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Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1006 GT 4 - PROCESSO CONSTITUCIONAL DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO? CONSTITUCIONAL DIALOGUES AND PUBLIC HEARINGS: A POTENTIAL INSTRUMENTO FOR PATICIPATION AND DIALOGUE? Viviane Lemes da Rosa 1 Fernanda Lissa Fujiwara Homma 2 RESUMO: O objetivo o presente estudo é a análise da utilização das audiências públicas na busca do diálogo, de modo a evitar a imposição unilateral de soluções e também envolver a sociedade civil. As audiências públicas estão previstas formalmente no âmbito dos três poderes constituídos, mas encontram no Judiciário sua mais conhecida experiência, especialmente nas realizadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Verifica-se que as audiências públicas não vem sendo incorporadas satisfatoriamente às decisões dos magistrados, que parecem utilizá-las apenas como justificação retórica. Para além disso, parecem ser necessárias formas mais contínuas e matizadas de intercâmbio entre as instâncias de poder em situações de disputas agravadas e, neste sentindo, é extremamente profícuo intercâmbio com os estudos sobre o Constitucionalismo Democrático. Palavras-chave: Audiências públicas; Participação popular; Diálogo democrático; Corte constitucional; Constitucionalismo Democrático. ABSTRACT: The aim of this study is to analyze the public hearings as a way to promote dialogue, in order to avoid the imposition of unilateral solutions and to involve civil society. Public hearings are legalized within the three constituted 1 Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro de Estudos Jurídicos do Paraná. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professora da Academia Brasileira de Direito Constitucional e do Centro Universitário Curitiba. Advogada. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Doutoranda e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

GT 4 - PROCESSO CONSTITUCIONALabdconst.com.br/anais5/Viviane Lemes da Rosa.pdf · 2019. 7. 13. · Corte constitucional; Constitucionalismo Democrático. ABSTRACT: The aim of this

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  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1006

    GT 4 - PROCESSO CONSTITUCIONAL

    DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    CONSTITUCIONAL DIALOGUES AND PUBLIC HEARINGS: A

    POTENTIAL INSTRUMENTO FOR PATICIPATION AND DIALOGUE?

    Viviane Lemes da Rosa1

    Fernanda Lissa Fujiwara Homma2

    RESUMO: O objetivo o presente estudo é a análise da utilização das audiências

    públicas na busca do diálogo, de modo a evitar a imposição unilateral de soluções e

    também envolver a sociedade civil. As audiências públicas estão previstas

    formalmente no âmbito dos três poderes constituídos, mas encontram no Judiciário

    sua mais conhecida experiência, especialmente nas realizadas no âmbito do

    Supremo Tribunal Federal. Verifica-se que as audiências públicas não vem sendo

    incorporadas satisfatoriamente às decisões dos magistrados, que parecem utilizá-las

    apenas como justificação retórica. Para além disso, parecem ser necessárias formas

    mais contínuas e matizadas de intercâmbio entre as instâncias de poder em situações

    de disputas agravadas e, neste sentindo, é extremamente profícuo intercâmbio com

    os estudos sobre o Constitucionalismo Democrático.

    Palavras-chave: Audiências públicas; Participação popular; Diálogo democrático;

    Corte constitucional; Constitucionalismo Democrático.

    ABSTRACT: The aim of this study is to analyze the public hearings as a way to

    promote dialogue, in order to avoid the imposition of unilateral solutions and to

    involve civil society. Public hearings are legalized within the three constituted

    1 Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em

    Direito Civil e Processual Civil pelo Centro de Estudos Jurídicos do Paraná. Membro do Instituto

    Brasileiro de Direito Processual. Professora da Academia Brasileira de Direito Constitucional e do Centro Universitário Curitiba. Advogada. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Doutoranda e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná,

    Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    100

    7 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    powers, but they find in the Judiciary their best known experience, especially in the

    Brazilian Supreme Court. It appears that public hearings have not been satisfactorily

    incorporated into judges' decisions as they seem to use them only as rhetorical

    justification. In addition, there seems to be a need for more continuous and nuanced

    forms of communication between institutions in situations of aggravated disputes

    and, in this sense, is an extremely fruitful an exchange with the ideas of the

    Democratic Constitutionalism.

    Key-words: Public hearings; Popular participation; Democratic dialogue;

    Constitutional court; Democratic Constitutionalism.

    Sumário: 1. Introdução; 2. O diálogo nas cortes constitucionais e democracia; 3.

    Audiências públicas: previsão legal e experiência no STF; 4. Cortes deliberativas e

    as possibilidades do Constitucionalismo Democrático; 5. Conclusão; 6. Referências;

    7. Anexo.

    1. INTRODUÇÃO

    Ao pensar em um poder que impõe decisões e resolve conflitos, é

    impossível não fazer uma associação quase instantânea a imagem da Justiça de

    olhos vendados ou abertos, segurando uma balança, que pode estar alinhada ou

    descompassada, em uma mão e uma espada na outra. Isso porque, figura da Justiça

    já se tornou parte da cultura legal e popular, associada imediatamente ao poder

    soberano que emana do Estado, que legitima seus julgamentos (RESNIK, 2007,

    p.159).

    Não obstante, uma análise da iconografia de suas representações percebe-se

    dois aspectos se sobressaem: preza-se mais pela imparcialidade, a Justiça de olhos

    vendados e a possibilidade de se fazer cumprir as decisões por meio do uso do

    poder, com a presença da espada (RESNIK, 2007, p.160).

    Tal imagem adequa-se perfeitamente ao atual cenário do Judiciário

    brasileiro representado, sobretudo, pelo Supremo Tribunal Federal, as configurações

    institucionais que vem assumindo e as implicações democráticas que sua atuação

    tem trazido.

    Dentro deste contexto, emerge a figura das audiências públicas como um

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1008

    instrumento que viabilizaria a desejável abertura das cortes à sociedade civil

    organizada, de modo a proporcionar um meio de influência sobre o convencimento

    do magistrado.

    Assim, o objetivo do presente artigo é, em primeiro lugar, traçar um breve

    panorama do intenso debate que envolve as cortes constitucionais enfocando,

    sobretudo, na constante tensão entre constitucionalismo e democracia. Busca-se

    balizar tal análise também pela necessidade dos diálogos institucionais

    Em seguida serão trazidas e analisadas algumas experiências de audiências

    públicas realizadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, suas hipóteses e

    justificativas de convocação. Por fim busca-se traçar um panorama de uma corte

    constitucional deliberativa e as possibilidades de um diálogo entre o Judiciário e a

    sociedade a partir da teoria do Constitucionalismo Democrático.

    2. O DIÁLOGO NAS CORTES CONSTITUCIONAIS E DEMOCRACIA

    Nas primeiras diretrizes sobre o tribunal constitucional brasileiro, é

    essencial reconhecer duas coisas: a ampliação do papel do Judiciário nas decisões

    de questões afetas a coletividades e, sobretudo, questões ligadas a políticas públicas,

    tradicionalmente inscritas no âmbito do Executivo. Tais traços se tornam ainda mais

    expressivos no Supremo Tribunal Federal, que não só é instado a decidir sobre

    assuntos nevrálgicos do sistema constitucional, pro meio do controle abstrato

    concentrado de constitucionalidade das leis, mas também por meio de inúmeros

    recursos extraordinários que lá desembocam e abarcam as mais variadas matérias.

    A corte não mais poderia ficar isolada, e portadora da última palavra

    impositiva e unilateral. Assim, o denominado “diálogo democrático” alcançou um

    prestígio significativo nas ciências sociais, sobretudo em razão do impulso

    conferido pelas teorias comunicativas do final do século XX, nos pensamentos de

    Habermas, Bohman e Rehg, e Nino (GARGARELLA, 2013, p. 3).

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    100

    9 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    Uma das principais qualidades desse tipo de mecanismo de diálogo

    encontra-se na possibilidade dos diversos poderes do governo chegarem a acordos

    que buscam, sobretudo, mitigar as críticas que envolvem a imposição unilateral de

    soluções e também aquelas direcionadas à própria ideia de judicial review. Isso

    porque, diversas delas se baseiam na carência de legitimidade democrática do Poder

    Judiciário. Assim, as chamadas soluções dialógicas buscam, em grande medida,

    suavizar tais críticas à última palavra judicial e tentar fazer com que a política volte

    a ocupar um lugar proeminente na tomada de decisões (GARGARELLA, 2013, p.

    3).

    A despeito disso, Gargarella entende que estas soluções dialógicas acabam

    encontrando inúmeras dificuldades para consolidarem-se como novas práticas,

    justamente por estarem enquadradas dentro do sistema tradicional de freios e

    contrapesos. Assim, seria necessário superar esta estrutura estanque para uma defesa

    apropriada do constitucionalismo dialógico (GARGARELLA, 2013, p. 3).

    É necessária uma organização institucional distinta, vez que, um sistema

    dialógico deve se estruturar de modo a organizar e facilitar uma conversação

    travada entre iguais. Trata-se, sobretudo, de uma alteração na estrutura onde de

    assenta o poder, cuja origem é de um pacto liberal conservador, que não consegue

    se adaptar às recentes tentativas de democratização (GARGARELLA, 2010, p.

    290).

    A este quadro contribui sobremaneira a teoria de Carlos Santiago Nino que

    se posiciona a favor de uma concepção deliberativa da democracia. Esta seria um

    produto imperfeito de um discurso moral ideal, na qual os membros da sociedade

    fixam as bases a partir das quais organizarão suas vidas em comunidade. Do

    resultado destes acordos alcançados por meio de um discurso moral ideal, se extrai

    um resultado imparcial, na medida em que expressa um balanceamento adequado de

    diversos pontos de vista dos diferentes integrantes da sociedade (TUSHNET, 2013,

    p. 3).

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1010

    Assim, uma das principais aspirações da democracia deliberativa é a de que

    todos os indivíduos potencialmente afetados pelo processo de tomada de decisões

    dele participem, de modo que se assuma a forma de uma discussão pública onde

    cada uma das propostas possam ser revisadas e debatidas (TUSHNET, 2013, p. 3).

    A inserção das audiências públicas no âmbito do Judiciário especificamente

    no que tange ao julgamento das ações de controle concentrado de

    constitucionalidade está dentro de um contexto que percebe o crescimento de uma

    democracia deliberativa e do chamado Constitucionalismo Democrático, na busca

    uma jurisdição constitucional dialógica, aberta ao intercambio de visões e

    informações, seja com as demais estruturas formais de poder, que é chamado de

    diálogo institucional, ou com a sociedade, que chama-se diálogo social (VALLE,

    2006, p. 41).

    Nessa esteira, o pensamento de Haberle também se torna importante, à

    medida que o autor defende a ampliação do debate sobre uma decisão para todos os

    atingidos por seus efeitos: quando uma corte constitucional interpreta a

    Constituição, deve levar em conta os argumentos de qualquer pessoa interessada no

    resultado, garantindo que seja possível sua manifestação antes da decisão final

    (HÄBERLE, 1997, p.24). Dessa maneira, a difusão de opiniões diversas transforma

    o Judiciário em uma arena de debate privilegiado; embora a maioria não seja

    necessariamente vencedora, os diversos grupos envolvidos no debate tornam plural

    o acesso à manifestação.

    3. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: PREVISÃO LEGAL E EXPERIÊNCIA NO

    STF

    As audiências públicas estão previstas formalmente no âmbito dos 3

    poderes constituídos. Em relação ao Legislativo, há a previsão do art. 58, §2º, II, da

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    101

    1 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    CF3 sendo que se considera este dispositivo como uma busca a integração entre

    representantes e representados justamente por meio delas, que devem ser realizadas

    em questões de interesse social ou mesmo quando segmentos específicos da

    sociedade; trata-se de espaços voltados ao debate coletivo.

    Na Administração Pública, as audiências públicas estão previstas em

    diversas leis esparsas sendo que as que ganham maior destaque são: (i) a Lei

    8666/1993 das licitações e contratos administrativo em seu no art. 394 (ii) na Lei nº

    9.478, de 1997 que disciplina sobre a política energética nacional em seu art. 195 e a

    (iii) Lei 9.784/1999 do Processo Administrativo em seu art. 326

    Por fim, no Judiciário o instrumento normativo que disciplina o uso das

    audiências públicas é, principalmente, a previsão no art. 9º, §1º, da Lei nº

    9.868/1999 que trata do controle concentrado de constitucionalidade, notadamente,

    a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de

    Constitucionalidade (ADC).

    Recentemente, ante a promulgação do Novo Código de Processo Civil (Lei

    nº 13.105/2015), verifica-se a presença da possibilidade de convocação de

    audiências públicas em seu art. 983 § 1º no que tange ao incidente de resolução de

    3 Constituição Federal do Brasil. “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões

    permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 2º - às comissões, em razão da matéria de

    sua competência, cabe: (...) II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;” 4 Lei nº 8.666/1993. “Art. 39. Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um

    conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c" desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com

    uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15

    (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade

    da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos

    os interessados.” 5 Lei nº 9478/1997. “Art. 19. As iniciativas de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação de direito dos agentes econômicos ou de consumidores e

    usuários de bens e serviços das indústrias de petróleo, de gás natural ou de biocombustíveis serão

    precedidas de audiência pública convocada e dirigida pela ANP” 6 Lei nº 9784/1999. “Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da

    relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do

    processo.”

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1012

    demandas repetitivas, no art. 1.038, II sobre o julgamento de recursos extraordinário

    e especial repetitivo e art. 927, § 2º com a possibilidade nos casos de alteração de

    tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos

    repetitivos.

    No âmbito do Supremo Tribunal Federal, as audiências públicas foram

    regulamentadas pela Emenda Regimental 29/2009, que atribuiu competência ao

    Presidente ou ao Relator, nos termos dos arts. 13, XVII, e 21, XVII, do Regimento

    Interno, para “convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com

    experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o

    esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de

    interesse público relevante” debatidas no Tribunal. O procedimento a ser observado

    consta do art. 154, parágrafo único, do Regimento Interno.

    A primeira experiência foi com a ADI nº 3510, em 2007, sobre o uso

    terapêutico de células tronco embrionárias. Pela primeira fez houve a utilização das

    audiências públicas na fase de instrução, por solicitação das partes. Nesta

    experiência não se verificou o objetivo democráticos das audiências públicas que

    tiveram uma função mais informativa, sem possibilidade de contradita entre as

    partes. Diante da inexistência de norma própria do Tribunal para regulamentar o

    procedimento da audiência pública, o Ministro Relator Carlos Ayres Britto decidiu

    adotar as regras existentes no Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

    É importante afirmar que a adoção de regra do regimento interno da Câmara

    dos Deputados é considerada sintomática para alguns doutrinadores por demonstrar

    a tentativa de aproximação do procedimento judiciário com os métodos típicos do

    processo legislativo (VALLE, 2006, p. 43).

    Em 2008 foram realizadas duas audiências públicas. A primeira foi na

    ADPF nº 101 sobre a importação de pneus usados entre os Estados-membros do

    Mercosul, em contraposição a diversas portarias e resoluções a respeito do assunto

    de órgãos do comércio exterior e meio ambiente. Novamente a audiência foi

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    101

    3 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    convocada devido à complexidade técnica da matéria. Importante destacar que, em

    seu voto, a Relatora remeteu-se à audiência pública e aos expositores em alguns

    momentos, porém apenas de maneira genérica, como os “especialistas” (STF, s/d, p.

    122).

    A segunda audiência pública ainda em 2008 foi na ADPF nº 54 sobre a

    antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. Neste caso a participação de

    terceiros foi categorizada como amicus curiae. Havia um grande receio por parte do

    relator de tumulto processual devido a participação de estranhos à lide. Entretanto

    um ponto bastante positivo desta experiência foi a consulta a uma ampla gama de

    áreas: cientifica, médica, religiosa, jurídica, política, etc (STF, 2008). Aqui percebe-

    se claramente que a audiência pública foi usada como forma de instrumento passível

    de maior segurança aos Ministros no pronunciamento de suas decisões.

    Percebe-se que o Relator citou a audiência pública diversas vezes: não

    apenas verifica-se que há um breve relatório com tudo o que foi exposto, mas

    também diversas remissões aos expositores nominalmente. Entretanto, percebe-se,

    também, que houve uma atenção maior à audiência pública por parte do relator do

    que dos demais ministros.

    A quarta, e mais expressiva experiência, foi relativa ao tema da

    judicialização da saúde em 2009. Não havia nenhuma ação constitucional

    específica, entretanto entendendo-se o tema de grande repercussão politica, jurídica

    e econômica optou-se pela discussão do assunto via audiência pública. Aqui se

    optou por trazer um edital para habilitação dos participantes com os pontos

    principais já delimitados de antemão (STF, 2009).

    A quinta experiência, na ADPF nº 186 e RExt 597.285 em 2010 sobre

    ações afirmativas no ensino superior. Foi feito um Edital de Convocação Geral com

    requerimento dos participantes pela via eletrônica, sem exigência ou prioridade das

    partes envolvidas para indicação de seus representantes. O Ministrou Relator fez

    uma triagem e afirmou se pautar por critérios que melhor assegurassem a

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1014

    representação da pluralidade de opiniões. Há que se notar a carência de uma

    fundamentação mais robusta acerca dos critérios de seleção dos participantes,

    entretanto, a pluralidade de opiniões, à princípio, foi representada.7 Entretanto,

    aparentemente, não houve menção da audiência pública na maioria dos votos dos

    ministros (STF, 2016).

    Em 2012 ocorreram duas audiências públicas. A primeira audiência dizia

    respeito a ADI 4.103 em face da famosa “Lei Seca”, Lei 11.705/2008 que veio

    proibir a venda de bebidas alcoólicas nas proximidades de rodovias ou em

    terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia. A ADI ainda

    não foi decidida.

    A segunda audiência pública de 2012 realizada tinha como objeto a ADI

    3.937 que impugnava a Lei estadual nº 12.684/2007 do estado de São Paulo que

    vinha proibir o uso de produtos e artefatos que contivessem amianto ou outros

    minerais que, acidentalmente, tenham fibras de amianto na sua composição – vez

    que o metal que se aspirado em grande quantidade causaria sérios riscos a saúde.

    Somente em 2013 ocorreram 7 audiências públicas. A primeira foi

    relativa as ADIs nº 4.679, 4.756 e 4.747, ajuizadas contra diferentes dispositivos

    da Lei nº 12.485/2011, que estabeleceu o novo marco regulatório da televisão por

    assinatura no Brasil. O Relator entendeu importante convocar a audiência vez que

    a temática versada nestas ações reclamava apreciação que ultrapassa os limites do

    estritamente jurídicos. Assim, o intuito era a esclarecer as inúmeras questões

    técnicas, políticas, econômicas e culturais relativas ao funcionamento do mercado

    brasileiro de TV por assinatura (STF, s/d).

    A segunda foi sobre o RExt 627.189 que versa sobre as consequências da

    radiação eletromagnética para a saúde e os efeitos da redução do campo

    eletromagnético sobre o fornecimento de energia. A audiência pública

    7 Conforme se verifica nas notas taquigráficas da audiência pública da ADPF nº 186 e RE nº

    597.285. Disponível em:

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    101

    5 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    convocada propôs a oitiva de especialistas, entidades reguladoras e representantes

    da sociedade civil para obter informações técnicas e fáticas relativas ao tema para

    subsidiar a Corte com o conhecimento especializado necessário para o julgamento

    da causa.

    A terceira audiência pública de 2013 foi relativa ao RExt 589.224 que versa

    sobre a possibilidade de Lei Municipal vedar o uso do fogo como método

    despalhador em cultivo de cana-de-açúcar, em dissonância com a legislação

    estadual, mas em harmonia com o art. 27 do Código Florestal Nacional. Em face do

    desconhecimento das repercussões sociais e econômicas que a decisão geraria, o

    relator decidiu por convocar uma audiência pública.

    A quarta audiência de 2013 teve como objeto o RExt 641.320 que discute a

    possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso quando não se

    dispuser de vaga no regime indicado na condenação; convocou-se a audiência

    especialmente devido às consequências que a decisão teria em relação a todo o

    sistema penitenciário brasileiro, com inevitáveis reflexos sobre os atuais regimes de

    progressão prisional.

    A quinta audiência pública de 2013 diz respeito à ADI n.º 4.650 sobre o

    Financiamento de Campanhas Eleitorais para debater pontos relevantes acerca dos

    pontos de vista econômico, político, social e cultural concernentes ao sistema de

    financiamento de campanhas eleitorais vigente

    A sexta tratou sobre tema das biografias não autorizadas objeto da ADI nº

    4.815. A audiência pública convocada pela Relatora tendo como principal objetivo

    subsidiar o julgamento da ação, vez que ele ultrapassaria os limites de interesses

    específicos da entidade autora, repercutindo em valores fundamentais dos

    indivíduos e da sociedade brasileira, por tratar sobre os direitos fundamentais

    individuais (como a liberdade de informação).

    A sétima audiência pública de 2013 tratou sobre o Programa “Mais

    Médicos” objetos da ADI nº 5.037 e ADI nº 5.035. O Relator convocou audiência

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1016

    pública para subsidiar o julgamento das ADIs entendendo conveniente a oitiva de

    pessoas com experiência e autoridade no tocante aos temas envolvidos, vez que as

    normas possuem implicações nos campos da administração pública, educação,

    trabalho e, principalmente, na saúde pública.

    Em 2014 houve a audiência pública sobre as alterações no marco

    regulatório da gestão coletiva de direitos autorais no Brasil objeto das ADI

    5062 e ADI 5065 e teve como principal objetivo a oitiva de titulares de direito

    autoral, entidades estatais envolvidas com a matéria e representantes da sociedade

    civil. O relator ressaltou que não visa colher interpretações jurídicas, mas sim a

    esclarecer questões técnicas, econômicas e culturais relativas ao funcionamento da

    gestão coletiva de direitos autorais, sobretudo à luz da experiência internacional

    sobre a matéria.

    Além disso, ainda em 2014 houve a audiência pública que trata da

    internação hospitalar com “diferença de classe” no Sistema Único de Saúde, tendo

    como referência o RE nº 581.488. O Tribunal entendeu importante a audiência

    pública para subsidiar a Corte com o conhecimento especializado necessário para

    obter maiores informações na decisão da causa (STF, 2014).

    Em 2015, foi realizada a audiência da ADI nº 4.439 sobre o ensino religioso

    em escolas públicas e buscou ouvir representantes do sistema público de ensino, de

    grupos religiosos e não-religiosos e de outras entidades da sociedade civil, que

    deveriam se manifestar acerca de 3 pontos pré-definidos pela relator do processo

    (STF, 2015). Também foi realizada a audiência pública da ADI n.º 5.072 que trata

    da constitucionalidade de normas estaduais que possibilitam aos entes da federação

    utilizarem-se dos recursos dos depósitos judiciais e extrajudiciais nos quais não são

    partes, para pagamentos de despesas diversas. Buscou-se esclarecimentos técnicos,

    contábeis, administrativos, políticos e econômicos sobre o tema (STF, 2015).

    O ano de 2016 teve apenas uma audiência pública, da ADI n.º 4.902, que

    trata sobre aspectos polêmicos do Novo Código Florestal e teve como objetivo

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    101

    7 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    oferecer mais informações sobre o feito, para que o pronunciamento judicial tenha

    uma maior qualificação constitucional e adequada legitimação democrática (STF,

    2016).

    Em 2017 contou-se com 3 audiências públicas. A primeira, do RE n.

    973.837 tratou sobre o armazenamento de perfis genéticos de condenados por

    crimes violentos ou hediondos. A segunda audiência pública foi uma Audiência

    Pública Simultânea Convocada para discutir aspectos dos arts. 10 e 12, II e IV, do

    Marco Civil da Internet e a suspensão do aplicativo WhatsApp por decisões

    Judiciais no Brasil, objetos da ADI n.º 5.527 e da ADPF n.º 403, respectivamente.

    Trata-se de iniciativa inovadora e louvável, que mostra a tentativa de uma abertura e

    diálogo entre os ministros, prezando pela integridade das decisões da Corte.

    Por fim, a terceira audiência foi sobre a aplicabilidade do direito ao

    esquecimento na esfera civil, em especial quando esse for invocado pela própria

    vítima ou por seus familiares, objeto do RE n. 1010606, buscando oferecer ao

    Judiciário o conhecimento adequado para a tomada de decisão.

    Percebe-se que, principalmente após 2012, houve um grande aumento na

    realização de audiências públicas.8 Entende-se que isso se dá, em grande medida,

    não só devido ao aumento da complexidade de causas que o Supremo foi chamado a

    decidir, vez que nos despachos de convocação de audiências públicas ressalta-se,

    reiteradamente, a necessidade de suporte técnico específico para os Ministros na

    tomada de decisões – demanda-se a observância de argumentos que não são de

    natureza estritamente jurídica (VIEIRA, 2008, p. 453).

    Entretanto, em que medida estes argumentos são capazes na deliberação e

    decisão dos julgadores é algo obscuro. A partir da análise das sentenças dos

    relatores dos processos em que foram convocadas audiências públicas,

    confrontando-a com as notas taquigráficas disponibilizadas no sítio eletrônico do

    Tribunal, não se percebe um efetivo debate, nem mesmo efetiva consideração da

    8 Para melhor visualização verificar tabela no Anexo I.

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1018

    audiência no processo decisório9.

    Em geral, na audiência os expositores limitam-se a explicar termos técnicos,

    ou mostrar suas opiniões sobre o assunto, sem espaço para réplicas ou tréplicas. Do

    mesmo modo, no momento decisório, os ministros limitam-se a fazer um resumo

    dos acontecimentos da audiência pública e citar alguns pontos que tornem sua

    argumentação mais robusta, sem necessariamente fazer uma análise dos argumentos

    trazidos.

    4. CORTES DELIBERATIVAS E AS POSSIBILIDADES DO

    CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO

    A partir do panorama demonstrado na descrição das audiências públicas

    realizadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, é importante que se atente um

    pouco mais detidamente para a questão da deliberação e em que medida as

    audiências públicas são capazes de ser um instrumento adequado para tanto. Em

    primeiro lugar, é fato que a deliberação é deve ser considerada caso-a-caso, e não

    como um reflexo automático das meras facetas institucionais (MENDES, 2013, p.

    102).

    Assim, Conrado Hubner Mendes propõe um modelo de análise da

    deliberação nas cortes constitucionais a partir de três fases deliberativas: a pré-

    decisional, decisional e pós-decisional. Cada uma destas fases corresponde aos três

    momentos nos quais uma performance deliberativa pode ser distinta e reconhecida

    (MENDES, 2013, p. 104).

    Este modelo isola as três atividades para diagnosticar os problemas e

    9 Para tal análise foram confrontadas especificamente as notas taquigráficas aos relatórios e votos

    das seguintes audiências públicas: pesquisas com células-tronco embrionárias, interrupção de

    gravidez dos fetos anencéfalos, políticas de ação afirmativa de acesso ao ensino superior, novo marco regulatório para a TV por assinatura no Brasil, queimadas em canaviais, financiamento de

    campanhas eleitorais. O recorte foi feito ante a disponibilização das notas taquigráficas no sítio

    eletrônico do Supremo Tribunal Federal.

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    101

    9 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    avanços das distintas instâncias de deliberação. Uma corte deliberativa, assim, se

    manifesta nestas três instâncias consecutivas; deste modo, é preciso atentar que ela

    pode deliberar em uma, mas não em outras instâncias e, um tipo ideal se completa

    nas três fases (MENDES, 2013, p. 104).

    Isso também incorpora e refina as noções usadas mais comumente pela

    doutrina de deliberação interna e externa. A deliberação interna corresponderia,

    dentro da tipologia sugerida, à fase decisional, enquanto a deliberação externa iria

    corresponder a fase pós-decisional. Assim, a fase pré-decisional ficaria ofuscada.

    De fato, as tarefas das fases pré e pós-decisional tem similitudes que, entretanto, não

    devem obscurecer suas peculiaridades (MENDES, 2013, p. 105).

    Em segundo lugar, deve-se distinguir quem delibera. Os decision-makers,

    neste caso, são os juízes; já os interlocutores são os dois diferentes tipos de

    deliberadores. A comunidade de interlocutores engloba os atores sociais e, formal

    ou informalmente, indicam argumentos a corte e expressam posições públicas aos

    casos a serem decididos. Eles providenciam argumentos externos para a decisão

    judicial, de modo que, podem influenciar e persuadir, mas não decidir (MENDES,

    2013, p. 106).

    É possível afirmar que um tipo ideal de corte deliberativa é uma que

    maximize os tipos de argumentos dos interlocutores, ao promover a contestação

    pública na fase pré-decisional. Isso porque, uma corte constitucional conforma três

    tipos distintos de deliberação e cada uma destas facetas deliberativas tem

    determinados padrões. Nas fases pré e pós-decisional, a instituição interage com a

    esfera pública, os interlocutores devem ser participantes ativos ao apresentar seus

    casos e, depois ao terem sua decisão posta a escrutínio (MENDES, 2013, p. 107).

    Uma decisão deliberativa é uma que traduz a ética e o comprometimento da

    deliberação por escrito. Além de ser bem fundamentada, tem o peso de ser

    responsiva e legível pelo público. Por fim, uma corte deliberativa é consciente de

    sua falibilidade e da inevitabilidade da continuidade da deliberação nas esferas

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1020

    públicas ou mesmo em próximos casos. Além de consumar efeitos concretos, a

    decisão também convida a novas rodadas de deliberação (MENDES, 2013, p. 110).

    Verifica-se que a análise do autor centra-se primordialmente na corte

    constitucional como protagonista na tomada da decisão. Trata-se de uma escolha

    metodológica, entretanto, é importante considerar que alguns doutrinadores também

    defendem uma transferência do eixo da corte para a sociedade civil, tendo como

    grande nome Larry Kramer e seu constitucionalismo popular (KRAMER, 2004).

    Com as devidas ressalvas de ser uma teoria construída a partir da história

    constitucional norte-americana, certamente, há o mérito de abrir horizontes para

    novas possibilidades de interpretação da Constituição que não se restrinjam apenas

    às Cortes.

    Trata-se, sobretudo, de ter em mente que os juízes nem sempre tem absoluta

    certeza acerca da precisão de suas decisões, especialmente quando versam sobre o

    significado da Constituição. Nestes casos, a intensa persuasão pública pode

    providenciar informações relevantes sobre a retidão de suas conclusões, o que

    envolve certa dose de humildade e deferência (SUSTEIN, s/d, p. 4).

    Neste sentido, é importante a teoria de Post e Siegel do Constitucionalismo

    Democrático. A premissa desta linha de pensamento é que a autoridade da

    Constituição depende de sua legitimidade democrática e de sua habilidade de

    inspirar a sociedade a reconhecê-la como sua. Esta crença é sustentada em tradições

    de compromissos populares que facultam aos cidadãos a apresentar seus reclamos

    sobre o significado da Constituição e a se opor ao seu governo quando considerarem

    que ele não a respeita (POST, 2007, p. 2).

    As cortes tem um papel importante à medida que exercem uma forma

    característica de autoridade para reconhecer e garantir direitos devido à Constituição

    e às normas de razão legal profissional que utilizam. Os cidadãos esperam que o

    Judiciário proteja valores sociais importantes e imponham limitações ao governo

    quando ele excede os limites estabelecidos pela Constituição. Entretanto, a

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    102

    1 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    autoridade judicial para fazer cumprir a Constituição como a autoridade de todo o

    governo, depende da confiança dos cidadãos. Se as Cortes interpretam a

    Constituição em termos que divergem de convicções profundamente arraigadas, o

    povo encontrará maneiras de comunicar suas objeções às suas decisões (POST,

    2007, p. 2).

    Esses padrões de resistência, que se repetem ao longo da história, refletem

    uma profunda lógica da ordem constitucional estadounidense, que se configura por

    compromissos em que se enfrentam o rule of law e o auto-governo. O

    Constitucionalismo Democrático analisa as práticas utilizadas pelos cidadãos e

    governo para reconciliar esses compromissos contraditórios (POST, 2007, p. 3).

    Sem dúvida, a criação ou modificação do direito desempenha um papel

    importante para manter a legitimidade democrática da constituição norte-americana.

    Porém, dada a grande dificuldade que este processo implica, e o pouco êxito de suas

    realizações, o processo legislativo não pode sustentar por si mesmo a legitimidade

    democrática da Constituição. As emendas realizadas em virtude do artigo quinto da

    Constituição são tão excepcionais que não podem proporcionar um meio eficaz para

    articular o direito constitucional com os compromissos populares (POST, 2007, p.

    3).

    Neste sentido, são necessárias formas mais contínuas e matizadas de

    intercâmbio para manter a autoridade daqueles que aplicam o direito constitucional

    em situações de disputas agravadas. O constitucionalismo democrático é capaz de

    examinar as muitas práticas que facilitam uma comunicação constante e contínua

    entre os tribunais e o povo; tais práticas têm que ser suficientemente fortes para

    prevenir a alienação constitucional e manter a solidariedade numa comunidade

    normativamente heterogênea (POST, 2007, p. 3).

    Tais reflexões também parecem adequadas e pertinentes frente à

    configuração institucional brasileira. Entretanto, ressalva-se que não deve haver

    uma importação automática da teoria do Constitucionalismo Democrático. Antes,

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1022

    tais intercâmbios devem ser feitos de maneira que, respeitando as particularidades

    históricas e culturais do Brasil, seja possível ampliar o espaço democrático dentro

    da corte constitucional.

    CONCLUSÃO

    Voltando à representação da Justiça, percebe-se que nas cortes supremas é

    comum a imagem da Justiça com uma espada, que serve como um constante

    lembrete da força da lei. Entretanto, recentemente, as imagens também tem voltado

    sua atenção para a necessária obrigação de sopesar os argumentos cuidadosamente

    (RESNIK, 2013, p. 216). A democracia afeta o entendimento do que deve ser

    representado nos espaços dos tribunais. Quando diferentes interlocutores se tornam

    capazes de participar na corte, inúmeros desafios emergem, sobretudo, sobre como

    mostrar tal espaço como receptivo a estas vozes (RESNIK, 2013, p. 229).

    As questões sobre a atuação das cortes constitucionais são muitas, os

    debates acerca disto maiores ainda. Do mesmo modo que não há uma mesma

    percepção ao visualizar uma obra de arte, também não há uma resposta certa e

    definitiva para esse debate e a constante tensão entre constitucionalismo e

    democracia.

    A partir do breve panorama traçado por este estudo, verifica-se fundamental

    o diálogo entre as cortes e a sociedade civil, vez que na construção de uma decisão

    que afeta profundamente a vida em sociedade é necessário que diferentes pontos de

    vista sejam apresentados, contrastados, debatidos. É fundamental que a corte se

    mostre aberta a um diálogo.

    As audiências públicas mostram-se um instrumento, em tese, apto a realizar

    este tipo de mediação. Entretanto, não apenas verifica-se uma falta de

    regulamentação legislativa do instituto e suas implicações, como também não se

    verifica uma real intenção de sua utilização para um diálogo democrático; trata-se,

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    102

    3 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    ao contrário, de um mero recurso legitimador das decisões proferidas pelo

    Judiciário.

    De um instrumento que atua no plano da práxis retorna-se à teoria. Neste

    sentido, parece que o Constitucionalismo Democrático se mostra como uma teoria

    que consegue abrir espaço para um diálogo democrático. Trata-se não apenas do

    diálogo entre as instituições, mas também de colocar a sociedade civil como

    fundamental neste espaço.

    REFERÊNCIAS

    GARGARELLA, Roberto. El constitucionalismo latinoamericano y la “sala de

    máquinas” de la Constitución (1980-2010). Gaceta Constitucional. n. 48, p. 289-

    305.

    GARGARELLA, Roberto. El nuevo constitucionalismo dialógico, frente al sistema

    de los frenos y Contrapesos. Revista Argentina de Teoria Jurídica, vol. 14, p. 1-

    32, 2013.

    HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional - A sociedade aberta dos

    intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e

    "procedimental" da constituição. Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris,

    1997.

    KRAMER, Larry. The people themselves: Popular Constitutionalism and

    judicial review. Oxford: Oxford University Press, 2004.

    MENDES, Conrado Hubner. Constitutional Courts and Deliberative Democracy.

    Oxford: Oxford University Press, 2013.

    POST, Robert. SIEGEL, Reeva. Roe Rage: Democratic Constitutionalism and

    Backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, 2007;

    RESNIK, Judith. CURTIS, Dennis E. Representing Justice: From renaissance

    Iconography to Twenty-First-Century Courthouses. Proceedings of the

    American Philosophical Society. Vol. 151, n. 2, June, 2007.

    RESNIK, Judith. CURTIS, Dennis. Inventing Democratic Courts: A New and

    Iconic Supreme Court. 38 Journal of Supreme Court History 207, 2013.

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1024

    SUSTEIN, Cass R. If People would be outraged by their rulings should judges care?

    The social Science Research Network Electronic Paper Collection. Disponível

    em: .

    TUSHNET, Mark. Revisión judicial dialógica. Revista Argentina de Teoria

    Jurídica, vol. 14 (Diciembre de 2013).

    VALLE, Vanice Regina Lírio do. Audiências Públicas e ativismo: diálogo social no

    STF. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. n. 23. Belo Horizonte:

    Fórum, jan./mar. 2006.

    VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Rev. Direito GV. v.4, n.2. p. 441-464.

    Jul./dez., 2008. São Paulo.

    Submetido em: 08/02/2018

    Primeiro parecer:18/04/2018

    Segundo parecer:07/05/2018

  • DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

    UM POTENCIAL INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO?

    102

    5 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    ANEXO I – Tabela das audiências públicas realizadas no STF

    Ano Tema Processo Ministro

    Relator

    2017

    (junho)

    Aplicabilidade do direito ao

    esquecimento na esfera civil, em

    especial quando esse for invocado

    pela própria vítima ou por seus

    familiares

    RE n. 1010606 Dias Toffoli

    2017

    (junho)

    Audiência Pública Simultânea

    Convocada para Discutir Aspectos

    dos Arts. 10 e 12, II e IV, da Lei nº

    12.965/2014 – Marco Civil da

    Internet e a Suspensão do Aplicativo

    WhatsApp por Decisões Judiciais no

    Brasil

    ADI 5.527 e

    ADPF 403

    Rosa Weber e

    Edson Fachin

    2017 (maio)

    Armazenamento de perfis genéticos

    de condenados por crimes violentos

    ou hediondos

    RE n. 973.837 Gilmar Mendes

    2016 (abril) Novo Código Florestal

    ADI nº 4.901,

    ADI nº 4.902,

    ADI nº 4.903,

    ADI nº 4.937

    Luiz Fux

    2015

    (setembro) Uso de depósito judicial ADI nº 5.072 Gilmar Mendes

    2015

    (junho) Ensino religioso em escolas públicas ADI nº 4.439

    Luis Roberto

    Barroso

    2014 (maio) Internação hospitalar com diferença

    de classe RE 581.488 Dias Toffoli

    2014

    (março)

    Alterações no marco regulatório da

    gestão coletiva de direitos autorais

    no Brasil

    ADI 5.062 e ADI

    5.065 Luiz Fux

    2013

    (novembro) Programa “Mais Médicos”

    ADI 5.037 e ADI

    5.035 Marco Aurélio

  • Viviane Lemes da Rosa; Fernanda Lissa Fujiwara Homma

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1026

    Ano Tema Processo Ministro

    Relator

    2013

    (novembro) Biografias não autorizadas ADI 4.815 Carmen Lúcia

    2013

    (junho)

    Financiamento de Campanhas

    Eleitorais ADI 4.650 Luiz Fux

    2013 (maio) Regime Prisional RExt 641.320 Gilmar Mendes

    2013 (abril) Queimadas em Canaviais RExt 586.224 Luiz Fux

    2013

    (março)

    Campo eletromagnético de linhas de

    transmissão de energia RExt 627.189 Dias Toffoli

    2013

    (fevereiro)

    Novo marco regulatório para a TV

    por assinatura no Brasil

    ADI 4.679, ADI

    4.756 e ADI

    4.747

    Luiz Fux

    2012

    (agosto) Proibição do uso de amianto ADI 3.937 Marco Aurélio

    2012 (maio)

    Lei seca - Proibição da venda de

    bebidas alcoólicas nas proximidades

    de rodovias

    ADI 4.103 Luiz Fux

    2010

    (março)

    Políticas de ações afirmativas de

    acesso ao ensino superior

    ADPF

    186 e RExt

    597.285

    Ricardo

    Lewandowski

    2009 (abril/

    maio) Judicialização do direito à saúde

    SL 47, SL

    64,STA 36 e

    outros

    Gilmar Mendes

    2008

    (agosto)

    Interrupção de gravidez - Feto

    anencéfalo ADPF 54 Marco Aurélio

    2008

    (junho) Importação de pneus usados ADPF 101 Carmen Lúcia

    2007 (abril) Pesquisas com células-tronco

    embrionárias ADI 3.510 Ayres Britto