deflagrar da Primeira Guerra Mundial foi radicalmente condicionada por outros fatores. Entre eles, o mais relevante foi a Revoluo Industrial, que se iniciou por volta de 1760 e se prolongou at os nossos dias. Foram consequncias de monta dessa revoluo a urbanizao da vida moderna, o aparecimento de novas classes sociais e de novas filosofias econmicas e polticas, o renascimento do imperialismo e uma melhora geral dos padres de vida. Permitindo, alm disso, que os pases sustentassem uma populao muito maior do que teria sido possvel sob um regime de economia agrcola, ela contribuiu para o notvel aumento da populao europia, que em 1914 ultrapassava j o dobro da de 1789.

A Revoluo Industrial dos sculos XIX e X

Durante o perodo que foi de 1400 at aproximadamente 1700 a civilizao moderna atravessou a sua primeira revoluo econmica. Foi ela a Revoluo Comercial, que extirpou a economia semi-esttica da Idade Mdia e a substituiu por um capitalismo dinmico dominado por comerciantes, banqueiros e armadores de navios. Mas a Revoluo Comercial no foi mais que o ponto de partida de rpidas e decisivas mudanas no campo econmico. No tardou a seguir-se-lhe uma Revoluo Industrial, que no s ampliou ainda mais a esfera dos grandes empreendimentos comerciais mas ainda se estendeu aos domnios da produo. Tanto quanto possvel reduzi-la a uma frmula sinttica, pode-se dizer que a Revoluo Industrial compreendeu: 1) a mecanizao da indstria e da agricultura; 2) a aplicao da fora motriz indstria; 3) o desenvolvimento do sistema fabril; 4) um sensacional aceleramento dos transportes e das comunicaes; e 5) um considervel acrscimo do controle capitalista sobre quase todos os ramos de atividade econmica. Embora a Revoluo Industrial j se houvesse iniciado em 1760, no adquiriu todo o seu mpeto antes do sculo XIX. Muitos historiadores dividem o movimento em duas grandes fases, servindo o ano de 1860 como marco divisrio aproximado entre ambas. O perodo de 1860 at os nossos dias por vezes denominado Segunda Revoluo Industrial.

1. O COMPLEXO DE CAUSASA Revoluo Industrial nasceu de uma multiplicidade de causas, algumas das quais so mais antigas do que habitualmente se pensa. Talvez convenha considerar em primeiro lugar os aperfeioamentos iniciais da tcnica. As maravilhosas invenes dos fins do sculo XVIII no nasceram j completas, como Minerva da testa de Jpiter. Pelo contrrio, j desde algum tempo havia um interesse mais ou menos fecundo pelas inovaes mecnicas. O perodo da Revoluo Comercial assistira inveno do relgio de pndulo, do termmetro, da bomba aspirante, da roda de fiar e do tear para tecer meias, sem falar dos melhoramentos introduzidos na tcnica de fundir minrios e na obteno do bronze. Mais ou menos em 1580 foi inventado um tear mecnico que fazia fitas, sendo capaz de tramar vrios fios ao mesmo tempo. Houve tambm importantes progressos tcnicos em outras indstrias, como a de vidraria, relojoaria, apareIhamento de madeira e construo naval. Vrias dessas primeiras invenes tornavam necessria a adoo de mtodos fabris. Por exemplo, a mquina de organsinar seda bruta, inventada na Itlia por volta de 1500, tinha de ser instalada numa vasta construo e exigia uma turma considervel de trabalhadores. Nos Temple Mills, margem do Tamisa, acima de Londres segundo uma descrio feita em 1738 por Daniel Defoe o cobre era convertido em caldeiras e panelas por meio de enormes martelos movidos a fora hidrulica. Esses melhoramentos tcnicos iniciais mal se podem comparar em importncia aos que se verificaram depois de 1760, mas mostram que a era da mquina no surgiu de um dia para outro.Entre outras causas de primeira importncia contam-se algumas consequncias mais diretas da Revoluo Comercial. Esse movimento provocara o surto de uma classe de capitalistas que procuravam constantemente novas oportunidades de investimento para o seu excesso de riqueza. A princpio essa riqueza podia ser facilmente absorvida pelo comrcio, pelos empreendimentos de minerao, pelas especulaes bancrias ou pelas construes navais, mas com o correr do tempo as oportunidades em tais campos se tornaram bastante limitadas. Em consequncia, havia uma disponibilidade crescente de capitais para o desenvolvimento da manufatura. Mas dificilmente teria ocorrido um desenvolvimento rpido se no houvesse uma procura cada vez maior de produtos industriais. Tal procura deveu-se em grande parte fundao de imprios coloniais e ao acentuado crescimento da populao europia. Estamos lembrados de que um dos objetivos primrios da aquisio de colnias fora o de encontrar novos mercados para os produtos manufaturados na metrpole. Como prova de que tal finalidade fora satisfatoriamente atingida registra-se o fato de, s no ano de 1658, terem sido embarcados da Inglaterra para a Virgnia nada menos de 24.000 pares de sapatos. Ao mesmo tempo, os mercados potenciais da Europa iam-se alargando com rapidez, dada a curva ascendente da populao dos pases ocidentais. Na Inglaterra o nmero de habitantes subiu de quatro milhes em 1600 a seis milhes em 1700 e a nove milhes no fim do sculo XVIII. A populao da Frana elevou-se de 17.000.000 em 1700 a 26.000.000 cerca de cem anos mais tarde. At que ponto esse aumento foi um efeito dos progressos da medicina no sculo XVIII e em que medida se deveu ele maior abundncia de alimentos decorrente da expanso do comrcio? uma questo discutvel, mas a influncia do segundo destes fatores no pode ser desprezada. Finalmente, a Revoluo Comercial estimulou o crescimento das manufaturas graas sua doutrina bsica do mercantilismo. A poltica mercantilista visava, entre outras coisas, aumentar a quantidade de artigos manufaturados disponveis para a exportao a fim de garantir uma balana de comrcio favorvel.A despeito da importncia das causas j mencionadas, a Revoluo Industrial teria sido sem dvida retardada se no fosse a necessidade de melhoramentos mecnicos fundamentais em certos campos de produo. A por volta de 1700, a procura de carvo para as fundices de ferro tinha exaurido de tal modo as reservas de lenha que vrias naes da Europa Ocidental se viram ameaadas pelo desflorestamento. Cerca de 1709 uma soluo parcial foi encontrada por Abraham Darby, ao descobrir que o coque podia ser utilizado na fundio. Mas, para se obter o coque necessrio, era preciso minerar carvo em quantidade muito maior do que at ento se tinha feito. Como o principal obstculo extrao fosse a acumulao de gua nas minas, a necessidade do novo combustvel levou procura de uma fonte de energia capaz de acionar as bombas. Vrios experimentos relacionados com essa pesquisa resultaram finalmente na inveno da mquina a vapor. Uma necessidade ainda mais premente de mecanizao existia na indstria txtil. Com a crescente procura dos tecidos de algodo nos sculos XVII e XVIII, tornou-se simplesmente impossvel fornecer o fio necessrio com as rodas de fiar primitivas ainda em uso. Mesmo depois de se porem a trabalhar todas as mulheres e crianas em disponibilidade, a procura no pde ser satisfeita. Na Alemanha, at os soldados nos quartis foram postos a fiar algodo. Como a necessidade se fizesse sentir cada vez mais, as sociedades cientficas e as empresas industriais ofereceram prmios a quem apresentasse mtodos aperfeioados de fiao. Em 1760, por exemplo, a "English Society of Arts" instituiu um desses prmios para uma mquina que capacitasse uma pessoa a fiar seis fios simultaneamente. O resultado de todos esses esforos foi o desenvolvimento da mquina de fiar e do tear hidrulico, precursores de uma srie de importantes inventos na indstria txtil. No tardando a ficar demonstrada a viabilidade de tais mquinas, a mecanizao no podia deixar de estender-se s demais manufaturas.2. Por que a Revoluo Industrial comeou na Inglaterra primeira vista pode parecer estranho que o pequeno reino insular no s se tenha tornado o lder industrial do mundo, mas que haja conservado essa posio por mais de um sculo. Pretende um filsofo moderno que a Inglaterra, ainda em pleno sculo XVIII, era "o pas mais pobre da Europa Ocidental". certo que ela no possua uma grande variedade de produtos dentro das suas fronteiras. No estava to perto de bastar-se a si mesma quanto a Frana ou a Alemanha. Seus recursos agrcolas j no chegavam para satisfazer-lhe as necessidades e o exaurimento das florestas da ilha tinha sido notado desde o tempo dos Stuarts. O carvo e o ferro, geralmente considerados como as suas maiores riquezas, no assumiram grande importncia industrial seno no sculo XIX. Mas, ao lado dessas condies adversas, havia outros fatres que faziam a balana pender decididamente para o lado da Inglaterra.Talvez devamos colocar no cabealho da lista de condies favorveis o fato de ter sido a Inglaterra o pas que mais lucrou com a Revoluo Comercial. Ainda que a Frana tivesse, pelas alturas de 1750, um comrcio exterior calculado em 200 milhes de dlares anuais, em confronto com os 160 milhes de dlares da Inglaterra, no se deve esquecer que a populao francesa era, no mnimo, trs vezes maior do que a inglesa. Acresce que a Frana havia alcanado o limite mximo da sua expanso imperial e que uma parte considervel dos lucros do seu comrcio exterior era desviada, atravs de emprstimos e de impostos, para a manuteno de um exrcito oneroso e de uma corte frvola e extravagante. A Inglaterra, por seu lado, mal iniciava ainda a sua idade urea de poder e prosperidade. J havia adquirido as mais valiosas colnias do Hemisfrio Ocidental e em breve iria consolidar a supremacia imperial e comercial pela derrota dos franceses na Guerra dos Sete Anos. Alm disso, uma proporo bem maior dos lucros da Inglaterra no comrcio ultramarino ficava disponvel para os investimentos produtivos. O seu governo estava relativamente livre de corrupo e de gastos perdulrios. Os seus efetivos militares custavam menos que os da Frana e as suas rendas eram coletadas com muito mais eficincia. Em consequncia, os comerciantes e armadores ingleses dispunham de uma margem mais ampla de lucros excedentes, que eles estavam ansiosos por inverter em todos os negcios concebiveis que pudessem tornar-se fonte de proveitos adicionais. vista de tais fatos, no de surpreender que a Inglaterra se tivesse alado posio cie principal nao capitalista no comeo do sculo XVIII. Em parte alguma haviam as sociedades por aes alcanado tamanho desenvolvimento. As operaes sobre valores j eram negcio legal quando foi fundada, em 1698, a Bolsa de Fundos Pblicos de Londres. Por volta de 1700, Londres estava capacitada a competir com Amsterd como capital financeira do mundo. Acrescente-se a isso que a Inglaterra possua, talvez, o melhor sistema bancrio da Europa. No pice desse sistema achava-se o Banco da Inglaterra, fundado em 1694. Embora estabelecido com o fim de levantar fundos para o governo, a sua organizao era a de uma empresa privada. Os seus fundos eram de propriedade particular e a sua direo no estava submetida a qualquer controle oficial. No obstante, sempre operou em ntima colaborao com o governo e desde os primeiros tempos constituiu importante fator de estabilizao das finanas pblicas. Assegurada destarte a estabilidade financeira do governo, os grandes empreendedores comerciais e industriais podiam desenvolver os seus negcios sem o temor de uma bancarrota nacional ou de uma inflao ruinosa. cabvel observar a este propsito que nada ou quase nada de semelhante se verificou nas finanas do pas de alm-Mancha at a fundao do Banco Francs, durante o perodo napolenico.H indcios de no ter sido pequena a influncia dos fatores polticos e sociais na origem da Revoluo Industrial inglesa. Embora o governo britnico estivesse longe de ser democrtico, era pelo menos mais liberal do que a maioria dos governos continentais. A Revoluo Gloriosa de 1688-89 muito fizera para estabelecer o conceito da soberania limitada. Tornara-se geralmente aceita a doutrina de que o poder do estado no deve estender-se alm da proteo dos direitos naturais do indivduo liberdade e ao gozo da propriedade. Sob a influncia de tal doutrina o Parlamento aboliu velhas leis que criavam monoplios especiais e interferiam na livre concorrncia. Os princpios mercantilistas continuaram a ser aplicados ao comrcio com as colnias, mas na esfera dos negcios metropolitanos foi pouco a pouco revogado um grande nmero de restries. Ademais, a Inglaterra j comeava ento a ser encarada como um asilo para os refugiados de outros pases. Mais de 40.000 huguenotes fixaram-se nas suas aldeias e cidades quando foram expulsos da Frana, em 1685, pela revogao do Edito de Nantes. Frugal, enrgico e ambicioso, esse elemento instilou novo vigor na nao inglesa. Thomas Huxley afirmou, muito mais tarde, que uma gota de sangue huguenote nas veias valia milhares de libras esterlinas. Que a influncia desses exilados no progresso industrial no foi insignificante, atesta-o o fato de as manufaturas de cutelaria e de vidro inglesas terem continuado por algum tempo a usar nomes franceses. Tambm as condies sociais eram nitidamente favorveis ao desenvolvimento da indstria. A nobreza britnica deixara de ser uma casta exclusivamente hereditria e estava se convertendo com rapidez numa aristocracia da riqueza. Quase todos os que faziam fortuna tinham a possibilidade de elevar-se s mais altas camadas sociais. William Pitt, o moo, afirmava que qualquer homem com uma renda de dez mil libras anuais devia ter direito a ser par do reino, por mais humilde que fosse a sua origem. Tais condies valiam por um prmio ao sucesso nos negcios.Algumas outras causas devem ser acrescentadas para completar o quadro. Em primeiro lugar, mencionemos o fato de ser o clima mido das ilhas britnicas especialmente propcio fabricao de tecidos de algodo, no permitindo que o fio se torne quebradio e se rompa facilmente quando retesado pelo tear mecnico. E basta lembrar que foi a mecanizao da indstria txtil que inaugurou a era da mquina. Em segundo lugar, o sistema corporativo de produo com as suas complicadas restries nunca se enraizou to fortemente em solo ingls como nos pases continentais. As prprias regulamentaes j estabelecidas tinham sido eliminadas, especialmente nos condados setentrionais, pelos fins do sculo XVII. Foi esta, diga-se de passagem, uma das razes pelas quais a Revoluo Industrial principiou na Inglaterra setentrional de preferncia regio mais prxima do Continente. Por ltimo, como a riqueza naquela poca estivesse mais uniformemente distribuda na Inglaterra do que na maioria das outras naes, os fabricantes ingleses puderam dedicar-se produo em larga escala de artigos baratos e comuns, ao invs de produzirem pequenas quantidades de mercadorias de luxo. Este fator influiu consideravelmente na adoo dos mtodos fabris a fim de obter um rendimento maior. Na Frana, ao contrrio, havia procura de artigos de luxo para satisfazer os gostos de uma pequena camada de perdulrios elegantes. Uma vez que a qualidade da mo-de-obra constitua requisito fundamental desse tipo de produo, era pequeno o incentivo inveno de mquinas.3. Homens e mquinas dos primeiros temposA fase inicial da Revoluo Industrial, que vai de cerca de 1760a 1860, testemunhou um desenvolvimento fenomenal da aplicao da maquinaria indstria, o qual lanou os alicercesda nossa civilizao mecnica moderna. Como vimos, o primeiro ramo da indstria a ser mecanizado foi a manufatura de tecidos de algodo. No era essa uma das indstrias tradicionais dos ingleses, seno um empreendimento recente em que cada empresrio podia experimentar quase todos os mtodos que desejasse. Alm do mais, era um negcio em que os lucros dependiam da produo intensiva. A fim de que a indstria pudesse realizar progressos era necessrio encontrar meios de obter um maior volume de fio do que jamais se poderia conseguir com o instrumental primitivo ainda em uso. O primeiro dispositivo que veio atender a essa necessidade foi a spinning jenny ou mquina de fiar inventada por James Hargreaves em 1767. Essa mquina, assim chamada em homenagem esposa do inventor, cujo nome era Jenny, era na realidade uma roda de fiar composta, capaz de produzir oito fios ao mesmo tempo. Infelizmente, os fios que produzia no eram bastante fortes para ser utilizadas como fibras longitudinais, ou urdimento, do tecido de algodo. S com a inveno do bastidor hidrulico de Richard Arkwright, cerca de dois anos depois, que se tornou possvel a produo intensiva de ambas as modalidades de fio de algodo. Finalmente, em 1779, outro ingls, Samuel Crompton, combinou certos caractersticos da spinning jenny e do bastidor hidrulico numa mquina de fiar hbrida que ele, com propriedade, denominou mule (mula). Essa mquina foi sendo progressivamente aperfeioada at que, vinte anos mais tarde, tornou-se capaz de produzir simultaneamente quatrocentos fios da melhor qualidade.Entretanto, os problemas da indstria de algodo ainda no estavam inteiramente resolvidos. A inveno das mquinas de fiar tinha suprido sobejamente a falta de fio, mas fazia-se sentir agora a escassez de teceles. Os que se dedicavam a esta profisso podiam exigir salrios to altos que, ao que se dizia, costumavam pavonear-se nas ruas com notas de cinco libras enfiadas na fita do chapu e almoavam ganso assado aos domingos. Tornou-se logo evidente que o nico remdio para essa falta de teceles seria a inveno de uma mquina automtica que tomasse o lugar do tear manual. Muitos declararam tal coisa impossvel, mas o Rev. Edmund Cartwright, um pastor do condado de Kent, no se deixava desanimar to facilmente. Dizia consigo que, se a maquinaria automtica podia ser aplicada fiao, no havia motivo para que no o fosse tambm tecelagem. Como tivesse poucos conhecimentos de mecnica, contratou um carpinteiro e um ferreiro para pr em prtica as suas ideias. O resultado foi o tear mecnico, que Cartwright patenteou em 1785. Muitos anos se passaram, contudo, antes de le estar suficientemente aperfeioado para ter mais que um xito modesto. Somente por volta de 1820 foi que logrou substituir amplamente os mtodos mais primitivos de tecelagem. Entrementes, a inveno de uma mquina para separar o caroo da fibra do algodo possibilitou um fornecimento abundante de algodo em bruto por preo baixo. Foi essa mquina o descaroador inventado em 1792 por Eli Whitney, um mestre-escola da Nova Inglaterra.Algumas das novas invenes da indstria txtil contriburam para o desenvolvimento do sistema fabril. O bastidor hidrulico, a spinning mule e o tear mecnico eram mquinas grandes e pesadas que no podiam ser instaladas nas casas dos trabalhadores. Todas elas se destinavam, com o tempo, a ser acionadas por fora motriz, e alm disso custavam to caro que ningum, a no ser um abonado capitalista, poderia compr-las. Era portanto inevitvel que fossem instaladas em grandes edifcios e que os trabalhadores empregados em faz-las funcionar ficassem sob a superviso do proprietrio ou de um gerente. Tais eram os traos essenciais do sistema fabril na sua forma original. Muito apropriadamente, o verdadeiro fundador do sistema foi Richard Arkwright, o inventor do bastidor hidrulico. Graas sua indomvel perseverana e imenso tino para os negcios, Arkwright elevou-se da condio de simples barbeiro e cabeleireiro at se tornar o primeiro capito de indstria. Trabalhando habitualmente das cinco da manh s nove da noite, lutou com obstculos durante anos. Encontrou tenaz oposio por parte dos poderosos interesses da indstria de l. Suas oficinas foram depredadas por multides de trabalhadores enfurecidos, os quais temiam que as mquinas de Arkwright os deixassem sem emprego. Foi acusado, talvez com alguma razo, de ter roubado a outros a idia do bastidor hidrulico. Afirma-se que despendeu ao todo cerca de 60.000 dlares antes que os seus projetos comeassem a dar lucro. Fundou a sua primeira fbrica, movida por fora hidrulica, em 1771.Custa acreditar que o sistema fabril pudesse ter assumido grande importncia sem o aperfeioamento da mquina a vapor. As rodas hidrulicas eram vagarosas e nem sempre se dispunha de cursos de gua com fora suficiente para mov-las. Outras fontes de energia foram experimentadas, com resultados ainda menos satisfatrios. O tear mecnico original, inventado por Cartwright, era movido por uma vaca, ao passo que alguns de seus sucessores empregaram cavalos e at um co terra-nova. Sabia-se, havia sculos, que o vapor d'gua podia ser utilizado como fonte de fora motriz. Grosseiras mquinas a vapor tinham sido construdas por Heron de Alexandria no sculo I antes de Cristo, por Leonardo da Vinci durante a Renascena e por vrios outros nos primrdios da idade moderna. Nenhuma delas, entretanto, fora aproveitada em coisa mais til do que fazer girar o espeto nas cozinhas dos reis ou obrar milagres nos tempos antigos. O primeiro homem a empregar a fora do vapor com propsitos industriais foi Thomas Newcomen, que, em 1712, inventou uma tosca mas eficiente mquina a vapor para bombear gua das minas de carvo inglesas. Pelos meados do sculo estava em uso aproximadamente uma centena desses engenhos. Algumas eram de enormes propores e podiam fazer o trabalho de mais de cinqenta cavalos; uma delas tinha um cilindro de seis ps (1,80 m) de dimetro. At as menores podiam gerar mais fora motriz do que a maioria das rodas hidrulicas.Malgrado o seu imenso valor para a indstria mineira, a mquina de Newcomen ressentia-se de defeitos que a impediam de ser usada em larga escala para fins industriais em geral. Para comear, desperdiava tanto combustvel como fora. Era construda de tal maneira que depois de cada movimento do mbolo o vapor tinha de ser condensado pela asperso de gua fria no cilindro. Isso significava que o cilindro devia ser novamente aquecido antes do percurso seguinte, e tais aquecimento e resfriamento alternados retardavam grandemente a velocidade da mquina. Em segundo lugar, o "amigo do mineiro" (assim se chamava a bomba de Newcomen) s se adaptava ao movimento em linha reta requerido pelo bombeamento; ainda no fora descoberto o meio de converter a ao retilnea do mbolo num movimento rotativo. Ambos esses defeitos foram finalmente remediados por James Watt, um construtor de aparelhos cientficos da Universidade de Glasgow. Em 1763 Watt foi encarregado de corrigir um modelo da mquina de Newcomen. Enquanto se dedicava a isso, concebeu a idia de que ela podia ser muitssimo melhorada com a adio de uma cmara especial para condensar o vapor, de maneira a eliminar a necessidade de resfriar o cilindro. Em 1769 patenteou sua primeira mquina com o acrscimo desse dispositivo. Mais tarde, inventou uma nova disposio de vlvulas que permitiam a injeo de vapor em ambas as extremidades do cilindro, fazendo com que o mbolo trabalhasse tanto para a frente como para trs. Em 1782 descobriu um meio de converter a ao do mbolo em movimento circular, capacitando assim o motor a mover a maquinaria das fbricas. Infelizmente, o gnio inventivo de Watt no era igualado pela sua habilidade comercial. Confessava que "preferia enfrentar um canho carregado a acertar uma conta duvidosa ou a fechar um negcio". O resultado foi endividar-se ao tentar colocar as suas mquinas no mercado. Foi salvo por Matthew Boulton, prspero negociante de ferragens de Birmingham. Os dois formaram uma sociedade por comandita em que Boulton era o scio capitalista, e pelo ano de 1800 a firma j havia vendido 289 motores para fbricas e minas.Poucas invenes tiveram maior influncia na histria dos tempos modernos que a da mquina a vapor. Ao contrrio do que geralmente se pensa, no foi a causa inicial da Revoluo Industrial mas sim, em parte, um efeito desta. O motor de Watt, pelo menos, nunca se teria tornado realidade se no fosse a procura de uma fonte eficiente de energia para mover as pesadas mquinas j inventadas na indstria txtil. Por outro lado, indiscutvel que o aperfeioamento da mquina a vapor promoveu um desenvolvimento mais rpido da industrializao. Deu uma nova importncia produo do carvo e do ferro. Possibilitou, como veremos em seguida, uma revoluo nos transportes. Abriu oportunidades quase ilimitadas acelerao das manufaturas, tornando as naes industrializadas as mais ricas e poderosas do mundo. Antes do desenvolvimento da mquina a vapor, as reservas de energia estavam, em grande parte, merc das variaes do tempo atmosfrico. Durante as secas, a baixa dos rios podia forar os moinhos a restringir suas atividades ou mesmo a suspend-las por completo. Os navios, nas travessias do oceano, atrasavam-se semanas inteiras por falta de vento. De ora em diante, porm, haveria um fornecimento constante de energia que poderia ser aproveitada quando necessrio. No , portanto, exagero afirmar que a inveno de Watt assinalou o verdadeiro comeo da era da fora motriz.Uma das indstrias que deveram o seu rpido desenvolvimento ao aperfeioamento da mquina a vapor foi a manufatura de ferro e de produtos deste metal. Se bem que muitas das novas mquinas, como a spinning jenny e o bastidor hidrulico, pudessem ser construdas de madeira, as mquinas a vapor exigiam material mais resistente. Alm disso, os seus cilindros deviam ser calibrados com a maior preciso possvel a fim de evitar a perda de vapor, o que necessitava um progresso considervel na produo de mquinas-ferramentas e nos mtodos cientficos da manufatura do ferro. O pioneiro deste trabalho foi John Wilkinson, um fabricante de canhes. Em 1774, Wilkinson patenteou um mtodo de calibrar cilindros, mtodo que reduzia a margem de erro a uma quantidade diminuta para aquela poca. Mais tarde dedicou-se construo de lanches de ferro e produo de chapas para pontes metlicas. Jamais escrevia uma carta sem mencionar o ferro em cada pgina e disps no seu testamento que o enterrassem num caixo de ferro. Ainda mais importantes que as contribuies de Wilkinson foram as realizaes de outro ingls, Henry Cort, um empreiteiro naval. Em 1784 Cort inventou o mtodo da pudlagem, que consiste em agitar o ferro em fuso a fim de eliminar grande percentagem do seu contedo de carbono. Isso possibilitava a produo de um metal de qualidade superior, quase to duro quanto o ferro forjado e muito mais barato. Dois anos mais tarde Cort inventou o laminador para a fabricao de chapas de ferro. Essas duas inovaes revolucionaram a indstria. Em menos de vinte anos a produo de ferro na Inglaterra quadruplicou e o preo caiu a uma frao do que era antes.As transformaes fundamentais nos processos de produo, que acabamos de descrever, foram logo seguidas de momentosas inovaes no setor dos transportes. Os primeiros sinais de uma melhora positiva nos mtodos de viajar comearam a surgir nas proximidades de 1780. Foi por essa poca que se comeou a tratar seriamente, na Inglaterra, da construo de canais e de estradas de pedgio. Nas alturas de 1830, quase todas as grandes estradas tinham sido drenadas e empedradas, ao passo que as principais vias fluviais se achavam ligadas por uma rede de 4.000 quilmetros de canais. A melhoria das estradas possibilitou um servio de diligncias mais rpido. Em 1784 o diretor-geral dos correios inaugurou um servio postal com carruagens que corriam continuamente, dia e noite, cobrindo uma distncia de 200 quilmetros em vinte e quatro horas. Ao findar o sculo diligncias especiais, conhecidas como "mquinas voadoras", ligavam entre si todas as cidades principais do pas, alcanando por vezes a velocidade extraordinria de 15 ou 16 quilmetros por hora.Mas o progresso verdadeiramente importante nos transportes s comeou aps a adoo generalizada da mquina a vapor como fonte segura de energia. Fizeram-se tentativas para adaptar o vapor s diligncias e alguns desses antepassados do automvel moderno chegaram realmente a correr nas estradas. A mais bem sucedida foi uma que Richard Trevithick construiu em 1800 e que chegou a percorrer 150 quilmetros na estrada de Londres a Plymouth. Aos poucos ganhou terreno a idia de que seria mais proveitoso utilizar a mquina a vapor para puxar uma fieira de carruagens sobre carris de ferro. J existiam algumas dessas estradas de ferro para transportar carvo, mas os carros eram tirados por cavalos. Deve-se o aparecimento da primeira estrada de ferro a vapor a George Stephenson, um mecnico autodidata que s aprendera a ler aos dezessete anos. Trabalhando como maquinista numa mina de carvo, dedicava as suas horas de folga a fazer experimentos com locomotivas. Em 1822 convenceu das vantagens da trao a vapor um grupo de homens que estavam projetando uma estrada de ferro para o transporte de carvo entre Stockton e Darlington e foi nomeado engenheiro da linha com carta branca para executar os seus planos. O resultado foi a inaugurao, trs anos depois, da primeira estrada de ferro com mquina a vapor. As locomotivas que ele construiu para essa linha alcanavam a velocidade de 24 quilmetros horrios, inaudita para a poca. Em 1830 projetou a famosa Rocket (Foguete), que comeou a correr sobre os trilhos da estrada Manchester-Liverpool com uma velocidade quase dupla da dos primeiros modelos. Antes de Stephen-son morrer, em 1848, cerca de 10.000 quilmetros de estradas de ferro tinham sido construdas na Inglaterra e mais ou menos outro tanto nos Estados Unidos.Entrementes, a mquina a vapor ia sendo paulatinamente aplicada ao transporte fluvial. Neste setor foram os americanos e no os ingleses que tomaram a dianteira. Ainda hoje se discute sobre quem, precisamente, pode ser apontado como o inventor do barco a vapor. H indcios de terem contribudo para ele vrios indivduos. A crer nos registros da poca, o primeiro que conseguiu movimentar um barco exclusivamente a vapor foi um mecnico da Virgnia chamado James Rumsey. Em 1785, na presena de George Washington, conduziu ele a sua mquina contra a corrente do Potomac a cerca de sete quilmetros por hora. Pouco depois um outro americano, John Fitch, construiu um barco que chegou a transportar passageiros durante alguns meses, em 1790, no rio Delaware. O barco a vapor de Fitch assume particular importncia pelo fato de possuir uma hlice em lugar da roda de ps empregada por todos os demais inventores. Mas Fitch jamais conseguiu fazer do seu invento um sucesso financeiro. Aps inteis tentativas de interessar os governos na adoo daquele, suicidou-se em 1798. Ainda a um terceiro americano, Robert Fulton, atribudo o mrito de haver convertido o barco a vapor num xito comercial. duvidoso que Fulton fosse mais inventivo do que Rumsey ou Fitch, mas teve bastante tino financeiro para conseguir fundos com um rico capitalista e soube, alm disso, manter-se em evidncia perante o pblico. Em 1807 foi aclamado como um heri nacional quando o seu Clermont, equipado com uma mquina de Boulton & Watt e uma roda de ps, fz todo o percurso entre Nova York e Albany sem o auxlio de velas. Estava inaugurada a era da navegao a vapor. Dentro em breve, barcos de rodas semelhantes aos de Fulton percorriam os rios e lagos no s da Amrica mas tambm da Europa. Em abril de 1838 os primeiros vapores, o Sirius e o Great Western, cruzaram o Atlntico. Dois anos mais tarde Samuel Cunard fundou a famosa "Cunard Line", oferecendo um servio transocenico regular com navios inteiramente movidos a vapor.O progresso mais significativo das comunicaes na primeira fase da Revoluo Industrial foi a inveno do telgrafo. J em 1820 o fsico francs Ampere havia descoberto que o eletromagnetismo podia ser usado para transmitir mensagens por meio de um fio entre pontos distantes. S faltava inventar aparelhos eficientes para transmitir e receber os despachos. Experimentos nesse sentido foram tentados por vrios indivduos, trs dos quais alcanaram xito quase simultaneamente. Em 1837 foram inventados sistemas de telgrafo eltrico pelo alemo Karl Steinheil, pelo ingls Charles Wheatstone e pelo americano Samuel Morse. S em 1844, porm, foi que se instalou a primeira linha telegrfica dotada de bastante eficincia para poder ser explorada com fins comerciais. Foi ela a linha entre Baltimore e Washington, construda a instncias de Morse e em vista dos melhoramentos que ele prprio havia introduzido na sua inveno. Uma vez iniciados, os sistemas telegrficos multiplicaram-se em todo o mundo. Dentro em breve todas as cidades importantes achavam-se ligadas entre si e em 1851 foi lanado um cabo atravs do Canal da Mancha. O coroamento veio com a inaugurao do primeiro cabo transatlntico, em 1866, por iniciativa do capitalista americano Cyrus Field.No nosso estudo da Revoluo Comercial vimos que esse movimento se fizera acompanhar, especialmente na Inglaterra, de momentosas mudanas na agricultura, tais como a liquidao do sistema senhorial, a tapagem das terras comuns e a juno dos lotes individuais. A Revoluo Industrial tambm teve as suas repercusses na agricultura, as quais se fizeram notar sobretudo nos primeiros sessenta anos do sculo XIX. Entre elas figuram o aperfeioamento das raas de gado, a introduo de novas culturas, como a da beterraba aucareira, que passou a ser plantada em larga escala na Alemanha e na Frana, e o desenvolvimento da qumica agrcola por Justus von Liebig (1803-73), que tornou possvel a produo de adubos artificiais. A agricultura tambm sofreu, nesse perodo, a influncia da mecanizao. Criaram-se melhores arados e grades e generalizou-se o emprego da debulhadora. Em 1834 o fazendeiro americano Cyrus McCormick tirou patente da sua ceifadeira mecnica e logo depois comeou a fabric-la em Chicago. Em 1860 essas mquinas eram vendidas numa mdia de 20.000 por ano. Em consequncia das vrias melhorias apontadas, a agricultura em todo o mundo gozou de uma prosperidade sem precedentes, que durou at a grande crise de 1873.

5. A SOCIEDADE NA ERA DA MQUINAEm captulos prximos teremos ocasio de observar alguns dos efeitos polticos da Revoluo Industrial. Por ora, hasta tomar conhecimento dos resultados sociais. No h dvida que a maior parte das mudanas sociais importantes do sculo XIX e do comeo do sculo XX se originaram das grandes transformaes econmicas desse perodo. Um dos mais palpveis e tambm um dos mais decisivos desses fatos foi, talvez, o enorme aumento da populao. Entre a Revoluo Francesa e a Primeira Guerra Mundial a populao de quase todos os pases civilizados cresceu numa proporo sem precedentes. J em 1800 notavam-se alguns indcios desse fenmeno, em especial na Inglaterra, onde o aumento, durante a segunda metade do sculo XVIII, foi de aproximadamente 50%. Mas o grosso desse crescimento espetacular veio mais tarde. Entre a batalha de Waterloo e a declarao da Primeira Guerra Mundial, quase quadruplicou a populao da Inglaterra e do Pas de Gales. A da Alemanha subiu de aproximadamente 25.000.000 em 1815 a quase 70.000.000 uma centena de anos depois. O nmero de habitantes da Frana quase duplicou entre a queda de Napoleo e a Guerra Franco-Prussiana, ao passo que o total da populao russa se elevou a mais do dobro nos cinquenta anos anteriores a 1914. A despeito de fatores adversos, como a fome na Irlanda e na Rssia, a emigrao para a Amrica e molstias resultantes do congestionamento das cidades, a populao global da Europa subiu de 190.000.000 em 1800 a 460.000.000 em 1914.Para descobrir as razes desse crescimento inaudito precisamos examinar diversos fatores. Em primeiro lugar, ele se deveu at certo ponto aos efeitos da Revoluo Comercial, que aumentou o vigor da raa proporcionando-lhe uma alimentao mais abundante e variada. Em segundo, foi uma consequncia da instalao de hospitais infantis e de maternidades, bem assim como do progresso da cincia mdica, que conseguiu praticamente eliminar, pelo menos na Europa Ocidental e dos Estados Unidos, a varola, o escorbuto e a clera. Uma terceira causa foi possivelmente a influncia do nacionalismo, do desenvolvimento do orgulho racial e da obsesso patritica. Povos dotados de uma slida convico da sua prpria superioridade e confiantes na vitria em lutas futuras costumam proliferar com grande rapidez. Tais eram as qualidades que caracterizavam a maioria das naes no sculo XIX. Como os antigos hebreus, desejavam uma descendncia numerosa a fim de sobrepujar as seus inimigos ou na esperana de difundir a sua cultura superior entre os povos atrasados da terra. Mas a mais importante de todas as causas, pelo menos na Europa, parece ter sido a influncia da Revoluo Industrial ao capacitar reas limitadas a sustentar um grande nmero de indivduos. Isto se tornou possvel no s por ter a mecanizao da agricultura aumentado a produtividade do solo, mas tambm porque o sistema fabril multiplicou as possibilidades de ganhar a vida por outros meios que no o cultivo da terra. Os pases ricos de recursos industriais puderam ento sustentar um nmero de indivduos muitas vezes maior do que teria sido possvel numa economia de base agrria. Depois da Primeira Guerra Mundial, essa concentrao de trabalhadores na indstria tem suscitado problemas embaraosos. Em resultado da estrangulao do comrcio internacional, muitos pases acharam quase impossvel manter em funcionamento os seus sistemas industriais, a no ser expandindo a produo de armamentos e adotando um extenso programa de construes pblicas.Antes que a segunda fase da Revoluo Industrial tivesse completado o seu curso, a curva de crescimento da populao comeou a mostrar uma tendncia para baixar. Essa tendncia foi notada primeiramente na Frana, onde o aumento do nmero de habitantes havia quase cessado j em 1870. Depois de 1918 um fenmeno semelhante se manifestou em outros pases. Em geral, calcula-se que a Inglaterra atingir um nvel estacionrio em 1960 e os Estados Unidos aproximadamente em 1990. Por trs dessa tendncia atuam duas causas principais: o cerceamento da imigrao e o decrscimo do ndice de natalidade. O primeiro tem impedido o preenchimento de reas pouco povoadas e o alvio ao congestionamento dos pases mais antigos. Houve tempo em que o excedente de habitantes dos pases superpovoados da Europa podia buscar uma nova ptria nos Estados Unidos ou nas repblicas da Amrica do Sul. A emigrao desses contingentes no s aumentava a populao dos pases em que se estabeleciam mas tambm, por diminuir a densidade de populao da sua terra natal, possibilitava tambm ali a expanso numrica. O resultado foi, em todo o decurso do sculo XIX, um considervel aumento da populao total do mundo ocidental. Mas a causa predominante da diminuio do ndice de crescimento foi o declnio do excesso de nascimentos sobre os bitos. Desde cerca de 1880 o ndice de natalidade, na Europa Ocidental, diminuiu em mdia da metade. Na Inglaterra, esse ndice caiu de 36.3 por mil em 1876 a 14,8 por mil em 1934. Durante aproximadamente o mesmo perodo, a queda na Alemanha foi de 40,9 para 17,5, menos do que o suficiente para manter um nvel estacionrio. As razes desse violento declnio no se encontram na pobreza ou nas agruras do trabalho, mas sim na ascenso do padro de vida, que faz dos filhos antes um inconveniente que uma vantagem. O sentimento de rebelio e de desiluso da mocidade, que veio na esteira da Primeira Guerra Mundial, foi uma causa cooperante. Durante a Segunda Guerra Mundial muitos pases acusaram um forte acrscimo do nmero de nascimentos, mas os socilogos consideram isso como um fenmeno secundrio que pouco influir na tendncia dominante.

Um efeito da Revoluo Industrial intimamente relacionado com o crescimento demogrfico foi a urbanizao crescente da sociedade ocidental. Pelas alturas de 1914 as condies artificiais da vida urbana tinham-se tornado uma norma aceita por imensa percentagem de habitantes das naes industrializadas. O ritmo da urbanizao foi particularmente impressionante em pases como a Alemanha e a Inglaterra. Na primeira, ainda em 1840, havia apenas duas cidades com 100.000 habitantes ou mais; em 1910, o nmero destas tinha-se elevado a quarenta e oito. Na Inglaterra, durante os ltimos trinta anos do sculo XIX, cerca de um tero da populao rural abandonou definitivamente a vida agrcola. O recenseamento ingls de 1901 revelou que o nmero de pessoas que trabalhavam na lavoura era apenas de cerca de 20% dos trabalhadores industriais. Nos Estados Unidos, a despeito da sua riqueza em recursos agrcolas, houve um movimento semelhante de fuga terra, ainda que em ritmo mais lento. Em 1915 a proporo de americanos que viviam em reas urbanas tinha-se elevado a cerca de 40%, e em 1920 a mais da metade. As causas desse afluxo para as cidades grandes e pequenas foram os crescentes atrativos da vida urbana e o constante declnio da procura de braos para a agricultura, em consequncia da mecanizao da lavoura. Isso teve tanto bons como maus efeitos. A fuga ao solo libertou grande nmero de homens e mulheres do isolamento da vida rural, da tirania do tempo atmosfrico, da idiotia dos costumes primitivos e de uma enfadonha existncia de trabalho solitrio em terras ingratas. Mas, ao mesmo tempo, transformou muitos deles em joguetes ou instrumentos dos seus empregadores capitalistas. Alguns se tornaram verdadeiros autmatos que executavam a sua tarefa maquinalmente, com pequeno senso de responsabilidade ou compreenso do seu lugar no quadro econmico e sem nada para lhes estimular os esforos a no ser a esperana de um salrio que lhes permitisse viver. Se isso os livrava dos azares das pragas e das secas, tambm os expunha aos novos perigos da perda de emprego resultante da superproduo e colocava-os merc de um sistema sobre o qual no tinham nenhum controle.Um terceiro grande resultado da Revoluo Industrial foi a criao de duas novas classes: a burguesia industrial e o proletariado. A primeira, composta dos proprietrios de fbricas, minas e estradas de ferro, arregimentou-se ao lado da antiga classe mdia de comerciantes, banqueiros e advogados. Com o seu nmero e a sua influncia assim fortalecidos, essa burguesia mista logo deixou de ser uma classe mdia e tornou-se, para todos os fins, o elemento dirigente da sociedade. Em alguns casos isso se conseguiu empurrando para o segundo plano a antiga aristocracia territorial, em outros pela fuso com ela. Mas nem bem os capitalistas e empresrios tinham conquistado a ascendncia, comearam a dividir-se. Os grandes banqueiros e magnatas da indstria e do comrcio passaram a constituir a alta burguesia, com ambies um tanto diferentes das da pequena burguesia, constituda pelos pequenos comerciantes, pelos pequenos industrialistas e pelos membros das profisses liberais. A tendncia da alta burguesia era absorver-se cada vez mais no capitalismo financeiro. Os seus componentes se dedicavam especulao com fundos pblicos, ao lanamento de novas empresas com vistas no lucro imediato, sem levar em considerao o que pudesse advir mais tarde, e reorganizao de negcios j existentes, que passavam a controlar para fins de monoplio ou especulao. Para os dirigentes dessa classe, qualquer forma de interveno do estado era execrvel; sustentavam que o livre empreendimento era essencial ao progresso econmico. A pequena burguesia, por outro lado, comeou a mostrar sinais de um interesse vital pela estabilidade e pela segurana. Em muitos pases, os membros desta classe puseram-se a propugnai- medidas para obstar especulao, assegurar a estabilidade dos preos e eliminar as cadeias de lojas e os monoplios, chegando at a preconizar a nacionalizao das utilidades pblicas. Foi, em parte, este grupo que prestou o mais forte apoio a Mussolini e Hitler nos primeiros tempos.A Revoluo Industrial tambm fz surgir um proletariado que se tornou suficientemente forte, com o tempo, para desafiar a supremacia burguesa. Em certo sentido, o proletariado existe desde a aurora da civilizao, uma vez que o termo inclui todos os indivduos que dependem de um salrio para ganhar a vida. Os trabalhadores livres da Grcia e da Roma antigas foram proletrios, e tambm o eram os jornaleiros, os seareiros e agregados da Idade Mdia. Mas antes da Revoluo Industrial os assalariados formavam unia pequena parte da classe trabalhadora, pois a maioria dos que trabalhavam para viver estavam presos agricultura, primeiramente como servos e mais tarde como rendeiros e meeiros. Alm disso, os poucos proletrios existentes tinham escassa conscincia de classe. A Revoluo Industrial, concentrando grande nmero de trabalhadores nas cidades e submetendo-os a abusos comuns, despertou neles um certo esprito de solidariedade e imbuiu-os de comuns aspiraes. No obstante, o seu poder como classe econmica foi limitado. durante muitos anos, por uma legislao severa. Nenhuma nao ocidental, por exemplo, concedeu o direito de greve seno depois de 1850. E somente nos fins do sculo XIX puderam os trabalhadores organizados exercer uma influncia pondervel na poltica dos seus governos.Nem mesmo o mais bilioso dos crticos poderia negar que a Revoluo Industrial trouxe grandes benefcios materiais aos habitantes das naes ocidentais. incontestvel que ela ofereceu ao homem contemporneo enormes quantidades de mercadorias e um nmero assombroso de petrechos para proporcionar-lhe facilidade e conforto. Mas tero as vrias classes da sociedade participado de tais benefcios numa proporo mais ou menos equitativa? Esta uma questo totalmente diversa. Parece no haver dvida quanto a terem os salrios reais, isto , os salrios em funo do poder aquisitivo, subido muito rapidamente no decurso do sculo XIX. Um ilustre economista, Sir Josiah Stamp, calculou que o ingls mdio, em 1913, era quatro vezes mais bem remunerado, sob o ponto de vista do que os seus rendimentos lhe permitiam adquirir, do que os seus tataravs em 1801. Entre 1880 e 1930 os salrios reais, na Inglaterra, aumentaram de 50% em mdia e os salrios dos operrios menos bem pagos tiveram um acrscimo ainda maior. Aumentos semelhantes verificaram-se na Alemanha e na Frana. Nos Estados Unidos, o salrio mdio semanal dos trabalhadores industriais subiu de 54% entre 1909 e 1940, se bem que a semana mdia de trabalho tivesse baixado de 51,7 para 38,3 horas. No so menos notveis os indcios de melhora dos padres de vida. Na Alemanha, o consumo mdio de carne por cabea aumentou de 17 quilos em 1818 para 52 quilos em 1912. As cifras relativas ao consumo do mesmo artigo nos Estados Unidos mostram um aumento de 53 quilos em 1935 para 63,5 quilos em 1951. Entre 1918 e 1951, o nmero de telefones nos Estados Unidos triplicou virtualmente, enquanto o nmero de automveis se tornava mais de seis vezes maior. Neste ltimo ano, o pas tinha um telefone para cada 3 1/2 pessoas e um automvel para cada 3 3/5. Seria difcil provar que os trabalhadores americanos, pelo menos, no participaram desse aumento da prosperidade geral. Por outro lado, inegvel que a distribuio da riqueza dos Estados Unidos estava longe de ser equitativa. Em 1943, aquela dcima parte das famlias americanas que tinham os rendimentos mais baixos recebiam apenas 1,5 percento da renda global do pas, enquanto a dcima parte mais favorecida recebia 34,2 percento desse total.

O ano de 1949 foi o ltimo antes que a Guerra da Coria comeasse a elevar apreciavelmente a renda nacional dos Estados Unidos. Durante esse ano, o rendimento bruto ajustado de todos os americanos que encaminharam suas declaraes s reparties do imposto sobre a renda montou a cerca de 161 bilhes de dlares. Esta cifra abrange salrios, ordenados, rendas propriamente ditas, juros e dividendos percebidos por indivduos ou por famlias. No inclui, porm, os lucros das entidades coletivas. Como se v, os rendimentos pessoais dos americanos estavam longe de achar-se equitativamente distribudos, embora a situao fosse bastante melhor do que quinze anos atrs. O grfico acima revela que 60% percebiam rendimentos anuais inferiores a 3.000 dlares e mais de um tero tinha de contentar-se com menos de 2.000 dlares. 51 milhes de pessoas auferiam rendimentos bastante elevados para incidir no imposto sobre a renda, mas isso representava apenas pouco mais de metade da populao maior de 21 anos. Se bem que muitos dos indivduos isentos do imposto fossem agricultores cujos rendimentos no podiam ser devidamente calculados em dinheiro, permanecia a evidncia de que muitos americanos que trabalhavam para viver no chegavam a perceber salrios vitais. (Diretoria da Renda Interna do Departamento do Tesouro dos E. Unidos, "Statistics of Income for 1949", p. 12.)Alm disso, pelo menos duvidoso que a mecanizao da indstria tenha contribudo tanto como comumente se supe para o bem-estar material das classes trabalhadoras. Escrevendo em 1848, John Stuart Mill punha em dvida que todas as invenes mecnicas at ento conhecidas houvessem aliviado a labuta cotidiana de um nico ser humano. Esse julgamento no seria talvez exagerado se fosse repetido mesmo em relao aos nossos dias. Em muitos casos, o trabalhador comum de hoje parece continuar sujeito s mesmas tarefas extenuantes de sempre. Os dispositivos economizadores de trabalho capacitam o operrio a produzir mais, mas duvidoso que realmente lhe poupem muito trabalho. Seja qual fr a situao atual, indubitvel que nos primrdios da Revoluo Industrial a introduo das mquinas no representou grande vantagem para o trabalhador. Fizeram elas, muitas vezes, com que homens robustos e capazes fossem alijados dos seus empregos pelo trabalho mais barato de mulheres e de crianas. Alm disso, muitas fbricas, particularmente as de tecidos, eram piores do que prises. Tinham janelas pequenas que em geral se conservavam fechadas a fim de manter a umidade necessria manufatura do algodo. A atmosfera viciada, o calor sufocante, a falta de higiene, a par de horrios intolerveis, reduziam inmeros operrios a pobres criaturas macilentas e minadas pela tsica, arrastando bom nmero deles ao alcoolismo e ao crime. Acresce que as novas cidades industriais se desenvolveram to rapidamente e de maneira to desordenada que, durante certo tempo, as condies de habitao dos pobres foram abominveis. Ainda em 1840, em Manchester, um oitavo das famlias da classe operria vivia em pores. Outras amontoavam-se em miserveis habitaes coletivas, com at doze pessoas a morar num s quarto. Eram to pavorosas essas condies que os empregados das fbricas inglesas tinham, no comeo do sculo XIX, um nvel de vida talvez inferior ao dos escravos nas plantaes americanas. Ao lado desses males, porm, preciso levar em conta que a Revoluo Industrial facilitou a organizao dos operrios, capacitando-os a usar o poder da ao coletiva para obter salrios mais altos e, por fim, a melhoria das condies de trabalho. Alm disso, incontestvel que as classes inferiores foram beneficiadas pela baixa de preos decorrente da produo em massa.6. As NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS E ECONMICASA Revoluo Industrial produziu uma messe completa de teorias econmicas parte delas para justificar a nova ordem, parte para submet-la anlise crtica e o restante como evangelho de reforma social. Assim que o sistema fabril se consolidou e os lucros comearam a encher os cofres dos novos senhores do mundo, alguns dos mais francos e combativos dentre eles levantaram-se em defesa dos seus privilgios. Ao faz-lo, demonstravam amide uma fria indiferena para com a situao das massas e uma impudente confiana no seu prprio direito ao domnio do planeta, confiana que teria causado inveja aos nobres do antigo regime. Alguns apologistas do novo sistema evoluram mesmo para um tipo de Bourbons econmicos, desconhecendo todo o passado e fechando os olhos aos perigos do futuro. Essa atitude era expressa por doutrinas segundo as quais a propriedade privada era inviolvel, cada qual tinha o direito de fazer o que quisesse com o que era seu e a pobreza era sempre o resultado da preguia e da incompetncia. Alguns corifeus do novo capitalismo chegaram a afirmar que a pobreza um bem para as massas, uma vez que as ensina a respeitar os seus superiores e a ser agradecidas Providncia pelos escassos benefcios que recebem. Um clrigo ingls, escrevendo por volta de 1830, exps o ponto de vista de que era uma lei da natureza o serem alguns pobres, a fim de que os misteres srdidos e ignbeis da comunidade pudessem ser desempenhados. Opinava que desse modo era muito aumentado o cabedal de felicidade humana, pois "os mais delicados no somente ficam aliviados de trabalhos penosos e ingratos e daquelas ocupaes ocasionais que os tornariam infelizes, mas tambm podem... seguir as profisses que mais se ajustem aos seus diversos temperamentos e que mais teis sejam ao estado".Mas algumas dessas teorias econmicas, mesmo defendendo o ideal capitalista, eram mais desinteressadas. Isto se aplica, pelo menos em certa medida, aos ensinamentos dos economistas clssicos ou economistas liberais, como s vezes sao chamados. O fundador da economia clssica foi Adam Smith, cuja obra discutimos no Captulo 21. Embora Smith houvesse escrito antes de o capitalismo industrial ter alcanado o seu completo desenvolvimento e alguns dos seus ensinamentos no se harmonizassem de todo com a interpretao estrita do laissez-faire, havia, nas inferncias gerais da sua teoria, justificativa suficiente para aclam-lo como o profeta dos ideais capitalistas. As doutrinas especficas dos economistas clssicos foram, no entanto, em grande parte obra dos discpulos de Smith, inclusive escritores eminentes como Thomas R. Malthus, David Ricardo, James Mill e Nassau Senior. Os elementos principais da teoria, subscritos pela maioria desses homens, podem ser sumariados assim:1) Individualismo econmico. Cada indivduo tem o direito de usar para seu melhor proveito a propriedade que herdou ou adquiriu por qualquer meio lcito. Deve ser permitido a cada pessoa fazer o que quiser com o que seu, enquanto no transgredir idntico direito dos demais. Como cada um quem melhor sabe o que pode torn-lo feliz, a sociedade tirar o mximo proveito quando permitir que cada um de seus membros siga as suas prprias inclinaes.2)Laisses-faire. As funes do estado deveriam ser reduzidas ao mnimo compatvel com a segurana pblica. Compete ao governo limitar-se ao papel de modesto policial, mantendo a ordem e protegendo a propriedade, mas jamais intervindo por qualquer forma no desenrolar dos processos econmicos.1. Obedincia lei natural. Existem leis imutveis a operarno setor econmico como em todas as esferas do universo. Exemplos disso so a lei da oferta e da procura, a lei dos lucros decrescentes, a lei da renda etc. Tais leis devem ser reconhecidas e respeitadas; deixar de faz-lo desastroso.1. Liberdade de contrato. Cada indivduo deve ter a faculdadede negociar o contrato mais favorvel que possa obter de qualquer outro indivduo. Em especial, a liberdade dos trabalhadores e empregadores para combinar entre si a questo do salrio e das horas de trabalho no deve ser embaraada por leis ou pelo poder coletivo dos sindicatos de trabalhadores.1. Livre concorrncia e livre-cmbio. A concorrncia serve paramanter os preos baixos, para eliminar os produtores ineptos e assegurar a mxima produo compatvel com as necessidades pblicas. Conseqentemente, no se devem tolerar monoplios ou quaisquer leis que fixem os preos em benefcio de empreendedores incompetentes. Cumpre, alm disso, abolir todas as tarifas protetoras a fim de forar cada pas a se empenhar na produo daquelas mercadorias que est mais capacitado a produzir. Isso tambm ter o efeito de manter os preos baixos.Vrios discpulos de Adam Smith contriburam com teorias prprias. Thomas R. Malthus (1766-1834) introduziu, por exemplo, o elemento de pessimismo que fz com que a nova economia fosse estigmatizada como a cincia melanclica". Malthus, um clrigo da igreja anglicana e reitor de uma paroquiazinha do Surrey, deu luz em 1798 o seu memorvel Ensaio sobre a populao. Publicado originalmente sob a forma de um opsculo, o Ensaio foi o fruto de algumas discusses que o autor manteve com seu pai sobre a perfectibilidade do homem. O velho Malthus era um adepto de Rousseau, mas impressionou-se tanto com os argumentos do filho contra o otimismo superficial daquele filsofo que insistiu com ele para que os escrevesse. A obrinha provocou sensao imediata e foi, durante muitos anos, tema de discusses. Em 1803 foi ampliada em livro, com base em pesquisas mais extensas que o autor levara a efeito para refutar os seus crticos. A essncia da teoria malthusiana a afirmao de que a natureza prescreveu limites inflexveis ao progresso humano no que toca felicidade e riqueza. Devido voracidade do apetite sexual, a populao tem uma tendncia natural para aumentar mais depressa do que os meios de subsistncia. Existem, verdade, alguns freios poderosos como a guerra, a fome, a doena e o vcio; mas estes, quando agem de maneira eficiente, aumentam ainda mais o peso dos padecimentos humanos. Segue-se que a pobreza e a dor so inevitveis. Mesmo que se promulgassem leis distribuindo equitativamente a riqueza, a condio dos pobres s por algum tempo melhoraria; dentro em breve comeariam a gerar famlias numerosas, resultando da que a situao final da sua classe seria to m quanto a inicial. Na segunda edio de sua obra Malthus advogava o retardamento do matrimnio como um meio de aliviar a situao, mas continuava a acentuar o perigo de que a populao viesse a sobrepujar qualquer possvel aumento dos meios de subsistncia.Os principais ensinamentos de Malthus foram adotados e desenvolvidos por David Ricardo (1772-1823), uma das mais penetrantes se no uma das mais vastas inteligncias do sculo XIX. Era Ricardo um judeu ingls que abraou o cristianismo aos vinte e um anos de idade e casou com uma quacre. Aos vinte e cinco havia feito fortuna na Bolsa e logo se tornou um dos homens mais ricos da Europa. Como economista, Ricardo famoso em primeiro lugar pela sua teoria do salrio de subsistncia. De acordo com essa teoria, os salrios tendem para um nvel apenas suficiente para capacitar os trabalhadores "a subsistir e perpetuar a sua raa, sem aumento nem diminuio". Para Ricardo, esta era uma lei frrea a que no havia escapar. Se temporariamente os salrios subissem acima do padro de subsistncia, a populao aumentaria e a consequente competio pelos empregos foraria rapidamente aqueles a voltar ao seu antigo nvel. Como a lei de Malthus, na qual se baseia, esta teoria esquecia o fato de que as famlias com um padro crescente de vida tendem a limitar a sua prole. Ricardo conhecido, em segundo lugar, pelos seus ensinamentos relativos renda. Sustentava que esta determinada pelo custo da produo nas terras mais pobres que devem ser cultivadas e, por conseguinte, medida que um pas se enche de gente uma poro cada vez maior da renda social retida pelos proprietrios rurais. Embora fosse le prprio um grande proprietrio, acusou os que viviam das rendas de suas terras como os maiores inimigos tanto dos capitalistas como dos trabalhadores. Por fim, Ricardo importante pela sua teoria do trabalho como fundamento do valor, teoria que influenciou uma das principais doutrinas do socialismo marxista. Dava, no entanto, certo significado tambm ao papel do capital na determinao do valor uma idia que Marx abominava.Em seus ltimos anos Ricardo teve amiudados contatos com um interessante grupo de reformadores ingleses, conhecidos como os "radicais filosficos". Entre os seus lderes havia figuras proeminentes como Jeremy Bentham, James Mill, o historiador George Grote e o cientista poltico John Austin. O mais notvel economista entre eles foi James Mill (1773-1836), que j mencionamos pela reputao de que goza como filsofo utilitrio. Conquanto hoje seja difcil considerar os ensinamentos de James Mill como radicais, tiveram eles um carter bastante liberal para mostrar que a economia clssica nem sempre era obscurantista e reacionria. As doutrinas expostas em seus Elementos de Economia Poltica incluem princpios como os seguintes: 1) o principal objetivo dos reformadores prticos deveria ser o de evitar que a populao cresa com demasiada rapidez, pois que a riqueza utilizvel para fins de produo no aumenta na mesma proporo que o nmero de habitantes ; 2) o valor dos artigos comerciais depende inteiramente do montante de trabalho necessrio para produzi-los; e 3) a valorizao da terra que no provm do trabalho, mas resulta exclusivamente de causas sociais, como por exemplo a construo de uma nova fbrica nas vizinhanas, deveria ser fortemente tributada pelo estado. Esta ltima doutrina, baseada na teoria da renda de Ricardo, estava destinada a gozar de ampla aceitao na Inglaterra. Sob uma forma modificada, foi incorporada ao evangelho do Partido Liberal nos primeiros anos do sculo XX e inspirou o clebre oramento de Lloyd George para 1909.O mais capaz dos economistas clssicos que apareceram depois de Ricardo foi, talvez, Nassau William Senior (1790-1864). Foi o primeiro professor de economia poltica em Oxford e tambm ilustre advogado, tendo desempenhado vrios encargos reais. Como a maioria dos seus predecessores, Nassau considerava a economia como uma cincia dedutiva. Afirmava que todas as suas verdades podiam ser derivadas de um nmero limitado de grandes princpios abstratos. Felizmente, ele prprio nem sempre se atinha a esse mtodo, em particular ao tratar de questes de carter s parcialmente econmico. Destarte, ao mesmo tempo que defendia o princpio do laissez-faire batia-se por uma interferncia governamental crescente em assuntos como a sade, a habitao e a educao. Sua principal contribuio foi a teoria de que a abstinncia cria um direito riqueza. Admitia que o trabalho e os recursos naturais so os instrumentos primrios do valor, mas sustentava que a abstinncia era um instrumento secundrio. Argumentava, a partir da, que o capitalista que se priva de gozar toda a sua riqueza a fim de acumular um excedente para empreg-lo em novos negcios tem direito aos lucros da produo. A sua abstinncia implica em sacrifcio e dor, no menos que o trabalho do operrio. Conseqentemente, injusto dar toda a recompensa a este ltimo. A m reputao de Snior provm sobretudo de le ter condenado as exigncias de uma reduo da jornada de trabalho, formuladas pelas unies trabalhistas. Tinha a convico sincera, mas errada, de que todo o lucro lquido de uma empresa industrial resulta da ltima hora de trabalho. Portanto, diminuir o dia de trabalho importaria em eliminar os lucros, donde adviria o fechamento das fbricas. Por causa desta doutrina foi le alcunhado pelos seus crticos "Senior da ltima Hora".A maioria dos economistas clssicos ou liberais foram cidados britnicos, em parte porque o liberalismo econmico se harmonizava melhor com o liberalismo poltico, que era mais forte na Inglaterra do que em qualquer outro pas europeu, e em parte porque os industriais ingleses comeavam a perceber importantes vantagens numa poltica de livre-cmbio com o resto do mundo. No Continente europeu, entretanto, as condies eram inteiramente diversas. Ali ainda persistiam as antigas tradies de governo forte. Alm disso, os manufatores continentais estavam tentando construir organizaes industriais capazes de competir com as inglesas. Para consegui-lo era necessrio dispor do patrocnio e da proteo do estado. No de surpreender, portanto, que a maioria dos adversrios do liberalismo econmico pertencesse aos pases continentais. No obstante, pelo menos um dos crticos mais capazes dessa escola foi um ingls: o brilhante filsofo utilitrio John Stuart Mill (1806-73). Embora Mill, como economista, seja frequentemente colocado entre os liberais, a verdade que ele repudiou algumas das mais sagradas premissas destes. Em primeiro lugar, rejeitava a universalidade da lei natural. Admitia existirem leis imutveis que governam a produo, mas afirmava que a distribuio da riqueza pode ser regulada pela sociedade em proveito da maioria dos seus membros. Em segundo lugar, advogava certas medidas que divergiam mais radicalmente da doutrina do laissez-faire do que as recomendadas por qualquer dos seus precursores. No se opunha legislao para abreviar em certas condies a jornada de trabalho e acreditava que o estado pode muito bem tomar certas providncias preliminares no sentido de redistribuir a riqueza, mediante a tributao das heranas e a apropriao do produto da valorizao indbita da terra. No quarto livro dos seus Princpios de Economia Poltica insiste na abolio do sistema de salrios e almeja uma sociedade composta de cooperativas de produtores, em que os trabalhadores seriam donos das fbricas e elegeriam os dirigentes. Por outro lado, no se deve esquecer que Stuart Mill era demasiado individualista para ir muito longe no sentido do socialismo. Desconfiava do estado e a verdadeira razo pela qual defendia as sociedades cooperativas no era exaltar o poder do proletariado mas dar a cada trabalhador os frutos do seu trabalho.O mais conhecido dos economistas alemes que pregaram teorias opostas s da escola clssica foi Friedrich List (1789-1846), o qual deveu a inspirao de algumas de suas idias a uma estada de sete anos na Amrica. List condena as doutrinas do laissez-faire e da liberdade do comrcio internacional. Sustentando que a riqueza de uma nao determinada menos pelos recursos naturais do que pela fora produtiva dos seus cidados, declarava que dever dos governos promover as artes e as cincias e fazer com que cada indivduo empregue o mximo de sua capacidade na cooperao em prol do bem comum. Exaltava o desenvolvimento integral da nao como fato de suma importncia, sem levar em conta os efeitos sobre as fortunas imediatas dos cidados particulares. Opinando que as manufaturas so essenciais a tal desenvolvimento, pedia a imposio de tarifas protetoras at que as novas indstrias fossem capazes de competir com as de qualquer outro pas. List o precursor de uma grande linhagem de economistas alemes que se propuseram fazer do estado o guardio da produo e da distribuio da riqueza. O objetivo desses homens era menos o de garantir a justia para o indivduo do que a ideia de consolidar a unidade e aumentar o poder da nao. Acreditavam que o governo no s devia impor tarifas protetoras mas tambm regular e planejar o desenvolvimento da indstria, de modo a estabelecer o equilbrio entre a produo e o consumo. Em geral, suas ideias representam uma mistura de nacionalismo econmico e de coletivismo, fornecendo assim a base de algumas teorias alems mais recentes.Encontramos em seguida um grupo de tericos que se interessam mais pela justia social do que em descobrir leis econmicas ou em lanar as bases da prosperidade nacional. Os primeiros representantes dessa atitude mais radical so os socialistas utpicos, assim chamados por terem apresentado programas idealistas de sociedades cooperativistas em que todos trabalhariam em tarefas apropriadas e compartilhariam os resultados dos seus esforos comuns. Os socialistas utpicos eram, em grande parte, herdeiros do Iluminismo. Como os filsofos desse movimento, acreditavam que todo crime e toda cobia so frutos de um mau ambiente. Se os homens pudessem libertar-se de hbitos viciosos e de uma estrutura social que facilita a escravizao do fraco pelo forte, todos viveriam juntos em paz e harmonia. Conseqentemente, os socialistas utpicos recomendavam a fundao de comunidades-modelo, capazes, tanto quanto possvel, de se bastarem a si mesmas, em que a maior parte dos instrumentos de produo fossem de propriedade coletiva e cujo governo fosse organizado principalmente sobre uma base voluntria. Entre os primeiros propagadores de tais planos est o francs Charles Marie Fourier (1772-1837), mas o mais sensato e realista de todos Robert Owen (1771-1858). Natural do Pas de Gales, Owen passou de artfice-aprendiz a co-proprietrio e gerente de um grande cotoni-fcio em New Lanark, na Esccia. Construiu ali novas casas para os seus operrios, reduziu-lhes a jornada de trabalho de 14 para 10 horas e instalou escolas gratuitas para os filhos dos trabalhadores. A forte depresso resultante das guerras napolenicas convenceu-o de que a ordem econmica precisava urgentemente de uma reforma. Como muitos tm feito desde ento, concluiu que o sistema de lucro era a causa de todas as perturbaes. o lucro, afirmava ele, que coloca o operrio na impossibilidade de comprar as coisas que produz. Da resultam a superproduo, as crises peridicas e o desemprego. Como soluo, Owen propunha a organizao da sociedade em comunidades cooperativas em que a nica recompensa de cada um fosse uma remunerao proporcional s horas reais de trabalho. Algumas comunidades desse tipo foram de fato instaladas, sendo as mais famosas as de Orbiston, na Esccia, e a de New Harmony, no estado norte-americano da Indiana. Por vrias razes, todas elas fracassaram dentro de curtssimo espao de tempo.Uma forma de socialismo mais influente foi o chamado "socialismo cientfico" de Karl Marx (1818-83). Filho de um advogado judeu que se convertera ao cristianismo por motivos de interesse profissional, Marx nasceu em Treves, perto de Coblena, na Rennia. O pai planejou para ele uma carreira de advogado burgus e, com esse fim em vista, matriculou-o na Universidade de Bonn. O jovem Marx, no entanto, logo se desgostou do direito e abandonou os estudos jurdicos para se atirar filosofia e histria. Depois de passar um ano em Bonn transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde caiu sob a influncia de um grupo de discpulos de Hegel que desviavam os ensinamentos do mestre num sentido levemente radical. Embora Marx se tivesse doutorado em filosofia pela Universidade de Iena, em 1841, seus pontos de vista crticos impediram-no de realizar a sua ambio, que era tornar-se professor universitrio. Voltou-se ento para o jornalismo, dirigindo vrios peridicos radicais e colaborando em outros. Em 1848 foi preso sob a acusao de alta traio, por ter participado do movimento revolucionrio da Prssia. Apesar de absolvido por um jri pequeno-burgus, foi em seguida expulso do pas. Entrementes fizera-se amigo ntimo de Friedrich Engels (1820-95), que foi por todo o resto da vida seu discpulo e alter ego. Em 1848, ambos publicaram o Manifesto Comunista, o "primeiro grito do socialismo moderno que nascia". Desde essa data at a sua morte em 1883, Marx viveu quase exclusivamente em Londres, lutando com a pobreza, escrevendo de quando em quando artigos para a imprensa (alguns dos quais vendeu New York Tribune, a cinco dlares cada um), mas passando em geral o tempo a compulsar, da manh noite, empoeirados manuscritos da Biblioteca do Museu Britnico a fim de colher material para uma grande obra da economia poltica. Em 1867 publicou o primeiro volume dessa obra. que recebeu o ttulo de O Capital. Depois de sua morte foram dados luz outros dois volumes, com base nos seus manuscritos revistos e editados por Engels.Nem todos os ensinamentos de Karl Marx eram completamente originais. Devia algumas de suas idias a Hegel, outras a Louis Blanc e provavelmente outras ainda a Ricardo. No obstante, Marx foi o primeiro a combinar essas idias num vasto sistema e a dar-lhes o seu pleno significado como explicao dos fatos econmicos. Como a teoria marxista se tornou uma das filosofias mais influentes dos tempos modernos, necessrio compreender-lhe as premissas fundamentais. As mais importantes dentre elas so as seguintes:1. A interpretao econmica da histria. Todos os grandes movimentos polticos, sociais e intelectuais da histria tm sido determinados pelo ambiente econmico em que surgiram. Marx no pretendia que o motivo econmico fosse a nica explicao do comportamento humano, mas afirmava que toda transformao histrica fundamental, sejam quais forem os seus caractersticos superficiais,tem resultado de alteraes nos mtodos de produo e de troca. Assim, a Revoluo Protestante foi, na essncia, um movimento econmico; as discordncias quanto a credos religiosos no passavam de "vus ideolgicos" a ocultar as causas reais.1. O materialismo dialtico. Cada sistema econmico particular, baseado em padres definidos de produo e de troca, cresce at alcanar um ponto de mxima eficincia, aps o que comeam a desenvolver-se contradies e fraquezas internas que trazem consigo a sua rpida decadncia. Enquanto isso, vo-se estabelecendo pouco a pouco os fundamentos de um sistema oposto, o qual acaba por substituir o antigo ao mesmo tempo que lhe absorve os elementos mais valiosos. Esse processo dinmico de evoluo histrica prosseguir por meio de uma srie de vitrias da nova ordem sobre a antiga, at que seja atingida a meta perfeita do comunismo. Depois disso, sem dvida haver ainda mudanas, mas sero mudanas dentro dos limites do prprio comunismo.1. A luta de classes. Toda a histria feita de lutas entre asclasses. Na antiguidade, tratava-se de uma luta entre amos e escravos, entre patrcios e plebeus; na Idade Mdia, de um conflito entre os mestres das corporaes e os jornaleiros; nos nossos tempos, o choque ocorre entre a classe capitalista e o proletariado. A primeira compreende aqueles cuja renda principal resulta da posse dos meios de produo e da explorao do trabalho alheio. O proletariado inclui aqueles cuja subsistncia depende principalmente de um salrio, os que precisam vender a fora do seu brao para viver.1. A doutrina da mais-valia. Toda riqueza criada pelo trabalhador. O capital nada cria, mas le prprio criado pelo trabalho. O valor de todas as utilidades determinado pela quantidade de trabalho necessria para produzi-las. O trabalhador, porm, no recebe o valor total do que o seu trabalho cria; ao invs disso, recebe um salrio que, por via de regra, suficiente apenas para capacit-lo a subsistir e a reproduzir a sua raa. A diferena entre o valor que o trabalhador produz e o que ele recebe a mais-valia, que vai para as mos do capitalista. Em geral, ela consiste em trs elementos diversos : juros, renda e lucros. Como o capitalista no cria qualquer destas coisas, segue-se que le um ladro que se apropria dos frutos da fadiga do trabalhador.1. A teoria da evoluo socialista. Quando o capitalismo tiverrecebido o golpe de morte s mos dos operrios, seguir-se- uma fas, e de socialismo que ter trs caractersticos: a ditadura do proletariado; a remunerao de acordo com o trabalho realizado; a posse e a administrao, pelo estado, de todos os meios de produo, distribuio e troca. O socialismo, porm, destina-se a ser mera transio paraalgo superior. Em tempo oportuno seguir-se- o comunismo, meta final da evoluo histrica. O comunismo .significar, antes de mais nada, uma sociedade sem classes. Ningum viver da propriedade, mas todos vivero unicamente do trabalho. O estado desaparecer ento e ser relegado ao museu de antiguidades, "juntamente com o machado de bronze e a roda de fiar". Nada o substituir, exceto associaes voluntrias para controlar os meios de produo e suprir as necessidades sociais. Mas a essncia do comunismo o pagamento segundo as necessidades. O sistema de salrios ser completamente abolido. Cada cidado dever trabalhar de acordo com as suas capacidades e ter direito a receber do monte total das riquezas produzidas uma quantia proporcional s suas necessidades. Esse , de acordo com a concepo marxista, o apogeu da justia.A influncia de Karl Marx nos sculos XIX e XX s pode ser comparada influncia de Voltaire e Rousseau no sculo XVIII. Sua doutrina da interpretao econmica da histria admitida at por historiadores que no so seus adeptos. Possui discpulos em todas as naes civilizadas do planeta, e tambm em muitos pases atrasados. Na Rssia quase um deus, sendo o seu dogma do materialismo dialtico adotado ali no s como fundamento da economia mas como norma a que se devem conformar tambm a cincia, a filosofia, a arte e a literatura. Em todas as naes industrializadas, antes da Primeira Guerra Mundial, havia um partido socialista de considervel importncia, sendo o da Alemanha o que teve mais forte representao no Reichstag depois de 1912. Em quase toda parte o desenvolvimento do socialismo tem exercido uma influncia vital na promulgao de leis de seguro social e de salrio mnimo, bem como na tributao da renda e das heranas com a mira numa redistribuio da riqueza. Marx, est claro, no se interessava por essas coisas como fins em si mesmas, mas as classes governantes acabaram convencendo-se da necessidade de adot-las como uma posta de carne a ser jogada fera socialista. Os socialistas em geral tambm deram o seu apoio ao movimento cooperativista, encampao das estradas de ferro e dos servios de utilidade pblica, bem assim como a inmeros planos para proteger os trabalhadores e os consumidores contra o poder do capitalismo monopolizador.Pelos fins do sculo XIX os adeptos de Marx dividiram-se emduas faces. A maioria, em quase todos os pases, aderiu s doutrinas de uma seita conhecida como os revisionistas, os quais como o nome indica, acreditam que as teorias de Marx devem ser revistas para se porem de acordo com as condies mutveis. A outra faco era formada pelos marxistas ortodoxos, que sustentavam no dever ser modificada uma s linha dos ensinamentos do mestre. Alm dessa divergncia de atitude geral, havia tambm diferenas especficas. Enquanto os revisionistas advogavam a marcha para o socialismo por meios pacficos e graduais, os marxistas ortodoxos eram revolucionrios. Aqueles concentravam a sua ateno nas reformas imediatas, de acordo com o lema: "Menos por um futuro melhor, mais por um presente melhor"; estes exigiam a ditadura do proletariado, ou nada. Os lderes da faco majoritria inclinavam-se a reconhecer os interesses particulares das naes, eram propensos a aludir ao dever para com a ptria e frequentemente apoiavam os pedidos dos seus governos para que se aumentasse es armamentos e se prolongasse a durao do servio militar. Os marxistas ortodoxos, por outro lado, eram internacionalistas intransigentes ; apegavam-se sentena de Marx, segundo a qual o proletariado mundial uma grande irmandade, e eram hostis ao ptriotismo e o nacionalismo, como estratagemas capitalistas para lanar poeira nos olhos dos operrios. De modo geral, foram os revisionistas que ganharam o controle dos partidos socialistas na maioria das naes ocidentais. Tanto o Partido Social-Democrtico da Alemanha como o Partido Socialista Unificado da Frana e o Partido Socialista dos Estados Unidos eram largamente dominados pela faco moderada. Na Inglaterra, a direo do Partido Trabalhista foi ocupada em vrias ocasies pelos socialistas "fabianos", assim chamados por causa da sua poltica de contemporizao que imitava a ttica de Fbio, general romano das guerras contra Cartago. Aproximadamente em 1918 a maioria dos marxistas ortodoxos desligaram-se definitivamente dos partidos socialistas, e desde ento so conhecidos como comunistas. Entretanto, o marxismo ortodoxo na sua forma comunista tem revelado, nos ltimos anos, a tendncia de modificar o internacionalismo de Marx e exaltar o patriotismo e a defesa do pas natal. Isso foi observado em particular na Rssia e em alguns dos seus satlites durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos subsequentes.Muitos idealistas sociais do sculo XIX e do comeo do sculo XX eram socilitados pelos desejos contraditrios de melhorar o bem-estar da sociedade por meios coletivistas e de conquistar um mximo de liberdade para o indivduo. J vimos que os prprios marxistas visavam a abolio final do estado. Mas o dilema coletivismo-individualismo recebeu muito mais ateno da parte dos anarquistas. Numa definio estrita, o anarquismo significa oposio a todo governo baseado na fora. Os adeptos desta filosofia tm admitido, em geral, a necessidade de uma certa forma de organizao social, mas condenam o estado coercitivo como absolutamente incompatvel com a liberdade humana. Quanto questo do que deveria ser feito com o sistema econmico, os anarquistas discordavam profundamente entre si. Alguns eram puros individualistas, afirmando que os direitos do homem a possuir e usar a propriedade s devem estar submetidos s "leis da natureza. O pai do anarquismo, William Goldwin (1756-1836), acreditava que se a terra fosse to gratuita como o ar no seria necessria qualquer outra mudana na estrutura econmica. Na opinio do anarquista francs Pierre Proudhon (1809-65), seria suficiente que a sociedade desse crdito gratuito e ilimitado a cada um para assegurar a justia econmica. Tal plano, segundo le, impediria que qualquer indivduo monopolizasse os recursos da terra e garantiria a todos os cidados econmicos e industriosos a plena recompensa dos seus trabalhos.Mas os primeiros anarquistas que exerceram verdadeira influncia foram os que combinaram o dio ao estado com uma filosofia coletivista definida. Em primeiro plano entre eles, encontramos os trs grandes aristocratas russos Mikhail Bakunin (1814-76), Piotr Kropotkin (1842-1921) e Leon Tolstoi (1828-1910). Embora seja muitas vezes classificado como anarquista-comunista, Bukunin achava-se, na realidade, muito mais prximo do socialismo. Esteve mesmo, durante algum tempo, ligado aos adeptos de Marx na Associao Internacional de Trabalhadores, fundada emLondres no ano de 1864. O seu programa de uma nova sociedade inclua a propriedade coletiva dos meios de produo, a abolio da mais-valia e o pagamento de acordo com o trabalho realizado. Em outras palavras, assemelhava-se muito ao programa do marxismo na sua fase socialista, com a diferena, naturalmente, de no admitir a conservao do estado. Bakunin tambm famoso como o pai doanarquismo terrorista. Advogando a subverso do estado e do capitalismo pela violncia, inspirou o que mais tarde veio a ser chamado "propaganda pela ao" e que consistia em atrair a ateno para a causa anarquista assassinando alguns estadistas proeminentes ou exploradores detestados. aos adeptos de Bakunin que se atribuem os assassinatos do presidente McKinley dos Estados Unidos, do presidente Carnot da Frana e do rei Humberto I da Itlia. Mas os anarquistas mais inteligentes da escola coletivista condenavam essas tticas. O prncipe Kropotkin, por exemplo, condenava o emprego da violncia individual em quaisquer condies. Acreditava que um esforo revolucionrio final seria necessrio, mas preferia que o estado fosse enfraquecido por mtodos pacficos, convencendo-se gradualmente o povo de ser ele um mal desnecessrio, uma instituio que alimenta a guerra e existe sobretudo para capacitar alguns homens a explorar os outros. Do ponto de vista da reforma econmica, Kropotkin era comunista. Sustentava que toda propriedade, exceto os objetos de uso pessoal, deve ser possuda socialmente e que o pagamento se deve fazer na base das necessidades de cada um.O mais famoso dos anarquistas coletivistas e uma das figurasmais interessantes dos tempos modernos o conde Leon Tolstoi. Embora mais conhecido pelos seus romances, que sero comentados num captulo ulterior, Tolstoi foi tambm um dos maiores filsofos russos. Suas idias nasceram de um violento conflito emocional e da procura quase desesperada de uma maneira de viver que pudesse satisfazer-lhe a inteligncia irrequieta. Abandonou-se durante algum tempo a uma dissipao elegante, tentou desafogar o seu esprito perturbado por meio de obras filantrpicas e acabou abandonando tudo isso para viver como um simples campons. Chegou concluso de que no se podia fazer nenhum progresso no sentido de remediar os males da sociedade enquanto as classes superiores no renunciassem aos seus privilgios, adotando a existncia humilde daqueles que labutam pelo seu po. Isso, porm, seria apenas o comeo. Todo individualismo egosta devia igualmente desaparecer, toda riqueza devia ser depositada num fundo comum e abolidos todos os instrumentos de coero. Tolstoi baseava grande parte da sua filosofia no Novo Testamento, em especial no Sermo da Montanha. Encontrava nos ensinamentos de Jesus a mansido, a humildade a no-resistncia os princpios essenciais de uma sociedade justa. Acima de tudo condenava a violncia, para qualquer fim que fosse empregada. A violncia brutaliza o homem; coloca quem a pratica merc dos seus inimigos; e enquanto a fora puder ser utilizada como arma, ser quase impossvel confiar nos mtodos civilizados. Merecem ser citadas algumas palavras de Tolstoi sobre este assunto:Quando um governo derrubado pela violncia e a autoridade passa para outras mos, essa nova autoridade no ser de modo algum menos opressiva do que a anterior. Pelo contrrio, obrigada a se defender de seus inimigos exasperados pela derrota, ser ainda mais cruel e desptica do que a sua predecessora, como sempre tem acontecido em perodos de revoluo... Seja qual for o partido que ganhe a ascendncia, ser forado, para introduzir e manter o seu prprio sistema, no somente a se servir de todos os mtodos anteriores de violncia, mas tambm a inventar outros novos.A terceira das grandes filosofias radicais engendradas pela Revoluo Industrial foi o sindicalismo, cujo maior expoente Georges Sorel (1847-1922). O sindicalismo exige a abolio tanto do capitalismo como do estado e a reorganizao da sociedade em associaes de produtores. Assemelha-se ao anarquismo na oposio ao estado; mas, ao passo que os anarquistas pedem a abolio da fora, os sindicalistas desejam mant-la, mesmo depois de destrudo o estado. O sindicalismo tambm tem pontos de contato com o socialismo, por agasalharem ambos a ideia da propriedade coletiva dos meios de produo; mas, em lugar de fazer do estado o proprietrio e administrador dos meios de produo, os sindicalistas pretendem delegar essas funes aos sindicatos de produtores. Destarte, todas as usinas siderrgicas seriam possudas e dirigidas pelos trabalhadores da indstria de ao, as minas de carvo pelos mineiros, e assim por diante. Alm disso, os sindicatos tomariam o lugar do estado, cada um governando os seus membros em todas as atividades destes como produtores. Nos demais assuntos, os trabalhadores ficariam livres de qualquer interferncia. No existiriam, claro, leis regulamentadoras da moral ou da religio, pois o sindicalismo uma filosofia inteiramente materialista. Por outro lado, os seus fundadores no alimentavam qualquer iluso quanto capacidade das massas para o autogoverno. Sorel considerava o homem mdio como uma espcie de carneiro, capaz nicamente de seguir o guia do rebanho. Opinava, portanto, que a autoridade dirigente dos sindicatos deveria ser francamente exercida pelos poucos inteligentes. Outro elemento de suma importncia na teoria sindicalista a doutrina da ao direta. Significa ela o oposto da ao poltica e pode ser considerada como incluindo a greve geral e a sabotagem, sendo esta qualquer tipo de atividade daninha utilizada com o fim de prejudicar o empregador capitalista. A influncia do sindicalismo tem-se limitado em grande parte aos pases latinos da Europa e aos Estados Unidos. Na Frana, durante certo tempo, gozou de imensa popularidade na C.G.T. (Confederao Geral do Trabalho). Na Itlia, as suas doutrinas do domnio da minoria, da ao direta e da organizao da sociedade em sindicatos foram adotadas, com modificaes, pelos fascistas. Na Amrica, muitos elementos da filosofia sindicalista foram incorporados aos programas da I.W.W. (Trabalhadores Industriais do Mundo), uma organizao que floresceu aproximadamente entre 1905 e 1920.Por ltimo, no devemos esquecer os socialistas cristos, os menos radicais entre todos os crticos da economia capitalista. O pai do socialismo cristo Robert de Lamennais (1782-1854), um padre catlico francs que tentou revivificar a religio crist como instrumento de reforma e de justia social. Idias semelhantes foram externadas pelo conde Henri de Saint-Simon (1760-1825) em seu livro O novo cristianismo. Da Frana, o movimento espalhou-se Inglaterra, onde foi adotado por alguns intelectuais protestantes, especialmente pelo romancista Charles Kingsley (1819-75). Em seus primeiros tempos, o socialismo cristo foi pouco mais que um pedido de aplicao dos ensinamentos de Jesus aos problemas criados pela indstria, mas nos ltimos anos comeou a assumir uma forma mais concreta. Em 1891, Leo XIII, o "papa dos trabalhadores", lanou a sua famosa encclica Rerum novarum em que revive sob uma feio moderna a atitude econmica liberal de Santo Toms de Aquino. Embora a encclica reconhecesse de maneira expressa a propriedade privada como um direito natural e repudiasse vigorosamente a doutrina marxista da luta de classes, condenava em termos veementes os lucro