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62 RCPV (2014) 109 (591-592) 62-69 Entomologia Forense Médico-Veterinária Veterinary Medical Forensic Entomology Maria T. Rebelo *(1) , José Meireles (2) , Anabela Moreira (2) , Isabel Pereira da Fonseca (2) 1 Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), Campo Grande 1749-016 Lisboa 2 Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, Departamento de Sanidade Animal, Universidade de Lisboa, Av. Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa Resumo: A entomologia forense (EF) utiliza o estudo de insec- tos e outros artrópodes presentes na decomposição da matéria orgânica como ferramenta auxiliar da investigação criminal e conflitos civis. Os artrópodes apresentam características que permitem utilizar as evidências entomológicas na resolução de casos forenses. Os insectos acumulam-se no cadáver e em seu redor, tornando-se parte da evidência. Na fauna entomo- lógica cadavérica existe uma sucessão hierarquizada de artró- podes, ainda que se observe por vezes uma forte competição e com intervalos definidos em cada estádio, que permite aos entomologistas forenses datar o intervalo post mortem, i.e. a estimativa do tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo. No Homem, a EF apresenta diversas áreas de interven- ção (homicídio, suicídio, negligência e violação sexual) e mais recentemente, a EF estendeu-se a estudos no âmbito da fauna selvagem e da medicina veterinária onde tem tido particular relevância na vigilância e salvaguarda de eventuais casos de negligência, abuso físico de animais domésticos ou selvagens em cativeiro e também em animais selvagens envenenados/ca- çados em áreas protegidas. A entomofauna varia com o tipo de cadáver (ave, mamífero, carnívoro, omnívoro, etc.) e os ar- trópodes coletados têm de ser corretamente acondicionados e conservados, para manterem a sua morfologia e estádio evolu- tivo podendo as condições atmosféricas acelerar ou retardar o processo assim como os grandes necrófagos, as bactérias, os fungos e até a ação do Homem. Os autores pretenderam, atra- vés deste artigo, divulgar informação e fomentar o interesse sobre a entomologia forense médico-veterinária enquanto área de conhecimento. Summary: Forensic entomology (FE) uses the study of insects and other arthropods present in the decomposition of organ- ic matter as an auxiliary tool of criminal and civil conflicts. Arthropods features allow the appliance of entomological evi- dence for solving forensic cases. Insects accumulate in corpse and around it, becoming part of the evidence. In the cadaveric insect fauna there is a hierarchical succession of arthropods. Although a strong competition may be present there are spe- cies and instars that allow forensic entomologists to date the post mortem interval, ie the estimate of the time between death and the discovery of the corpse. Human forensic entomology has several areas of intervention (homicide, suicide, negligence and rape) and more recently, the FE extended to studies within the wildlife and veterinary medicine which has had particular relevance in monitoring and safeguarding cases of negligence, physical abuse of domestic and wild animals in captivity and also poisoned/hunted wildlife in protected areas. The insect fauna varies with the type of carcass (bird, mammal, carni- vore, omnivore, etc.). Arthropods must be properly collected and preserved to maintain their morphology and evolutionary stage. Atmospheric conditions can accelerate or decrease the decomposition process as well as the action of large scaven- gers, bacteria, fungi and even man. With this article the authors intend to call the attention to medical and veterinary forensic entomology promoting the interest in this area of knowledge. Introdução A entomologia forense (EF) utiliza o estudo de in- sectos e outros artrópodes presentes na decomposi- ção da matéria orgânica como ferramenta auxiliar da investigação criminal e conflitos civis. Os artrópodes apresentam diversas características que permitem uti- lizar as evidências entomológicas na resolução de ca- sos forenses, nomeadamente, o facto de apresentarem a maior diversidade de espécies conhecidas por pos- suírem grande capacidade de adaptação a diferentes tipos de habitat, terem dimensões reduzidas que lhes permitem passar despercebidos, na maior parte das vezes, constituindo provas dificilmente manipuláveis e, ainda, exibirem estádios evolutivos que fornecem informações importantes para o processo em avalia- ção. Quando um crime é cometido, os insectos acumu- lam-se no e em redor do cadáver, tornando-se parte da evidência. Os entomologistas forenses podem assim datar a morte estimando o tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo, isto é, o intervalo post mortem (IPM), perceber se o corpo foi deslocado, identificar o local do crime e/ou determinar a causa da morte através da deteção de toxinas ou substâncias como fármacos, estupefacientes e venenos. No Homem, a EF apresenta diversas áreas de in- tervenção. Além das investigações de homicídio, suicídio e violação sexual, a EF também é usada em casos de abuso físico e negligência no tratamento de crianças e idosos, quando feridas, escaras e/ou ori- *Correspondência: [email protected]

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Entomologia Forense Médico-Veterinária

Veterinary Medical Forensic Entomology

Maria T. Rebelo*(1), José Meireles(2), Anabela Moreira(2), Isabel Pereira da Fonseca(2)

1Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), Campo Grande 1749-016 Lisboa2Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, Departamento de Sanidade Animal,

Universidade de Lisboa, Av. Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa

Resumo: A entomologia forense (EF) utiliza o estudo de insec-tos e outros artrópodes presentes na decomposição da matéria orgânica como ferramenta auxiliar da investigação criminal e conflitos civis. Os artrópodes apresentam características que permitem utilizar as evidências entomológicas na resolução de casos forenses. Os insectos acumulam-se no cadáver e em seu redor, tornando-se parte da evidência. Na fauna entomo-lógica cadavérica existe uma sucessão hierarquizada de artró-podes, ainda que se observe por vezes uma forte competição e com intervalos definidos em cada estádio, que permite aos entomologistas forenses datar o intervalo post mortem, i.e. a estimativa do tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo. No Homem, a EF apresenta diversas áreas de interven-ção (homicídio, suicídio, negligência e violação sexual) e mais recentemente, a EF estendeu-se a estudos no âmbito da fauna selvagem e da medicina veterinária onde tem tido particular relevância na vigilância e salvaguarda de eventuais casos de negligência, abuso físico de animais domésticos ou selvagens em cativeiro e também em animais selvagens envenenados/ca-çados em áreas protegidas. A entomofauna varia com o tipo de cadáver (ave, mamífero, carnívoro, omnívoro, etc.) e os ar-trópodes coletados têm de ser corretamente acondicionados e conservados, para manterem a sua morfologia e estádio evolu-tivo podendo as condições atmosféricas acelerar ou retardar o processo assim como os grandes necrófagos, as bactérias, os fungos e até a ação do Homem. Os autores pretenderam, atra-vés deste artigo, divulgar informação e fomentar o interesse sobre a entomologia forense médico-veterinária enquanto área de conhecimento.

Summary: Forensic entomology (FE) uses the study of insects and other arthropods present in the decomposition of organ-ic matter as an auxiliary tool of criminal and civil conflicts. Arthropods features allow the appliance of entomological evi-dence for solving forensic cases. Insects accumulate in corpse and around it, becoming part of the evidence. In the cadaveric insect fauna there is a hierarchical succession of arthropods. Although a strong competition may be present there are spe-cies and instars that allow forensic entomologists to date the post mortem interval, ie the estimate of the time between death and the discovery of the corpse. Human forensic entomology has several areas of intervention (homicide, suicide, negligence and rape) and more recently, the FE extended to studies within the wildlife and veterinary medicine which has had particular relevance in monitoring and safeguarding cases of negligence, physical abuse of domestic and wild animals in captivity and

also poisoned/hunted wildlife in protected areas. The insect fauna varies with the type of carcass (bird, mammal, carni-vore, omnivore, etc.). Arthropods must be properly collected and preserved to maintain their morphology and evolutionary stage. Atmospheric conditions can accelerate or decrease the decomposition process as well as the action of large scaven-gers, bacteria, fungi and even man. With this article the authors intend to call the attention to medical and veterinary forensic entomology promoting the interest in this area of knowledge.

Introdução

A entomologia forense (EF) utiliza o estudo de in-sectos e outros artrópodes presentes na decomposi-ção da matéria orgânica como ferramenta auxiliar da investigação criminal e conflitos civis. Os artrópodes apresentam diversas características que permitem uti-lizar as evidências entomológicas na resolução de ca-sos forenses, nomeadamente, o facto de apresentarem a maior diversidade de espécies conhecidas por pos-suírem grande capacidade de adaptação a diferentes tipos de habitat, terem dimensões reduzidas que lhes permitem passar despercebidos, na maior parte das vezes, constituindo provas dificilmente manipuláveis e, ainda, exibirem estádios evolutivos que fornecem informações importantes para o processo em avalia-ção.

Quando um crime é cometido, os insectos acumu-lam-se no e em redor do cadáver, tornando-se parte da evidência. Os entomologistas forenses podem assim datar a morte estimando o tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo, isto é, o intervalo post mortem (IPM), perceber se o corpo foi deslocado, identificar o local do crime e/ou determinar a causa da morte através da deteção de toxinas ou substâncias como fármacos, estupefacientes e venenos.

No Homem, a EF apresenta diversas áreas de in-tervenção. Além das investigações de homicídio, suicídio e violação sexual, a EF também é usada em casos de abuso físico e negligência no tratamento de crianças e idosos, quando feridas, escaras e/ou ori-

*Correspondência: [email protected]

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fícios naturais apresentam formas larvares, ninfais ou adultas de insectos ou vestígios da sua actividade (entomologia médico-legal). Adicionalmente, podem ser obtidas através da EF, informações relativas a li-tígios decorrentes da infestação de espaços privados ou públicos (entomologia urbana), ou de produtos alimentares comercialmente distribuídos (entomolo-gia de produtos armazenados), assim como análise de toxinas drogas (entomotoxicologia) ou mesmo ADN da vítima, presentes em insectos que se alimentam de cadáveres.

Mais recentemente, a EF estendeu-se a estudos no âmbito da fauna selvagem e da medicina veterinária onde tem tido particular relevância na clarificação de eventuais casos de negligência ou abuso físico de animais domésticos ou selvagens em cativeiro, indi-ciados pela evidência de miíases, ou em animais sel-vagens envenenados ou caçados em áreas protegidas.

História

Desde o antigo Egipto que se conhecem referên-cias à intervenção de insectos, em particular moscas, na decomposição dos cadáveres. O Papiro de Gizeh 18026:4:14, encontrado numa múmia, refere “As lar-vas não se vão transformar em moscas dentro de ti” (Greenberg, 1991). Contudo, o primeiro caso docu-mentado da resolução de um crime através da obser-vação de insectos encontra-se no Manual de Medicina Legal, Xiyuan jílù - The Washing Away of Wrongs, es-crito por Sung Ci no século XIII (Benecke, 2001). O autor relata o homicídio de um agricultor, que foi en-contrado degolado, num campo de arroz numa aldeia remota da China. Todos os aldeãos foram obrigados a depositar as foices no solo ao ar livre, tendo o as-sassino sido incriminado pelo juiz que se apercebeu que diversas moscas estavam pousadas numa única foice, tendo deduzido que teria vestígios de sangue da vítima. O proprietário acabou por confessar o crime.

Na Europa, durante a Idade Média, a proibição de exumar e estudar cadáveres humanos conduziu à es-tagnação das ciências forenses, apesar de haver re-presentações artísticas reveladoras do conhecimento da colonização dos mortos por larvas de insectos. Todavia, apenas a partir do séc. XVII, Francesco Redi, biólogo italiano, provou cientificamente, em 1668, que as larvas encontradas em carne em decom-posição tinham origem em insectos, refutando a teo-ria da geração espontânea (Amici, 2001). Em 1830, Mateu J. Orfila, médico e químico catalão naturaliza-do francês, refere a presença de insectos em cadáve-res no Traité des exhumations juridiques (Amendt et al., 2004). Já Bergeret d’Arbois, médico francês, em 1855, foi o primeiro a analisar evidências entomoló-gicas associadas ao corpo mumificado de uma criança encontrado emparedado num apartamento em Paris e a determinar o IPM, incriminando os anteriores loca-

tários (Benecke, 2004). Hermann Reinhard, médico e entomologista alemão, realizou, em 1881, o prin-cipal estudo de sistemática de espécies de insectos associadas a corpos exumados e Jean Pierre Mégnin, veterinário francês, autor de Faune des Tombeaux e La Faune des Cadavres, menciona a aplicação da en-tomologia à medicina legal, desenvolvendo no seu se-gundo livro, publicado em 1894, a teoria da sucessão da entomofauna na colonização dos cadáveres (Byrd e Castner, 2010), cuja aplicação prática se mantém até aos nossos dias.

Até meados do séc. XX, verificou-se no Ocidente, um distanciamento entre entomólogos e profissionais da medicina legal e apenas num pequeno número de processos criminais a sua intervenção foi requerida, reflectindo-se na escassez de entomólogos especiali-zados no estudo da sistemática e biologia da entomo-fauna dos cadáveres. A partir da segunda metade do séc. XX, contudo, houve um incremento do número de investigadores a trabalhar na área da EF e um avul-tado acréscimo nas obras publicadas, destacando-se o americano Kenneth G.V. Smith (1986), com o pri-meiro manual, A Manual of Forensic Entomology e os australianos Neal Haskell e E. Paul Catts (1990), com o primeiro guia de procedimentos, Entomology and Death, a Procedural Guide.

Em Portugal, a EF foi uma área negligenciada até há poucos anos, quando vários estudos de levantamento das espécies entomológicas de interesse forense per-mitiram, iniciar a compilação de dados morfológicos e moleculares essenciais à identificação de Diptera e Coleoptera, de forma a cobrir a lacuna que exis-tia na área da investigação médica e veterinária nes-te domínio no nosso país (Gusmão, 2008; Marques, 2008; Cainé et al., 2009; Centeio, 2011; Ferreira et al., 2011; Oliveira et al., 2011; Prado e Castro et al., 2011; Rolo et al., 2013; Farinha et al., 2014 e Lopes et al., sd).

Nos Estados Unidos (http://www.forensicentomo-logist.org/), na Europa (www.eafe.org), e mais con-cretamente em Portugal realizam-se atualmente di-versos cursos e seminários sobre este e outros temas das Ciências Forenses em vários estabelecimentos de ensino.

A medicina veterinária forense: investigando situações de crueldade em animais

Um pouco por todo o mundo, a comunidade está cada vez mais atenta para os casos de crueldade para com os animais. Em alguns países, são obrigatórias as declarações deste tipo de casos em diferentes es-pécies animais, existindo legislação punitiva nesse sentido. A necessidade dos clínicos veterinários e dos patologistas adquirirem competências que lhes permita avaliar as diversas situações, nomeadamente

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a distinção entre diferentes padrões traumáticos fe-chados ou abertos, acidentais ou infligidos, asfixia e afogamentos, envenenamentos, queimaduras, maus tratos por negligência, entre outros, é indispensável independentemente da espécie animal a que se refira.

Nos Estados Unidos da América, em 2007, Melinda Merck publicou o livro Veterinary Forensics no qual são compiladas informações sobre como direccionar a investigação num cenário de crime, técnicas labo-ratoriais forenses, interpretação de resultados da pa-tologia forense e ainda directrizes sobre a forma de lidar com as evidências e conduzir as avaliações que serão levadas a tribunal. Muitas outras obras do mes-mo teor evidenciam a preocupação crescente sobre este tema.

O fenómeno da cadaverização e a fauna entomológica

Após a morte, inicia-se um processo de decompo-sição do corpo em que a libertação quase imediata de odores é detectada pelos insectos que são os primei-ros organismos a localizar o cadáver, sendo os princi-pais responsáveis pela sua degradação.

Os insectos podem agrupar-se em necrófagos, quando se alimentam directamente do corpo sendo excelentes indicadores do IPM (representados nos dípteros por espécies das famílias Calliphoridae e Sarcophagidae, e nos coleópteros por espécies das famílias Silphidae e Dermestidae,), predadores e parasitas de necrófagos (nomeadamente Diptera – Calliphoridae; Coleoptera - Silphidae, Staphylinidae e Histeridae; Hymenoptera), omnívoros, quando consomem indistintamente o cadáver ou os artrópo-des a ele associados (Hymenoptera – Formicidae e Vespidae; Coleoptera) e acidentais, se utilizam o cor-po como extensão do seu habitat normal (Araneae; Acarina; Collembola) (Amendt et al., 2004).

De modo geral, sabe-se que os dípteros são os pri-meiros a chegar ao cadáver variando as espécies em função da época do ano, entre outros fatores. Por ex. em Múrcia, na Primavera e Verão, aparece pri-meiro Phaenicia sericata enquanto no Outono surge Calliphora vicina (López Gallego, 2008). Por outro lado, em Coimbra, aparecem ambas as espécies na Primavera (Prado e Castro et al., 2011).

É de referir que a velocidade de decomposição é afectada por vários factores, sendo de destacar a tem-peratura (que não só acelera os processos bioquími-cos, como promove a maior actividade dos insectos), a acessibilidade dos insectos ao cadáver, a causa da morte (feridas expostas que estimulam a atração ou fármacos que podem retardar o desenvolvimento dos estádios imaturos dos primeiros colonizadores do corpo) e a superfície de contacto (corpos no interior de edifícios ou submersos serão mais lentamente de-gradados pela acção dos artrópodes).

A entomofauna encontrada no cadáver varia numa sequência previsível, ao longo do processo de decom-posição, de acordo com a região geográfica e com a época do ano, pois cada fase atrai selectivamente diferentes espécies devido às alterações introduzidas pela própria actividade dos insectos. A fauna própria do solo não participa ativamente no fenómeno da de-composição (Bornemissza, 1957).

As diferentes fases de decomposição, indicadoras das alterações físicas sofridas pelo cadáver, são usu-almente quatro e diferenciam-se pela ocorrência se-quencial de insectos (Benecke, 2004):

- Fresca: principia com a morte, ocorrendo a co-lonização por moscas varejeiras (Calliphoridae) que iniciam a oviposição, dando-se a eclosão das larvas do 1º estádio (L1); a actividade da massa de larvas pode ser retardada pela acção de formigas; por vezes surgem coleópteros adultos (Silphidae).

- Gasosa, inchamento ou enfisematosa: verifica-se o inchaço do corpo (pela produção de gases por acção bacteriana) e observa-se a presença de to-dos os estádios de larvas de moscas Calliphoridae, Sarcophagidae e Muscidae; é comum a ocorrên-cia de adultos e larvas de coleópteros Silphidae e Histeridae.

- Coliquação ou estado de decomposição ativa: nor-malmente o corpo rotura-se e os fluídos escapam pelos orifícios naturais, notando-se a ausência de ovos mas a presença maciça de larvas de varejei-ras que rasgam a pele, abandonam o corpo (que se encontra reduzido a cerca de 20% da massa original) e pupam; coleópteros (Staphylinidae e Histeridae) surgem e começam a alimentar-se dos outros insectos.

- Esqueletização: o cadáver encontra-se reduzido a cabelo/pêlo, pele e ossos e a população de mos-cas é reduzida a espécies das famílias Phoridae e Piophilidae, sendo dominante a presença de cole-ópteros Dermestidae, Staphylinidae e Histeridae; por vezes surgem ácaros predadores.

- Seco: esta fase nem sempre ocorre, especialmente em ambientes húmidos, podendo prolongar-se por vários meses e até anos; é caracterizada pela au-sência de larvas de varejeiras, presença de adultos e larvas de coleópteros das famílias Dermestidae, Cleridae e Scarabidae e de larvas de lepidópteros Pyralidae.

A Estimativa do Intervalo Post-Mortem (IPM)

O IPM corresponde ao período que decorre entre a morte e a descoberta do cadáver. Na realidade o que se vai medir é o período no qual houve actividade dos insectos. De acordo com Amendt et al. (2007) as es-timativas do IPM baseadas na entomofauna seguem dois princípios: a) o tempo requerido para uma es-

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pécie atingir um determinado estádio de desenvolvi-mento, baseado no conhecimento do seu ciclo de vida e b) a comparação de todas as espécies presentes no cadáver no momento da observação, ancorada no co-nhecimento da sucessão entomológica.

O cálculo do IPM baseado no ciclo de vida dos in-sectos recolhidos baseia-se no pressuposto dos insec-tos serem poiquilotérmicos (Byrd e Castner, 2010), i.e. a temperatura corporal flutua de acordo com a temperatura ambiente, influenciando o seu cresci-mento pelo que cada espécie apresenta um limiar abaixo do qual não ocorre desenvolvimento (limiar mínimo). Quando a temperatura ultrapassa esse li-miar mínimo, um tempo específico é requerido para o insecto completar cada estádio de desenvolvimento. Este valor térmico é acumulado em “unidades térmi-cas”, graus, que são calibrados em “graus-dia” (GD) ou “graus-hora” (GH). O total “acumulado de graus/hora” (AGH) ou graus/dias (AGD) reflecte o tempo gasto pelo insecto no seu desenvolvimento. Para as espécies mais comuns existem tabelas com a tempe-ratura mínima de desenvolvimento, que varia com a localização geográfica. Como exemplo, veja-se a es-pécie de varejeira, Calliphora vicina, que apresenta, como limiar mínimo, valores de 3,5°C no norte do Reino Unido e de 1°C em Londres (Amendt et al., 2007).

O procedimento para a estimativa do IPM implica a identificação das espécies presentes no cadáver e a re-colha da temperatura ambiente na cena do crime (para a região e, de preferência, para o local, até 3-5 dias após a descoberta do corpo). Conhecendo as tempe-raturas óptimas de desenvolvimento de cada espécie é então possível estimar o IPM aplicando as fórmulas:

• Tempo (horas) x (temperatura ambiente-limiar mí-nimo) = AGH

ou

• Tempo (dias) x (temperatura ambiente-limiar míni-mo) = AGD

Note-se que o cálculo do tempo em horas é mais adequado para mortes recentes (inferiores a um mês), porque o grau de variações acumuladas tem um peso maior em intervalos de tempo curtos.

A inferência do IPM baseada no conhecimento da sucessão entomológica pressupõe que os insectos in-vadem os cadáveres em “ondas”, de acordo com as preferências das condições ambientais e da fase de decomposição (Benecke, 2004). As primeiras coloni-zações são feitas por dípteros, as vulgares moscas va-rejeiras, emergindo os adultos cerca de duas semanas após a oviposição. Os coleópteros apresentam maior actividade depois da primeira geração das moscas ter abandonado o corpo embora surjam ainda durante a presença das massas larvares dos dípteros.

O procedimento implica identificar todos os exem-plares (e todos estádios de desenvolvimento) encon-

trados no corpo e na cena do crime, conhecer a taxa de desenvolvimento de cada estádio/espécie nas con-dições climatéricas da região e ainda distinguir a se-quência, padrão e duração das espécies presentes (e das ausentes), na estação do ano correspondente.

Esta metodologia apoiada na sucessão entomo-lógica é preferível à anterior (ancorada no ciclo de vida) quando se investigam mortes ocorridas há mais de três meses, porque nesta fase já existem inúmeras espécies de dípteros e coleópteros no corpo que per-mitem uma avaliação mais precisa do IPM.

As limitações da estimativa do IPM devem-se ao facto da maioria dos cálculos das taxas de desenvol-vimento dos insectos se basearem em estudos labo-ratoriais realizados a temperatura constante, que não ocorrem na Natureza e à necessidade de estabelecer correlações entre as flutuações nocturnas e diurnas da temperatura e a temperatura média diária registada nas estações meteorológicas que é tomada retrospec-tivamente à data da descoberta do cadáver.

Fauna entomológica de interesse forense e sua caracterização

O elemento crucial da EF é a identificação das es-pécies que colonizam os cadáveres. Insectos morfo-logicamente semelhantes podem, de facto, pertencer a espécies distintas e, consequentemente, apresenta-rem taxas de crescimento, comportamentos e habitats muito diversos. São usualmente identificados através de chaves dicotómicas específicas para cada família e/ou género, através da observação de peças da ge-nitália, características das asas e outras estruturas. É de notar que a identificação morfológica dos estádios imaturos é extremamente complexa e, na maioria dos géneros impossível sem utilização de técnicas de mi-croscopia electrónica (Centeio, 2011).

O grande progresso verificado nos últimos anos das novas técnicas de análise molecular, associado ao de-senvolvimento da sequenciação automática e ao au-mento vertiginoso da capacidade computacional, têm permitido a disponibilização em bancos de dados in-ternacionais da identificação molecular das espécies de insectos com interesse forense (cf. por ex: Wells e Stevens, 2008; Ferreira et al., 2011; Oliveira et al., 2011; Rolo et al., 2013 e Lopes et al., sd), agilizando o processo de identificação e superando as dificulda-des enfrentadas na identificação de caracteres mor-fológicos de espécies gémeas, quando os exemplares estão danificados ou apenas se recolhem estádios imaturos muito prematuros.

Os principais grupos de insectos que colonizam os cadáveres são moscas e escaravelhos. As famílias mais importantes encontram-se indicadas na Tabela 1, com os nomes vulgares em inglês para permitir uma mais fácil consulta das obras anglo-saxónicas e sempre que na língua portuguesa não se faz distinção específica.

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Tabela 1 - Principais famílias de moscas (Diptera) e escarave-lhos (Coleoptera) com interesse forense

Ordem Família Nome vulgar em português e inglês

Diptera

Calliphoridae Varejeiras verdes e azuis; Blow Flies

Sarcophagidae Moscas–da-carne; Flesh Flies

Muscidae Moscas; Muscid Flies

Piophilidae Skipper Flies

Scathophagidae Dung Flies

Sepsidae Black Scavenger Flies

Sphaeroceridae Small Dung Flies e Minute Dung Flies

Stratiomyidae Soldier Flies

Phoridae Humpbacked Flies ou Scuttle Flies

Psychodidae Moscas-da-areia; Moth Flies, Sand Flies e Owl Midges

Coleoptera

Silphidae Carrion Beetles

Dermestidae Skin Beetles, Leather Beetles, Hide Beetles e Carpet Beetles

Staphylinidae Rove Beetles

Histeridae Clown Beetles

Cleridae Checkered Beetles

Trogidae Hide Beetles

Scarabaeidae Scarab Beetles

Nitidulidae Sap Beetles

Em Portugal, na última década, esta área de estu-do tem assistido a um incremento que possibilitou a compilação da entomofauna com interesse forense que ocorre no território nacional, como referenciada na Tabela 2 para a região da Grande Lisboa.

Tabela 2 - Lista das famílias e espécies de Diptera e Coleoptera com interesse forense colectadas na Grande Lisboa em 2011-2013, no âmbito do projecto FCT, PTDC/SAL-ESA/101228/2008 (Farinha et al., 2014)

Ordem Família Género / Espécies

Diptera

Calliphoridae

Calliphora vicina

Calliphora vomitoria

Chysomya albiceps

Lucilia ampulacea

Lucilia caesar

Lucilia sericata

Melinda viridicyanea

Pollenia rudis

Muscidae

Atherigona sp

Graphomya maculata

Hebecnema nigra

Hydrotaea aenescens

Hydrotaea armipes

Hydrotaea capensis

Hydrotaea ignava

Limnophora obsignata

Ordem Família Género / Espécies

Diptera

Muscidae

Musca domestica

Muscina levida

Muscina pascuorum

Muscina prolapsa

Muscina stabulans

Phaonia trimaculata

Potamia littoralis

Synthesiomyia nudiseta

Fanniidae

Fannia aequilineata

Fannia canicularis

Fannia monilis

Fannia pusio

Anthomyiidae

Anthomyia imbrida

Anthomyia pluvialis

Anthomyia quinquemaculata

Delia platura

Lasiomma seminitidum

Pegomya ulmaria

Heleomyzidae

Suillia flagripes

Suillia variegata

Tephrochlamys rufiventris

Sarcophagidae

Sarcophaga (Liosarcophaga) duxSarcophaga (Helicophagella) hirticrusSarcophaga (Bercaea) africa

Sarcophaga (Liopygia) argyrostomaSarcophaga (Helicophagella) melanuraSarcophaga (Sarcophaga) teretirostrisSarcophaga (Liopygia) cultellata

Sarcophaga (Liosarcophaga) tibialis

Sarcophaga (Pierretia) sexpuntata

Sarcophaga (Heteronychia) vicina

Ravinia pernixSarcophaga (Liosarcophaga) portschinskyiSarcophaga (Sarcophaga) lehmani

Sarcophaga (Liosarcophaga) marshalli

Sarcophaga (Liosarcophaga) jacobsoni

Sarcophaga (Myorhina) nigriventris

Sarcophila latifrons

Sarcophaga (Thyrsocnema) kentejana

Aulacigastridae

Carnidea

Cecidomyiidae

Ceratopogonidae

Chloropidae

Drosophilidae

Ephydridae

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Diptera

Lonchaeidae

Phoridae

Platystomatidae

Psychodidae

Scatopsidae

Sciaridae

Ulidiidae

Coleoptera

Carabidae

Chrysomelidae

Curculionidae

Histeridae

Lathridiidae

Scarabaeidae

Silphidae

Staphylinidae

Tenebrionidae

Colheita e preservação de exemplares entomológicos

Todo o material entomológico encontrado no cadá-ver ou na cena do crime deve ser criteriosamente re-colhido e transportado para o laboratório para análises posteriores. Assim, para evitar a contaminação do lo-cal do crime e do corpo, deve usar-se equipamentos de protecção individual (como luvas e protecção para calçado que protegem o corpo do investigador e im-pedem a transferência de evidências e de materiais), evitar caminhar inadvertidamente pelo local destruin-do vestígios e não tocar no cadáver antes de os exames periciais terem terminado. A documentação através de camaras fotográficas ou de vídeo é imprescindível. Os procedimentos a seguir sintetizados encontram-se de-talhados em diversas obras, nomeadamente, Haskell e Catts (1990), Amendt et al. (2007), Byrd e Castner (2010) e Oliveira-Costa (2013).

No local devem observar-se as características gerais envolventes, como plantas, presença/ausência de água, sol/sombra e actividade de insectos em voo, no solo, na vegetação, até 3-6m em redor do cadáver. O registo da abundância e diversidade, estádios imaturos (mar-cas de alimentação, orifícios de saída, pupas fechadas ou eclodidas) e de possíveis predadores (formigas, ves-pas), assim como da temperatura ambiente (a 30cm e 1,5m de distância do corpo), do solo, da superfície do corpo e da massa de larvas deve ser concluído in loco sendo recomendável a utilização de sensores de leitura rápida e de armazenamento de dados.

No corpo deve examinar-se a posição ao sol, à som-bra, quais as zonas em contacto com o substrato e áreas expostas aos pontos cardeais, além de colectar-se todos os insectos visíveis nas roupas/pelagem e à superfície do corpo e, depois de ser removido pelas entidades compe-tentes, sob o corpo. A recolha de exemplares entomo-

lógicos no interior de cavidades e tecidos do cadáver deverá ser concluída durante a autópsia ou necrópsia.

É fundamental recolher ovos (Figura 1), larvas (Figura 2), pupas e adultos de dípteros, coleópteros e outros artrópodes que se encontrem no cadáver e no lo-cal envolvente (amostras de solo da região sob o corpo devem ser colhidas para pesquisa de pupas e larvas em dispersão).

Figura 1 - Ovos de Calliphoridae na cavidade oral de cão

Figura 2 - Larvas de Calliphoridae na cavidade oral de raposa

Para a recolha dos adultos voadores pode empregar-se uma manga entomológica e o material deve ser pre-servado em frascos com álcool glicerinado a 70% (se

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posteriormente forem necessárias análises de extrac-ção de ADN é recomendável que sejam preservados em álcool absoluto), mas a maior parte da amostra (80-90%) requer ser mantida viva (para criação em labora-tório até ao 3º estádio larvar e/ou estádio adulto, para facilitar a identificação específica que é quase impos-sível nos estádios imaturos). O material vivo deve ser acondicionado em malas térmicas para reduzir o meta-bolismo durante o transporte até ao exame laboratorial. De referir que a colheita de larvas de dípteros exige a sua submersão (por alguns segundos) em água a ferver antes de serem mergulhadas em álcool, para evitar a putrefacção e a descoloração.

No laboratório, a conservação em meio seco deve ser quase imediata, usando timol (ou outro produto simi-lar) para evitar a destruição por entomófagos, proce-dendo-se à montagem imediata dos exemplares. Caso contrário, há que colocá-los numa câmara húmida cer-ca de 24h antes da manipulação, para evitar danos nas estruturas. Para a montagem individual dos exempla-res usam-se alfinetes entomológicos de tamanho e es-pessura normalizados ou triângulos de cartolina. Para colocar os alfinetes há normas que variam de acordo com o grupo entomológico (cf. Johnson e Triplehorn, 2004).

Na rotulagem usam-se dois tipos de etiquetas: de captura (com indicação da data, hora, local, condições climáticas, características do local, nome do colector) e de identificação (nome específico do artrópode, nome do identificador e data de identificação).

O acondicionamento dos exemplares é feito em cai-xas ou gavetas (normalmente de madeira) de armários entomológicos que contêm um desinfectante (timol ou análogo).

A conservação em meio líquido permite poupar tem-po, guardando os exemplares em lotes, devidamente etiquetados (em papel vegetal escrito a tinta da China ou a grafite) em tubos com conservante (normalmente álcool glicerinado a 70% ou absoluto), os quais, por sua vez, são colocados em frascos maiores, repletos do mesmo conservante. É fundamental uma vigilância regular para evitar a evaporação do conservante e con-sequente deterioração dos exemplares entomológicos.

A cadeia de custódia em EF

A cadeia de custódia é o processo de documentar a história cronológica das evidências, destinado a garan-tir o rastreamento das que são utilizadas em processos judiciais, registando todos os intervenientes no seu manuseamento. Em algumas situações, o entomolo-gista pode não fazer parte da equipa de investigação e não recolher as amostras nem fazer anotações sobre o cenário do crime pelo que é extremamente impor-tante aceder a todas as informações e recomendações prévias que acompanhem o material colhido. Por estas razões é imprescindível a correta etiquetagem e registo

das evidências assim como a documentação de todos os processos que as acompanhem que deverão ser cor-relacionados com todos os documentos referentes ao caso em estudo (Garcia e Arnaldos, 2009).

Desafios à Entomologia Forense

Os desafios mais importantes que se colocam à EF resultam da alteração das condições climáticas, que se têm verificado nos últimos anos e se prevê que venham a acentuar-se no futuro, e da ocorrência de parasitóides de estádios imaturos de moscas varejeiras.

As alterações climáticas dificultam e podem induzir em erro o cálculo do IPM, pelo impacto na variação sazonal da entomofauna e na alteração do desenvol-vimento dos estádios imaturos (Oliveira-Costa, 2013).

Os parasitóides de pupas e larvas de Diptera podem provocar imprecisões nas estimativas do IPM, ao alte-rar o tempo de desenvolvimento dos indivíduos. Como exemplo, Lucilia sericata sofre uma pupação prema-tura quando parasitada por Alysia manducator, que se reflecte num ciclo de vida mais curto (Byrd e Castner, 2010).

Conclusões

Na fauna entomológica cadavérica existe uma su-cessão hierarquizada de artrópodes ainda que se ob-serve por vezes uma forte competição e com intervalos definidos em cada estádio. No entanto, as condições atmosféricas, como a temperatura, podem acelerar ou retardar o processo assim como os grandes necrófagos (ex. abutres), as bactérias, os fungos, o Homem e as máquinas. As roupas, o enterramento (em função da profundidade), a imersão, a ingestão de substâncias por parte da vítima, entre outros fatores, podem com-prometer os cálculos do observador.

O conhecimento pormenorizado da fauna entomo-lógica local é fundamental para a obtenção de resul-tados forenses fidedignos. Sabe-se que a entomofauna varia com o tipo de cadáver (ave, carnívoro, omnívoro, etc.) e os artrópodes coletados devem ser corretamente acondicionados e conservados, para manterem a sua morfologia e estádio evolutivo.

A EF médico-veterinária constitui cada vez mais uma ferramenta importante para estudos no âmbito da fauna selvagem e também dos animais domésticos com particular relevância na clarificação de eventuais casos de negligência e/ou de abuso físico de animais em cativeiro, indiciados pela evidência de miíases, ou em animais selvagens envenenados ou caçados em áre-as protegidas.

Os autores pretenderam, através deste artigo, di-vulgar informação e fomentar o interesse sobre a EF médico-veterinária enquanto área de conhecimento que em associação obrigatória com outras áreas do

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saber como a Toxicologia, a Patologia, a Odontologia, a Criminologia, o Direito, entre outras, constituem as Ciências Forenses em Medicina Veterinária. Esta disci-plina deverá fazer parte dos conhecimentos dos médi-cos veterinários que, enquanto técnicos, necessitam de competências no caso de serem chamados a assumir o papel de peritos em questões legais ligadas a esta pro-blemática.

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