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(Greenwitch)
Livro 3 de 5 na série "The Dark is Rising"
Susan Cooper
Tradução Não Oficial: Eduardo A. Chagas Jr.
“Pois de repente ela soube, ali na fria madrugada, que aquela imagem
silenciosa de algum modo guardava em s eu interior mais poder do que jamais
havia sentido em qualquer criatura ou coisa. Trovão, tempestades e terremotos
estavam ali, e toda a força da terra e mar. Ela estava fora do Tempo, sem
fronteiras, sem idade, além de qualquer linha desenhada entre o bem e o mal. Jane
olhou para ela, aterrorizada, e de sua cabeça cega o Greenwitch olhou de volta . . .”
1
CAPÍTULO UM
Somente um jornal estampava a histó ria em detalhes, sob a manchete: TESOURO
ROUBADO DO MUSEU.
Diversos trabalhos de ar te Cel ta foram roubad os do Museu Bri tânico ontem, um
deles valia mais do que £50,000. A polícia diz que o furto parece ser o resultado de um
plano intr incado e muito bem planejado . Nenhum dos alarmes fo i desligado , os
expositores envolvidos estavam intactos, e nenhum sinal de invasão havia s ido
encontrado.
Os objetos desaparecidos incluem um cálice de ouro, três broches com jóias e uma
f ivela de bronze. O cálice, conhecido como o Graal de Trewissick, havia sido recém
adquirido pelo Museu, no verão passado, após sua dramática descoberta em uma caverna
de Cornwall por três crianças. Tinha s ido avaliado em £50,000, mas um porta -voz do
Museu disse ontem a noite que o seu verdadeiro valor era “incalculável”, devido às
singulares inscrições em seus lados que os estudiosos foram inc apazes de decif rar.
O porta-voz adicionou que o Museu apelou aos ladrões para não danif icarem o
cálice de modo algum, e que estariam oferecendo uma recompensa substancial por sua
devolução. “O Graal é uma extraordinária peça de evidência histórica, sem pre cedentes
em todo o campo dos estudos Celtas ,” ele disse, “e sua importância para os estudiosos
excede em muito seu valor intrínseco .”
Lorde Clare, que é um membro do conselho do Museu Britânico, disse ontem a
noite que o cál ice. . .
“Oh, largue esse jornal, Barney,” Simon disse i rritado. “Você já leu isso cinqüenta
vezes, e de qualquer modo isso não ajuda em nada.”
“Nunca se sabe,” disse o seu irmão mais novo, dobrando o jornal e enfiando-o
dentro de seu bolso. “Pode ser uma pista escondida.”
“Nada está escondido,” disse Jane tristemente. “ tudo está óbvio demais.”
Eles estavam em uma f ileira no chão brilhante da galeria do museu, diante de um
expositor central mais al to do que as colunas idênt icas de caixas de vidro ao redor . Ele
estava vazio, a não ser por um tablado negro de madeira sobre o qual, cl aramente, algo
uma vez estivera sendo exposto . Uma placa prateada polida na madeira estava gravada
com as palavras: Cálice de ouro de manufatura C éltica desconhecida , considerado como
do século sexto . Encontrado em Trewissick, Sul de Cornwall , e cedido por Simon, Jane e
Barnabas Drew.
“Todo aquele problema que tivemos, chegando l á primeiro ,” d isse Simon. “E agora
eles simplesmente vieram e o carregaram. De qualquer modo , sempre achei que eles o
fariam.”
Barney disse, “A pior parte é não poder dizer para ninguém quem fez isso.”
“Poderíamos tentar,” falou Jane.
Simon olhou para e la com sua cabeça inclinada para um lado. “Por favor senhor,
podemos dizer quem pegou o Graal, em plena luz do dia sem quebrar nenhuma fechad ura.
Foram os poderes do Escuro .”
“Caiam fora, moleques ,” disse Barney. “E levem suas histórias de contos de fadas
com vocês.”
“Suponho que você esteja certo. ” d isse Jane. Ela mexeu distraidamente em seu
rabo de cavalo . “Mas se foram as mesmas pessoas, alg uém pelo menos deve tê- los visto .
Aquele horrível Sr. Hastings. . .”
“Sem chance. Hastings muda, o t io Merry falou. Você não lembra? Ele não teria o
mesmo nome, ou o mesmo rosto. Ele pode ser uma pessoa diferente , em tempos
diferentes.”
“Fico imaginando se o t io Merry sabe,” disse Barney. “Sobre isso.” Ele f icou
olhando para a caixa de vidro, e o pequeno e solitário tablado negro dentro .
2
Duas senhoras idosas de chapéu apareceram ao lado dele. Uma vestia um vaso de
f lores amarelo, a outra uma pirâmide de f lore s cor-de-rosa. “O atendente disse que foi
daqui que eles o arrancaram,” uma falou para a outra. “ Imagine! Os outros expositores
estão logo ali .”
“Tut-tut- tut- tut,” disse a outra senhora com prazer, e elas seguiram em frente.
Barney as observou dis tra idamente, os passos delas ecoando através da al ta galer ia. Elas
pararam em um expositor sobre o qual uma f igura de pernas longas estava curvado.
Barney f icou tenso. Ele f icou observando o sujeito .
“Temos que fazer algo,” Simon disse. “Simplesmente temos que faze r.”
Jane falou, “Mas por onde começamos?”
A f igura al ta se endirei tou para deixar que as senhoras de chapéu se aproximassem
da caixa de vidro. Ele curvou sua cabeça de modo cortês, e uma massa de rebelde cabelo
branco ref let iu a luz.
Simon disse, “Não vejo como o tio Merry poderia saber. . . quero dizer, ele nem
mesmo está na Inglaterra, não está? Tirando aquele ano de folga de Oxford. Sab. . .
droga.”
“Sabático,” falou Jane. “Em Atenas. E sem mandar nem ao menos um cartão no
Natal.”
Barney estava prendendo sua respiração. Através da galeria, as senhoras amantes
do crime seguiam, o homem al to de cabelo branco virou em direção a uma janela; seu
perf il de nariz pontudo e olhos profundos era inconfundível. Barney deixou escapar um
urro. “Tio Merry!”
Simon e Jane caminharam piscando em direção a ele, enquanto ele desl izava pelo
chão.
“Tio Merry!”
“Bom dia,” o homem alto falou suavemente.
“Mas a Mãe disse que você estava na Grécia!”
“Eu volte i.”
“Você sabia que alguém ir ia roubar o Graal?” falou Jane.
Seu tio arqueou uma sobrancelha branca para e la, mas não disse nada.
Barney falou simplesmente, “O que vamos fazer?”
“Pegá - lo de volta,” disse o t io Merry.
“Suponho que foram eles?” disse Simon desconfiado. “O outro lado? O Escuro?”
“É claro.”
“Por que eles levaram as outras coisas, os broches e o resto?”
“Para fazer parecer certo,” disse Jane.
Tio Merry assentiu. “Foi ef iciente o bastante. Eles levaram as peças mais
valiosas. A políc ia pensará que estavam simplesmente atrás do ouro.” E le olhou para
baixo, para o expositor vazio; então o seu olhar tremulou, e cada um dos três sentiu-se
impelido a observar imóvel dentro dos profundos olhos escuros, com a luz por trás deles
como um fogo frio que nunca se apagou.
“Mas sei que eles quer iam apenas o Graal,” disse o t io Merry, “para a judá -los no
caminho até outra coisa. Sei o que pretendem fazer, e sei que devem ser impedidos a
qualquer custo. E estou com muito medo de que vocês três, sendo aqueles que o
encontraram, serão necessár ios mais uma vez para fornecer a juda. . . mu ito mais cedo do
que eu esperava.”
“Seremos?” falou Jane lentamente.
“Super,” disse Simon.
Barney falou, “Por que eles levariam o Graal agora? Isso s ignif ica que
encontraram o manuscrito perdido, aquele que explica a cif ra escr ita nos lados do
Graal?”
“Não,” disse o t io Merry. “Ainda não.”
“Então por que. . .”
“Não consigo explicar, Barney.” Ele enf iou suas mãos dentro d os bolsos e curvou
seus ombros. “Isso envolve Trewissick, e envolve aquele manuscr ito . Mas também é
parte de algo muito maior, algo que não pos so explicar. Só posso pedir a vocês que
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confiem em mim, como confiaram uma vez, em outra parte da longa batalha entre a Luz e
o Escuro. E para ajudar, se t iverem certeza de que sentem -se capazes, mesmo que ta lvez
não consigam entender completamen te o que estarão fazendo.”
Barney disse calmamente, afastando sua pálida mecha de cabelo loiro de seus
olhos: “Está tudo bem.”
“É claro que queremos ajudar,” Simon falou ansioso .
Jane não disse nada. Seu t io colocou um dedo sob o queixo dela, ergueu sua
cabeça e olhou para ela. “Jane,” e le disse gentilmente. “Não há absolutamente razão
alguma para envolver qualquer um de vocês nisso se não est iverem de acordo.”
Jane olhou para o rosto profundamente marcado, pensando no quanto ele parecia
com as ameaçadoras es tátuas pelas quais eles passaram em seu caminho através do
museu. “Você sabe que não estou com medo,” ela disse. “Bem, quero dizer, estou com
um pouco, mas com um medo excitante. É que se houver qualquer per igo para Barney, eu
acho. . . quero dizer, ele va i gritar comigo, mas ele é mais jovem do que nós somos e
deveríamos. . .”
Barney estava vermelho. “Jane!”
“Não adianta reclamar,” e la falou com f irmeza. “Se algo acontecesse a você, nós
seríamos responsáveis, Simon e eu.”
“O Escuro não tocará em nenhum de vo cês,” o t io Merry disse calmamente.
“Haverá proteção. Não se preocupem. Prometo isso a vocês. Nada que possa acontecer a
Barney o machucará.”
Eles sorri ram uns para os outros.
“Não sou um bebê!” Barney bateu um pé com raiva.
“Pare com isso,” falou Simon. “Ninguém disse que você era.”
Tio Merry falou, “Quando será o feriado da Páscoa, Barney?”
Houve uma pequena pausa.
“No dia quinze , eu acho,” Barney disse irr itado .
“Está cer to,” falou Jane. “Simon começou um pouco antes disso, mas nós todos
podemos ir além cerca de uma semana.”
“É um longo caminho,” disse o t io Merry.
“Tarde demais?” Eles olharam para ele ansiosamente.
“Não, acho que não. . . tem alguma coisa que impeça vocês três de passar essa
semana comigo em Trewissick ?”
“Não!”
“Nada!”
“Na verdade não. Eu ir ia para um tipo de conferência de ecologia, mas posso sai r
dessa. . .” a voz de Simon foi sumindo, enquanto pensava no pequeno vilarejo em
Cornwal l onde eles tinham encontrado o Graal. Qualquer aventura que acontecesse agora
havia começado ali , bem fundo em uma caverna nos penhascos, acima do mar. . . e sob a
rocha. E agora no centro das coisas , como est eve antes, sempre es taria o tio Merry,
Professor Merriman Lyon, a f igura mais misteriosa em suas vidas, que de algum modo
incompreensível estava envolvido com a grande batalha por controle do mundo entre a
Luz e o Escuro .
“Eu falarei com seus pais,” disse o tio deles.
“Por que Trewissick de novo?” d isse Jane . “Os ladrões levarão o Graal até lá?”
“Acho que devem levar.”
“Apenas uma semana,” Barney falou, olha ndo pensativamente para o expositor
vazio em frente a e les. “Não é mui to tempo para uma busca . Isso será o suf iciente ?”
“Não é muito,” disse o t io Merry. “Mas terá que servir.”
*******
Will t irou um talo de capim de sua haste e sentou-se em uma pedra perto do
grande portão da f rente, mast igando-o suavemente. A luz do sol de Abril cintilou nas
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folhas verdes novas das l imeiras ; um sabiá, em algum lugar , emitiu seu canto feliz.
Lilases e erisimos perfumavam a manhã. Will suspirou. Tod as estavam muito boas, essas
alegrias de uma primavera de Buckinghamshire, mas ele as ter ia apreciado mais com
alguém ali para compartilhar o feriado da Páscoa. Metade de sua grande família ainda
morava em casa, mas seu irmão mais próximo, James, estava passando a semana em um
acampamento de escoteiros, e Mary, a próxima na f ila, havia desaparecido para a casa de
algum parente dis tante, para se recuperar de caxumba . O res to estava ocupado com
preocupações de pessoas mais velhas. Esse era o problema de ser o mais jovem de nov e;
todos os outros pareciam ter crescido rápido demais.
Havia só um aspecto no qual e le, Will Stanton, era muito mais experiente do que
qualquer um deles, ou do que qualquer criatura humana. Mas somente ele sabia da grande
aventura que havia se apresentado, em seu décimo primeiro aniversár io, que ele havia
nascido como um dos últimos Antigos Escolhidos, guardiões da Luz, preso por leis
imutáveis a essa tarefa de defender o mundo contra o Escuro que se ergue. Apenas ele
sabia – e porque ele também era um garoto comum, nã o estava pensando nisso agora.
Raq, um dos cães da família, enf iou um nariz úmido em sua mão. Wil l acar iciou as
orelhas macias. “Uma semana intei ra,” disse para o cão. “O que faremos? Iremos
pescar?”
As orelhas tremeram, o nariz saiu de sua mão; rígido e alerta, Raq virou em
direção a estrada. Em um momento ou dois um táxi surgiu do lado de fora do portão: não
o familiar carro surrado que servia como táxi do vilarejo, mas um brilhante veículo
prof issional da cidade a três milhas de distância. O homem que s aiu dele era pequeno,
careca e meio desajei tado , vestindo uma capa de chuva e carregando uma grande bolsa
disforme. Ele dispensou o táxi, e f icou parado olhando para Will.
Confuso, Will andou depressa e se aproximou do portão. “Bom dia,” ele disse.
O homem f icou sério por um momento, então sorriu. “Você é Will,” ele disse. Ele
possuía um suave rosto redondo com olhos redondos, como um peixe esperto.
“Isso mesmo,” falou Will.
“O Stanton mais jovem. O sét imo f ilho. Tem um acima de mim – Eu era apenas o
sexto.”
A voz dele era macia e um pouco rouca, com um estranho sotaque do meio-
Atlânt ico; as vogais eram Americanas, mas a entonação era Inglesa. Will sorriu com
educada compreensão.
“Seu pai foi o sétimo naquela família,” disse o homem na capa de chuva. Ele
sorriu novamente, seus olhos redondos enrugando nos cantos, e esticou sua mão. “Oi.
Sou o seu t io Bill .”
“Bem, eu estou surpreso!” disse Will. Ele balançou a mão. Tio Bill . Com o mesmo
nome dele*. O i rmão favorito de seu pai, que tinha ido para América anos e anos atrás e
construiu algum t ipo de negócio de sucesso - cerâmica, não era isso? Wil l não se
lembrava de algum dia tê - lo vis to; e le recebia um presente de Natal a cada ano desse
desconhecido tio Bill , que também era seu padrinho, e com o resultado ele escrevia uma
enorme carta de agradecimento anualmente, mas as cartas nunca tiveram uma resposta.
“Você cresceu um pouco,” disse o t io Bill enquanto caminhavam até a casa. “Da
última vez que nos encontramos, você era uma pequena coisa berrante em um berç o.”
“Você soa como um Americano,” disse Will.
“Não é surpresa,” disse o Tio Bill . “Tenho sido um pelos últimos dez anos.”
“Você nunca respondeu minhas cartas de Natal.”
“Isso incomodou você?”
“Não, na verdade não.”
Os dois riram, e Will decidiu que esse t io era gente boa. Então eles estavam
dentro da casa, e seu pai es tava descendo as escadas; parando, com uma incrédula
brancura em seu rosto.
“Billy !”
“Roger!”
“Meu Deus,” disse o pai de Will, “o que aconteceu com seu cabelo?”
* B i l l é ape l ido de Wi l l i am .
5
Reuniões com parentes perdidos há muito tempo demoram bastante, especialmente
em grandes famílias. Eles es tavam nessa por horas. Will esqueceu completamente que
estivera tr iste pela ausência de companheiros. Até a hora do almoço ele havia descoberto
que seu t io Bill e t ia Fran est iveram na Inglaterra para visi tar as áreas comerciais de
olaria de Staffordshire e o distrito de argila chinesa de Cornwall, onde eles tinham
algum tipo complexo de negócio Anglo -Americano. Tinha ouvido tudo sobre suas duas
crianças crescidas, que pareciam ser contemporâneas de seu irmão mais velho Stephen, e
haviam dito a e le um pouco mais do que ele realmente queria saber a respeito do estado
do Ohio e do comércio da China . Tio Bill claramente era próspero, mas essa parecia ser
apenas a sua segunda viagem à Inglaterra desde que havia emigrado há mais de vinte
anos. Will gostou dos redondos olhos cint ilantes dele e da lacônica voz rouca. Ele já
estava sentindo que os panoramas para o seu feriado da semana tinham melhorado muito
quando descobriu que Tio Bill só iria f icar por uma noite, em seu caminho vindo de uma
viagem de negócios para Londres, e viajando até Cornwall no dia seguinte para se
encontrar com a esposa dele. Sua alegria desmoronou novamente.
“Um amigo meu vem me buscar, e nós estamos descendo . Mas vou te dizer uma
coisa, Frannie e eu vi remos passar alguns dias em nosso caminho de volta para os
Estados Unidos. Se você aceitar, é claro.”
“Eu gostaria muito,” disse a mãe de Will. “Após dez anos e cerca de três cartas,
meu jovem, você não vai escapar com apenas vinte e quatro horas . ”
“Ele me enviou presentes,” disse Will . “Todo Natal.”
Tio Bill sorriu para ele. “Alice,” ele falou de repente para a Sra. Stanton, “Já que
Will es tá fora da escola essa semana, e não está mui to ocupado, por que você não deixa
que eu o leve para Cornwal l no feriado? Eu poderia colocá -lo num trem de volta no f inal
da semana. Nós alugamos um lugar com muito mais espaço do que precisamos. E esse
meu amigo tem um par de sobrinhos vindo com ele, mais ou menos da idade de Will, eu
acredito .”
Will fez um som de tossir abafado , e olhou ansiosamente para seus pais. Franzindo
os rostos, eles começaram um dueto previsível.
“Bem, realmente é muita bondade. . .”
“Se você tiver cer teza que ele não será. . .”
“Certamente ele adoraria. . .”
“Se Frannie não se importar. . .”
Tio Bill piscou para Wil l. Wil l subiu as escadas e começou a arrumar sua mochila.
Colocou cinco pares de meias, cinco mudas de roupa debaixo, seis camisetas, um pulôver
e um suéter, dois pares de shorts, e uma lanterna. Então lembrou que s eu t io não partiria
até o dia seguinte, mas não parecia haver sent ido em desfazer a mochi la. Desceu as
escadas, a mochila saltando em sua costa como uma bola de futebol cheia demais .
Sua mãe disse, “Bem, Will, se você realmente gostaria de. . . Oh.”
“Adeus, Will,” disse seu pai.
Tio Bill deu uma risada. “Desculpe -me,” ele disse. “Se eu puder usar o seu
telefone. . .”
“Mostrarei a você.” Will o conduziu para a sala. “Isso não é d emais , não é?” ele
disse, olhando com incerteza para a mochila sal titante.”
“Tudo bem.” Seu tio estava fazendo a ligação. “Alô? Alô, Merry. Está tudo bem?
Bom. Só uma coisa. Estou levando meu sobrinho mais novo comigo para passar a
semana. Ele não tem muita bagagem” – ele sorriu para Wil l – “mas eu só pensei em me
cert if icar de que você n ão estava dir igindo algum carro pequeno. . . Ha -ha. Não, não em
pessoa . . . ok, certo, vejo você amanhã.” Ele desligou.
“Tudo certo, colega,” e le disse para Will. “N ós partimos às nove da manhã. Assim
f ica bom para você, Al ice?” A Sra. Stanton estava cruzando a sala com a bandeja do chá.
“Esplêndido,” ela disse.
Desde o início do telefonema, Will estivera completamente imóvel. “Merry?” ele
disse lentamente. “Esse é um nome incomum.”
“Ele é, não é mesmo?” disse seu t io . “Sujeito incomum, também. Ensina em
Oxford. Cérebro brilhante, mas acho que você o chamaria de um tipo est ranho – muito
6
t ímido, odeia encontrar pessoas. Ele é de mui ta conf iança, entretanto,” ele adicionou
rapidamente para a Sra. Stanton. “E um bom motorista.”
“Qual é o problema, Will?” disse a m ãe dele. “Parece que você viu um fantasma.
Tem alguma coisa errada?”
“Nada,” disse Will. “Oh, não. Nada mesmo.”
*******
Simon, Jane e Barney lutavam para sair da es tação St . Austell debaixo de um
amontoado de malas, sacolas de papel, capas de chuva e livros. A mul tidão do trem de
Londres estava diminuindo ao redor deles, absorvida por carros, ônibus, táxis.
“Ele disse que nos encontraria aqui, “não disse?”
“Claro que disse.”
“Não consigo vê - lo .”
“Ele es tá um pouco atrasado, só isso.”
“Tio Merry nunca s e atrasa.”
“Deveríamos descobrir de onde sai o trem de Trewissick, só para garant ir.”
“Não, ali está ele, eu o vejo. Eu disse a você que ele nunca se at rasou.” Barney
pulou, acenando. Então ele parou. “Mas ele não está sozinho. Tem um homem com ele.”
Uma leve nota de ultraje ras tejou na voz dele. “E um garoto .”
*******
Um carro buzinou uma vez, duas, três vezes do lado de fora da Casa dos Stantons.
“Aqui vamos nós,” disse o Tio Bill , pegando sua bolsa e a mochi la de Will.
Will rapidamente deu um bei jo d e despedida em seus pais, cambaleando sob a
enorme sacola de sanduíches, vasi lhas térmicas e refrigerantes que sua mãe colocou em
seus braços.
“Comporte-se,” ela disse.
“Não acredito que Merry vá sair do carro,” disse Bil l para ela enquanto eles
caminhavam descendo o caminho de entrada . “Sujeito mui to tímido, não dê atenção. Mas
ele é um bom amigo. Você gostará dele, Will.”
Will disse, “Tenho certeza que gostarei .”
No f inal do caminho, um enorme Daimler antigo estava aguardando.
“Bem, bem,” disse o pai de W i l l respeitosamente.
“E eu es tava preocupado com espaço!” disse Bi ll . “Eu deveria saber que ele
dirigir ia a lgo como isso. Bem, adeus gente. Aqui, Will, você pode entrar na f rente.”
Em um alvoroço de despedidas eles subiram no ilus tre carro; uma grande f igu ra de
cachecol enrolado sentava encolhida ao volante, usando um horrível gorro marrom
felpudo.
“Merry,” disse Tio Bill enquanto eles partiam, “esse é o meu sobrinho e af ilhado.
Will Stanton, Merriman Lyon.”
O motorista colocou de lado seu capuz ameaçador, e um tufo de cabelo branco
saltou em desgrenhada liberdade. Olhos escuros sombrios observaram Will saindo de
uma f igura com nariz de falcão.
“Saudações, Antigo Escolhido,” d isse uma voz familiar dentro da mente de Will.
“É maravilhoso vê - lo ,” Will disse silenciosamente, alegremente.
“Bom dia, Will Stanton,” disse Merriman.
“Como vai, senhor ,” disse Will.
*******
7
Houve uma conversação considerável durante a viagem de Buckinghamshire até
Cornwal l, particularmente após o piquenique de almoço, quando o tio d e Will adormeceu
e cochi lou pacif icamente por todo o resto do caminho.
Will falou f inalmente: “E Simon, Jane e Barney não têm idéia de que o Escuro
programou o roubo do Graal para coincidir com a confecção do Greenwitch?”
“Eles nunca ouviram falar d o Greenwitch,” disse Merr iman. “Você terá o
privilégio de dizer a eles. Casualmente, é cl aro.”
“Humm,” disse Will. Ele es tava pensando em outra coisa. “Eu f icaria mui to feliz
se ao menos nós soubéssemos que forma o Escuro tomará.”
“Um problema antigo. Sem solução .” Merr iman olhou de lado para ele, com uma
sobrancelha branca erguida. “Só temos que esperar e ver. E acho que não esperaremos
muito. . .”
Um pouco depois e naquela tarde, o Daimler fez seu nobre caminho para dentro da
área da estação de trem em St . Austell , em Cornwall. Parado em um pequeno monte de
bagagem, Will viu um garoto um pouco mais velho do que ele mesmo, trajando um blazer
escolar e com um ar de consciente autoridade; uma garota aproximadamente da mesma
altura, com um cabelo longo preso em um rabo de cavalo, e uma expressão preocupada; e
um pequeno garoto com uma massa de cabelo loiro, quase branco, sentado placidamente
em uma mala observando a aproximação deles.
“Se não souberem nada a meu respeito ,” ele disse para Merriman na fala da mente
dos An t igos Escolhidos, “eles terão extrema antipatia por mim, eu acho .”
“Isso realmente pode ser verdade,” d isse Merriman. “Mas nenhum de nós acha
que isso tem muita importância , comparado à urgência da tarefa.”
Will suspirou. “Cuidado com o Greenwitch ,” ele disse.
8
CAPÍTULO DOIS
“Pensei que poderíamos colocá - la aqui, Jane,” Merriman disse, abrindo uma porta
do quarto e se abaixando cuidadosamente para passar . “Muito pequeno, mas a vista é
boa.”
“Oh!” disse Jane encantada. O quarto estava pintado de branco, com alegres
cortinas amarelas, e uma colcha amarela na cama. O te to curvava -se para baixo de modo
que a parede de um lado tinha apenas a metade da altura da parede do outro lado, e havia
espaço apenas para uma cama, uma penteadeira e uma cadeira. Mas o pequeno quarto
parecia cheio de raios de sol, a inda que o céu do lado de fora das cortinas es tivesse
cinza. Jane f icou observando, enquanto seu tio seguiu em frente para mostrar aos rapazes
seu quarto, e ela pensou que a imagem que podia ver da janela era o melhor de tudo.
Ela estava bem al to no lado do porto, com uma visão geral dos barcos , dos muros
de contenção , do cais cheio de caixas , dos potes de lagostas , e da pequena fábrica de
enlatados. Toda a vida do atarefado porto estava fervi lhando ali abaixo dela, e para a
esquerda, além da parede do porto e do escuro braço de terra chamado Kemare Head,
jazia o mar. Era um mar cinzento agora, salpicado de branco. O olhar de Jane moveu -se
novamente do plano horizonte do oceano, e ela olhou direto sobre a es trad a inclinada no
lado oposto do porto, e viu a alta casa est rei ta na qual e les t inham f icado no verão
anterior. A Casa Cinza. Tudo tinha começado ali .
Simon bateu na porta e enf iou sua cabeça. “Ei, é uma super vis ta que você tem. O
nosso não tem nenhuma, mas é um bom quarto, todo comprido e f ino.”
“Como um caixão,” disse Barney com uma voz sonora, atrás da porta.
Jane deu uma risadinha. “Entrem, olhem para a Casa Cinza bem ali. Fico
imaginando se encontraremos o Capitão Coisa, aquele de quem tio Merry alugou?”
“Toms,” disse Barney. “Capitão Toms. E eu quero ver Rufus, espero que ele
lembre de mim. Cães realmente possuem boa memória, não é?”
“Tente caminhar através da porta do Capitão Toms e descobrirá,” disse Simon. “Se
Rufus te morder, cães não possuem boa m emória.”
“Muito engraçado.”
“O que é aquilo?” Jane falou de repente. “ Silêncio !”
Eles f icaram em um silêncio quebrado apenas pelos sons dos carros e gaivotas,
sobreposto pelo murmúrio do mar. Então ouviram um leve som de batidas .
“Está do outro lado daquela parede! O que é isso?”
“Parece um tipo de código . Acho que é Morse. Quem conhece Morse?”
“Eu não,” disse Jane. “Você deveria ter sido um Escoteiro.”
“Deveríamos ter aprendido isso na escola ano passado,” Barney falou de modo
hesitante. “Mas eu não. . . espere um minuto. É um D.. . não conheço essa. . . E . . . W . . . e S,
é fácil . Lá vai e le de novo. Que diabos. . .?”
“Drews,” Simon falou de repente. “Alguém está batendo "Drews". Nos chamando.”
“É aquele garoto,” falou Jane. “A casa é formada por duas menores unidas, então
ele deve ter exatamente o mesmo quarto que esse, do outro lado da parede.”
“Stanton,” disse Barney.
“Muito bem. Will Stanton. Bata de volta para ele, Barney.”
“Não,” disse Barney.
Jane f icou olhando para e le. Seu longo cabelo amarelo esbranq uiçado tinha caído
para o lado, mascarando o rosto dele, mas ela podia ver o lábio inferior se unindo
inf lexível de um jeito que ela conhecia bem.
“Por que não?”
“Agora ele parou,” disse Barney evasivamente.
“Mas não há problema algum em ser amigável.”
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“Bem . Não. Bem. Oh, eu não sei. . . e le é um estorvo. Não ve jo por que tio Merry
deixou ele vir. Como podemos descobrir como pegar o Graal de volta com alguma
criança es tranha perambulando por aí?”
“Tio Merry provavelmente não conseguiu se livrar dele,” falou Jan e. Ela soltou
seu cabelo e pegou uma escova do bolso dela. “Quero dizer, é seu amigo Sr. Stanton
quem está alugando as casas, e Wil l é sobrinho do Sr. Stanton. Então é isso , não é?”
“Podemos nos livrar dele muito facilmente,” Simon disse confiante. “Ou man tê-lo
longe. Logo perceberá que não é desejado, ele parece bastante rápido em pegar as
coisas . ”
“Bem, podemos ao menos ser educados,” disse Jane. “Começando agora – será
hora da ceia em poucos minutos.”
“É claro,” disse Simon suavemente. “É claro.”'
*******
“É um lugar maravilhoso,” disse Will , radiante . “Posso ver bem acima do porto do
meu quarto. A quem pertencem as casas?”
“Um pescador chamado Penhallow,” disse o tio dele. “Amigo de Merry. Eles
devem ter estado na família por algum tempo, a julgar por isso.” Ele apontou para uma
grande fotograf ia amarelada sobre a larei ra, de moldura ornamentada, exibindo um
cavalheiro Vitoriano de aparência solene com um colarinho f irme e roupa escura. “O avô
do Sr. Penhal low, me disseram. Mas as casas estão modern izadas, é claro. Elas podem
ser deixadas separadamente ou juntas – nós pegamos as duas quando Merry decidiu
convidar as cr ianças Drew. Todos comeremos juntos aqui.”
Ele indicou a a legre sala, um conjunto de estantes, cadeiras com braços e
lamparinas, muito novas e mui to velhas, com uma grande mesa sólida e oito cadeiras de
encosto alto .
“Você conhece o Sr. Lyon há muito tempo?” disse Will curiosamente.
“Um ano ou dois,” falou Bill Stanton, esticando -se em sua cadeira, o gelo
til intando em um copo na mão dele. “Encontramos ele na Jamaica, não foi, Fran?
Estávamos de férias – Nunca descobri se Merry es tava de férias ou t rabalhando.”
“Trabalhando,” falou sua esposa, ocupada colocando a mesa. Ela era calma e
amável, uma pessoa al ta, de movimentos lentos: de modo algum o que Will estava
esperando de um Americano. “Em alguma inspeção do governo. Ele é um professor na
Universidade Oxford,” ela disse respei tosamente para Wil l. “Um homem muito
inteligente. E um verdadeiro doce – ele veio o caminho todo até Ohio passar alguns dias
conosco no outono passado, quando estava dando uma conferência em Yale.”
“Ah,” disse Will pensat ivamente. Ele foi impedido de fazer mais perguntas por um
súbito barulho vindo da parede ao lado dele. Uma grande porta de madeira se abriu, por
pouco não atingindo sua costa, revelando Merr iman na ação de fechar outra porta
idêntica a lém dela.
“Aqui é onde as duas casas se conectam,” disse Merriman, observando a surpresa
de Will com um pál ido sorriso. “Eles trancam ambas as portas se as duas forem d eixadas
separadamente.”
“A ceia não vai demorar,” disse Fran Stanton em seu suave falar arrastado .
Quando ela falou, uma pequena senhora corpulenta com um nó de cabelo cinza entrou no
aposento atrás dela, carregando uma bandeja chocalhando com xícaras e pratos.
“Boa noite”, Professor,” ela disse, olhando para Merriman. Will gostou do rosto
dela instantaneamente: todas as suas l inhas pareciam destacadas pelo sorriso.
“Boa noite, Sra . Penhallow.”
“Will,” disse seu t io , “essa é a Sra. Penhallow. Ela e seu mar ido são donos dessas
casas. Meu sobrinho Will.”
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Ela sorriu para e le, colocando a ba ndeja. “Bem vindo a Trewissick, querido.
Vamos nos cert if icar de que você tenha um feriado maravilhoso, junto com aqueles
outros três pestinhas .”
“Obrigado,” disse Wil l.
A porta divisória se abr iu, e os três Drews entraram juntos .
“Sra. Penhallow! Como está?”
“Você tem visto Rufus por aí?”
“O Sr. Penhallow nos levará para pescar dessa vez?”
“Aquela horrível Sra. Palk ainda está aqui? Ou o sobrinho dela?”
“Como está o White Heather?”
“Devagar , devagar,” ela disse, rindo.
“Bem,” disse Barney. “Como está o Sr. Penhallow?”
“Está bem. Saiu no barco agora, é c laro. Agora esperem só um pouco enquanto
preparo a ceia de vocês .” Ela saiu depressa .
“Posso ver que vocês t rês conhecem o caminho pelo lugar,” disse Bill Stanton, seu
rosto redondo sério.
“Oh , sim,” disse Barney complacentemente. “Todos nos conhecem aqui.”
“Teremos mui tos amigos para ver,” disse Simon um pouco al to demais, com uma
rápida olhada de lado para Will.
“Sim, eles est iveram aqui antes. Ficaram por duas semanas no verão passado,”
disse Merriman. Barney olhou para ele at ravessado. O rosto f ino profundamente marcado
de seu tio es tava impassível.
“Três semanas,” disse Simon.
“Foi mesmo? Peço desculpas.”
“É adorável es tar de volta,” Jane falou diplomaticamente. “Muito obrigada por nos
deixar vir, Sr. Stanton, Sra. Stanton.”
“Vocês são mui to bem -vindos.” O t io de Will balançou uma das mãos no ar. “As
coisas têm ido bem – vocês três e Will podem ter bons momentos juntos, e deixar a sós
essas nossas f iguras antiquadas .”
Houve um silêncio muito breve. Então Jane disse radiante, sem olhar para seus
irmãos, “Sim, nós podemos.”
Will falou para Simon, “Por que é chamada de Trewissick?”
“Hum,” disse Simon, pego de surpresa, “Realm ente não sei. Você sabe o que
signif ica, t io Merry?”
“Pesquisem ,” disse o seu tio f riamente. “Pesquisa aguça a memória.”
Will disse timidamente, “É o lugar onde eles têm a cerimônia do Greenwitch, não
é?”
Os Drews olharam para ele. “Greenwitch? O qu e é isso?”
“Isso mesmo,” disse Merriman. Olhou para eles, uma leve curva surgindo em um
lado de sua boca.
“Isso estava em algum livro que li sobre Cornwal l,” disse Will.
“Ah,” Bill Stanton disse. “Will é um completo antropólogo, o pai dele estava me
dizendo. Prestem atenção . Ele é muito bom em cerimônias e coisas ass im.”
Will parecia estar um pouco desconfortável. “É só um tipo de coisa da primavera,”
ele disse. “Eles fazem uma imagem de folhas e a jogam dentro do mar. Às vezes chamam
de Greenwitch e às vezes de King Mark 's Bride . Um velho costume.”
“Oh sim. Como o carnaval,” Barney falou com indiferença . “No verão.”
“Bem, não, não exatamente.” Will esfregou sua orelha, soando complacente .
“Quero dizer, a Festa da Colhei ta , é mais um tipo de coisa de turis ta, não é?”
“Hum!” disse Simon.
“Ele es tá certo, você sabe,” disse Barney. “Tinha muito mais vis itantes do que
nativos dançando nas ruas no verão passado. Incluindo a mim.” Ele olhou para Will
pensativamente.
“Aqui es tamos!” gritou a Sra. Penhallow, surgin do na sala com uma bandeja de
comida quase tão grande quanto ela mesma.
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“Sra. Penhallow deve saber tudo a respeito d o Greenwitch,” disse Fran Stanton em
sua voz Americana macia. “Não sabe, Sra. Penhal low?” Era um comentário bem
intencionado com objetivo de manter a paz, em uma si tuação que lhe parecia um pouco
delicada. Mas teve o efeito contrário. A pequena mulher de Cornwal l colocou sua
bandeja na mesa bruscamente, e o sorriso desapareceu de seu rosto.
“Eu não trato de conversas de bruxas,” e la disse, pol idamente, mas de forma
def initiva, e saiu novamente.
“Oh , meu Deus,” disse t ia Fran assombrada.
O marido dela deu uma risada. “Ianques, vão para casa,” ele disse.
*******
“O que é realmente esse Greenwitch, t io Merry?” Simon disse na manhã seguinte.
“Will disse a você.”
“Tudo o que ele sabia foi o que tirou de algum livro.”
“Ele vai ser um estorvo, eu temo,” Barney disse com desgosto.
Merriman olhou para ele f riamente . “Nunca rejei te o valor de alguém até que você
o conheça.”
Barney disse, “Eu só quis d izer. . .”
“Cale -se, Barney,” falou Jane.
“A confecção do Greenwitch,” disse Merriman, “é um antigo ritual da primavera
ainda celebrado aqui, para saudar o verão e trazer uma boa colhei ta da safra e de peixe .
Em um dia ou dois, enquanto acontece. Se vocês todos se comportarem de modo um
pouco mais gent il , Jane pode conseguir ver.”
“Jane?” disse Barney. “Só a Jane?”
“A confecção do Greenwitch é algo bastante privado do vilarejo,” disse Merriman.
Jane pensou que a voz dele parecia cansada, mas o rosto dele esta va tão perto do telhado
da pequena plataforma que se perdia na sombra. “Normalmente não é permitido nenhum
visi tante per to. E dos locais, apenas as mulheres podem estar presente.”
“Que droga !” disse Simon com desgosto.
Jane falou, “Certamente nós dever íamo s estar fazendo algo a respeito do Graal, t io
Merry? Quero dizer que af inal de contas é por isso que es tamos aqui. E não fomos muito
longe.”
“Paciência,” disse Merr iman. “Em Trewissick, como deve lembrar, você nunca tem
que procurar para que as coisas acon teçam. Elas tendem a acontecer com você.”
“Nesse caso,” disse Barney, “Vou sair um pouquinho.” Ele segurava o caderno
achatado em sua mão discretamente contra o seu f lanco, mas o seu tio olhou para baixo
de uma altura como se fosse um farol.
“Desenhando?” ele disse.
“Uh-huh, disse Barney relutantemente. A mãe dos Drew era uma artista. Barney
sempre havia expressado horror na idéia de possuir o mesmo talento, mas nos últimos
doze meses esteve desconcertado em descobrir isso af lorando nele.
“Tente desenhar esse terraço do outro lado,” disse Merriman. “Assim como os
barcos.”
“Está bem. Por que?”'
“Oh, não sei,” disse o seu tio vagamente. “Isso pode vir a ser útil . Um presente
para alguém. Talvez até mesmo para mim.”
*******
Atravessando o cais, Barney passou por um homem sentado em um cavalete. Essa
era uma visão bastante comum em Trewissick, que como muitos dos vilarejos mais
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pitorescos em Cornwall era muito f req üentado por pintores amadores. Esse artista em
particular tinha uma grande quantidade de cabelo e scuro despenteado, e uma si lhueta
quadrada robusta. Barney parou, e olhou por cima do ombro dele. Ele piscou. No
cavalete havia uma pintura abstrata em claras cores brutas, não possuindo qualquer
relação visível com a cena no porto diante deles; isso era i nesperado, comparado com as
pequenas cores limpas e f racas que dezenove entre vinte pintores do porto de Trewissick
produziam. O homem estava pintando como um louco. Ele falou, sem parar ou se virar,
“Vá embora.”
Barney hesitou por um momento. Havia verdad eiro poder na pintura, de um tipo
peculiar que o fez sentir -se est ranhamente inquieto.
“Vá embora,” o homem disse mais alto .
“Estou indo,” disse Barney, dando um passo para trás. “Por que verde, ali em cima
naquele canto, entretanto? Por que não azul? Ou um t ipo melhor de verde?” Ele estava
perturbado por um feio zigue-zague desagradável de uma cer ta sombra, um amarelado,
verde semelhante a mostarda que afastava os olhos do res to da imagem. O homem
começou a fazer um leve ruído semelhante a um cão rosnando, e os ombros largos
endureceram. Barney par tiu. Disse a si mesmo de modo rebelde, “Mas aquela cor estava
completamente errada.”
No lado mais afastado do porto ele se encostou em uma parede baixa, com a
íngreme rocha par tida do promontório às suas costas. O p intor mau humorado estava
invisível dal i , escondido por atrás das inevitáveis pilhas de caixas de peixe no cais.
Barney apontou um novo lápis com seu canivete e começou a rabiscar. Um rascunho de
um simples barco de pesca f icou ruim, mas um grosseiro conto rno de todo o porto
começou a f icar bom, e Barney trocou do lápis para uma antiga caneta tinteiro de ponta
suave pela qual tinha uma par ticular paixão. Então trabalhou mais rápido, contente com o
desenho, absorvido por seus detalhes , tendo a sensação – ainda nova, nessa primavera –
que algo de si mesmo estava f luindo através de seus dedos. Era como um tipo de mágica.
Buscando por ar, ele fez uma pausa, e segurou o desenho com os braços estendidos.
E sem um som, uma grande mão de manga escura surgiu de um la do e agarrou o
caderno de rascunho . Antes que Barney pudesse virar sua cabeça, ele ouviu um barulho
de papel se rasgando. Então o caderno foi lançado de volta aos seus pés , saltando pelo
chão. Som de passos correndo. Barney saltou com um gri to indignado, e viu um homem
correndo subindo pelo lado do cais, a página d o caderno de rascunho balançando branca
contra as roupas escuras dele. Era o pintor mau humorado de cabelo longo que tinha
visto no cais.
“Ei!” Barney gri tou, furioso. “Volte!”
Sem olhar para trás , o homem virou no f inal da parede do porto. Estava muito
distante, e o caminho do porto inclinava -se subindo o morro. Barney subiu bem a tempo
de ouvir o motor de um carro ganhar vida e rugir para longe. Ele virou na esquina
entrando na estrada, e deu de encontro com alguém que caminhava subindo o morro.
“Uh!” grunhiu o estranho, enquanto o ar escapava dele. Então sua voz retornou.
“Barney!”
Era Will Stanton.
“Um homem,” ofegou Barney, olhando ao redor dele. “Homem de suéter escuro.”
“Um homem veio correndo do porto logo a f rente de você,” Will disse, f ranzindo
as sobrancelhas. “Ele pulou em um carro e dirigiu naquela direção.” Ele apontou para o
vilarejo.
“Era ele,” disse Barney. Ele olhou ressentido para a est rada vazia.
Will olhou também, mexendo no zíp er de sua jaqueta. Ele falou com força
surpreendente, “Sou um estúpido, estúpido, eu sabia que t inha alguma coisa - não estava
atento, distraído . . .” Ele balançou a cabeça como se quisesse jogar fora a lgo dela. “O que
ele fez?”
“Ele é pirado . Louco.” Barney ainda mal conseguia falar de indignação. “Eu
estava sentado ali desenhando, ele simplesmente apareceu do nada, arrancou o desenho
do meu caderno e se mandou com ele . Para quê alguma pessoa normal faria isso?”
“Você o conhecia?”
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“Não. Bem, quer dizer, eu o t inha visto, mas somente hoje. Ele estava sentado no
cais, pintando, em um cavalete.”
Will sorriu largamente. Um sorriso idiota, Barney pensou.
“Parece que ele pensou que seu desenho era melhor do que o dele.”
“Oh, deixa disso,” Barney falou impaciente.
“Bem, com era a pintura dele?”
“Estranha. Muito peculiar.”
“Aí está, então.”
“Aí é que não es tá . Era estranha, mas era boa também, de um modo perturbador.”
“Meu Deus,” disse Will, parecendo vago. Barney observou o rosto redondo dele
com sua densa f ranja de cabelo castanho, e sentiu -se mais i rri tado do que nunca.
Começou a pensar em uma desculpa para ir embora.
“Ele tinha um cão no carro,” Wil l falou de modo distante.
“Um cão?”
“Latindo mui to. Você não ouviu? E saltando bastante. Quase pulou para fora
quando ele entrou. Espero que não tenha mastigado seu desenho.”
“Espero que tenha s im,” Barney falou f riamente.
“Cão adorável, ” disse Will, no mesmo tom vago, sonhador. “Um daqueles
perdigueiros Irlandeses de pernas longas, de uma cor super avermelhada. Nenhum ho mem
decente trancar ia um cão como aquele em um carro.”
Barney f icou paral isado, olhando para e le. Só tinha um cão como aquele em
Trewissick. De repente ele percebeu que atravessando diretamente a estrada ele podia ver
uma casa alta c inzenta famil iar. No me smo momento um portão ao lado da casa abriu, e
um homem saiu: um homem idoso corpulento com uma pequena barba cinzenta,
apoiando-se em um cajado. Parado na est rada, ele colocou os dedos em sua boca e deu
um sonoro assobio de duas notas. Então chamou, “Rufu s? Rufus!”
Impulsivamente, Barney correu em direção a ele. “Capitão Toms? você é o Capitão
Toms, não é? Por favor, veja, eu conheço Rufus, ajudei a procurar por ele no verão
passado, e acho que alguém o roubou. Um homem partiu com ele em um carro, um
homem escuro com cabelo longo, um homem medonho.” Ele fez uma pausa. “É claro, se
era a lguém que você conhece. . .”
O homem de barba olhou para Barney cuidadosamente. “Não,” ele falou devagar,
deliberadamente. “Não conheço um cavalheiro com essa descrição. Mas vo cê parece
realmente conhecer Rufus. E pelo seu cabelo imagino que talvez você seja o sobrinho
mais jovem de Merr iman. Um de meus inquilinos, ano passado, não é? A criança com os
olhos aguçados.”
“Isso mesmo.” Barney sorriu. “Sou Barnabas. Barney.” Mas algo sobre o
comportamento do Capitão Toms o deixou intrigado: era quase como se ele es tivesse
conduzindo alguma outra conversa ao mesmo tempo. O homem idoso nem mesmo estava
olhando para ele ; parecia es tar contemplando a superf íc ie do mar de modo vazio, sem v er
nada, perdido em sua própria mente.
De repente Barney lembrou de Will. Ele se virou – e para sua surpresa, viu que
Will também estava parado perto dele olhando vagamente para o nada, inexpressivo,
como se estivesse escutando. O que estava acontecendo c om todo mundo? “Esse é Will
Stanton,” e le falou bem alto para o Capitão Toms.
O rosto barbado não mudou sua expressão. “Sim,” disse gentilmente o Capitão
Toms. Então balançou sua cabeça, e pareceu despertar. “Um homem escuro, você disse?”
“Ele era um pinto r. Muito mau humorado. Não sei quem era ele ou qualquer coisa.
Mas Will viu ele indo embora com um cão que parecia exatamente com Rufus – e bem em
frente à sua porta.”
“Vou verif icar,” disse o Capitão Toms para t ranqüilizar . “Mas entrem, entrem, os
dois. Você mostrará a Casa Cinza ao seu amigo, Barnabas. Tenho que encontrar minha
chave. . . Eu estava ocupado no jardim.. .” Ele procurou em seus bolsos, tateando em sua
jaqueta inuti lmente sem apoiar -se com o braço na bengala. Então eles estavam na porta
da f rente.
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“A porta está aberta!” Will disse rapidamente. Sua voz estava f irme, muito
diferente de seu balbuciar vazio de alguns momentos antes, e Barney piscou.
Capitão Toms empurrou a porta semi -aberta com seu cajado, e caminhou para
dentro . “Foi ass im que o ind ivíduo fez Rufus sai r. Abriu a porta da f rente enquanto eu
estava lá at rás. . . Ainda não consigo encontrar aquela chave.” Ele começou a remexer em
seus bolsos novamente.
Seguindo-o ao entrar, Barney sent iu algo esfregar em seus pés; se abaixou, e
pegou uma folha de papel branco. “Você não pegou seu. . .” Ele parou bruscamente. A
nota era muito cur ta, e com letras grandes. Não conseguiu evi tar de ler em um olhar. Ele
a estendeu para o capitão, mas foi Will, esse est ranho Will conf iante, quem pegou o
papel, e f icou olhando para ele com o homem idoso, as duas cabeças próximas, jovem e
velha, castanha e c inza.
A nota estava escr ita em grandes le tras maiúsculas cortadas de um jornal e coladas
na folha muito cuidadosamente. Dizia. “SE VOCÊ QUER O SEU CÃO DE VOLTA
VIVO, FIQUE LONGE DO GREENWITCH.”
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CAPÍTULO TRÊS
Sob o céu do pôr-do-sol o mar estava plano como vidro. Longas e lentas ondas do
Atlânt ico , ondulando como músculos debaixo da pele, formavam a única visão da grande
força invisível do oceano em todo o tr anqüilo anoitecer. Os barcos de pesca moviam -se
calmamente, um longo rastro se espalhava at rás de cada um; seus motores ecoavam
suavemente através do ar parado. Jane estava no f im do Kemare Head , no topo de uma
queda de grani to que lançava suas rochas duzentos pés até o mar, e e la os observou
partir. Barcos de brinquedo, eles pareciam dali : o dispersar de uma frota de pesca que
toda semana, todo mês, todo ano por anos sem f im tinha saído atrás de sardinha ou do
carapau antes do crepúsculo, e continuado na c aça até o amanhecer. A cada ano havia
menos deles, mas todo ano eles ainda partiam.
O sol desceu no horizonte, uma cinti lante bola gorda espalhando luz amarela sobre
o mar plano, e o último barco arrastou -se saindo do porto de Trewissick, seu motor
pulsando como uma batida de coração abafada nos ouvidos de Jane. Enquanto as últ imas
linhas que se espalhavam do ras tro do barco batiam contra a parede do porto, em um
rápido movimento f inal o grande sol desceu no horizonte, e a luz do anoitecer de Abril
começou a morrer muito lentamente. Um pequeno vento soprou. Jane estremeceu, e
apertou sua jaqueta em torno de si; de repente houve um resfriar no ar que escurecia.
Como que em resposta a essa brisa que começava, uma luz brilhou repentinamente
sobre a Baía de Trewissick, no promontório oposto a Kemare Head . Ao mesmo tempo
houve um súbito aquecer nas costas de Jane. Ela se virou, e viu f iguras escuras contra
chamas al tas, onde uma luz tinha sido acesa no enorme amontoado de madeira e galhos
que jaziam esperando tornarem-se uma fogueira para essa noite. Sra. Penhallow havia
dito a ela que as duas luzes queimariam até que os barcos de pesca retornassem, chamas
saltando através de toda a noite até o amanhecer.
Sra. Penhallow: agora havia um mistério. Jane pensou novamen te no momento,
naquela manhã, em que es tivera sozinha na sala de estar, folheando uma revista,
esperando por Simon. Ela ouviu alguém limpar a garganta de modo nervosos , e al i na
porta da cozinha estava parada a Sra. Penhal low, rechonchuda, rosada e incomumente
inquieta.
“Muito bom que tenha vindo para a confecção esta noite, quer ida, você é bem
vinda,” ela disse abruptamente.
Jane piscou para ela. “A confecção?”
“A confecção do Greenwitch.” O tom do sotaque de Cornwall da Sra. Penhallow
parecia mais destacado do que o normal. “Isso leva a noite toda, é um longo trabalho, e a
ninguém de fora é permit ido f icar perto, geralmente. Mas se você achar que gostaria. . .
sendo a única fêmea próxima do Professor, e tudo. . .” Ela balançou uma das mãos como
que para capturar as pala vras. “As mulheres realmente concordam que está tudo bem, e
eu f icar ia feliz em levá- la.”
“Muito obrigada,” disse Jane, confusa mas agradecida. “Hum.. . a Sra. Stanton
pode vir também?”
“Não,” A Sra. Penhallow disse rispidamente. Ela adicionou mais genti l , quando as
sobrancelhas de Jane se ergueram, “Ela é uma forasteira, você sabe. Não combina. ”
Em cima do promontório, contemplando o fogo, Jane lembrou da clara f inalidade
das palavras. Ela havia aceito o pronunciamento e, sem nem ao menos tentar explicar a
situação para Fran Stanton, tinha sa ído para o promontório com a Sra. Penhallow logo
após a ceia.
Ainda não tinha sido dada para ela nenhuma idéia do que i ria acontecer. Ninguém
disse como seria a coisa chamada Greenwitch, como ser ia fei ta, ou o qu e aconteceria a
ela. Sabia apenas que ocuparia a noite toda, e terminar ia quando os pescadores voltassem
para casa. Jane es tremeceu novamente. A noite estava caindo, e ela não tinha muita
paixão pelas noites de Cornwal l; elas guardavam muito do desconhecid o.
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Nuvens negras corriam sobre as rochas ao redor dela, dançando e desaparecendo
enquanto chamas saltavam. Instintivamente procurando companhia, Jane moveu -se para
f rente dentro do brilhante círculo de luz ao redor da fogueira; mesmo assim isso também
era perturbador, pois agora as outras f iguras moviam -se para f rente e para trás no l imiar
da escuridão, fora de vista, e de repente e la sent iu -se vulnerável. Hesitou, assustada pela
tensão no ar.
“Venha minha querida,” disse a voz suave da Sra. Penhallow, ao l ado dela. “Venha
aqui.” Havia um toque de urgência em seu tom. Rapidamente pegou Jane pelo braço e a
conduziu para o lado. “Hora da confecção,” ela disse. “Você vai querer f icar fora do
caminho, se puder.”
Então ela foi embora novamente, deixando Jane sozi nha perto de um grupo de
mulheres ocupadas com algo ainda não visível. Jane encontrou uma pedra e sentou,
aquecida pelo fogo; ela observou. Grandes números de mulheres estavam ali, de todas as
idades: as mais jovens de jeans e suéteres, o resto com robusta s saias escuras, longas
como sobretudos, e pesadas botas altas. Jane podia ver uma grande pilha de pedras, cada
uma do tamanho da cabeça de um homem, e uma pilha muito mais alta de galhos verdes -
hawthorn , ela pensou – com folhas demais para serem destinados ao fogo. Mas não
entendeu o propósito de nenhuma delas.
Então uma mulher a lta moveu-se para f rente do res to, e manteve um braço erguido
bem alto . Ela gritou algo que Jane não conseguiu entender, e ao mesmo tempo as
mulheres começaram a trabalhar, de um modo curiosamente ordenado em pequenos
grupos. Algumas pegavam um galho, arrancavam suas folhas e ramos, e tes tavam sua
f lexibilidade; então outras pegavam o galho, e de um jeito muito habilidoso unia m-no a
outros no que começou muito lentamente a emergir como um tipo de forma.
Depois de algum tempo a forma começou a mostrar sinais de transformar -se em
um grande cilindro. A l impeza, dobra e junção continuou por um longo tempo. Jane se
mexia inquieta. As folhas em alguns dos galhos pareciam ser de uma forma diferente de
hawthorn . Ela não estava perto o bastante para ver o que poderiam ser, e não pretendia
se mover. Sent iu que só estaria segura aqui, semi - invis ível em sua pedra, sem ser notada,
observando de uma certa distância.
De repente ela notou ao seu lado a mulher alta que parecia ser a líder das outras.
Olhos brilhantes a observavam de um rosto f ino, envolto por um cachecol amarrado
debaixo do queixo. “É Jane Drew,” a mulher disse, com um sotaque de Cornwal l que
pareceu estranhamente duro. “Uma daqueles que encontraram o Graal. ”
Jane deu um pulo. O pensamento no Graal nunca es teve totalmente fora de sua
mente, mas não tinha ligado ele com essa es tranha cerimônia aqui. A mulher, entretanto,
não o mencionou novamente.
“Cuidado com o Greenwitch ,” ela disse para s i mesma. Era como uma saudação.
O céu estava quase negro agora, com apenas um fraco sinal do brilho da luz do
dia. As luzes das duas fogueiras queimaram luminosas nos promontórios. Jane falou
depressa, agarrando-se a essa companheira contra o solitár io escuro, “O que elas estão
fazendo com aqueles galhos?”
“Hazel para a armação,” disse a mulher. “Rowan para a cabeça. E o corpo é de
ramos e f lores de hawthorn . Com as pedras dentro, para afundar. E aqueles que estão
com problemas, ou infrutíferos, ou que fariam qualquer pedido, devem tocar o
Greenwitch pouco antes del e ser jogado do penhasco.”
“Oh,” disse Jane.
“Cuidado com o Greenwitch ,” falou de novo a mulher delicadamente, e se afastou.
Sobre os seus ombros ela disse, “Você pode fazer um pedido também , se quiser. Eu a
chamarei, na hora cer ta.”
Jane foi deixada pensativa e nervosa. A mulher es tava mais ocupada agora,
trabalhando f irmemente, cantando em um estranho tipo de murmúrio sem palavras ; a
forma de cilindro f icou mais distinta , mais encorpada, e e las carregaram as pedras e as
colocaram dentro. A cabeça começou a tomar forma: uma grande cabeça, longa, meio
quadrada, sem detalhes. Quando a armação estava pronta , elas começaram a entrelaçar
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por dentro galhos verdes cheios de f lores brancas. Jane podia senti r a forte doçura do
hawthorn . De algum modo isso fez com que ela lembrasse do mar.
*******
Horas se passaram. Jane cochilou algumas vezes , enrolada ao lado de sua pedra;
sempre que acordava, a armação parecia estar exatamente como estivera ante s. O
trabalho de entrelaçado parecia não ter f im. A Sra. Penhallow veio duas vezes com chá
quente de um frasco. Ela falou ansiosamente, “Agora se você sent ir que já teve o
bastante, minha querida, basta dizer. É fácil te levar para casa.”
“Não,” disse Jane , observando a grande imagem de folhas com sua corte de f irmes
trabalhadoras. Ela não gostou do Greenwitch; e le assustava. havia algo ameaçador em
sua grande forma robusta. Mesmo assim ele também era hipnótico; mal podia tirar os
olhos dele. Ele. Ela sempre t inha pensado nas bruxas como fêmeas, mas não conseguia
sentir nenhuma qualidade feminina no Greenwitch. Era indef inível, como uma pedra ou
uma árvore.
A fogueira ainda queimava, cuidadosamente alimentada com madeira , seu calor
era mui to bem-vindo na noi te f ria. Jane se afastou para est icar suas pernas rígidas, e viu
surgir um leve tom de cinza começando a iluminar o céu. O amanhecer viria em breve.
Um amanhecer nebuloso: f inas gotas de umidade já estavam batendo em seu rosto.
Contra o céu que se iluminava ela podia ver os monumentos megal íticos de Trewissick,
cinco deles, antigos dedos apontando para o céu a meio caminho por Kemare Head . Ela
pensou: é com isso que o Greenwitch parece. Ele me lembra os monumentos megalíticos .
Quando ela virou de volta em d ireção ao mar, o Greenwitch estava terminado. As
mulheres haviam se afastado da grande f igura; e las se ntavam perto do fogo, comendo
sanduíches, r indo, e bebendo chá. Assim que Jane olhou para a grande imagem que elas
f izeram, de folhas e galhos, não conseg uia entender sua luminosidade. Pois de repente
ela soube, ali na f ria madrugada, que aquela imagem si lenciosa de algum modo guardava
em seu inter ior mais poder do que jamais havia sentido em qualquer cr iatura ou coisa.
Trovão, tempestades e terremotos esta vam ali, e toda a força da terra e mar. Ela estava
fora do Tempo, sem fronteiras, sem idade, além de qualquer linha desenhada entre o bem
e o mal. Jane olhou para ela, aterror izada, e de sua cabeça cega o Greenwitch olhou de
volta. Não iria se mover, ou parecer ganhar vida, ela sabia disso. O horror dela não vinha
do medo, mas da súbita consciência que sentiu de uma apavorante solidão sem f im vindo
da imagem. Grande poder só era mantido em grande isolamento. Olhando para o
Greenwitch, sentiu uma terrível ad miração, ass im como uma espécie de pena.
Mas a admiração, para a surpresa dela diante de tal força inconcebível, era mais
forte do que qualquer outra coisa.
“Você sente, então.” A líder das mulheres es tava ao lado dela novamente; as duras
e fortes palavra s não eram uma pergunta. “Poucas mulheres sentem. Ou garotas. Muito
poucas. Nenhuma daquelas a li , nenhuma.” Ela gesticulou desdenhosamente para o alegre
grupo além. “Mas uma que tenha segurado o Graal em suas mãos pode sentir muitas
coisas. . . Venha. Faça s eu pedido.”
“Oh , não.” Jane recuou encolhendo -se instint ivamente.
No mesmo momento um grupo de quatro jovens mulheres saiu do amontoado e
correu até a larga e sombria imagem de folhas. Elas estavam tremendo , dando risadinhas,
falando umas com as outras; um a, maior e mais barulhenta do que as outras, correu e
agarrou os lados do hawthorn que se estendiam longe acima da cabeça dela .
“Mande maridos ricos para nós todas, Greenwitch, oramos por isso !” ela gr itou.
“Ou então mande para e la o jovem Jim Tregoney!” b errou outra . Rindo
ruidosamente, todas correram de volta ao grupo.
“Veja ali !” disse a mulher. “Nenhum mal é causado às tolas, que são a maioria
delas. E portanto nenhum àquelas com o conhecimento. Você virá?”
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Ela caminhou para a grande f igura s i lenciosa, pousou uma das mãos nela, e disse
algo que Jane não conseguiu ouvir. Jane a seguiu nervosamente. Quando se aproximou do
Greenwitch ela sentiu novamente a força inimaginável que ele parecia representar, mas
também sentiu de novo a grande solidão. A melancol ia parecia pairar sobre ela como uma
névoa. Ela es ticou sua mão para segurar um galho do hawthorn , e parou. “Oh , querido,”
ela falou impuls ivamente, “Eu quer ia que você pudesse ser feliz.”
Ela pensou, enquanto disse isso: que infant il , quando você podia te r pedido
qualquer coisa, até mesmo ter o Graal de volta. . . mesmo se tudo isso for um monte de
tolices, pelo menos você podia ter tentado. . . Mas a mulher de Cornwal l com olhar f rio a
estava observando com um estranho tipo de surpresa , em aprovação.
“Um desejo perigoso!” ela disse. “Pois da mesma forma que um pode ser feito
feliz por coisas inofensivas, outro pode encontrar felicidade apenas causando dor. Mas
algo bom deve surgir desse pedido.”
Jane não conseguiu pensar em nada para dizer. De repente sentiu -se extremamente
boba.
Então pensou ter ouvido um som abafado de batidas no mar; ela se virou. A
mulher também estava olhando para lá, para uma l inha cinza de horizonte onde nada
estivera antes. Lá fora no mar escuro, luzes estavam tremulando, branca s, vermelhas e
verdes. O primeiro pescador estava voltando para casa.
Mais tarde, Jane pouco lembrou daquele longo tempo de espera. O ar estava f rio .
Lentamente, lentamente, os barcos de pesca se aproximaram, sobre o mar cor cinza -rocha
cint ilando na f ria madrugada. E então, quando eles f inalmente se aproximaram do cais, o
vilarejo pareceu ganhar vida. Luzes e vozes surgiram nos muros de contenção ; motores
tossiram; o ar estava cheio de gri tos, risadas e um grande alvoroço de desembarque; e
acima de tudo isso as gaivotas gi ravam e gritavam, recém -despertas para roubar,
turbilhonando em uma grande nuvem ao redor dos barcos para mergulhar em busca de
peixes descartados. Depois, Jane encontrou -se lembrando das gaivotas acima de tudo.
Lá em cima, do porto, quando o desembarque es tava concluído, caminhões foram
para o mercado e caixas entraram na pequena fábrica de enlatados – lá do porto, veio
uma procissão de pescadores. Havia outros também, homens da fábrica, mecânicos,
comerciantes e fazendeiros, todos homens de Trew issick, mas os pescadores de jersey
escuro , olhos sombrios, queixos f irmes, cansados, cheirando a peixe, conduziam a grande
multidão. Eles vieram pelo promontório, chamando as mulheres a legremente; nenhum
encontro poderia ter s ido menos romântico, Jane pen sou, ali em cima no f rio insone ,
debaixo da morta luz cinza da madrugada, e ainda ass im havia uma grande animação
entre e les. A fogueira ainda queimava, um último estoque de madeira recém queimada;
os homens se reuniram ao redor dela, esfregando suas mãos, em um tumulto de vozes
profundas que soaram ásperas nos ouvidos de Jane depois da conversa mais leve das
mulheres a noite toda.
De cima abaixo no céu as gaivotas vagavam, incertas, esperançosas. No meio de
todo o alvoroço estava o Greenwitch, vasto e sile ncioso, um pouco diminuído pela luz e
barulho mas ainda denso, ameaçador. Independente de todos os intercâmbios real izados
entre os homens e mulheres havia um curioso respei to com a es tranha f igura de folhas;
uma clara relutância em fazer qualquer brincade ira com o Greenwitch. Jane percebeu que
por alguma razão isso a fez sent ir -se aliviada.
Ela avistou a al ta f igura de Merr iman na borda da multidão de homens de
Cornwal l , mas não fez tentativa alguma de chegar a té e le. Era uma hora de simplesmente
esperar e ver o que poderia acontecer em seguida. Os homens pareciam estar se juntando
em um grupo, as mulheres se afastando. De repente a Sra. Penhal low estava ao lado de
Jane novamente.
“Venha, deixe que eu mostre onde ir, minha querida. Agora, enquanto o sol
aparece, os homens colocam o Greenwitch no penhasco .” Ela sorriu para Jane, meio
séria, meio que oferecendo um semi -consciente pedido de desculpas. “Para dar sorte,
você sabe, e para boa pescar ia e por uma boa colhei ta. Assim eles dizem.. . Mas nós
devemos manter distância, para abri r caminho para a corrida deles .” Ela acenou, e Jane a
19
seguiu para longe do Greenwitch até o lado do promontório. Ela só tinha uma leve idéia
sobre o que se tratava tudo isso.
Os homens começaram a se amontoar ao redor do Greenwitch . Alguns tocaram-no
ostentosamente, rindo, gritando um pedido bem alto . Pela primeira vez, na crescente luz
do dia, Jane notou que a f igura quadrada de folhas trançadas tinha sido construída sobre
um tipo de plataforma, como uma grande bandeja feita de táb uas, e que essa plataforma
tinha uma pesada roda em cada canto, cuidadosamente calçada com grandes pedras.
Gritando e ofegando, os homens tiraram as pedras das rodas, e Jane viu a f igura balançar
enquanto a plataforma moveu-se l ivre. O Greenwitch era, ta lvez, tão al to quanto um
homem, mas muito largo para sua altura, com sua grande cabeça quadrada quase tão larga
quanto seu corpo. Não era parecido com a cópia de um ser humano. Parecia, Jane pensou,
como um representante único de uma terrível espécie desconh ecida, de outro planeta, ou
de alguma parte impensavelmente distante de nosso próprio passado.
“Levantem, rapazes!” uma voz gr itou. Os homens tinham atado cordas nos quatro
lados da plataforma; se espalharam ao redor , segurando, apoiando gentilmente , puxando
a imagem oscilante em direção ao f im do promontório. O Greenwitch deslizou para
f rente. Jane podia senti r o pesado cheiro do hawthorn . As f lores pareciam mais
brilhantes, os galhos verdes dos lados do Greenwitch quase luminosos; e la percebeu que
no inter ior, sobre os campos abertos além de Trewissick, o sol estava se ergu endo. Luz
amarela brilhou sobre eles; um clamor ergueu -se da mult idão, e a plataforma com a
f igura verde moveu-se quase até o amontoado de pedras na borda do penhasco.
De repente um gr ito , agudo como um guincho, ecoou sobre a multidão; Jane pulou,
e virou-se para ver um tumulto de corpos colidindo na borda da multidão. Um homem
parecia estar tentando atravessar ; ela viu de relance uma cabeça de cabelos escuros, o
rosto contorcido de fúria , e então o grupo fechou-se novamente.
“Outro dos fotógrafos do jornal deles, eu não deveria estar surpresa,” A Sra.
Penhallow disse com um pouco de afetação na voz agradável dela. “Não é permitido tirar
fotos do Greenwitch, mas sempre tem um ou dois que t entam. Os mais jovens geralmente
cuidam deles.”
Jane pensou que os mais jovens provavelmente estavam tomando conta do int ruso
desse ano muito bem, a julgar pela velocidade com a qual a forma agitada dele estava
sendo afastada. Ela procurou por Merriman nov amente, mas ele parecia ter desaparecido.
E uma mudança na voz da multidão arrastou seus olhos de volta até o f inal de Kemare
Head.
Uma voz gritou de novo, dessa vez com palavras famil iares aos tempos de
infância. “Um para preparar. . . dois para f irmar. . . t rês para lançar !” Somente as cordas na
traseira e nos lados do carrinho eram seguradas agora, Jane viu, por talvez uns doze
homens cada. Com a última palavra de comando a mult idão zumbia e murmurava, as
linhas de homens correram para f rente e lateralmente, O Greenwitch balançando mais
rápido e mais rápido diante deles; e então , em um ligeiro movimento complexo , o
carr inho foi empurrado para fora sobre a borda do penhasco, e foi impedido de cair pelas
suas cordas.
E a grande f igura de folhas entrelaçadas do Greenwitch, sem corda alguma para
segurá-la, foi arremessada ao ar e desceu sobre o f im de Kemare Head . Por um segundo
ela estava al i , visível, caindo, no azul e o verde entre as gaivotas brancas que gi ravam e
gritavam, e então ela se foi, mergulhando, imp elida pelo peso das pedras dentro de seu
corpo. Houve um si lêncio como se toda Cornwall prendesse a respiração , e então eles
ouviram o splash.
Clamores e gritos ergueram -se do promontório. Pessoas correram para a borda do
penhasco, onde os que seguravam a s cordas estavam lentamente puxando o carrinho com
rodinhas de volta por sobre a rocha. Após uma rápida olhadela sobre a borda, eles
rodearam a cadeia de homens, aclamando -os de volta por Kemare Head . Quando a
multidão perto das rochas tinha ido embora Jan e subiu na borda, e olhou com cautela
para baixo.
20
Lá embaixo, o mar lançava suas grandes e lentas ondas contra o pé do penhasco
como se nada tivesse acontecido. Apenas alguns poucos ramos espalhados de hawthorn
f lutuavam na água, subindo e descendo com as ondas, deslizando para f rente e para trás.
Tonta de repente, Jane se afastou das rochas para perto da alegre mul t idão de
Trewissick. Agora não havia cheiro algum de hawthorn , somente uma mistura de fumaça
de madeira e peixe. A fogueira havia se apagado, e as pessoas es tavam começando a se
afastar, de volta ao vilarejo.
Jane viu Will Stanton antes que ele a visse. Ao lado dela, um grupo de pescadores
se afastou e lá estava Will, contornado contra o céu da manhã cinza, cabelo liso castanho
caindo sobre suas sobrancelhas, queixo saliente de um jeito que por um segundo a fez
lembrar es tranhamente de Merr iman. O garoto de Buckinghamshire estava observando o
mar, imóvel, perdido em alguma feroz contemplação particular. Então ele virou sua
cabeça e olhou diretamen te para ela.
A ferocidade tornou-se um sorriso polido e relaxado com tal velocidade que Jane
sentiu que não era natural. Ela pensou: Nós temos s ido tão indiferentes com ele, ele não
pode estar tão feliz assim de verdade em me ver.
Will foi em direção a el a. “Alô,” ele disse. “Você es teve aqui a noi te toda? Foi
excitante?”
“Levou um longo tempo,” disse Jane. “A par te excitante foi meio que diluída. E o
Greenwitch. . .” Ela parou.
“Como foi a confecção dele?”
“Oh. Linda. Assustadora . Eu não sei. ” Ela sabia que jamais poderia descrever, na
sensível luz do dia. “Você esteve com Simon e Barney?”
“Não,” Will disse. Seu olhar desviou -se dela. “Eles es tiveram.. . ocupados. . . em
algum lugar. Com o seu tio , eu espero .”
“Acho que estavam evitando você,” disse Jane, surpr esa com sua própria
honestidade. “Eles não podem evitar , você sabe. Não acredito que isso vá durar mui to,
uma vez que eles tenham se acostumado com você. Tem alguma outra coisa incomodando
eles, entenda, nada l igado a você. . .”
“Não se preocupe com isso,” d isse Will. Por um instante Jane es tava olhando para
um rápido sorriso tranqüilizador; então os olhos dele se afastaram novamente. Ela teve
uma embaraçosa sensação de que estava desperdiçando seu fôlego; que a rudeza dos
Drews não tinha incomodado Will Stan ton nem um pouco. Rapidamente ela tomou
refúgio no ato de falar bastante.
“Foi mui to bom quando os pescadores e todo mundo subiu do porto. E gaivotas
por toda parte. . . e eu também vi tio Merry, mas agora parece que ele foi embora de novo.
Você o viu?”
Will balançou sua cabeça, enf iando suas mãos bem fundo dentro dos bolsos de sua
jaqueta de couro surrada. “Nós temos sorte que ele nos conseguiu a chance de sub ir aqui.
Normalmente é esperado que eles tenham muitos problemas mantendo os visitantes fora.”
Jane falou, lembrando: “Houve um fotógrafo de jornal que tentou chegar perto do
Greenwitch quando eles o estavam levando para a borda do penhasco. Um monte de
rapazes o arrastaram para longe. Ele estava gri tando como louco.”
“Um homem escuro? Com cabelo comprido?”
“Bem, sim, para dizer a verdade. Pelo menos eu acho que sim.” Ela olhou para e le.
“Ah,” disse Will. Seu amável rosto redondo estava vago novamente. “Isso foi
antes que você visse Merriman, ou depois?”
“Depois,” disse Jane, confusa.
“Ah,” Will falou de novo.
“Ei, Jane!” Barney apareceu tropeçando ao subir, sem fôlego, botas grandes
demais batendo, com Simon per to dele. “Adivinha o que nós f izemos, nós vimos o Sr.
Penhallow e ele nos deixou subir a bordo do White Heather , e nós os ajudamos a
descarregar. . .”
“Hum!” Jane se afastou. “Certamente vocês subiram!” Franzindo seu nar iz para os
suéteres salpicados de escamas deles, ela vi rou de volta para Will.
21
Mas Will não estava lá. Olhando ao redor, não conseguiu ver nenhum sinal dele
em lugar algum.
“Onde ele foi?” ela disse.
Simon falou, “Onde foi quem?”
“Will Stanton estava aqui. Mas ele sumiu. Vocês não vi ram ele?”
“Nós devemos tê - lo assustado.”
“Realmente devemos tratá - lo melhor, vocês sabem,” disse Barney.
“Bem, bem, bem,” disse Simon indulgentemente. “Man teremos ele feliz.
Levaremos ele para uma escalada, ou algo assim. Vamos lá, Jane, conte -nos sobre o
Greenwitch.”
Mas Jane não es tava escutando. “Isso foi estranho,” e la falou lentamente. “Não
quero dizer Wil l i r embora, estou me refer indo a algo que ele d isse. Só conhece t io
Merry faz três dias, e ele é um tipo de garoto educado. Mas quando estava falando a
respei to dele agorinha mesmo, sem pensar, do jeito como as coisas escapam naturalmente
quando você não está atento – ele não chamou tio Merry de t io ou Professor Lyon , do
jeito que geralmente faz. Ele o chamou de Merriman . Simplesmente como se eles fossem
da mesma idade.”
22
CAPÍTULO QUATRO
Foi o céu que começou a est ranheza do resto daquele dia. Enquanto os Drews
caminhavam de volta por Kemare Head , para o porto , o sol ergueu-se mais alto diante
deles, mas não forneceu calor algum, pois ass im que ele se elevou uma f ina nebl ina
começou a crescer também. Em pouco tempo a neblina cobriu o céu todo, de modo que o
sol pendia ali familiar e a inda assim es tranho, como um laranja borrado .
“Neblina de Calor ,” disse Simon quando Jane apontou isso para ele. “Vai ser um
belo dia.”
“Eu não sei,” disse Jane duvidosamente. “Parece esquisito para mim, mais como
um tipo de sinal de perigo. . .”
Na hora em que eles t in ham acabado seu café-da-manhã, na casa, servido por uma
sonolenta Sra. Penhallow, a névoa estava mais espessa.
“Ela vai desaparecer ,” disse Simon. “Quando o sol estiver mais a lto .”
“Eu gostaria que t io Merry viesse para casa,” disse Jane.
“Pare de se preocupar. Will Stanton também ainda não voltou, eles podem estar
falando com o Sr. Penhal low, ou alguém. Qual é o problema com você essa manhã?”
“Precisa t irar um cochi lo,” disse Barney. “Pobre criança. Não dormiu nadinha.”
“Pobre criança, com cer teza,” diss e Jane, e foi tomada por um grande bocejo.
“Tá vendo?” falou Barney.
“Talvez você tenha razão,” Jane disse suavemente, e foi para o quarto dela,
ajustando o relógio despertador para despertá -la em cerca de uma hora.
Quando a aguda campainha zumbiu através da cabeça dela, acordou-a em total
confusão. Embora as cortinas estivessem abertas, o quarto estava quase escuro. Por um
momento Jane pensou que era noite, e que tinha acordado cedo , até que dentro de sua
mente girou a imagem do Greenwitch caindo, caindo a té o mar da madrugada, e assustada
ela pulou da cama. O céu do lado de fora estava sólido com pesadas nuvens escuras; ela
nunca tinha vis to nada como isso. A luz estava tão f raca que era como se o sol nunca
tivesse se erguido naquele dia.
Simon e Barney es tavam sozinhos lá embaixo , observando ansiosamente o céu do
lado de fora. Sr. e Sra. Stanton, Jane soube, tinham deixado Trewissick cedo naquela
manhã para um passeio de dois dias aos poços de argi la chinesa ; Sra. Penhallow, os
rapazes informaram, tinha id o para cama. E Merriman e Wil l ainda não tinham aparecido.
“Mas o que t io Merry poderia estar fazendo? Algo deve ter acontecido!”
Não sei o que podemos fazer, a não ser esperar.” Agora Simon também estava
desanimado. “Quer dizer, nós poderíamos procurar po r ele, mas por onde começaríamos”
“A Casa Cinza,” Barney falou de repente.
“Boa idéia. Vamos, Jane.”
*******
“Ele parece estar tomando a aparência de um pintor,” Will falou para Merriman
enquanto eles seguiam de volta por Kemare Head , atrás do último grupo de nativos
alegres . “Um tipo de homem moreno , de altura média, com cabelo escuro comprido e
aparentemente um verdadeiro, mas um tanto quanto sórdido, talento. Esse é um belo
toque.”
“A sordidez pode não ser intencional,” Merriman falou de modo sério. “Até
mesmo os grandes senhores do Escuro não conseguem evi tar que sua verdadeira natureza
dê cor às suas diss imulações.”
“Você acha que ele é um dos grandes senhores?”
“Não. Não, quase certamente não. Mas vai além do resto deles .”
24
Will parou a sua caminhada abruptame nte, farejando como um cão de caça.
Rapidamente Merriman girou suas longas pernas do sofá e f icou de pé. “O que foi?”
“Você sente a lguma coisa? Ouve alguma coisa?”
“Eu senti, eu acho. Você está certo.” Capitão Toms mancou até a porta, apoiando -
se pesadamen te em seu cajado. “Venham para fora, rápido.”
O som de latido ergueu-se quando eles atravessaram a sala, e enquanto eles
f icavam juntos nos degraus da Casa Cinza ele f icou mais alto , mais próximo, o esforçado
barulho histérico de um cão pedindo por liberda de. Acima, o céu estava cinza chumbo, e
a luz do dia havia se tornado escura e sinist ra. Pela estrada do vilarejo , mais adiante
descendo a colina onde o porto e os muros de contenção começavam , uma veloz mancha
vermelha vinha correndo em direção à eles, com a escura f igura de um homem atrás del a.
Will falou depressa, com uma alta nota de alarme: “Mas olhem – as crianças!”
No cais ao longo da beira da estrada do porto eles vi ram Simon, Jane e Barney
correndo, excitados, não vendo ainda Rufus mas respondendo ansiosamente ao som de
seu latido. “Rufus!” Barney estava gr itando alegremente. “Rufus!”
Os Ant igos Escolhidos f icaram parados, esperando.
Enquanto Rufus corria alegremente dobrando a esquina em direção as crianças,
eles viram o homem escuro erguer sua mão . O cão congelou no meio do ar, imóvel, e
caiu como uma tora de madeira bem no caminho das crianças. Simon, perdendo o
equilíbrio e sendo tarde demais para mudar de direção, tropeçou nele e caiu. Ele f icou
parado. Jane e Barney pararam repent inamente , assustados. O homem de cabelo escuro se
aproximou deles, fez uma pausa, ergueu uma das mãos apontando para Barney -
Apenas Simon viu. Deitado no chão, encarando a colina, retornando do momento
de escura inconsciência que havia tomado conta dele quando atingiu o chão, piscou
abrindo seus olhos confusos. E ele viu, ou pensou que viu, três f iguras cint ilantes em
uma grande labareda de luz branca. Eles subiram e cresceram, seu brilho cegando os
olhos de Simon; pareciam estar expandindo -se em direção a ele, e fecho u seus olhos com
a dor causada pela luz. A cabeça dele es tava cheia de ruídos que giravam, ele não estava
apropriadamente consciente. Depois disso seria capaz de dizer a si mesmo que tudo foi
imaginação: confusão após uma batida. Mas a avassaladora sensaçã o de excitamento que
tinha tomado conta dele em seguida nunca deixou completamente sua memória.
E Jane e Barney, paralisados, olhando aterrorizados para o homem de cabelo
escuro agora quase sobre eles, viram somente a terrível mudança em seu rosto quan do ele
repent inamente retrocedeu, lançado para longe deles, sob o impacto de alguma força
invisível. Rosnando com fúria maligna, ele parec ia es tar travando uma tremenda batalha
com - nada. O corpo dele estava rígido; a luta estava toda em seus olhos e na f ria linha
de sua boca. Houve um horrível momento de espera, enq uanto a f igura escura congelou,
ferozmente contorcida sob a luz cinza do céu escuro. Então algo nele pareceu estalar, e
ele saltou sem olhar novamente para eles; afastou -se depressa e desapareceu.
Rufus se moveu, choramingando; Simon tremeu e sentou. Tinha suas mãos e
joelhos sobre o cão, e balançou sua cabeça confuso . Rufus lambeu a mão dele,
esforçando-se para f icar sobre suas quatro patas cambaleantes como um bezerro recém
nascido.
“Eu também me sinto ass im,” disse Simon. Cuidadosamente, ele f icou de pé. Jane
o cutucou com um dedo nervoso. “Você es tá bem?”
“Nem um arranhão.”
“O que aconteceu?”
“Eu não sei. Houve uma espécie de grande luz. . .” Sua voz arrastou -se para longe,
enquanto tentava se lemb rar.
“Isso foi por você ter batido a cabeça,” disse Barney. “O homem, você não viu ele,
ele estava bem em cima da gente e então – Eu não sei, algo o impediu. Foi estranho.”
“Como se tivesse algum tipo de convulsão ,” falou Jane. “Ele meio que se
contorceu, com aquele olhar medonho em seu rosto, e então simplesmente se afastou.”
“Era o pintor. Aquele que pegou meu desenho.”
“Era ele mesmo? É claro, ele roubou Rufus também, foi por isso que . . .”
25
Mas Barney não estava escutando. Ele f icou olhando para a estrada com alto
declive ao lado do porto. “Vejam,” ele disse com uma estranha voz.
Eles olharam junto com ele, e descendo em direção a eles , da Casa Cinza, vinha
Merriman. Seu casaco sacudia aberto , suas mãos estavam nos bolsos, seu rebelde cabelo
branco erguido com a brisa que es tava começando a soprar ao redor . Quando os alcançou
ele disse. “Vocês vão se molhar se f icarem parados esperando pela chuva.”
Jane olhou para cima distraidamente em direção ao céu que escurecia. “Você não
viu o que aconteceu, agorinha me smo?”
“Uma parte,” Merriman disse. “Você está machucado, Simon?”
“Estou bem.”
Barney ainda estava olhando para ele com um olhar perplexo em seu rosto. “Era
você, não era?” ele disse suavemente. “Você o deteve, de algum modo. Ele é do Escuro.”
“Venha, Barney,” Merriman disse rapidamente. “É uma grande suposição. Não
vamos presumir de onde nosso amigo desagradável veio – apenas comemorem o fato de
que ele foi embora, e Rufus está são e salvo novamente.” '
O cão vermelho lambeu a mão dele , a cauda peluda balanç ando furiosamente.
Merriman esfregou as orelhas macias dele. “Vá para casa,” ele disse. Sem dar um olhar
em volta, Rufus subiu a colina ao lado do porto, e eles observaram em silêncio enquanto
ele desapareceu dentro da entrada la teral da Casa Cinza.
Barney falou, “Está tudo muito bem, mas pensei que você nos trouxe aqui para
ajudar?”
“Barney!” disse Jane.
“Você já es tá a judando,” Merriman falou gentilmente. “Eu disse, seja paciente.”
Simon falou, “Saímos para procurar por você. Pensamos que algo poderia ter
acontecido.”
“Eu apenas es tava na Casa Cinza, conversando com o Capitão Toms.”
“Will Stanton também não apareceu desde a coisa do Greenwitch.”
“Apenas procurando por novidades, ouso dizer. Acredito que o encontraremos em
casa quando voltarmos.” Merr iman o lhou novamente para as nuvens cinzentas que
desciam. Um longo ribombar baixo veio do céu sobre o mar. “Venham,” ele disse. “Para
casa. Antes que a tempestade caia.” '
Jane falou distante, enquanto eles tro tavam obedientemente para acompanhar suas
longa passadas, “O pobre Greenwitch, tão sozinho lá no mar. Espero que as ondas não o
façam em pedaços.”
Eles subiram os últimos degraus es trei tos até a casa; ass im que alcançaram a
porta, luz branca rasgou o céu, e um grande som de batida ecoou pela baía.
Merriman falou, através do barulho, “Não acho que elas farão isso.”
*******
Jane f icou novamente em Kemare Head , mas agora estava sozinha, e a tempestade
em seu cume. Não parecia nem noite nem dia. O céu estava cinzento em toda parte,
pesado, suspenso; relâmpagos o cortavam, trovões retumbavam e golpeavam, ecoando de
volta das terras em campo aberto . Gaivotas rodopiavam e gr itavam ao vento. Abaixo, o
mar fervia, estava furioso, batendo contra as rochas. Jane sent iu -se curvando ao vento,
incl inou-se sobre o penhasco – e então saltou alto no ar, lá fora, caindo, caindo através
do vento com as gaivotas mergulhando ao redor dela enquanto caía.
Houve um horror doentio na queda, mas também um tipo de contentamento. As
grandes ondas giraram para recebê -la , e sem choque algum, nem splash, nem sensação de
outro elemento ela ainda estava caindo, caindo lentamente, descendo f lutuando at ravés
de água verde onde nada do louco frenesi da tempestade acima podia alcançar. Não havia
movimento , apenas um lento oscilar de algas , do mais profundo toque das grandes
ondulações do oceano . E diante dela, viu o Greenwitch.
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A grande imagem de folhas repousava ereta contra um grupo de rochas i rregulares ;
elas lhe davam abrigo. O Greenwitch estava ileso, do mesmo jeito que Jane o tinha vis to
antes, a quadrada cabeça inumana colocada no gigantesco corpo largo. Sua folhas e
f lores de hawthorn estavam espalhadas como algas no gent il ar ras tar do mar, balançando
para f rente e para trás. Pequenos peixes nadavam ao redor da cabeça. A estrutura toda
balançava de vez em quando, ritmadamente, quando a maresia de longo alcance gerada
pela tempestade a balançava .
Então, enquanto Jane observava, o balançar f icou mais pronunciado, como se a
tempestade estivesse alcançando mais fundo no oceano. Podia sentir o puxar das ondas;
ela se movia como um peixe, tanto obedecendo quanto res ist indo a elas. O Greenwitch
começou a virar e balançar, mais rápido, mais distante, arras tado tão longe em cada
direção que parecia que a f igura toda poderia cair e ser carregada par a longe. Jane sentiu
um escuro arrepio na água, uma sensação de grande poder ameaçador, e para o seu horror
o movimento do Greenwitch mudou. Membros se mexeram com vida própria , a cabeça de
folhas agi tou-se e f ranziu como se fosse um rosto. Então a f rieza sumiu de repente, o mar
estava mudo, azul e verde novamente com as algas e peixes balançando na correnteza –
mas agora o Greenwitch, e la soube, estava vivo. Não estava bom nem mau, simplesmente
estava vivo, consciente da presença dela assim como ela esteve o tempo todo consciente
dele.
A grande cabeça de folhas vi rou em d ireção a e la, e sem voz alguma o Greenwitch
falou, falou dentro da mente dela. “Eu tenho um segredo,” falou o Greenwitch.
Jane sentiu a solidão que tinha sentido na coisa lá em cima, no pro montório, no
início: a tr isteza e o vazio. Mas através disso ela sent iu o Greenwitch agarrando -se em
algo em busca de conforto, como uma cr iança com um brinquedo – ainda que essa
criança tivesse centenas de anos de idade, e at ravés de toda a sua intermináv el vida
renovada nunca tivesse tido tal conforto antes.
“Eu tenho um segredo. Eu tenho um segredo.”
“Você tem sorte,” disse Jane.
A torre de galhos viva inclinou -se em direção a e la, mais perto. “Eu tenho um
segredo, é meu. Meu, meu. Mas eu mostrarei a voc ê. Se prometer não contar, não
contar.”
“Eu prometo,” Jane disse.
O Greenwitch balançou para os lados , todos os seus galhos e braços de folhas
ondulando juntos na água, e enquanto ele se afastava do seu raso nicho nas rochas contra
o qual esteve se apoiando, Jane viu algo al i nas sombras. Era uma pequena coisa
brilhante, depositada dentro da fenda na rocha, na areia branca; era como uma pequena
vara luminosa. Não parecia nada de importante, exceto que brilhava com essa estranha
luz. Como se falasse com uma pequena cr iança que mostrava seu brinquedo, ela disse
para o Greenwitch: “É adorável.”
“Meu segredo,” disse o Greenwitch. “Eu guardo ele. Ninguém deve tocá - lo . Eu o
guardo bem, para sempre.”
Sem aviso, a escuridão e o f rio surgiram novamente, penetrando todo o mundo
submarino. O Greenwitch mudou completamente, em um instante. Tornou-se hostil ,
furioso, ameaçador. E levou-se acima de Jane. “Você vai contar! Você vai contar!”
A cabeça de folhas se contorceu horrivelmente em uma paródia de um rosto,
rosnando, furiosa; a forma de galhos parecia se espalhar, abrindo, procurando envolvê - la
enquanto o Greenwitch lançava -se em frente inexoravelmente. Jane recuou aterrorizada,
encolhendo-se. De repente a água estava muito quente, feroz, opressiva, cheia de so ns de
rugidos.
“Não vou contar! Eu prometo! Eu prometo! Eu prometo . . .”
Ar frio es tava em seu rosto. “Jane! Acorde! Vamos, Jane, acorde agora, tudo
acabou, não é real. . . Jane, acorde. . .” A voz profunda de Merriman era suave mas
insistente, suas mãos fortes e tranqüi lizadoras nos ombros dela. Jane sentou rápido como
um raio na pequena cama, olhou para o rosto dele, enf iou sua testa úmida no braço dele e
explodiu em lágrimas.
“Fale-me sobre isso,” disse Merr iman de modo acalmador.
27
“Não posso! Eu prometi!” As lágrimas desceram mais depressa.
“Agora preste a tenção ,” Merriman disse quando ela estava mais calma. “Você teve
um terrível pesadelo, e ele terminou. Eu ouvi algum t ipo de grito bastante abafado aqui
dentro e quando entrei você estava caída entre as colcha s da cama, devia estar tão quente
quanto fogo. Não me admira que você sonhou. Agora me fale sobre isso.”
“Oh, Deus ,” falou Jane miseravelmente. Ela contou para e le.
“Mmm,” disse Merriman, quando ela terminou. O rosto f rio e magro dele estava na
sombra; ela não podia ler nada nele.
“Foi terrível,” disse Jane. “A última parte.”
“Tenho certeza que foi. Os acontecimentos da noite passada foram uma dieta rica
demais para sua imaginação, eu temo.”
Jane deu um pequeno sorriso f raco. “Nós tivemos torta de maçã e qu eijo para a
ceia essa noite. Isso também pode ter ajudado.”
Merriman deu uma risada e f icou de pé, parecendo maior contra o te to baixo.
“Tudo bem agora?”
“Tudo bem. Obrigada.” Quando ele saía ela disse, “ Tio Merry?”
“O que foi?”
“Eu realmente sinto muito p elo Greenwitch, ainda.”
“Espero que consiga manter essa emoção,” disse Merr iman obscuramente. “Durma
bem agora.”
Jane deitou tranqüila, ouvindo a chuva contra a janela, e os úl timos ruídos da
tempestade que morr ia. Um pouco antes que adormecesse ela pensou , em um súbito f lash
de lembrança, que ela reconhecia o pequeno objeto brilhante que em seu sonho havia
sido o segredo do Greenwitch. Mas antes que pudesse manter a lembrança, estava
dormindo.
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CAPÍTULO CINCO
Simon enf iou-se mais fundo dentro da peq uena caverna aquecida entre o
travessei ro e as colchas da cama. “Mmmmmff. Ha. Vá embora.”
“Oh , vamos lá, Simon.” Barney puxou insistentemente o lençol. “Levante. É uma
super manhã, venha ver. Tudo está l impo com a chuva da noite passada, poderíamos ir
até o porto antes do café da manhã. Só para dar uma caminhada. Ninguém mais está
acordado. Vamos lá.”
Resmungando, Simon abriu um olho e piscou para a janela. No claro céu azul uma
gaivota virou e desl izou preguiçosamente, arqueando sobre asas imóveis. “Oh , bem,” ele
falou. “Tudo bem.”
No porto, nada se mexia. Barcos jaziam imóveis em seus at racadouros, a imagem
de seus mastros não se movia na água parada. Havia um cheiro de creosoto* de redes
colocadas para remendar a parede do porto. Nada quebrava o silêncio a não ser o ruído
de uma distante van de le ite em algum lugar acima no vilarejo. Os garotos caminharam
descendo por trilhas cheias de água da chuva e através de ruas estreitas.
Enquanto f icavam olhando para os barcos mais próximos um cão vira -lata correu,
cheirou suavemente nos calcanhares deles, e seguiu seu caminho.
“Rufus deve estar do lado de fora também,” disse Barney. “Vamos lá ver.”
“Está bem.” Simon caminhou at rás dele, contente, relaxado com a tranq üilidade,
os raios de sol e o barulho suave do mar .
“Lá está ele!” O esguio cão vermelho veio saltando em direção a eles at ravés d a
área adjacente ao cais . Ele se empinou para e les, cauda balançando, dentes brancos
sorrindo enquanto a comprida língua rosada balançava.
“Cão idiota,” Simon disse afetuosamen te enquanto a língua se contorcia molhada
por sua mão.
Barney se agachou e olhou seriamente dentro dos olhos castanhos de Rufus.
“Realmente gostar ia que ele pudesse falar. O que você nos diria, garoto, hein? Sobre o
pintor do Escuro, e onde ele o levou? Onde foi, Rufus? Onde foi que ele escondeu você,
hein?”
O setter f icou parado por um momento, olhando para Barney; então levantou sua
cabeça est rei ta para um lado e emit iu um curioso barulho que era meio latido, meio
choro, como um tipo de pergunta. Ele se virou, salti tando alguns passos pelo cais, então
parou e olhou de novo para eles. Barney f icou de p é lentamente. Rufus trotou mais
alguns passos, então novamente virou e olhou para trás, esperando por eles .
“Mas que diabo?” Simon disse, observando.
“Ele quer nos mostrar!” Barney pulou para cima e para baixo nervosamente.
“Vamos lá, Simon, depressa! Ele vai nos mostrar onde o pintor se esconde, aposto com
você, e nós poderemos contar a t io Merry !”
Rufus choramingou, interrogativo.
“Não sei,” Simon disse. “D ever íamos ir para casa. Ninguém sabe onde es tamos.”
“Oh , vamos lá depressa antes que ele mude de idéia.” Barney agarrou o braço dele
e o arras tou atrás do magro cão vermelho, já trotando longe agora confiante pelo cais.
Rufus os conduziu diretamente pelo po rto e entrando na estrada que corria da Casa
Cinza para o inter ior das terras e o mar; inicialmente a est rada era famil iar, levando de
volta através da parte mais est rei ta do vilarejo, passando por casas t ranqüilas dormindo
por trás de janelas de cortinas com laços, e uma ou duas vezes por uma grande casa
modesta rotulada HOTEL PRIVADO. Então eles estavam atrás de Trewissick, na terra de
fazenda guarnecida por cercas que fazia curva ao redor dos cones brancos e lagoas
verdes do país cheio de argi la , até que, bem no seu interior, encontrava os terrenos
abertos.
Simon falou, “Não podemos ir muito mais longe, Barney. Teremos que dar meia -
volta.”
* O creosoto é um composto químico cuja principal propriedade é a qualidade biocida para os agentes causadores da deterioração da
madeira, a qual se protege impregnando-a com o produto em um processo chamado creosotado.
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“Só mais um pouquinho.”
Eles continuaram, por estradas silenciosas brilhantes com o verde de árvores da
primavera cheias recentemente. Simon olhou ao redor, com uma pontada de inquietação
em sua mente. Nada estava errado: o sol os aquecia; dentes-de-leão iluminavam a grama;
o que poderia estar errado? De repente Rufus fez uma curva na es trada para dentro de
uma alameda estreita, cheia de folhas; uma placa no poste na esquina dizia FAZENDA
PENTREATH. Em ambos os lados, as árvores estendiam seus galhos para cima e em um
arco formando um teto de folhas; mesmo na completa luz do dia a a lameda estava
sombria, f ria, com apenas uma pequena quant idade de luz do sol f il trada através da s
folhas. Repentinamente Simon foi preenchido com um imenso mau presságio. Ele f icou
paralisado como pedra.
Barney olhou por cima de seu ombro: “Qual é o problema?”
“Eu não sei, exatamente.”
“Você ouviu alguma coisa?”
“Não. Eu só. . . é como se eu já tivesse estado aqui antes. . .” Simon estremeceu. “É
a sensação mais engraçada . . .” ele disse.
Barney olhou para e le nervosamente. “Talvez nós realmente devêssemos voltar?”
Simon não respondeu; ele estava olhando em frente, f ranzindo o rosto. Rufus, que
tinha desaparecido por um momento na curva da esquina na alameda, estava sal tando de
volta com uma enorme pressa inexplicável.
“Para dentro das árvores, rápido!” Simon agarrou o braço de Barney, e com o cão
perto atrás deles, desl izaram para dentro do amontoado de árvores e moitas que ladeavam
cada lado da estrada. Lá dentro, escolhendo seu caminho cuidadosamente de árvore em
árvore evi tando fazer barulho , seguiram em frente até que pudessem ver parte da alameda
que jazia em frente, dobrando a esquina. Não falaram ou sussurraram; eles mal
respiravam, e aos pés deles Rufus se encolheu rígido como um cão morto.
Ali em frente, as árvores não eram mais espessas, a terra não era mais um túnel de
folhas. Ao invés disso eles viram um largo campo com grandes árvores espalhadas e
montes de arbustos. Através dele, a alameda não era mais do que uma trilha gramada,
com dois sulcos de rodas , estendendo-se longe até onde as árvores f icavam espessas de
novo. Não parecia que muitas p essoas usavam o caminho até a Fazenda Pentreath. E não
havia sinal algum de qualquer casa de fazenda. Ao invés disso, logo a f rente deles no
campo banhado pelo sol, eles viram um a carroça.
Era grande, cinti lante e bela : uma antiga carroça cigana de verdade, de um tipo
que eles nunca tinham visto antes a não ser em fotos. Acima das altas rodas de madeira
erguiam-se lados brancos de madeira, levemente inclinados para fora, subindo até o
telhado de madeira com sua chaminé cônica. De cada lado entre o telhado e paredes,
pinturas de arabescos enchiam os beirais . Nas paredes la terais, es tavam janelas
quadradas, cuidadosamente acortinadas; incl inando -se da f rente da carroça havia hastes
para o cavalo que pastava calmamente ali perto. Na parte t rasei ra, uma robusta escada de
seis degraus levava para c ima até uma porta pintada com ornamentos para combinar com
os arabescos: uma porta dividida, do tipo usado em estábulos, com a parte super ior
pendendo aberta e a inferior fechada.
Enquanto eles se agachavam por trás das árvores, observando sem fôlego, uma
f igura apareceu na porta, abriu essa parte inferior e começou a descer os degraus da
carroça. Barney aumentou a força do aperto no braço de Simon. Não havia como
confundir o comprido cabelo escuro rebelde, a sobrancelha curvada; o pintor es tava até
mesmo vest ido exatamente como esteve duas vezes antes, como um pescador, de camiseta
azul marinho e calças compridas . Ele engoliu em seco nervosamente com o impacto da
proximidade do homem; era como se houvesse uma nuvem de mal evolência ao redor dele.
De repente Barney estava muito contente que estivessem bem fundo entre as árvores,
fora de vista. Ele f icou realmente bem parado, rezando para que Rufus não f izesse
nenhum som.
Mas embora não houvesse mesmo som algum em toda parte na clareira exceto pela
clara música matutina de pássaros nas árvores, o homem escuro f icou imóvel de repente
na par te debaixo dos degraus da carroça . Ele ergueu sua cabeça e vi rou-a para todo lado,
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como um cervo pesquisando o terreno; Barney viu que os ol hos dele es tavam fechados.
Então o homem virou na direção deles, os olhos f rios se abriram debaixo das
sobrancelhas abaixadas, e ele disse c laramente, “Barnabas Drew. Simon Drew. Saiam.”
Nenhum pensamento em fugir surgiu em suas mentes, ou qualquer coisa a não ser
inquestionável obediência. Barney caminhou em frente automaticamente saindo das
árvores, e sent iu Simon se movendo com ele do mesmo modo sem hesitação. Até mesmo
Rufus trotou dócil ao lado deles.
Eles f icaram juntos no campo banhado pelo sol ao la do da carroça, encarando o
homem escuro nas roupas escuras dele, e embora o sol estivesse quente em suas peles
parecia para eles que o dia t inha f icado frio . O homem olhou para eles, sem sorri r,
inexpressivo. “O que vocês querem?” ele disse.
Em algum lugar na mente de Barney, enquanto uma centelha t remulou, encontrou
pavio e ardeu tornando-se uma chama, uma pequena luz de indignação t ransformou -se de
repente em uma sensação de irri tação que afastou o medo. Ele disse corajosamente,
“Bem, para dizer a verdade , eu gostar ia do meu desenho de volta.”
Ao lado dele, viu parcialmente que Simon balançou sua cabeça um pouco, como
alguém afastando o sono, e soube que ele também estava livre do feitiço. Ele falou mais
alto , “Você roubou meu desenho, lá embaixo no porto, só Deus sabe porquê. Eu gostava
dele, e o quero de volta.”
Os olhos escuros o observaram friamente; era impossível ler qualquer emoção por
trás deles. “Realmente um pequeno rabisco promissor, para a sua idade.”
“Bem, você certamente não precisa dele,” dis se Barney; por um momento ele falou
com admiração, pensando no verdadeiro poder na pintura do homem.
“Não,” disse o homem, com um estranho e severo meio sorriso. “Não agora.” Ele
se moveu de volta subindo as escadas e pelas portas duplas; por c ima dos ombr os ele
disse, “Muito bem, então. Venham.”
Rufus, que tinha f icado completamente imóvel desde o início, emitiu um rugido
baixo bem fundo em sua garganta. Simon colocou uma das mãos para acalmá -lo, e disse,
“Isso não seria muito sensato, Barney.”
Mas Barney falou suavemente, “Oh , não, acho que vai f icar tudo bem,” e
caminhou em direção aos degraus da carroça. Simon não tinha escolha a não ser segui -lo .
“Fique, Rufus,” ele disse. O setter dobrou suas longas pernas e deitou -se aos pés dos
degraus, mas o longo r ugido ainda continuou inquietante e ininterrupto; eles podiam
ouvi-lo levemente como um lembrete de aviso.
O homem escuro tinha suas costas para eles. “Olhem bem para o carroça Cigana ,”
ele disse, sem se virar. “Há poucas delas para serem vis tas.”
“Cigana?” falou Simon. “Você é um cigano?”
“Meio Cigano ,” o homem disse, “e meio gorgio* .” Ele virou e f icou de braços
cruzados, inspecionando -os. “Sou parte cigano, sim. Isso é o melhor que vocês
encontrarão esses dias, em qualquer estrada. Até o carroção é apenas parte cigano.”
Ele acenou para o te to da carroça, e eles viram, olhando para cima, que ele era
todo margeado pelos mesmos arabescos que decoravam o lado de fora, e que ferramentas
de algum tipo pequeno estavam penduradas em uma das paredes, com um velho violino e
um tapete de lã com estranhas l ist ras . Mas a mobília era recente e moderna, e a chaminé
não era uma chaminé de verdade, mas apenas uma abertura para levar embora ar quente
de cima do bem cuidado fogão elétrico.
Então, de repente e les viram que o teto es tava pintado. De um canto ao outro, as
claras ondulações convencionais dos arabescos , uma grande pintura abstrata espalhava -se
sobre as cabeças deles. Não havia forma reconhecível alguma em seus contornos e cores,
e mesmo assim era perturbado ra, uma visão alarmante, cheia de es tranh as espirais ,
sombras e entrelaçados com cores fortes que confundiam os sent idos . Barney sentiu
novamente o poder e a inquietude que t inha saltado sobre ele da tela que tinha visto o
homem pintando no porto; lá em cima, nesse teto , ele viu também o particularmente
enervador tom de verde que achou tão desagradável lá fora. Ele falou para Simon
bruscamente, “Vamos para casa.”
* Gorgio: Nome usado por ciganos para se referir a alguém que não é cigano.
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“Ainda não,” disse o homem escuro. Ele falou suavemente, sem se mover, e
Barney sentiu uma gélida consciência do Escuro tentando obter controle sobre ele – até
que sem aviso um leve som sibilante que o esteve int rigando vagamente ir rompeu com o
ferver de uma chaleira, e um assobio encheu o ambiente e tornou a sensação do mal
ridícula de repente.
Mas Simon t inha sentido também. Ele olhou para o homem escuro e pensou: você
continua nos impedindo de f icar assustados, re tardando isso. Por que você quer que
f iquemos?
O homem de cabelo escuro ocupou-se com a prosaica ação de colocar café
instantâneo dentro de uma caneca e derramar água de uma chaleira. “Vocês dois bebem
café?” ele disse por cima do ombro.
Simon falou rapidamente, “Não, obrigado.”
Barney disse, “Eu não me importaria de beber um pouco de água.” vendo a careta
de Simon, ele adicionou de modo triste , “Bem, realmente f iquei com uma terrível sede ao
caminhar. Que tal pelo menos um gole de água da torneira?”
“Naquele armário ao lado do seu pé direito ,” o pintor disse, “você encontrará
algumas latas de laranjada.” Ele se moveu até a pequena mesa no fundo da carroça,
mexendo seu café. “Seladas ,” ele fa lou com um olhar i rônico del iberado para Simon.
“Efervescentes . Inofensivas . Diretamente da fábrica.”
“Obrigado,” Barney disse prontamente, incl inando -se a té a porta do armário .
O homem disse, “Você deve trazer para fora uma caixa de papelão que encontrará
lá dentro, também.”
“Tudo bem.” Após alguns sons de coisas sendo remexidas , Barney apareceu com
uma simples caixa marrom; colocou-a na mesa e depositou duas la tas que trazia presas
em seu braço . Sem comentar Simon pegou uma, e abriu a parte de cima, com um ruído
tranqüilizador; mas uma te imosa cautela ainda o deixava relutante em beber, e e le apenas
f ingiu dar um gole . Barney bebeu secamente, com apreciadores sons de gargarejo.
“Assim é melhor. Obrigado. Agora posso ter meu desenho de volta?”
“Abra a caixa,” o homem disse, o cabelo comprido caindo sobre seu rosto
enquanto ele bebia de sua caneca.
“Está a li dentro?”
“Abra a caixa,” o homem disse novamente, com um leve toque de pesar em sua
voz. Simon pensou: ele está tão tenso quanto um f io de arame esticado. Por que?
Colocando a sua bebida sobre a mesa, Barney abriu o topo da caixa de papelão
marrom. Ele tirou uma folha de papel, e a segurou de modo crítico. “Sim, é meu
desenho.”
Ele olhou de vol ta dentro d a caixa, e de repente um brilho estava em seus olhos,
um brilho feroz cint ilando dentro de seu cérebro, e estava observando incrédulo, gritando
em uma voz que saiu rouca.
“Simon! É o Graal!”
No mesmo instante o mundo ao redor deles mudou; com um baque as p ortas da
pequena carroça fecharam, e cort inas caíram sobre as janelas, cortando toda a luz do dia.
Houve um momento de negra escuridão, mas quase instantaneamente Barney encontrou -
se piscando em uma luz f raca. Ele procurou furiosamente pela fonte dela, e e ntão
percebeu com um terrível choque que o brilho, ainda f raco, perturbador, não vinha de
qualquer lâmpada mas do teto pintado. Lá em cima no teto, as estranhas espirais que
tinham incomodado ele tanto estavam brilhando com uma fria luz. Elas tinham formas,
ele via agora; formas angulares dispostas em grupos, como um tipo de escr ita
desconhecida. Ele olhou para baixo na f ria luz verde, temeroso, descrente, e viu o mesmo
maravilhoso objeto familiar que tinha visto antes cintilando dentro da caixa de papelão .
Ele o ergueu gent ilmente, esquecendo tudo ao redor, e o colocou na mesa.
Simon suspirou, ao lado dele, “É ele !”
Diante deles , sobre a mesa, o Graal de Cornwal l brilhava: o pequeno cálice
dourado que tinham vis to pela primeira vez, depois de uma árdua bus ca, bem fundo em
uma caverna debaixo dos penhascos de Kemare Head , e que tinham protegido das pessoas
e do poder do Escuro, por algum tempo. Eles não entendiam o que ele era , ou o que ele
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poderia fazer; sabiam apenas que para Merr iman e para a Luz era uma das grandes Coisas
de Poder, algo de inf inito valor, e que um dia ele seria de grande utilidade quando os
estranhos s ímbolos rúnicos e palavras gravadas em seus lados poderiam ser entendidos.
Barney observou como tinha observado mil vezes antes as imagens , padrões e sinais
incompreensíveis nos lados dourados do Graal. Se ao menos, se ao menos. . . mas o antigo
manuscr ito em seu recipiente de chumbo que encontraram com o Graal, naquela profunda
caverna perdida, agora jazia no fundo do mar, lançado pelo próprio Barney do f im do
Kemare Head em um último esforço desesperado para salvar o Graal e o manuscr ito da
perseguição do Escuro. Embora o Graal tenha sido salvo, o manuscri to tinha ido para o
mar, e apenas naquele manuscri to estava o segredo pelo qual a mensage m vita l escrita no
Graal poderia ser entendida. . .
A luz f raca na carroça não podia ofuscar o brilho que vinha do Graal; ele brilhava
amarelo como um fogo diante deles, quente, cintilando. Simon falou suavemente, “Está
tudo bem. Não tem nenhum arranhão nel e.”
Uma voz f ria vindo das sombras falou, “Ele está em boas mãos.”
Abruptamente eles t inham saído de sua absorção com o Graal e de volta para essa
opressiva meia luz do pintor do Escuro. Os olhos negros do homem bri lharam para eles
de trás da mesa; ele era um desenho surreal em preto e branco, olhos pretos, rosto
branco, cabelo preto. E agora havia uma força mais profunda e confiança na voz, um tom
de triunfo.
“Permiti que dessem uma olhada no Graal,” ele disse, “para fazer uma barganha
com vocês.”
“Você fazer uma barganha conosco?” falou Simon, sua voz saindo mais alta e
sonora do que ele pretendia. “Tudo o que você faz é roubar coisas. O desenho de Barney,
o cão do Capitão Toms. E o Graal – deve ter sido você quem o roubou do Museu, ou seus
amigos. . .”
“Não tenho amigos,” disse o homem inesperadamente, rapidamente; pareceu uma
reação amarga que não podia evitar, e por um momento houve um enfraquecimento em
seu olhar f rio quando soube disso. No instante seguinte ele es tava tranqüi lo novamente,
olhando para eles dois com total auto -controle.
“Roubar pode ser um meio para um f im, meu jovem amigo. Meu f im é muito
simples, e não há mal nele. Tudo o que peço são cinco minutos de seu tempo. Do tempo
do seu irmão menor, quer dizer, e de um certo. . . talento. . . que ele possui.”
“Não vou deixar ele sozinho, nem por um minuto,” falou Simon.
“Não sugeri que dever ia.”
“O que é, então?”
Barney não disse nada, mas observou, cautelosamente. Pela primeira vez não
sentiu ressentimento algum que Simon est ivesse assumindo o contro le. Bem fundo dentro
da mente dele algo estava começando a temer esse es tranho homem tenso de rosto branco
mais e mais, talvez porque ele t inha mostrado um talento tão claramente. Teria sido
muito mais fácil encarar um monstro descomplicado.
O pintor olhou para Barney. Ele disse, “É muito simples, Barnabas Drew. Eu
levarei o copo que você escolheu chamar de Graal, e colocarei dentro de le um pouco de
água, e um pouco de óleo. Então eu pedirei que você sente calmamente, e olhe dentro do
copo, e diga-me o que você vê.”
Barney olhou para e le assombrado. Como uma neblina no mar uma estranha idéia
se formou em sua mente: o homem não era realmente mau, mas apenas fora de seu juízo,
um pouco louco? Isso poderia, ele percebeu de repente, explicar tudo que o estranho
pintor tinha feito; af inal de contas, até mesmo grandes art istas às vezes faziam coisas
esquisitas, agiam estranhamente; pense no maluco Van Gogh.. .
Ele falou cuidadosamente. “Olhar para a água, o óleo, e dizer a você o que eu
vejo? Óleo realmente cr ia bel as f iguras na água, e cores. . . bem, isso parece bastante
inofensivo. Não parece, Simon?”
“Acho que sim,” falou Simon. Ele estava olhando para o homem escuro, para os
olhos selvagens e o pálido rosto concentrado , e a mesma sugestão hipnótica estava
rastejando dentro de sua própria mente. Ele também estava pensando mais e mais que o
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suposto adversário deles não devia ter nada a ver com o Escuro, seja lá o que tio Merry
possa ter pensado, apenas seria um excêntr ico, um maluco inofensivo. Em qualquer caso,
seria mais seguro concordar com ele.
“Sim,” ele disse vigorosamente. “Por que não?”
Simon pensou: quando essa loucura tiver acabado, podemos agarrar o Graal e
correr. Enganá-lo de algum modo, chamar Rufus, levar o Graal de volta para t io Merry. . .
Ele olhou f irme para Barney, tentando se comunicar; cutucou ele discretamente e moveu
seus olhos para o Graal. Barney assentiu. Ele sabia o que seu irmão estava tentando lhe
dizer; o mesmo pensamento estava vívido demais em sua própria mente.
O homem escuro colocou um p ouco de água da vasilha dentro de um copo e a
derramou dentro do Graal. Então ele pegou uma pequena garrafa marrom de uma estante
próxima da mesa e adicionou uma gota ou duas de algum tipo de óleo. Olhou para Barney
avidamente. A tensão nele cantou como um arame repuxado.
“Agora,” e le disse. “Sente -se, aqui, e olhe bem f irme. Olhe bem f irme, olhe
bastante. E diga-me o que vê.
Barney sentou na cadeira diante da mesa, e lentamente pegou o brilhante cálice
dourado com as duas mãos. Embora a escr ita de ouro do lado de fora estivesse cinti lante
como sempre es tivera, a superf íc ie interna estava negra. Barney olhou para o líquido no
recipiente. Na fria luz verde vindo de cima da sua cabeça, brilhando
incompreensivelmente surgindo dos traços do teto pintado, ele observou a f ina, f ina
camada de óleo na superf ície da água f azer um redemoinho e espiral ar para dentro de si
mesma, curvando, partindo e se unindo novamente, formando ilhas que vagavam e então
desapareciam, mesclando -se ao resto. E ele viu. . . ele viu. . .
A escuridão tomou conta de seu cérebro como um sono repentino, e ele não soube
de mais nada.
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CAPÍTULO SEIS
Jane estava quase em lágrimas. “Mas eles não poderiam simplesmente
desaparecer! Algo terrível deve ter acontecido!”
“Bobagem,” disse Merr iman. Ele s entrarão correndo a qualquer momento, pedindo
o café-da-manhã deles.”
“Mas o café-da-manhã foi há mais de uma hora.”
Jane olhou diretamente sobre o porto, atarefado e agitado na luz do sol. Eles
estavam no pequeno caminho pavimentado do lado de fora das casas, acima da sinuosa
teia de degraus e passagens que levavam descendo para o lado do porto.
Will disse, “Tenho certeza de que es tão bem, Jane. Eles devem ter acordado cedo
e saí ram para caminhar, e foram mais longe do que pretendiam. Não se preocupe.”
“Suponho que você es teja cer to. Tenho certeza que está. É que eu continuo tendo
essa horrível imagem deles saindo para Kemare Head em minha mente, do jeito que
costumávamos fazer, ano passado, e um deles f icando preso no penhasco, ou algo
ass im.. . Oh, Deus, sei que estou sendo estúpida. Sinto muito, t io Merry .” Jane balançou
para trás seu longo cabelo impacientemente. “Tudo isso deve ser por ter visto o
Greenwitch caindo, eu acho. Vou me calar.”
“Vou dizer o que faremos,” disse Will. “Por que não vamos até Kemare Head só
para checar? Você ir ia sent ir -se mais feliz.”
Iluminando-se, ela olhou para eles de um ao outro. “Poderíamos mesmo?”
“É claro que poderíamos,” disse Merriman. “Sra. Penhal low dará ao at rasadinhos
seu café-da-manhã se chegarem nesse meio tempo. Vocês podem ir na f rente – eu falarei
com ela, e alcanço vocês.”
Jane sorriu. “Oh, assim é muito melhor. Esperar é horrível. Obrigada, Will .”
“Nem precisa dizer,” falou Will alegremente. “Manhã adorável para uma
caminhada.”
Dentro da mente de Merriman ele disse com infelicidade, “O Escuro os pegou , eu
acho. Você sente isso?”
“Mas sem fer ir ,” veio a resposta dentro dos pensamentos dele. “E talvez para
nosso benefício .”
*******
Barney f icou na porta da carroça , p iscando na luz do sol. “Bem,” ele disse, “n ão
vamos pegá- las?”
“O quê?” Simon disse.
“As bebidas, é claro.”
“Que bebidas?”
“Qual é o problema com você? As bebidas que ele acabou de nos oferecer. Ele
disse, tem latas no pequeno armário , vocês podem se servir . E algo sobre uma caixa de
papelão.” Virando-se para entrar, ele olhou para seu irmão com admiração. Ele parou
abruptamente.
“Simon, qual é o problema?”
O rosto de Simon estava branco e tenso, as linhas dele desciam em uma estranha
expressão adulta de preocupação e angústia. Olhou para Barney po r um momento, e então
pareceu fazer um grande esforço e procurou manter o mesmo nível de conversação .
“Você pega elas,” ele disse. “As bebidas. Você pega elas. Traga elas aqui fora. É melhor
na luz do sol.”
Houve um som dentro da carroça atrás deles, e Barney viu Simon pular como se
tivesse s ido esfaqueado; então viu de novo o mesmo esforço por controle. Simon apoiou -
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se contra a parede da carroça , seu rosto para cima em direção ao sol. “Vá em frente,” e le
disse.
Confuso, Barney entrou na carroça, seu inter ior brilhando com os raios de sol
entrando pelas janelas. O pintor escuro estava tomando uma xícara de café, apoiado na
mesa.
“Está aqui?” Barney apontou com o pé para o pequeno armário debaixo da pia.
“Está certo,” o homem disse.
Ajoelhado, Barney tirou d uas la tas de laranjada então observou dentro do pequeno
armário escuro. “Você disse uma caixa de papelão, mas não consigo ver nenhuma.”
“Não é importante,” disse o pintor.
“Tem alguma coisa, entretanto. . .” Barney se esticou, e tirou um pedaço de papel.
Depois de uma olhada ele sentou de volta em seus calcanhares e olhou para o homem sem
mostrar expressão. “É o meu desenho. Aquele que você pegou.”
“Bem,” disse o homem. “Foi por isso que você veio, não foi?” Os olhos escuros
dele cinti laram friamente para Bar ney sob as sobrancelhas f ranzidas. “Pegue -o, tome a
sua bebida, e vá.”
Barney disse, “Eu ainda gostaria de saber por que você fugiu com ele.”
“Você me irri tou,” o homem disse curtamente. Ele baixou sua xícara de café e
conduziu Barney em direção a porta. “N enhum moleque critica meu trabalho. Não faça de
novo.” A voz dele elevou -se ameaçadoramente quando Barney abriu sua boca. “Apenas
vá agora.”
Simon disse da porta, “Qual é o problema?”
“Nada,” disse Barney. Girando o desenho, ele pegou as duas latas e foi até a porta.
“Na verdade não estou com sede, ” Simon disse.
“Bem, eu es tou.” Barney bebeu profundamente .
O pintor f icou olhando para eles, carrancudo , impedindo seu caminho de volta
para dentro da carroça. No sol do lado de fora o grande cavalo dele deu um p asso calmo
em frente, ondulando ritmadamente na grama.
Simon disse, “Podemos ir agora?”
Os olhos do homem se estreitaram; ele disse rápido, “Não tenho nenhum controle
sobre você. Por que me pedir?”
Simon se encolheu. “Agorinha mesmo Barney disse, vamos para casa, e você
falou, ainda não. Foi isso.”
Uma espécie de alívio pareceu cint ilar sobre o rosto escuro do outro. “Seu irmão
tem o precioso desenho dele, então vão, vão. Subindo para a esquerda da fazenda – ele
apontou uma das mãos para a estrada cheia de g rama que desaparecia dobrando a esquina
– “vocês encontrarão um pequeno atalho até o vilarejo. O caminho está um pouco cheio
de mato , mas levará vocês até Kemare Head.”
“Obrigado,” Simon disse.
“Adeus,” falou Barney.
Eles seguiram em frente pelo campo, sem olhar para trás. Foi como sair de uma
neblina escura.
“Você acha que é uma armadilha?” Barney sussurrou. “Alguém pode estar deitado
esperando por nós na fazenda.”
“Complicado demais,” Simon disse. “Ele não precisa de armadilhas.”
“Tudo bem.” Caminhando ao lado, Barney olhou para ele curiosamente. “Simon,
você realmente parece horrível. Tem certeza de que está bem?”
“Pare de falar isso,” falou Simon, feroz e baixo. “Estou bem. Vamos seguir em
frente.”
“Olha!” falou Barney em um momento enquanto eles dobrava m a esquina. “Está
vazia!”
Uma casa de fazenda cinza baixa estava diante deles, obviamente deser ta: nada se
movia em lugar algum, velhos pedaços de maquinár io jaziam enferrujando no terreno ,
muitas janelas escurecidas e com bordas irregulares . O teto de palha de um casebre
estava vergado perigosamente; arbustos lançavam galhos verdes selvagens onde a
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f loresta se lançava em direção à casa. “Não f ico surpreso por ele morar em uma carroça.
Você acha que ele realmente é meio cigano?”
“Eu duvido,” falou Simon. “ Apenas uma explicação conveniente para parecer
diferente. E quanto à carroça. Não sei porquê, mas tio Merry saberá. Al i está o caminho.
Ele se dir igiu para uma abertura no emaranhado de vegetação crescida perto da velha
casa, e eles abriram caminho por uma estreita trilha cheia de arbustos .
“Estou faminto,” disse Barney. “Espero que a Sra. Penhal low tenha ovos e bacon.”
Simon olhou ao redor, seu rosto ainda cabisbaixo . “Tenho que falar com t io
Merry. Nós dois temos. Ainda não consigo explicar, mas é terr ive lmente urgente.”
Barney f icou olhando. “Bem, ele não estará em casa?”
“Talvez es teja. Mas eles devem ter tomado café-da-manhã faz muito tempo, eles
estarão fora procurando por nós.”
“Onde?”
“Não sei. Poderíamos tentar a Casa Cinza, para começar.”
“Ok,” Barney disse a legremente. “Esse caminho deve sair bem perto de lá. E nós
podemos. . .” Ele parou de repente, olhando para Simon. “Rufus! Nós não trouxemos ele
de volta! Simon, que coisa horr ível, eu esqueci dele! Onde ele foi?”
“Ele fugiu. Essa é uma das coisas que tenho de explicar.” Simon continuou
pesadamente subindo o caminho. “Isso tudo é parte da mesma coisa. E temos que
encontrar t io Merry o mais cedo que pudermos, ou alguma coisa vai dar terrivelmente
errado.”
*******
“Não há sinal deles aqui em cima .” Will veio descendo pelas rochas no topo de
Kemare Head. “Não,” disse Merr iman. Ele f icou parado, o vento do mar balançando seu
cabelo branco como uma bandeira.
“Devem ter descido na próxima enseada, para as pedras lá embaixo,” Jane disse.
“Vamos lá ver.”
“Está bem.”
“Esperem,” disse Merriman. Enquanto eles vi ravam surpresos ele ergueu um braço
e apontou para o inter ior , de volta pelo promontório em direção ao silencioso grupo
cinza dos monumentos megal íticos de onde era possível ter uma vis ta geral da Ba ía de
Trewissick. Por um momento Jane não notou nada. Então ela viu algo marrom
avermelhado se movendo em direção a eles muito rápido, algo que em alguns momentos
se transformou na forma de um cão correndo desesperadamente.
“Rufus?”
O setter vermelho parou de repente escorregando na f rente deles, ofegando,
tentando lati r com estranhos sons de tossidelas.
“Ele está sempre correndo de lugar a lgum tentando dizer coisas para as pessoas,”
falou Jane desanimada, agachando para esfregar a cabeça dele. “Se ao menos ele pudesse
falar. Quer vir conosco, Rufus? Quer vir e a judar a encontrar Barney e Simon?”
Mas logo f icou bastante claro que Rufus não queria nada a não ser persuadi -los a
voltar através do promontório pelo caminho que eles tinham vindo. Ele pulou,
choramingou e latiu, e então eles o seguiram. Enquanto se aproximavam d os monumentos
megal íticos, os grandes monólitos de granito c inza em seu grupo solitário lá em cima no
capim agitado pelo vento , eles vi ram Simon, Barney e Capitão Toms vindo do vilarejo
em direção a eles. Estavam se movendo lentamente, o homem velho ainda mancando em
um cajado; Jane conseguia sent ir a impaciência reprimida no passo cont ido dos rapazes.
Merriman f icou ao lado d os monumentos megalít icos enquanto eles vinham até
ele. Olhou apenas para Simon, e disse , “Bem?”
*******
37
“Então ele derramou uma pequena gota de algum tipo de óleo dentro do Graal,”
Simon disse, “de modo que ele f lutuou sobre a água, e Barney teve que sentar e olhar
para ele.”
“Sentar?” Barney disse. “Onde?”
“Na mesa. Na carroça. Estava tudo escuro, exceto por esse tipo engraçado de luz
verde vindo do teto.”
“Não lembro de nenhuma luz verde. E pelo amor de Deus, Simon, eu lembraria se
t ivesse visto o Graal por ao menos um segundo – e sei que não vi.”
“Barney,” Simon disse ; a voz dele tremeu de tensão, e ele se apoiou contra um dos
monumentos megal íticos mais próximo . “Você vai calar a boca? Você estava em algum
tipo de feitiço, você não lembra de nada.”
“Sim eu lembro, lembro de tudo que f izemos lá, mas não aconteceu muita coisa .
Quero dizer que es tivemos lá apenas um minuto ou dois, para que eu pegasse meu
desenho. E eu nunca sentei dentro. . .”
“Barnabas,” Merr iman disse. A voz era mui to suave, mas havia uma certa
ferocidade nela que fez Barney f icar imóvel como uma pedra; ele falou em um sussurro,
“Sinto muito.”
Simon não estava prestando atenção nele. Os olhos dele estavam vitr if icados,
vazios , como se estivesse vendo algo que não estava lá. “Barney olhou dentro do Graal
por um tempo, e então a carroça de repente pareceu f icar muito f ria e i sso foi horrível.
Ele começou a falar, mas” – e le engoliu em seco – “não. . . não foi sua voz que saiu, era
diferente, e o modo como falou também foi diferente, o tipo de palavras. . . Ele disse um
monte de coisas – eu não entendi, sobre alg uém chamado Anúbis, e se aprontar para os
grandes deuses. Então ele disse, "Eles estão aqui," embora não tenha dito a quem ele se
referia. E o pintor, o homem do Escuro, começou a fazer perguntas , e Barney as
respondia, mas nessa voz profunda engraçada que s implesmente não era como a dele, mas
como a de outra pessoa.”
Simon se mexeu inquieto; todos sentaram ao redor dele entr e as grandes rochas,
escutando, concentrados, silenciosos. O vento cantou suavemente na grama, e ao redor
das grandes colunas. “Ele di sse, “Quem o possui?” E Barney disse. "O Greenwitch o
possui." Ele disse, "Onde?" e Barney disse, "Nas profundezas verdes, no reino de T étis,
fora de alcance." O pintor disse, "Não fora do meu alcance." Barney não disse nada por
algum tempo, e então voltou com sua própria voz, você poderia dizer que ele estava
descrevendo algo que podia ver. Pareceu muito excitado, ele disse, “ Tem essa grande
criatura estranha, toda verde, e escuridão ao redor dela exceto em um lugar onde há
uma terrível luz, brilhante dema is para se olhar para ela. . . e ela não gosta de você, ou
de mim, ou de qualquer pessoa, ela não deixará ninguém chegar perto. . .” O pintor
estava tenso, tão agi tado que mal podia f icar parado sentado, ele disse, “ Que feitiço o
comandará?” E de repente não era mais Barney, o rosto dele f icou vazio novamente e
aquela outra voz profunda horrível saiu, e disse, “ O feitiço de Mana e o fe i tiço de Reck e
o feitiço de Lir, e ainda assim nenhum desses se T étis tiver uma mente contra você. Pois
o Greenwitch será a criatura de Tétis muito em breve, com toda a força de toda vida que
veio do mar.”
“Ah,” disse o Capitão Toms.
Will falou depressa, “O feit iço de Mana e o feitiço de Reck e o feitiço de Lir . Tem
certeza de que foi isso que ele disse?”
Cansado e ressentido, Simon ergueu sua cabeça e olhou para e le com desgosto. “É
claro que tenho certeza. Se você ouvisse uma voz como aquela saindo da boca de seu
irmão, lembraria de cada palavra dita pelo resto de sua vida.”
Will assent iu genti lmente, seu rosto redondo inexpressi vo, e Merriman disse
impacientemente, “Continue, cont inue.”
“Então o pintor chegou bem perto de Barney, sussurrando,” falou Simon. “Eu mal
pude ouvi- lo . Ele disse, “Diga-me se estou sendo observado.” Pensei que Barney fosse
desmaiar. Ficou olhando dento do Graal, o rosto dele se contorceu e você podia ver o
branco de seus olhos, mas logo ele estava bem de novo e a voz saindo dele disse, “Você
estará seguro se evi tar usar os Fei tiços Frios. ” E o homem assentiu balançando sua
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cabeça, fez um tipo de barulho s ibilante e pareceu mui to contente. Ele se inclinou de
volta em sua cadeira e acho que tinha perguntado tudo que queria, e ia parar. Mas de
repente Barney sentou bem ereto, e aquela voz horrível disse, bem al to como se gritasse,
“A não ser que você descubra o segredo da Coisa de Poder nessa parte alta da
primavera, o Graal deverá voltar para a Luz. Você deve se apressar , antes que o
Greenwitch parta para as grandes profundezas, você deve se apressar.” Então parou, e
Barney meio que desmoronou em sua cadeira, e – a voz de Simon tremeu, e ele fungou
bem forte, erguendo sua cabeça fur iosamente – “e eu o agarrei para ter certeza de que ele
estava bem, e o pintor es tava fur ioso e gr itou comigo. Acho que ele pensou que eu t inha
quebrado o feitiço ou algo assim. Então eu f iquei zangado também, e gritei em retorno
que ele não iria mui to longe quando nós contássemos tudo sobre isso a você. E então ele
simplesmente sentou novamente, com um tipo de sorriso sórdido, e disse que ele só tinha
que estalar seus dedos e nós esqueceríamos tudo que tinha acontecido retrocedendo o
tempo que ele escolhesse.”
“E Barney esqueceu,” Jane falou trêmula. “Mas você não.”
Simon disse, “Nós ouvimos Rufus lat indo do lado de fora da porta, então Barney e
eu nos movemos para pegá-lo, e o homem escuro pulou e esta lou seus dedos uma vez,
click, bem nas nossas caras. Eu vi os olhos de Barney f icarem meio vagos, e ele se
moveu para f rente bem lentamente e abriu a porta como se fosse um sonâmbulo . Então eu
copiei tudo que ele fez, porque obviamente tinha que tomar muito cuidado para que o
pintor não suspeitasse que eu podia lembrar o que tinha acontecido. Rufus tinha ido
embora. Fugiu. Barney piscou um pouco, e balançou sua cabeça, e quase imediatamente
estava falando como se tivesse chegado ali um m omento ou dois antes. Como voltar no
tempo. Então tentei fazer o mesmo.”
“Você não fez muito bem,” disse Barney. “ Parecia horrível, pensei que ia f icar
doente.”
“O que aconteceu com o Graal?” disse Jane.
“Suponho que ele ainda o tem.”
“Eu não saberia,” dis se Barney. “Não lembro de vê -lo . Porém, lembro dele
devolvendo meu desenho. Veja.” Ele o entregou a Merriman, que o pegou e virou em
seus dedos distraidamente enquanto observava Simon.
“Simon,” Jane disse. “Por que o esquecimento funcionou em Barney e não e m
você?”
“Foram as bebidas,” Simon disse. “Isso realmente parece es túpido, mas deve ter
sido isso. Nós bebemos um pouco de laranjada, e devia ter algum tipo de poção nela.”
“Grossei ro,” disse Merriman. “Antiquado. Interessante.” Ele olhou para Will, e
Will olhou para e le, e os olhos deles tornaram -se opacos.
“Mas a laranjada estava em latas fechadas,” Barney disse incredulamente. “Essa
foi a única razão para que bebêssemos, porque ele não poderia ter colocado nada nela. E
de qualquer modo, você nem mesmo ab riu a sua.”
“O feitiço de Mana,” Will Stanton disse, muito baixo, para Merriman. “E o feitiço
de Reck.”
“E o feitiço de Lir.”
“Não, Barney,” Simon disse. “Na verdade você pegou aquelas bebidas duas vezes,
a primeira vez foi apenas uma das coisas que você e squeceu. E embora eu não tivesse
nenhuma na segunda vez, eu f ingi beber um pouco na primeira vez. Assim ele pensou que
ela funcionou em nós dois.”
Will disse a Merr iman, “Não há mais tempo. Devemos ir agora, de uma vez.”
Simon, Jane e Barney f icaram olhand o para ele. Havia um forte tom decidido na
voz dele. Merr iman assentiu, o seu rosto de falcão severo e tenso; ele falou de modo
mister ioso para o Capitão Toms, “Tome conta deles.” Então vi rou seu rosto f rio e rígido
para Simon e disse, “Tem cer teza que no f inal, a voz que vinha de Barney disse, Antes
que o Greenwitch parta para as grandes profundezas ?”
“Sim,” falou Simon nervosamente.
“Então ele ainda está aqui,” Will disse, e para o espanto das crianças ele e
Merriman se viraram e correram, correram em dir eção ao f im do promontório, e para o
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mar além. Eles correram com a velocidade de animais, o homem comprido e o garoto ,
uma corrida vigorosa que levou embora a idade deles e todo o senso de familiar idade em
sua aparência; mais rápido, mais rápido, m ais rápido. E nas rochas no f inal do
promontório eles não pararam, mas seguiram em frente. Wil l saltou suavemente para o
topo de Kemare Head e atirou -se ao ar, dentro do céu vazio, de braços bem abertos, ao
vento como um pássaro; e at rás dele seguiu Merr im an, seu cabelo branco voando como a
cris ta de uma garça . Por um instante as duas f iguras escuras em forma de águia
pareceram suspensas no céu, então com uma lentidão como se o tempo prendesse a
respiração eles f izeram uma curva para baixo, e se foram.
Jane gr itou.
Simon falou, cheio de horror, “Eles vão morrer! Eles vão morrer!”
Capitão Toms virou para eles, seu rosto rosado rígido. Ele não se apoiou em seu
cajado; pareceu maior do que antes. Apontou um braço esticado para eles com os cinco
dedos bem aberto s. “Esqueçam,” ele disse. “Esqueçam.”
Eles f icaram parados por um momento, retirados da consciência, e ele observou
compadecidamente o terror esvair -se do rosto deles para deixá- los vazios, inexpressivos.
Ele disse gentilmente, “A missão para todos nós é m anter o homem do Escuro longe do
Greenwitch. Will e o tio de vocês saíram entre os pescadores, por um caminho – nós
quatro temos outro caminho a observar, da casa de vocês e da Casa Cinza. Saibam disso,
agora. Não tenham medo.”
Ele baixou seu braço lentamente, e como marionetes as crianças ganharam vida
novamente.
“É melhor irmos, então,” Simon disse . “Venha, Jane.”
“Eu vou com você, Capitão, certo?” Barney disse.
“Darei um café -da-manhã para você,” disse o Capitão Toms, piscand o para ele,
curvando-se sobre a sua bengala. “Já passou da hora.”
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CAPÍTULO SETE
Como pássaros mergulhando eles deslizaram dentro da água, não deixando
ondulação alguma nas grandes correntes At lânticas. Descendo através das ondas verdes,
a turva luz verde; embora respirassem com o peixes respiram, seguiram através da água
como barras de luz, com uma velocidade que peixe algum jamais poderia a lcançar.
Milhas de distância em profundidade eles dispararam, continuando e continuando,
em direção das profundezas distantes. O mar estava cheio de ruídos, silvos, gemidos,
estalos, com grande profusão de sons como fogo de canhão enquanto grupos de grandes
peixes assustados sa íam correndo do caminho deles. A água foi f icando mais quente;
verde- jade, t ranslúcida. Olhando para baixo, Will viu mu ito abaixo dele os últimos sinais
de um antigo naufrágio. Apenas pedaços dos mastros e dos deques elevados, todos
corroídos por teredos*. Dos montes de areia espalhados sobre o casco um antigo canhão
projetava-se, cheio de protuberâncias de coral, e dois c rânios brancos sorr iam para Wil l.
Mortos por piratas, talvez, e le pensou: destruídos, como muitos homens, nem pelo
Escuro nem pela Luz e sim por sua própria espécie. . .
Golf inhos dançavam sobre as cabeças deles; grandes tubarões cinza vagavam e se
viravam, olhando curiosamente enquanto os dois Antigos Escolhidos passavam.
Descendo e descendo eles seguiram, até a zona limi te , aquela camada turva do oceano
onde apenas um pouco do dia pode alcançar ; onde todos os peixes – longos peixes
delgados com grandes bocas, estranhos peixes achatados com olhos telescópicos –
brilhavam com uma luz f ria própria. Então eles mergulhavam no mar profundo, que cobre
mais da superf ície do planeta do que qualquer terra, grama ou árvore, montanha ou
deserto; no escuro f rio onde nenhum homem normal pode ver ou sobreviver. Essa era
uma região de medo e deslealdade, onde cada peixe devorava outro peixe, onde a vida
era feita apenas de ataque feroz e terror da corrida desesperada. Will viu peixes
semelhantes a grandes sapos com linhas de ponta brilhante curvando-se de suas costas,
para f icarem penduradas cruelmente atraentes sobre enormes bocas apinhadas de dentes.
Ele viu uma horr ível cria tura que parecia só boca, uma ampla boca igual a um funil com
uma tampa, e um corpo pequeno encolhendo até formar uma longa cauda de chicote. Ao
lado dele, o corpo de outro começou a inchar horr ivelmente, enquanto um grande peixe,
debatendo-se, desapareceu dentro da boca armadilha. Wil l es tremeceu.
“Nenhuma luz,” e le disse a Merriman, enquanto eles conti nuavam avançando.
“Nenhuma alegria em qualquer coisa. Nada a não ser medo.”
“Esse não é o mundo dos homens,” disse Merriman. “É o mundo de Tétis .”
Até mesmo no mar mais escuro eles sabiam que eram observados e escoltados por
todo o caminho, por súditos de Tétis invisíveis mesmo para o olho de um Antigo
Escolhido. As notícias chegavam até a Dama do Mar muito, muito antes que qualquer um
conseguisse se aproximar. Ela possu ía seus próprios caminhos. Mais antiga do que a
terra, mais antiga do que os Ant igos Es colhidos, mais antiga do que todos os homens, ela
governava seu reino das ondas como tinha governado desde o início do mundo: sozinha,
absoluta.
Eles chegaram até uma grande fenda no leito do mar, um abismo mais profundo do
que todas as profundezas do oceano. Uma f ina lama vermelha cobria o chão do oceano.
Embora eles tivessem deixado todos os vestígios da luz do dia muito atrás , milhas acima
de suas cabeças, ainda havia uma luz de outro tipo na água negra, com a qual eles
podiam ver como as criaturas da água profunda viam. Olhos os observavam da escur idão,
de fendas e f restas. Eles es tavam chegando ao local pelo qual estavam procurando.
Enquanto Will e Merriman reduziam a velocidade de seu curso, ali nos lugares
perdidos do oceano, podiam sent ir todos esses observadores ao redor deles, mas
lentamente, vagamente, como que em um sonho. E quando f inalmente o mar os levou a
Tét is, e les não conseguiram vê -la de modo algum. Era meramente uma presença, era o
próprio mar, e eles falaram a ela com reverência, na Líng ua Antiga.
* O Teredo (Teredo navalis) é um molusco xilofágico, pertencente à família Teredinidae - genus Teredo, que como tal ataca as
madeiras submersas.
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“Bem -vindos,” disse Tétis a eles da escuridão das profundezas de seu mar. “Bem -
vindos a vocês, Antigos Escolhidos da terra. Não tenho visto nenhum de sua espécie já
faz algum tempo, por cerca de quinze séculos ou mais.”
“Então esse fui eu,” Merr iman disse, sorrindo.
“E então com certeza esse foi você, falcão,” ela falou. “E um outro, maior, com
você, mas esse não é ele, eu acredito.”
“Sou novo na terra, madame, mas trago a você meu mais profundo respei to ,” disse
Will.
“Ah . . .” falou Tétis . “Aaaaah . . .” E o suspiro dela era o suspirar do mar.
“Falcão,” ela disse então. “Por que você veio novamente, at ravés dessa árdua
viagem?”
“Para implorar um favor, dama,” disse Merriman.
“É claro,” ela disse. “É sempre ass im.”
“E para trazer um presente,” ele diss e.
“Ah?” Houve uma leve agi tação nas sombras das profundezas, como um suave
ondular no mar.
Will virou sua cabeça para Merriman com surpresa; ele não sabia nada sobre
trazer presente algum, embora agora percebesse o quanto isso dever ia ser adequado.
Merriman t irou de sua manga um pedaço de papel enrolado, um cil indro cintilante no
escuro; ele o desenrolou, e Wil l viu que era o desenho de Trewissick de Barney. Ele
olhou mais de perto, cur ioso, e viu um rascunho em pena e tinta, bruto mas vigoroso; o
plano de fundo do porto e casas não estava mais levemente del ineado, e Barney tinha
dado toda sua atenção a um desenho detalhado no plano da f rente de um simples barco de
pesca e uma faixa de mar ondulado. Ele até mesmo tinha desenhado o nome na popa da
embarcação : ela chamava-se a Dama Branca .
Merriman segurou o desen ho com o braço esticado, e o soltou no mar;
instantaneamente ele desapareceu na sombra. Houve uma pausa, então uma risada suave
de Tétis. Ela pareceu satisfeita.
“Então os pescadores não esquecem,” el a disse. “Mesmo depois de tanto tempo,
alguns não esquecem.”
“O poder do mar nunca mudará,” Will disse suavemente. “Até mesmo homens
reconhecem isso. E esses são insulanos .”
“E esses são insulanos .” Tétis brincou com as palavras. “E eles são meu povo, se
algum for.”
“Eles fazem como sempre f izeram,” disse Merriman. “ Saem para o mar em busca
de peixe ao descer do sol, e com a madrugada eles retornam novamente. E uma vez a
cada ano, quando a primavera es tá al ta e o verão jaz adiante, eles fazem para você, par a
a Dama Branca, uma f igura verde de galhos e folhas, e lançam como um presente.”
“O Greenwitch,” Tét is disse. “Ele já nasceu de novo, es ta é a estação. Estará aqui
em breve.” Uma frieza surgiu na voz que saiu das sombras. “Qual é esse favor que você
pede, falcão? O Greenwitch é meu.”
“O Greenwitch sempre foi seu, e sempre será. Mas pelo entendimento dele não ser
tão grande quanto o seu, ele cometeu o erro de tomar posse de algo que per tence à Luz.”
“Isso não tem nada a ver comigo,” disse Tétis.
Uma luz f raca pareceu cintilar da sombra negro -azulada na qual e la estava
escondida, e ao redor deles luzes começaram a brilhar e piscar dos peixes e criaturas do
mar que aguardavam ali, observando. Will viu o balançar de est relas - isca sobre grandes
bocas abertas ; f ilei ras de luzes redondas como escoti lhas correndo pela extensão de
estranhos peixes delgados. Bem ao longe ele viu um est ranho amontoado de luzes de
diferentes cores, que pareciam pertencer a alguma cr iatura maior escond ida na sombra.
Ele estremeceu, amedrontado por esse elemento alienígena no qual por encantamento eles
brevemente respiravam e nadavam.
“A Magia Selvagem não possui a liados nem inimigos,” disse Merriman de modo
frio . “Isso você sabe. Se não nos ajudar, ainda assim também não é certo para vo cê nos
obstruir, pois ao fazê -lo você ajuda o Escuro. E se o Greenwitch mant iver aquilo que ele
encontrou, o Escuro estará muito mais fortalecido.”
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“Um argumento pobre,” Tét is falou. “Você simplesmente quer dizer então que a
Luz falhará em obter uma vantag em. Mas não é permit ido a mim ajudar a Luz nem o
Escuro a obter qualquer vantagem.. . você fala de modo tortuoso, meu amigo.”
“A Dama Branca vê tudo,” disse Merriman, com uma suave humildade tr iste em
seu tom que surpreendeu Will, até que ele percebeu que n ão era mais do que um delicado
lembrete sobre o dom deles.
“Ha.” Houve um toque de deleite na voz da sombra. “Teremos uma barganha,
Antigos Escolhidos,” disse Tétis . “Você pode , em meu nome, tentar persuadir o
Greenwitch a entregar essa. . . coisa. . . que é d e tanto valor para vocês. Antes que a
cria tura venha para as profundezas, essa é uma questão entre ela e vocês. Não vou
interferir, e o Escuro não poderá interferir também, em meu reino.”
“Obrigado, madame!” Will disse, com rápida alegria.
Mas a voz cont inuou, sem pausa, “Isso será apenas até que o Greenwitch venha
para o mar profundo. Como ele sempre vem, a cada ano, para o seu lar ap ropriado, para
mim.. . e depois desse momento, Ant igos Escolhidos, tudo que est iver sob a posse dele
está perdido para vocês. Vocês não devem seguir. Ninguém deve seguir. Você s não
podem retornar aqui, então, nem mesmo pelo encanto que os traz aqui hoje. Caso o
Greenwitch escolha trazer o segredo de vocês para as profundezas, então nas profundezas
para sempre ele deverá permanecer.”
Merriman fez sinal de que ia falar novamente, mas a voz da escuridão foi f ria.
“Isso é tudo. Vão agora.”
“Madam.. .” Merriman disse.
“Vão!” Fúria encheu a voz de Tét is repent inamente. Houve um grande cintilar e
rugidos nas profundezas, ao redor deles; fortes correntes se ergueram, puxando seus
membros; peixes e enguias dardejaram loucamente ao redor deles em todas as direções, e
saindo da sombra distante uma grande forma surgiu. Era a coisa escura que carregava em
seu interior as luzes c int ilantes que W ill t inha visto; mais perto e mais perto elas vieram,
f icando maiores e maiores, brancas, púrpuras e verdes, bri lhando de uma crescente massa
negra tão alta quanto uma casa. E Will viu com um horror arrepiante que a coisa era uma
lula gigante, um dos grandes monstros das profundezas, enorme e terrível. Cada um de
seus ondulantes tentáculos com ventosas era mui tas vezes maior do que sua própria
altura; ele sabia que ela podia se mover tão rápido quanto um raio, e que a cortante
mordida de sua ameaçadora boca em forma de bico poderia ter aniquilado ambos em um
simples instante. Assustado, ele procurou por um feitiço que o destruísse.
“Não!” disse Merr iman instantaneamente dentro de sua mente. “Nada vai nos ferir
aqui, qualquer que possa parecer o perigo. A Dam a do Mar está, eu acred ito, meramente
. . . nos encorajando. . . a parti r.” Ele fez uma curta e exagerada reverência para a sombra
das profundezas. “Nossos agradecimentos, e nossa homenagem, dama,” ele gri tou em
uma voz clara e forte, e então com Will ao seu l ado ele subiu e se afastou, passando pela
crescente forma negra da enorme lula, indo para o aberto grande oceano verde, pelo
caminho que tinham vindo.
“Devemos ir até o Greenwitch,” ele falou para Wil l. “Não há tempo a perder.”
“Se houver dois de nós,” Wil l gritou para ele enquanto nadavam, “e nós lançarmos
sobre o Greenwitch o feitiço de Mana, o feitiço de Reck e o feitiço de Lir, ele nos
entregará o manuscrito?”
“Isso poder vir mais tarde,” falou Merriman. “Mas aqueles feit iços lhe darão o
comando para ouvir, e atender, pois apenas eles subjugam a magia com a qual o
Greenwitch foi feito .”
Eles dispararam através do mar como barras de luz, saindo do f rio profundo,
subindo para o calor t rópico, de volta às águas f rias de Cornwall. Mas quando eles
chegaram ao lugar, debaixo das ondas batendo suas correntes contra Kemare Head, o
Greenwitch não es tava lá. Nenhum sinal permaneceu. Ele se fora.
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CAPÍTULO OITO
Quando Simon e Jane chegaram de volta à casa, encontraram Fran Stanton
colocando pratos na mesa da s ala de jantar. “Oi,” ela disse. “Querem comer alguma
coisa? A Sra. Penhallow teve que sai r, mas ela fez a lguns pastéis de Cornwal l que es tão
com ótima aparência .”
“Posso senti r o cheiro,” Simon disse f aminto.
“Adorável,” falou Jane. “Vocês se diverti ram, a onde vocês foram?”
“Não fomos longe,” Disse a Sra. Stanton. “St . Austell , bem ali. Argila, fábricas e
esse tipo de coisa.” Ela piscou seu rosto amigável. “De qualquer modo, af inal de contas,
foi para isso que Bi ll veio. E tem uma verdadeira magia naquelas grandes pirâmides
brancas de barro, e as poças são tão tranq üilas em seu fundo. Que água verde. . . Vocês
estão se diver tindo? O quê todos estão fazendo?”
“Will e t io Merry foram caminhar. Barney está na Casa Cinza com o Capitão
Toms. Nós também deveríamos i r lá esta tarde, o capitão quer que todos nós f iquemos
para a ceia,” disse Jane, improvisando audaciosamente. “Isso se você não se importar.”
“Perfeito ,” disse Fran Stanton. “Bi ll e eu não deveremos comer aqui de qualquer
modo – deixei ele para que encontre com algum sujei to perto de St. Austell , e tenho que
voltar hoje a noite para pegá- lo. Essa tarde eu voltei apenas para f icar ociosa. Vamos
comer - e você pode me contar tudo sobre aquela coisa do Greenwitch que não me
permitiram ver, Jane.”
Então Jane, com alguma dif iculdade, deu uma descrição da confecção do
Greenwitch como uma grande festa pela noite toda, uma saída para as garotas locais,
enquanto Simon devorava pastéis e tentava não encontrar com os olhos dela. Sra. Stanton
ouviu feliz, balançando de adm iração sua cabeça loira. “É simplesmente maravilhoso o
modo como esses velhos costumes são mantidos,” ela disse. “E acho que é muito bom
que não deixem um forasteiro ver. Tantos de nossos Índios voltaram para casa, eles
deixaram o homem branco entrar para ver suas danças nat ivas, e antes que você perceba
a coisa toda se torna uma armadilha de turis tas.”
“Estou feliz que você não tenha f icado ofendida,” Jane falou. “estávamos com
medo...”
“Oh, não, não, não,” disse a Sra. Stanton. “ Eu já tenho mater ia l suf ic iente para
entregar a um grande jornal sobre essa viagem para meu grupo ao retornar para casa. Nós
temos esse clube, você entende, ele se encontra uma vez por mês e a cada encontro
alguém fala um pouco, com sl ides, sobre algum lugar onde es teve. E ssa é a primeira
vez,” ela adicionou em um comentário tris tonho , “em que eu est ive em algum lugar
incomum sobre o qual falar – exceto a Jamaica, e todos já est iveram lá também.”
Mais tarde Jane disse para Simon, enquanto eles desciam em direção ao porto,
“Ela é realmente um doce. Estou contente que ela possa falar sobre nós para o clube
dela.”
“Os nat ivos e seus curiosos antigos costumes,” Simon disse. “Vamos lá, você nem
mesmo é uma nat iva. Você é uma das estrangeiras de Londres.”
“Mas eu não sou tão de fo ra como ela. Não é culpa dela. Ela apenas vem de muito
longe, ela não está conectada. Como todas aquelas pessoas que vão ao museu e olham
para o Graal e dizem, oh, que maravilhoso, sem a mínima idéia do que ele é realmente.”
“Você quer dizer pessoas que co stumavam olhar para e le, quando ele estava lá.”
“Oh, Deus. Sim.”
“Bem, de qualquer modo,” falou Jane, “nós seríamos o mesmo que a Sra. Stanton
se es tivéssemos no país dela.”
“É claro que seríamos, esse não é o ponto. . .”
Eles discut iram afavelmente enquanto atravessavam o cais e começavam a subir a
colina em direção à Casa Cinza. Parando para recuperar seu fôlego, Jane olhou de volta
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pelo caminho que eles tinham vindo. De repente ela agarrou a parede ao lado dela, e
f icou ali , observando.
“Simon!”
“O que foi?”
“Olha!”
Descendo no porto, bem no centro do cais, estava o pintor, o homem do Escuro.
Sentava em um assento curvado diante de um cavalete, com uma mochila aberta no chão
ao seu lado, e ele estava pintando. Não havia urgência alguma em seus movimentos;
sentava ali t ranqüilo e sem pressa, tocando de leve na tela. Dois visitantes pararam atrás
dele para observar ; ele não prestou atenção a eles, mas continuou serenamente com seu
trabalho.
“Simplesmente sentado ali !” Simon disse, perplexo.
“É um truque. Deve ser. Talvez tenha um cúmplice, alguém fora fazendo coisas
para ele enquanto ele atrai nossa atenção.”
Simon disse lentamente, “Não havia sinal de que alguém mais t ivesse estado na
carroça . E a fazenda parecia como se tivesse es tado vazia por anos.”
“Vamos falar para o Capitão.”
Mas não era preciso contar para ele. Na Casa Cinza, eles encontraram Barney
empoleirado em um pequeno quarto alto contemplando o porto, estudando o pintor pelo
maior telescópio do Capitão Toms. O próprio velho, tendo deixado eles entrarem,
permaneceu embaixo. “Esse meu pé,” ele disse lamentando , “não é muito bom para subir
e descer escadas.”
“Mas eu aposto que ele conseguiria ver tanto com seus olhos fechados, se ele
quisesse, quanto eu consigo através dessa coisa,” disse Barn ey, baixando o telescópio
com um olho fechado e o rosto contorcido . “Ele é especial. Quer saber? Do mesmo jeito
que tio Merry . Eles são da mesma espécie.”
“Mas eu f ico imaginando, que espécie é essa?” Jane falou pensativa.
“Quem sabe?” Barney f icou de pé, se es ticando. “Uma espécie esquisita. Uma
super espécie. A espécie que pertence à Luz.”
“Qualquer que ela seja.”
“Sim. Qualquer que ela seja.”
“Ei, Jane, olha isso !” Simon estava se curvando até o visor do te lescópio. “É
fantástico, como estar bem em cima dele. Você praticamente pode contar os cílios dele.”
“Estive olhando para aquele rosto por tanto tempo que poderia desenhá -lo usando
a memória,” disse Barney.
Simon estava colado nas lentes, hipno tizado . “É tão bom quanto ser capaz de ouvir
qualquer coisa que ele diz. Você pode ser até mesmo capaz de ler os lábios. Pode ver
cada pequena mudança de expressão.”
“Está certo,” disse Barney. Ele olhou casualmente para fora através da janela;
soprou no vidro; desenhou um pequeno rosto no caminho enevoado, e então esfregou
apagando-o novamente. “A visão da face dele é incr ível. O único problema, é que não dá
para ver a sua pintura.”
Agora Jane havia pego a sua vez no telescópio. Olhou nervosamente para o rosto
capturado a distância pelas lentes poderosas: um rosto escurecido, rígido de
concentração, contornado pelo longo cabelo rebelde. “Bem, s im, desse ângulo você está
olhando apenas para a parte de trás do cavalete, olhando para o rosto dele sobre a parte
de cima do cavalete. Mas isso não é importante, é? ”
“É se você for um artista, como Barney,” disse Simon. Ele segurou sua cabeça,
fazendo uma extravagante pose ar tíst ica.
“Ha, ha,” disse Barney, com forçada paciência. “Não é só isso. Eu pensei que a
pintura pode ser importante.”
“Por que?”
“Não sei. Capitão Toms me perguntou o quê ele estava pintando.”
“O que ele disse quando falou que não conseguia ver?”
“Não disse nada.”
“Bem, então.”
45
“Seu pintor não muda a expressão dele nem um pouco, muda?” Jane ainda estava
observando. “Apenas f ica sentado ali com olha r f ixo no cavalete. Engraçado.”
“Não muito engraçado,” disse Simon. “Ele é um tipo de homem observador.”
“Não, quero dizer que é engraçado que ele não olha para nenhum outro lugar. Se
você observar mamãe quando ela es tá pintando uma paisagem, pode ver os o lhos dela
subindo e descendo o tempo todo. Sal tando. De seja lá o que for que ela es teja pintando,
descendo para a pintura e então de volta novamente. Mas ele não está fazendo isso.”
“Deixa eu dar outra olhada.” Barney a colocou para o lado e olhou ansiosa mente
dentro das lentes, afas tando sua mecha de cabelo loiro do caminho . “Sabe de uma coisa,
você es tá certa. Por que eu não notei isso?” Ele bateu no joelho com seu punho.
“Ainda não vejo motivo para f icar excitado com isso,” Simon disse suavemente.
“Bem, talvez não seja nada. Mas vamos contar ao Capitão Toms de qualquer
jeito .”
Eles desceram três lances de escadas, e entraram na sala de estar na parte da
f rente da casa. Rufus f icou de pé e balançou o rabo para eles. Capitão Toms estava
parado ao lado de uma das es tantes, olhando para um pequeno livro aberto em suas mãos.
Levantou os olhos quando eles foram em direção a ele, e fechou o livro.
“Quais as novidades, amigos?” ele disse.
Barney falou, “Ele ainda está sentado lá pintando. Mas Jane acabou de notar algo,
ele não está pintando de modo vivo . Quero dizer. Ele apenas olha para o cavalete, sem
nem ao menos prestar a tenção em mais nada.”
“Então ele poderia estar pintando em sua carroça do mesmo modo que es tá
pintando aqui,” falou Simon, colocando sua mente para trabalhar. “Então, ele não
poderia realmente estar aqui para pintar, ele deve es tar aqui por alguma outra razão.”
“Isso deve ser verdade,” disse o Capitão Toms. Ele afastou os livros na estante
mais próxima, cuidadosamente, e enf iou seu volume de vol ta. “E novamente isso pode
não ser verdade realmente.”
“O que quer dizer?” Jane falou.
“A pintura e a outra razão podem ser uma mesma coisa. O único problema é,”
Capitão Toms olhou para seus livros como se esperasse que eles falassem, “ Não consigo
imaginar o que signif ica essa coisa toda .”
*******
Hora após hora eles observaram, em turnos. Depois de algum tempo , após uma
ceia adiantada que poderia ser igualmente chamada de chá atrasado, Jane e Simon
sentaram-se novamente na sala de es tar cheia de livro s com o Capitão Toms. Ele soprou
contente em um cachimbo de cheiro agradável, tufos de cabelo cinza em volta de sua
cabeça careca arredondada como a tonsura* de algum velho monge.
“Estará escuro em breve,” Jane disse , observando o céu com pôr do sol vermel ho
alaranjado. “Ele terá que parar de pintar.”
“Sim, mas ele ainda está pintando,” disse Simon, “ou Barney teria descido do
ninho .” Ele perambulou pela sala, olhando as pinturas penduradas entre as es tantes. “Eu
lembro desses barcos do ano passado. O Corça Dourada . . . o Mary e Ellen . . . o Loteria – é
esse é um nome engraçado para um barco.”
“Realmente é,” disse o Capitão Toms. “Mas adequado. A loteria é um jogo, de
sorte – e Ele foi de jogadores, de sorte. Foi uma famosa embarcação de contrabandistas.”
“Contrabandistas!” os olhos de Simon brilharam.
“Isso era um negócio regular em Cornwall, duzentos anos at rás. Contrabando. . .
eles nem mesmo o chamavam assim, chamavam de comércio justo. Tinham pequenos
barcos velozes, marujos maravilhosos. Muitos dos barcos do s contrabandistas foram
construídos bem aqui em Trewissick.” O homem idoso olhou distra ído para seu
cachimbo, virando-o em seus dedos, seus olhos distantes. “Mas a história do Loteria é
uma his tória negra, sobre um ancestral meu que eu às vezes gostar ia de conseguir
* Tonsura é a coroa raspada da cabeça de um monge ou padre.
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esquecer. Embora seja melhor lembrar. . . Saindo de Polperro , o Loteria era uma beleza
diante do vento. Sua t ripulação tinha anos de comércio justo , nunca capturada, a té que
um dia, a leste daqui , um barco cobrador de impostos se aproximou , os dois barcos
atiraram um no outro, e um dos cobradores de impostos foi morto. Bem, agora, matar era
uma coisa diferente de contrabandear . Então tod os na tr ipulação do Loteria tornaram-se
homens caçados. “Não era dif ícil fugir da captura em Cornwall, e por alg um tempo todos
estavam seguros. E poderiam ter f icado por muito mais tempo, mas um me mbro da
tripulação, Roger Toms, entregou-se aos cobradores de impostos e se transformou na
Evidência do Rei, dizendo a eles que foi um colega dele chamado Tom Potter que d eu o
t iro .”
“E Roger Toms foi seu ancest ral,” falou Jane.
“Ele foi, pobre colega desencaminhado. O pessoal de Polperro o levou e o colocou
em um barco que ia para Channel Isles, então ele não poderia dar evidências contra Tom
Potter na corte. Mas o barco cobrador de importas o trouxe de volta, e Tom Potter foi
preso, e julgado no Old Bailey, em Londres, e enforcado.”
“E Potter não era culpado?” falou Simon.
“Até hoje ninguém sabe. O pessoal de Polperro dizia que ele era inocente – alguns
até disseram que o próprio Roger Toms deu o tiro . Mas podiam apenas es tar protegendo
um dos seus, pois Tom Potter nasceu em Polperro, mas Roger Toms era um homem de
Trewissick.”
Simon disse severamente, “Ele não devia ter traído seu colega, mesmo se Potter
realmente tivesse feito . É como assassinato.”
“E assim foi,” falou gent ilmente o Capitão Toms. “E assim foi. E Roger Toms
nunca ousou colocar os pés em Cornwal l novamente, desde aquele dia até o dia em que
morreu. Mas ninguém jamais soube seus verdadeiros motivos. Algumas p essoas de
Trewissick dizem que Potter era culpado, e que Toms entregou ele pelo bem de todas as
esposas e crianças, pensando que a não ser que um homem culpado fosse acusado, mais
cedo ou mais tarde toda a tripulação do Loteria ser ia levada e enforcada. Mas a maioria
tinha pensamentos negros a respeito dele. Ele é a vergonha da cidade, não sendo
perdoado mesmo assim.” Ele olhou para o céu que escurecia at ravés da janela, e os olhos
azuis no rosto redondo de repente estavam duros. “O melhor e o pior já saiu de Cornwall.
E entrou nela também.”
Jane e Simon olharam para ele, confusos. Antes que pudessem dizer qualquer
coisa, Barney entrou na sala.
“Sua vez, Simon. Capitão, voc ê acha que eu poderia pegar mais um pouco daquele
super bolo?”
“Trabalho que dá fome, vigiar,” disse o Capitão Toms solenemente. “É claro que
pode.”
“Obrigado.” Barney fez uma pausa por um momento na porta, olhando em volta
pela sala. “Atenção ,” ele disse, e foi até um interruptor e l igou as luzes.
“Meu Deus!” disse Jane, piscando na clari dade súbita. “Ficou realmente escuro.
Não tínhamos notado, estávamos conversando.”
“E ele ainda es tá sentado lá,” disse Barney.
“Ainda? No escuro? Como pode pintar no escuro?”
“Bem, ele está pintando. Talvez não esteja pintando o que está na f rente dele, m as
ainda está colocando tinta naquela te la, f rio como um pepino . A luz está alta, só tem uma
meia-lua mas ela a inda fornece br ilho bastante para que você ainda possa vê -lo at ravés
do vidro. Eu digo a vocês, ele deve es tar f icando maluco.”
Simon disse, “Você não lembra da carroça . Ele não é maluco. Ele é do Escuro.”
Ele saiu da sala e subiu as escadas. Encolhendo -se, Barney foi até a cozinha para
buscar seu bolo.
Jane disse, “Capi tão Toms, quando t io Merry vai voltar?”
“Quando tiver encontrado o que foi enco ntrar. Não se preocupe. Eles virão direto
até nós.” Capitão Toms se ergueu, procurando pelo seu cajado.
“Acho que agora talvez eu possa dar uma olhada pelo telescópio também, se você
me der licença por um momento, Jane.”
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“Você consegue manuseá - lo?”
“Oh, sim, obrigado. Eu só uso como meu passa tempo .” Ele saiu mancando, e Jane
foi se ajoelhar per to da janela , olhando para o porto lá fora. Um vento estava se
erguendo; ela podia ouvir ele começando a chiar suavemente nos vidros das janelas. Ela
pensou: em breve ele f icará com frio ali fora, o pintor do Escuro. Por que ele f ica lá? O
que está fazendo?
O vento cresceu. A lua saiu. O céu es tava escuro, e Jane não conseguia mais ver o
conjunto de nuvens que es tava levemente visível antes. De repente e la percebeu que
podia ouvir o mar. Normalmente o sibilar suave das ondas contra a parede do porto fazia
uma música baixa constante que era parte da vida; estando sempre ali , ela malmente era
ouvida. Mas agora o som de cada onda era distinto; ela conseguia ouvir cada es ta lo e
espirrar. O mar, como o vento, estava se erguendo.
Simon e Capitão Toms voltaram para dentro da sala. Jane viu os ref lexos del es
fantasmagóricos na janela, e se virou.
“Não consigo mais vê - lo ,” Simon disse. “Não há luz alguma. Mas não acho que ele
foi embora.”
Jane olhou para o Capitão Toms. “O qu ê deveríamos fazer?”
O rosto do velho marinheiro estava sombrio, enrugado de tanto pensar; ele
incl inou a cabeça, escutando o vento. “Devo esperar um pouco para ver o que o clima
faz, por mais razões do que vo cês possam imaginar. Depois disso – depois disso,
veremos.”
Barney apareceu na porta, mastigando um grande pedaço de bolo amarelo.
“Minha nossa ,” disse Jane claramente, procurando parar de ouvir o mar, “agora
você já deve ter comido todo o bolo da bandeja. ”
“Mmmmf,” Barney disse. Ele engoliu. “Vocês sabem que ele ainda es tá lá?”
“O quê?” Eles f icaram olhando para e le.
“Eu não estive me estofando na cozinha. Dei a volta lá por trás e at ravessei a
estrada na f rente daqui, para olhar da parede do porto – pensei que ele poderia ver a luz
se eu abrisse a porta da f rente. E ele ainda está lá! Bem onde estava. Realmente deve
estar maluco, você sabe, Simon. Sendo do Escuro ou não. Quer dizer, ele está sentado ali
na escuridão com o cavalete, ainda pintando. Ainda pi ntando, no meio da escuridão! Ele
tem algum tipo de luz, é só por esse brilho que você pode ver que ele está lá. Mas da
tudo no mesmo, realmente…”
Capitão Toms sentou de repente em uma cadeira de braço. Ele disse, meio para si
mesmo, “Não gosto disso. Não faz sentido. Tento ver, e só há sombra. . .”
“Agora o vento está fazendo muito mais barulho,” d isse Jane. Ela tremeu.
“Lá fora, você pode ouvir as ondas batendo pra valer contra o promontório,”
Barney disse alegremente. Ele enf iou o último pedaço de bolo em sua boca.
Simon falou, “Vai ter uma tempestade, Capitão?”
O velho não deu resposta alguma. Ele sentava encolhido em sua cadeira, olhando
para dentro da larei ra vazia. Rufus, que esteve dei tado tranqüilamente no meio do tapete,
levantou-se e lambeu a mão dele, choramingando. Uma rajada súbita de vento assobiou
na chaminé, e balançou a porta da f rente. Jane deu um pulo.
“Oh, Deus,” e la disse, “Espero que t io Merry es teja bem. Gostaria que tivéssemos
arrumado algum grande sinal para trazê -lo de volta se quiséssemos. Como os índios e os
sinais de fumaça.”
“Você precisar ia apenas de um fogo, agora está escuro,” disse Barney. “Um farol
de fogo.”
“Nessas terras,” Capitão Toms disse abstratamente, “faróis de fogo datam de uma
época tão distante quanto os homens que sempre os acenderam. Um aviso, do começo dos
tempos. . .” Ele se incl inou para f rente, suas mãos se fecharam sobre o topo do cajado , e
olhou para o vazio em frente a e le como se estivesse olhando de volta por séculos sem
f im, esquecido da sala e das crianças nela. Quando falou de novo, a voz pareceu mais
jovem, mais clara, mais forte, de modo que eles f icaram parados onde estavam,
admirados.
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“E quando f inalmente o Escuro veio se erguendo nessa terra,” disse o Capitão
Toms, “ele veio do mar, e os homens de Cornwal l acenderam faróis de fogo em toda
parte para avisar sobre a sua vinda. De Estols até Trecobben, até Carn Brea o aviso de
fogo se espalhou, de St . Agnes até Belovely e St . Bel larmine 's Tor, e seguiu por
Cadbarrow e Rough Tor e Brown Willy. E o último foi em Vellan Druchar, e ali a Luz
deu combate ao Escuro. As forças do Escuro foram empurradas de volta para o mar, e
deve ter escapado por aquele caminho, para atacar novamente. Mas a Senhora trouxe para
casa um vento do oeste, que acabou com as e speranças de fuga bem perto do mar, e então
as forças do Escuro foram vencidas, daquela vez. Ainda assim o primeiro dos Antigos
Escolhidos fez uma profecia de que mais uma vez, daquele mesmo mar e praia, o Escuro
deveria um dia surgir.”
Ele parou de repent e, e eles f icaram olhando para ele.
Simon disse com a voz rouca, f inalmente, “O.. . o Escuro está se erguendo agora?”
“Não sei,” disse o Capitão Toms simplesmente, em sua voz normal. “Acho que
não, Simon. Ainda é completamente impossível para eles se erguer em. Mas nesse caso,
algo mais está acontecendo que eu não entendo.” Ele f icou de pé, apoiando -se no braço
da cadeira. “Acho que talvez seja hora de eu ir lá fora, para ver o que consigo ver.”
“Iremos com você,” disse Simon rapidamente.
“Vocês têm certeza?”
“Para dizer a verdade,” Jane falou, “o que quer que aconteça lá fora, acho que
seria melhor ir com você do que f icarmos sozinhos.”
“É verdade,” disse Barney.
Capitão Toms sorriu. “Peguem seus casacos, então. Rufus, você f ica aqui. Fique.”
Deixando o cão vermelho ressentido no tapete, eles saíram da Casa Cinza e
rastejaram descendo a colina, lentamente, seguindo o passo doloroso do Capitão. No
fundo, onde a estrada que descia a colina se unia ao cais, o velho os levou gent ilmente
para dentro da sombra de um armazém na parte de trás do porto. Ficando amontoados ali ,
chicoteados pelo vento que soprava do mar, eles conseguiam ver o pintor do Escuro a
menos de vinte jardas deles, na margem do mar; a luz ao redor ele o tornava claro.
Quando Jane olhou para e le pe la primeira vez, e la engasgou, e ouviu o mesmo som
estrangulado inst int ivo dos outros. Pois o pintor não tinha tocha alguma para criar aquela
luminosidade que o cercava. A luz vinha de sua pintura.
Verde, azul e amarela ela brilhava ali na escuridão, em gr andes f iguras agitadas
contorcidas como um ninho de cobras. Vendo isso pela primeira vez Jane sentiu uma
terr ível repulsa imediata pela imagem, sua forma, cor e disposição , embora não
conseguisse tirar seus olhos dela. O homem ainda estava pintando, mesmo agora. Com o
vento agarrando em suas roupas, e empurrando seu cavalete em direção a ele de modo
que tinha de segurá-lo com uma das mãos, ele ainda estava pintando freneticamente com
um pincel cheio dessas estranhas cores horríveis, e para o s olhos confusos de Jane
parecia que todas as cores vinham do próprio pincel sem a menor pausa para pegar t inta
nova.
“É horrível !” Barney disse violentamente. Ele falou com grande força, sem pensar,
mas o vento arrancou as palavras de sua boca logo que elas foram pronunc iadas. O
pintor, parado contra o vento , não teria ouvido mesmo se ele tivesse gri tado com toda
força de seus pulmões.
“Agora eu vejo !” Capitão Toms bateu subitamente o seu cajado no chão, olhando
para a imagem. “É isso ! Agora eu entendo! Ele tem pintado se us feitiços! Mana e Reck e
Lir. . . o poder está todo na pintura! Eu tinha esquecido que isso podia ser feito . Agora eu
vejo, agora eu vejo. . . mas tarde demais. Tarde demais. . .”
Jane falou cheia de medo dentro do vento, “Tarde demais?”
E o vento aumentou rugindo nos ouvidos deles, batendo em seus rostos, jogando
nuvens de sal em seus olhos. Não havia chuva, nem qualquer relâmpago ou trovão; eles
ouviam apenas o vento e o bater do mar. Cambalearam para trás, contra a parede, presos
a e la pela ventania; lá no ca is o pintor curvou seus ombros largos para f rente,
incl inando-se dentro do vento para f icar de pé. Ele jogou fora seu pincel; t intas e papéis
voaram para longe dele e foram levados pelo vento; tudo que ele segurava era a es tranha
49
tela cinti lante. Ele a erg ueu sobre a cabeça, e gr itou algumas palavras em uma língua que
as cr ianças não entenderam.
E de repente eles ouviram um som vindo do mar como nada que já tinham
escutado: um grande ruído de sucção , ecoando de um lado a outro do pequeno porto. O
vento morreu. De repente houve um forte, muito forte cheiro do mar: não um cheiro de
deterioração, mas de espuma, ondas, peixe, alga-marinha, piche, areia molhada e
conchas.
Por um segundo a lua surgiu por trás de uma nuvem partida, e eles vi ram uma
grande onda impossível rolar de volta para cada lado do porto. E saindo da água uma
enorme forma negra, com duas vezes a altura de um homem, crescendo sobre o pintor,
trazendo com ela o tremendo cheiro do mar ainda muito mais forte.
O pintor ergueu seus braços segurando a tela, empurrando-a para a grande forma
negra, e gritou com uma voz que t remeu com o esforço , “Fique! Fique, eu lhe ordeno!”
Capitão Toms falou suavemente, pensativamente, para ele mesmo. “Cuidado com o
Greenwitch,” ele disse.
50
CAPÍTULO NOVE
Eles se espremeram na porta do armazém escuro, observando. Nenhum vento
soprava agora, e a súbita tranqüilidade era inquietante, quebrada apenas pelas ondas que
batiam. O murmúrio dos motores de carros passando vinha de vez em quando da estrada
principal mais a lta no vilarejo, mas as cr ianças não prestavam atenção nel es. Nada no
mundo parecia existi r a não ser essa coisa que crescia diante deles, erguendo-se mais
alto a cada momento saindo do mar revolto.
A coisa não podia ser vista c laramente. Não tinha caracter í st icas def inidas, sem
contorno, nenhuma forma reconhecível. Eles a percebiam apenas como uma grande massa
negra de absoluta escuridão, bloqueando toda luz ou brilho de estrelas, elevando -se sobre
o estranho caminho cintilante que marcava o homem do Escuro. Ela era, J ane pensou de
repente, muito maior do que a imagem de folhas e galhos que tinha visto ser lançada para
dentro do mar do topo de Kemare Head. E ainda assim, ela pensou novamente, o
Greenwitch havia parecido enorme no escuro daquela noite, erguen do-se, esperando,
sombreado pelo ondulante farol de fogo. . .
O pintor disse em uma voz clara e al ta, “Greenwitch!”
Simon sentiu Barney tremer convuls ivamente, e chegou mais perto dele. Uma das
mãos levemente, agradecidamente, agarrou seu braço.
“Greenwitch! Greenwitch!”
Uma grande voz saiu da gigantesca escuridão massiva. Ela parecia encher a noite
toda; uma voz como o mar, cheia de música inconstante. Ela disse, “Por que você me
chamou?”
O pintor baixou sua tela horrível. A luz nela es tava começando a desapa recer
gradualmente. “Eu preciso de você.”
“Sou o Greenwitch,” a voz disse pesadamente. “Sou feito para o mar, sou do mar.
Não posso fazer nada por você.”
“Tenho um pequeno favor a pedir,” disse o pintor: docemente insinuante, mas com
uma tensão em sua voz como se fosse partir em mil f ragmentos cint ilantes.
A voz disse, “Você é do Escuro. Eu sinto isso. Não me é permitido ter quaisquer
negócios com o Escuro e nem com a Luz. Essa é a Lei.”
O pintor disse rapidamente, “Mas você pegou algo que a Lei não permite que
pegue. Sabe disso. Você tem par te de uma das antigas Coisas de Poder, que não deveria
ter, que nenhuma criatura da Magia Selvagem dever ia ter. Greenwitch, você deve
entregar a mim.”
A voz do mar da escur idão gritou como se tivesse dor, “Não! É meu! É meu
segredo! Meu segredo!” E Jane se encolheu, pois de repente essa era a voz de seu sonho:
queixosa, chorando, um resmungo de criança.
O pintor disse ferozmente, “Isso não é seu.”
“É meu segredo!” gri tou o Greenwitch, e a massa de escuridão negra pareceu
crescer e inchar. “Eu o guardo, ninguém irá tocá - lo . É meu, para sempre!”
Rapidamente o pintor lançou gent ileza em seu tom, uma suave bajulação .
“Greenwitch, Greenwitch, criança de Tét is, criança de Poseidon, criança de Netuno – que
necessidade de um segredo tem você, nas profundezas?”
“Tanta necessidade quanto você,” falou o Greenwitch.
“Seu lar é nas profundezas.” O pintor ainda es tava g entil , persuasivo. “Ali não há
necessidade de tais segredos. Lá não é o lugar para tal coisa, cheia de diferentes feitiç os
dos quais você não sabe nada.”
A grande voz da escuridão disse obstinadamente, de modo quase petulante , “É
meu. Eu encontrei.”
A voz do pintor, tremendo, começou a elevar. “Tolo! Tolo selvagem! Como ousa
brincar com coisas da Alta Magia!”
51
A luz es tava desaparecendo da sua pintura mais rápido agora; as crianças não
conseguiam ver nada ao redor dela a não ser a escuridão do Greenwitch contra o f raco
brilho do céu e do mar. Havia apenas essas duas vozes, ecoando através do porto vazio.
“Você é somente uma criatura fei ta, você fará como eu digo!” Arrogância af iava o
tom do homem, dava a e le um toque de comando. “Entregue a coisa para mim, de uma
vez, antes que o Escuro jogue você para fora desse mundo!”
As crianças sent iram o Capitão Toms empurrando -os para trás, contra a parede,
gentilmente, mas com pressa, para um canto quase fora de vista do local onde as duas
f iguras confrontavam-se no cais. Eles se moveram nervosamente conforme lhes era dito .
Da escuridão que era o Greenwitch saiu um som de arrepiar os cabelos: um longo
e baixo lamento, como um resmungo, crescendo e diminuindo em uma lamúria. Então
parou, e a cria tura começou a murmurar para si mesma, palavras quebradas que eles não
conseguiam def ini r. Então houve si lêncio por um momento e falou depressa m uito
claramente, “Você não tem todo o poder do Escuro.”
“Agora! Eu ordeno a você!” A voz do pintor estava aguda.
“Você não tem todo o poder do Escuro,” o Greenwitch falou novamente, com uma
crescente confiança. “Quando o Escuro estiver se erguendo, não ser á como um homem
somente, mas como uma terr ível grande escuridão enchendo o céu e a terra . Eu vejo isso,
minha mãe me mostrou. Mas você está sozinho. Você foi enviado pelo Escuro com
apenas uma pequena missão, e você aposta agora tornar -se um grande Lorde, um dos
mestres. Ao obter uma das Coisas de Poder para si próprio, você pensa em se tornar
grande. Mas você ainda não é grande, e você não pode me dar ordens!”
Suavemente, Capitão Toms disse, “ Tétis viu o que nós não conseguimos ver.”
“Tenho todo o poder necessário !” disse bem alto o pintor. “Agora, Greenwitch,
agora! Faça como o Escuro ordena!”
O Greenwitch começou a fazer um novo som, um ruído baixo tão ameaçador que as
crianças se encolheram contra a parede. Era algo entre um rugido de um cão e o ronronar
de um gato, e ele disse, Cuidado , cuidado…
O pintor gritou fur iosamente, “Pelo feitiço de Mana e o feitiço de Reck e o feitiço
de Lir!” e e les vi ram , pelo último brilho f raco , que ele ergueu sua tela e sua luminosa
magia pintada sobre a sua cabeça novamente , encarando a escuridão do Greenwitch. Mas
ele não conseguiu fazer nada. O barulho do Greenwitch cresceu até um rugido, o ar
estava denso com rebelião e medo, e Jane ouviu em sua cabeça de novo e de novo o grito
Me deixe em paz! Me deixe em paz! Me deixe e m paz! E nunca soube se ele foi gritado
bem alto ou não.
Eles não estavam conscientes de nada a não ser de uma grande agitação . Fúria
ressentida rugiu em seus ouvidos, pulsando com o lento t rovoar de ondas contra rocha. E
de repente o mundo todo estava iluminado por uma luz verde, enquanto por um momento
terr ível o Greenwitch, em todo o seu poder selvagem, cresceu contra o céu , cada pequeno
detalhe claro com um brilho que mais tarde eles nunca mencionaram nem mesmo uns
para os outros. Com um grito o pintor se lançou para trás, e caiu no chão. E o
Greenwitch, liberando ira de uma boca enorme, espalhou terr íveis braços como que para
engolfar todo o vilarejo – e desapareceu. Ele não desceu ao mar. Ele não desapareceu
como um balão estourado. Ele desvaneceu, com o fumaça, dissipando -se no nada. E eles
não sent iram nenhuma sensação de liberdade do medo, mas uma tensão maior ainda como
se houvesse uma tempestade no ar.
Barney sussurrou, “Ele foi embora?”
“Não,” disse o Capitão Toms severamente. “Ele está por todo o vilarejo. Está
conosco e ao nosso redor. Está fur ioso e está em todo lugar, e há grande perigo. Eu devo
levá-los para casa depressa. Merry t inha boas razões para escolher essas casas – e las são
tão seguras quanto a Casa Cinza, na proteção da Luz.”
Barney es tava olhando para a f igura imóvel no cais. Ele disse amedrontado, “Ele
está morto?”
“Isso não é possível, ” disse o Capitão Toms calmamente. Ele olhou para o pintor.
O homem jazia sobre as costas, respirando de modo compassado , seu longo cabelo
espalhado como uma piscina negra ao redor da cabeça dele. Seus o lhos estavam
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fechados, mas não havia sinal a lgum de ferimento. Parecia como se ele estivesse
dormindo.
Da estrada que conduzia para dentro do porto eles ouviram o motor de um carro,
f icando mais perto, dobrando a esquina. Simon saiu para fazer sinal para ele, mas não
havia necessidade. Assim que as luzes do carro viraram para o grupo no cais ele
diminuiu a velocidade abruptamente, f reios gritando, e parou. De trás dos faróis
cint ilantes uma voz Americana gri tou, “Ei! O que está acontecendo?”
“São os Stantons!” As cr ianças correram até as portas do carro, e duas f iguras
confusas desceram. Capitão Toms virou -se rapidamente; sua voz era c lara e de comando.
“Boa noite – vocês escolheram uma boa hora para apare cer. Nós acabamos de
encontrar esse cidadão caído aqui, em nosso caminho até a casa – parece que um carro o
derrubou. Atropelamento com fuga, eu suponho.”
Bill Stanton se ajoelhou ao lado do pintor prostrado e tentou escutar seu coração;
ergueu uma pálpebra; gentilmente sentiu seus braços e pernas. “Ele está vivo. . . nenhum
sangue em parte alguma.. . nada quebrado. . . talvez seja um ataque cardíaco, não um carro.
O que deveríamos fazer? Tem uma ambulância aqui?”
Capitão Toms balançou a cabeça. “Nenhuma ambulân cia em Trewissick, não
somos muito bons para emergências. E apenas um policia l com uma motocicleta. . . Você
sabe, Sr. Stanton, a melhor coisa que poderíamos fazer é colocá -lo em seu carro, e você
o leva para o hospita l em St. Austell . Pobre sujeito , poderá estar morto na hora em que o
policial sair com a moto .”
“Ele está certo,” disse Fran Stanton, sua voz suave preocupada. “Vamos fazer
isso, Bill .”
“Por mim tudo bem.” O Sr. Stanton olhou ao redor do cais, seu olhos procurando,
rapidamente ef ic ientes. “Teremos que ser muito cuidadosos ao erguê -lo. . . eu imagino. . .
ah!” Ele cutucou Simon, mais perto dele. “Vê aquela pilha de tábuas bem ali? Dois de
vocês t ragam uma, rápido.”
Em um esforçado grupo eles arrastaram o pintor para cima da tábua estreita;
então, a ergueram com um leve movimento , e a levaram para deixá-lo deitado no banco
traseiro do carro.
“Passe os cintos de segurança ao redor dele, Frannie,” disse o Sr. Stanton,
voltando para o banco do motorista. “Ele deve f icar bem.. . Você vai chamar o policial,
capitão, e pedir a ele que nos s iga? Não gostaria que alguém pensasse que fomos nós que
nocauteamos o sujeito .”
“Sim, é claro.”
Fran Stanton fez uma pausa com a porta do carro aberta. “Onde está Will?”
O marido dela tirou sua mão da chave de ignição. “Muito b em, é tarde. Ele e
Merry não podem ainda estar caminhando. Onde ele está, cr ianças?”
Eles olharam para ele, sem palavras.
O brilho desapareceu do rosto amável redondo de Bill Stanton; em seu lugar
surgiu suspeita e preocupação. “Ei, agora, o que é tudo iss o? O que está acontecendo
aqui? Onde está Wil l?”
Capitão Toms limpou sua garganta e começou a falar. “Ele…”
“Nada com o que se preocupar, Tio Bill ,” disse Will, at rás deles. “Aqui estou.”
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CAPÍTULO DEZ
“Muito bem,” disse Merr iman, observando, enquan to o carro dos Stantons fazia a
curva na esquina do porto e se afast ava na estrada principal do vilarejo. “Eles devem ter
tempo para f icar a salvo .”
“Você faz parecer como se alguém fosse jogar uma bomba,” falou Simon.
Jane disse nervosa, “ Tio Merry? O que vai acontecer?”
“Nada, com vocês. Venham.” Merriman virou e começou a andar rápido e a passos
largos pelo cais em direção às casas; as cr ianças correram atrás.
“Vejo você mais tarde, Merry!” Capitão Toms gritou.
Eles pararam, viraram com consternação; ele estava começando a mancar de volta
para a Casa Cinza. “Capitão? Você não vem conosco?”
“Capitão Toms!”
“Vamos,” Merriman disse sem emoção, e os empurrou na f rente dele. Eles
lançaram a ele rápidos olhares de i rritação e reprovação. Somente Will marchou se m
sinal de sentir algo.
“Estou tão feliz que você tenha vol tado.” Jane deslizou para o lado de seu tio .
“Por favor, o que vai acontecer? De verdade?”
Merriman olhou para e la com seus profundos olhos sombreados, sem diminuir seu
passo. “O Greenwitch está li vre. Todo o poder da Magia Selvagem, que não possui
disciplina ou padrão, está solto nesse lugar es ta noite. O poder da Luz, uma vez que nós
arranjamos isso, dará proteção para as casas e para a Casa Cinza. Mas nos outros
lugares… Trewissick está sob possessão, esta noite. Não será um lugar agradável.” Sua
voz profunda estava tensa e séria, enchendo -os de preocupação; eles correram
nervosamente ao lado dele e subiram o contorcido zigue -zague de passagens e degraus
até a porta da casa. Então eles caíram dent ro da sala iluminada como um rato
mergulhando ao chão fugindo de uma coruja caçadora.
Simon engasgou, recuperando seu fôlego, sentindo -se um pouco envergonhado de
sua pressa. Ele falou de modo ríspido para Will, “Onde você estava?”
“Conversando com pessoas ,” disse Will.
“Bem, o que você descobriu? Você f icou fora bastante tempo.”
“Não muito,” Will falou suavemente. “Nada além do que já não tenha acontecido.”
“Não teve muito proveito em sua viagem então, teve?”
Will riu. “Na verdade não.”
Simon olhou para ele por um momento e então virou e se afastou i rritado. Will
olhou para Jane, e piscou. Ela deu a ele um rápido sorriso tris te, mas o estudou depois,
atrás das costas dele. Simon queria discutir, e você não , ela pensou. Às vezes você é
como um adulto . Quem é você, Will Stanton?
Ela disse, “Tio Merry, o que devemos fazer? Você gostaria que Simon e eu
f iquemos observando, lá em cima?”
“Eu gostaria que todos fossem para cama,” disse Merriman. “É tarde.”
“Cama!” O ultraje na voz de Barney foi mais alto até mes mo do que o dos outros”.
“Mas tudo só está começando a f icar realmente excitante!”
“Excitante é uma palavra para isso.” O rosto f ino de Merriman estava severo.
“Mais tarde vocês podem ter mais. Façam como lhes foi dito , por favor.” Houve um tom
nas palavras que não inspirava discussão .
“Boa noite,” Jane falou meigamente. “Boa noite, Will”
“Vejo todos vocês de manhã,” disse Will casualmente, e desapareceu dentro da
metade Stanton da casa.
Jane es tremeceu.
“Qual é o problema?” Simon disse.
“Parece que alguém andou sobre meu túmulo. . . Eu não sei, talvez eu tenha pego
um resfriado.”
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“Farei uma bebida quente para todos você e levarei para cima,” disse Merr iman.
Escada acima, Simon fez uma pausa no pequeno corredor que unia os quartos,
segurando sua cabeça em uma espécie de fúria desesperada. “Isso é ridículo ! Louco!
Num minuto nós es távamos no meio de algum terrível grande. . . . observando aquela,
aquela coisa. . . e então tio Merry aparece, e antes que você perceba ele está nos enf iando
xícaras de chocolate quente.”
Barney deu um grande bocejo. “Bem, sim.. . mas estou. . . cansado. . .”
Jane est remeceu novamente. “Eu também estou, eu acho. Não sei. Me sinto
estranha. Como se. . . Vocês conseguem sent ir um tipo de zumbido, muito f raco, bem
distante?
“Não,” disse Simon.
“Estou com sono,” Barney disse. “Boa noite.”
“Estou indo também,” falou Simon. Ele olhou para Jane. “Você vai f icar bem,
sozinha?”
“Bem, se algo acontecer,” Jane disse , “Vou correndo me esconder debaixo da sua
cama tão rápido que você nem vai me ver.”
Simon deu um pequeno sorr iso. “Faça isso. Uma coisa é cer ta, absolutamente
ninguém vai dormir es ta noite.”
Mas quando Merr iman apareceu batendo suavemente na porta do quarto de Jane
um pouco depois, ainda havia três canecas fumaçantes em sua bandeja. “Eu devia ter
evitado o trabalho,” ele disse. “Simon e Barney já estão dormindo profundamente.”
Jane es tava sentada de camisola ao lado da janela, olhando para fora. Ela disse,
sem se virar, “Você usou magia neles?”
Merriman disse suavemente, “Não.” Então, algo na voz dele a fez s e vi rar. Ele
estava parado na porta, seus olhos brilhando dentro das poças de sombras debaixo das
sobrancelhas brancas que se juntavam. Estava tão al to no pequeno quarto baixo que seu
volumoso cabelo branco tocava o teto. “Jane,” ele disse. “Nada foi, ou s erá feito a
qualquer um de vocês. Eu prometi isso no começo. E nenhum mal pode alcançar vocês
aqui. Lembre-se disso. Você me conhece bem o bastante, eu não coloco vocês em per igo
mortal, nem agora, nem nunca.”
“Eu sei. É claro que sei,” e la disse.
“Então durma bem,” Merriman disse. Ele esticou um braço longo, e ela se esticou
e tocou a ponta dos dedos dele; foi como uma barganha. “Aqui, pegue um pouco de
chocolate. Não tem poções nele, eu prometo. Apenas açúcar.” Jane falou
automaticamente, “Eu escovei meus dentes.”
Merriman deu uma risada. “Então escove -os de novo.” Ele baixou a caneca e saiu,
fechando a porta.
Jane pegou seu chocolate e sentou ao lado da janela novamente, aquecendo seus
dedos nos suaves contornos da caneca; o quar to estava f rio . Olhou para fora, mas o
ref lexo da lâmpada ao lado da cama estava atrapalhando . Impulsivamente ela se est icou e
a desligou, então sentou esperando até que seus olhos se acostumassem com a escuridão.
Quando f inalmente conseguia ver de novo, não acreditou no que viu.
Da casa, bem alto ali ao lado da ladeira acima do mar, t inha uma clara visão de
todo o porto e da maior parte do vi larejo. Aqui e ali havia poças de luz amarela das
lâmpadas dos postes: duas ao lado do cais, três pelo porto, subindo a est rada passando
pela Casa Cinza; outras, mais distantes, em pontos dentro do vilarejo. Mas as poças de
luz eram pequenas. O res to todo era escuridão. E na escuridão, onde quer que ela
olhasse, Jane podia ver coisas se movendo. No início poderia dizer a si mesma que
estava imaginando isso, pois sempre que via um movimento com o canto de um olho e
virava seu olhar para observar, e le sumia. Nunca conseguia ver c laramente, em visão
direta. Mas não durou muito tempo.
Isso foi modif icado pela simples f igura de um homem. Ele surgiu sa indo da água
na borda do porto, subindo um lance de escadas com estranho movimento rastejante.
Estava ensopado; suas roupas colavam -se nele, seu longo cabelo estava grudado e
escuro ao redor de seu rosto, e enquanto caminhava bastante água caía ao redor dele e
f icava como uma tri lha. Ele caminhou lentamente em direção a rua principal de
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Trewissick, não olhando para a esquerda nem para a direita. Quando chegou a esquina da
pequena fábrica de enlatados, cuja nova extensão projetava-se das velhas construções de
tijolos dispostas desordenadamente pelo cais , o homem nas roupas molhadas não reduziu
seu passo, nem virou para o lado. Simplesmente caminhou através da parede como se ela
não est ivesse lá, emergindo em um segundo ou dois do outro l ado. Então ele desapareceu
na escuridão da rua principal.
Jane f icou olhando dentro da escuridão. Ela falou suavemente, desesperada, “Não
é verdade. Não é verdade.”
A noite estava muito calma. Jane agarrou sua caneca como um tal ismã da
real idade; então de repente pulou tão forte que derrubou parte do chocolate no peitoril da
janela. Ela percebeu um movimento logo abaixo dela, na porta da casa. Mal ousando
olhar, forçou seus olhos a se moverem para baixo, e viu duas f iguras deixando a porta.
Merriman estava inconfundível ; embora es tivesse encapuzado e enf iado em uma longa
capa, a luz de uma lâmpada da rua mostrou a Jane a testa al ta e o nariz ameaçador
semelhante a um bico. Mas foi um momento antes que ela percebesse que a segunda
f igura, encapuzada do mesmo modo, era Will Stanton. Ela o reconheceu apenas por um
jeito de seu caminhar, o qual até agora ela não teria pensado que pudesse reconhecer .
Eles caminharam sem pressa até o meio do cais. Jane sentiu um urgente f renesi de
abrir a janela e gritar um aviso, para trazê -los de volta dos per igos desconhecidos, mas
conhecia seu es tranho tio muito tempo para fazer i sso. Ele nunca tinha sido como os
outros homens; sempre teve poderes imprevisíveis, parecia de algum modo maior do que
qualquer um que eles já t ivessem conhecido. Ele até mesmo poderia estar causando essas
coisas.
“Ele é da Luz,” falou Jane alto para si mesma, gravemente, ouvindo a verdadeira
seriedade impossível das palavras pela primeira vez.
Então ela disse pensat ivamente, considerando isso um pouco, “Eles são da Luz.”
Ela olhou para a f igura encapuzada menor, descobrindo em sua mente uma curiosa
relutância em acredi tar que havia algo sobrenatural a respeito de Will. O alegre rosto
redondo dele, com os olhos azuis acinzentados e cabelo liso cast anho-rato, t inha
parecido uma sutil imagem confortante no início dessa aventura. Não haver ia nada
confortador em Will se ele fosse como Merriman Lyon.
E então esqueceu Merr iman, Wil l e tudo ao redor dela, pois avis tou as luzes.
Eram as luzes de um navio, lá fora no mar: luzes brilhantes como estrelas,
movendo-se um pouco como as ondas. Elas osci lavam e piscavam ali na escuridão, mas
estavam perto demais. Embora fossem claramente as luzes de um barco de um certo
tamanho, elas estavam per to das rochas de Kemare Head; terrivelmente, perigosamente
perto. Ela ouviu vozes, gr itando fracamente; uma delas parecia gri tar : “Luzes de Jack
Harry!” E forçando o olhar para longe do mar viu que de repente o porto estava cheio de
gente: pescadores, mulheres, garoto s , correndo, acenando e apontando para o mar. Eles
se amontoavam além e ao redor das f iguras de Merriman e Will paradas como se nenhum
deles estivesse ali .
Então pareceu a Jane que houve um est ranho borrão na cena, um momento
nebuloso; quando os olhos dela clarearam, tudo estava como estivera um momento antes,
e embora ela pensasse que a multidão de pessoas parecesse de algum modo diferente, nas
roupas e aparência, não conseguia ter certeza. Antes que pudesse pensar mais, o horror
pareceu tomar conta da m ult idão. Uma est ranha luz ondulante cresceu sobre o porto. E de
repente barcos equipados com grandes tochas estavam f lutuando passando pela parede do
porto , estranhos barcos largos cheios de remadores, alguns de cabeças nuas com
esvoaçantes cabelos vermelhos, alguns usando elmos espessos com um javali dourado e
uma sal iência descendo para formar um protetor para o nariz sobre o rosto . Os barcos
alcançaram águas rasas; os remadores saltaram de seus remos, pegaram espadas e tochas
e sal taram para fora , se amontoando, espirrando água, correndo para a praia com gr itos
de gelar o sangue que Jane podia ouvir com terrível claridade até mesmo através das
janelas fechadas. Os nativos se espalharam, gritando, fugindo em todas as direções;
alguns poucos combateram os i nvasores com porretes e facas. Mas os homens de cabeça
vermelha estavam pretendendo apenas uma coisa; cortaram e picaram com suas espadas,
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retalhando qualquer um que pudessem pegar com mais apavorante brutalidade do que
Jane já t inha acreditado ser possíve l em seres humanos. Sangue correu sobre a borda do
cais, e dirigiu-se para dentro do mar, formando manchas escuras nas ondas.
Jane f icou de pé , sentindo-se doente, e se afas tou.
Quando ela obrigou-se a voltar para a janela, tremendo, os gritos e urros tinh am
reduzido quase ao nada. Os últimos fugitivos e invasores que rugiam estavam correndo
pelas ruas mais distantes, e um agourento bri lho vermelho estava se erguendo sobre todo
o vilarejo, por todo o céu. Trewissick estava queimando. Chamas lambiam ao redor das
casas na colina através do porto, e cint ilavam vermelhas nas janelas; em um a grande
labareda de fogo o armazém no lado mais dis tante do porto explodiu em chamas. Ti jolos
e pedra pareciam queimar incompreensivelmente tão ferozmente como se fossem
madeira. Atrapalhando-se desesperadamente com o trinco , Jane abriu a janela, e
encontrou um grande es talar e rugido do fogo e as grandes nuvens ondulantes de fumaça.
O ref lexo das chamas dançou sobre a água do porto. Em sua agitação não ocorreu a Jane
notar que ela não sentia o cheiro de queimado, e não sentia calor a lgum.
Lá embaixo na área ao lado do cais , como se não tivessem visto nada que tinha
acontecido desde o início, Will e Merriman permaneciam e ncapuzados e imóveis.
“Tio Merry !” Jane gritou. Ela não co nseguia pensar em nada a não ser que o fogo
poderia alcançar as casas. “ Tio Merry !”
Então o barulho do lado de fora no céu de repente se foi, se foi completamente, e
ela ouviu sua própria voz, e descobriu que o que tinha sentido como um tremendo gr ito
alto não tinha sido mais do que um sussurro. E enquanto ela sentava observando,
incrédula, a chama morreu e sumiu, e o brilho vermelho no céu desapareceu. Não havia
mais sangue, nem qualquer traço dele, e tudo no porto de Trewissick estava como se os
furiosos homens de cabeça vermelha do mar jamais tivessem vindo.
Em algum lugar, um cão uivou na noi te.
Com frio, assustada, Jane apertou sua camisola bem forte em torno de si. Ela
desejou chamar Simon, ainda que não conseguisse t irar os olhos da janela. Ainda
imóveis, as escuras f iguras encapuzadas de Will e Merr iman estavam sobre a borda do
mar. Eles não faziam sinal algum de terem notado qualquer coisa que t inha acontecido.
Houve um brilho cinti lante na água do porto, e Jane viu que sobre a cabeça dela a
lua f lutuava livre de nuvens. Uma luz diferente iluminou o mundo, f ria mas suave: tudo
estava preto, branco e c inza. E no meio disso, saindo do ar, surgiu uma voz. Não era a
voz de um homem, e s im f ina e fantasmagórica, cantando uma frase t rês vezes em uma
nota alta.
A hora chegou, mas não o homem.
A hora chegou, mas não o homem.
A hora chegou, mas não o homem .
Jane olhou ao redor de todo o porto, mas não conseguia ver ninguém: apenas as
duas f iguras imóveis abaixo.
Novamente o cão uivou em algum lugar sem ser v isto. Novamente ela sentiu um
estranho som de zumbido no ar, e então começou a ouvir outras vozes gritando distantes
no vilarejo.
“O Loteria ! O Loteria !” ela pensou que eles gritavam. Então a voz de um homem,
mais clara, “O Loteria foi tomado!”
“Roger Toms! Roger Toms!”
“Escondam eles!”
“Levem eles para as cavernas!”
“Os Cobradores estão chegando!”
Uma mulher soluçou: “Roger Toms, Roger Toms.. .”
O porto cheio de pessoas, perambulando confusas , olhando ansiosamente para o
mar, andando apressados para f rente e para trás. Dessa vez Jane pensou que podia ver
rostos na multidão que eram como os rostos de Trewissick que ela conhecia: Penhal lows,
Palks, Hoovers, Tregarrens, Thomases, todos ansiosos, todos perplexos, lançando olhares
temerosos para a terra e para o mar. Eles não pareciam ter nenhum contato real uns com
os outros; eram como sonâmbulos, corredores sonâmbulos, pessoas se movendo
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desesperadamente em um sonho ruim. E um grito alto ergueu -se de toda a multidão
enquanto o último espectro veio correndo do ma r até eles.
Não foi horrível, e ainda assim foi de parar o coração mais do que qualquer outro.
Era um barco: um barco negro, com apenas um mastro, com velas quadradas, com um
bote atrás. Si lencioso e assustador ele veio deslizando do mar para dentro do por to,
malmente tocando a água, cortando a superf ície das ondas. Não carregava tr ipulação
alguma. Nem uma simples forma se moveu e m qualquer parte em seus deques negros. E
quando alcançou a terra, e le não parou, mas seguiu em frente, navegando
silenciosamente sobre o porto, telhados e colinas, saindo de Trewissick, para as terras
abertas. E como se o navio fantasma tivesse levado com ele todos os sinais de vida, a
multidão desapareceu também.
Jane percebeu que estava segurando a borda do peitoril da janela com tanta força
que seus dedos ardiam. Ela pensou t ristemente: é por isso que ele queria que fôssemos
dormir. Seguros e vazios com um cobertor sobre nossas mentes, é onde ele nos queria. E
ao invés disso es tou no meio de mais pesadelos do que eu jamais imagin ei que pudesse
acontecer em uma noite, e o pior pesadelo de todos é que estou acordada. . .
Nervosamente ela espiou pela cortina novamente. Merr iman e Wil l andaram até o
centro do cais. Uma tercei ra f igura, de capa e capuz, se juntou a e les vindo do outro la do
do porto. Ficando bem ereto, encarando o vilarejo e as colinas, Merriman ergueu os dois
braços no ar. E ainda que nada pudesse ser visto, foi como se uma grande onda de fúria
viesse crescendo até eles, elevando-se sobre eles, saindo do escuro vi larejo a ssombrado
de Trewissick.
Jane não podia agüentar mais dessa coisa toda. Com um pequeno resmungo infeliz
ela at ravessou o quarto e mergulhou em sua cama. Empurrou as cobertas bem apertadas
sobre sua cabeça, e deitou ali abafada e tremendo. Não temia por sua própria segurança;
Merriman tinha prometido a ela que a casa estava protegida, e e la acredi tava nele. Nem
estava com medo por aquelas f iguras lá embaixo, no porto; se eles tivessem sobrevivido
a tão estranha sucessão de monstruosidades, eles podiam sobrev iver a qualquer coisa. De
qualquer modo nada poderia fer ir Merriman. Era outro medo que dominava Jane: um
terr ível horror ao desconhecido, ou a qualquer que fosse a força desl izando através da
terra e do mar, lá fora. Ela só queria se encolher em seu canto como um animal, longe de
tudo isso, segura.
Então assim ela fez, e descobriu, estranhamente, que devido o medo ser tão grande
e sem forma, ele provou-se estar mais pronto a ir embora.
Gradualmente Jane parou de tremer; começou a se aquecer. Seus membros tensos
relaxaram; ela começou a respirar lenta e profundamente. E então dormiu.
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CAPÍTULO ONZE
Descendo ao porto com Will e Capitão Toms, um de cada lado, f iguras
encapuzadas sombrias, Merriman levantou os dois braços mais alto em um gesto que era
meio apelo, meio comando, e falou para a escur idão sobre Trewissick com sua profunda
voz ressonante as palavras do feitiço de Mana e o feitiço de Reck e o feitiço de Lir.
De toda parte, fúria os atingiu como ondas, uma forte ventania de força invisível.
“Não!” gr itou a grande voz do Greenwitch, espessa de raiva. “Não! Me deixe em
paz!”
“Venha adiante, Greenwitch!” Merriman chamou. “Os feitiços ordenam isso.”
“Vir é tudo que eles podem ordenar,” a voz rugiu. “E para fora do mar eu vim,
eles me ordenaram e eu v im. Nada mais, nada mais!”
“Venha adiante, Greenwitch!” A voz clara de Will f luiu at ravés da escuridão como
um raio de luz. “A Dama Branca ordena que você nos ouça. Tétis nos deu permissão para
chamá- lo , antes que vá para as profundezas.”
Furor os envolveu como um maremoto. Nas costas deles, o mar rugiu e murmurou;
a terra tremeu debaixo dos pés deles.
Mas então, embora eles não pudessem ver, a presença estava ao redor deles,
agitada, ressentida.
Merriman disse: “O segredo não é seu, Greenwitch. Você sabe q ue não deveria
f icar com ele.”
“Eu encontrei. Estava no mar.”
“Ele não estaria lá, a não ser por causa de uma batalha entre a Luz e o Escuro. Ele
caiu, foi perdido.”
“Estava no mar, no reino de minha mãe.”
“Vamos, meu amigo,” Capitão Toms falou gentilmente , com sua voz de Cornwall .
“Você sabe que ele não pertence ao mar, mas é parte de uma Coisa de Poder.”
O Greenwitch disse, “Não tenho amigo algum. Não tem nenhuma importância para
mim o que acontece entre a Luz e o Escuro.”
“Ah,” Merr iman disse. “Você descobrirá que pode ter importância, se essa Coisa
de Poder vir a per tencer completamente ao Escuro. Metade eles já possuem, metade eles
buscam obter de você. Se eles o conseguirem, e tiverem o poder do todo, as coisas
f icarão dif íceis para o mundo dos homens.”
A voz ao redor deles resmungou, “Homens não têm nada a ver com…”
“Homens não têm nada a ver comigo?” A voz de Will ecoou alta e clara através da
noite. “Você acredita nisso, Greenwitch? Home ns têm tudo a ver com você. Sem eles,
você não exist iria. Eles o f izeram, a cada ano. A cada ano, eles o jogam ao mar. Sem
homens, o Greenwitch jamais ter ia nascido.”
“Eles não me fazem.” A grande voz estava triste. “Eles apenas servem a si
mesmos, apenas suas próprias necessidades. Embora eles me façam na forma de uma
cria tura, eles não estão fazendo nada mais do que uma oferenda, como uma vez em dias
mais antigos poderia ter sido uma ave retalhada, ou ovelha, ou homem. Eu sou uma
oferenda, Antigos Escolhidos, nada mais. Se pensassem que eu tinha vida eles me
matariam como mataram as aves, as ovelhas e os homens, para fazer um sacrif ício. Ao
invés disso eles me fazem como uma imagem, de galhos e folhas. É um jogo, um
substi tuto. Eu recebo vida de verdade apenas através da Dama Branca, vida bastante para
me levar até as profundezas. E dessa vez eu também t ive uma vida diferente despertada
em mim, pois fui trazido para terra, saindo do mar, pelo. . .” ' a voz f icou pensativa; uma
nota de astúcia surgiu. . . “pelo Escuro .”
“Tire isso de sua mente,” Merriman falou depressa . “Ninguém é mais egoísta do
que o Escuro. Tétis disse isso a você.”
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“Egoísta !” A t ris teza estava de volta em um instante, e muito mais profunda.
“Vocês todos são egoístas, Luz, Escuro, homens. Não há lugar para a Magia Selvagem a
não ser o seu próprio . . . ninguém se importa. . . ninguém se importa. . .
Mesmo sendo os três Antigos Escolhidos , eles recuaram quando a força de fúria se
ergueu de novo abruptamente, e a ra iva do Greenwitch pulsou ao redor deles como um
grande coração batendo ferozmente.
Cambaleando, Merriman colocou-se ereto, enrolando sua longa capa ao redor dele,
o capuz caindo para trás para deixar seu rebelde cabelo branco brilhando na luz da
lâmpada. “Ninguém mostrou se importar com você , Greenwitch? Ninguém?”
“Ninguém!” A poderosa voz ecoou através do vilarejo, pelas colinas, acima das
terras aber tas a trás ; como um trovão distante ela r ibombou e ecoou novamente.
“Nenhuma criatura! Nenhuma! Nem.. . Uma.. .” A ferocidade morreu, o trovão
enfraqueceu. Por um longo momento eles estavam ouvindo apenas o bater do mar
inquieto contra os rochedos, ali fora onde as ondas quebravam. Então o Greenwitch disse
em um sussurro, “Nenhuma a não uma. Nenhuma a não ser a criança.”
“A criança?” Wil l disse involuntariamente. Uma leve nota de pura incredulidade
emergiu em sua voz; por um momento ele pensou que o Greenwitch referia -se a s i
mesmo.
Merriman disse suavemente, ignorando -o, “A criança que desejou o melhor a
você.”
“Ela estava lá em cima no promontório durante a confecção,” o Greenwitch disse.
“E elas lhe falaram sobre o antigo costume, que qualquer um que tocasse o Greenwitch
antes que ele fosse jogado no penhasco, e f izesse um pedido, teri a esse pedido atendido.
Então ela poderia ter feito qualquer pedido que escolhesse.” A voz f icou calorosa, pela
primeira vez. “Ela poderia ter pedido qualquer coisa, Antigos Escolhidos, até mesmo que
a primeira par te perdida da sua Coisa de Poder retornasse a vocês. Ainda ass im, quando
me tocou, e la olhou para mim como se eu fosse humano, e disse, “Eu quer ia que você
pudesse ser feliz.”
O suave trovão desapareceu; o porto estava s ilencioso, dominado pela lembrança
que o preenchia.
“Eu queria que você pudesse ser feliz ,” o Greenwitch falou suavemente.
“Então ela…” Will começou; mas parou, quando a mão de Merr iman tocou seu
braço. O ar ao redor deles estava f icando claro, i luminado, suave; Trewissick, apenas por
essa noite, ref leti ria cada estado de humor do Greenwitch como um a lente de aumento . A
voz ecoante murmurou brandamente para si mesma, e para Wil l parecia que a cada
momento a terra e o mar naquele lugar f icavam mais suaves.
Dentro da noite de pr imavera levemente iluminada uma voz f ria disse, “A garota
também é egoísta , assim como o resto deles.”
Houve um silêncio. Então, saindo das sombras nos fundos do cais, emergiu o
pintor, o homem do Escuro. Ele f icou em uma poça de luz amarela de lâmpada,
encarando-os, uma espessa s ilhueta negra.
“Egoísta , ” e le falou para o ar. “Egoísta .” Então, vi rando -se para Merriman ele
disse, “Eu tenho o domínio sobre ele , não você. Os feitiços que o cha maram do oceano
foram meus. A criatura é minha para comandar, Antigo Escolhido, não sua.”
Will sentiu um baixo rugido ao redor deles, e viu as luzes t remerem levemente.
Merriman disse, “Agora não é uma questão de comando, mas de gent i leza. Os
feitiços que o trouxeram do mar não podem fazer mais nada agora.”
O pintor riu desdenhosamente. Ele girou dando meia volta, braços bem estendidos.
“Greenwitch!” ele gritou. “Eu volte i para buscar o segredo. Dou a você uma última
chance, antes que a ira do Escuro seja l iberada!”
O som de ribombar transformou-se em um forte rosnado, como um conjunto de
trovões, então morreu novamente.
“Tenha cuidado ,” disse o Capitão Toms suavemente. “Tenha muito cuidado.”
Mas o comando na voz do homem do Escuro agora era como gelo; era a f ria
arrogância absoluta que através de séculos passados levaram homens ao terror e à
completa obediência . “Greenwitch!” o homem gritou dentro da noite. “Entregue o seu
60
segredo para o Escuro! Obedeça! O Escuro es tá vindo novamente, e pela última vez,
Greenwitch! A hora chegou!”
Will fechou seus punhos com tanta força que as unhas cortaram as palmas das
mãos; até mesmo os Ant igos Escolhidos poderia m senti r a força de tal golpe de comando
dentro da mente. Ele observou sem re spirar, pensativo; não sabia como tal desaf io
tocaria a Magia Selvagem, uma força que não era da Luz, nem do Escuro, nem dos
homens.
O ar em volta deles rugiu com a ferocidade da vontade do mensageiro do Escuro,
lançando os pensamentos deles dentro da incerteza – e então gradualmente, suti lmente,
uma mudança começou. A força que estava no ar f raquejou, e mudou imperceptivelmente
de volta à teia de feitiço que t inha possuído essa pequena par te da terra desde que o
Greenwitch tinha derrubado o pintor. A Magia Selvagem estava resistindo a todos os
desaf ios, invencível como o Javali Trwyth*. Will deu uma respirada forte; ele começou a
imaginar o que es tava por vir.
Ficando sozinho no cais, o pintor deu um giro, cambaleando, apalpando o ar , como
se est ivesse procurando por algo que não conseguia ver. Emergindo da escuridão , bem
acima do vilarejo, uma estranha e c lara voz gr itou, como havia gri tado antes:
A hora chegou, mas não o homem.
A hora chegou, mas não o homem.
A hora chegou, mas não o homem.
E em meio ao si lêncio depois das palavras ecoan tes começou um sussurro, um
murmúrio gradual de muitas vozes, chamando, sussurrando: Roger Toms! Roger Toms! E
sombras vieram se aglomerando para dentro do porto, de todos os lados, todas as
sombras, espír itos e fantasmas de uma noite assombrada: o ant igo povo de Trewissick de
todos os séculos que a pequena cidade do mar já tinha vis to, concentrad os em um ponto
negro do tempo. Roger Toms! Roger Toms! No início as vozes chamavam suavemente,
f icando gradualmente mais a ltas, mais a ltas. Era um chamado, uma acusaç ão e um
julgamento, e sussurrava incansavelmente ao redor do porto e sobre o mar.
Silenciosamente, discretamente, os três Antigos Escolhidos desceram seus capuzes
sobre suas cabeças e juntos se moveram para um lado do porto, na sombra da parede,
para f icarem ali fora de vista.
Lá no centro do cais, sozinho, o pintor escuro girou em um lento círculo, vendo e
ouvindo incredulamente o passado caindo sobre ele, fazendo -o mergulhar nessa longa
desgraça. Com imenso esforço ele ergueu seus braços, empurrando debil mente no ar.
Mas não houve retrocesso da fúria i rracional que a Magia Selvagem t inha feito
surgir do vilarejo, para transformar seu atacante em um bode expiatório . “Roger Toms!
Roger Toms!” as vozes gri tavam furiosamente, mais forte s, mais exigentes.
O pin tor gritou dentro da noite, “Eu não sou ele! Você s me confundiram !”
“Roger Toms!” veio um enorme gr ito triunfante.
“Não! Não!”
Eles estavam todos em torno dele, gritando e chamando, apontando, do mesmo
jeito que as pessoas do presente tinham se amontoado, gritado e empurrado o
Greenwitch, enquanto ele era levado, recém -feito , para cai r rapidamente do penhasco.
E saindo da noite, sobre os telhados de Trewissick , dos escuros campos abertos
interiores, veio navegando de novo o navio fantasma de Cornwall, com apenas um
mastro , com velas quadradas , com um bote na parte de trás , que tinha navegado de dentro
do mar da noite na assombração . Silenciosamente ele deslizou sobre as casas, estradas e
atracadouro, e dessa vez não estava vazio, t inha uma f igura ao leme. O homem afogado,
gotejante e concentrado , que Jane tinha visto deslizar para for a do mar, estava al tivo ao
leme no convés, pilotando seu navio morto negro, sem olhar para esquerda nem para
direita. E com um guincho contente toda a grande mult idão de sombra s correu para o
navio, arrastando com eles o pintor que se debat ia.
“Roger Toms! Roger Toms!”
“Não!”
* Javali Trwyth: Poderoso javali na mitologia galesa.
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As velas fantasmas inf laram -se novamente com um vento que nenhum homem vivo
poderia senti r, e o navio navegou para longe, indo para o mar, mergulhando na n oite, e
os Antigos Escolhidos foram deixados sozinhos no atracadouro de Trewissick.
*******
No início Jane dormiu profundamente, mas no meio da noite sonhos começaram a
margear seu sono. Ela viu o pintor, pintando; viu de novo todas as coisas terríveis que
tinha visto de sua janela naquela no ite. Sonhou com Roger Toms e os contrabandistas ,
com o navio chamado Loteria fugindo dos homens do barco cobrador e os tiros ecoando
entre os dois; e em seu sonho o Loteria transformou-se no navio fantasma negro que
tinha navegado impensavelmente saindo do mar e para longe através da terra.
Ela pensou, enquanto se agitava em seu sono, que ouviu vozes chamando Roger
Toms! Roger Toms! E então, enquanto elas desapareciam, gradualmente em seu sono
apareceu o Greenwitch. Não conseguia vê -lo, como o tinha visto em um sonho uma vez
antes; dessa vez ele estava obscuro, meramente uma voz, perdido nas sombras. Estava
infeliz. Pobre criatura , Jane pensou, está sempre infeliz .
Ela disse, “Greenwitch, o que são todas essas coisas horríveis?”
“É a Magia Selvagem,” disse tristemente o Greenwitch dentro da mente sonhadora
dela. “É assim que ela ataca a mente dos homens, invocando todos os terrores que eles já
t iveram, ou que seus antepassados já tiveram. Todos os velhos fantasmas de Cornwall,
que os homens sempre temeram, isso é o que eles são.”
“Mas por que essa noite?” Jane disse.
O Greenwitch suspirou, um grande suspiro como uma rajada do mar. “Porque eu
estava com raiva. Eu nunca s into raiva, mas o homem do Escuro me fez sentir. E a ira
daqueles que são parte da Magia Selvagem não é uma coisa boa para liberar. O vilarejo a
carregava, o vilarejo foi possuído. . .”
“Acabou agora?”
“Agora acabou.” O Greenwitch suspirou de novo. “A Magia Selvagem levou
embora o homem do Escuro. O mensagei ro do Escuro. Ele era uma criatura sozinha,
tentando ludibriar seus mestres. Então eles não o protegeram, e assim a Magia Selvagem
o levou para fora do Tempo, do qual ele jamais deverá retornar. . .”
Jane gr itou, “Mas ele tem o Graal! E quanto ao Graal?”
“Não sei nada sobre o Graal,” o Greenwitch falou de modo indiferente. “O que é
um Graal?”
“Não importa,” Jane disse, com esforço. “No f inal, ele levou seu segredo? Você
entregou a ele?”
“Ele é meu,” o Greenwitch disse rap idamente. “Eu o encontrei. E agora nin guém
vai me deixar f icar com ele.”
“Você entregou para o Escuro?”
“Não.”
“Graças a Deus,” falou Jane. “É realmente terrivelmente importante, Greenwitch.
Para a Luz, para todos. De verdade. Para as pessoas que o f izeram, para meus irmão s e
para mim, para todos nós.”
O Greenwitch disse, “Para você?” Sua enorme voz melancólica ecoou ao redor
dela como ondas batendo em uma caverna. “Meu segredo é importante para você?”
“Claro que é,” falou Jane.
“Então aqui está,” disse a poderosa voz. “Pegue -o.”
Mais tarde Jane nunca soube como ela estava em seu sonho naquele momento: de
pé, sentada ou deitada, dentro de casa ou fora, na luz do dia ou noite, sob o mar ou sobre
rocha. Ela só lembrou da grande onda de espantoso deleite “Greenwitch! Você vai
entregar a mim o seu segredo?”
“Aqui,” disse a voz novamente, e al i nas mãos de Jane es tava a pequena caixa
deformada de chumbo, que havia caído no mar no f im da aventura que tinha alcançado o
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Graal – e aquela guardava em seu interior o único manuscrito capaz de revelar a e les o
segredo do Graal. “Pegue -o,” o Greenwitch disse. “Você fez um desejo que era para mim,
não para você mesma. Ninguém nunca tinha feito aquilo. Eu entrego a você meu segredo,
em retorno.”
“Obrigada,” falou Jane, em um sussurro. Tudo ao redor dela era escu ridão; era
como se nada exist isse no mundo todo além dela mesma, permanecendo no vazio, e a
grande voz sem corpo dessa estranha coisa selvagem, uma cr iatura do mar feita de galhos
e folhas da terra. “Obrigada, Greenwitch. Encontrarei para você um segredo m elhor, ao
invés desse.” Uma rápida imagem surgiu dentro da mente dela. “Colocarei no mesmo
lugar onde você encontrou esse.”
“Tarde demais,” disse a grande voz tris te. “Tarde demais. . .” Ela ribombou e
ecoou, enfraquecendo gradualmente. “Agora irei para minh a mãe, para as grandes
profundezas.” Longe dentro da escuridão o eco morreu, um último sussurro persis tiu.
“Tarde demais. . . tarde demais. . .”
“Greenwitch!” Jane gritou angustiada. “Volte! Volte!” Ela correu cegamente
dentro da escuridão, procurando em vão. “Volte!”
E no mesmo momento, o sonho se dissolveu, e ela acordou.
Acordou no pequeno quarto branco iluminado pelo raio de sol, alegre como as
alegres cort inas amarelas nas janelas, e a colcha amarela puxada até seu queixo na cama.
As cortinas balançaram suavemente com uma pequena brisa vinda da janela que ela havia
deixada parcialmente aberta na noite anterior.
E presa na mão de Jane es tava uma pequena caixa de chumbo, cheia de manchas
verdes, como uma pedra que f icou um longo tempo sob o mar.
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CAPÍTULO DOZE
Com os cabelos desgrenhados , pijamas amarrotados batendo, as crianças correram
para dentro do quarto de Merriman sem fazer cer imônia.
“Onde ele está?”
“Tentem lá embaixo. Vamos!”
Merriman e Will, parecendo terem se levantado e se vest ido fazia hor as, estavam
tomando seu café-da-manhã t ranqüilamente na sala de estar comprida e baixa. Quando
Simon, Jane e Barney i rromperam na sala Merr iman baixou um grande pedaço de jornal,
e olhou para eles sobre um par de óculos com aros dourados aninhados
surpreendentemente eu seu alto nariz arqueado.
Ele disse, olhando para o c ilindro desgastado que Jane, muda, es tendeu para ele,
“Ah.”
Will baixou sua torrada, abrindo um grande sorr i so em seu rosto redondo. “Bem
feito , Jane,” ele disse.
Jane falou, “Mas eu não f i z nada. Ele simplesmente… simplesmente apareceu.”
“Você fez um pedido,” disse Will.
Ela olhou para ele.
“Não vamos abri-lo?” Barney disse impacientemente. “Vamos, t io Merry.”
“Bem,” disse Merr iman. Ele pegou a pequena caixa de chumbo da mão de Jane e a
colocou na mesa, olhos escuros cintilando em seu rosto de linhas profundas. “Muito
bem.”
Jane ainda estava olhando, o olhar dela sal tando entre Wil l e seu tio . “Vocês
sabiam que eu tinha isso. Vocês sabiam.”
“Nós esperávamos que tivesse,” disse Merriman genti lmente.
Simon colocou um dedo na caixa com se fosse fazer uma prece. “Esteve no mar
por tanto tempo. Olhe para ela, tem restos de plantas e coisas nela toda. . . será que a água
entrou? Seria minha culpa, no último verão. Eu abri só uma vez, para ver o que t inha
dentro, e então a fechei novamente. Imagine se o manuscr ito est iver dest ruído ali dentro,
se eu não a fechei direi to . . .”
“Pare,” falou Jane.
Merriman pegou a caixa em seus longos dedos magros, puxou suavemente e girou
o metal cinza manchado de verde a té que, de repente, uma ponta dela saiu em sua mão
como uma tampa. Dentro, um pequeno rolo de pergaminho projetou -se da parte mais
longa da caixa como um dedo que apontava.
“Está tudo bem!” Simon disse roucamente. R apidamente ele limpou sua garganta e
colocou seus ombros para trás, embora fosse dif ícil recuperar a dignidade de pijamas.
Barney cruzou os braços em torno de si , balançando com impaciência. “O qu ê ele
diz? O quê ele diz?”
Muito lentamente, e com imenso cuidado, Merriman ret irou o manuscrito enro lado
de dentro da pequena caixa de chumbo. Ele disse, enquanto desenrolava -o genti lmente
sobre a mesa, aberto sobre uma grande mão, “N ós seremos capazes de fazer isso duas
vezes, pelo menos, a não ser que ele desintegre -se em pó. Então essa é a p rimeira ve z.”
Seus longos dedos seguravam o pergaminho marrom aberto sobre o pano branco.
Estava coberto com dois blocos de pesadas marcas negras. As cr ianças observaram,
desânimo espalhando horror sobre seus rostos.
“Mas ele não diz nada! Não há nem mesmo uma lingu agem!”
“É incompreensível !”
Jane disse lentamente, mais cautelosa, “O que é essa escri ta, t io Merry? Existe
algum tipo de alfabeto como esse?”
Ela olhou sem esperança para as séries de marcas negras: traços verticais , traços
incl inados, simples e em grupos , como os rabiscos aleatórios de um homem louco
meticuloso .
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“Sim,” disse Merriman. Existe.” Ele ergueu sua mão de modo que o manuscri to se
enrolou novamente, e Will, que esteve olhando sobre o seu ombro, voltou calmamente
para sua cadeira. Há um antigo alf abeto chamado Ogham, não voltado para nosso tipo de
leitura – isso é algo semelhante. Mas ainda assim é uma escri ta parcial, um código.
Lembrem, ele não pode signif icar nada até que tenhamos o Graal – foi escri ta para ser
colocada junto com a inscrição no Graal, para mostrar seu signif icado. Um vai dar luz ao
outro.”
Barney lamentou, “Mas não conseguimos pegar o Graal”
“O Escuro,” Simon falou amargamente. “O pintor.” Então ele f icou rígido, seu
rosto cheio de uma esperança selvagem. “Mas nós podemos pegá -lo , podemos ir pegá-lo
da carroça dele. Eles levaram ele para…”
“Bom dia! Bom dia!” A Sra. Penhal low apareceu com uma bandeja. “Ouvi suas
vozes, meus quer idos, então aqui está o café -da-manhã de vocês.”
“Super!” disse Barney depressa.
Muito gentilmente, Merr iman deixou seu jornal inclinar -se sobre o manuscri to e
sua caixa.
“Bem,” falou Jane, puxando desajei tada sua camisola amarrotada. “Ainda não
estamos exatamente vestidos, mas obrigada.”
“Meu Deus, quem se importa com isso no feriado? Agora acalmem -se, re laxem, e
vou aprovei tar o tempo para arrumar seus quartos.” Deixando a bandeja, ela foi saltando
para a cozinha; e então voltou com vassoura e espanadores. Quando ela estava se
afastando escada acima por trás da porta que conectava as casas, Simon soltou um longo
suspiro e explodiu novamente, tenso e excitado.
“Eles o levaram para o hospital, então podemos ir até a carroça, e le não estará lá!
Ele…”
Will assobiou entre os dentes, mantendo uma das mãos erguidas em aviso. Um
barulho e murmúrio veio da outra port a, dentro do quarto, e através dela apareceu Bill
Stanton, bocejando, piscando, apertando o cinto de um pijama l ist rado como uma cadeira
de praia. O lhou para os Drews, cobrindo o último de seus bocejos. “Bem,” ele disse.
“Estou feliz que pelo menos alguém parece do mesmo jeito que eu.”
Simon sentou pesadamente em sua cadeira e começou a cortar pão furiosamente.
Barney disse, “Você chegou bem ontem a noite, Sr. Stanton?”
O tio de Will gemeu. “Nem fale nisso. Que noite! Aquele cara maluco que
estávamos levando para o hospital fugiu.”
“Fugiu?” De repente a sala f icou muito quieta.
O Sr. Stanton sentou-se e procurou avidamente a chaleira. “Espero que esteja
bem,” ele disse. “Mas com certeza nos deu bastante problema. Ele estava completamente
quieto lá no banco de trás, eu poderia jurar que ainda es tava apagado. Nunca fez som
algum. Então, quando estávamos na metade do caminho até St. Austell , em uma parte
muito deserta da estrada, alguma co isa correu na f rente do carro, e eu bati nela.” Ele
tomou um longo gole de chá, e susp irou agradecido. “Então eu parei, e saltei para dar
uma olhada. Quer dizer, você não quer deixar um animal sofrendo, não é mesmo? E
enquanto eu es tava lá fora no escuro, esse sujei to no banco t raseiro deu um pulo e abriu
a porta do outro lado, e estava lá fora nos campos antes que Frannie soubesse o que
estava acontecendo.”
“Mas ele estava ferido,” falou Jane. “Ele poderia correr?”
“Correu como uma lebre,” disse o Sr . Stanton, empurrando para trás um pequeno
monte de cabelo sobre a sua cabeça calv a. “Nós podíamos ouvir o barulho dele, pulando
cercas eu acho. Procuramos por algum tempo, mas não tínhamos nenhuma luz e não é
muito amigável ali fora com o tempo ruim, no escuro. Então, no f inal, nós dirigimos em
frente até St. Austell e contamos à políc ia o que t inha acontecido. Fran pensou que
deveríamos, depois que o Capitão Toms tinha falado com o guarda de Trewissick.
Embora no f inal descobríssemos que ele não tinha falado, não é, Merry?”
“Nós tentamos,” disse Merr iman suavemente. “P.C. Tregear estav a fora do
vilarejo.”
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“Bem, os of iciais de polícia de St. Austell pensaram que estávamos loucos,” disse
o Sr. Stanton, “e provavelmente eles es tavam cer tos. No f im, voltamos aqui. Muito
tarde.” Ele bebeu mais um pouco de chá, e suspirou novamente. “ Acho que sou Inglês de
nascença , ” ele disse lamentosamente, “Realmente gostaria que nossa boa Sra. Penhallow
f izesse café para o café -da-manhã de vez em quando.”
“Qual foi o animal que você bateu?” disse Barney.
“Não encontramos s inal algum dele. Suponho que era u m gato. Parecia maior –
poderia ter sido um texugo ta lvez. Na hora em que desistimos” – ele es tremeceu –
“decidimos que era apenas um bom e velho fantasma de Cornwal l.”
“Oh,” Jane disse f racamente.
“Bem, chega disso,” disse o Sr. Stanton. “Todos nós f izemo s nossa par te como
Bons Samaritanos, e eu presumo que ele está bem em algum lugar. Ei, esse é o seu
último dia, garotos, não é? Parece que vai ser muito bom. Frannie estava pensando se
todos poderíamos fazer um piquenique naquela grande praia do outro lado de Kemare
Head.”
“Isso parece encantador,” Merriman disse rapidamente, antes que eles pudessem
reagir. “Um pouco mais tarde essa manhã, h ummm? Tem uma coisa que eu quero mostrar
a todos eles primeiro.”
“Está bem. Vai levar um tempo para que eu me recupere da noite passada. Acho
que Fran nem acordou ainda.”
“O que você quer nos mostrar, t io Merry?” falou Jane, mais por educação do que
por entusiasmo.
“Oh,” disse Merr iman. “Apenas uma velha fazenda.”
*******
Eles saltitaram através do vilarejo no grande carro de Merriman: Jane e Capitão
Toms na f rente, os garotos a trás, com um feliz e inquieto Rufus. Todas as janelas
estavam abertas; sem vento algum, e o sol já erguendo -se alto , esse prometia ser um dia
de primavera incomumente quente.
Simon disse, “Mas e le estará lá esperando por nós! Tem que estar, foi por isso que
ele fugiu! Tio Merry, como poderemos simplesmente chegar lá em um carro?”
Um tom de preocupação frenética estava se erguendo em sua voz; Will olhou para
ele com simpatia, mas não disse nada.
Merriman disse f inalmente, sem virar sua cabeça, “O homem do E scuro não vai
nos incomodar mais , Simon.”
Barney disse, “Por que não?”
Simon disse, “Como você sabe? ”
“Ele tentou mais uma vez, com muito esforço , desaf iar os direitos do Greenwitch,”
disse Merriman, virando o carro em uma esquina . “E a Magia Selvagem, à qual o
Greenwitch pertence, levou ele embora. ” Ele f icou em sil êncio, o tipo de silêncio que
eles sabiam signif icar o f im das perguntas .
“Noite passada,” disse Simon.
“Sim,” disse Merr iman. Jane, o lhando de lado para o perf il de bico de águia dele,
f icou imaginando por um frio momento o quê exatamente tinha acontecido ao pintor do
Escuro, e então , lembrando o que tinha vis to , f icou feliz em não saber .
E antes que percebessem eles tinham ido muito lo nge, o grande carro estava
dobrando para fora da pista em uma pequena estrada la teral, coberta por árvores de
galhos pequenos, passando por um letreiro que dizia : FAZENDA PENTREATH.
Simon disse nervosamente, “Não deveríamos caminhar? ”
Intencionalmente f ing indo não entender, Merriman balançou uma das mãos. “Oh,
não, não se preocupe, esse velho ônibus encarou caminhos mui to piores do que esse em
seu tempo.”
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Simon tentou afastar sua inquietação. Olhou através da janela para o s bancos
verdes de grama e as espessas árvores inchadas ; para os galhos semelhantes a rendas que
batiam nas janelas . Inconscientemente apertou suas mãos enquanto se ap roximavam da
última curva na est rada antes que eles vissem a carroça do pintor, e no último balançar
do carro apertou com mais força e combateu o impulso de fechar seus olhos .
E vasculhando infelizes no campo verde de arbustos espalhados, viram que a
carroça não estava mais lá .
“Pare um instante,” ele disse, em uma voz alta n ão familiar . Merr iman parou o
carro sem fazer perguntas, e Simon pulou para fora, com Barney per to dele. Juntos eles
correram até o local onde, ambos sabiam muito bem, a cinti lante carroça cigana estivera;
onde o cavalo havia se movido preguiçosamente cortando a grama; onde o homem do
Escuro t inha usado a mente de Barney para seus próprios f ins . Não havia s inal algum que
qualquer coisa ou que algu ém estivesse ali há meses . Nenhum pedaço de grama estava
amassado, nenhum galho curvado. Rufus, que tinha pulado do carro atrás deles, moveu -
se impaciente sobre o chão com seu nar iz abaixado, andando em círculos , não
encontrando cheiro algum. Então ele parou; levantou sua cabeça, balançou -a de um lado
para o outro de uma maneira est ranha para um cachorro, como alguém ouvindo algum
ruído, e saiu em um trote veloz d obrando a próxima esquina na estrada .
“Rufus!” Simon gritou. “Rufus!”
“Deixe ele,” disse c laramente do carro o Capitão Toms. “Volte aqui, e nos o
seguiremos.”
Ao descer a rua o grande carro roncou, e então eles estavam dobrando a última
esquina e encarando a fazenda.
A baixa construção cinza parecia muito mais decrépita do que Simon tinha
lembrado. Agora ele olhou com mais atenção para as vigas de madeira cruzadas pregadas
na porta da f rente; para as novas trepadeiras crescidas passando sobre janelas
desimpedidas; para outras janelas , aqui e ali , negras e quebradas como dentes que
faltavam. Grama al ta erguia-se viçosa e nova ao redor de peças de equipamentos da
fazenda enferrujados deixados no jardim: um velho arador esquelético , um ancinho, os
restos de um trator com seus grandes pneus corroídos . No cercado de um chiqueiro
abandonado, urtigas cresciam fortes e altas . Em algum lugar por trás da casa da fazenda,
Rufus lat iu de modo agudo , e um bando de pombos voou no ar . Houve um cheiro
molhado de coisas crescendo.
Capitão Toms disse suavemente, “ A selva está tomando a fazenda Pentreath, muito
rápido.”
Merriman f icou no meio do terreno, olhando para ele, perplex o. As linhas em seu
rosto pareciam mais profundas do que antes. Capitão Toms en costou-se contra o carro,
olhando para a fazenda, uma das m ãos traçando desenhos na terra úmida com seu cajado .
Will observou através de uma das janelas da f rente da fazenda, se esforçando para
ver através da escuridão . “Acho que deveríamos ir lá dentro,” e le disse, sem muita
convicção.
“Acho que não,” disse Simon. Ele f icou perto do ombro de Will, e pela primeira
vez não havia tensão alguma entre eles, mas apenas o estudo de um problema em comum.
“De algum modo tenho certeza de que o pintor nunca entrou ali . Parecia absolutame nte
intocado da última vez. Ele parecia apenas estar vivendo n a carroça sozinho. Era um tipo
de homem isolado.”
“Isolado mesmo.” A voz profunda de Merriman veio até eles at ravés do terreno.
“Uma estranha cria tura do Escuro, que eles enviaram somente como u m ladrão, para
pegar o Graal e escondê-lo. Esse momento foi uma boa escolha, pois estávamos de
guarda baixa, pensando que eles es tavam preocupados demais em cuidar de suas feridas
depois de uma grande derrota. . . Mas a cr iatura do Escuro estava disposta a t rai r seus
mestres, tendo idéias maiores. Ele sabia da história do manuscrito perdido, e pensou que
se conseguisse pegá-lo para si mesmo, e ass im completar uma das Coisas de Poder, ele
poderia, através de algum tipo de chantagem, transformar -se em um dos grandes lordes
do Escuro.”
Jane disse, “Mas eles não sabiam o que ele es tava fazendo?”
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“Eles não esperavam que ele ul trapassasse a autoridade dele ,” disse Merriman.
“Eles sabiam, mais do que ele mesmo, que destino desanimador aguarda qualquer f igura
solitár ia que possa se aventurar em tal busca. Nós pensávamos que não estavam
observando ele, mas simplesmente esperando pelo seu retorno.”
“Com certeza o Escuro está preocupado, por algum tempo,” disse o Capitão Toms.
“Eles têm danos a reparar, de certos aconteci mentos do último solstício de inverno. Eles
farão poucas aparições, até o momento de sua próxima grande ascensão .”
Simon disse lentamente, “Talvez fosse isso que o pintor queria dizer quando
perguntou a Barney , Estou sendo observado? Você lembra? Pensei qu e ele estava falando
de vocês, mas devia es tar se refer indo aos seus próprios mestres.”
“Onde está Barney?” Wil l disse, olhando ao redor.
“Barney? Ei, Barney!”
Um grito ininteligível veio de algum lugar além do lado mais distante da casa da
fazenda.
“Oh, Deus,” disse Jane. “O que ele es tá fazendo agora?”
Eles correram na direção do grito , Merriman seguiu mais devagar com o Capitão
Toms. Uma grande massa confusa de ervas daninhas, ur tigas e arbustos se erguiam ao
lado da velha casa, e ao redor de tod as as construções além.
“Uou!” Barney urrou de algum lugar dentro da moita. “Me arranhei !”
“Que diabos você está fazendo?”
“Procurando por Rufus.”
Eles ouviram um latido abafado; parecia vir da construção mais distante das duas,
um velho celeiro de pedra com um perigoso meio-teto caído.
“Au!” Barney gritou de novo. “Cuidado com as urtigas, elas são ferozes. . . Rufus
simplesmente continua lat indo e não sai, acho que deve estar preso. Ele foi por aqui. . .”
Capitão Toms mancou em frente. “Rufus!” ele gritou, bem alto e f irme. “Aqui!
Venha aqui!”
Houve mais latidos exci tados do celeiro decadente , terminando com um
choramingo.
Capitão Toms suspirou, e puxou sua barba cinza. “Animal tolo,” ele disse. “Se
afastem um minuto. Cuidado, Barney.” Balançando seu pesado cajado de um lado para o
outro como se fosse uma foice, ele se moveu em frente gradualmente, abrindo um
caminho através das urtigas e matagal até os lados de pedra despedaçados do celeiro. O
latido de Rufus, lá dentro, tornou-se mais f renético.
“Cala boca, cachorro,” gritou Barney, agora bem no cotovelo do capitão. “Estamos
chegando!” Ele fez um zigue zague até uma porta de madeira podre, pendurada para o
lado em uma dobradiça, e olhou para dentro através de uma brecha em forma de V entre a
porta e a parede. “Ele deve ter entrado aqui e batido em algo sobre aquela fenda
bloqueada. . . Posso entrar aqui, se eu. . .”
“Tenha cuidado,” falou Jane.
“É claro,” disse Barney. Ele se espremeu pela porta pendurada, empurrando para o
lado algo que caiu fazendo um barulho de est ilhaçado, e desapareceu. Houve uma
explosão de latidos alegres dentro do celeiro, e então Rufus veio sal tando pela fenda,
língua para fora, cauda balançando. Ele se empinou para o Capitão Toms. Estava mui to
sujo; pequenos pedaços úmidos de madeira podre salpicad os por seu pêlo vermelho, e
teias de aranha pegajosas coladas em seu nar iz.
Capitão Toms acar iciou ele de modo distraído. Estava olhando para o celei ro, com
um leve f ranzido de surpresa em seu rosto. Então olhou inquisi tivamente para Merr iman;
seguindo seu olhar, Jane viu a mesma aparência nos olhos de seu t io . Qual era o
problema com eles? Antes que ela pudesse perguntar, a cabeça de Barney emergiu pela
fenda na porta do celeiro. Seu cabelo estava desgrenhado e uma bochecha estava suja de
cinza, mas a atenção de Jane foi capturada somente pela brancura em seu rosto. Ele
parecia ter passado por um choque muito ruim.
“Saia daí, Barney,” falou Merriman. “Aquele telhado não é seguro.” Barney d isse,
“Já estou indo. Mas por favor, t io Merry, será que antes disso Simon poderia vi r aqui só
um minuto? É importante.”
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Merriman olhou do Capitão Toms para Will e de vol ta para Barney. Seu severo
rosto marcado estava tenso. “Muito bem. Por um momento.”
Simon deslizou passando por eles para abrir seu caminho at ravés da fend a. Atrás
dele, Will disse timidamente , “Você se importaria se eu fosse também?”
Jane est remeceu, esperando pela inevitável resposta rude; mas Simon apenas disse
rapidamente, “Certo. Vamos.”
Os dois garotos foram atrás de Barney. Simon recuou assim que uma extremidade
lascada arranhou seu braço; a fenda era mais est rei ta do que parecia. Cambaleando, ele
f icou tossindo enquanto Will veio atrás dele. O pó era espesso no chão, e no começo era
dif ícil ver c laramente na meia luz das janelas sujas e cobertas de ve getação .
Piscando, Simon viu Barney acenando para ele.
“Aqui. Olhe.”
Ele seguiu Barney para um canto do celeiro, l ivre da madeira empilhada e toras
que enchiam grande parte do chão. E então parou.
Diante dele, fantasmagoricamente nas sombras do canto e do teto, estava uma
carroça cigana, com exatamente a mesma forma e aparência daquela na qual e les tinham
encontrado o pintor do Escuro. Havia os grandes lados inclinados para fora, insertos de
madeira entalhada debaixo das beiradas do telhado de madeira. No c anto mais distante,
estavam as hastes para o cavalo, e nessa ponta estava a porta dividida – em duas
metades, que gi ravam, como uma porta de estábulo - alcançada por uma escada de
madeira com seis degraus. E o degrau de cima era o degrau no qual, no f inal, eles
estiveram.. .
Mas é claro que ela poderia não ser a mesma. Essa carroça não era bem limpa, ou
recém pintada. Essa carroça t inha os lados gastos e sujos nos quais somente estranhos
caminhos de tinta velha permaneciam, descascando. Essa carroça tinha um a haste
quebrada, e a parte de cima de sua porta dividida pendia em um pedaço de dobradiça. Ela
era ant iga e desgastada, não uti lizada, desprezada; o vidro em suas janelas es tava
quebrado há muito tempo. Ela poderia não ter sido movid a de seu lugar durante os
muitos anos desde que o telhado do velho celeiro tinha começado a ceder, pois na parte
mais afas tada do celei ro as vigas do teto jaziam apodrecidas com todo o seu peso
restante repousando em cima da carroça.
Era uma relíquia, uma antiguidade. Simon f ic ou observando. Era como se
estivesse encontrando o tatara -ta taravô de um garoto que ele conhecia bem, e descoberto
que o homem idoso tivesse exatamente o mesmo rosto que o garoto, m as imensamente,
impossivelmente envelhecido.
Ele abriu sua boca e olhou para Barney, mas não conseguiu pensar em nada para
dizer.
Barney disse secamente, “Deve ter estado aqui por anos e anos e anos. Desde
muito antes que t ivéssemos nascido.”
Will disse, “O quanto você lembra do interior da carroça do pintor?”
Simon e Barney pularam com o som da voz dele; t inham esquecido que ele estava
ali . Agora ele s se viraram; Will estava per to da porta do celeiro, meio escondido na
sombra, apenas o seu rosto branco piscando para eles na luz clara.
Barney disse, “Muito bem.”
“E você, Simon?”' disse Wil l. Sem dar tempo para uma resposta, ele continuou,
“Barney não lembra de ver o Graal. Mas você lembra de tudo, dede o momento em que
viu pela primeira vez a caixa no qual ele estava.” '
“Sim,” falou Simon. Com um vago interesse , ele percebeu que pe la primeira vez
estava escutando Will embora fosse mais velho, sem ressent imento ou discussão.
Will não disse mais nada. Ele at ravessou de trás deles a té os degraus no f inal da
carroça, afastando com o pé a sujei ra e escombros que estavam espalhados por to da
parte. Subiu os degraus. Segurou a metade superior pendurada da porta da carroça, e ela
soltou em suas mãos, quando a dobradiça corroída po r ferrugem desintegrou-se em
poeira. Então ele puxou com força a parte debaixo da porta, e ela gi rou relutante em
direção a ele com um lento rangido de um velho portão de fazenda.
“Barney,” ele disse. “Você se importa de entrar?”
69
“Claro que não,” Barney falou audaciosamente, mas seus passos em direção a
porta da carroça foram relutantes e lentos.
Simon não disse nada para ajudá-lo. Estava olhando para Wil l, cuja voz, como
uma vez antes, t inha uma f irmeza e certeza que erguia inexplicáveis ecos em sua cabeça.
“Simon,” disse Will. “O que o pintor disse, palavra por palavra, quando ele levou
Barney pela primeira vez ao local onde ele encontrou o Graal?”
Fechando seus olhos parcialmente, concentrando -se furiosamente, Simon forçou
sua memória de volta e procurou ver o que estava nela. “Nós dois entramos mais ou
menos até a metade lá dentro,” ele d isse. Como um sonâmbulo ele caminhou em frente
subindo os f rágeis degraus velhos, sua mão no ombro de Barney empurrando-o
gentilmente, e com Will seguindo, os dois entraram na pequena sala que era o inter ior da
carroça.
“E o homem disse, porque Barney havia dito que estava com sede, Naquele
armário perto de seu pé direito você encontrará algumas latas de laranjada. E.. . e você
pode tirar uma caixa de papelão que encontrará lá dentro também. Então Barney fez
isso.”
Barney virou sua cabeça e olhou nervosamente para Will, e o Wil l, que de algum
modo não era o mesmo Will, olhou encorajadoramente, como se af inal de contas não
fosse mais do que um garoto bondoso de aparência tola que eles t inham conhecido no
início desse es tranho feriado. Então Barney olhou para seu pé di rei to , e viu ao lad o dele
um pequeno armário sem puxador e a desordem de anos amontoada contra sua porta; ele
se a joelhou, removeu o entulho e passou suas unhas procurando encontrar um ressalto
para abrir a pequena porta. Quando ela f inalmente se abriu, ta teou lá dentro e re ti rou
uma caixa de papelão desgastada, suja e de cheiro ruim.
Colocou-a no chão. Os três olharam para ela em si lêncio. Do lado de fora do
celeiro, ouviram fracamente a voz suave de Jane gri tar ansiosa, “Vocês estão bem? Ei,
saiam logo!”
Will falou devagar, “Abra.”
Lentamente, de modo hesitante, Barney agarrou a parte de cima da caixa. O
papelão velho apodrecido saiu em suas mãos, e um brilho surgiu nos olhos deles, um
cint ilar dourado que pareceu preencher os decrépitos res tos despedaçados daquela que
uma vez, há muito tempo atrás, t inha sido uma carroça. E ali , brilhando debaixo de seus
olhos, estava o Graal.
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CAPÍTULO TREZE
No terreno da fazenda, em frente da casa, um grande pedaço arredondado de
granito foi colocado no chão: uma velha roda de moin ho, gasta e guarnecida por grama.
Em sua clara superf íc ie cinzenta manchada eles colocaram o Graal, e reuniram -se ao
redor enquanto Merr iman t irou de seu bolso o pequeno cilindro surrado que guardava o
manuscr ito . Ele reti rou o pequeno rolo de pergaminho, suas bordas rachadas e corroídas,
e o desenrolou para colocá -lo na pedra irregular.
“E essa é a segunda vez para olhar,” ele disse.
As crianças cataram pedras da grama e as colocaram gent ilmente nas bordas para
manter o pergaminho aberto. Então eles se afa staram inst int ivamente para um lado, para
deixar Merriman e Capitão Toms estudarem juntos o Graal e o manuscr ito .
Barney, perto de Merriman, de repente percebeu que Wil l estava quieto e imóvel
atrás dele. Ele afas tou rapidamente para o lado. “Aqui,” ele di sse. “Venha.”
O Graal dourado cintilou na luz do sol; a gravura em seus lados estava clara e
regular, mas o suave ouro gasto da superf ície interna, como Simon havia dito , es tava
enegrecido e escuro. Agora Will olhou de perto, as del icadas gravações pela pr imeira vez
em sua vida, vendo os painéis cheios de cenas vívidas de homens correndo, lutando, se
agachando atrás de escudos: com túnicas, homens de elmos est ranhos brandindo espadas
e escudos. As imagens acordaram profundas memórias nele de coisas que jamais soubera
que tinha esquecido. Olhou mais de perto, para as palavras e let ras entrelaçadas entre as
f iguras, e para o último painel no Graal, completamente preenchido com palavras na
mesma linguagem cif rada que nenhum estudioso vivo havia sido capaz de en tender. E
como os outros dois Ant igos Escolhidos, começou a olhar metodicamente das marcas no
velho manuscr ito para as marcas no Graal, e gradualmente o entrelaçado tornou-se claro.
Will encontrou-se respirando mais rápido, enquanto o signif icado da inscri ção
começou a tomar forma em sua mente.
Olhando para o manuscrito , Merriman disse lentamente, dolorosamente, como se
estivesse soletrando uma lição dif ícil:
No dia dos mortos, quando o ano também morre,
Deve o mais jovem abrir as colinas mais antigas
Através da porta dos pássaros, onde quebra a brisa.
Ali o fogo voará do garoto corvo ,
E os olhos prateados que enxergam o vento,
E a Luz terá a Harpa de Ouro.
Ele parou, seu rosto rígido de concentração. “Não é fácil ,” ele falou para s i
mesmo. “O padrão é dif ícil de manter .”
Capitão Toms apoiou-se em seu pesado cajado, olhando para outro painel do
Graal. Ele disse suavemente, seu sotaque embalando as palavras:
No agradável lago jazem os Adormecido s,
No Caminho de Cadafan onde gritam os falcões;
Embora severas as sombras do Rei Cinzento caiam,
Ainda cantando a harpa dourada guiará
Para quebrar o sono deles e pedir que cavalguem .
Will se ajoelhou ao lado do pedaço de granito e virou o Graal novamente.
Lentamente ele leu bem al to:
Quando a luz da terra perdida retornar,
Seis Adormecidos cavalgarão, seis Signos queimarão ,
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E onde a árvore do solstício de verão cresce altiva
Pela espada de Pendragon o Escuro cairá .
Merriman f icou ereto. “E a última l inha de todas será o feitiço,” e le disse, olhando
duramente para Will; os profundos olhos escuros penetraram em sua mente. “Lembre -se.
Y maent yr mynyddoedd yn canu, ac y mae'r arglwyddes yn dod. As montanhas estão
cantando, e a Dama surge. Lembre -se.”
Ele se inclinou até a pedra, afastou os pesos de pedra e pegou o pequeno
manuscr ito enrolado em uma das mãos. Como se os Drews nem existissem, olhou para
Will e Capitão Toms.
“Vocês pegaram tudo?” ele disse.
“Sim,” disse Will.
“Seguramente memorizado ,” Capitão Toms falou.
Em um movimento rápido Merriman fechou seu punho , e o pequeno rolo espesso
de pergaminho com bordas desgastadas desintegrou -se instantaneamente em pequeninos
f ragmentos, pequenos como grãos, leves como poeira. Ele abriu se us longos dedos e
girou seu braço bem erguido, e em uma chuva poeirenta os pedaços voaram em todas as
direções, para o esquecimento.
As crianças gritaram agudamente.
“Tio Merry!” Jane olhava para ele, assustada. “Você dest ruiu a coisa toda!”
“Não,” disse Merriman.
“Mas você não pode entender o que o Graal diz, sem ele. Ninguém pode.” O rosto
de Simon estava torcido de perplexidade. “Simplesmente vai se tornar um mistér io assim
como era antes!”
“Não para nós,” disse o Capitão Toms. Ele se abaixou para sentar no pedaço de
granito, e pegou o Graal, girando -o em seus dedos de modo que a luz do sol cintilou nos
lados gravados. “Nós sabemos, agora, o que tem na mensagem escondida do Graal. Isso
irá def inir os próximos doze meses de nossas vidas, e nos ajudará a salvar homens de
grande terror, muito em breve, de uma vez por todas. E agora que te mos isso em nossas
mentes, jamais esqueceremos.”
“Eu já esqueci,” Barney disse queixosamente. “Tudo exceto um pouco sobre uma
harpa dourada, e um rei cinzento. Como pode haver um rei cinzento?”
“É claro que você esqueceu,” disse o Capitão Toms. “Essa era a intenção.” Ele
sorriu para Barney. “E nós nem precisamos de um encantamento para a judá - lo a
esquecer, como nosso amigo do Escuro fez. Podemos confiar na mortalidade de sua
memória.”
“E você não tem que se preocupar se alguém mais vai lembrar,” disse Simon ,
compreendendo lentamente, “porque ninguém mais vai ouvir ou ver.”
Jane falou com tristeza, “Parece uma pena que o pobre segredo do Greenwitch
simplesmente t ivesse que ser jogado fora.”
“Ele serviu ao seu propósito ,” disse Merr iman. Sua voz profunda se e l evou um
pouco, ganhou um tom de solenidade. “Seu grandioso propósito , para o qual ele foi
criado faz tanto tempo. Ele nos colocou no próximo passo da estrada para impedir a
ascensão do Escuro, e não há nada mais importante do que essa tarefa.”
“Aquele último trecho que você disse, do Graal e do manuscrito ,” disse Barney.
“Em que língua ele estava?”
“Galês,” disse Merr iman.
“A última par te da busca é em Wales?”
“Sim.”
“Nós faremos parte disso?”
Merriman disse, “Espere e veja.”
*******
72
Eles deitavam largados de várias maneiras sob os raios de sol na praia,
recuperando-se de um enorme piquenique de almoço. Simon e Barney estavam mexendo
uma bola para f rente e para trás preguiçosamente, sem se importar em f icar de pé. Bill
Stanton estava observando eles, e o bastão de críquete que estava próximo, com
nostálgico otimismo.
“Apenas esperem,” ele falou para sua esposa que tomava banho de sol,
“mostraremos a vocês exatamente como se joga isso, em pouco tempo.”
“Ótimo,” disse Fran Stanton sonolenta.
Jane, deitada sobre as costas piscando para o céu azul, apoiou -se sobre os
cotovelos e olhou para o mar. A areia estava quente contra a sua pele; era um lindo dia
ensolarado sem brisa em Cornwal l, de um tipo raro e especial.
“Só vou dar uma pequena caminhada,” ela falou para ninguém em particular, e
sobre a areia seca ela seguiu, pela longa praia dourada, em direção às pedras que
reluziam com algas-marinhas na maré baixa aos pés de Kemare Head. O promontório
erguia-se acima dela, declive gramado transformando -se em penhasco cinzento irregular;
bem na ponta, os penhascos elevavam -se em uma parede íngreme contra o céu. A cabeça
de Jane estava cheia de memórias. Ela começou a caminhar sobre as pedras,
estremecendo um pouco quando seus pés nus, ainda não fortalecidos pelo verão,
pressionavam contra rocha áspera. Ali fora, ano passado, ela, Barney e Simon tinham
chegado ao pico da aventura deles, o achado do Graal que est ivera por centenas de anos
em uma caverna, a entrada totalmente coberta por água e as ondas menores . Aqui, e les
tinham fugido do Escuro que os perseguia, com o Graal e a pequena caixa de chumbo que
tinham encontrado dentro dele. E ali , ela pensou enquanto atingia o ponto mais distante
das rochas, com as ondas quebrando brancas aos seus pés, bem aqui, no alvoroço de
salvar o Graal, a pequena caixa de chumbo tinha caído dentro das ondas e descido até o
fundo do mar.
E lá o Greenwitch a tinha encontrado, e transformado -a em um precioso segredo.
Jane olhou para a profunda água verde além das ondas que quebra vam. “Adeus,
Greenwitch,” ela disse suavemente.
Desaf ivelou um pequeno bracelete prateado que usava em seu pulso, pesou
experimentalmente em sua mão, e levou para trás o seu braço para jogá -lo dentro do mar.
Uma voz disse gent ilmente a trás dela, “Não faça isso.”
Jane engasgou, e quase perdeu o equilíbrio; dando um giro, ela viu Wil l Stanton.
“Oh!” ela disse. “Você me assustou.”
“Sinto muito,” Will falou. Ele foi para f rente, se equi librando, para f icar ao lado
dela; seus pés nus pareciam muito brancos cont ra as algas -marinhas escuras nas pedras.
Jane olhou para o seu agradável rosto arredondado, e então para o bracelete em
sua mão. “Sei que isso parece estúpido,” ela falou hesitante, “mas eu queria dar ao
Greenwitch outro segredo para guardar. Ao invés daqu ele que ele pegou. No meu sonho”
– ela fez uma pausa, embaraçada, mas continuou falando – “no meu sonho, eu disse, vou
dar a você outro segredo, e o Greenwitch disse naquela est rondosa voz triste, “Tarde
demais, tarde demais,” e s implesmente desapareceu. . . ”
Ela f icou silenciosa, contemplando o mar.
“Eu só disse não,” Will falou, “porque não acho que seu bracelete servir ia. É de
prata, não é?, e a água do mar o deixaria negro e com aparência suja.”
“Oh,” Jane falou, arrasada.
Will f irmou seus pés na pedra mo lhada, e procurou em seu bolso. Ele disse,
olhando brevemente para Jane e depois para longe, “Eu sabia que você i ria querer dar
algo ao Greenwitch. Fiquei pensando se isso serviria.”
Jane olhou. Na palma est icada de Will estava a mesma pequena caixa de chu mbo
com traços verdes que guardava o manuscrito , o primeiro segredo do Greenwitch. Will
pegou-a e re tirou a tampa, balançando -a para reti rar um pequeno objeto e colocar na mão
dela.
Jane viu um pedaço de metal amarelo, cintilando, com algumas palavras pequ enas
gravadas nele.
“Isso parece ouro,” ela disse.
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“É ouro,” disse Will. “Baixo quila te, mas é ouro. Dura para sempre, até mesmo lá
embaixo.”
Jane leu: “Poder do greenwitch, perdido sob o mar. ”
“É apenas uma linha de um poema,” Will falou.
“É mesmo? É perf eito .” Ela correu os dedos pelo ouro claro. “Onde você
conseguiu?”
“Eu o f iz.”
“Você fez?” Jane se virou e olhou para ele com tal admiração que Will riu.
“Meu pai é um joalheiro. Ele está me ensinando a gravar coisas. Às vezes eu ajudo
ele em sua loja depo is da escola.”
“Mas você deve ter feito isso antes de descer aqui, antes mesmo que soubesse que
encontraríamos o Greenwitch,” Jane falou lentamente. “Como você sabia o que fazer, o
que escrever?”
“Só um palpite de sor te, eu acho,” d isse Will, e houve uma p olida f inalidade em
seu tom que fez Jane lembrar de Merriman instantaneamente: era a voz que negava
qualquer quest ionamento.
“Oh,” ela disse.
Will colocou a pequena barra dourada dentro da caixa e fechou a tampa bem
apertada. Então entregou -a para e la.
“Aqui está o seu segredo, Greenwitch,” Jane disse, e a jogou dentro do mar. A
pequena caixa desapareceu dentro das ondas, sua espuma girando em torno das rochas.
Sob a luz do sol a água brilhou como vidro quebrado.
“Obrigada, Will Stanton,” Jane disse. Ela fez uma pausa, olhando para ele . “Você
não é mesmo como o resto de nós, não é?”
“Não exatamente,” disse Wil l.
Jane falou, “Espero que vejamos você de novo, algum dia.”
Will disse, “Tenho certeza que ver ão .”
*******
O Sr. e a Sra. Penhallow f icaram acenand o dos degraus da casa, enquanto eles
partiram: Merr iman para colocar as quatro crianças no trem para Londres, os Stantons em
uma visita a Truro, para passar o dia.
“Adeus!”
“Boa viagem para vocês! Adeus!”
Os carros desapareceram cruzando o cais; acima, gai votas giravam e gr itavam.
“O professor encontrou o que veio procurar, dessa vez, eu acredito,” falou o Sr.
Penhallow, sugando seu cachimbo pensativamente.
“Aquele pequeno cálice de ouro do ano passado, que foi roubado em Londres?
Sim. Mas tinha mais, eu imagino.” Sra. Penhal low olhou para o ponto onde o carro de
Merriman tinha dobrado a esquina, com ref lexão estampada em seus olhos.
“Mais do quê?”
“Não foi por acaso que ele veio aqui na época do Greenwitch. Ele nunca fez isso
antes. Essa também foi a primei ra confecção do Greenwitch com o Capitão Toms em casa
durante muitos anos . . . Não sei, Walter, eu não sei. Mas algo estranho esteve
acontecendo.”
“Você está sonhando,” disse o Sr. Penhallow de modo indulgente.
“Isso não. Mas aquela jovem Jane es tava, uma no i te. Naquela mesma noite todos
estavam sonhando, a noite em que todo vilarejo estava mergulhado em pesadelo . . . Houve
essa conversa no dia seguinte, de coisas serem melhor esquecidas. . . E naquela manhã, eu
estava bem per to dos quartos, cuidando do meu traba lho, quando a jovem Jane acordou.
E ela sol tou um gri to , e saiu do quarto dela correndo até seus irmãos como um animal
selvagem.”
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“Então ela estava sonhando, com certeza,” disse o Sr. Penhallow. “Um sonho
ruim, pelo que parece. E daí?” '
“Não foi o sonho de la que chamou minha atenção ,” A Sra. Penhal low olhou para o
porto tranqüilo, e as gaivotas que vagavam. “Foi o quarto dela. Na noite anterior ele
estava l impo e arrumado, ela é uma pequena mui to organizada. Mas por toda parte,
naquele quar to, naquela manhã , havia uma grande quant idade de pequenos galhos e
folhas, folhas de hawthorn , e rowan . E em todo lugar um forte cheiro de mar.”
*******
Aqui termina GREENWITCH, terceiro livro da série THE DARK IS RISING.
O primeiro livro foi chamado de OVER SEA, UND ER STONE. O segundo livro THE
DARK IS RISING. O quarto THE GREY KING e o quinto SILVER ON THE TREE.