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dOnA dIAbOlUs & sEUs dUAs mArIdOs - lÉO pImEntEl (2015)

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[terceiro e último e-livreto da série de intromissões nas cartas de marcia tiburi: - desta vez transfigurei o "diálogo | cinema" em "diabolus | cinema". a diferença deste é que não retirei seu interlocutor. minhas intromissões foi para ambos.]***"não há outro real além do secretado pelas ilusões coletivas. no entanto, há possibilidades de as ultrapassarmos: a dimensão fracionada entre a sedução e o artifício. dimensão esta que, no presente caso e possibilidade de ultrapassagem, se presta a ser uma composição de palavras sobre a restituição de um fluxo óptica de pensamento – oposição radical à realidade (subjetiva ou privada) como destino: o cinema. composição verbal de um(a) diabolus, que além do humano, se deita na cama e desposa duas maridos, para, desta vez, em ato pornográfico, meter-se, intrometer-se e ser metido, por marcia tiburi e julio cabrera."***tiburi, marcia; cabrera, julio: diálogo|cinema – são paulo: editora senac são paulo, 2013. - [http://goo.gl/z5h8wk]

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  • i've seen things you people wouldn't believe. attack ships on fire off

    the shoulder of orion. i watched c-beams glitter in the dark near the

    tannhuser gate. all those moments will be lost in time, like tears in

    rain. time to die.

    eu vi coisas que vocs no imaginariam. naves de ataque ardendo no ombro de

    rion. eu vi raios-c brilharem na escurido prximos ao porto de tannhuser.

    todos esses momentos se perdero no tempo, como lgrimas na chuva. hora de

    morrer.

    roy batty

    blade runner - roy batty by william-oliveira

  • dona diabolus e seus duas maridos lo pimentel, amante da heresia cerrado, inverno de 2015

    nota sem autoria: no h outro real alm do secretado

    pelas iluses coletivas. no entanto, h possibilidades de

    as ultrapassarmos: a dimenso fracionada entre a

    seduo e o artifcio. dimenso esta que, no presente

    caso e possibilidade de ultrapassagem, se presta a ser

    uma composio de palavras sobre a restituio de um

    fluxo ptica de pensamento oposio radical

    realidade (subjetiva ou privada) como destino: o cinema.

    composio verbal de um(a) diabolus, que alm do

    humano, se deita na cama e desposa duas maridos,

    para, desta vez, em ato pornogrfico, meter-se,

    intrometer-se e ser metido, por marcia tiburi e julio

    cabrera.

    ao prefcio: dilogos, afetos e jogos em impossvel

    interpretao como estrutura forte, sejam em termos de

    relaes psquicas e psicolgicas (recalque,

    insconsciente, etc); ou sejam em termos de uma

    anatomia como destino (masculino, feminino, terceiro

    gnero, etc). o poder iderio aqui se desvela pelos vus da indistino e da indiferena entre o autntico e o

    artificial uma espcie de niilismo comunicacional jogador, apostador, desafiante em relaes duais e em

    estratgias das aparncias. o que cinema? uma pea determinada por seu espao de exibio? o que

    um filme? uma pea determinada pelo seu suporte tcnico? o que h para alm desse plano cartesiano

    reducionista entre espao de exibio e suporte tcnico? um outro plano cartesiano, s que minimalista, cujos

    eixos so o pensar os filmes e o pensar com os filmes? sair de um plano cartesiano para entrar em outro

    como na interpretao nietzschiana da caverna de plato? ou h um pensamento propriamente cintico para

    alm do roteirizar-filmar-montar-restituir-um-fluxo-ptico? possvel um alm-do-dia|logo(s)? como possvel

    um dia|kinmatos? pois bem, o diabolus aqui assume a forma de um agonista animado (kinmatos) verbo-

    audiovisual em esforo para se manter verbo para se intrometer nessa conversa (logos) entre marcia e julio.

  • 6

    dentre 27|nov|11 e 28|nov|11

    dramas! ei-los! ler e escrever um filme? ilustrar teses filosficas? cinematizar roteiros?

    primeiro drama (compor, decompor e recompor): leitura e escrita so sempre lineares, ou seja, exigem uma

    organizao histrica que nos imposta;

    segundo drama (pensamento multimodal e pensamento linear): teses audiovisuais, as quais tudo o que a

    compe so smbolos prprios que atuam como agonistas animados, no so meras teses filosficas

    (verbais) restitudas em um fluxo ptico-auditivo;

    terceiro drama (transcodificar): escreve-se roteiros como mtodo nostlgico de colocar em imagens,

    animadas e sonorizadas, as possibilidades do leque de realizao de um pensamento desdramatizado.

    ah... o cinema... este que abriu as portas da percepo para um pensamento alm do seguir um texto da

    esquerda para a direita, do mudar de linha de cima para baixo e do virar de pginas da direita para a

    esquerda.

    ah... o cinema... este que nos o prprio lugar apontado pelas linhas de um texto e pelas superfcies do

    desenho e da fotografia. que jamais ser filosofia filmada, mas primeiro horizonte de imploso do filmado

    rumo a superao da cmera como janela para o mundo, mas sim, o rascunho de um mundo mesmo.

    ah... o cinema... este agonista trgico que lutou por um sculo por sua autonomia e que agora se v

    impotente diante da tragdia de ter que aceitar sua pattica morte por invalidez. quem sabe dessa

    resignao, sua fantstica lgica bidimensional se liberte da pasteurizao industrial rumo ao pensamento

    multimodal independente de pessoa pessoa? sim, pois preciso seu sacrifcio pattico para dar lugar

    anarquia dos sentidos que descentraliza a percepo e assim difrata o olhar, a imagem, os ouvidos, os sons e

    os silncios. preciso expandir sua polivalncia difusa do cintico enquanto linguagem e transfigurar toda

    imagem e som em lngua franca prpria. interessante que para tal, pois o momento est muito propcio,

    cada pessoa tem sua filmadora, seu programa de edio de imagem e de som e suas vias de publicao e

    circulao na palma de suas mos. ah! s para lembrar! pois no acrescentarei na discusso dois elementos

    cruciais que refinaro mais ainda essa morte do cinema: a jogabilidade transfigurao radical da

    expectao passiva (audincia/espectadores/as) em agonistas ativos (gamers cujo jogo um gesto

    dramtico); e a linguagem de programao o modo de pensar ciberntico das chamadas linguagens de

    mquina e seus desdobramentos sistemo-analticos e estruturais.

    caos invisvel (po-te-kitea) / indomvel, intransponvel / caos da escurido absoluta / intocado e intocvel

    com este canto maori no inconsciente insurgente de marcia tiburi, ela me evoca: s a heresia nos salvar!

    (p.17) sim! aes rupestres! sim! trabalho artesanal e primitivo! sim! artesania digital! uma cmera na mo, um

    editor de audiovisual na mesma mquina na qual se escreve e imagens na cabea! mquinas cujo seu

    fantasma somos ns mesmos. mquinas cujos corpos e sonhos so links para nossa hiper-realidade

    cotidiana, no mesmo sentido em que pensamos os hipertextos: superao das limitaes da linearidade entre

    realidade e sonho; processos de realizao e colaborao entre as pessoas e as mquinas; (re)composio

    coletiva; eterno retorno artificial e insuficiente. assim, cinema! mquina-link inventada nos pores industriais

    como um frankenstein, monstro que mostra, que logo mais se voltar contra seus inventores, contra toda

    violncia de neutralidade!

  • 7

    sim! selvageria da forma! a vingana do monstro que mostra, cansado de ser arte industrial, sabota o

    espetculo com incrveis terrorismos de autor; cansado de ser mais do mesmo, assassina o ltimo dos

    escritores e o ltimo dos tradutores, ou seja, assassina o roteirista e o diretor; cansado de ser distrao

    concentrada, traz ao avesso o pblico alvo tornando alvo o pblico, ponto de mira para seus projteis;

    cansado de ser material didtico, atenta contra o real, desrealizando a educao imagtica feita por cineastas

    e publicitrios, estes idelogos antintelectualistas. monstro que mostra que a ressaca imagtica pausa para

    reflexo. e como se reflete? reeditando imagens! revive o lixo em remix, mashups e reciclagens, destruindo

    direito autorais e lhes impondo deveres autorais. assim, o pensar se torna uma espcie de cineimaginao,

    pensar imageante cuja forma pensa cinemato-graficamente o impensvel futuro do pensamento para

    roteiristas, diretores e produtores.

    beijos monstros que mostram,

    dona diabolus

  • 8

    dentre 20|dez|11 e 21|fev|12

    a) arteso = arte + teso; / artes = arte + sade

    b) amador = aquele que ama / amadora = amante

    c) transverso = forma sedutiva, no forma produtiva; / trans = anarquia dos gneros + verso = gestalt;

    d) ao que se atribuiu o neutro recuperado pela fascinao.

    julio, um antinatalista realizador de partos impossveis, em sua maiutica negativa, do ventre de marcia, traz

    ao nascimento um alien, a filosofia cinza do cinema! uma teoria tiburiana do cinema onde ela faria reflexes

    cinematogrficas sobre cinema e sobre televiso. de tal parto de alien inside extraio o que me interessa: em

    meus filmes h pensamento sem a linguagem falada, discursiva ou que s se pode expor por palavras. neles

    exploro justamente um dos elementos mais importantes que julio sugere marcia explorar mais: o

    deslocamento de cmera. sim, pois, como eu j disse, cada elemento da composio de um filme para mim

    um smbolo prprio que atua como agonista animado: a cmera em seu movimento ou no, assim o . ela

    no s o olhar que interfere no olhado, como tambm, funciona como o pincel na arte da caligrafia

    japonesa, o shod. s que, sendo kinma, o trao, o rastro da cmera shod agonista animado. a imagem

    s pensa se ampliada at seu gesto gerador. para mim, a abstrao que se pretende a imagem s possvel

    mediante um gesto abstrato. pois o gesto pensa.

    ah... duas maridos... marcia, transversalmente voc tocou em meu gesto fundador apontando para o julio:

    habilidade de montagem. meus filmes jamais so pensados a partir da ltima escrita, ou seja, de roteiros.

    meus filmes so sempre pensados a partir da articulao entre imagens/ausncias e sons/silncios. filmo j

    pensando na montagem, e interessante que gosto da ambiguidade desse termo, pois o movimento o lugar

    por excelncia de montaria. montaria, ou monstraria, numa espcie de cavalo indomvel que jamais

    conseguimos t-lo nas rdeas. no entanto, nessa fluidez que, de todo modo nos escapa, onde monto

    meus filmes. monto cada imagem/ausncia, sons/silncio em movimento como cumes de montanha

    indomveis, onde lano meu olhar mais longe. e, claro, sem deixar de cometer todos os excessos! ora

    frieza que congela e nos faz tremer, ora calor que queima e nos faz suar: afetos da pele. logos, phatos e

    prxis sem hierarquia entre si: caos, corao e vmito.

    se a imagem do cinema e da publicidade, ambos, filho e filha da cultura da indstria, so hoje instituies

    (burocracias infernais que mutilam desejos e refrigeram, embalam e carimbam liberdades), as minhas tornam-

    se imagens anarcopunks que pensam, como bandos em rebeldia e em terrorismo de autor, pelos espaos

    semi-urbanizados das periferias das metrpoles. imagens aliadas ao no-conformismo e ao comportamento

    que desafia a hierarquia e a autoridade. nesse sentido tambm se rebelam contra a primazia da filosofia em

    palavras. pois esta tambm vista como filha intelectualizada, mesmo que bastarda, da indstria da cultura

    ocidental j que culturas orientais e indgenas, como a cultura maia, tm e tiveram suas filosofias refletidas

    imageticamente. imagens que empunham a contradio no peito, a de que a luta diria contra a

    mercantilizao pode acabar fracassada, mas que somente a destruio final do mundo pode dar um fim ao

    dia a dia dessa luta.

    beijos ovelhas negras,

    dona diabolus

  • 9

    dentre 01|mar|12 e 04|mar|12

    falar sobre cinema e sobre filosofia... filosofar sobre o cinema... cinematizar sobre a filosofia... a filosofia no

    quer a filosofia mesma do cinema, ela quer s o que nele a seduz. e o cinema no quer o knema mesmo da

    filosofia, ele quer s o que nela a seduz. jogo de seduo onde quem seduz quer do/a seduzido/a o que j

    existe no/a sedutor/a. cada um/a a seu modo re-v, re-visita a si mesmo/a. no h um outridade, ou seja, no

    um deixar-ser o/a outro/a. no meio desse em-si-mesmamento, at certo ponto ambguo pois o ponto de

    contato ainda a linearidade do texto, dissertativo em um e roteirstico em outro. ambas, history board.

    julio evoca uma artesania primordial para a conexo entre cinema e filosofia. artesania experimental como

    forma de exposio de ideias. no entanto o primordial arteso est em uma condio de singularidade aberta

    cujo gesto abstrato aponta a um filosofar mesmo cinemato-grfico, uma sabedoria cintica que no constri

    ideias, mesmo que logopticas, a partir do que h em dicionrios, gramticas e conversao. uma sabedoria

    cinemato-grfica cujo poder iderio a exploso de todos os elementos constitutivos da linearidade da lngua

    flexional. comunicao por exploses, por realidades virtuais ou virtualidades reais dentro um processo de

    transitividade voluntria. a violncia da forma a forma violenta mesma. sim julio, no h nada o que ilustrar

    e mais ainda, no h nada o que comentar. ao receber um filme, fao outro filme em minha imaginao. o

    refao. extraio dele curtas-metragens e filmes curtssimos e o remonto. revoluo logoptica remixada,

    reeditada em insurgncias prxis-logoptica. a era da ideologia substituda pela era da imageologia. e aqui

    junta-se marcia: importante pensar a filosofia depois do feminismo (p.47). acrescento: importante pensar

    o cinema depois da anarquia dos gneros; ou seja, como pensamos pensar cineticamente sem que as

    imagens sejam anarcotrans?

    forma trans da filosofia, forma trans do cinema. sim marcia, outro modo de ser desprezado pelo pensamento

    tradicional, erudito. uma filosofia e um cinema no entregue s sobras, mas aos excessos. aventura

    excessiva da existncia. verdade(s), trans por excelncia, pois imagealiza a fora daquilo que de outra

    ordem: contra a violncia da neutralizao, da pacificao da superfcie. sim marcia, imagem trans no

    mediadas cuja exuberncia nos faz reaprender ver, j que elas nos permitem captar o sentido bloqueado e

    esquecido pela lngua oficial que nos impe a existncia de apenas dois gneros: terceirx escludx do

    universo simblico e imageante. a partir de agora a palavra que realiza os conceitos da filosofia so imagens

    trans (poesia concreta, por exemplo); a imagem que realiza os conceitos do cinema so palavras trans (shod

    animado). eis o que h tanto para a filosofia quanto para o cinema atualmente: veste a palavra e a imagem

    com a roupa da coragem e da vontade de trans-formar; desabriga o comum e faz da incompreenso veneno

    que lhe fortalece arma de guerra contra e estagnao e o cinismo. muito mais que informar e fazer

    compreender atuar como forma selvagem e ardilosa de driblar as violncias e os poderes da comunicao

    de massa pacificadoras dos significados. aqui o efeito de verdade no oculta a situao de que a verdade

    mesma no exista. o limite mesmo paradoxal: exacerbao realstica e ilusria.

    beijos anarcoqueers,

    dona diabolus

  • 10

    dentre 17|mar|12 e 03|abr|12

    preciso uma genealogia da razo cinemato-grfica para trazer tona o(s) modo(s) de ser do cinema

    modos que inventam cineastas, produtores e pblico. isso porque os cdigos de cada um no se articulam a

    ponto de apresentarem-se como inteligncia imagtica. seus cdigos so tendncias momentneas muito

    mais regidas pela tecnologia que est disponvel na poca. por exemplo, faz-se remakers apena para mostrar

    a tcnica da vez e no para estabelecer uma cine-comunicao. no h superao de potencialidades rumo a

    outras, apenas novas ferramentas para as mesmas potencialidades. nesse rastro, raciocinar, compreender e

    se comunicar cinemato-graficamente algo forjado unidimensionalmente como arte de contar/narrar a(s)

    mesma(s) histria(s). no entanto, o que mais me interessa nessa genealogia a realizao do pensamento

    no cinema sem a lngua falada ou escrita (alfabtica e flexional): a insurgncia das imagens contra a filosofia

    que s a usa para fins ilustrativos ou pedaggicos; autonomia e autodeterminao da re-existncia imagtica.

    tambm, me interessa ver e rever como a filosofia e como o cinema instaura ao outro a dvida radical sobre

    seus respectivos princpios de realidade. j que ambos partilham do projeto de descrever o vazio e a ausncia

    de uma realidade dada como familiar.

    o que julio alerta sobre a ao de decidir, optar por algo e discernir dentro de uma hierarquizao, e chamada

    por ele como moralizao do conceito (p.61), vejo como a frgil tentativa de dominar um espao simulado e

    vago. por exemplo, toda nossa histria aqui se move em torno dos conceitos vagos de palavra (elemento de

    montagem para uma escrita filosfica) e imagem (elemento de montagem para um filme, para um

    cinepensamento) e, ambas, arrastadas para dentro do movimento de outra ausncia, esta chamada

    abstrao (montagem final do pensamento irreversvel a uma palavra ou a uma imagem). no entanto,

    nessa fragilidade do domnio e do fracasso da abstrao que me instauro, pois somente em um espao de

    atuao de simulaes, de vazios e de ausncias que sou movido a pensar movimento de empoderamento

    do iderio contra o fixo. pensar que, enquanto este texto escrito se faz para a dedicao de uma leitura, um

    filme se faria necessrio enquanto um convite navegao; entrega numa realidade virtual abeta a todo o

    tipo de explorao. o insuportvel se instaura, tanto na escrita, quanto na cinematizao, quando o nosso

    movimento exploratrio neles cerceado por ns mesmos preguia, cansao, preconceito, preconcepo.

    ou seja, quando ao ler ou ao assistir algo nos tornamos voluntariamente um objeto em frente a um livro ou a

    uma tela. o pior que pode acontecer quando o insuportvel se torna uma moralidade (conjunto de

    preconceitos): substituindo a diversidade de ritmos das coisa por um isto ou aquilo ou no chato

    poltica da pacincia (ideologia de ideias acomodadas, preguiosas, sedentrias, que h muito perderam a

    agilidade). se a indstria da cultura nos impe a condio de audincia logopaticamente anestesiada, que

    sejamos audincia logopaticamente ativa como um primeiro passo rumo ao. meus filmes nada exigem de

    quem os assiste. pois ningum est obrigado a fazer nada. no entanto, eles sugerem que, para assisti-los,

    preciso abandonar o pensamento sentado.

    sim marcia, comover! do meio de sua frase o entendimento puro e simples no me comove (...) (p.66) esta

    a palavrinha mgica que me faz pensar aos saltos! do latim commovere, com-, junto, mais movere,

    mover, portanto mover conjuntamente. a linearidade flexional prpria da filosofia ocidental uma espcie

    de ordenamento linearnormativo. aqui mover conjuntamente andar em marcha organizada, uniforme,

    constante e ritmada. nada se pode inventar. tudo ordem unida. o mover conjuntamente de meus filmes

    so um convite da mesma ordem que uma banda de jazz convida algum para uma jam session (reunio

    informal para tocar e improvisar). , me apropriando de tuas palavras, desmontagem e remontagem de

    uma viso de mundo. desse modo, o cinema, ou a filosofia, somente efetivamente pensa se estamos l para

  • 11

    pensar comovermos ns, o cinema e a filosofia. ou se quisermos dar mais um passo, comover em

    compaixo compartilhando mundos (realidades virtuais). dia a dia do intenso, j que minha pele agora a

    pele do outro, j que a pele outra minha pele. sim marcia, deixamo-nos afetar...!

    ah... a natureza da experincia da qual o experiente parte. mais uma ideia pela qual penso aos saltos. no

    ordenamento linearnormativo somos experimentos de uma estranha conjuno: corpo sedentarizado,

    ativismo visual radical e esforo ocular extremado. armam-nos uma emboscada fsica e mental ao mesmo

    tempo em que atrofiam nossa capacidade de responder com agilidade a elas. reduo invisvel do alcance de

    nossos horizontes. se buscamos espaos fechados e protegidos para um aconchego seguro e permanente

    leitura ou ao ato de assistir filmes, o mesmo movimento fazemos para com o pensamento. este torna-se a

    prpria negao da inquietude do pensar saltador e do incansvel pensamento caminhante. nossa viso e

    audio, estes nossos sentidos de distncia, desenvolvidas para a prontido, sofrem de tenso paralisante.

    nada vemos e nada escutamos (modos da viso e da audio prprios para a mobilidade e para a

    capacidade de contra-atacar e defender-se), apenas olhamos e ouvimos (modos da viso e da audio

    prprios para o aconchego da habitao). desse modo a impresso de realidade que temos que tudo fora

    programado e que, assim sendo, esperamos que tudo funcione conforme o programado. o resto seria mero

    combate com a sombra.

    beijos teleindependentes,

    dona diabolus

  • 12

    dentre 25|abr|12 e 30|abr|12

    ah... as tecnologias... desconfio de todo fenmeno humano que se torne independente delas. pois as penso

    como ferramentas apesar delas em nada serem inocentes ou desinteressadas de uso. desse modo toda

    imagem que gero ou que a rearranjo mediante as tecnologias digitais, ferramentas do momento, dou um

    passo ao que estou chamando de pensamento cinemato-grfico tecnologias cognitivas e comunicacionais

    de captao, edio, modelagem e propagao. julio, tambm costumo pensar que o cinema paira por cima

    das suas realizaes imediatas (p.79); que o cinema aponta mesmo para um tipo de pensamento

    independente da lngua escrita, a cinelngua. mas que, no entanto, por razes da indstria da cultura, das

    escolas de cinema e da profissionalizao do pensamento pelas academias, tal pensar no passe de um

    eterno dedo a apontar para algum lugar que ele mesmo no ousa chegar o que d uma bela histria de

    fico cientifica.

    meu inconformismo em pensar sobre filmes vindos de qualquer indstria cinematogrfica do mundo, se d de

    maneira muito intensa: ultimamente somente assisto aquilo que o cinema industrial deixa de fora e que as

    escolas de cinema e o pensamento profissional encaixotam como peas pedaggicas ou experimentais;

    estou assistindo somente curtas-metragens e todo o tipo de produo independente disponveis pela internet.

    no filme de curta ou curtssima durao que consigo ver as mais intensas capacidades expressivas do

    cinema e seu alto grau de elaborao. e coisa impressionante notar o grau de degenerescncia do

    pensamento cinematogrfico quando comparo o que um mesmo diretor ou uma mesma diretora realizou

    antes e depois de sua profissionalizao. outra situao peculiarmente curiosa quando comparo o curta-

    metragem de algum cuja formao vem dos cursos de cinema com a de algum cuja formao vem dos

    cursos de design: me parece que um bem desenvolto na questo do tema (assimilao da imagem

    palavra roteiro, historyboard, pr-produo) e muito tmido da questo dos usos das ferramentas

    audiovisuais (gerao e trato com a imagem colagem, edio, ps-produo) e o outro exatamente seu

    inverso, hbeis com as ferramentas e iconicamente repetitivos e massificadores. mas j encontrei hbridos

    geniais!

    as histrias dos fracassos, dos experimentos abandonados e negligenciados, e o processo de formao, ou

    de deformao, de quem os realizam, so minhas fontes cinemato-grficas de registro da cinelngua e

    realidade que pretendo percorrer com minhas ideias parafraseando lngua e realidade de vilm flusser.

    por recusar sacrifcios como a renncia liberdade em troca da segurana, privilegio a vitalidade e a poltica

    insurgente de um punk das imagens. este, ainda que disposto a caminhar sozinho, deixa seus ideais de

    matilha ressurgir em seu cinema. em hiptese alguma sentir-me intimidado pela minha posio solitria frente

    s armadilhas dos ordenamentos hegemnicos. e atento sempre, j que a hegemonia tambm

    experimentadora cujo experimento calculado para nos impor seu projeto de subjetividade.

    ordem multidimensional, fazer filmes um gesto que organiza o pensamento. gesto que organiza o som e a

    imagem em movimentos circulares. movimentos estes que podem causar vertigens a quem costuma

    sequenciar o pensamento em forma de linha. a inteligncia sempre artificial, mas em nada mecanizada. a

    restrio do movimentar-se que mecaniza os artifcios de nossa inteligncia. restrio esta que tem como

    base alguma crena pretensamente imune crtica. por exemplo, uma das nossas maiores crenas

    pretensamente imune crtica o conceito de vida. pois ou sacraliza um ou outro modo de viver (ticas

    afirmativas), ou oculta a presena de nossos corpos (abstraindo-a em qualidade de vida e no a

    materializando em qualificar como se vive). pois bem, marcia, proponho que faamos um deslocamento: ao

  • 13

    invs de conectar cinema e vida e vida e cinema, conectemos cinema e viver e viver e cinema. tal

    deslocamento fazer tanto da imagem gravada de um movimento passado uma alucinao irreprimvel

    (magia do cinema), quanto fazer da cinemato-grafia algo que possa alterar a impotncia do espectador

    (quantidade determinada de espetculos possveis).

    pois bem, agora de corpo presente percorro transversalmente as ordens dos cdigos reinantes recompondo-

    os de maneira inventiva. ato de experimentao no laboratrio do viver das imagens. estas exercem em

    meu corpo o in-com-formismo que sinto possuem articulaes e ritmos especficos. se em o livro de

    cabeceira de peter greenaway o corpo uma metfora da escrita da vida, tal diretor esqueceu de rebelar-

    se contra a tirania da neutralidade da superfcie to neutra que est nua. no entanto, a pele tem sua funo

    iconizante. estrutura hiperespacial dos sentidos. no um plido sucedneo visual da escrita. o mundo

    reflexo de nossa pele, de nossa nudez, se ela se forma numa indstria cujo intuito normatiza-la para

    pacific-la, ao ponto de torna-la superfcie da escrita, abro um talho em minha prpria pele para que minha

    carne viva ensanguentada engula o que nela se inscreve. peter greenaway negligencia o quanto nossa nudez

    o prprio teatro da crueldade (antonin artaud) que a tinta usada para sacralizar os corpos das

    personagens fosse suas prprias menstruaes, espermas e outras excrecncias. ou seja, que a escrita e

    seu suporte estejam enraizados na mesma experincia corporal.

    nesse horizonte aberto, retorno reconexo deslocada que sugeri cinema e viver e viver e cinema:

    projetar-se cruelmente nas imagens em movimento; articular gestos e expresses entre dois esquemas

    motores; realizar experimentos proprioceptivos partilhados. com isso o cinema torna-se mais encarnado e

    menos automtico. constri imbricaes novas e mais estreitas entre os sistemas cognitivos de nossos

    corpos e os sistemas cinemato-grficos.

    beijos tecnologicamente vomitados,

    dona diabolus

    ps: o vmito tambm tem sua funo iconizante: expulso do corpo; expulso do organismo que devora o

    que lhe deram para comer e beber, cinemato-graficamente , anseios e frustraes.

  • 14

    dentre 21|maio|12 e 25|maio|12

    uau! os filmes contra o cinema! (p.92) concepo abstrata do cinema! o cinema , pois, algo de arcaico,

    muito anterior grcia; filmes so novidades...! (p.93) adorei esses gestos apontadores! pois, desde minha

    gestalt o cinema uma tecnologia intelectual dentre outras. suas ferramentas e tcnicas apenas auxiliam

    minha imaginao, raciocnio, comunicao, etc. pois, sempre que penso, as primeiras imagens que me vem

    cabea, poucas so realistas, elas j me chegam com um alto grau de abstrao. por causa delas que

    assumo tranquilamente a ideia de que existem pensamentos sofisticadssimos sem a necessidade das

    flexes de minha lngua. daqui vem minha total indiferena pelos roteiros esses pretextos para imagens.

    pois quero que, a partir dessas minhas imagens originrias, partir em gesto dramtico pensar cinemato-

    graficamente. essa minha indiferena e gesto dramtico desafiam espectadores, crticos e filsofos do

    cinema. digo isso por situaes que j vivi.

    certa vez, pedi para cineastas avaliarem meus filmes. curiosa unanimidade, pois me disseram que o que eu

    fazia era vdeo-arte. inclusive pessoas envolvidas em festivais de curtas-metragem aos quais enviei meus

    filmes, me disseram o mesmo. pois bem, j que no eram para cineastas, levei meus filmes a videoartistas

    para que me dissessem algo sobre o assunto. outra, curiosa unanimidade, me disseram que tambm no se

    encaixavam na vdeo arte; que vdeo arte tem estas e aquelas caractersticas, etc., etc., etc.; e me disseram

    mais, que o que eu andava fazendo era de alguma ordem experimental simplesmente, e que seria

    interessante eu procurar videoartistas ou cineastas para me dar umas dicas de elaborao. hahahaha meus

    filmes foram condenados ao limbo! no entanto, curiosamente, as nicas pessoas que viram que tinha algo em

    meus filmes foram as de um coletivo anarcopunk de so paulo. isso me foi incrvel! pois suas concepes e

    vivencias contra e at anti culturais e polticas conseguiam acessar minha gestalt, que a partir de ento,

    assumi como gestalt anarquista. ou seja, aquelas primeiras imagens abstratas que eu disse que me chegam

    cabea, j nascem desde um caos organizado anarquicamente; j nascem como tendncias sincrticas de

    anarquismos. minhas imagens contra o estado, parafraseando pierre clastres, so tambm da ordem arcaica

    (como as das sociedades indgenas de floresta) e pr-histrica (como as das sociedades de caverna por

    exemplo, caverna chauvet, sul da frana).

    pois bem, se o cinema de ento, industrial, se revela tal qual o estado, os filmes que os representam so

    meros aparelhos imageolgicos do estado outra parfrase , cineastas funcionrios pblicos e crticos e

    filsofos do cinema, seus mais ardorosos defensores. sim, pois a todo custo vigiam (escolas e festivais de

    cinema), punem (premiaes e objetos de crticas) e criam aldeamentos e misses (filmes isto ou aquilo,

    no aquele outro) contra qualquer delinquncia, radicalismo e boemia cinemato-grfica. em reao a isso

    tudo, passei a odiar mais ainda cada filme que se mostra como um conformismo cinemato-grfico assumido.

    desde minha gestalt anarquista e tambm primitivista, o cinema meu modo originrio de ver o mundo, e os

    filmes que ai esto, em pouqussimo desafiam a hierarquia e a autoridades de certas imagens e seus gestos

    geradores. pois no predispe do poder (produtores), no se libertam do compromisso de serem portadores

    da verdade (prescrio programtica de comportamento). no entanto, reconheo que h liberdades,

    genialidades, insurgncias e inventividade nos filmes, mas com isso devo trazer tona a predileo comercial

    pelo longa-metragem, s que tais se do em surtos. e para tal reconhecimento tenho meu mtodo: reduzir

    cada filme a seu ncleo cinemato-grfico; ou seja, reduzo cada longa-metragem a um, ou mais curta ou

    curtssima metragem. nessa destilao possvel encontrar as bactrias necessrias que fermentam o

    cinema contra os filmes.

  • 15

    sim julio e marcia! o cinema contra filmes! iseno diablica da necessidade de ver filmes para se poder falar

    ou fazer cinema! no mais assisto filmes, nem vou quele salo escuro. se eu assisto algum longa-metragem,

    me sinto livre para comear a v-lo a partir de qualquer ponto e tambm no me obrigo a assisti-lo at seu

    final. muitas vezes assisto somente um trecho que me recomendaram. pois, do mesmo modo em que posso

    me entregar ao ritmo de um filme qualquer, que os filmes tambm possam estar entregues ao meu ritmo. por

    exemplo, em meu prprio cineclube, o cinsurgente, assisto tudo o que pode existir dentro do eterno retorno

    do audiovisual e do cinemato-grfico. s que meus olhos j no so mais os mesmo com os quais cresci

    assistindo desenho animado, programas de televiso, propaganda, filmes com a classificao etria, ou ainda

    lendo histrias em quadrinho ou a literatura exigida nas escolas; meus olhos so hoje combinantes,

    recombinantes, fragmentador e perversor. pois, no mais me interessa negociar com sistemas os quais no

    aderi voluntariamente, o que me interessa transformar, perverter, articular, desabrigar o comum e o bvio, e

    ainda fazer da incompreenso veneno que me fortalece. desse modo, nem o religioso, nem o capitalismo, que

    h em cada longa-metragem, ou mesmo em determinada literatura oficial e premiada, capaz de resistir

    energia extrema de minhas imagens selvagens, originrias e abstratas.

    ah, mas no s assistir pervertidamente, preciso fazer perverses trazer ao mundo filmes que at ento

    no existiam, tambm se apropriar daqueles j existentes, corta-lo, acrescentar cenas ou elementos numa

    cena, recombinar com outros filmes, reditar, etc. e isso no nenhuma novidade para ns, pois j temos feito

    isso com tudo o que escrito e principalmente, falado. no partir desse tipo de heresia para com as obras

    que recombinamos nosso pensamento? isso ainda acrescento minha alegria ao apreo que marcia, tem a

    filmes feitos com um mnimo. pois no mais precisamos de todo um aparato tcnico carssimo para fazer e

    recombinar filmes, em um mesmo telefone celular, j temos todo esse mnimo que precisamos: cmera,

    aplicativos de filtros simulando tipos diferentes de lente, aplicativos de edio de udio e vdeo, e de ps-

    produo (insero de alguns efeitos especiais). quando glauber rocha dizia uma cmera na mo e uma

    ideia na cabea ele apenas pensava o cinemato-grfico como filmagem e toda uma produo tcnica para

    montar seu filme; hoje podemos dizer um smarthphone na mo e uma ideia na cabea como o equivalente

    ao o que o computador e seu editor de texto para a literatura nosso pensar cinemato-grfico dispensa

    gigantescas equipes tcnicas. minimalismo e miniaturalizao o que dispomos mo. faamos das

    mquinas aquilo que queremos delas, e no o contrrio. pois so meras ferramentas. caso contrrio, ficamos

    por ai desumanizando humanos e humanizando coisas. podemos odiar livros e amar a literatura, amar ler.

    assim como podemos odiar filmes e amar o cinema, assistir e interagir com audiovisuais. e para ambos, a

    nica fidelidade que exercitamos para com o comportamento desestabilizador, irnico e desgovernado de

    nosso olhar e imaginao.

    beijos contra filmes e contra o cinema,

    dona diabolus

  • 16

    dentre 08|jul|12 e 18|ago|12

    hum... interessante triangulao julio. adoro tringulos. principalmente os escalenos. ento cinema, histria do

    cinema e filmes vrtices cinematogrficos. j comeo pensando que tais, cada um a seu modo, eclipsam-se

    entre si numa espcie de utopia iconoclasta. uso a metfora do tringulo escaleno que mencionei: trs

    ngulos diferentes, trs eclipses diferentes. tu dizes filmes concretos podem ser vencidos pelo cinema

    abstrato, mas os filmes podem derrotar as histrias do cinema (p.108), penso que sendo o cinema algo

    mais amplo que a histria do cinema e sua realizao em filmes, o abstrato que tu buscas uma situao

    analtica, assim como o a geometria euclidiana. pois faz uso de alguma dimenso abstrata como da ordem

    de uma lgebra no que voc queira tal uso desse tipo de abstrao. mas algo que tem a ver com a

    definio da forma cinemato-grfica extraindo-lhes dados de representao. onde as noes intuitivas da

    gerao de imagens possam ser exploradas em anlises do significado de seus enunciados cinemato-

    grficos. pois, cinema sem filmes poderia ser uma espcie de geometria (cinemato-grafia analtica) que

    expressa formas (imagens) sem a necessidade de que elas sejam desenhadas (filmadas), j que sua

    representao pode ser realizada algebricamente (mecanismos predicativos de outra ordem que a imagem

    mesma). penso isso porque a palavra se tornou um registro ficcional marcado por eufemismos que eclipsam

    aquilo que querem designar. eclipsam porque possuem um modo de ordenar as coisas, no prprias a estas,

    mas prprias do conjunto de relaes que obedecem ao seu ordenamento, ou seja, somente lingustico:

    sintaxe/lgica, semntica e pragmtica. expandindo tal noo para a imagem, penso que ela tambm acaba

    sendo carregada desse eufemismo que a palavra sofre, j que os filmes vem exigindo minimamente um

    roteiro, e que na falta deste, eles j seguem um ordenamento roteirsticos, pois, ao o dispensarmos

    concretamente, no escrev-los, j h um roteiro inconsciente em nossas cabeas por tantos filmes que j

    assistimos ao longo de nossas vidas.

    ah... filmes sem cinemas... a(s) histria(s) escorregadia(s) que escapa(m) s abstraes, ou as abstraes

    pegajosas que aderem (s) histria(s)? bom, faz parte de minha prtica assistir filmes fora da histria do

    cinema, principalmente depois de eu ter abandonado a prtica de assistir longas-metragens. estes padecem

    tanto dessa pegajosidade histrica quanto da industrial (seja de uma indstria nacional ou internacional). j os

    curtas-metragens ou curtssimos ora escorregam pela(s) histria(s) especfica(s) do cinema; ora aderem (s)

    histria(s) locais; ora aderem (s) histria(s) mais ampla(s) como numa histria mundial do pensamento

    cinemato-grfico; ora abandonam a noo de verdade histrica como representantes de um dado momento

    histrico da humanidade ou de um pas, etc, para seguir como experimento(s) inacabado(s) e aberto(s) para

    outras(s) organizao(es) de tempo(s) e espao(s). estas so as eclipses que filmes (curtos) lanam (s)

    histria(s) do cinema, j a eclipse que lana ao cinema abstrato que, quando o curta-metragem aparece

    como aquele que melhor anda em direo ao pensamento cinemato-grfico, traz a dimenso concreta da

    metragem como componente filosfico e no meramente tcnico.

    o eclipse que o cinema abstrato pode lanar este se tornar um projeto de cinemato-grafia negativa

    (desambiguao entre nossa percepo e nossa imaginao) que inabilita qualquer filme de at ento

    (espao amostral afirmativo para realizao da abstrao) o que seria muito interessante, pois aponta a um

    cinema que ainda est para ser feito no entanto, penso que cada filme j feito pode conter algum elemento

    estrutural que refunda a(s) histria(s) do cinema ou mesmo refunda a histria do pensamento como um todo.

    o curioso que a(s) histria(s) do cinema (iluses de padres) so sempre uma armadilha intelectual

    (padres de iluso) que inabilita o pensar cinemato-grfico, e com ele o cinema abstrato, dando necessidades

    categoriais atreladas noo de verdade histrica, convertendo filmes de discursos pblicos (conversao

  • 17

    cinemato-grfica horizontalizada pela disponibilidade tcnica) formas de dizer monotemticos privados

    (indstria da cultura).

    marcia em duas aberturas diametralmente opostas: abre mos e olhos abertura de abandono e abertura de

    apropriao. abandonas a histria do cinema e apropria-se de filmes: olhar, este que no existe por

    natureza; este que existe apenas devido ao desafio lhe lanado ao qual se v obrigado a responder. se o

    cinema abstrato no pode ainda ser visto nos filmes, sua liberdade soberana, s que eclipsa tudo.

    soberania cruel que o olho no v, mas que o olhar se sente desafiado em tambm se tornar smbolo prprio

    para tambm atuar como agonista. s que agonista rebelde, antagonista que quer atingir os mesmos

    fundamentos do cinema abstrato sem articular-se com o ordenamento dessa soberania cruel. olhar cujo gesto

    o de perambular, experimentar e correr perigo. olhos nmades que no acumulam cdigos, representaes,

    significados caminha para ver, descobrir, desvelar e deixar para trs. olhos ambguos que percorrem

    rastros, apropriando deles e tornando-os imagens para os transfigurar em ideogramas, cifras para

    decifraes. assim vai se delineando por movimentao uma poltica do afeto do olhar. o olhar que recria

    coisas em nossas mentes, sem a convenincia dos padres sugeridos pelas imagens exteriores, para em

    seguida mata-las e torna-las experincias, vivencias, associaes, projees, memria e gosto.

    sim, no d mesmo para fazer toda essa perambulao sozinho. caso contrrio seria como que cultivar uma

    monocultura do saber. e, a solido ocuparia uma arrogante posio de acesso privilegiado para encontrar e

    postular verdades, como tambm de transmitir conhecimentos. e olhar no se trata de ser sujeito totalmente

    seguro do que v e de como recria as coisas em nossas mente, sim o fazer de si mesmo um algum

    inseguro sobre o que cria e o que v. o olhar sempre inconcluso, deve se desdobrar sobre outros olhares,

    tambm parciais, provisrios e inseguros. um e outro instaurando dvidas sobre o princpio de realidade. uma

    fora de visualidade coletiva para impedir a alucinao solitria ao mesmo tempo em que age outra fora de

    visualidade individual para impedir o reino da alucinao coletiva.

    beijos triangulares, perambulantes e coletivos,

    dona diabolus

  • 18

    dentre 30|set|12 e 09|mar|13 com intermezzo em 09|dez|12

    ah... alm de herege preciso ser pervertido, pois somente assim poderemos atingir uma forma no

    ritualizada, no ordenada e nem cerimonial para realizar vises. para o cinema de ento, e tambm para

    filosofia em modo geral, s a perverso o salvar. perverter tanto o espontneo quanto o hbito e a

    obrigao. e o primeiro passo a isso o remake abstrato, a reedio de filmes em nossas cabeas.

    repensar/reimaginar cada filme cinemato-gaficamente. recombinar, distorcer, de-formar, sobrepor,

    anamorfosear imagens e sons. se o cinema industrial, sabotemos suas engrenagens; se divertimento,

    tornemo-lo srio, porm no sbrio; se tecnologia, nos apropriemos dela; se terapia, transformemo-lo em

    sintoma; se reflexo, que seja em desobedincia epistemolgica. pois bem, assim e s assim,

    comearemos a realizar filmesofias; pois em nada me interessa uma filosofia dos filmes, muito menos

    filmes filosficos j que para percorrer por ambas as direes so as palavras as guias da reflexo.

    pretendo refletir imagens com imagens, sons com sons, meu filosofar novo com audiovisual, no mais com

    palavras ao menos no como ordenadoras da reflexo. nesse filmosofar se h palavra, ela tambm

    smbolo que atua como agonista animado. isso para impedir neologismos que se proliferam e enredam o

    pensamento, paralisando seus objetos de reflexo. sim, heresia, perverso e pirataria como recuperao da

    experincia selvagem de ver filmes.

    penso que a finalidade de qualquer linguagem o jogo (por vezes na forma de guerra e duelo, por vezes na

    forma de debate e dilogo) e no sua verdade; pois no desprezam regras secretas e nem trapaas. o

    pensamento cinemato-grfico realizado em filosofia desvio vivo, mvel, efmero, secreto e reversvel em

    antagonismo ao cinema que apenas filma, monta e restitui um fluxo ptico este que desafio gelado,

    montono, interminavelmente mais do mesmo, teatral, fotogrfico e cmplice que paralisa por hiper-excitao

    (ora por excesso de cinema, ora por excesso de filmes). curioso ver, nas salas de cinema, o quanto h

    um temor pela ideia da significao no estar exclusivamente aos cuidados dos realizadores dos filmes. e

    temor que no singular s pessoas menos intelectualizadas; prprio de qualquer uma que no faz de seu

    olhar um obstculo para um auto-experimentalismo. j que no existe uma lei natural da significao, um

    princpio de realidade que a medie, ao olhar preciso regras artificiais. artifcios irnicos e insurgentes:

    momento de desobedincias em que o olhar rene todos os vestgios esparsos de sua visualidade e os

    contempla de uma nica vez, como se estivesse uma frao antes da morte. caso contrrio, cada imagem

    vista em um filme nada mais ao olhar que o triunfo de uma histria morta; mais ainda, cada filme assistido

    no passa de um exemplar para o fetichismo colecionador: ambos cruis e indiferentes ao pensar cinemato-

    grfico.

    ao meu modo tambm sou cruel, indigesto, pois fao de meu princpio insurgente o experimental, no o de

    experimentar, mas o de se colocar como experimento e tambm o acaso como signo, como forma de

    expressar algo. sugiro um exerccio de pensar/olhar aos saltos: se colocar como experimento para instaurar

    perturbao ao ideal, ao sublime, ao confortvel criar imagens e sons para perturbar imagens e sons. e sim,

    isso muito trabalhoso (cansa e demanda muita fora e interesse para se conseguir no sair do cinema

    antes do fim [p.131]), j que acostumamos a ter pensamentos sentados (em esforo mnimo diante telas e

    livros topografia como destino), e suas ideias correspondentes acabam por ser acomodadas (abrangncia

    reduzida de desafio filmes agradveis), preguiosas (compatibilidade com nosso pequeno e estreito raio

    de mobilidade cinema comercial), sedentrias (ativismo visual de um corpo sedado paralisia analtica e

    hermenutica): pensamento que perdeu a agilidade (a inteligncia que conduz o olhar cinema

    exploratrio) e a mobilidade (a inteligncia nmade que no se interessa pelo possuir, somente pelo passar

  • 19

    cinema expansivo e inslito). sim preciso viajar; circular por a. mas no como um co correndo atrs de

    seu prprio rabo, mas sim circular em velocidade de escape utilizando cada pensamento como estilingue

    gravitacional.

    se analiso um livro, ou texto em particular, para encontrar nele filosofia, no estou fazendo o mesmo ao

    analisar um filme para encontrar nele cinema? se sim, tal anlise seria mediada por palavras ou por imagens?

    me incomoda pensar o cinema abstrato como ainda determinado pelo horizonte filosfico restrito escrita

    alfabtica. penso que o cinema abstrato deve atuar contra as letras para super-las tal qual o alfabeto fez

    originalmente contra os pictogramas. o cinema abstrato deve se engajar contra o progressismo da linha

    alfabtica; mesmo que esta tenha nos lanado perspectiva de olhar para frente. o outro olhar cinemato-

    grfico nos lana s mltiplas perspectivas de olhar para todos os lados o futuro no est somente nossa

    frente, ele multimodal. abdicar de ver o mundo como ideologias processuais e v-lo como cineimaginaes

    em rede. daqui um segundo passo: pensar a filosofia fazer meta-filosofia, pensar o cinema seria apenas

    filosofia do cinema; um falar crtico sobre. e por imagens, o que seria? o que significaria fazer meta-cinema

    ou meta-filmes sem a traduo alfabtica/flexional da filosofia, ou da meta-filosofia? no h problema em

    escrever ou falar sobre cinema, mas quando abriremos mais ainda a vastido desse universo? nosso

    horizonte desta vastido, a palavra pensada por meta-palavras (conceitos filosficos), no pode ser o mtodo

    por excelncia de pensar o audiovisual. podemos pensar a palavra audiovisualmente, assim como podemos

    pensar audiovisualmente o audiovisual. que tal a gente partir logo a fazer nossos meta-audiovisuais?

    aqui como diabolus, obsessivamente, s tenho uma meta/funo: apontar para quem escreve/pensa-por-

    palavras sobre audiovisual ou sobre pensamento cinemato-grfico que o faa sabendo que isso no faz

    sentido, mas que ainda, extremamente necessrio faz-lo. pois somente assim, podemos encarar os limites

    da lngua flexional para pensar e conceber as coisas. por exemplo, marcia, quando tu, corajosamente assume

    que no tem nenhum gosto pessoal por cinema que no seja mediado pelo seu carter filosfico (p.136),

    penso que esta a exata questo para o pensamento crtico por palavras a perspectiva da filsofa escritora

    que contribui ao construir meios alfabticos pelos quais pode se experienciar o no alfabtico. no entanto,

    minha pretenso diablica termos mtodos crticos completamente diferentes: suspender o alfabeto para

    colocar em movimento outros cdigos, outros agonistas. suspenso motivadora a caminhar para o vazio, para

    onde tudo o que pde ser esclarecido pela palavra j o foi (que seja por excesso ou por escassez); caminhar

    para onde outros cdigos apontam que nosso pensamento pode continuar: para alm do gosto mediado pela

    experincia da coisa confundida com sua energia (presena), encanto (afeto) ou lugar preenchido por sentido

    filosfico (logos); abrir mo de falar do filme e continua-lo fazendo filmes, seja continuando-os, seja

    explicando-os, seja dissecando-os. se um conceito (palavra filosfica) representar um filme, que ele seja

    acessado mediante seu design, como na poesia concreta; que seja um conceito to audiovisual, lembremos

    que o silncio tambm faz parte do udio, que no se confunda com sua prpria representao ou com o

    prprio representado. que o pensar cinemato-grfico exija apenas uma transitividade voluntria.

    beijos meta-audiovisuais,

    dona diabolus

  • 20

    dentre 15|abr|13 e 02|maio|13

    hum... filmes, filmes, filmes... filmes com e sem cinema. de minha gestalt, filmes com e sem pensamento

    cinemato-grfico. pois bem, olhos obra. dissecando as entranhas da obra fao como os oceangrafos

    fazem para determinar a morte de um ser marinho: vou direto aos resduos que podemos encontrar dentro de

    seus estmagos. portanto, ao assistir uma obra (morta revivificada) quero logo saber o que ela comeu. no

    fico surpreso, seguindo ainda com a metfora, quando, na maioria das vezes encontro plstico, ou seja,

    encontro elementos que tanto causam morte por ingesto quanto causam morte por asfixia. o plstico

    produto da indstria da cultura e, curiosamente, tambm tudo aquilo que interrompe a vida do pensamento

    cinemato-grfico. sim, pois como j foi falado por julio anteriormente: o experimental cansa e demanda muita

    fora e interesse... (p.131) o plstico no interior de filmes exatamente aquilo que foi criado para no cansar,

    para ser descartado materiais descartveis de uso prtico e cmodo, mas que no fim no passa de entulho,

    poluio. sim, pois a fila anda rpido, tudo na indstria da cultural determinado pela produo em

    crescimento exponencial e com a obsolescncia programada. so filmes e mais filmes emplastificados por

    dentro e por fora obras mortas por ingesto e por asfixia. o que cansa ao pensamento cinemato-grfico

    exatamente ter que assistir a tantas obras emplastificadas para tentar extrair uma fraozinha de poder

    iderio audiovisual. ou ento, para evitar a fadiga, ir em direo ao horizonte mais provvel de apario desse

    tipo de pensamento. como na piada do bbado que, na voltando pra casa a noite, perde as chaves no

    caminho e somente a procura onde h luz. eis mais um fragmento de minha opo de, somente raras as

    vezes, em assistir a longas-metragens. se por um lado h a indstria privada da cultura, h a indstria pblica

    da cultura. certa vez assisti a um debate com cineastas que participaram da mostra competitiva do festival de

    cinema de braslia, e um deles disse o seguinte: no d para fazer experimentaes em filmes, pois ou a

    produtora privada lhe impe exigncias meramente comerciais, ou a coisa de usar dinheiro pblico

    complicado, pois voc tem responsabilidades pblicas.

    alm do plstico como nutrio do corpo da obra, h o plstico imaterial, nutrio da alma da obra, ou

    seja, temas j discutidos exaustivamente deste ou daquele modo por outras formas de pensamento: o

    literrio, o dissertativo, o descritivo formas do pensamento flexional alfabtico. aqui a morte acontece

    quando simplesmente o filme uma ilustrao, empobrecida e carente em pensamento cinemato-grfico, do

    j discutido; quando em nada contribui, amplia ou mesmo reconfigura o modo de tratamento do tema. filme

    sem pensamento cinemato-grfico: tudo o que foi pensado j foi resumido no roteiro, ou seja, tudo o que foi

    pensado j o foi feito em pensamento flexional alfabtico. sim, julio, quase o mesmo vale aqui quando tu

    dizes, o preo a pagar por comentar um filme sem cinema que a gente nem fala mais do filme... (p.147), a

    diferena que exijo um outro filme ao primeiro, seja original, seja um remake, ou seja uma remontagem

    pirata, e no uma fala sobre. aqui vlido lembrar o nico exemplo, que mais se aproxima disso, ocorrido em

    uma das histrias do cinema: o empolgante dilogo cinemato-grfico entre os filmes psicose de hitchcock e

    gus van sant. desde minha gestalt, gus van sant o cineasta que mais se aproximou de um dilogo cinemato-

    grfico, pois no fez uma leitura passiva do filme de hitchcock, mas sim, fez associaes ativas de ligaes

    transversais entre os elementos de informao ali disponveis. gus va sant produz informao dialgica de

    acordo com seu objeto (cena cena de psicose) e objetivo (re-fazer), pois transcodificou cena por cena de

    um filme ao outro, e no meramente fez algum tipo de filosofia da traduo, como o so, de maneira geral, os

    remakes.

    desencontro futuro com marcia e julio: no dia 06|maio|13 lancei meu curta-metragem |mo(r)te capital em

    um bar aqui de braslia chamado loca como tu madre. mesmo dia do encontro fifi onde marcia e julio

  • 21

    estariam presentes e eu em ausncia futura desde a carta e ausncia passada desde aqui. agora,

    fantasmagoricamente, voltemos: ... da diferena entre cinema e filme. na teoria eu entendo, mas na prtica

    sempre complicado ver a diferena (p.150). sim... ver a diferena! tarefa de aprendizagem vertiginosa. pois

    temos que sair de nosso conforto e adentrar no estranho. ou entrar em nosso mundo mesmo de pensamentos

    e mergulhar onde nele negligenciamos a outridade fundante.

    marcia! interessante que em teu mergulho no filme tu encontraste o cinema na figura da mulher como

    natureza morta (p.151). metfora preciosa aqui: pintura de gnero. no patriarcado a mulher sempre

    aquela coisa que est em outro lugar; aquela que o artifcio do mundo, artifcio da matria que no

    reivindica as coisas do espirito, como por exemplo, no reivindica a verdade, apenas seduz; aquela que

    representa o domnio ltimo do universo simblico da superfcie, cuja anatomia seu destino. desconfio que a

    quantidade exagerada de mulheres mortas nos filmes, sejam mortas, metaforicamente, por serem tornadas

    objetos a serem salvos e/ou protegidos, sejam mortas enquanto pessoa, o prprio imaginrio coletivo

    masculino de querer dar um fim feminilidade, como se estivessem dando um fim ao princpio de incerteza

    por excelncia. e isso at expresso no ditado portugus ins morta que significa no adianta mais

    que curiosamente funciona mais como imagem do que como palavra ou seja, fim do encanto, fim da

    seduo, uma certeza foi aplicada ao princpio de incerteza: a morte. ditado este cuja origem se encontra na

    histria do coroamento post-mortem de ins de castro (1355), amante de d. pedro i histria imortalizada por

    cames no canto iii de os lusadas.

    que tipo de filsofo um cineasta ? ou que tipo de filosofia faz um cineasta ao fazer filmes? ou ainda, faz

    cinema, em seu sentido abstrato, um cineasta? hum... acrescento minha demanda: como um cineasta pode

    ser um pensador cinemato-grfico?

    beijos sem plstico,

    dona diabolus

  • 22

    dentre 08|maio|13 e 16|maio|13

    (...)

    poucas palavras e silncio sobre gritos e sussurros...

    (...)

    farei somente uma considerao: o assassinato nega a conveno social da morte, o princpios de incerteza,

    restitui uma finalidade, ou seja, a lei do mundo real que ironiza todas as prticas artificiais, portanto todas as

    prticas da cultura; com isso o assassino, no caso george, confunde a morte com o processo de mais-valia da

    vida, a mais-vida o valor afirmativo da vida irradia em todas as direes em disperso aleatria, mas de

    forma impregnante tornando-se virtualmente universal.

    (...)

    umas poucas mais...

    (...)

    bergman... ingmar bergman... um cinematizador de um sistema de sentido e de valor como se tais fossem

    uma tautologia moral fcil, que nos esconde que nunca existiu fundo autntico de vida em nossas prticas, e

    sim, apostas e fracassos. no h real por traz das imagens; no h natureza por traz do valor.

    (...)

    sofrimento... se seu sentido inventado tem a ver com investimento, isto a prpria tica; se seu sentido

    inventado assume a forma de desafio, isto a poltica.

    (...)

    fim dos gritos e sussurros. voltemos ao cinema.

    quando falamos de cinema, no queremos falar de cinema, mas do que os filmes apresentam (p.159), no

    entanto, julio, quero pensar cinemato-graficamente, no quero mais falar ou pensar sobre cinema, nem sobre

    filmes, quero compor ideias audiovisuais sobre cinema e sobre filmes. pois somente com esse tipo de fazer,

    podemos escapar da obsesso pelo o que os filmes apresentam, por aquilo que nos levam a falar. desse

    modo dirigimos nossa obsesso para o filme mesmo e o(s) outro(s) filme(s) derivado(s) que podemos compor

    como num dilogo cinemato-grfico, seja(m) original(is), seja(m) um remake(s), ou seja(m) uma

    remontagem(ns) pirata(s). penso que esse(s) nosso(s) primeiro(s) filme(s) derivado(s), para iniciar uma

    grande conversa cinemato-grfica, dever(o) ser obstculo(s) ritualstica do cinema (o mdium da

    publicidade gigantesca que o real faz de si) e do assistir filmes (fascinao por ver o mais do mesmo de seus

    prprios signos), no entanto abrir(o) um horizonte(s) para o tipo de pensamento que anuncio (o que me d

    a possibilidade de no me repetir ao infinito). no entanto, julio, sei que tal(is) outro(s) filme(s) jamais ser(o)

    o pf (primeiro filme aquele que utilizar todas as potencialidades do cinema e deixar de lado tudo aquilo

    que as prejudica [p.162]) que tu prenuncias (um filme onde ser filme no seu destino, e sim, ser cinema),

    pois os que anuncio j foram feitos.

  • 23

    marcia, que legal! des-viso! (p.163) esse um termo que usei um bom tempo como conceito irnico para

    designar a ao poltica da deseducao imagtica contra o programa pedaggico imagtico oficial. este no

    qual somos educados a um modo correto de ver uma imagem e de assistir a um audiovisual, involuntria e

    obrigatoriamente, ao longo de nossas vidas. pedagogia realizada por propagandas, programas de tv, filmes

    da indstria da cultura e audiovisuais estatais. para mim a des-viso surge como uma engenhosidade que

    busca a libertao das convices e da tradio; e deseducao imagtica como um prisioneiro procura os

    meios para sua fuga, descobrindo, ento, um caminho que ningum conhece. o que seria diferente da des-

    leitura (p.163) que tu menciona. na verdade, to diferente que chegam a ser incomensurveis entre si. isso

    porque, antes de lermos, somos alfabetizados. e antes de vermos propagandas, programas de tv e filmes da

    indstria da cultura, no h nada. somos simplesmente imersos dentro de uma espcie de pia batismal,

    contragosto antes de termos gosto, onde o esforo des se torna quase uma tarefa trgica. no caso da

    leitura, j temos alguns locais para onde fugir, por exemplo, fanzines punks, histrias em quadrinhos

    marginais, panfletos anarquistas, livretos com contos de fico cientfica, etc. hahahahaha. voc deve estar

    se perguntando por que esses exemplos em particular. bom, que eles so autobiogrficos. eram as coisas

    que eu escondia dentro dos livros que ramos obrigados a ler em sala de aula. minha des-leitura se iniciou,

    ao acaso, antes dos textos oficiais tomarem conta de meu esprito. j a des-viso foi muito mais tardia e mais

    dolorosa. at hoje ela est em processo. por exemplo, como mencionei antes, hoje so rarssimos os longas-

    metragens que assisto. estou profundamente mergulhado em curtas, curtssimos e outras obras audiovisuais

    estranhas.

    agora (and now) meu silncio (the oscar) vai para (goes to)... o filme o dia em que nos tornamos cimento-

    grficos!

    des-beijos anti-flmicos,

    dona diabolus

  • 24

    dentre 19|maio|13 e 20|maio|13

    o cinema tem muitas possibilidades expressivas (p.168): aurora de uma lngua que se realiza enquanto um

    fazer e ser projeto em um imenso dilogo em rede; que no se limita ao narrativo: sim... inclusive o cinema

    nasceu no narrativo, era algo muito mais prximo de outras expresses populares anteriores, como o circo;

    ao edificante: muito mais do que apenas garantir a autoridade contra a perda do poder e da autoridade

    mesma; ao linear: o pensamento no se reduz a situaes organizadas logicamente; o pensamento tambm

    um universo de blocos slidos e amorfos, sem falar que tambm se articula como mosaicos; ou ao

    documentrio: ah... nanook (1920) de robert j. flaherty, considerado o primeiro documentrio da histria do

    cinema... muito mais do que isso, enquanto tal formato, nanook surge j como um experimento de realidade

    documento de uma realidade virtual; ao crtico-poltico ou ao esttico: livre o suficiente para no deter a

    verdade, e muito menos pretender ter e ser opinies corretas; e que ainda no foram exploradas.: mesmo

    que o/a ltimo/a cineasta, o/a cineasta comum, que vinga-se do pensamento cinemato-grfico, renegando ser

    experimento radical de si mesmo/a enquanto pensador/a de tal tipo em nome de uma indstria do mais do

    mesmo, ou de uma profissionalizao, em reposta ao sofrimento e ao desconforto diante do cruel princpio do

    pensar experimental que as possibilidades expressivas que ainda no esto a, ou que foram abandonadas

    ao longo do tempo, ou que propositadamente so ocultadas, ou que ainda no existem, o/a ltimo/a cineasta,

    o/a cineasta comum deve pensar que seu cinema implica a possibilidade de afirmao dessa mesma

    condio experimental do/a cineasta como ponte e transio para futuros/as pensadores/as cinemato-

    grficos.

    e que o sonoro interrompeu (p.168) o experimentalismo imagtico do cinema mudo... hum... e que no

    souberam resolver o problema da relao entre som e silncio... acho que o mesmo ocorre com o filme 3d

    que interrompe o experimentalismo em duas dimenses de profundidade e que no sabe resolver o problema

    da relao entre filme e realidade virtual. no entanto, acho que a responsabilidade dessas interrupes e

    incapacidade de resoluo de tais problemas , mais uma vez insisto nisso, da ordem da falta de pensar o

    cinema como tudo o que lhe elemento para sua composio audiovisual, onde o silncio, a falta de imagem,

    ou rudos nela, a dimenso de profundidade e at mesmo as legendas so smbolos prprios que atuam entre

    si e por si mesmos como agonistas animado em cena: um filme mudo, ou uma obra audiovisual em 3d so

    experimentos de realidade virtual ampliada; so experimentos de hiper-realidades, pois, por exemplo, ao

    andar pelas ruas, no difcil pensar como outdoors, letreiros de destino de nibus e metrs, placas de

    trnsitos, pichaes, funcionam como legendas; ou mesmo pensar que, aquilo que consideramos silncio em

    nossas casas meramente um tipo de massa de rudos que no nos incomodam e que no excitam nossas

    ideias; ou ainda, pensar que em uma nica hora de qualquer de um de nossos dias, pouqussimo nos

    concentramos na capacidade de reagir ao acontecimentos aleatrios e que exageradamente confiamos numa

    suposta capacidade de prev-los. quando digo experimentos de hiper-realidades quero dar nfase na

    situao de que, seja um filme mudo, ou seja uma obra audiovisual em 3d, quaisquer um deles compostos

    com tudo aquilo que lhe est disponvel na forma de smbolos prprios, instaura em ns a possibilidade de

    resistirmos formao de julgamentos com base em nosso arcabouo determinstico automtico. e assim

    revelo a grande poltica de meu gosto: imunizao contra os erros da intuio.

    marcia! sim! isso! transitividade realizada! assististe meu dos canibais (p.176) de modo canibal! voc

    eliminou a lei e o modelo de assistir filmes! mais ainda, acertou em cheio o que vem a ser o incio de

    conversa entre pensantes cinemato-grficos: meu olhar , ele mesmo, cinematogrfico e, nesse sentido,

    tambm saqueia e rouba o que v, pega e larga, deixa-se seduzir e foge (p.177). sim, dilogos s so assim

  • 25

    possveis. sofremos da iluso, pela crena dos direitos autorais, que a imagem, o udio, os audiovisuais e

    textos so elaboraes exclusivamente individuais, autorais, e palavras, ou frases, so elaboraes coletivas

    sem autoria. s que no. tudo instrumento social, ferramenta intelectual social. claro que em solido

    podemos ter uma sacada inteligente aqui outra ali, uma ideia genial aqui, outra acol, mas apenas porque

    antes articulamos nosso intelecto participando de conversaes coletivas. quando algum nos dirige a

    palavra, ou uma ideia mediante pensamento alfabtico, a saqueamos, a roubamos, pegamos, selecionamos,

    largamos e em seguida lhe devolvemos outra palavra/ideia para que ela faa o mesmo. sim, canibalismo

    (comilana catica e crua) e predao generalizada (participao cruel e selvagem na produo da lngua)

    como conservao e ampliao do territrio da realidade experimentaes de hiper-realidades. sendo

    assim, porque assumir o respeito com a autoria com uma imagem, udio, audiovisual se tal nos est

    impedindo de realizar todo um cosmo de pensamentos jamais tidos/compostos at ento?

    outro sim! e abrindo uma cerveja artesanal feita base de absinto para seguir melhor e ampliar nossa

    diabolao: roteiros realmente no nos ajudam quando se trata de cinema. (...) roteiros so servido

    racionalidade lgica que trata o pensamento segundo um mero esquema de deduo/induo. roteiros so

    ratoeiras.! (p.178) eis minha razo primordial de fazer filmes. eis minha gestalt anarquista que se realiza em

    cosmos para serem explorados e que salta de um cosmo para outro. roteiros instauram um problema

    ontolgico ao cinema, pois mascaram o pensar cinemato-grfico ao ponto deste nunca ser descoberto ou ser

    articulado por nossos intelectos. mas devo colocar um no aqui: a videoarte, mesmo sem roteiro, tambm

    pode funcionar como ocultamento desse tipo de pensar a ser descoberto e a ser articulado. a videoarte

    abandona roteiros deixando de jogar o jogo dos cineastas para criar outro jogo, o dos artistas. no entanto, nos

    serve como alerta aos perigos de se querer que o audiovisual, ou o cinema, exista como uma nica

    linguagem: situao sempre hipottica e paradisaca do horizonte utpico da linguagem absoluta que se quer

    comunicao sem rudos, apta a transmitir ideias, sentimentos ou imagens mentais de seus usurios sem

    deform-las de algum modo. confesso que, sem esse contraste nos seria um tanto difcil descobrir o problema

    do pensar cinemato-grfico como experimento hiperlingustico de hiperrealidades virtuais: potncia

    contrastante esta por ter infiltrado no filme, ou no vdeo, o abstrato anteriormente atribudo pintura: o no-

    representacional. bom, aqui trago tona a ambiguidade da noo de abstrato ao cinema: seria este um

    derivado da no-representacionalidade da arte abstrata e/ou seria um derivado das escritas formais?

    beijos no-representacionais em 3d mudo,

    dona diabolus

  • 26

    dentre 25|maio|13 e 27|maio|13

    toda essa fico do primeiro filme que ainda estaria por ser realizado no brincadeira, mas um

    experimento mental... (p.181) hum... uma demanda experi-mental, uma antecipao por respostas

    simuladas... no entanto, o experimento mental na histria da filosofia jamais disps o mental mesmo como

    experimento. e se isto o que aqui queremos, o primeiro passo trazer existncia estruturas narrativas que

    se instauram em detrimento da linguagem fontica, para com isso, superarmos as abordagens logicistas e

    objetivistas da cognio. pois bem, prossigamos ... o primeiro filme poder ser algo decididamente feio e

    cacofnico, (...), poder nem mesmo ser um bom filme... (p.182) o mais! dever nem mesmo ser um filme!

    como vem insistindo at aqui: um hiperaudiovisual que mobiliza e multiplica toda a cenografia vista

    (organizao em rede de tudo o que est em cena cada elemento um agonista animado independente e

    relacional) e todo o modo de como nos posicionamos diante dela (intrinsecamente dinmica e interativa). e

    desse modo ao responder a pergunta o que cinema? eu responderia: um veculo de massa que nos

    coloca em posio de recepo passiva que, no entanto, ao menos aponta para a existncia de um pensar

    cinemato-grfico, a partir do momento em que, para o realizarmos, perde-se a necessidade de estdios

    caros, perde-se a necessidade do pensar alfabtico (roteiros e adaptaes) e perde-se a necessidade do

    direito autoral (os filmes que j esto a so blocos slidos, mas amorfos, para serem utilizados como dados

    brutos na organizao de pensamentos cinemato-grficos. para com isso, abrir a possibilidade da

    conversao ao ponto de tornar-se uma cinelngua).

    certa vez cometi o erro de pensar que o meu filme dos canibais pudesse ser ele prprio esse tal de primeiro

    filme. peguei as dicas cabrerianas e fui tentando ver se elas encaixavam sobre dos canibais. mas logo vi

    que era um erro impossvel para correes, pois medida em que eu tentava encaixar tais dicas, mais eu

    tinha convico de que estvamos falando de coisas diferentes, ou melhor, de estruturas de pensamentos

    diferentes. fui percebendo que tais dicas so tentativas conscientes para a criao de uma lngua pictrica

    flexional, mesmo que independente da lngua flexional falada. e minha tentativa era a de criar uma lngua

    no-flexional aglutinante independente da lngua flexional falada. pois cada imagem que eu colocava em cena

    parecia representar o prprio caos (sistema de referncias aleatrias e arbitrrias e ontologia surrealista). no

    entanto, este meu caos possua fios que teciam tudo o que era apresentado (gestalt aglutinante) e que, com

    isso, o que aparecia como experimento vazio (carncia de significado e realidade inexistente) era o

    confundir estruturas diferentes de lnguas (fenomenologia das lnguas) com a gestalt filosfica (tentativa de

    estabelecer abstraes de situaes concretas, abrangendo o mximo dessa concretude, para fins de torna-

    las menos significativas, para com isso estabelecer artifcios de verdade e de universalidade para fins de

    comparao entre situaes). a cinelngua contida em minhas cenas expande o territrio da realidade

    (experimentos de hiperrealidades virtuais), estende as linguagens da palavra (conceitos elaborados na forma

    de poesia concreta, por exemplo), do udio (democracia dos signos sonoros e do silncio) e do vdeo

    (montagem de imagens que ultrapassam as limitaes impostas pela filmagem e pela restituio de um fluxo

    ptico), as explorando de modo em que so tecidas para criar novas articulaes (cineimaginao: o

    impensvel futuro do pensamento) sobre o mundo.

    julio, gostei muito de ter me colocado em bonssima companhia (warhol, bill viola, nam june paik, germaine

    dulac, jonas mekas) no gravssimo problema das vanguardas em geral: a falta de expansividade de

    sentidos, a tendncia a constituir conjunto de imagens que o espectador pode embaralhar vontade (pp.186

    e 187). pois neste gravssimo problema que aposto minhas fichas para o incio da grande conversao

    cinemato-grfica: no h pensamento cinemato-grfico, vou at mais longe expandindo isso para todo o

  • 27

    pensamento em geral, se o poder criador de tal evaporar-se pelo em-si-mesmamento de uma obra gerado por

    ele o perigo do carter tautolgico e exegtico paralisante. a outricidade (ns e no eu e outro) meu

    princpio fundante: ato criador da devorao que expele uma articulao instrumento de realizao de

    qualquer comunicao (partilha em transitividade voluntria de hiper-realidades virtuais). e mais uma coisinha

    rebelde, s que agora em relao a uma palavra em particular a qual nutro um dio profundo, vanguarda: a

    desprezo profundamente por sua posio ontolgica propor o ordenamento militar como realidade. sou um

    criminoso e no um soldado. hahahaha

    cartada! (p.188) gostei, pois como todo jogo h a possibilidade da trapaa. caso contrrio, a banca sempre

    vence. como aqui me meti entre uma filsofa e um filsofo, meu pensamento jamais se colocou como algo

    que conserva a forma de um capital filosfico, mas assumiu a forma de um desafio, de uma aposta, de uma

    trapaa de um amante da heresia. tambm agi como sabotador em uma guerrilha de autor, onde cada ideia

    foi uma chave de boca lanada no meio das engrenagens de qualquer pretenso de verdade. meu agonismo

    foi atuado como um visionrio indecente cujo presente vivido se d como o futuro que desejo; como um

    cracker (hacker que usa seus conhecimentos para violar sistemas e redes quebrando seus cdigos de

    segurana) robin hood que invade sistemas fechados (prosaico, predicativo sem nada de errtico ou nmade)

    e rouba de suas respectivas autorias (toda propriedade um roubo) a negatividade entrpica (a

    degenerescncia da informao produzida) da criao e do invento para distribui-la, como uma maldio,

    audincia passiva que insiste em sua posio cmoda de apreenso do que lhe dado (degenerescncia da

    informao recebida). se o niilismo comunicacional, ou a incomunicabilidade, se expressa, seja na

    dificuldade, seja na impossibilidade de produzir efetivos dilogos, ou seja, no trocar informaes para se

    obter novas informaes, em minha comunicabilidade (anarquismo comunicacional) tal dificuldade e/ou

    impossibilidade ultrapassada pela devorao fractal de informaes para se inventar outras informaes.

    pois minha comunicao no fruto nem da perfeio, nem da onipresena dos discursos dominantes que

    desejam tornar qualquer dilogo impossvel e desnecessrio. meu dialgico relao entre perversos/as

    numa valsa indecente. nas presentes ideias desse dilogo|cinema, para que um dilogo cinemato-grfico

    ocorra com o cinema da indstria da cultura, seja de um longa-metragem (formato comercial por excelncia),

    seja de uma videoarte, necessrio um mtodo de fazer filmes (ou hiper-audiovisuais) passvel de

    interminveis revises e, assim, revogvel a qualquer momento, de extrao, corte e remontagem. por

    exemplo, curta-metrizar um longa-metragem ou cartografar uma videoarte.

    marcia, em nosso modo de ser amante da heresia, deixemos-ser em um estranho deixar-ser (p.192) cujo

    princpio filosfico um refinadssimo desleixo como aqueles cientistas loucos representados no cinema,

    como geneticistas ou cyber-geneticistas brincando alegremente de deus (aquele que h muito est morto),

    criando criaturas que se confundem com seus criadores que, em acidentes cientficos, trazem ao mundo

    maravilhosas quimeras que mais dizem sobre ns mesmos/as do que sobre o mundo. que nesse

    refinadssimo desleixo, quimeras, demasiadas quimeras, nos tragam outras imaginaes para inventarmos

    outros obstculos e outras remoes de obstculos transvalorao de todas as alavancas e criao de

    quimeras como teologia. sim livro-filme uma. no entanto, h muito livros j se transfiguraram em

    hipertextos. e agora, filmes devem ser transfigurados em hiper-audiovisuais. e quem conseguir inventar um

    hiperlivro-hiperaudivisual? que insurgncia e levantes indecentes teremos ainda que fazer? quem sabe a

    ponte para isso esteja num futuro prximo dilogo|games?

    beijos desleixados e indecentes de cinelnguas,

    dona diabolus

  • 28

    dentre 31|maio|13 e 03|jun|13

    ltimo suspiro (p.193) ... ou tiro de misericrdia? o cinema est morto! viva o cinema! eis como vejo o

    debater-se poltico do cinema abstrato: uma tomada de poder, uma revoluo que conquista um novo

    sentimento existencial (expresso das polticas revolucionrias). mas eis que surgem os perigos

    incontornveis das revolues: o que fazer no dia depois? reao, traio, e um estado mais repressivo?

    acho que esse o temor que sentimos e que nos leva a reagir com desconfiana a cerca desses processos

    de conquista que podem estar a revoluo do cinema abstrato. no meu caso, prefiro o levante espontneo,

    a insurgncia permanente e a ocupao clandestina, que inclusive, posso fazer contra mim mesmo para tal

    operao de guerrilha de autor usei meus sonhos anarquistas e meus pesadelos monarquistas. desse modo

    desconfio das indicaes para um cinema abstrato, mesmo vendo nele as mudanas radicais nos filmes que

    esto por vir. como se meu esprito libertrio para um outro cinema, que de outro modo tambm fosse

    abstrato, estivesse mais inclinado, nas propostas de uma internacional trabalhista, s tendncias

    bakuninistas do que s tendncias marxistas. assim, entendo, digo, me aproprio e rearranjo, sua questo do

    manifesto, julio: nenhum universal uma conquista permanente. sim, suas indicaes no so regras, mas

    apontamentos de uma direo. assim sendo, elas tm que ser mais ou menos rgidas, pois pode nos servir

    como um plano de fuga de alcatraz, ou como um mapa de pirata, claro cheio de armadilhas ocultas, para nos

    indicar onde voc escondeste seus mais preciosos tesouros, ou ainda uma descrio cartogrfica de um novo

    territrio hostil para exploradores iniciantes ou um novo osis para cineastas sedentos por utopias no atual

    meio distpico cinematogrfico mundial.

    tambm, nossos inimigos so os mesmos: histria(s) do cinema e esttica pipoca (p.194). no entanto,

    divergimos quanto as estratgias de ataque e defesa. tu almejas esclarecer o duvidoso, eu almejo a dvida;

    tu almejas interpretar a denotao, eu almejo a conotao; e tu almejas a transparncia, ou a opacidade

    mnima, das imagens para aquilo que elas representam, eu almejo a anarquia polissmica. ambos somos

    incmodos polticos, mas seu incmodo dirigido ao cinepensar, o meu ao modo como as pessoas

    cinepensam rumo cinecomunicao. e para o cinepensar tu apontas a necessidade do rigor, mas para a

    cinecomunicao aponto a multiplicidade generosa da obra aberta (p.196). pois preciso fazer

    experimentos, para mim o cinema objeto de uso, teis ou inteis, portanto, no mero objeto, como qualquer

    pensamento: so mediaes entre mim e os outros; so coisas ao mesmo tempo objetivas e intersubjetivas;

    no so coisas apenas problemticas, mas dialgicas, ou seja, no h um causador nico de um delito a

    responsabilidade da abertura, da obra aberta, est diluda. o cinema est morto, ento tudo permitido. pena

    que greenaway ao pensar a morte do cinema, aponta que coisas muito melhores esto por vir (p.196), pena

    porque acho que nada vir enquanto tivermos na cabea que as ferramentas e as tcnicas possuem, por si

    s, valores de transformao e no o que podemos fazer com elas. por exemplo, j tive muita estima por esse

    cineasta de the pilow book e prosperos book como cinepensador, mas hoje no, pois no o vejo mais

    como aquele que explorou todas as potencialidades de linguagem do cinema, mas sim aquele que melhor fez

    deslizar a lngua escrita em direo lngua plstica, mas no fez desse deslizamento uma prpria e

    independente, que ultrapassasse tais: greenaway no tornou o cinema o outro da lngua alfabtica flexional e

    o outro da lngua pictrica flexional. mas isso tema para um outro espao-tempo que no cabe aqui... por

    hora, o que nos cabe a pergunta dickiana (philip k. dick) ambos as maridos: androides sonham com

    ovelhas eltricas?.

    bonecas diablicas (p.199), robs frios, aliens para alm do bem e do mal, piratas indecentes... o que andam

    fazendo? por onde andam cultivando o ritmo de suas libidos e sensibilidades? por quanto tempo em cada 24

  • 29

    horas por dia se dedicam a tal saboroso cultivo? cultivam pelas sombras no lado oculto da imaginao? l

    pelos campos que no so frteis para o ldico e sua funcionalidade vital? l pelos campos abertos que no

    nos leva a lugar algum? de minha parte pouqussimo importa o lugar a se chegar, pois meu percorrer

    utpico, salta de um no-lugar para outro no-lugar. pouqussimo me importa um direito de ir e vir, pois, tal

    qual os/as ciganos/as, quero apenas passar. o que mais me importa aqui o kinma, o movimento. como em

    smoking, no smoking de alain resnais finalizo este terceiro e ltimo diablus: ou bien.

    beijos mortos em movimento,

    dona diabolus

    bibliografia de um s livro

    tiburi, marcia; cabrera, julio: dilogo|cinema so paulo: editora senac so paulo, 2013