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VISÃO E RELAÇÕES: ELEMENTOS PARA UM METAMODELO EMPREENDEDOR *Louis Jacques Filion A "visão" projetada sobre o futuro de seus negócios é o fator principal de sucesso de empreendedores bem-sucedidos. The main factor of success for entrepreneurs is the capacity of projecting a view of their businesses on the future. INTRODUÇÃO empresas. Entretanto, eles contêm fatores que não pare- cem tão importantes no processo do pensamento estra- tégico do pequeno empreendedor, como a análise dos ambientes interno e externo à sua empresa, a competi- ção e as previsões para o desenvolvimento do setor in- Os modelos estratégicos usados no treinamento de empreendedores, na maioria dos casos, têm sua origem naqueles inicialmente desenvolvidos para as grandes * Professor do Service de J'enseignement de la direction et de la gestion des organisations da École des Hautes Études Commerciales. Tradução de Sérgio Rodrigues Costa - Engenheiro Mecânico de Produção pela UFMG, revista por José Luiz Celeste, Professor Assistente do Departamento de Informática e Métodos Quantitativos da EAESP/FGV 50 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 33(6):50-61 Nov./Dez. 1993

elementos para um metamodelo empreendedor

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VISÃO E RELAÇÕES: ELEMENTOS PARAUM METAMODELO EMPREENDEDOR

*Louis Jacques Filion

A "visão" projetada sobre o futuro de seus negócios é o fator principal desucesso de empreendedores bem-sucedidos.

The main factor of success for entrepreneurs is the capacity of projecting a view of theirbusinesses on the future.

INTRODUÇÃO empresas. Entretanto, eles contêm fatores que não pare-cem tão importantes no processo do pensamento estra-tégico do pequeno empreendedor, como a análise dosambientes interno e externo à sua empresa, a competi-ção e as previsões para o desenvolvimento do setor in-

Os modelos estratégicos usados no treinamento deempreendedores, na maioria dos casos, têm sua origemnaqueles inicialmente desenvolvidos para as grandes

* Professor do Service de J'enseignement de la direction et de la gestion des organisations da École des Hautes Études Commerciales.Tradução de Sérgio Rodrigues Costa - Engenheiro Mecânico de Produção pela UFMG, revista por José Luiz Celeste, Professor Assistente do Departamento deInformática e Métodos Quantitativos da EAESP/FGV

50 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 33(6):50-61 Nov./Dez. 1993

VISÃO E RELAÇÕES: ELEMENTOS PARA UM METAMODELO EMPREENDEDOR

uma amostra de 15 empresas da Finlân-dia, de um total de 19,foimantida; e 11daEscócia,de um total de 13.

Das 51 pequenas empresas estudadasnuma primeira etapa, 34 eram altamentebem-sucedidas, e todos os administrado-res das grandes empresas haviam alcança-do o sucesso. Alguns haviam criado orga-nizações que empregavam milhares depessoas e que eram líderes em seus seto-res, no Canadá. Todas as empresas quecompuseram a amostra tinham de 50 a250 empregados e todas, exceto quatro,eram do setor industrial. Estas quatro per-tenciam ao setor de serviços. A discrimi-nação dos casos está contida na tabela l.

Foram realizadas entrevistas semi-es-truturadas que duraram, em média, de 3 a5 horas, e até mais de 10 horas em algunscasos. Foi também utilizada a metodolo-gia soft systems, desenvolvida por Chec-kland 2, para mapear os sistemas implíci-tos de atividade humana dos empreende-dores, que explicitam as maneiras comoeles agem. Atenção especial foi dada àidentificação das definições básicas (rootdefinitions), elemento-chave na abordagemde Checkland. Esses modelos sistêmicosindividuais foram então superpostos. Oselementos-chave, comum a todos eles, fo-ram capturados para se chegar ao modelogeral aqui apresentado como um metamo-delo empreendedor.

O termo metamodelo é usado aqui naforma exposta por Stafford Beer e [ohn P.Van Gich: "um metamodelo é um modelo com

PaísMuito bem-sucedidos

Empreendedores/proprietáriosadministradores

TOTALProprietáriosadministradores

0302

150711090908

dustrial. O objetivo desta pesquisa foi for-necer contribuições para o pensamento es-tratégico do empreendedor e suas ações.Estas contribuições foram elaboradas apartir das ações concretas que as empresaspraticam.

METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa de campo,no espírito da Grounded Theoru', para exa-minar a maneira como os empreendedo-res atuavam. Durante os cinco anos de du-ração da pesquisa (1985-1990),estudou-seum total de 51 pequenos empreendedores(15 da Finlândia, 7 da Suécia, 11 da Escó-cia, 9 da Suíça e 9 do Canadá) e 8 proprie-tários de grandes empresas do Canadá.

Os empreendedores bem-sucedidos fo-ram apontados através de opiniões de lí-deres no campo da iniciativa empresarial,incluindo acadêmicos, funcionários gra-duados, presidentes de associações em-presariais, representantes de entidades go-vernamentais e analistas de negócios. Al-guns daqueles empreendedores conside-rados como bem-sucedidos tiveram queser excluídos posteriormente, por nãopreencherem todos os critérios de seleção.Assim, alguns integrantes da amostra ini-cial foram eliminados por não consegui-rem manter a lucratividade ou o cresci-mento de suas empresas acima de umacerta média ou por não se mostrarem sufi-cientemente inovadores para serem cha-mados de empreendedores. Entretanto,

FinlândiaSuéciaEscóciaSuíçaCanadáCanadá*• (Empresas Grandes)

120510010608

0803

42 5917

© 1991, 1993, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

1. GLASER, B. G., STRAUSS, A.L. The discovery of groundedtheory: strategies for qualitativeresearch. Hawthorne, New York:Aldine Publishing, 1987.

2. CHECKLAND, P. Systemsthinking. Systems practice.Chichester: New York, Wiley,1981.

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i1~lJREVISITADA

3. VAN GIGCH, J. P. Declsionmaking abaut decisian making:metamadefs and metasystems.Cambridge: Mas and TunbridgeWells, Kent, Abacus Press,1987.

4. N.R.: no original, visianaryprocess, ou seja, processo visio-nário. Como, em português, otermo possui sentido pejorativo,foi conservada a cincunlocução.

5. EDEN, C.; JONES, S.; SIMSD.; GUNTON, H. Images intomodels. The subjective world 01the policy maker. Futures, p.56-62, Feb. 1979; MACCOBY,M. The Leader. New York: Si-mon and schuster, 1981; BEN-N1S, W. Leadership lransformsvision into action. IndustryWeek, p. 54-6, May, 1982;M1NTZBERG,H.; WATERS, J. A.The mind of lhe slrategist(s). In:SRIVASTVA, S. et aI. The execu-tive mind. São Francisco: Jos-sey-Bass, p. 58-83; SRIVAS-TVA, S. Introduction: commonIhemes in executive thoughland action. In: o Op. cit.,p. 1-14; GLUCK, F. W. Visionand leadership. Interfaces, v.14, n. 1, p. 10-18, J an./Fe b1984; MENDELL, J. S.; GER-GUOY, H. G. Anlicipalory mana-gement or visionary leadership:a debate. Management Plan-ning, p. 28-31, Nov./Dec. 1984;BENNIS, W.; NANUS, B. t.ee-ders. New York: Harper & Row,1985; BROWN, I. E. Jr. Sustai-ning lhe entrepreneurial visionin cooperalive firms". In: RONS-TADT, R. et aI. Frantiers ot eti-trepreneurship research, 1986.Wellesley, Mass.: Babson Colle-ge, 361-63, 1986; HUNSICKER,J. O. Vision, leadership and Eu-rapes tutu re. The Mckinseyouenetv, p. 22-39, Spring,1986; LEAVITT, H. J. CarporatePathfinders. Homowood: 111Dow-Jones Irwin, 1986; alsoNew York: Penguin Books,1987; RICHARDS, D.; ENGEL,S. After lhe vision: suggestionslo corporate visionaries and vi-sion champions, 1986. In:ADAMS, John D. Translormingleadership from vision lo re-sults. Alexandria, Va.: Miles Ri-ver Press, p. 199-214, 1986;ROCKEY,E. H. Envisioning newbusiness: how entrepreneursperceive lhe benefils of vlsuan-zation. In: RONSTADT, R. Fron-tiers ot entrepreneurship re-search, 1986. Wellesley, Msaa:Babson College, p. 344-60;SASHKIN, M. True vision in lea-dership. Training and Develop-ment Jourtist, May, p. 68-1,1986; . A lheory of or-

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um nível mais elevado de abstração, que trans-forma as propriedades dos sistemas de nível in-ferior em proposições do modelo de maior nívelde abstração". 3

Os casos finlandeses foram utilizadosno desenvolvimento do modelo, enquantoos de outros países foram usados paraconfirmação de sua funcionalidade e con-trole de sua validade. Nos casos escoceses,as pessoas diretamente ligadas aos em-preendedores foram também entrevista-das: gerentes-gerais, membros da direto-ria, representantes das prin.cipais institui-ções financeiras envolvidas, representan-tes de sindicatos e alguns empregados.Todas as entrevistas foram arquivadas emum computador e analisadas por temas.

PRINCIPAIS DESCOBERTAS

As descobertas das pesquisas podemser distribuídas em duas categorias: deum lado as que aperfeiçoam o conheci-mento de um aspecto da realidade estuda-da, de outro as que aperfeiçoam o modode pensar e de operar numa área particu-lar. A maioria das pesquisas rea.lizadas éda primeira categoria, mas é com relação àsegunda que este trabalho se desenvolveu,visando a apresentar um metamodelo sis-têrnico do pensamento e da ação dos em-preendedores. Esta é a razão pela qual da-dos estatísticos não foram analisados nes-te estudo.

Este metamodelo implica o desenvolvi-mento e a realização de três categorias devisão: emergente, central e complementar.Os empreendedores bem-sucedidos evo-

luem de uma categoria a outra, no proces-so de pensar de acordo com urna visão. 4 Oprincipal fator em que se baseia, tanto odesenvolvimento da visão como a realiza-ção da mesma, é o sistema de relações doempreendedor. Outros fatores, ainda, con-tribuem para o desenvolvimento da visão:liderança, energia e as percepções, estascondicionadas pelos valores de cada um.As últimas são apresentadas através doconceito de Weltanschauung.

o conceito de visãoO fator visão é de extrema importância

para a definição das bases dos sistemasidentificados. Uns poucos autores haviamvoltado sua atenção para esse fator atéquando iniciamos esta pesquisa, mas o in-teresse pelo assunto vem aumentandoconsideravelmente nos últimos anos. Den-tre os mais renomados autores que pri-meiro escreveram sobre o assunto, in-cluem-se [ones Sims Eden e Gunton; Mac-coby: Bennis: Mintzberg e Waters; Srivas-tva; Gluck; Mendel e Gerguoy; Bennis eNanus; Brown; Hunsicker; Leavitt; Ri-chard e Engel; Rockey; Sashkin; Silva eHickman; dAmboise e Gasse; lsenberg;Morris; Robins e Duncan; Eden: Peters;Carriere: CEGOS; Tregoe, Zimmerman,Smith e Tobia; Westley e Mintzberg."

Visão é definida como uma projeção:uma imagem, projetada no futuro, do lu-gar que o empreendedor deseja que seuproduto venha a ocupar no mercado. É,também, uma imagem do tipo da empresanecessária para alcançar esse objetivo. Emsuma, visão refere-se a onde o empreende-dor deseja conduzir seu empreendimento.

Poucos dos empreendedores estudadostinham urna visão precisa da posição de-sejada para seu empreendimento três ouquatro anos mais tarde. Entretanto, osmais bem-sucedidos já pareciam ter ima-ginado para sua empresa, um ou mais ce-nários possíveis e, até mesmo, elaboradoessas idéias. Primeiramente, estabelece-ram as linhas básicas, talvez da mesmaforma que alguns líderes políticos identifi-cam o tipo de sociedade que gostariam decriar, baseando-se em seus conceitos sobreos seres humanos e suas relações sociais.Desta forma, a visão parece fornecer aoempreendedor um referencial que o ajudaa chegar aonde deseja ir.

Este referencial parece atrair, estimular

VISÃOE RELAÇÕES:ELEMENTOSPARA UM METAMOOELOEMPREENDEDOR

e motivar as pessoas que trabalham comele. Sua equipe, isto é, as pessoas quecompõem seu sistema de relações dentroda empresa, parece ficar altamente moti-vada e ansiosa para trabalhar arduamentee assim ajudar a realizar a visão. Nas pági-nas seguintes, alguns conceitos básicos e amaneira pela qual se integram ao meta-modelo serão explicados com base emexemplos mais típicos.

Três categorias de visãoForam identificadas três categorias de

visão, a saber: a emergente (ou inicial), acentral e a complementar. Nossa discus-são aqui ficará limitada a essas três cate-gorias, deixando de lado as várias subca-tegorias contidas em cada uma delas. Amaneira como cada categoria interagecom as outras é mostrada na figura 1.

Visões emergentesAs visões emergentes são formadas em

torno de idéias e conceitos de produtose/ou serviços imaginados pelo empreen-dedor, que, freqüentemente, antes de selançar a um empreendimento, ponderavárias alternativas de produtos ou servi-ços. De um processo de seleção entre asvisões emergentes resulta a escolha de umproduto ou um serviço em particular, quese presta como um esqueleto sobre o quala visão central é constituída. Em outras

palavras, esta escolha fornece ao criadorda visão um ponto de referência para fo-calizar suas idéias.a empreendedor freqüentemente preci-

sará trabalhar em várias visões emergentesantes de concentrar-se naquela que se tor-nará sua visão central. Bertrand Poudrier,por exemplo, começou ajudando seu pai aconsertar lavadoras de roupas em Victoria-ville, Quebec. Posteriormente, trabalhoupor mais vinte anos com seis de seus ir-mãos, consertando caminhões, e exploroumuitas idéias diferentes antes de estabele-cer seu próprio negócio. Já na casa dos qua-renta, ele usou sua experiência de mecâni-co para desenvolver um novo produto, umcaminhão com elevador para linhas aéreas,o qual oferecia mais recursos do que os ca-minhões que ele sempre consertava.

Ao longo de sua vida, um empreende-dor deve continuar a avaliar, selecionar eentão integrar novas visões emergentes àsua visão central. Parece ser este o caso dosempreendedores-inventores, como OsmoSuovaniemi, fundador da Labsystems, naFinlândia. Ele baseou seu projeto em mi-cropipetas que projetara ainda quando eraestagiário. Uma vez instalada a sua empre-sa, Osmo desenvolveu vários outros pro-dutos (visões emergentes) destinados aomercado hospitalar. Entretanto, das cin-qüenta patentes registradas por ele e porseus sócios-pesquisadores ao longo de dez

( EM:~~~~TES

~

ganizational leadership: vision,culture and charisma. Procee-dings of symposium on charis-matic leadership in manage-ment. Montreal: McGill Univer-sity, 1987; . The vi-sionary leader. In: CONGER,JayA. et aI. Charismatic leadership:the elusive in organizational et-fectiveness. San Francisco: Jos-sey-Bass, p. 122-60, 1988; SIL-VA, M. A.; HICKMAN, C. R.Creating excellence. New Ameri-can Library, 1986; D'AMBOISE,G. Gasse, Y. Strategy making inSME: strategic envisioning andplanning activities. Ouébec, Ca-nadá: Faculté des Sciences de/'Administration, 1987.(workingpaper 87-116); ISENBERG,D. J.The tactics 01 strategic opportu-nism. Harvard Business Review,p. 92-7, Mar./Abr. 1987; MOR-RIS, E. Vision and strategy. TheJournal of Business Strategy, v.8, n. 2, p. 51-8, Fali 1987; ROB-BINS, S. R.; DUNCAN, R. B. Thelormulation and implementation01 strategic vision: a tool lorchange. Seventh strategic ma-nagement society conference.Boston, Ma, Oct., p. 14-7, 1987;_.,....,--~. The role 01 the CEOand top management in thecreation and implementation 01strategic vision. In: HAMBRICK,D. The executive effect: con-cepts and methods for studyingtop managers. London, En-gland: JAI Press, p. 205-233,1987; PETERS, T. Thriving onchaos. New York: Allred A.Knopl, 1988; CARRIERRE, J. B.Strategic vision: an empiricalstudy. FOURTH ANNUAL CON-FERENCEOF THE INTERNATIO-NAL COUNCIL FOR SMALL BU-SINESS, Canadá (I.C.S.B.),Windsor, Ontário, Nov.1989;CEGOS. Le Changement par laformation. Paris: Les Editions d'Organization, 1989; TREGOE,B.B. ZIMMERMAN, J. W. R.; TO-BIA, P. M. Vision in action. NewYork: Simon and Schuster,1989; WESTLEY, F.; MINTZ-BERG, H. Visionary leadershipand strategic management.Strategic Management Journal,v. 10, p. 17-32, 1989.

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6. Entrepreneur-visionaries nooriginal, ou seja, empreendedo-res visionários.

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anos, apenas três linhas de produtos foramcolocadas em produção, todas ocupandouma invejável fatia do mercado na Escan-dinávia e na Europa. Assim, a partir dassuas visões emergentes de vários tipos deequipamentos de análises clínicas, Osmoprogrediu em direção à visão central foca-lizada no desenvolvimento daqueles pro-dutos, que são considerados os mais avan-çados, tecnologicamente, no campo dasanálises e dos diagnósticos clínicos.

A visão centralA visão central é, freqüentemente, o re-

sultado de uma única visão emergente, eàs vezes é a combinação de várias visõesemergentes. Para empreendedores com vi-são," existe uma continuidade entre suasvisões emergentes e a central. Exemplodisso é Stafan Preutz, um oculista da Sué-cia, como o foram seu pai e seu avô. Aindarecém-formado, trabalhou sobre várias vi-sões emergentes, voltadas para o projeto,produção e comercialização de armaçõesde óculos. Logo depois abriu sua própriaempresa no norte da Suécia e, além de fa-bricar uma linha de produtos mais con-vencionais, ele evoluiu para o projeto e acomercialização de óculos sem armações.Sua empresa, a Polarias, tomou-se desdeentão líder mundial no ramo. Suas visõesemergentes consistiam originalmente dearmações de design arrojado, enquanto suavisão central, formada por um gama deprodutos, estava mais ligada a um merca-do-alvo do que a um único produto.

Heikki Bachmann, da Finlândia, apro-veitou-se de seus estudos na universida-de, para desenvolver uma visão sobre oque iria fazer com a empresa da família,uma fábrica de cofres com apenas vinteempregados, naquele tempo. Com baseem várias visões emergentes, gradual-mente começou a reforçar sua visão cen-tral, tomando-se um dos primeiros a tra-balhar no projeto de cofres e a oferecer op-ções de cores. Foi ele, também, um dosprimeiros donos de pequena empresa, naFinlândia, a exportar seus produtos, noinicio da década de 60. A visão não incluiapenas os produtos, mas envolve tambémo mercado, isto é, o tipo de consumidorespara os quais são direcionados. Bachmannteve que instituir várias mudanças organi-zacionais para conseguir projetar sua vi-são. Certa vez, quando tinha 60 emprega-

dos, a companhia foi paralisada por umagreve, e, ao invés de operar com um sindi-cato hostil, ele decidiu fechá-la. Mesesmais tarde, ele a reabriu, lançando as ba-ses de uma nova companhia que se desen-volveria sem a presença de um sindicato.O caso Heikki Bachmann revela os tiposde componentes que formam uma visãocentral: os interiores e os exteriores. A vi-são central exterior focaliza o lugar que oempreendedor quer que seus produtos ouserviços ocupem no mercado. A visão cen-tral interior focaliza o tipo de organizaçãoque ele necessita criar para ser capaz deatingir o seu objetivo.

Os empreendedores de sucesso procu-ram espaço, aberturas e nichos de merca-do. Primeiramente, eles desenvolvem ocomponente exterior, e o componente in-terior toma-se, então, uma condição paraessa realização; um certo tipo de organiza-ção deve ser implantado para permitir àempresa diferenciar-se no mercado. Porexemplo, num período de 20 anos, HeikkiTavela tomou-se líder na Finlândia e umdos líderes na Europa na fabricação e ven-da de produtos plásticos, especialmentecofres. Tornou-se um experiente homemde visão, pois soube identificar um espaçopara seus produtos no mercado. Hoje, bei-rando os 60, ele é um líder em diferentesramos de negócio, apesar de ter-se apo-sentado aos 40 anos. Fixando-se na Espa-nha desde então, deixou sua empresa, aMK-Tuote, operando sozinha, como umrelógio bem ajustado, um mecanismo queele visualizara. Tinha entendido que pre-cisava de um certo tipo de organizaçãopara ser capaz de atuar no mercado quedesejava.

Essa pesquisa revela que, quanto maiso componente interior da visão permite auma organização tomar uma forma queincorpore as inovações do componente ex-terior, tanto mais bem-sucedido o em-preendedor. De fato, a visão central doempreendedor bem-sucedido focaliza aposição que ele quer que os seus produtosocupem no mercado. Esse fenômeno pare-ce ter aumentado em importância nos últi-mos anos, e é fácil entendê-lo, à luz do pa-pel, cada vez mais importante, desempe-nhado pelo marketing nas atividades ge-renciais.

Para alguns, o componente mais impor-tante parece ser a visão interior: o tipo de

VISÃO E RELAÇÕES: ELEMENTOS PARA UM METAMODELO EMPREENDEDOR

organização a ser criada. A expectativa aíimplícita é que a implantação do modeloorganizacional imaginado levará à ocupa-ção do segmento do mercado visualizado.Muito embora qualquer um deles pareçaser mais importante que o outro, ambos oscomponentes estão quase sempre presen-tes na visão central.

Se um dos componentes ou ambos nãoforem claramente formulados, ou ainda senão forem coerentes, a empresa não serábem-sucedida. Este é, freqüentemente, ocaso de empreendedores que dão grandeimportância à pesquisa e desenvolvimen-to mas que são incapazes de projetar umavisão externa realista. Outros conseguemdefinir, de forma realista, as visões exter-nas, mas não são bem-sucedidos na cria-ção da visão interna, ou seja, na formula-ção de um modelo organizacional fiel à vi-são externa.

Resumindo, os aspectos característicosda visão central são os seguintes: devemexpressar uma visão realista, viável e acre-ditável do espaço que o empreendedordeseja que seus produtos ocupem no mer-cado e do tipo de organização necessáriapara chegar lá.

As visões complementaresA visão central é apoiada, em seu de-

senvolvimento, por uma série de visõescomplementares, enxertadas em seus com-ponentes interiores e exteriores. Uma visãocentral raramente continuará a se desen-volver além de um certo ponto, se não ti-ver esse apoio das visões complementares.Neste sentido, essa pesquisa não revelousequer um único caso contrário.

As visões complementares consistemnum conjunto de atividades gerenciais,que precisam ser realizadas, caso se quei-ra o progresso da visão central. O em-preendedor se transforma numa espéciede definidor ou ativador de visões com-plementares, que lhe permitirem desen-volver os componentes da sua visão cen-tral. A habilidade de comunicar é essen-cial, neste aspecto.

Quanto mais experiência o empreende-dor tenha adquirido no seu campo, maisapto estará para definir claramente as vi-sões secundárias que deseja que aconte-çam. Gustaf [onsas, que administra trêsempresas, incluindo a Inter-Marketing, naFinlândia, é um bom exemplo. Sete de seus

65 empregados trabalham no desenvolvi-mento de produtos. Este empresário defi-niu tão bem o que espera de cada um, queagora reclama não haver suficientes em-preendedores em sua empresa; e acha ridí-culo gerenciar uma companhia onde todosse reportam ao diretor. Mesmo assim, eleatinge resultados impressionantes.

.O empreendedor que possuiuma visão (entrepreneur-vlslonarv)

atua como um dínamo ou um:c:atálisador~qu(! ativa um conjunto de

qtividadesgerenctais lndeiinkias.Estas úlÚmas, quando conduzidas poralguém com a experiência necessária,'capacitam-no não somente a realizar

ti visão mas também a levar seuempreendimento muito além do

que havia imaginado.

Quanto menos experiência tem o em-preendedor, no seu campo, ou quantomais novo for o campo, mais as visõescomplementares são definidas por seussubordinados em suas respectivas espe-cialidades. Gio Benedetti chegou à Escóciaaos 1.0anos de idade, e já no seu tempo deescola trabalhava como garçom num caféde seu tio. Aos 19 anos, comprou uma la-vanderia especializada em lavagem a se-co, mas, ao invés de esperar que os clien-tes o procurassem, foi de porta em portaoferecendo descontos especiais para au-mentar suas vendas. Poucos anos depois,ele já havia montado nove outras lavande-rias e adquirido um pequeno shopping-cen-ter e alguns imóveis. Foi quando ele en-controu um cliente potencial que queriamandar lavar as luvas industriais de seusempregados. Cio montou uma pequenaempresa, a primeira num campo total-mente novo, não apenas para lavar luvas,mas também para reciclá-las: a lndustrialClothing Services. Recrutou pessoal expe-riente para exercer funções-chave na novaempresa, entre pessoas competentes deseu conhecimento. Uma delas se encarre-gou da organização interna e outra dasvendas. Em poucos anos, tornou-se líderno novo setor, com mais de 200 emprega-

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7. FILlON, Louis Jacques. Thestrategy of successful entrepre-neurs in small business: vision,relationships and anticipatorylearning. University of Lancas-ter, 1988 (UMI 89119064),(tese de doutorado).

8. Weltanschauung: a palavra seorigina do alemão, e o conceito,de há muito, vem sendo usadopor estudiosos alemães, como,por exemplo, Max Weber. Nor-te-americano de origem austría-ca, Peter Drucker utiliza-a espo-radicamente, assim como o fa-zem autores britânicos, que têmparticipado da elaboração deenfoques sistêmicos, comoBOULDING, K. E. The Image.Ann Arbour: University of Michi-gan Press, 1956; CHECHLAND,P. Op. cit. Não existe uma pala-vra em inglês, que reproduza omesmo sentido, a mais próximaé image.

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dos e franquias vendidas em quase todosos países europeus. O empreendedor quepossui uma visão (entrepreneur-visionary)atua como um dínamo ou um catalisadorque ativa um conjunto de atividades ge-renciais indefinidas. Estas últimas, quan-do conduzidas por alguém com a expe-riência necessária, capacitam-no não so-mente a realizar a visão mas também a le-var seu empreendimento muito além doque havia imaginado.

As três categorias de visões interagementre si intensamente. Para evoluir deuma categoria para outra, o empreende-dor precisa de um alto nível de articulaçãopessoal, coerência e tenacidade, todos elesimportantes fatores para o sucesso ou ofracasso de sua estratégia.

o PROCESSO DE PENSAR ATRAVÉS DE UMAVISÃO: UM METAMODELO

O metamodelo do processo de pensaratravés de uma visão (visionary process)apresentado aqui (ver figura 2) é resulta-do de uma superposição de modelos ex-traídos de estudos de doze pequenos em-preendedores finlandeses reconhecida-mente bem-sucedidos. Esse metamodelofoi, então, testado com 22 pequenas em-presas da Suécia, da Escócia, da Suíça edo Canadá, e com 8 proprietários degrandes empresas no Canadá (ver tabela1). Alguns desses casos podem ser encon-trados em Filion." Apenas os elementoscomuns e mais relevantes dos modelosindividuais foram conservados no meta-modelo, e muitos elementos específicosforam excluídos quando não reapareciam.Em seguida, ele foi comparado a modelosextraídos de empreendedores menosbem-sucedidos: 17 ao todo. Pelo menosum dos quatro elementos essenciais mos-trados não forneceu o suporte necessáriopara que a visão fosse desenvolvida ourealizada.

o processo de pensar através de umavisão

O processo de pensar usando uma vi-são, aqui proposto, incorpora os quatroelementos que sustentam a visão, cadaum deles influenciando os demais e vice-versa. Um deles, o sistema de relações,desempenha um papel mais importantedo que os outros e será discutido mais de-

talhadamente logo após a discussão su-mária dos outros três.

Weltanschauung8

Weltanschauung (W) é o prisma atravésdo qual o indivíduo enxerga o mundoreal. Ele inclui valores: é o que é notadocomo significativo quando a realidade aoredor é filtrada através de valores, atitu-des, humor e intenções. O termo está fre-qüentemente associado a imagens, mode-los e outras formas de representação darealidade. Assim como os valores, o Wel-tanschauung (W) não é fixo, sendo conti-nuamente reformulado, à luz do contextoem que o indivíduo opera ou decide ope-rar. O conceito do "W" é interessante paracompreender empreendedores e peque-nos empresários. O que é relevante não éo que de fato há no mundo real, e sim oque o empreendedor pensa que há ali. Seum pequeno negócio deve ser visto comoum sistema social, construído ao redor doseu proprietário, a identificação de seusWs ajuda a compreender a cultura resul-tante (ver figura 2).

Os Weltanschauungen (Ws) constituem abase com a qual se desenvolve o processode criação da visão do empreendedor. Es-se processo consiste, basicamente, em pro-jetar Ws sobre o futuro ou em escolher, nopresente, os Ws ou as imagens com que oempreendedor e a sua empresa vão pros-seguir no futuro. Evidentemente, um em-preendedor não pode decidir facilmentese deseja ser alguma coisa, sem antes sa-ber o que significa ser essa coisa. Portanto,um dos primeiros exercícios no processode desenvolvimento da visão consiste emdescrever os elementos que estão por trásdos seus Ws ou imagens, isto é, por trásda sua maneira de perceber o mundo real.O empreendedor pode fazê-lo procurandoentender sua própria história, valores e osmodelos resultantes do seu passado fami-liar, sua experiência profissional, sua edu-cação informal (leitura, viagens, filmesetc.), suas crenças, seu sistema de relaçõesetc.

Os empreendedores estudados pare-cem ter sido influenciados de maneira es-pecial pelos exemplos fornecidos pelosempreendedores que conheciam. PierreLespérance fundou o Grupo Sogides, umempreendimento sediado em Montreal,atuando no campo editorial, na distribui-

VISÃO E RELAÇÕES: ELEMENTOS PARA UM METAMODELO EMPREENDEDOR

ção de livros e em livrarias. Seu pai impri-mia um pequeno jomaJ e distribuía revis-tas. Pierre foi criado neste ambiente.Quando seu pai faleceu prematuramente,vítima de um ataque do coração, os negó-cios eram dirigidos por um holding fami-liar, Pierre, então com 25 anos, comprou aempresa, e em 20 anos tornou-se um dosmaiores editores no Canadá.

Quanto mais cedo o empreendedor co-meça a trabalhar no campo escolhido, maisparece produzir visões realistas do que eledeseja alcançar. Pierre Lespérance é umbom exemplo disso, uma característicatambém observada em vários outros em-preendedores estudados nesta pesquisa.Eles tiveram que se tomar líderes em cam-pos onde começaram a trabalhar ainda jo-vens ou onde suas famílias já atuavam.

Além da educação e dos exemplos queestão à sua volta, a função que o empreen-dedor define para si e a sua auto-percep-ção parecem influenciar seus Ws. Quantomais jovem ele escolhe o que fazer, maistempo tem para pensar sobre o que quertomar-se. Seus Ws corresponderão melhorao papel que ele escolheu para si, paraajudá-lo a concretizar o que visualizou. Is-to é verdadeiro especialmente em negó-cios familiares, onde se decide logo cedoquem tomará a frente dos negócios, dandoao escolhido tempo suficiente para aceitaresse papel e desempenhar-se através dele.

Os sucessores, freqüentemente, intro-duzirão mudanças na organização, nãoapenas por terem uma visão diferente,cuja origem está nos diferentes Ws de-senvolvidos em contextos diferentes,mas também porque aqueles Ws vão ori-ginar diferentes maneiras de pensar eagir. Este é o caso de Jacques e GérardVaudax, da Vaudaux & Vaudaux em Ge-nebra, a terceira geração a conduzir osnegócios da família. A fim de tomar suasvisões aceitáveis, eles devem explicar osseus Ws, enfatizando as visões para osexecutivos seniores da empresa. Se aequipe não compreender estes Ws, per-derá seu entusiasmo. Quando um em-preendimento suíço produz estojos pararelógios, e os relógios suíços têm tidoboa saída, o panorama é agradável. Masao considerar o momento em que japo-neses estão invadindo o mercado de re-lógios, será preciso redirecionar a visão eentão diversificar. É necessário envolveros executivos nesse processo. Uma com-preensão recíproca dos Ws, portanto,torna-se um fator vital não somente noautoconhecimento, mas também na com-preensão do progresso da visão dos em-preendedores.

EnergiaA energia é o tempo alocado em ativi-

dades profissionais e a intensidade com

I Figura·2: O precesse de. visãot ; ~

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i1~lJREVISITADA

que elas são executadas. Os Ws ou valo-res do empreendedor irão influenciar nadefinição do que ele vai dispor para in-vestir em sua vida profissional. A energiadispendida pode conferir mais liderança,pode levar um empreendedor a dedicarmais tempo para criar e preservar rela-cionamentos ou articular uma visão, e to-das essas atividades reunidas podem re-sultar no ajuste dos Ws. Ademais, a ener-gia empregada para assumir a liderançadeverá retornar ao empreendedor, pelomenos em parte, de uma forma ou de ou-tra, e, às vezes, em quantidade maior doque ele investiu.

A energia dispendida na criação e namanutenção de relacionamentos paga di-videndos, porque um empreendedor queesteja bem situado num sistema de rela-ções lucrará por um fluxo constante deinformações. Isto permitir-lhe-á reajusta-mentos contínuos. Outrossim, quantomais tempo e energia ele dispender nodesenvolvimento da sua visão, mais lu-cros receberá, porque as diretrizes quevier a desenvolver vão gerar motivação eenergia naqueles que o cercam.

Todos os empreendedores estudadosnesta pesquisa dedicaram grande partedo seu tempo ao trabalho. Entretanto, al-guns empreendedores que trabalham ar-duamente não parecem ter êxito. Tal fatoleva a sugerir que não há uma relação di-reta entre o número de horas trabalhadase o sucesso obtido por um empresário.Entretanto, a energia permanece comouma das condições para o sucesso; o ter-mo inclui não somente o número de ho-ras trabalhadas mas também a intensida-de ou conhecimento dedicados ao traba-lho. Não basta trabalhar por longas ho-ras. É necessário trabalhar intensamentedesde que o que estiver sendo feito sejainteriorizado e usado para auxiliar no de-senvolvimento da visão. Vários empreen-dedores têm investido uma quantidadeextraordinária de energia em seu traba-lho. Pekka Anttila, por exemplo, é pro-prietário da Lapponia em Helsiniki: umaempresa joalheira de alta classe, com uminvejável reconhecimento internacional.Seus pais eram fazendeiros e ele foi cria-do em ambiente rural onde, ainda jovem,se acostumou a longas horas de trabalho.Aqui mais uma vez os Ws parecem de-sempenhar um importante papel.

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LiderançaA liderança resulta dos Ws, da energia

e dos relacionamentos, mas, reciproca-mente, exerce influência sobre os três ele-mentos. Sua importância para o desenvol-vimento da visão decorre do seu impactosobre o nível da visão e da extensão da-quilo que o empreendedor pretende reali-zar. A liderança afeta seu desejo de reali-zar, e isto, por sua vez, determina, emgrande parte, o alcance de sua visão. Narealidade, é muito pouco provável queum líder supere sua própria visão, apesarde ser ela parte de um processo contínuo,como ocorre com os Ws, passíveis de re-formulações periódicas. A esta altura, po-demos até mesmo questionar a origem daliderança: o que é que transforma umapessoa em líder? Muita coisa pode sermencionada, mas, no que diz respeito aosempreendedores, a liderança parece irsurgindo numa evolução gradual, que re-quer a aquisição de uma habilidade parti-cular, num setor particular de atividade.A habilidade para desenvolver uma visãoparece conferir liderança, e esta, para oempreendedor,depende do desenvolvi-mento da visão.

David Murray, por exemplo, começoua vender ferro velho quando saiu da esco-la secundária, aos 16 anos. Aos 24 ele ini-ciou seu próprio negócio e naquele anoperdeu as duas pernas num acidente auto-mobilístico. Apesar disto ele criou umconglomerado internacional atuando em 7países. Em 1985,quando tinha 32 anos deidade, eu perguntei a ele como explicariaseu sucesso. Sua resposta foi: "Minha lide-rança dentro e fora da empresa. Eu sou conhe-cido no ramo como um dos maiores comercian-tes, e as pessoas gostam de vir a mim com de-safios. ", e disse ainda: "Mostre-me um pro-blema e eu lhe mostrarei como sair dele. Tenhorenome por isso". É isto que o torna um dosfornecedores mais procurados pelos cons-trutores de equipamentos para indústriapetrolífera de todo o mundo. É sabido queele é imbatível quando se trata de encon-trar rapidamente uma peça sobressalentepara um item defeituoso ou não existente.Para ele, "ser o número um", "vencer" noque quer que faça, tem sido fator de sumaimportância. Mesmo possuindo umamansão em [ersey e uma residência de lu-xo no sul da França, ter a reputação de ex-cêntrico e uma coleção de carros esporti-

VISÃO E RELAÇÕES.' ELEMENTOS PARA UM METAMODELO EMPREENDEDOR

vos italianos, sendo dono do Hotel Cor-donbleu em Edinburgo, dificilmente tiraférias. Além de gerenciar todos os seusempreendimentos, ainda gasta 80% de seutempo fazendo vendas.

Sua necessidade de liderança o teria in-duzido ao desenvolvimento da visão ousua visão o teria transformado num líder?Segundo o próprio David Murray, suanecessidade de vencer no início o levou aadquirir uma certa quantidade de lide-rança. Mas, tendo já alcançado seu objeti-vo, ele observa uma meta importante pa-ra a realização da sua visão: estabelecer aMurray Ine. em "todos os lugares, como ostentáculos de um polvo". Sua visão o dotoucom liderança.

RelaçõesO sistema de relações, aparentemente, é

o fator mais decisivo para explicar a evo-lução da visão. A família, sistema básicode relações de um empreendedor, certa-mente moldará os tipos de visão inicialque possa ter. Depois, as relações que eleestabelece, com a finalidade de desenvol-ver suas visões complementares, serão deimportância fundamental para o desen-volvimento de sua visão centraL Por outrolado, quanto mais articulada for sua visão,tanto mais importante será o papel por eladesempenhado na escolha dos critériospara o estabelecimento de um sistema derelações. O velho ditado "dize-me comquem andas e eu te direi quem és" nãopoderia ser mais verdadeiro do que aqui.De um ponto de vista baseado na visão, oditado poderá até mesmo ser mudado pa-ra "dize-me quem tu queres que seja teuamigo e eu te direi quem tu serás".

Iean-Iacques Rousseau definiu o ho-mem como um produto social. Esta defini-ção é bastante relevante quanto aos em-preendedores estudados. Eles são origi-nalmente produtos dos sistemas de rela-ções da família, que depois desenvolvemuma rede de relacionamentos empresa-riais, de modo que as pessoas nela envol-vidas se tornam produtos sociais de que oempreendedor precisa, à medida que ve-nham realizar sua visão. Tendo ele toma-do a forma do papel que definira para simesmo, o empreendedor espera o mesmodos que trabalham com ele, e até mesmoos condiciona para assim o fazerem. Qua-se inevitavelmente uma ou duas mulheres

foram observadas trabalhando junto a em-preendedores bem-sucedidos, apoiando-os incondicionalmente, absorvendo a cul-tura de seus empregadores e trabalhandode forma leal e intensa em seus projetos.De fato, os empreendedores estudadosconfirmaram que seus sistemas de rela-ções internas foram mais importantes queos sistemas externos.

Muitos destes empreendedores levamem consideração este aspecto ao conduzirseus empreendimentos. Para eles o recru-

tamento de pessoal veio a ser um aspectode especial importância. Bernard Vonlan-then, da Suíça, por exemplo, montou umempreendimento no campo da limpezaindustrial e comercial. Em poucos anos elejá dominava uma parte respeitável domercado suíço, num ramo de fácil ingres-so. Uma razão para o seu sucesso é a sele-ção de pessoal, particularmente os execu-tivos. Os futuros colegas dos novos mem-bros da equipe são envolvidos nesse pro-cesso. A partir da segunda ou terceira en-trevista, os candidatos selecionados sãocolocados em situações onde eles têm umproblema real para resolver. Somenteapós sete ou oito encontros com os candi-datos, é que as pessoas envolvidas no pro-cesso farão suas escolhas. O processo temuma característica de socialização comefeitos a longo prazo, que também tornama integração a curto prazo, muito mais fá-cil. A energia gasta nas relações internasaparentemente explica, na maioria dos ca-sos, o sucesso dos empreendedores. Cu-riosamente, uma pesquisa feita com 100

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1

11m REVISITADA

9. LALONDE, C.; D'AMBOISE, G.Le propriétaire-dirigeant lailli:les éléments dun protll. Revuede gestion des petites et mo-yennes organisations, PMO, vol,1, n. 4, p. 5-11,1985.

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proprietários falidos indica que as práticasinterpessoais como planejamento de pes-soal, treinamento e supervisão, acrescidosde participação nas decisões, figuravamentre as práticas gerenciais de menor im-portância.? O contrário pode ser observa-do naqueles que vencem.

IMPLICAÇÕES E CONCLUSÃO

As implicações afetam as três áreas daatividade empreendedora: a ação em-preendedora, a pesquisa e a educação pa-ra atividades empreendedoras.

Ação empreendedoraO processo de pensar de acordo com

uma visão fornece estrutura para a refle-xão e a ação. Fornece também ao em-preendedor um meio de integrar toda aequipe naquilo em que estiver trabalhan-do. Uma das conclusões que pode ser ex-traída deste enfoque diz respeito ao qua-dro cultural que um empreendedor podecriar para si mesmo. O pensar em termosde uma visão dota o empreendedor comum esquema de aprendizado capaz delhe dar uma estrutura de referência que oauxilie para melhor articular seu desen-volvimento. Primeiramente, esse proces-so exige que o indivíduo adquira habili-dades não ll.pcnaspara analisar, mas tam-bém para imaginar e se comunicar, demaneira que possa tornar-se igualmenteapto a ouvir e a falar. Não deve ser ape-nas apto para ouvir, mas deve realmente

desejar fazê-lo, uma vez que a visão emfunção da qual estiver pensando oferece-rá um ponto de referência, ao redor doqual, o empreendedor, deverá assimilarinformações. O mesmo pode ser ditoquanto ao ato de falar: deve estar interes-sado em dizer o que pensa, pois desejaque seu sistema de relações reaja e se en-volva, além de o estimular e apoiar emseu desenvolvimento. Aqui, ele deixa deser um simples empreendedor construin-do um empreendimento: passa a ser umlíder que guia toda uma equipe em dire-ção à meta; um líder que cria uma culturade aprendizado para si mesmo, transmis-sível às pessoas que se encontram ao seuderredor. Eventualmente, será capaz deenvolvê-las numa organização de apren-dizado. De fato, o gerenciamento de pe-quenas empresas pode ser visto comofortemente focalizado no gerenciamentoda visão, que fornece um padrão de refle-xão, essencial para a eficácia das tarefasgerenciais, as quais, em contrapartida,devem ser exploradas para que as açõesconcretas ocorram. A tabela 2 mostra al-gumas das vantagens obtidas com o de-senvolvimento de uma visão.

Tornar-se um pensador com visão, a vi-eionarq, implica ser alguém capaz de atin-gir o equilíbrio entre o fazer e o sonhar.Delegar o sonho que leva a uma visão édifícil,mas deve-se delegar o fazer aquiloque se tiver sonhado. Caso realmente sedeseje continuar a sonhar. A formação deum sistema de relações é um elemento-

'0 i FErrneCe·t~lltoU~a 9hent.a,ção"'qúaotoumá base.para a' çeflexão e.a prática de· ãtivíOadesem.llr.eenqeôQlaê·,'. . .'

• Permite a unificação de ações eativiJades em torno oe uma idéia central.-' -

• Apresenta uma estimulante estFuturabásica ao redor da qual o grupo .social que_ . 1: ~ 'MJ# '

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VISÃO E RELAÇÕES:ELEMENTOS PARA UM METAMODELO EMPREENDEDOR

chave nesse ponto. Muito se tem dito so-bre sua importância. Os dados dessa pes-quisa mostram que não é o sistema de re-lações em si mesmo que explica o sucessode um empreededor, e sim um sistema derelações construído de modo a dar supor-te para a realização da visão.

Educação e treinamento para a atividadeempreendedora .

Os elementos essenciais parecem ser odesenvolvimento da imaginação e dacriatividade, bem como a habilidade decanalizar energia para os objetivos que oempreendedor quer atingir. O treinamen-to empresarial para a atividade empreen-dedora deve capacitar o empreendedorpara imaginar e identificar visões. Istosignifica que há uma diferença entre otreinamento para o empreendedor e otreinamento gerencial, enfatizando-se, nosegundo caso, as "habilidades para so-nhos realistas", mais do que as habilida-des analíticas. O empreendedor necessi-ta, ainda, de habilidades para se comuni-car e estabelecer relações interpessoais. Aeducação para o empreendedor deve au-xiliar o indivíduo, no seu desenvolvi-mento, pelo reforço de suas característi-cas diferenciadas. Em certo sentido, istose assemelha à educação para liderança,principalmente por dar apoio, ao invésde pressionar até se obter a conformida-de. Deve ser pró-ativa e não estar centra-da em um único método. Deve apresen-tar aos empreendedores em potencialformas para definir visões e maneiras deprojetar os sistemas de relações e deaprendizado, necessários para levar asvisões adiante.

Pesquisa sobre a atividadeempreendedora

Alguns enfoques metodológicos ino-vadores são necessários no campo da ati-vidade empreendedora. Quando se estátrabalhando sobre o referencial do pensa-mento, como neste caso, cabe ao pesqui-

sador estabelecer uma relação entre o as-sunto pesquisado e o tipo de metodolo-gia necessária para agrupar e então anali-sar os dados. As vezes, como nesse caso,é necessário criar uma metodologia parase chegar aos objetivos da pesquisa.

O metamodelo aqui proposto é apenasum, entre vários outros possíveis, que in-corpora os principais elementos de mo-delos individuais de empreendedores es-tudados nessa pesquisa. Parece ter sido

este o denominador comum, mais acessí-vel. Uma vez compreendido, a próximaquestão é: como poderíamos utilizar estemetamodelo para desenvolver uma visãoque seja coerente? Feito isto, como pode-ria ser absorvido dentro de uma organi-zação, então, ser compartilhado por ela?Tais questões nos fornecem assuntos pa-ra pesquisas futuras. O

• Artigo publicado originalmente sob o título vision andrelations: elements for an entrepreneurial metamodel,International Small Business Journal. v. 9, n. 2, Jan.lMar.1991, Paris, França; e, em português, na RAE - Revista deAdministração de Empresas, sob o título: O planejamentodo seu sistema de aprendizagem empresarial: identifiqueuma visão e avalie o seu sistema de relações, v. 31, n. 3,jul./set. 1991, São Paulo, SP.

PALAVRAS-CHAVE: Weltanschauung, treinamento de empreendedores, desenvolvimento devisões, sistema de relações.

KEY WORDS: Weltanshauung, entrepreneurs training, vision deoelopmeni, visionary process,relatíonship system.

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