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Jonathan Culler mestres da modernidade/cultrix

Culler(1979) as Ideias de Saussure

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Livro Raro de 1979 sobre a ideias de Saussure

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Page 1: Culler(1979) as Ideias de Saussure

Jonathan Culler

mestres da modernidade/cultrix

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Mestres da M odernidade

, AS ID~IAS DE CHOMSKY * - John Lyons

AS IDÉIAS DE MCLUHAN * - JonathanMiller

AS IDÉIAS DE JUNG * - Antrony Storr

AS IDÉIAS DE LÉVI-STRAUSS * - EdmundLeach

AS IDÉIAS DE 1tARCUSEMacIntyre

Alasdair

)AS IDÉIAS DE FREUD * - RichardWolheim

AS IDÉIAS DE REICH - Charles Rycroft

AS IDÉIAS DE WITTGENSTEIN * - DavidPears

AS IDÉIAS DE LUKACS - George Lichtheim

AS IDÉIAS DE BERTRAND RUSSELL *A. J. Ayer

AS IDÉIAS DE LAING - Edgarf;riedenberg

AS IDÉIAS DE WEBER * - Donald MacRae

AS IDÉIAS DE EINSTEIN * - JeremyBernstein

KAFKA * - Erich Heller

AS IDÉIAS DE MARX - David McLellan

LE CORBUSIER * - Stephen Gardiner

ARTAUD * - Martin Bsstin

AS IDÉIAS DE GANDm- - George-Woodcoèk

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AS IDËIAS DE SAUSSURE. .

LIVRARIAS LIVRO TÉCNICOLIVf\O~ V·tN ~Jnoo':' 00

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Page 4: Culler(1979) as Ideias de Saussure

CIP-Braslt. Catalogaçlo-na-FonteCâmara Brasileira do Livro, Spi'

Culler, Jonathan.C9741 As idéias de Sa.ussur~ / Jonatha~ Culler i traduçâo de Carlos·

.Alberto da Fonseca. - SaoPaulo : Cultrix : 1979.!

" {Mestres da modemidadel

Blbllografia.

1. Lîngüistica 2. Saussure, Ferdinand de. 1857-1913 3. Semi6tica1. Trtulo.

>'.

79-0059CDD-410.924

-410

rndices para catélogo sistemético:1 .' Lingüfstica 4102. Lingüfstlca: Teorias. de Saussure 41(J.9243. Saussure: Teorias : Lingüistlca 410.9244. Semiologla :.LingOistlca 410.5.' Semi.6tica: Lingüistica 410

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JONATHAN CULLER'.(do Brasenose Collage, Universidade'de Oxford)

AS IDÉIAS

DESAUSSURE

Traduçao de

, CARLOS ALBERTO DA FONSECA(do Departamentode Lingüistica e Linguas Orientais,da Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências Humanas

da Universidade de Sao Paulo)

~ ...i....... "~

''EDITORA .CULTRIX

Sao Paulo

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Tftulo do original:

SAUSSURE

Publicado na série Fontana Modern Masters~ dirigIda par Frank KermodeCopyright © Jonathan CuHer 1976

o 2.~ 67 53 19

Direitos de traduçao para a Ifngua portuguesa adquiridos corn excJusividade pela

EDITORA CUlTRfX lTDA.

Rua Conselheiro Furtado, 648, fone~ 278"4811, 01511 • Sao Paulo, SP,que se raserva a propriedade Iiteréria desta ediçs'6.

Impresso no BrasUPrinted in Bruil

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SUMARIO

Introduçao

1. 0 HOMEM E 0 CURSO

2. A TEORlA SAUSSURIANA DA LfNGUAGEM

A natureza arbitrâria do signe

A natureza das unidades Iingüisticas

Langue e parole

Perspectiva sfncrônica e perspectiva diacrônrca

Anâlise da "Langue"

A Iinguagem coma tata social

3. 0 LUGAR DAS TEORIAS DE SAUSSURE

A Lingüistlca antes de Saussure

Os Neogramaticos

Freud. Durkheim e método

Influência

Al Langue e Parole, 69; '8) Sincrônico e diacrônico, 72; Cl Relaçoesno sistema Iingüistico. 74

4. SEMrOlOGIA: OLEGADO SAUSSURIANO

o domfnio da Sèmiolagia­

Anâlise semiot6gîca

Anagramas e logocentrlsmo·

Conelusoes

Nota textual

. Cronologia

Bibliografia

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INTRODUÇAO

Ferdinand de Saussure é 0 pai da lingüistica modernai '0 homemque reorganizou 0 -estudo sistemâtico da linguagem e das Iinguas demaneira a tornar posSÎveis as realizaçoes da lingüistica do século XX.56 isto bastaria para torna-Io um Mestre da Modernidade:mestre deuma disciplina que ele tornou moderna. ·Mas ele também merece nossa­atençao em outros setores.

Antes de tudo, juntamente corn seus dois grandes contemporâ­neos, emile Durkheim na Sociologia e Sigmund Freud na Psicologia.ajudou a dar nova base ao estudo do comportamento humano.Essestrês homens compreenderam que nao seria posslver chegar a umaèompreensaoadequada do homem e de suas instituiçoes se 0 corn­partamento humano fosse tratado como uma série de eventos simi­lares aos evantos do munda ffsico. Umcientista podeestudar -0 c:om- ,portamento dos objetas sob determinadas condiçoes, tais camo as

- trajet6rias dos pr-ojéteis disparados em ângulos e velocidades dife­rentes, ou as reaçoes de uma substância qUlmica submetida a dife...rentes temperaturas. EJE~ pade descrever 0 que acontece e tentar ex­plïcar por quê. sem dar atençao às impressoes ou idéias das pessoascomuns acerea desses assuntos.Mas 0 comportamento humano é di­ferente. Quando 0 estuda. 0 investigador nao pode simplesmente ra­jeitar. comoimpressoes subjetivas. 0 significado que Q- comportamentotem para os membros de urna sociedade. Se as pessoas vêem deter­minadas açëes- -como grosseiras, este é um fato que '0 interessa dire-

. tamente. um fato social. Ignorar os significados que as açoes e osobjetos têm numa sociedadeseria estudar meros eventos ffsicos~

Qualquer um que analise p comportamento humano interessa-se naopelos eventos em si, mas por eventos dotados de significado.

Além dissa. Saussurei Freud e nûrkheim perceberam que 0 estudodQ comportamento humano perde suasmelhores oportunidades quandotenta trâçar as causas hist6ricas dos acontecimentos individuais. Emvez disSQ, devé ale concentrar-se em primeiro lugar nas funç.6es que

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os eventos têm numa estrutura social garaI. Deve tratar os fatos 80­

ciais coma parte de um sistema de convençoes e valores. Quais saoos valores e· as convençoes que capacitam os homens aviver emsociedade. a comunicarem-se entre si e geralmente a comportarem-secoma se comportam? Se alguém tentar responder a estas perguntas,o resultado sera uma discipl,ina muito diferente daquela que responde .a questôes s'Ûbre as causas histôricas' de varias eventos. Saussure eseus dois contemporâneos estabeleceram a supremacia desse tipo de'investigaç~o,que procura um sistema subjacente e mais do qùe causasindividuaise, assim, tornar~m posslvel umestudo mais completo emais adequado do homem.

Em segundo lugar, porseu exemplo metadolôgico e pelas varias ­sùgestôes proféticas que ·oferec·eu. Saussure ajudou a desenvolver aSemiologia, 'a ciência garaI dos signas e dos sistemas designos, e 0

estruturalismo, que tem sido· um~ corrente .importante na Antropologiacontemporânea e na critica' literaria assim coma na Lingüistica. Naverdade, orenascimento dQ interesse em Saussura- nos ultiinos. anosdeve-se· em grande parte aa fata de que ele tem sidoa inspiraçaopara a Semiologia e para '0 estruturalismo, assim como para a Lin-gÜlstica estrutural. ..

Em terceiro lugar, nas suas abservaçoés metodol6gicas e na suaabordagem geral da Iinguagem. Saussure da~nos uma expressao claradaquilo que podemas chamar de estratégias formais -do pensamentomodernista: os caminhos através dos quais cientistas, fil6sofas, artis­tas e escritores que trabalharam na primeira metade deste século ten-

. taram haver-se corn um universo complexo e caatico. Coma enfren­tar, sistematicamente. 0 aparente caos do mundo moderno? Esta per­gunta era faita am varias campos. e as respostas dadas por Saussuresao exemplares:nao se pode esperar' chegar a uma visao absoluta oudivina das ·coisas, mas deve-se escolher uma perspectiva~) e, nela, os'objetos devem ser definidos por suas relaçoes um com 0- outro maisdo-que por essências da mesma espécie. Saussure habilita·nos a coJ:l1­preender corn clareza incomum as estrat~gias do pensamento moderno.

Finalmente, 0 tratamento' saussurianoda linguagem focalizapro- .blemas que SaD centrais em novas maneiras de penser sobre 0 ho­mern eespecialmente sobre a intima relaçao entre a linguagem e a

, mente humana. Se 0 homem é. na verdade. 0 "animal lingüistico n;

uma criatura. ·cujas relaçôes corn 0 mundo. se caracterizam par opera­çoas estrutu'radoras e diferenciadoras mais ~Iaramentemanifestadas

na .Iinguagem humana, entao é Saussurequem nos' encaminhaem séu'estudo. Quando falarnos da tendência humana de organizar .. as-C_oisas

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· em sistemas pelas quais 0 significado pode ser transmitido, situamo­nos no que é essencialmente uma linha saussuriana de pensamento.

Estas contribuiçoes - à Iingü;stica, às ciências sociais em geral,à Semiologiae ao estruturaIismo, ao pensamento modernista e à nossaconcepçao de homem - tornam Saussure uma figura seminal na his­toria intelectual moderna. Este livro, por isso. deve abranger" de modoamplo, Lingüistica, Semiologia, Fil-osofia, ciências sociais; se pretenderdéfinir a importância de Saussure. Mas. paradoxalmente, a proprioSaussure nao escreveu nada de significaçao geral. Um livra sobre 0

sistema vocalico do indo-europeu, uma tese de deutoramento sobre '0

uso do caso genitivo am, sânscrito e um punhado de escritos técnic·ossao tudo a que ele publicou. Nem ao menas deixou um rico legado deescritas inéditos. ~Sua influência, na Lingüfstica e além dela, esta ba­seada em algo que ele nunca escreveu. Entre 1907 e 1911 ,como pro­fessar na Universidade de Genehra. ministrouele três cursos de. con­ferênci~s sobre Lingüistica garaI. Depois ·de sua morte, em 1913, seusdiscfpulos e colegasdecidiramque seus ensinamentos nae deveriamperder~se e elaboraram, corn varies grupos de anotaçôes das conferên­cias, um volume intitulado Cours de linguistique générale, um cursode -lingüistica geral.

Teremos mais a dizer no capit~lo 1 sobré a -estranha gênese doCours, sobre a maneira pela quai 0 texto publicado foi articulado. Demomento,a questao importante é esta: seja quai for a importânciageral de Saussure para 0 pensamento moderno - e ela é f?onsidera­vel - ele proprio foi primeiramente, e talvez até exclusivamente, umHngüista, um estudioso da linguagem. Quem conhece Saussure apenasde reputaçao,como fundador da Ungûfstica moderna, coma incentiva­dor de urna nova concepçao de linguagem e como inspiraçao para an­tropélogos e crfticos literarios, pode pensar que 0 Cours de linguistique·générale seja um livro cheio de amplas generalizaçoes, de observa~

çoes portentosas sobre a natureza da linguagem e do pènsâmento detrabalhadas ·e eloqüentes teorias sobre 0 homem coma ser social lecomunicativo. Na verdade. nada estariamais distante da verdade. 0que impressiona sobretudo no Cours é a preocupaçao atlva e escru~

pulosa de Saussure ~m os fundamentos de sua matéria.

Seu interesse pela natureza da linguagem e pelas fundamentos ,da lingüistica assume a forma de um questionamento das pressupo~

siçoes que fazemos quando falamos da linguagem. Por exemplo, se·você produz um som ·e em outro momento eu produz'o um som, emquê-condiçoes estarfamos justificados em afirmar que proferimos asmasmas palavras? Questoes camo esta padern parecer triviais. Poder-

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se-ia ser tentado a rejeita-Ias como sutilezas sem importância, argu­mentando-se que apenas sabemosse duas pessoas proferiram as mes­mas palavras ou nao. Mas a questao é: coma 0 sabemas? 0 que estaenvolvido no seu conhecimento dissa? Pois a que quer que estejaenvolvido faz parte de nosso conhecimento da linguagem, de nossoconhecimento das unidades da lingua. Tais questoes estao longe deserem triviais. -Se devemos analisar urna lingua, devemos ser capazesde formar uma idéia clara e coerente de suas unidades ou elementas.­Se, par exemplo, devemos pensar na il palavra" como uma unidade deIingu8, - anta-o cumpre-nos saber camo determinar que duas pessoasproferiràma mesma palavra, embora os sons ffsicos por elas produ­zidos sejam diferentes.

Saussure formula questoes fundamentais e profundas que os lin-_güistas anteriores a ele deixaram de formular. e fornece respostasque têm revolucionado a maneira pela quai se estudaa linguagem. Em­bora as soluçoes e definiçoes que ele oferece inicialmente pareçaminteressar apenas aos -estudiosos de lingüfstica, elas têm relaçaadireta corn os prablemas fundamentais daquilo que os franceses cha­mam de "ciências humanas": as disciplinas que se acupam do mundo

_dos obiatos e das açoes significativas (em oposiçao aas objetoseeventos fîsicos por si s6s). As reflexoes de Saussure sobre '0 signae sobre os sistemas de signas preparam a terreno para um estudogeral das maneiras pelas quais a experiência humana se organiza.

Esta significaçâo mais ampla tem, sem duvida, maior interessepara os leitores deste livra que os debates acarca da natureza pre­cisa -das distinçoes e categorias lingüfsticas de Saussure; par isso,a expasiça-o faita nos -capîtulas seguintes visara sempre a questoes

f mais amplas. Mas, se quisarmos entender as implicaçoes radicais- da~ idéias de Saussure, devemos seguir am pormenor a logica deseu argumento. Devemos voltar, corn Saussure, aos primeiros prin­cîpias e formular questoes elementares sobre a Iinguagem humana,sobre a natureza do signo, sobre a identidade das unidades de umaHngua. Devemos começar explorando a teoria saussurianà da Iinguagem.

Essa tarefa naa é faci 1. Requer explicaçâo detalhada. Que nao é'tarefa facil demonstra-o amplamente 0 fato de que 0 proprio Saussurenaa se sentiu em condiçoes deescrever um curso de -lingüfsticagaraI. Se tivesse acreditado que solucionara os problemas fundamen­tais da Lingüfstica de uma maneira inequîvoca; se na-o tivesse sentidoque ainda estava tateando em direçâo a umaformulaçao satisfatoriade idéias qu~ apenas vislumbrara, sem duvida teria ele masma es­crito 0 livra. Como naD a -fez, devemos nos esforçar paracompreen..

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der um pensamento que ainda nâo éhegou a nascer totalmente masque, mesm-o emseu estado- naséente, foicapaz de-exercer uma in­fluência poderosa sobre as geraçoes posteriores de Iingüistas.

Nossa primaira tarefa, deP9is de um breveexame da vida deSaussuree das circunstâncias que levaram à publicaçaodo Cours~ éexplorar a teoria saussuriana da linguagem: começar corn os primei­ros princîpios e reconstruir os fundamentos da Lingürstica moderna.-

-Assim preparad-os, podemosempreender a segunda tarefa, que é es­sencial sequisermos compreender Saussure e aimportância de sua­obra.O Cours surgiu da insatisfaçao de Saussure corn os fundamentoste6ricos da lingüfstica tal coma era entao praticada. Quai a situaçaoda linguagem camo Saussure a viu? Camo sua obra seencaixa nahistoria da lingüîstica, na historia do pensamento acerca da lingua­gem? Entao, no CapÎtulo IV, podemos voltar-nos do passado para -0

presente e para 0 futuro a resumir a importância daobra de Saussu­re para a Semiologia, a ciência geral dos signas, que ale consideroumas que realmente 56 começou a tomarforma muitas anos depoisde sua morte.

Seguir as fortunas das idéias da Saussure na lingüÎsticae naSemiologia, traç-ar-Ihes a influência atual é sem duvida nossa tarefacentral; mas se quisermos resumir sLia importância para 0 pensamentodo século XX devemos, também, tentar trazer àluz aqueles aspectasde sua obra -que, inadequadamente formulados no Cours, têm sidaamiude mal interpretados ou ignarados. Dessa maneira, podem-os ten­tar assegurar que. Saussure saja considerado nâo apenas uma figuraimportante do passado recente mas também, ·e talvez especialmente,uma presença intelectual marcante da atuaUdade.

Agosto de 1975 Brasenose· College, Oxford

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CAPfTULO -1

o HOMEM E 0 CURSO

Saussure é uma figura fascinante e enigmâtica porque viveu umavida quase mon6tona~ Tanto quanta podemos dizer, ele nao teve .gran­des crises intelectuais, m'Omentos decisivos de discernimento ou con­versao, ou aventuras pessoais momentosas. Sua propria modéstia amrelaçao a seu pensâment0, embora este fosse audacioso e inflexfvel,torna muite di.fÎcil traçar-Ihe a gênese no inÎcio da sua vida intelectuale 0 fata de que sua obra· principal ficasse sem ser escrita pareeeser 0 climax apropriado para esta carreira paradoxal.

Nascidoem Genebraem 1857, um ano depais de Freud e umano antes de Durkheim, Saussure era fiIho de um eminente naturalis­ta e membro de uma famflia corn uma forte tradiçao de realizaç6esno campo das ciências naturais.Foi introduzido nos estudos lingüfs'"ticDS ainda muito jovem por Adolphe Pictet, fil61ogo e amigo da fa­mma. Com 15 anos, depois de ter aprendido grego, acrescentando-oa seus conhecimentos de francês,alemao, inglês e latim, Saussuretentou elaborar um U sistema; geral da Iinguag·em" e escreveu paraPictet um "Ensaio Sobre as lInguas JI no quai demonstrava qUe todasas IInguas têm sua raiz num sistema de duas ou três consoantesbâsicas. Embora Pictet deva ter sorrido do extremo simplismo destatentativa juvenn, naD desencorajou seli protegido,que começou. aestudar sânscrito Binda na escola.

Em 1875, Saussure ingressou na Universidade de Genebra mas,seguindo a tradiçao da famma, matriculou-se com-o aluna de Frsica eQufmica, embora continuasse a freqüentar cursos de gramatica _gregae latina~ Esta experiência convenceu-o -de que sua carreira estava noestudo da linguagem, pois naD apenas ingressou numaassociaçao

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'" Jingüfstica profissiona[, a Sociedade 'Ungüfstica de Paris. mas, sen~c: tln~o que seu primeiro ana em Gènebra tinha .$ido grandemente des­·tlEudiçado. persuadiu seus pais a envia-la à Universidade de Leipzig, ~~a estudar Hnguas indo-européias.

Leipzig foi uma ,escolha afortunada: era 0 centro de umaescolade jovens Iingüistashist6ricos. os Junggrammatiker ou Il neogramati­cos" e, pela primeira vez, Saussure teveoportunidade de medir-se

, corn os Iingüistas mais criativosde_ seu tempo. A autoconsciência de­seus proprios paderes foi sem dûvida confirmada quando um de seusprofessores em Leipzig, Brugmann. desoobriu a chamada lei da~ SOln­tes nasais, que Saussure postulara muitas anas antes, mas que rejei­tara porque conflitava corn as hipoteses de Iingüistaseminentes.

Saussure permaneceu quatro snos em Leipzig, exceto par liminterludio de dezolto meses em B$rlim;em dezembro de 1878, corn

.21 anos, publicou sua Mémoire sur·"Je système primitif des voyelles-dans les. langues indo-européennes (Dissertaçao Sobr~ 0 PrimitivoSistema das· Vogais nas Linguas Indo..Européias), que um Iingüistachamou de "0 mais esplêndido trabalho de filologia comparada jaescrito". 0 .argumentae as conclusoes desse trabalhoserao discuti­dos no Capitulo III, mas 0 mais extraordinario nele é que a jovem lin·güista atacasse um problema extensoe fundamental da, Lingüisticahistoriea eaeentuasse a importância dos probl-emas metodol6gieos."Nao estou especulando ",escr,eveu em seu prefacio. "a respeito deobscùros assuntos te6ricos, mas inquir-indo a verdadeira base da ma­téria, sem a quaI tudo é inseguro, arbitrario e incerta."

A Mémoire foi bem recebida em mUitoslugares. e quando Saus­sure Ietornou de Berlima Leipzig, um professor Ihe perguntou se poraoaso ele era parente do grande lingüista sufço Saussure. 0 autorda _Mémoire. Todavia, Saussure parece ter considerada a Alemanhaantipatica e,-ctepois de defender sua, tese, sobre 0 usa do caso geni·tivo 'am Sânscrito (pela quai Ihe foi c'oncedido 0, seu doutoramentosumma cum laude), partiu para ,Paris.

Na França, teve cansideravel êxito. Logo depois de sua chegada,começou a ensinar Sânscrito, G6tico e Alto Alemao arcaïco na Il École .Pratique des Hautes Études". Depois de 1887 ampliou sua atividade'docente, nela incluindo a Filologia indo-européia em garaI. Era mem·bro ativa da "Société linguistique de Paris" e urna importante in·fluência formativa sobre a geraçao mais nova delingüistas 'franceses.Mas em 1891, q'yando Ihe foi oferecida 'uma Cadeira universitaria amGenebra, decidiu ratornar' àSuiça e nemmesmO a honraria queseuS'

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colagas mais velhos Ihe prestaram, nomeando-o Cavaleiro da leglaode Hanra, conseguiu retê-Io em Paris.

Em Genebra, seus all!nos eram poUGos e menos av~nçados; - en­sinau Sânscrito e Lingüfst~ca historica em garaI. Casau-se, foi paide dois filhos, viajava pouca e aparentementè, passau aviver numadecente obscuridade provinciana. Escreveu cada vez menos, e mesmoassim penosam-en_te, relutantemente. Numa carta de 1894, um do~

poucos documentas pessaais reveladores que possufmos, refere-se aum artigo que finalmente entregara a um editor. E{;ontinua:

. .. mas eu estouaborrecido corn tudo isso. e corn a dificuldade geral deescrever sequer dez Iinhas sensatas a respeito. de assuntos Iingüfsticos. Porlongo tempo estive, acima de tudo. preocupado corn a classificaçao lôgica dosfatos Iingülsticos e corn a classificaçao dos pontas de vista a partir dos quaisnôs os tratamos; e estou cada vez mais consciente da imensa quantidade detrabalho que seria necessario para mostrar ao Iingüista 0 que ele esta fazen­do. .. A total inadequaçâo da terminologia corrente, a necessidade de refor­ma-la e, para fazê-Io, de demonstrar que espécie de objeto é a Iinguagem,continuamente deteriora meu prazer pelafilologia. embora eu naD tenhanenhum desejo mais caro que 0 de ser obrigado a refletir sobre a naturezada tinguagem em garaI. Isto me levara, contra minha vontade, a um livra noquai explicarei, sementusiasmo nem paixao. porque naD ha um Onico termausada em Lingüistica que tenha qualquer significado para rnim. S6 depois

. ,-disso, confesso, serei capaz de recomeçar meu trabalho a partir do ponto·em que. 0 interrompi. 1 "

Ele nunea escreveu 0 livra. Trabalhou cam 0 Lituano, corillendasmedievais alemes, cam uma teor.ia de que os poetas latinos haviarriocultado anagramas de nomes proprios em s-eus versos. Mas em 1906,corn a- aposentadoria de um outro professor,a Universidade atribuiu­Ihe a responsabilidade de ensinar Lingüfstica geral. Desde entaa, ei-TI,anos alternados (190.7, 1908-9, 1910-11),· pronunciou as conferências-'"que foram por fim transformadas no Cours de linguistique générale.No verâ-o de 1912 ~doeceu; eem fevereiro de 1913, morreu aos 56anos de idade.

A carreira de Saussure, embora altamente bem suoedida, nao foide maneira aiguma extraordinaria. Seus escritos publ icados ter-Ihe­iamassegurado um lugar honroso na historia da Filologia, mas umlugar mais ou menas -equivalenta-: ao de outras emÏlientes n~eo-gra~

maticos como Brugmanne Verner, hoje conhecidas apenas dos filo­logos. Afàrttmadamente, os discipulos -e colegas de Saussure pen-

1. Carta de 4 de janeiro de 1894. em "Lettres de f. de Saussure à Antoine Mei Ilet" ,Cahiers Ferdinand Saussure 21 (1964), p. 95.

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ssram que ,s·eu trabalhono campo da Lingürsticageral deveria ser.preservado eproduziram 0 volume que 0 tarna .um pensador semh1al.

Nao foi facil tarefa. Como Bally e Sechehaye pormenoriz~m emseu prefâcio ao Cours, Saussure conservara pouqurssimas notas, pela.que ·eles tiveram de trabalhar corn anotaçoes tomadas par alunas quehavlam assistido às varias séries de conferências. Mas mesmo depaisde - pelo confronta e comparaçao das notas ---: obter-se uma idéiaclara do que fora dito emcada uma das trêsséries de conferências,ficou irresolvido um problemaimportante. ·Publicar as transcriçoes de'todas as três $éries em brute envolveriaenorme repetiçao (para nâofalar de incoerências), mas pubUcar apenas uma das séries seria omi·tir muita eoisa, uma vez que Saussure pareee ter composta cadacurso >de novo, de' acordo corn um piano diferente. Perante este pro­blema, Bally ,e Sechehaye, calegas que naD haviam assistidoelesproprios às conferências, tomaram a audaciosa decisao que tem sidogrand'emente responsâvel pela influência de Saussurè. Decidiram corn..por uma obra unificada, tentar uma srntese.oonferindo precedênciaâ terceirasérie de cohferências mas extraindoo maxima possÎvel domaterial das outrasduas e dasnotas pessoais de Saussure.

Muitos professores tremeriam de medo,.à idéia de ter seus pontosde vista· transmitidos dessa 'maneira, e é realmente extraordinario queesse pr-ocedimento pouco prometedor, cheio de possibilidade de equi·voco e compromisso. possa ter produzido uF'!1a obra importante. Mas

. 0 fatoa! esta: 0 Cours de linguistique générale, tal coma foi criadopar Ba,lIy e Sechehaye, é a fonte da influência e da reputaçao de Saus­sure. Soa partir de 1967, quand-oRudolf Engler começoua publicaras notas dos discipulos a partir das qua.is se elaborou 0 Cours, foipassivel ir aJém do texto elaborado. Foi 0 Cours mesma que influen~

ciou sucessivas geraçôes de lingüistas..Este fato propoe um· problema para a nossa discussao. Par um

Jado, a importância de Saussure na Lingü'Îstica e em outros camposesta menas naquilo que ele "realmente" pensou do que no' conteudodo COUTS. Poroutro fado, a disponibilidade das .anotaçoesdos disèj~

pOlos faz corn que se deseje chamar a atençao para os pontosemque os editores pareçam ter tornade Iiberdades. interpretado mal ou'falsificado opensamento de Saussure. Em geral, eles' reaIizaram umtrabalho admiravel, ·mas ha forte razao para dizer que em três ~... e­tas tiveram menas êxito do que seria de desejar: sua ordem de apre·sentaçao naD é provavelmente a que Saussure teria escolhido e, as­sim, ela nao reflete a seqüência 16gica potencial de seu argumento;a noçao de natureza arbitraria do signa é muito menas discutidado

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que nas notas; e, discutindo 0 plana' sonora da lingua, os editoressao muito menas escrupulosos -e coeremtes em sua. terminologia doque Saussure pareee ter sida. Estas sao quest6es importantes de que'nao padern ser totalmente descuradas e, assim, na exposiçao que sesegue. embora eu esteja primordialmente interessado no Cours em...

~îsL tentarei oC'a-sionalmente, em especial atraves da ordem de apre-sentaçâo, reconstruir corn maior exatidâo 0 que presumo ser a légieado pensamento de Saussure. A ênfase principal recai nos ensinamen­tas saussurianos do Cours e seu lugar na historia da LingüÎstica, mas,na exposiçao da teoria saussuriana da Iingùagem•. para a quai agoranos voUamos, nao hesitarei am retificar lapsQs ocasionais dos adi­tores originais.

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CAPITULO II

A TEORIA SAUSSURIANA DA LINGUAGEM

Saussure nao estava contente corn a Lingüfstica tal coma eleaconhecia, porque acreditava que seus antecessores naD haviam pen­sada séria ou perceptivelmente sobre aquilo que faziam. A Ungüisti­<:a, escreveu 1 ele, Il jamais se preacupouem determinar a naturezado seu objeto de estudo. Ora, semessa operaçâo elementar, umeciência é incapaz de estabelecer um método para si pr6pria" (Curso,10; Cours, 16).

Tai operaçao é tanto mais necessaria quanto a linguagem humanaé um fenômeno extremamente complexae· heterogêneo. Mesmo· umsimples ato de fala envolve uma extraordinaria gama de tatares e po­deria --Ber considerado de muitos pontas de vista dif.erentes e atémesmo ·eonflitantes. Poder-se-iaestudar a maneira pela quai os sonssaa produzidos pela boca, pelas cordas. vocais e pela lingua; poder­se-ia investigar as ondas sonores que saoemitidas e a maneira pelaquai afetam 0 mecanismo da audiçâo. Poder-se-ie considerer a inten­çâo signifreativa do mlante,. os aspectas do mundo aos quais seuenunciado se refere. as cjrcunstâncias imediatas do contexto cornu­nicativo que poderiam tê-Io conduzido a produzir ume determinadasérie de sons. Poder-se-ia tentar a analise das convençoes que ca-

. pacitam falantes e ouvintes a se entenderem mutuamente, elaborandoas regras gramaticais e semânticas que eles devem ter assimiladopara poderem cùmunicar-se dessa maneira. Ou poder-se-je, ainde, tre~

1. Uso expressoes tais como "Saussure escreveu" por pura conveniência. Comose mencionpu no Capitula I,muito paucas passagens do Cours foram efetiva-

> mente esctitas par Saussure.

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çar a historia da Iingua que torna disponÎveis tais formas am talocasiâo.

Gonfrontadocom todos." esses fenômenose essas diferentes pers­pectivas a partir das quais poder~se-ia empreender.;]hes a abordagem,o lingüi8ta deve perguntar~se 0 que esta tentando descrever,,-0 que,em espeeiaL examina? 0 que procura? o que, am suma, é a .lingua?

A resposta de Saussure a essa pergunta é irrepreensivel,' m,asextremamente importante, pois serve para dirigir a atençâo para ospontas essenciais. A Iinguagem é um sistema de signas. Os sons va­lem coma linguagern apenas quando servem para expressar ou comu­nicàr idéias; de outra n:taneira, sao apenas ruidos. E, para comunicarjdéias, devem tazer parte de um sisterna deconvenç6es, parte deùln -sisterna de sign08.0 signa é a uniac de urna forma que signifiea,à quai Saussure chama signifiant ou significante, e de umaidéia

~ significada, a signifié ou significado. Embora passamas falar de signi.;ficante e significado coma· se fossem entidades separadas, elas 56existem coma componentes do signa. 0 signa é '0 fato central dalingùag·em, e portanto, para tentar separar a essencial do que sejasecundario ou acidental, devemos começar pela natureza do propriosigna.

A NATUREZA ARB·ITRARjIA DO SIGNO

o primeiro princfpio da teoria saussuriana da linguagem dizres­pelta à qualidade essencial do' signa. 0 signo lingüistico é arbitrario.Uma condiçao particular de slgnificante e significado é urna entidadearbitraria. Este 0 fato c·entral da linguagem e do rnétodo lingüistico.

fEscreve Saussure:

o princÎpio da arbitrariedade do signo· nao é contestado por nlnguém;àsvezes, porém\ é mais fâcil descobrlr uma verdade do que Ihe assinalàr <> lugarque Ihe cabe. 0 principio enunciado acima domina toda a IIngüîstica da lingua:suas consequências s50' inOmeras. É verdade que nem todas aparecem, à pri­meira vista, corn igual evidêncla; somente ao cabo de varias voltas é que asdescobrimos e. corn elas, a importância primordial do principio. (Curso, 82;Cours. 100.)

a que quer Saussure dizer corn a natureza arbitraria do signo?Num' sentido, a resposta é bastante simples. Nao ha nenhum elo na:..tural ou inevitavel entre 0 signiticante e 0 significado. Uma vez queeu fa1e inglês. passn usar 0 significante representado par dog parafalar de um animal de uma determinada espécle, mas essa seqüência

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de sons nâo é mais conveniente para tal proposito do que uma outra. / qualquer. Lod. tet ou bloop serviriarn, igualmente. se fossem aceitas

pelas membros de minha comunidade lingüistica. Nao ha --nenhumatazao intrinseca para que um desses signifjcantes.e nia outro. es­

. tivesse 1igado ao conceito de "cao n • *

Nao ha exceçoes deste princÎpio bâsico? Certamente que ha. Exis­tam duasmaneiras pelas Quais os signas lingüisti·cos padern ser ma­tivados. isto é, tornar-se menos arbitrârios. Primeiro, ha os casos deonomatopéi~ em que 0 som do significarite pareee de alguma forma

_ser -mimético ou imitativo, coma no inglês bow-wow ou arf-arf (cf.francês ouâ-ouâ, alemâa wau..wau, italiano bau-bau). Mas ha muitopoucos cas'os assim, e 0 fato de os identificarmps coma uma classeisolada e coma um casa especial apenas acentuamais fortemente aarbitr~riedade dos signoscomuns.

Todavia, nuina determinada lingual os signos podern ser parcial­mente motivados de maneira diferente. A maquina corn a quai estouescrevendo ,chama-se em inglês typewriter. Nao ha nenhuma razaointrÎnseca para que ala naD pudesse ser chamada grue ou blimmel.Mas, dentro do Inglês, typewriteré um signa motivado porque. ossignificados das duas seqüências sonoras que Ihe compoem a signi~

ficante. type [tipo] e writer [escrevedor], estâo relacionados cornseu significado. corn a idéia de um .. escrevedor de tipos ". PoderÎa~

mos chamar a isso Il motivaçâo secundaria n. Note-se, por exemplo,que 56 am Inglês a relaçao entre seqüência sonora e conceito é mo~

tivada. Se 0 Francês fosse usar a mesma forma para falar dessa ma­quina, .aquele signo seria totalmente arbit~ario, porquanto 0 consti-

. tuinte primario. writer, nao é um signo na Iinguafraneesa. Além disso,para Saussure. coma veremos depois, ·0 processo de combinar typee writer -para criar um nova signo motivadoé fundamentalmente se~

melhante à maneira· pela quai combinamos palavras paraformar fra·ses (cuJo significado -esta relacionado aos significados combinados

-~das palavras individuaisJ. Podemos dizer, portanto, que todas as linguastêm signas arbitrarios como seus ·elementos basicos. Eléis possuem.entao, varias proce$sos para combinar esses signos. mas que naD alte:­rarn a natureza essencial da linguagem ou de seus constituinteselementares.

o signa é arbitrario par naD haver nenhum elo intrinseco entresignificante e significado. e assim que 0 principio de Saussure é co-

• Note·~ que aqui. como adiante. usa negrlto para citar formas IingüÎsticas (p. ex.,dog. tod) e aspas para designar significados (p. ex. .. cao ").

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mumente interpretada. Mas, vista dessa forma, esse principia tarna..se uma idéia completamente tradicional, um fato bastante obvia sobre.a Hngua.lnterpretado de maneira assim limitada, nao tem as conse:qüências momentosas que, de acordo corn as notas dos discipulos>~

Saussure repetidamente reclamava para ele: "'0 lugar hierârquicodes..ta verdade é 0 proprio topo. ·86 pouco a pouco é que se reconhece.camo muitas fatas diferentes saa apenas ramificaçoes, conseqüênciasocultas desta verdade" (Engler, 153). Ha mais, no tocante à naturezaarbitrâria do signa. que a relaçao arbitraria entre significantee signi­ficado. Devemos ir mais além.

Do que jâ foi dito sobre significante e significado, poder-se-iasofrer .a tantaçao de pensar na lingua corna uma nomenclatura: umarelaçao de nomes arbitrariamente selecionados e ligados a um con­junto de abjetos ou conceitos. É muito fâcil, diz Saussure·, pensarnaIinguagem camo um conjunto de nomes e fazer,da historia biblicade Adao dando nome às feras, uma expIicaçao da natureza verdadeirada IIngua. Se alguém diz que {) conceito "cao" é traduzido ou expres..,50 am inglês por dog, am francês par chiene ·em alemao por Hund,insinua que cada lingua tem .um nome arbitrârio para um conceitoque existe anteriormente a qualquer lIngue e é deIa independente­mente.

Se a linguagem fosse simplesm'ente uma nomenclatura para umconjunto de conceitos universais, seria fâcil traduzir de uma linguapara outra. Dever-se-ia simplesmente substituir 0 nomefrancês porum conceito corn 0 nome inglês. Se a linguagem fosse isso, a tarefade aprender uma nova IIngua seria tambémmuita mais facil do que é.Mas quem tenha tentado uma destas tarefas adquiriu,aidelel, umgrande numero de provas diretas de que as Hnguas nao sao nomen­claturas, de que os conceitos ou significados de uma lingua paderndiferir radicalmente dos de outra. 0 francês .. aimer" nao se traduzdiretamente em inglês; deve-se escolherentre "ta Iike". [gastar de]e "ta love Il [amar]. "Démarrer" inclui numa mesma idéia os signifi­cados ingleses de "moving off" [arrancar] e Il accelerating" [acelerar].o inglês "ta know" [saber, conhecer] cabre a ârea de dois signifl­cados francesés, io connaître Il ·e "savoir". Os conceitos ingleses dehomem "wicked" ou de "pet" naD têmcorrespondentes reais emfrancês. Ou, ainda, 0 que 0 inglês chams de "light blue" [azul claro]e "dark blue" [azul escuro] e considera coma duas tonalidades deuma unica cor SaD. em russo, duascores primârias distintas. CadaIingua articula ou organiza a mundo diferentemente. As Iinguas' naD

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nomer~m simplesmente categorias existantes: articulam as suas pr6~

prias categorias~

-Além· disso. se a Jingua f'osse ~m conjunto de nomes aplicados aconeeitos de existência independenfe:. enta.o. na evoluçao historiea de .uma Iingu8. os ·conceitos permaneceriam estâveis.. Os significantespoderiam tranformar~se: ·.a seqüêncià ·especifica de sons aS$ociadas aum determinado canceito poderia ser modificada;e ùma determinadaseqüência de sons poderia até ser ligada a um conceito diferente.Ocasionalmente, claro ·esta, poder~se~ia introduzir um signa nova paraum conceito nova que tivesse sido produzido por modificaçôes nomundo. Mas os conceitos em si. coma entidades lingüisttcasindepen~

dentes, nao ,seriam matéria de evoluçao lingüistica.

; Na verdade, entretanto~ a historia das linguas esta repleta deèxemplos de conceitos que trocarn, que mudam suas fronteiras. Apalavra inglesa cattle, por exemplo. num determinado momento, signi~

ficou propri,edade em geral, dapois gradualment& foi-se restringir aapenas à propriedacle de animais quadrupedes (uma nova categoria)e finalinente chegou a seu sentida moderpo de bovinas domesticados.Ou. ainda, uma pessoa "silly" ·era originariamente uma pessoa feliz,abençoada e pia. Gradualmente,· este conceito particular alterou-se;o velho conceito de Al siHiness" transformou~se e. no começo do séculoXVI, urna pessoa "silly" era uma pessoa inocante, indefesa, dignamasmo de', piedade. A alteraçao do conceito continuou até que even~

tualmente uma pessoa "silly" fosse simpl6ria, insensata, talvev~mes­

mo estupida.c

Se a linguagem fosse uma nomenclatura, serÎamos obrigados adizer que existem vâriQs conceitos distintos nela e que 0 significantesilly. estava ligado primeiro a um e depois ao outro. Mas, c1aramente,naD foi isso 0 que acontec.eu: 0 conceito ligado ao significante sillyestava continuamen~e trocando suas fronteiras, mudando gradualmen~·

te seu c-ontorno- semântico, articulando 0 mundo de diferentes manei­ras, de. um perfodo. para 0 outra. E. ocasionalmente, o· significantetambém evoluiu. safrendo uma modificaçao de sua vogal central.

- .Qtial a significaçao disto? 0 que tem a ver corn a natureza arbi-

traria do signo? A linguagem naD é uma nomenclatura 'e, portanto. seussignificados nao SaD conceitos preexistantes, mas conceitos mutaveise contingentes que variam de um estado de uma IIngua para outro.E desde que a relaçao entre significante e significado é arbitraria,desde qu~ nao ha nenhuma razao necessaria paraum conceito, amvez de -outro, ser ligado a determinado significante. nao ha, portanto.

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r'fenhuma propriedade caracterizaclora que 0 conceito deva reter afim de ser' consideradocomo 0 significado daquele significante. 0

-significado associado a um ~ignificântepode tomar '! qualquër forma;naD ha nenhuma essência fundamental de sentido que deva reter paraser considerado como 0 significado' proprip daquele significante. 0fato de que a relaçao entre significante e significado é arbitraria sig"nifica, entao, que coma nao existem conceites universais fixas ousignificantes universais fixos, 0 significado em si é arbitrario, assimcoma a signific~nte. Devemos,entao perguntar, coma a fazSaussure,o que detine um significante ou um significado. A resposta leva"nos

- ',a um princfpio muito importante: ambos, significante e significado,SaD entidades puramente relacionais ou diferenciais. Porque SaD arbi­trarios, sao relacionais. Este é um princfpio que requer explicaçao. -

A NATUREZA DAS UNIDADES LlNGOfSTICAS

Saussure atribui grande importância - mais do que possa parecerno Cours publicado - ao f~to de que a linguagem naoser uma no­menclatura, pois, a menas que- entendamos if?so, nao poderemos com­preender-as plenas ramificaçoes da natureza -arbitraria dosigno. UmaIingua nao atribui simplesJ'Dente, nomes arbitrarios a um conjunto deconceitos de existência independente. Ela erige, por um Jado, uma ra­laçao arbitrâria entre significantes de sua propria,escolha e, par outra,significados também de sua propria escolha. Uma IIngua naD produzapenas um conjunto diferente de significalltes, articulando e dividin...do a continuum~ de s-om de maneira distintiva; cada lingua produz umconjunto diferente de significados; tem uma maneira distintJva, e por­tanto "arbitraria", de organizar a mundo em conceitos ou categorias.

Ë obvia- que as seqüências sonorasde fJeuve e rivière sao signi­ficantes do Francês mas naD do Inglês, ao passo que river [riol estream [regato] sac ~ing)esas mas nao franceses. Menos obviamente,mas.mais significativamente,a organizaçao do plana conceitual tam­bém é diferente em Inglês e em Francês. 0 significado "river" opoe­se a "stream "apenas em termos de extensao, ao passo que um"fleuve" difere de uma "rivière" naD porque seja necessariam~nté_

maior, mas porque corre para omar, enquanto que uma "rivière ,,- 'nao.Em suma, "fleuve" e "rivière" nae sac significados ou conceitos doInglês. Hepresentam uma articulaçao diferente do piano conceitual.

Q tato de que estas duas Hnguas operam perfeitamente bem corndiferentes articulaçoes ou distinçoes conceituàis indica que taisdivi-soes nao sao naturais, inevitâvei$ ou necessârias mas, numsentido -.'r

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fundamental~ arbitrârias. Obviamente. é importante que umal[nguatenha formas de falar acarea de massas de ligua corrente, mas elapade tazer suas distinçoesconeeituais sobre· esse assunto us~ndo

qualquer uma, da grande varÎedade de formas à disposiçao (extensao,velocidade de fluxa, direitura ou sinuosidade, direçao do fluxo,profundidade, navegabilidade, etc.). Uma Hngua pode naD. apenas, es-­calher arbitrariamentè seus significantes coma também divldir umespectro de possibilidades conceituais de quantas nianeirasquiser.

Além disso, e aqui chegamos a um ponta importante, 0 fato deestes conceitos ou significados serem divisées arbitrarias de um con.. 'tinuumsignifica que naD sao entidades autônomas,cada urna delasdefinida por aIguma espécie de essência. Sao membros de um sistemae se definem por suas relaçoes corn os outras niembros do· sistema.Se devo explicar a alguém 0 significado de stream, preciso falar..lheda diferença entre "stream" e .. river If, 1( stream"e Arivu let" [regato],etc4 E, simHarmente, naD posso explicar a conceito francês de uma"rivière" sem descrever a distinçao entre .. rivière" e .. fleuve", de um1ado. -e entre .. rivière If e .. ruisseau" de outro.

Os termas que designam cores sao, particularmente, uro bomexem­plo desta caracterfstica do signo. Suponha-se que queiramos,ensinar,a um estrangeiro, O"S nomes das cores em Inglês. Suponhamos também

.que ele seja lento de aprendizagem atrasado,e proceda de umacultura nao-européia, de maneira que precisemos elaborar uma estra­tégia eficiente de ensino. Pode ocorrer-nos que a melhor maneira déproceder fosse tomar uma cor de cada vez: começar, por exemplo,como marrom e naD passar. para outra coraté que estejamos certosde que ele dominou 0 conhecimento do marrom. ·Entao começamosamostrar-Ihe objetosmarrons dizendo..lhe quesao marrons. Comaquerernos sermeticulosos, reunimos uma série de uma centena-de objetos marrons de varias espécies. Entao, depois de 0 termos­aborrecido .eanôs masmas por muitas horas, levâmo-Iopara outrasalae.. para pôr-Ihe à· prova 0 conhecimento do "marrom", pedimos­Ihe para apanhar todos os objetos marrons. Ele começa a traba1:har .mas parecee~tar tendo dificuldade- em decidjr 0 que seleciona;entad;em desespero, decidimos que nao fomos meticulosos 0 bastante e ..propomo..nos a começar -novamente no dia segulnte cornquinhentosobjetos marrons. .

Felizmente, a maioria de nôs naD adotaria esta soluçao desespe...rada e reconheceriaque errara., Nao jmporta quantos objetos mar­rons possamos apresentar ao nosso al.uno: ale ~nao saberâ o.signifl-

~\ cado de marrome nâo sera capaz de passar na prova· enqu~nto naD

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Ihe ensinarm~$ distingulr entremarrom e vermelho. marrome bron­zeado, marrome cinza, marrom e amarel'o, marrom e preto. Somentequando ete tiver compreendidoa relaçao entre 0 marrom e as outrascores começara a entender 0 que seja man~om. Arazao disso é queo marrom naD coristitui um conceito indèpendente, definido por algu­mas p~opriedades essenciais, mas um termo num sistema de termospara as 'cores, definido par suas relaçoes corn os outros termosqueo delimitam.

Na verdade, esta penosa experiência de ensino levar-nos-ia. acompreend.er que, porque 0 signo é arbitrario, porque é 0 resultadoda divisao de um continuum de maneiras peculiares à lingua a quepartence, nao podemos tratar 0 signa como entidade autônomaj masdevemos vê-Io como parte de um sistema. Nao é s6 para saber 6significado de marrom que se deve compreender 0 vermelho, 0 bron­zeado. 0 cinza, 0 preto, etc. Mais precisamente, poder-se-ia dizer queos significados dos termos para as cores nada mais sao que 0 produtoou resultado de um sistema de distinçoes. Cada Hngua, no dividir 0 '

espectro e distinguir categorias a que chama cores. produz um dife- .rente sistema de significados: linidades cujo valor depende de suasrelaçoes reciprocas. Como diz Saussure, generalizando a questao:

Em todos esses casos, pois. s~rpreendemos. em lugar de jdéias dadas deantemao,valores que emanam do sistema. Ouando se diz que os valores cor­respondem a conceitos; subentende-se que sac puramente diferenciais; defini·dos nao positivamente por seu conteûdo, mas negativamente por suas relaçoescom os outros tel'mQsdo sistema. Sua caracteristica mais exata é ser 0 queos outros naD sao (Curso."136; Cours, 162).

Marrom é 0 que nâo é vermelho. preto, 'cinza, amarelo, etc., e 0 ·mes­ma aconteee corn os outras significados.

Esta é uma conseqüência importante, embora paradoxal. "da natu..reza arbitraria do signo. e valtaremos a ela brevemente. Mas talvez 0

caminho mais facil para compreender a idéia da natureza puramenterelacional das unidades lingüisticas seja aborda-la de üm outro ângulo.

Consideremos 0 problema da identidade em Lingüfstica: a questaode saber quando dois enunciados ou porçoes de um enunciado valempar exemplos de uma- uniea unidade IingüÎstica. Suponhamos que alguémme diga: "Comprei uma cama hoje" e eu replique: .. Que. espécie decama?". 0 que queremos dizer 'quando dizemos que 0 mesmo signot,ai usado duas vezes nesta breve conversaçao? Quai é a base sobrea quai podemospretenderque dois exemplos ou instâricias da mes..

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ma unidade IingüÎstica apareceram am nosso diiilogo? Note-se queja incorrern_os:~ am petiçao de principio ao transcrever urna parte dosrurdos~,que cada. um de nos produziu· para indicar cama. De fato, osruidos efetivaMente produzidos terao sida mensuraveltnente diferen­tes -diferentes de um ponto de.vista puramente fisico e acustico.As vozes variarn; depois de algurnas poucas palavras podemns recoMnhecer a voz de um amigo ao telefone porque os sinais ffsicos efeti­vamente emitidos por ale sac diferentes dos que emitem outros nos~

sos conhecidos~

Meu interlocutor e eu produzimos ruidos diferentes; no ·entanto,queremos dizer que produzimos 0 mesmo significante, que usarnos 0

masmo signo. 0 significante, entâo, nao é a masma coisa que osruidos que ·ele 'Ou eu produzimos. É urna unidade abstrata de umacerta espécie, que nao se deve confundir corn a real seqüência desons. Mas que espécie de unidade é ele? No que consiste tal unida-.de? PoderÎamos abordar a questao perguntandoaté que ponta os ruf­dos verdadeiramente. produzidos poderiam variar e~ainda valer por·'versDes do mesma significante. Isto, ·evidentemente, é semelhante àpergunta que fizemos atras sobre 0 significado: até que ponta pode

. urna cor variar e ainda ser considerada como marrom? E a resposta

. para 0 significante é muito semelhante à resposta para a significado.Os ruîdos produzidospodem variar consideravelrnente (nao ha nenhu­ma propriedade essencial queeles devam possuir] contanto que naDse confundam corn os dossignificantescontrastantes. Ternas urna lati­tudeconsideravel namaneira por que pronunciamosbed [Ieito], con­tanto que o que dizem'Os nao se confunda corn bad [mau], bud [botao],bld [Ienço], bade Tpressagiarl, bread- [pao], bled [sangrou], dead[morto] t fed [alimentado], head [cabeça], led [Ievado] t red [verme­1ho-], said [dito1, wed [casado], beck [acEmo], bell [ sino], bet [apos­ta].

Em outraspalavras, as distinçoes é que"sao importantes, sendopor tal· raz8'o .de que as unidades lingüfsticas têm uma identidade pu­ramente relaciona!- 0 princfpio naD é facil de, ser compreendido, masSaussure oferece uma analogia concreta. Estamos dispostos a concor­dar em que, num sentido basico, 0 expresso das 8:25 de Genebra aParis é 0 masmo trem todos os dias, ·embora os vag6es, a locomotivae 0 pessoal mudem a cada dia. 0 que da ao trem sua identidade éseu lugar no sistema de trens, camo 0 indica 0 horario de viagens.E note-se ·que ,esta identidade relacional é, na verdade, 0 fator deter­minante: 0 tremcontinu8 a ser 0 mesmo, ainda que parta corn atrasode meia hora. Na verdade, ale poderia sempre partir cOrn atraso sem

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delxar de sera ·expresso das 8:25 de Genebra a Paris. 0 importanteé que seja distinguido do, digamos, expresso das 10:25 de Genebra8 Paris, do trem das 8:40 de GeneQra a Dijon, etc. '-

Urna . outra analogia que Saussure usa parailustrar a noça·o deidentidade relacional é a comparaçaoentre a linguagem e 0 xadrez.As unidades bâsicas do xadrez sao obviame.ote a rei, a rainha, a torre,a cavala, '0 bispo e 0 peao. A forma ffsica efetiva das peças e a ma­terial de que sao feitas nac têm importância.O rei pode ser de qual­quer tamanho ou forma,o, contanto que haja meios de distingui-Io dasoutras peças. Além disso, ·as duas torres naD precisam ser de tama­.oho e formas idênticos, contanto que possam ser diferenciadas dasoutras peças. Assim, comn Saussure assinals, se perdermos uma peçado jogo poderemos substitui-la par qua-kluer outro tipo de objeto, con­tanto que este objeto nao seja confundido corn os objetas que repre­sentam peças de valor diferente (Curso, 128; Cours, 153-4). As pro­priedades ffsicas efativas das peças naD têm ne,nhuma importância,desde que haja diferenças de alguma espécie -:- qualquer espécieserve - entre peças de diferente valor.

Assim, pode-se dizer que as unidades do jogo de xadrez nao têmidentidade material: naD hâ nenhuma propriedade fîsica indispensâvelao rei, etc. A identidade é totalmente urna funçao das diferenças den­tro de um sistema. Se agora aplicarmos a analogia à linguagem esta­rerons ern condiçoes de entender a alegaçao paradoxal de Saussure

<de que no sistema de uma Ifngua "ha apenas dif~renças, sem termospositivos" (Curso, 139; -Cours, 166). Normalmente, quando pensamosem diferenças, pressupomos duas coisas que di'ferem, mas .0 pontade Saussure é 0 de que 0 significante e 0 significado nao SaD coisasnesse sentido. Assim como nao. podemgs dizer nada sobre 0 que umpeso deva parec"er, exceto que tera de ser dif~rente do cavalo, datorre, etc., assim também 0 significante que repr-esentamos como bednaD é definido por quaisquer rufdos especfficos usados ao pronuncia­la. Os rufdos efetivos naD s6 diferern de um casa a outro, coma 0

inglês poderia ser organizado de modo que os. rufdos agora usadospara expressar 0 significante pet [an'imal de estimaçao] fossem usâ­dos para 0 significante bed [Ieito], e vice-versa. Se essas mudanç~s

fossem. feitas, as unidades da IIngua seriam expressas clec modo di­ferente, mas ainda seriam fundamentalmente as mesmas unidades (asmasmas diferenças permanecem, tanto ao nivel do significante camoao nlvel do significado) e a' lingua ainda seria Inglê$.. Na verdade,o Inglês continuaria sendo, num sentido relevante; amesma lingua

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se as unidades do significante jamais fossem expressas ;em,sons masapenas em sîmbolos visuais de alguma espécie.

Afirmando isto, estamos obviamente faz·endo umadistinçao entreunidades do sistema lingüistico, por um fado, e suas manifestaçoes ourealizaçoes ffsicas efativas, de outro. Antes de discutir detalhadamen­te esta distinçao muito importante,pode ser Liti! recapitulara linha deraclocÎnio que nos levou a ala. -Começamos por observàr que naD havianenhum elo naturalehtre signifieante e significado e,entso, tentandoexplicar a natureza arbitraria do signo IingüÎstico, vimos que ambos- significante e significado - ·eram divisoes ou delimitaçôes arb,i·trarias de um continuum (um espectro sonoro, de·um Jado, e um cam·

_po conceitual, de outra). Isto levou-nos a inferir que significanteesignificado devem ser definidos em termos de suas relaçoes cornoutras significantes -e significados; chegamos assim à conclusao deque, se tivermos de definiras unidades de urna Hngua, cumprirâ dis·

,tinguir essasunidades puramente relacionais e abstratas de suas rea­-lizaçôes ffsica.s. Os sons que efetivamente produzimos ao falar naDsa·o, em si mesmos, unidades do sistema lingüfstico, nem a cor fisicaque designamos ao chamar um livro de "marrom" é omesmo que aunidade Iingüfstica (0 significado ou conceito) .Il marrom". Em ambosos casas, e este é um panta em que Saussure insistecom razao. a'unidade lingüfstica é mais farma que substância, definida pelasrela·çoes que a isolam das 'Outras unidades..

,

"LANGUE" E MPAROLE"

. ,

Aqui, na distinçao entre 0 sistema lingüfstico e suas manifesta·çoes efetivas, chegamos à aposiçao crucial entre langue e parole. Alangue é 0 sistema de uma Ifngua, a Iîngua co'mo um sistema de formas,enquanto parole é a fala rea), os atos de fala tornados possfve) pelaIfngua. A langue é a que '0 indivfduo assimiJaquando aprende umaIIngua, um conjunto de formas ou um "tesouro deposltado pela pra­tica da fala em todos os individuos pertencentes à mesma comuni­-dade, 'Om sistema gramaticaJ que existe virtualmente em cada cérebro'!eÇurso, 21; Cours, 30). il Ela é 0 produto social cuja existê-ncia permiteao indivfduo 0 exercicio de sua faculdade Iingüistica" (Engler,· 31 ).A.

.parolè, por sua vez. é 0 "Jado .executivo' da IJngua ne, para Saussure,envolve tanto "as combinaçoes pelas quais a falante realiza 0 c6digoda Iingua no proposito deexprimir seu pensamento pessoal" comoIl 0 mecanismo psicoffsico que Ihe permite exteriorizar essas combi..naçôes" (Curso, 22; Cours, 31 J. No·ata de parole, 0 falante selaciona

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e combina ,elementos (Jo sistema IingüÎsticoe da a essas formas umamanifestaçâo fônica e psicologica cc;mcreta, na forma de sons e sign~­

ficados.

-Se estas observaçoes sobre' a parole paree-em um pouco confusasé porque contêm um problema, ao quai voltaremos no eapftuJo III.Se a combinaçâo dos elementos Iingüfsticos faz parte da parole,. en- .tao as regras sintaticas 'têm uma natureza ambfgua. 'Fazer da langueum sistema de formas e da parole a combinaçao e exteriorizaça-Q des'­sas formas nao é exatamente 0 mesma que fazer da langue a faculda­de Hngüfstica e da parole 0 exercfeio dessa~faculdade. pois a faculda­de inclui 0 conhecimento de coma combinar elementos, incluiregrasde combinaça-o. Esta ultima distinçao,entre langue como sistema e

.parole camo realizaçao. é a mais fundamental, tanta em Saussurequanta na tradiçao saussuriana. Todavia, nao é essencial definir aquias caracterîsticas especîficas da parole vista que, camo Saussure dei­xa clara, a funçâo principal e estratégica da distinçaoentre langue eparole é isolar a objeto d~)nvestigaçao Iingüistica. A langue, argu-

. menta Saussure, deve ser 0 primeiro interesse, do IingÜista. o queele esta tentando fazer ~o analisar uma IIngua _naD é descrever atosdefala mas determinar as linidadese regras de combinaçoes que cons­tituem 0 sistema lingüÎstico. A langue, ou 0 sistema lingüfstico, é umobjeto coerente, analisavel; "constitui-se num sistema designos onde,de essencial, s6 existe a uniao do sentido e da imagem acustica"(Curso, 23; Cours, 32). Ao estudar a IIngua como um sistem'a de signos,esta-se tentando identificar-lhe os traçosessenciai.s: aqueles elemen­tos decisivos para a funçao significante da Iingua oU,em outras

!! palavras, os elementos que saa funcionais dentro do sistema em quecriam signas distinguindo-os uns dos 'outras.

.A distinçao ent-re langue °e parole fornece assim um princlplorelevante, para a LingüfStica. "Corn 'separar à langue da parole lJ,escreve Saussure, "separa-se ao mesmo tempo: 10°, 0 queé social doque é individual; 2.°, 0 que é essencial do que é acessorio e mais oumenas aci.cJental" (Curso. 22; Cours, 3DJ. Se tentassemos estudar tudoo que se relaciona corn 0 fenômeno da fala entrarfamos num reina deconfusao. onde pertinência e impertinência seriam extremamente cliff­ceis de determinar. Mas se nos concentrarmas na langue. entaovarias, aspectas da Ifngua e da fala se ajustariam dentro delaou à·sUa volta. Uma vez -expQsta. esta idéia do' sistema' lingüfstico. pode­mas entaoindagar de cada fenômeno se ele pertence ao proprio sis­tema ou se é simplesmente um traço do desempenho. bu realizaçao

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-.../

das unidades ,lingüÎsticas; 'e assim conseguimos classificar os, fatasde fala em grupos onde passam ser pr'oveitosamente estudados.

Por :exemplo, à distinçao entre languee parole leva à crlaçao deduas disciplinas distintas queestudam 0 som e suas funçées lingüfs­ticas: a Fonética, que estuda 0 som nos -atos de fala deum pontode vista ffsico, e a Fonologia, que naose interessa pelos eventosffsicos:em si, mas pelas distinçoes entr,s ~s unidades abstratas dosignificante que sao funcionais dentro do sistemalingüfstico.CI: impor­tante observar aqui que,embora Saussure afirme inequivocam~nte

que os sons fisicos em si nao fazem parte da langue, preparandodessa m~neira 0 terreno para a distinçao e'ntre Fonética e Fonologia,tal camo defjnidas aeima, el,e pr6prio usa os termos fonética efonologia -em sentido muito diterente. Continuarai a usa-los no sentidomoderno aqui definido.)

A distinçâo entre Fonéticae Fonologia leva-nos de volta a pontosreferidos anteriormente em relaçao à identidade îingüfstica da formabed. A Fonética- descreveria os sons efetivamente produzidos quandoalguém pr'onunciaa forma, mas, coma demonstramos acima, aiden­tidade de bed, como uma unidade do Inglês naD depende 9a naturezadesses sons etatives mas das distinçoes que separam bed de bet,bad, head, etc. A Fonologia é a estudo dessàs distinç6es funèionais,e "funcional rr é '0 que deve ser acentuado Çlqui. Par ,exemplo, em

, lit ' ... .

enunciados do Inglês ha UJ!la diferença perceptivel e mehSuravel entreo som "1" que ocorre antes de vogais (comoem lend oualive) e'oque ocorre antes de consoantes ou no final de palavras (como emmeltou peel). Esta é ,uma diferença fonética real, mas nan élimadiferença, que seja usada para distinguir dois signos. Nao é uma dife..rença funcionaf e, portanto, naD faz parte do sisterna fenol6gico doInglês. Por outro lado, a diferença entre as vogais de feel [sentir]efill [encher] é usadaem Inglês para distinguirsignos (comparem..sekeel [quilha] e kill [ato de matar], keen [afiado] e kin [aparentado],seat [cadeira] e sit [sentar], heat [calor] a h!t [golpe]. etc.). Estaoposiçao desempenha papel- muito importante no sistema fonolôgicodo Inglês vista que cria um grande numero de signos distintos.

A masma distinçae entre 0 que pertence a ates lingüisticos parti­culares e 0 que pertence ao sistema Iingüistico em si é importante

,também e~ outros niveis, nao apenas no sonoro. Podemos ~estabe ..lacer uma diferença, por exemplo, entre enunciado, como unidade daparole,e oraçao, coma uma uhidade da langue. Dois enunciados dife-­rentes padern ser manifestaçoes da masma oraçao: eis-nos, nova-

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mente diante desta idéia central de identidade emLingüistlca. Os sons-efetivos e os significados contextuais dos dois enunciados seraodiferentes; o que transforma os dois enunciados em instânc1ias de umauniea unidade Iingüfstica serao as distinç6es que dao uma identidaderelacional a essa unidade.

Par exemplo: se,em determinada ocasiao,' Cuthbert diz a Eu estoucansado" " eu refere~se"8 Cuthbert:compreender esta referência éparte importante da compreensâo do· enunciado. Todavia, tal rete·rêncianâo faz parte do significado da oraçâo, pois George tambémpode proterir a mesma oraçâo e, am seu enunciado, eu referit·sé~a aGeorge. Dentro do sistema Iingüfstico, eu naD se refere a ·ninguéfn.Seu significadono sisterna é 0 resultado das di~tinç6es entre eu e

- tu, ele, &la, nos, [VOS], eles [e elas]: um significado que podemosresumir dizend() que eu signifiea a 0 falante", am oposiçao a qualqu~r

outfa pe~oa.

Os pronomes -constitiJem: iIustraçoes obvias da diferença entreslgniflcados que sao propriedades apenas de enunciados e signifi­eados que sao propriedades de elementos do' sist~ma lingüfstico.~.

Para caracterizaressa distinçâo, Saussure- usa os termos significationevaleur ["valor"]. As 'unidades Iingüfsticas têmum valor dentro dosistema, um significado·~ que é- 0 .resultado d-as oposiç6es que as

_definern; mas quando. essas unidades sac usadas nom enunciado,.elas têm uma significaçao, uma realizaçao contextuat ou manifesta­_çao de sentido. Par exemplo: se um fra~cês diz: a J'ai -vu un mouton"e uminglês diz: "Isaw a sheep ft, é provavel" que seus enunciadostenham a mesma significaçao; estao fazenda a mesma afirmaçâo sobreum estado de coisas (a saber: num determinado tempo, no passado,o falante viu um carneiro). Entretanto, como unidades de seus res-

. . 1· ,

pectivos sisternas IingüÎsticosr mouton e s~eepr nao têm.o rnesmosignificado ou valor, pois .~ sheep" {carneirQ] é definido pot opo­siçao a "mutton" [carne de carneiro], enquanto. que "mouton" naofica Iimitado pof tal distinçao, mas é usado para a animale para suacarne. Ha aqui 'certos problemas filos6ficos que -·Saussure nao pro-

.- . .curou resolver em particular, os fil6sofos gostariam de dizer aquiloque Saussure chama -de significaçao de· um enunciado envolve tante 0

significa-docomo a refèrência. Mas ·0 ponta levantado por Saussureé 0 de que ha uma espéC'iedesignificador um significado ou valorrelâcional que S8' baseia no sistemaHngQfsticb, :6 outraes-pécie de 1signiticado ·OU significaça-o que eilvolve 0 uso de eIêmentos lingüis~ ~ticos nassituaçoes reais de enunciado.

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.26

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s)

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A distinçao entre langue e parole tem conseqüências importantespara outras disciplinas da lingÜÎstica, pois ela é essencialmenteuma distinçao entre instituiçao e acontecimento. entre 0 sistemasubjacente que torna possivèis varios tipos de comportamento e asinstâncias reais de tal comportamento. O· estudo do sistema leva à cons~'truçao de môdelbs que representam formas, suas relaçôes entre si esuas possibilidades de combinaçao,en.quanto que 0 estudo do corn·portamento Ou dos eventos reais lavaria à construçao de modelasestatfsticos que repre$eI1tam as probabilidades de combinaçoes parti­culares sob varias circunstâncias.

. .Em nossa discussao da Semiologia no CapltulolV veremos camoa idéiade langue foi ampliada a outros campos. Dentro da pr6prialingQfstica, todavi8,- 0 estudo da langue envolve um inventario dasdistinçôes que criam signos e regras de combinaçao, ao passo que 0

estudo da parole lavaria a uma consideraçao- do usa da IIngua.! inclu·sive das freqüências relativas cQmque formas ou combinaçoes Parti­culares de formas foram usada's na fala efetiva.. Com~ separar alangue da parole, Saussure deu·à Lingüfstica um objeto de estudo

•. adequado e, ao lingüista, um sentido muito mais clara .do que estafazendo: se ale focalizou a lingua como um sistema, sabia 0 que estavatentando reconstruir e pôde, nessa perspectiva. determinar quais îiidi­cios eram mais relevantese coma poderiam ser·organizados.

Consideraremos a estrutura do sistema lingüfstico colli mais por~

menores' no final deste capituLa. mas ha uma questao sobre a conceitode langue que deveria seracentuada aqui. Os editores de Saussureorganizaram 0 Cours de modo a, que ele começasse corn a distinçao'entre langue e patole. SaussureJbi assim retratado coma se dissasseque a· lingua é uma massa confusa de fatos heterogêneos e que aunica maneira de torna-Ia sensata "é postular a existência de umacoisà chamada sJstemalingüÎsticoerejeitartudoomais.Adistinçaotem)assim, parecido extremamente arbitraria a muitas- pessoas: umpostulado que tinha. de ser aceito coma artigo de fé. se se quisesseprossegui r. Mas na verdade, coma sugerem as notas d,e. Saussure e',como a seqüência do argumenta aqui adotada por nos deve tê-Iodemonstrado, a distinçao entre .langue e parole é uma' conseqüêncfa16gica e\necessaria da naturezaarbitraria do signa e· do problemada 'identidade em Lingüfstica. Em resumo se 0 signa· é arpitrârio,entao. comn vimos. é ùma entidade puramente relacional; e, se dese­jamos definir e identificar signas,. devemos considerar'o sistemaderelaçoes e distinç6es que os .cria. Devemos, por isso. distingüiras'varias substâncias nas qÙais os signos se manifestam e das formas

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,_.. ---------

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reais que constituem signos; e, quando 0 fazemos, 0 que isolamos éum sistema de formas que subjaz ao comportamento ou manifestaçaolingüfstica real. Esse sistema de formas é a langue; a tentativa deestudar signas leva-nos, inexoravelmente, a considerar isto comoo objeto proprio da investigaçao lingüistica. 0 isolamento da languenao é, coma 0 Cours publicado pode sugerir, um ponto de partidaarbitrario, mas uma conseqüência da natUreza dos proprios signos.

PERSPECTIVA SINCRôNICA E PERSPECTIVA DIACRôNICA

Ha outra conseqüência importante da natureza arbitraria do signo,que também tem sida tratada pelas crlticos de Saussure como umaimposiçao questionavel e desnecessaria. É a distinçao entre 0 estudosincrônico da Ifngua (estudo do sistema lingüfstico num estado parti­cular, sem referência a tempo) e a estudo diacrônico da Ifngua(estudo de sua evoluçao no tempo). Sugeriu-se que, ao diferenciarrigorosamente essas dua~ perspectivas e ao conferir prioridade aoestudo sincrônico da lingual Saussure estava ignorando, ou pelo menospanda de lado, a fata de que uma Ifngua é fundamentalmente histo­rica e contingente, urna entidade em evoluçao constante. Mas, aocontrario, foi precisamente porque reconheceu de modo mais pro­fundo que seus crfticosa radical historicidade da lingua, que eleafirmou a importância de distinguir fatos acerca do sistema Iingüis­tico de fatos ac~rca da evoluçao lingüfstica, mesmo nos casos em queos dois tipas de fatos pareçam extraordinariamente entrelaçados. Ha~qui um paradoxoaparente, que requer elucidaçao.

Quai é a- conexao entre a natureza arbitraria do signo e- a natu­reza profundam'ente hist6rica da linguagem? Podemas formula-la daseguinte maneira: se houvesse alguma conexao essencial ou naturalentre significante e significado. a signo teria entao um nucleo essen­cial que nao seria afetado pela tempo ou que, pelo menos, resistiriaà mudança. Essa essência imutavel· poderia ser aposta àqueles traças"acidentais" que se alteram de um perfodo para outro. Mas. na ver­dade, coma vimos, nao ha nenhum aspecta do signo que seja umapropriedade necessaria e que, par isso, esteja fora do tempo. QuaI:quer aspecta do som ou do significado pode alterar-se; a historiadas Iinguas esta cheia de alteraç5es revolucionarias radicais tantode som coma de significado. -jing, que significava no Velho Inglês"discussâo", transformou~se gradualmente em thing [coisa] am Inglêsmoderno, corn um significado tatalmente diferente. 0 grego-e,.,p14I(OS(theriakos), que significava "caracteristico de um .animal selvagem",

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t

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tornou~se treacle [" melaço li] em Inglês moderno. 0 latim calidum[quente] transformou-se. no Francês moderno, em chaud (pronuncia­do flo, coma no inglês show). em que 0 significado persiste, masnenhum dos elementos fonol6gicos originais foi preservado. Em suma,nem 0 significante nem 0 significado contêm qualquer nucleo essen·cial que 0 tempo nao possa tocar. Porque é arbitraria, a signo estatotalmente sujeito à Hist6ria, ."e a combinaçao, num determinado mo­mento, de um significante e um significadotambém determinados éresultada contingente do pracesso hist6rico.

o fato de a signa ser arbitrario ou tatalmente contingente torna-osujeito à Hist6rfa, mas também significa que os signos requerem umaanalisea-hist6rica. Isto nao é tao paradoxal como poderia parecef.Coma a signo naD tem nenhum nucleo necessario que- deva persistir,tem que ser definido,. em suas relaç6es corn -outras signas, camouma entidade relacional. E as relaçôes pertinentes sao aquelas queprevalecem numa determinada época. Uma Ilngua, diz Saussure; II cons­titui um sistema de valores puros que nada determina fora do estadomomentâneo de seus termos" (Curso, 95; Cours, 116). Porque a Ifnguaé uma entidade totalmente histérîca, sempre aberta à mudança, deve­mas focalizar as relaç6es que existem num estada sincrônico parti­cular se quisermos definir-Ihe os elementos.

Com afirmar a prioridade da descriçao sincrônica, Saussure apon­ta a irrelevância dos fatas hist6ricos ou diacrônicos para a analise dalangue. Aiguns exemplos mostrarao por que a informaçao diacrônicaé impertinente. Em Inglês moderno, 0 pronome da segunda pessoa,yeu, é usado para referência a uma ou a muitas pessoas e pode sertanto 0 sujeito camo 0 objeto de uma oraçao. Num estado mais antigoda IIngua, entretanto, you era caracterizado par sua oposiçao a ye parum Jade (ye, um pronome do caso reto e you, um pronome do casaobliqua) e athee e thou por outra (thee e thou, formas para 0 singu­lar e yeu, uma forma para a plural). Num estado posterior, you veioa servi r também camo manei ra respeitosa de tratar-se uma pessoa,camo -0 vous do Francês moderno. Agora, em Inglês moderno, younad mais se caracterÎza por sua aposiçao a ye, thee e thou. Pode-sesaber a falar Inglês moderno perfeitamente 'bem sem saber que youfoi, a certa altura, uma forma plural e abjetÎva e, ,na verdade, se alguémsabe disso, naD ha nada em que esse conhecimento possa servircamo parte do conhecimento que alguém tenhado Inglês moderno.A descriçaa do you no Inglês moderno permaneceria exatamente amesma se sua evoluçao hist6rica tivesse sida de todo diferente, poisyou, am inglês moderno, é definido par seu papel no estado sincrê­nico da Iingua.

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De maneira analaga, a substantiva francês pas [passo] e 0 advér-~ bio negativa pas [nao] derivam historicamente de um linico signo,

mas isso é irrelevante para uma descriçao do Francês moderno, noquai as duas palavras funcionam de maneiras totalmente diferentese devem ser tratadas camo signas distintos. Nao faz nenhuma dife­rença para 0 Francês moderne se esses dois signos tivessem sida,antigamente, coma de fato é 0 casa, um linico signa, ou se tivessemsido, arltigamente, signas totalmente distintos cujos diferentessignificantes se tenham tornado similares. através de mudanças sono­ras (issa aconteceu, por exemplo, corn a inglês skate,· em que mu~

danças sonoras aproximaram 0 peixe skate [arraia] do antigo No­rueguês skata, e 0 .. ice" skate [patios de gela], do holandês schaats).Tentar incorporar esses fatos historicos numa consideraçao do sis­tema Iingüistico contemporâneo seria· uma distorçao e uma falsifi­caçao.

A insistênciade Saussure na difer~nça entre as perspectivassincrônica e diaerônica e na prioridade da deseriçao sinerônica naosignifiea, entretanto, que ele se tivesse ilusoriamente eonvencido deque a IIngua existe camo uma série de estados sincrônicos total­mente homogêneos: Inglês de 1920, Inglês de 1940,Inglês de 1960.Num certo sentido, a idéia de estado sinerônico é uma ficçao meto­dolôgica. Quando falamos do sistema lingüfstico do Francês numadeterminada époea, estamos abstraindo uma realidade que consistede um numero muita grande de falantes nativas, cujas sistemas lin­güisticos padern diferir de varias maneiras. Nao obstante, 0 sistemalingüfstico Francês é uma realidade definida, pO-istodos esses falan­tes se entendem uns aos outros, enquanto que" alguém qua so faleInglês nao pode entendê-Io. Coma queremos representar este fatoe falar do sistema que tais falantes nativos têm am comum, fazemosafirmaçoes sobre 0 sistema Iingüfstico num estada sincrônieo parti-cular. '/

Além disso, mesmo que a idéia de estado sincrônicoseja umaficçao metodologica, é importa~te lembrar que as afirmaçoes sobrea evoluçao historica da IIngua sac igualmente fictieias. Suponhamos"que eu quisesse fazer a alegaçao diacrôniea de que no Francê~

do século XX a som 1 Q 1 tornou-se 1 a 1 (sigo aqui a conven­çao de colocar as formas fonologicas entre barras obliquas). 0 queisto signifiea? Dizer que / al tornau-se 1a 1 sugere a transforma-.çao de um objeto no· tempo, mas isto é, na verdade, uma ficçao "historica que resume uma porçao de fatas sincrônicos: que num mo~

mento anterior do século havia grupos de falantes' que diferència­vam os dois tipos de a, coma em pâte e patte ou tâche e tache, ao

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-passo que agora ha poucos falantes queforçam a ,distinçao, de ma­neira que ira existir apenas um a na IIngua. Mesmo isso. naturalmente,pade ser uma simplificaçao exagerada, pois alguns talantes ouvirao_a distinçao, mas ela naD ser~ usada par eles, enquanto que outras _ausarao apenasem circunstâncias relativamente formais. "

Camo este exemplo mostl"a. um enunclado diacrônico relacionaum unico element-o de um estâdo de um sistema lingüfstico cornum -elemento de um -estado posterior do sistema. Dada a naturez-arelacional das uni-dades Iingüfsticas. 0 tata de elas serem inteira..-mente definidas par relaçôes dentro de seu proprio -estado do sist~..ma, é algo questionâvel. estranho ao princfpio da Lingüistica sincrô­niea. Coma justificar isso? Coma se pode postular uma identidadediacrônica?

Saussure argumenta que, a despeito qe suas condiçoes diferen­tes, os enunciados diaerônicos derivam de enunciados sincrônicos.o que n-os permite. pergunta ele, afirmar que 'Û latim mare transfor­mou-se no francês mer [mar]? 0 lingüista historico pode argumentarque sabemas que mare tornou-se mer porque aqui, como em qual­quer outra parte, 0 e final caiu e 0 a tornou-se e. Mas. argumentaSaussure, sugerir que essas mudanças sonoras regulares sac a quecria 0 elo entre as duas formas é retroagir, porque 0 que nos habi­lita a identificar tal mudança s-onora é nossa idéia inicial de queuma forma tornou-se a outra... É ( ... ) em nome da correspondênciamare:mer que eu julgo que ·0 a se tornou erque 0 e final cai" (Curso,212; Cours. 249). -

De fato. a que estamos supondo ao vincular mare e mer é quemare, mer e as formas intermediarias constituem uma cadeia ininter­rupta de identidades sincrônicas. Em cada perfodoem que. retrospec­tivamenter pademos dizer que ocorreu uma mudança, havia uma formaantiga e uma forma nova que eram foneticamente diferentes masfonol6gica ou funcionalmente idênticas. Elas padern, naturalmente,ter tido associaç6es diferentes(p. ex.• uma forma pode ter parecido,algo antiquada), mas poderiam ter sido usadas alternativamente pelosfalantes. Aiguns. sem duvida, poderiam ter-se mantido fiéisà forma~antiga e outras preferido a nova, mas coma a mudança de uma parâoutra nao produziria diferença no significado real, do ponto de vistado sistema Iingüfstico haveria umaidentidade sincrônica entre as duasformas. É nesse sentido que a identidade diacrônicadepende de Uniasérie de identidades sincrônicas.

Coma diz Saussure a respeitode outra exempl'O. "a identidadediacrônica de duas palavras tao diferentes quanta calidum e chaud

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significa simplesmente que se passou de uma a outra através deuma série de identidades sincrônicas" (Curso, 212; Cours, 250). Numdeterminado momenta, calidum e calidu eram intercambiaveis e sin­cronicamente idênticas, depois calidu e caldu, depois caldu a cald,dapois cald e t Jait, depois t Jait e t Jaut, depois t Sétut e Saut, dapoisJaut a Jot e finalmente fat e JO (a pronuncia de chaud). Quandofalames da transformaçao· da uma palavra e postulamos uma identi­dade diacrônica,estamos de fato resuminda uma série falada de iden..tidades sincrônicas. "Eis porque podemos dizer", centinua Saussure,.. que é tao interessante saber como Senhores! repetido diversas vezesem seguida num discurso é idêntico a si mesmo, quanta saber porque ( ... l chaud é idêntica a calidum. 0 segundo prablema naa é,corn efeito, mais que um prolengamento e uma cemplicaçao do pri­meire" (Curso, 212; Cours, 250).

Assim, nao se pode argumentar que a Lingüfstica diacrônica estade alguma maneira mais proxima da realidade da Iingua, enquanto quea ànalise sincrônica é uma ficçao. As filiaçôes hist6ricas derivam deidentidades sincrônicas. Além disso, sao fatos de diferente ordem.Falande sincrenicamente, as identidades diacrônicas sac uma distor·çae, pois os signes anteriores e posteriores que alas relacionam naDpossuem propriedades ·comuns. Gada signa naD tem outras proprie­dades além das propriedades relacionais especfficas que 0 definemam sau proprio sistema sincrônico. Do ponto de vista dos sistemasde signes, que afinal é 0 ponte de vista que importa quando se tratade signas, os signes anterior e posterior SaD totalmente dfspares.

Daf a impertância de separar as perspectivas sincrônica e diacrô­nica, mesme quando os tatos de que elas tratem pareçam inextrica­velmente interligados. Este é um penta que deve ser acentuado,porque os lingüistas que se op5em à distinçao radical de Saussureentre abordagem sincrânica e diacrônica e desejam considerar umaperspectiva sintética, pancrônica, freqüentemente apontam para 0

emaranhamento dos fatos sincrânicos a diacrônicos camo se ele Ihesapoiasse a causa. Saussure esta assaz consciente do entrelaçamentodos fatos sincrânicos e diacrônicos; na verdade, para ele, toda a difi­culdade consiste em separar esses elementes quando estao mistù­radas, porque 50 dessa maneira pode a analise Iingüfstica alcançarcoerência. As formas lingüfsticas têm aspectos sincrônicos e diacrô­nicos que devem ser separados porque sao tatos de uma ordem dife­rente, corn diferentes condiç'5es de existência.

Uma sfntese pancrônica é impossfvel, argumenta Saussure, porcausa da natureza arbitraria dos signas Iingüfsticos. Em 'Outras tipos

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de sistemas poder·se-ia unir as perspectivas sincrôni·ca e diacrônica:''''Enquanto, par um de seus Jados. um valor tenha raiz nas coisas eam suas relaçoes naturais ( ... ). pode·se, ,até certo ponta, seguir essevalor no tempo. lembrando sempre que, a 'cada momento, ele depende'de um sistema de valores contemporâneos" (Curso, 95-6; Cours, 116).Assim, 0 valor de um pedaço de terra, num dadomomento, depen-'deni -de muitos outras tatares do sistema econômico,· mas 0 valor éalgo que tem raiz na natureza da pr6pria terra e as variaçoes naD·envolverao simplesmente ,a substituiçao de um valor arbitrario poroutra. Mas no casa da linguagem, em que 0 valor de um signa naotem base natural ou limites inerentes, a mudànça hiSt6riea tem cara­ter diterente. Os elementos de uma 1Ingu8. diz Saussure. sac ·aban­donadas à sua propria evoluçâo hist6riea de urna forma totahnentedesconhecida em areas onde as formas têm 0 menor grau de conexaonatural corn 0 significado (Engler,169). Coma nenhum significanteesta mais naturalmente adequado a um signifieado que qualquer outro,a mudança sonora ocorre independentemente do sistema de valores:.. um fato diacrônico é um acontecimento que tem sua razaa de seram si mesmo; as conseqüências sinerônicas partieulares que delepadern derivar sâo-Ihe tatalmente estranhas" (Curso, 100; Cours, 121).

Aqui a argurnentaçâo de Saussure s,e compliea. A pretensao é deque os tatas diacrônicos sao de umaordem diferente da ordem dosfatas sincrônicos uma ~vez que a mudança histérica se origina forado sistema Iingüisticà~ A mudança. tem origem no desempenho Iin­güistico, na parole, naa na langue, e 0 que se modifiea sao elemantosindividuais do sistema de realizaçâo. As mudanças hist6ricas afetamo sistema no fim -' porquanto 0 sistema se ajustara a elas e tarausa dos resultados da mudança historiea -; nao é, porém, 0 sistemalingüÎstico que as produz. -

Saussure, neste ponto, esta combatendo a noçâo de teleologia amLi,ngüfstiea: aidéia de que haja um fim ·em direçao ao quai as mudançasHngüfsticas se dirigem e de que elas oeorram para alcançar esse fim.As mudanças naD ocorrem para a produçâo de um nova estado dosistema. 0 que aeonteee é que "alguns elementos sao alterados semconsideraçao para corn sua solidariedade no sistema camo um tado" 2.

Essas mudanças isoladas trazem conseqüências gerais para a sistema

2. Uma exceçâo importante, que Saussure discute amp!amente mas que aqui deixeià margem, é 0 fenômeno conhecido como "analogia-, no quaI as fonnas novassâo criadas por analogia a formas existentes. Este é um fatar importante namudança lingürstica, mas Saussure argumenta que tal ferlÔmeno é fundamenta[·mente $incrônica. Ver capitula III, p. 75

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pela fato de a sua rede de relaçôes alterar-se. Todavia, .. nao foi umsistema que engendrou outra, mas um elemento do primeiro mudou eisso basta para tazer surgir outro sistema" CCurso, 100; Cours, 121).As mudanças fazem parte de um processo evolutivo independente aoquai 0 sistema se ajusta.

Um fato diacrônicoenvolve a substituiçao de uma forma par outra.Essa substituiçao, em si mesma, nao tem qualquer importância; doponta de vista do sistema lingüfstico, é nao-funcional. Um fato sincrô­nico é a relaçao ou oposiçao entre duas formas existentes simulta­neamente: uma relaçao que é significativa porque envolve significadodentro da IIngua. Sempre que a mudança lingüfstica repercutir nosistema ter-se-a uma situaçao em que ambasas espécies de fatosestâo misturadas e SaD faceis de ser confundidas. Maselas sao muitodiferentes e devem ser separadas. A fim de entendera diferença esua importância, consideremos alguns substantivos ingleses corn for­mas incomuns de plural: feet, geese e teeth. Quais sac os aspectossincrônicos e diacrônicos dessas formas?

No antigo Anglo-Saxâo, as formas do singular e do plural dessessubstantivas parecem ter sida as seguintes:

Depois, as formas do plural foram afetadas par um mudança foné­tica conhecida coma "mutaçâo i":· quando '0 i seguia uma sflahaacentuada, a vogal desta sflaba acentuada era afetada e as vogaisanteriores eram fronteadas; assim, 0 tornou-se e. Issa cleu:

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Depois, numa segunda mudança fonética, 0 i final caiu, dando:

Estagio III

singular plural

foot: fat fet

-goose: gos ges

tooth: tof te}

Essas formas, pela "Great English Vowel Shift" [Grande transfor­maçao da vogal inglesa] - na quaI 0 tornou-se li, ë tornou-se T-,transformaram-se nas formas modernas (Curso, 100-1; Cours, 120).

No éstâgio l, 0 plural era marcado pela presença de um i final.Este é um fato sincrônico: a oposiçao entre a presença e a ausênciade i marcava a oposiçao entre singular e plural. Entao uma mudançafonética, que nao tinha nada a ver corn plurais ou, na verdade, corna gramatica da Iingua, ocasionou uma mudança claquelas formas quecontinham um i final. Essa mudança nada tinha a ·ver corn pIurais(nada a ver corn a oposiçao sincrônica entre- singular e plural) uma vezque ocorreu sempre que um i se seguia a uma sflaba acentuada ­mesmo n'bs verbos, porexemplo. Mas aconteceu, que certa numerode formas plurais foi afetado. produzindo um nova fato sincrônico noestagio II. Algumas formas plurais, coma resultado de um aconteci~

mento que nada tinha a ver corn plurais como tal, tornaram-se mar:cadas por uma dupla ,oposiçao: entre a presença e a ausência de umi final, coma antes, e entre 0 e do plural e 0 0 do singular. Depois,

. corn a quedado i final, que mais uma vez nao diz respeito aos pluraiscoma tal, resultou uma nova situaçâo sincrÔnica.O contorno dasformas plurais mudara através de um acontecimento histérico, mas,coma havia ainda uma_ diferença entre as formas do singular e doplural (0 oposto a -el, 0 sistema -lingüfstico foi capaz de usaressadiferença como uma oposiçao dotada de significado.

.. Esta observaçâo", escreve Saussure,

nos faz compreender melhor 0 carater sempre fortuito de um estado. ( ... ) 0

estado resultan~e da transfarmaçao naa se destinava a assinalar as signifi­caçoes das quais se impregna. Tem-se um estada fortuito: fot:fet, e dele· seaproveita para fazê-Ia portadar da distinçâo entre singular e plural: fot:fëtnaD esta melhor· aparelhado para isso do que fot: fôti. Em cada estada. aespfrita se insufla numa matéria dada e a vivifica (Curso, 100~101; Cours. 121-2).

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Do ponta de vista do sistema lingüistico. os fatos importantesSaD 'Os sincrônicos. Os acontecimentos diacrônicos lançam,novas for,­mas que dapais se tornam parte deum nova sistema. mas, coma dizSaussure. .. na perspectiva diacrônica ocupamo-nas corn fenômenosque naD têm relaçao alguma corn os sistemas, apesar de os condicio­narem" (Curso. 101; Cours, 122).

Saussure acentua a necessidade de distinguir as perspectivassincrônica e diacrônica em todos os casos. mas sua discussao trataapenas de mudanças sonoras. Naturalmente, os exemplos que examinatêm conseqüências morfologicas e gramaticais dentra do sistema, etais reajustamentos podem ter eventualmente conseqüências semân­ticas. mas ele nunca trata do problema da transformaçao semânticaem si, as alteraçoes diacrôniCàs dos significados. Ele admite.de·passagem. que, uma vez abandonado 0 pIano do som, torna-se maisdiffcil manter a distinçao absoluta entre 0 sincrônico e 0 diacrônico(Curso, 164; Cours. 194); mas a tearia certamente prescreve que sefaça isso,e pade-se tentar demonstrar. de forma plausivel. emborafora de moda, a extensao dessa distinçao à semântica..

o argumenta é formalmente muito similar ao que ·envolveasmudanças sonoras~ Suponhamos que alguém estivesse estudando atransformaçâo do significado de kyrtSt no Média Alto'"Alemao entre,aproximadamente. os anos de 1200 ,e 1300. 0 que seria. nesse caso.sincrônico ·e diacrônico? Para definir mudança de significado preci­sa-se de dois significados e estes s6 padern ser determinados pelacansideraçao de tatos sincrônlcos: as relaçôesentre significados numdeterJJiinado estado da Iingua que, definem a area semântica de"kunst" [arte]: Numestagio anterior, era um conhecimento ou com­petência supefior, nobre. em oposiçao a habilidades inferiores. maistécnicas (" Iist") e um talento pareial em oposiça-o àsabedoria sinop­tica de "wÎsheit". Num estagio posterior, as duas aposiçôes princi­pal~ que 0 definiam eram diferentes: mundano vs espiritual ("wÎs­heit") e técnico C" wizzen If) vs nao-técnico. 0 que temos sac duasdiferentes organizaçôes de um campo semântico. Uma explicaçao dia·crônica se basearia nesta informaçao sincrônica, mas, se ela tivesse.que'esclarecer '0 que aconteceu a .. kunst". teria de referir-se a tatoresou causas nao-lingüfsticos (mudanças sociais, processos psicol6gicos,etc.) cujos efeitos pudessem ter repercutido par acaso no sistemasemântico. Para uma analise da Iingua. os fatos relevantes, sac asoposiçôes sincrônicas. A perspectiva diacrônica ocupa-se de filiaçoesindividuais, identificaveis apenas a partir dos resultados da analisesincrônica, e recorre ao que Stephen Ullmann chama de JI a infinita

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variedade e complexIdade das causas que governam a transfarmaçaO'.semântica" para explicar a passagem de um estado para 0 outra. Masum conhecimento dos significados prévios e das causas particularesda transformaçao naa seria pertinente numa consideraçao das rela­çoes semânticas de'um estado sincrônico (exceto na medida am queos significados prévios estivessem ainda presentes no sistema, casoem que seriam considerados sincronicamente, nao diacronicamenteJ.

Aqui, como nos casas que Saussure considera, os fatas diacrônέcos sao de uMa ordem diferente da dos sincrônicos, relacionando-seniais corn elemantos individuais queèom 0 sistema que é 0 unicocapaz de definir aqueles elementos coma unidades Iingüisticas. Ahist6rta, a evoluçao historiea dos elementos individuais, realça formasque 0 sistema usa, e a estudo daqueles usas sistematicos é a tarefaprincipal. A explicaçâo historica ou causal nAo é 0 que se quer;ela-tam a 'ver corn os elementos de um~ Iingua, nao corn a lingua, e tema ver com eles apenas comoelementos. A explicaçâo, em Lingüistica,éestrutural: explicam-se formas e, regras de combinaçao expondo~se

o sistema subjacente de relaçôes, 'flumdeterminado estadd sincrônico.que criam e definem os elementos desse sistemasincrôriico.

ANALISE DA "LANGUE"

As duas conseqüências principais da natureza arbitraria do signo,que acabamos de explorar, apontam ambas para um fata que é unicae que pode ser considerado camo 0 centra da teoria saussuriana dalinguagem. A lingua é forma, nao substância. Uma lingue é um siste­ma de valores mutuamente relacionados, e anattsar a Iingua é exporo sistema de valores que constituem um estado de lingua. Emoposi­çao aos elementos positivos significantes ou fônicos, dos atos de falaou parole, a langue é um sistema de aposiçôes ou diferenças eatarefa do analista é descobrir quais sac essas diferenças funcionais.

o problema bâsico em que insistimos,aexemplo de Saussure, éo daidentidade lingüistica. Nada é dado em Lingüistica. Nao ha ele~

mentos positivoS. autodefinidos, corn os quais possamos começar.Para identificar duas instâncias da mesma unidade devemos constrùiruma entidade formai e relacional distinguindo diferenças nao;'funcio­nais (e por isso, para Saussure, nao~lingüisticas) de diferenças funcio­nais. Uma vez que tenhamos identificado as relaçoes e oposiçoes quedelimitam os significantes, por um lado, e os significados, par outro,ternos dadas que podemos tratar cornoentidades positivas, signaslingüfsticos, embora devamos lembrar que SaD entidades 'que emergem

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,.

da rade de diferenças que constitui 0 sistema lingüfstico num deter­minado mOFll_~to e dela dependem.

Mas até aqui, ao falar em signos ou unidaCJes lingüisticas, porleparecer que estivemos falando apenas de pa1avras, camo se a Ifngu8consistisse tao-somente de um vOG'abulario, organtzado de acordo cornoposiçoes fonol6gicas e semâqticas. Naturalmente, a IIngua consistetambém de muitas relaçoes e distinçoes gramaticais, mas Saussure in­siste, numa passagem ·que merece citaçaomai.s longa, em que nao han~tnhuma diferença entre uma unidade Iingüfstica e um fatogramatical .

.'Soa natureza comum é llm resultado do fato' de que os signos sacobjetos < Jnteiramente diferel'J,ciais e de que 0 que ,constitui um signalingüÎstlco (de qualquer 'espêèie) nao é nada mais que diferenças entresignos.

"Outra consequencia, bastante paradoxal, desse mesmo princέpia: 0 que s·e chama comumente de um "fato', de .gramatica", respon­de, em ultima analise, à definiçao de unidade". ;)sto é sempre expressopor uma oposiçao entreterl"(ios. Assim, no C~SÔ- Oa..oposiçâo alemaentre Nacht(" naite") e Nichte r~-noites"), é a,diferença que carregao significado gramatical.

Cada um dos dois termos confrontados no fato gramatical (0 slngular semmetafonia e sem e final, opostoao plural corn metafonia e -el esta constitui­do por todo um jogo de oposiçoes dentro do sistema; tomados isoladamente.nem Nacht nem Nachte sac nada; logo, tudo é oposiçao. Dito de outra modo.pode-se expressar a relaçao Nacht : Nachte por uma formula algébrica afbonde a e b nao sao termos simples, mas resultam cada um de um conjuntode reJaçoes. A Iingua é, por assim dizer, uma algebra que teria somente ter­mas complexos. Entre as oposiçoes que abarca, hâ umas mais significativasque outras; mas unidade e ~fato de gramâtica" sao apenas nomes diferentespara designar aspectas diversos de um mesmo fato geral: a jogo das aposl­çoes'Iingüisticas. Isso é tâo certo que sepoderia muito bem abordar 0 pro­blel'l)a~ das unidades começando pelos fatos de gramâtica. Apresentando-seuma oposiçâo como Nacht : Nachte, perguntariamos quais as unidades postasem jogo nessa oposiçao. Sao unicamente essas duas palavras ou toda a sériede palavras amilogas? Ou, entâo, a e i1 Ou todos os singulares e todos osplurais etc.?

Unidade e fata de gramâtica nao se confundiriam se os signos IingüÎsticosfossem constituidos par algo mais que diferenças. Mas sende a Ifngua O·

que é. de qualquer lada que a abordemos, nao Ihe encontraremos nada desimples; em toda parte e sempre, esse mesmo equilibrio de termos com·plexos que se condicionam reciprocamente. Dito de outra modo, a Iingua é

. uma forma e nio uma substância. Nunca nos compenetraremos bastante dessaverdade, pois todos os erras de nossa terminologia, todas / as maneirasincor­ratas de designar as coisas da Iingua provêm da suposiçao involuntaria deque haveria uma substância no fenômeno Iingüistico. (Curso, 141; Cours,168-9.)

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C,Ohsfderêmos, por exemplo, 0 caso da pa[avra inglesa took. Q~al'.t nefa, a marc·a do p~ssad()?' Obviatttente nada ha de positivo na pa- .l'àv:r' ern si, a nâo ser um· élemento re[aciona[. A oposiçâo entre, takee took ·assinala a distinçâo entre presentee passado, assim camo aoposiçao entre foot e feet a distinçao de n~mero. Sem teet [pés],foot [pé], seria, presumivelmente, indeterminado, como ° é sbeep{cf. "1 saw the sheep in the field ft, ,eu vi 0 carneiro (ou os carneiros)

.no campo). Os tatos gramaticais i1ustram a natureza puramente relaciÇ)­nal do signa e confirmam a radical concepçao saussuriana da Il nature­za, no funde idêntica, de todos os tatas de sincronia" (Curso, ,158;Cours, 187).

Ao estudar a Iingua,entao, a lingüista pr·eocupa-se corn relaçoes:identidades e diferenças. E descobre, argumenta Saussure, 6'5 dois"principais tipos de relaçao. De um lada, ha aquelas que vimos atéagora discutindo: oposiçoes que produzem termos distintos.-e alter­natives (bem eposiçao a p; foot .em aposiçao a feet}. Por outro lado,ha as relaçoes entre unidades que. se cornbinam para f.ormar seqüêh­6ias. Numa seqüência IingOistica, 0 valor de um termo depende naD sôdo contraste entre ele e ·os outras que poderiam ter sido escolhidosem seu lugar, mas também de ~uas relaçôes corn os termos que 0

precedem e 0 seguem na s·eqüênôia. As primeiras, que Saussure cha­ma de relaçoes associa,tivas, sac agora geralmente charnadas para­digmaticas. As outras sâo chamadas relaç6es sintagmatic~. Asrelaçôes sintagmaticas definem possibilidades combinatôrias~ as ra­Jaçoes entre elementos que se' poderiàm combinar numa seqüê:ncia.As relaç6es paradigmaticas sac as oposiç6es entre elementos que, sepadem substituir uns aos outras.

Essas relaçoes subsistem nos varios niveis da anâlise Iingüis­tica. 0 fonema Jp/ am inglês é definido tanto par sua oposiçaa a ou­tras fonemas que padern substitui-l0 em contextos coma /-et/ (cf.bet [aposta], let [deixar], met [encontrou], nE?t [rede], set [con­junto], camo por suas relaç6es combinatôrias corn outras fonemas (elepade preceder ou seguir qualquer vogal;. numa silaba, as Iîquidas /1/ a/r/ sao as unicas consoantes que a padem seguir e /s/ a uniea que 0

pade preceder).

Também encontra-mos tanto as· relaçôes sintagmaticas camo as pa­radigmaticas no nivel da morfologia ou estrutura da pa~avra: Um sups­tantivo é parcialmente definido pelas combinaçoes em que" pode enlrarcorn prefixos e sufixos. Assim temos friendless, friendly~ friendUnéss,unfriendly, befriend, unbefriended, friendship, onfriendliness, mas nao*disfriend, *friendier, *friendation, ·subfriend, '*overfriend, *defrien·dize, etc. As possibilidal:ies combinat6rias reprè,sentam r-elaçoes sin..

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tagmâticas;as relaçôes paradigmâticas devem ser encontradas nocontraste entre um determinado morfema e aqueles que 0 poderiamsubstituir num determinado ambiente. Assim, ha contraste paradig­maUco entre wly, -Iess e -ship· na medida em que todos eles padernocorrer depois de friend [amigoJ, e a siJbstituiçao de um por outraacarreta uma transformaçao no significado. Analogamente, friend temrelaçoes paradigmaticas corn lecture [prelaçeo], member [membro],dictator [ditador], pertner [socio], professor [professor], etc., namedidaem ~ue todas elas contrastam urnas corn as outras no ambian­te - wship.

Se avançamospara 0 nrvel da sintaxe propriarnente dita, pode­mos continuar identificando ai os mesmas tipos de relaçoes. As·relaçoes sintagmâticas que definem 0 constituinte he frightened[ele assustou-se] permite-Ihe ser seguido apenas por alguns tiposde constituinte: George, the man standing on the corner, thirty-onefieldmice [George, 0 homem parado na esquina, trinta e um arga­nazes], etc., mas naD the stone, sincerity, purple, in [a pedra, asinceridade, roxo, em], etc. Nosso conhecimento das relaç6es sin­tagmaticas capacita-nos a definir para he frightened uma classe pa- .radigmatica de itens que 6 padern seguir. Esses itens estao em con­traste paradigmâtico uns corn os outros, e escolher um é produzirsîgnificado pela exclusao dos outros.

Saussure afîrma que todo 0 sistema Iingüfstica pade ser redu­zido a uma teoria de relaç5es sintagmaticas. e paradigrnaticas eexpli­cado em seus termas e que, nasse sentido, todas os fatos sincrô-

_nicas sac fundamentalmente idênticos. Talvez esta seja a mais claraafirmaçao do que se pode charnar a concepçaoestruturalista da lin­guagem: que uma Ifngua naa é simpIesmente um sistema deelementostotalmente definidos par suas relaç6es recfprocas dentro do sistema,embora ala também 0 seja, mas que 0 sistema Iingüfstico consistede diferentes nfveis de estrutura; em' cada nivel pode-se identificarelemantos que contrastam entre si a combinam~se corn outras ele­mentos' para formar unidades de nivel superior, e os princfpios daestrutura em cada nivel sac fundamentalmente os masmos.

,Pad.emos resumir e i1ustrar esta concepçao dizendo que, coma

a Ifngua é forma e naD substância J seus elementos têm somente pro­priedades contrastantes e combinatorias, e que am cada nrvel de

* ~Iy, sufixo formador de adjetivos geralmente derivados de substantivos, ou deadvérbios derivados de adjetivos; ~Iess, sufixo formador de adjetivos, corn 0

sentido de "sem"; .ship, sufixo formador de substantivos. [N. do T.]

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'0 estrutura identificam-se as unidades ou elementos de urna lingua parn sua 'capacidade de diferençar unidades do nivel imediatamente supe·1- 'rior. Identificamos os traças fanol6gicos distintivos camo os traçasn relacionais que diferenciam fanamas: Ib/ esta para /p/ e /d/ estâ) para Itl assirn coma urna sonora esta para urna surda; logo, sonoral vs surda é urn traço distintivo minima. Esses fanemas, por sua vez,

sao identificaveis porque os contrastes entre eles' têm a capacidadede diferençar fanemas: sabamos que Ibf e /pl devern s'er unidadeslingüisticas porque contrastam para distinguir bet [aposta] de pet[animal de estimaçaol E devemos considerar bet e pet camo uni­dades morfol6gicas porque a contraste entre ales é 0 que diterencia,por exemplo, betting de petting, ou bets de pets. Finalmente, essesitens, que podemos informalmente chamar de palavras, sa'o definidospe-'o tato de representarem papéis difer~ntt}.S nas unidades de nivelsuperior de frases e oraçoes.

Afirmando assima dependência mutua dos varias nÎveis de Ifn­guagem, estamos mais uma vez mostrando como, na Lingüistica, na­da é dado de antemao. Nâo apenas isso, estamos argumentando quenaD se pode identifJcar primeiro 'Os elementos ou unidades de uronivel para depois descobrir a maneira par que eles se combinam paraformar unidades do nlvel seguinte, porque os ·elamentos corn os quaisse tenta começarestao definidas par relaçoes' tante sintagmâticascamo paradigmaticas. A unicamaneira de identificar 0 prefixare· camo uma unidade marfêmica do Inglês é perguntando nao apenasse ele contrasta corn outros elementas,mas também se, quando elese combina a outros elementos para formar uma unidade de nivelsuperior, participa de contrastes que distinguem e deft'nem a combi- ­naçao de nivel superior. Sabemos que re- contrasta paradigmatica­mente corn un-, out-, e over~ porque redo contrasta corn undo, outdoe.overdo; e sabemos que do é um elemento morfêmico isolavelpor­qu'e redo contrasta corn rebuild [reconstruir], reuse [re-usar], re­connect [religar], etc. Podemos dizer que sao 56 os contrastes entrepalavras que nos_capacitam a definir os const]tu~ntes de nivel infe­rior de palavras, morfemas. Deve-sedescobrir s~mu[taneamente rela·ç5es sintagmaticas e paradigmaticas.Este prin.cTpl0 estrutural bâsicQ,de que os itens sao definidos por seus contrastes corn outras itens. esua capaci-dade de combinar-se para farmar itens de nivel superior,atua em tados os nlvais da Ifngua.

A LlNGUAGEM _. COMO FATO SOCIAL

Ao explicar esses aspectas técnicos da tec,~f:81 :sau:ssuriana dalinguagem, nâo acentuamos suficientemente um ~h~i;'1~c.î;J,jiO' ao quaI

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Saussure deu grande peso: '0 de que. ao analisar a Iinguagem. esta·mas .analisando fatas sociais, ocupando·nos corn 0 usa, social deobjatos materiais.' Como ja dissemq~~ uma Hngua poderia ser real1..zada am diversas substânciass·em altèraçao de sua natureza basicacom'O um sjstemade relaçôes. 0 que é importante - na verdade,-tudo 0 que é relevante --- SaD a~ distinçôese relaçôes que foram,dotadas de signifieado por uma soci·edade. A pergunta que 0 analistaconsfantemente 'faz é quais sac ès dif.erenças que têm significadopara os membros da comunidade lingüistica. Pode ser difÎeU. amiude.atribuir uma formà precisa àquelas eoisas que funcionam coma slg­nos; mas, se urna diferença gerasignificado paraI os membros deum'a cultura,'entao hâ um signa, par mais abstrato que seja, que devesel" analisado. Para a falante de Inglês, John loves Mary tem signi­ficado diferente do qe Mary loves John; logo, a ordem daspalavras.,constitui um signa, ûm fato social, enquanto que algumas diferençasfisicasentre as maneiras pelas quais dois falantes pronunciam aoraçao John loves Marypodem nao ter qualquer significado er porisso, ser tatos puramente materiais.nao s'Cciais.

Podemos ver. entao, que 0 lingüista estuda nao grandes coleçôesde seqüências sonoras mas um sistema de convençôes s·ociais. Eleesta tentando determinaras unidadese regras de combinaçao que'formam aquele sistema e tornam passivel a comunicaçao Iingüisticaentre osmembros de uma sociedade. Ë urna das virtudes da teoria,Saussuriana da linguagem 0 fatQ.. d.e ter colocado as convenç6es sO·ciais ·e os fatos sociais no centro da investigaçao lingüfstica mercêda ênfase par eladada ao probl·ema do signa. Quais sac os signosdestesistema lingüfstico? De que depende sua identidade coma sig·nos? Formulando ,estas perguntas simples, demonstranda que nada sepode admitir de antemao coma unidade de linguagem. Saussure con·tinuamente aoentua a importância de adotar·se a perspectiva meta..dolôgica correta· e de ver a linguagem como um sisterna de valaressocialniente determinadas, nao como uma coleçao de elementos subs·taneialmente definidos. Pader-se-ia. para concluir esta discussâa. citarduas passagens pertinentes escritas por ele mesma:

A lei ûltima da Iinguagem é, ousam~s dizê-Io, a de que nada pode residirsempre num unico termo. Isto é umaconsequênciadireta do fato de que ossignos IingüÎsticos naD estao relacionados com 0 que designam, e de que,par Isso, a naD pode designar nada sem a ajuçla de b é vice-versa; ou amoutras palavras, ambos têm valor apenas pelas diferenças' entre si, ou nenhumdeles tero valor, em qualquer de seus constituintes, senac através dessa mes­ma rede de diferenças para sempre negatlvas.

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-....

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Camo a Iinguagem nao' consiste de nenhuma substância masapenas daaçao isolada ou combin~dade forças. fiSiol6gicas. psicol6gicas e mentais; ecoma, naD obstimte todas as nossas distinçôes, toda a nossa terminologia,tadas as nossas maneiras de falar de~a sao moldadas pela suposiçao invo~

. liJntaria de que ha substância, nao se pode evitar reconhecer. antes de tudomais, que a tarefa mais essencial da teoria Iingüistica sera deslindar 0 estadode nossas distinç6es basicas. Nao pos~o conceder a ninguém 0 direito deelaborar uma teoria evitando 0 trabalho de definiçao, embora este procedi­mento conveniente pareça até agora ter satisfeito os estudiosos da linguagem. 3

Promover a insatisfaçao, estimular 0 pensamento acarea dos fun·damentos e insistir na natureza relaeional dos fenômenos IingüIsticos:ais os vetores da teoria de Saussure. Podemos agora cO.lJsiderar asignificaçao mais ampla de sua obra: sua relaçao corn 0 pensamento,anterior e subseqüente, sobre a linguagem e corn ° trabalho am outrasdisciplinas.

3. "Notes inédites de F. de Saussure", Cahiers Ferdinand de Saussure 12 (1954),pp. 63 e 55·6.

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CAPfTULO III

. .

o LUGAR "DAS TEORIAS DE SAUSSURE

Ha três diferentes contextos em que se pade tentar avaliar aimportância do pensamento de Saussure; e ,embora issa envolvaalgurna repetiçao, ao fixarmos a importância de determinados con·ceitos ou vislumbres, parece-nos melhor considerar sucessivamentea relaçaa entre Saussure e seus antecessores na Lingüfstica, as reJa- .çoesentre as teorias saussurianas da linguagem e as principais cor­rentes de pensamento fora da Lingüfstica e, finalmente, a influênciade Saussure na Lingüfstica moderna e a fortuna de suas idéias entreseus sucessores.

Este amplo panorama é necessario porque a lmportância de Saus­sure nao reside simplesmente am sua contribuiçao à lingüfsticaper se, mas no fato de que ele transformou 0 que poderia de outra

. maneira ter parecido uma disciplina recônditae especializada nurnapresença intelectual de vulta-- e num modela para outras disciplinasdas "ciências humanas". Par outras palavras, a tese impllcita destecapitula é a de que, considerando a maneira por que Saussure res­.pondeu ao estado da Ungüîstica ·em sua épocae a base te6rica sobrea quai el,e propôs .a renovaçao da Lingüistica, descobriremos vislum­bres fundamentais para 0 estudo do oomportamento humano e dosobjetos sociais.

A LlNGOrSTICA ANTES DE SAUSSURE

o Cours de linguistique générale começa corn uma versao com­pacta das observaç6es de Saussure sobre a hist6ria da Lingüfstica.Deixando de lado 0 estudo da Iinguag·emanterior a 1800,ele distlngue

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dois estâgic5s da investigaçao lingüistica: 0 da Filologia comparada oùGramatica -comparativa, que data da obra de Franz Bopp de 1816 (quecomparava à· sistema de conjugaçao do sânscrito corn 0 de outrasHnguas), e um segundo perfodo, iniciado por volta de 1870, quandoa Filologia comparada tornou-s~ mais propriamente histôrica -e quan­do alguns lingüistas começaram a formular questoes 'pertinentes arespeito' da natureza' da linguagem a'da métoda lingüfstico.

; ,

_Saussure tem pouco a dizer a respeito da Lingüfstica anterior a1800, provavelmente porqueestava muito menas interessado nos pro­blemas g,erais da historia intelectual do que nos métodos de analiselingüistica e na definiçao dos fatos Iingüfsticos. Mas s·e estamospensando no alcance maior da pr6pria teoria de Saussure, na-D pode­mos deixar de considerar 0 quanto a revolta de Saussure contra aLingüfstica de seu sécula envolvia uma elaboraçao dialéfica de algunsdos princfpios ou implicaçoes subjacentes dos estudos lingüfsticosanteriores ao século XIX. Nossa descriçao s~ra---necessariamente su­perficial, selètiva e sumaria, mas ess-encial, 'se quisermos ver 0 queSaussure redescobriu ou preservou do pensamento anterior acereada linguagem.

Qualquer um que escolha devotar-se ao estudo da linguagempressupoe que estaempreendendo algo merit6rio, e embora passanao ter necess·ariamente formuladouma concepçao do seu prop6sitode estudar a li nguagem, as pressuposiç5es em que estao baseadosseu trabalho e 0 de seus contemp\lrâneos moldarao necessariamentesua disciplina. Uma época que pr-essuponha, por exemplo, que a Lin­güfstica proporcionara conhecimento das caracterfsticas da naçâo ouda raça produzira uma disciplina muito diferente da que pressuponhaque a· Lingüfstica lançara luz sobre a natureza do pensamento huma-no e da prôpria mente. . .<,-

~sta ultima pressuposiçao estruturou e animou oestudo da lin·-Quag.em nos séculos XVII e XVIII: corn estuda-Ia, procurou-se corn·.preendet 0 proprio pensamento.Mas 0 estudo da Iinguagem assumeduas formas diferentes, de acordo corn 0 tipo de questao f<ormuladaacerea do pensamento. A primeira .abordag,em, que.é essencialmentea do século XVIII e que é mais bem representada pela Gramâtica dePort Royal (Grammaire générale et raisonnée), toma a!linguagem comaum quadro ou uma imagem do pensamento e por issa procura desco­brir, através do estudo da Iinguagem, urna 16gica universal t as leis darazao. A empresa basica é uma explicaçao racional das partes dafala e das categorias gramaticais. É-nos dito assim, por exemplo, queo verbo é ess'encialmente urna representaçao de afirmaçao, pela que

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overdadeiro verbo universal é ser. As Hnguas têm, todavia. associadoem seus verbos a funçao realmente verbal de afirmaçâo ou prediea­çao e a funçao nao-verbal de pesignar um atributo. Em inglês. Peterlives' (Pedro vive] é analisado em gramatica 16giea camo Peter isliving [Pedro esta vivendo]; frase onde'o verdadeiro verbo, is, pre­diea 0 atributo living de Peter.

Uma gramatiea desse tipo era totalmente,atemporal ou sincrô-c •

niea. 0 pr6pri'Q Saussure, perguntando quase insultantemente .. oomoprocederam aqueles que estudaram a linguagem antes da fundaçaoda LingüÎstica", notou que 0 ponta de vista dos gramâticos' do séculoXVII era fi irrepreensivel". Eles possuiam um objeto bem definido.sabiam 0 que estavam fazenda e naa eonfudiam estudos sincrônicose diacrônicos, embora sua pratica deixasse a desejar ·em muitos ou­tras aspectas (Curso, 97-8; Cours, 118). Mas foi precisamente e5saausência de uma dimensao temporal 0 que preocupou seus sucesso­res do século XVHI. Se se quis,er c,ompreender 0 pensamento. suge­riram eles. nao é suficiente elaborar uma gramatica 16gica; deve-se

..fl~scutir a formaçaa ou des'envolvimento de idéias. Aos seguidoresl~eLocke,' isso afigurava-se especialmente decisivo: para compreen­cdér,;' a mente humana deve-se saber como as. idéias se desenvolvem'a'partir das sensaçoes, e foi precisamente ~ste problema que Con­dillac,savant, e lingüista do século XVIII, apontou em seu EnsaioSobre a Origem do Conhecimento Humano.

Condillac dispôs-se a demonstrar que a reflexao pode derivar dasensaçaoe que 0 mecanismo de derivaçao é um .. encadeamento deidéias" executado pel·o uso de signas. A natureza precisa de seu argu­menta nao é importante; o que importa é a direçaa a que ele 0 leva.Tentando mostrar que 0 pensamento tem urna origem natural, que aexistência da reflexaa e das idéias abstratas é algo que pode serexplicado. ele foi além da tese de que a linguagem é uma figuraçaodo pensamento (aposiçao do Béculo XVIII) paraargumentar que asidéias abstratas sao um resultadodo processo pela quaI os signasse criam. Ele teve portante de demonstrar que havia um processonatural pela quaI urna linguagem de signos convencionais poderiasurgir de uma experiência primitiva e nao-reflexiva. Teve de preo­cupar-se corn a origem da linguagem.

Através de Condillac e de seus seguidores, a origern da lingua­·gem tornou-se um pr-oblema central do pensamento do sécula XVIH,

, mas é essencial notar que ela foi investigada coma um problema rma,isfilos6fico do que historico. Trabalhava..se na origem da linguagenr a

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firnde esclarecer a natureza da linguagem e. assim,a natureza do. perisamento. Corn explicar a origem de alguma coisa. explicava~se

sua natureza. E assim 0 pensamento dOfêculo XVIII acarea da lin­guagem veio focalizar ·especialmente aquilo que se pode chamar deetlmologia filos6fica: a tentativa de explicar os signos e as idéiasabstratas imaginando~lhes as origens am gestos, açoes e sensaçôes.Condillac sugere, por exemplo. que as preposiç5es ·eram original­mente os nomes de gestos qûe indicavam direçoes. A razao de talhip6tese talvez estaja amplam·ente indicada na sugestao de' Locke,retomada am pormenor no artigo de Turgot sobre etimologia naEncyclopédie francesa, de que '0 estudo das origens das palavras indi·caria os conceitos que a pr6pria Nature:za teria sugerido ao Homem.

" -'. -'-.

Querer estudar, na Iinguagem, a mecanismo da mente levou àpesquisa de ralzes primitivas: elementos essenciais que, corn seusignificado, estao no nucleo de tados os signos que se desenvolve­ram a partir deles. Umfl raiz era um nome rudimentar, urna .repre~

sentaçao basica, e 'os deseflvolvimentos posteriores poderiam serconsiderados como extensôes ou acréscimos, senaa distorçoes, me·tafôricos desses signas basicos. As derivaç5es am The Diversionsof Purley, de Horne Tooke, sao apena~emplos mais divertidosde um modo <te pensamento extremarnente camum na I.nglaterra e naFrança no século XVIII.

Eis Tooke falando da raiz bar [barra]:

Bar [barra]. em todos os seus usos, é uma defensa: aquilo corn que sefortifiea. se reforça ou se defende qualquer coisa. Barn [celeiro] é um cercadocoberto em que 0 cereal etc. é protegido ou defendido do tempo. das depre­daçoes. etc. Baron [barao] é um homem armado, bem defendido ou poderoso.Barge [barcaça] é um barco forte. Bargain [barganha] é um acordo confirma·do. reforçado... Bark [brigue] é uma na've robusta. Bark [cortiça] de umaarvore é sua defesa ...

Este, coma eu disse, é um exemplo extr·emo, mas ilustra variaspontas importantes. Antes de tudo, 0 estudo da linguagem fùndamen·ta-se nurna noçao de representaçao; as palavras interessam" porquesao tomadas como signos que representam· categorias fundamentaisda experiência e é de acordo corn essas categorias que se agrupam.Unidade de representaçao ou significado é 0 que é usado para reuniressas palavras.

Em segundo lugar, a fim de deitar luz sobre o· pensamento 0analista tenta motivar os signas: baron nao é apenas a combinaçao

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arbltr'rla de uma seqüência fonol6gica a de um significado; é moti­vadô por sua suposta derlvaçao de urna raiz primitiva que é, em simasma, a base natural de todos os signos correlatos. Em garaI, '0

projeto etimolôgico pressupôe que as palavras de '~nossa Iinguagemnaa sao signos arbitrarios mas têm uma base racional e sao motiva­das par semelhança cam um signa primitivo.

Em terceiro lugar, 0 tempo é invacado aqui, oomo acontece :tre-qüentemente no sécalo XVI Il, naD no Interesse de qualquer projetahist6rico mas coma uma ficçao explicativa. Isto, naturalmente, abriucaminhopara um estudo historico mais acurado da evoluçao Iingüisticaque, corn a destruiçao das etimologias filosôficas, feriria 0 coraçaodo projeta fHos6fico. Corn invocar a historia, embora coma uma fic­çao, os estudiosos de Iinguagem do sécuto XVIII tornaram-se espe­cialmente vulneraveis.

Finalmenfè, a reraçao entre a linguagem e a mentè é concebidaatomistiçamente. Quando sao tomados individualmente, ou am gru-,pas individuais, é que os signos ilustram a natureza da mente e dasoperaçoas mentais. Aqui, a conexao entre Iinguagem e mente estas-endo feita naD através das estruturas 16gicas da gramâtica filosoficado século XVH, mas através de conceitos naturais representados parraizes individuais.

~ ~

A Lingilistica do século XIX reJeitaria essas quatro preocupaçoesou procedimentos. Coma argumenta Hans Aarsleff.

é universalmente aceite que a virada decisiva no estudo da Iinguagem ocorreuquando 0 método filos6fico. aprioristico. do século XVIIJ foi abandonado emfavor do método hist6rico, a posteriori. do século XIX. 0 prImeiro começoucorn categorias mentais e buscou-Ihes exemplificaçao na linguagem, como nagramatica universal. e baseou as etimologias am conjecturas sobre a origemda Iil19uagem. 0 ûltimo buscou apenas tatos. indfcios. demonstraçâo; ele di·vorci.ou 0 eSb:!do da Iinguagem do estudo da mente. i

Rejeitando 0 elo entre linguagem ·,e mente, '0 século XIX perdeuInteresse pela palavra camo um signo ou Uma representaçao. A pala­vra tornou-se uma forma que devia ser comparada a outras formas'paraestabelecer as relaçoes entre Iinguas, ou antes, uma forma cujaevoluçao histérica cumpria traçar. A historia ficeional das etJmologias

1 .. The Study of Language in England, 1780-1860. Princeton. 1967, p. 127. Ë umaexcelente discussao dahist6ria da Lingüistica, corn um alcance mais amplodo que 0 seu tituloindica.

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filos6ficas foi abandonada por uma historia propriamente -positivista,·e corn ela foi abandonada a tentativa de usar a hist6ria para motivarsignas. 0 objeto de estudo da Lingüistica noséculo XIX, em suma,naoeramais 0 signa coma urna representaçao cuja base racionaldevesse ser descoberta, mas a forma cujas sem·elhanças e elos hist6­ricos corn outras palavras devessem ser demonstradas.

,

Embara os lingüistas geralmente vejam os avanças do séculaXIX como um grande progresso, algo obviamente se perdeu 'nessamudança de interesse; e, quando Saussure veio discordar de seusantecessores imediatos, ele retornou, se bem que num diferente nivelde refinamento e de maneira diversa, às preocupaçoes do séculoXVIII. Antes de tudo, retornou ao problema do signa, euma vez maisconcebeu a linguagem coma uma ordem de representaçao. Ele pèrce­beu que naD se pode definir as formas lingüisticas, a m·enos que elassejam tratadas camo signos; mas, ~olocando 0 problema do slgno nocontexto de sua pesquisa metodol6gica. evitou 0 atomismo de seuspredecessores do século XVIII: os signos sac constitufdos apenas parsuas relaçôes corn outras signos, pelo que 0 projeto de estudar signosindividuais camo representaçoes tevede ser abandonado. Além dis­so, Saussure reestabelece. pelo menos implicitamente. a relaçao entreo estudo da linguagem e 0 estudo da mente masem outro nivel enum contexto metodologico diferente. 0 que 0 es~udo da linguagemrevela sobre a mente naD é um conjunto de percepç6es primitivasouidéias naturais. mas as operaç6es estruturadoras e diferenciadorasgerais pelas quais se faz corn que as coisas signifiquem. Quando Saus­sure afirma que 0 significado é "diacritico" ou diferencial. baseadoem diferenças entre termas e naD em propriedades intrinsecas dosproprios termos, sua pretensao diz respeito naD somente à lingu~

gem. mas ao processo humano garai pela quai a mente cria signifi­cado por via da distinçaa.

,p'oder-se-ia dizer, sintetizando, que a Lingüfstica do sécula XVIII-foi um exemplo de concreçao fora -de lugar. A ligaçao entre a lingua­gem e 0 pensamentofoi feita de maneira muito direta, muito con­creta: através de signos individuais cuja autonomia foi pressupastâ.Para vo'ltar ao problema numa perspectiva diferetlte, a fim de verque eram os mecanismos garais· da Iinguagem concebidos como umsistema semi6tico que i1ustravam as propriedades da mente, 0 eloentre a,linguagem e a mente teve de ser quebrado por algum tempoe a linguagem teve de ser estudada como um objeta em si mesmo.Teve de ser tratada. temporariamente, como um sistema de formas

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sem nenhuma relaçao especial corn a mente. Este foi 0 papel daLingüfstica no século XIX, ao quai podemos agora voltar.

Face a esses dadas novas e reveladores, a tarefa dos lingüistastornou-se a comparaçao, mas nao a comparaçao de formas isoladasque tanto haviam intrigado OS lingüistas do século XVIII. 0 objetivoera encontrar modelas de afinidade, nao descabrir um significado ouuma representaçao primitivos que uma raiz camo bar pudesse guar­dar em tadas as suas manifestaçôes. E entao a ênfase recaiu sobreos sistemas flexivos - precisamente os elementos que os etimo~

logistas filosôficos eliminaram para chegar à raiz ou, antes, que tra·

.. '

1

,. -ganasam

generum

géneôri

genera

génea

ganassu, .

ganasl

genere

génei

generis

géneos

ganasas

genus

génos

ganas

Examinando 0 desenvolvimento da .. gramatica comparada" ou Fi­lologia comparada no século XIX, Saussure observa que ela naD po­deria ter ocorrido, pelo menas naD tao prontamente, sem a descobertado Sânscrito pela Europa. 0 domfnio inglês da Îndia e 0 interesse queos administradores ingleses manifestaram pelas IInguas indianas trou­xeram à atençâo dos Iingüistas europeus as surpreendentes afinida-

"-

des entre 0 Sânscrito e as Iinguas européias antigas, tais coma 0

Grego e '0 Latim. Essas relaç6es entre ralzes verbais e entre formasgramaticais. parecia aos lingüistas do final do século XVIII, numerosasdemais para serem fortuitas e levaram-nos a postular uma fonte co­mum para as três IInguas.

a Sânscrito encorajou a comparaçao das Hnguas porque, comamostra Saussure, ele nao apenas possufa afinidades corn outras IIn­guas indo-européias coma ajudou a esclarecer as relaç5es daquelasHnguas entre si. Consideremos as declinaçôes dos substantivasabaixo:

latim:

Grego:

Sânscrito:

Se s6 0 Latim e 0 Grego forem comparados entre si, a afinidadenaD parecera ser muito direta; mas quando 0 Sânscrito é acrescen­tado, ele ajuda a sugerir a natureza da relaçâo entre eles: onde 0

'Sânscrito tem um s entre duas vogais, 0 Latim tem um r e 0 Gregonao tem nenhuma c'Ûnsoante. Ha, ainda, naturalmente, diferenças con­sideraveis entre as vogais, mas a comparaçao dessas formas grarna­ticais - as desinências flexivas dos' substantivos _. certamentesugere afinidades profundas.

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taram como elementos destacaveis derivados, eles prôprios, de outrasrafzes. Friedrich von Schlegel, am sua obra de 1808. Sobre a Li~.-­

guagem e a Sabedoria dos lndianos, admitiu ,a existência de rafzescomuns mas argumentou que .. 0 ponto decisivo, todavia, que ascra­recera tudo a respeito, é a estrutura interna das linguas ou a grama-tica comparada, que nos dara informaçôes inteiramente novas sobrea genealogia da IIngua, da mesma maneira que a anatomia comparadalançou luzes sobre a histôria natur-al".

Foi, como, sugeri acima, necessari0 qu~brar a -conexao entre 0- ~~estudo da linguagem e oestudo da mente para chegar a uma melhor

compreensâo da IIngua coma sistema. A mudanç·a do faco de atençaodas rafzes para os modelos flexivos (que sempre fora 0 ponta maisdificil de ser tratado pelos etimologistas .filos6ficosJ reflete uma mu­dança nanoçao do que seja a Iinguagem: ela nao é mais simples­mente uma representaçâo, uma série de formas ordenadas I?ela racio­nalidade que representam e através da quai se chega a compreendero -pensamento e os proceSSQS da pr6pria mente. É um sistema deformas governadas par suas pr6prias leis, que possui um padrao for­mai autônomo. A idéiade comparar IInguas,' nao em termos das rafzesque usam para exprimir os conceitos ou categ·orias fundamentais daexperiência mas em termos dos modelos formais dé eleinentos gra-

1

matieais através dos quais as palavras se unem e se~ diferenciam, éum· passa importante em direçao à noçao de uma IIngua camo umsistema formai e autônom·o.

Na verdade, como Schlegel sugeriu no trecho citado aeima. aIIngua era agora cancebida coma um objeto de conhecimento, algo .que poderia ser dissecado ou anatomizado camo uma planta ou umanimal. Nao mais estava senda estudada coma a pr6pria forma dopensamento, coma uma representaçao da relaçao da mente corn 0

mundo.

A partir do século XIX, a Iinguagem começou a dobrar-se sobre si mesma.a adquirir sua pr6pria densidade partlcular, a desènvolver uma hist6ria, uma.objetividade, e leis pr6prias. Tornouwse um abjeta de conhecimento entre ou-tros, no mesmo nivel dos seres vivas. da riquezâ e do valar. e da historiâdos acont~cimentos e dos homens ( ... ) Conhecer a linguagem naD é maischegar tao perte quanta possivel do conhecimento em s1";-: é simplesmenteaplicar os métados de compreensaoem geral a um damrnlo partlcular' daobjetividade. 2 .

2. Michel Foucaült, The Order of Things, Londres. 1970. p. 296-.

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o método foi 0 da comparaçao;- 0 objetivo foi a demonstraçao deafinidades;e 0 princfpio metodo16gico fundamental foi que as anal,o­gias entre os sisternas flexivos eram 0 critéria da relaçao Iingüis~

tica. Mas oestudo comparativo teve resultado$ extraordinarios. Con­duzîu à formulaç§o das chamades "'Ieis sonoras"': regras gerais outâbuas de correspondência que estabelecîam que um conjunto parti­cular de sons de uma lingua carrespondta a outro conjunto de sonsem outra Hngua. A mais famosa des~as lèjs éa lei de Grimm, nome'derivado do de Jacob Grimm que, cam Bopp, Schlegel e Rasmus Rask,fol um dos mais destacados gramâtlcos comp~rat~stas. A lei deGrimm é na realidade uma série de nove correspondências: as Unguas'germânicas têm um tonde 0 Latim, 0 Grego e '0 Sânscrito têm um d;um fonde ·ales têm um p (estas duas correspondências estao ilus­tradas par palavras camo foot [pé]: 0 velho alto-alemâo fotus, emoposiçao a-o_ grego podos, latim pedes e sânscrito padas); a germâ­nica tem um bonde 0 latim tem um f, 0 grego umph e a sânscritoum bh; e assim par diante, par·a seis outras correspondências.

: Saussure afirma que esses gramaticos comparatistas nunca con­seguiram fundar uma verdadeira Lingüfstica po'rque naD se preocupa­ram em determinar a natureza do objeto que estudavam e nao par~

guntaramqual era a importância das relaçôes que descobriam (Curso,10; Cours, 16). 0 método dales foi, mais que hist6rico, exclusiva­mente comparativo. Eles falavam como se houvesse um modela abstra­to universal, um conjunto de fendas que cada Iingua tinha que preen­cher corn alguns elementos; ·e, assim, confundiam as perspectivassinerônica e diacrôniea. De fato, os paralelos entre Hnguas desco­bertos por eles indicam uma relaçao historiea, e a tarefa diacrônicaseria reconstruir em detalhe os passos pelas quais os 'elementos deuma IIngua indo-européia original transformaram-se nos elementosdo Sânscrito, do Grego, do Latim, etc. A taref,a sincrônica, por outrolado, seria mostrar camo, em determinado estagio do desenvolvimen­ta de uma lingua, os e1ementos' historicos fortuitam'ente dadas eramarganizados num sistema pequliar a essa Ifngua.

A confusâo destas duas tarefas, diz Saussure, pade ser vista emGrimm, que nao é propriamenteum lingOista·historicista. Ele falhà

,am distinguir as transformaçôes diacrônicas da,funçâo sinerônica dao.dà a novos elementos pela sistema lingüistico. Vim·os, no capitulaanterior (pp. 34-5) que a alternância vocâliéa, coma em foot:. feet,goose: geese, tooth: teeth, ·era 0 resultado de uma mudança pura-mente fonética que naD interessava à gram~tica. Mas Grimm vê a·alternância vocalica camo naturilmente significante am si mesma: a

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vogaI de foot transforma-se na vogal de féat para representar 0 plu­ral (Engler, 15). Ë ·eomo se hauvesse um papel que tivesse de serde-~~mpenhado ea Ifngua tivesse produzido ou desenvolvido umanova parte para desempenha-Ia. Saussure considerava muita insidi'osaessa espécie de pensamento plausÎvel,. mas confus9..

Havia, naturalmente, uma razâo para esse tipo de pensamento:u.m modela prestigiado ao quai os lingüistas apelavam implicitamente.Era 0 modela do organismo vivo: uma entidade contida em si mesma,que ereseia e se desenvolvia de acordo com leis garais. Sehlegel, napassagem eitada aeima, relacionava a gramatiea comparada à anato­mia comparada, e a metâfora naD é incomum am escritos lingüIsticos.A anatomia comparada, presidindo a transformaçaopela quai a histO­ria natural transformou-se em Biologia, dirigiu a pesquisa para aestrutura orgânièa interna dos seres vivas. As plantas ou os animaispoderiam, entao, ser relacionados entre si em termos das diferentes·maneiras pelas quais seus organismos cumpriam funç6es ba~icas co~

ma respiraçao, reproduçao, digestao, locomoçâo, circulaçao. Estas ra­laç6es, par sua vez, levaram à· produçao de taxonomias historicas:esquemas evolutivos nos quais a noçâo de historia poderia ser usadapara aproximar e expliear as diferenças existentes no sistema orgâ­niea de cada espécie, tais como reveladas pela comparaçao.

o terreno comum entre a Lingüistica e a Biologia nos primordiosdo século XIX é este: ambas estavam empenhadas em libertar-se dacontinuidade historiea ficeional que animou a pesquisa do séculoXVIII.· A unica maneira de fazer historia coma cumpre, era, em pri­meiro lugar, romper corn a historia, tratar as Ifnguas ou espécies indi­viduais como entidades autônomas que poderiam ser descritas e com­paradas entre si eomo todos. Entao, dadas esses organismos indi­viduais, tornou-se passlvel redescobrir a historia, mas num novonlvel. 0 ser humano, uma vez analisado camo um organismo que en­contra maneiras de cumprir funç6es basicas, foi analisado em termosdas condiçoes que a capacitam a ter urna historia. Quer dizer, a his­toria do organism-o ou da espéeie torna-se a estéria da maneira pelaquai essas funç6es bâsicas sao cumpridas, a estéria das transforma­ç6es que ele safre para manter sua existência. As funçôes elementâ-

··res tarnam-se a base de uma série historica. Assim, 0 trabalho a-his..t6rico da anatomia comparada foi 0 que tçrnou possivel a teoria dar­winiana da evoluçao.

SimHarmente", no casa dalinguagem, ,a método comparativo ·rom­:pa corn 'a etimologia filos6fica para considerar as Ifnguas coma siste­mas comparaveis. A comparaçao mostra as diferentes maneiras pelas

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r

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quais as Hnguas cumprem funçoes· similares (p.ex., os diferentes sis..ternas flexionais para os substantivo~). As analogias entre essas dife­renças exigem entao uma explicaçao historica,a postulaçao de urnaârvore evolutiva. Mas aqui a Lingüistica pareee ter tomado coma mo­delo mais a teoria evàJutiva lamarkiana do que a darwiniana, corn 0

resultado de que as IInguas eram concebidas comos·e evoluissernde uma forma proposital, adaptand<rse deliberadamente a mudanças.Havia uma confusao entre os fatos sincrônicos - 0 usa dado àsformas transformadas pela sistema grarnatical - e os fatos ·diacrô-nicos - as pr6prias mudanças sonoras. .

Mas apresentar dessa maneira a comparaçao, como se a Biologiafosse uma influência ma, é sem duvida injusto· para corn a Biologia,pois 0 proprio Darwin formulou bastante simplasmente 0 principio~ue Saussure viueomo essencial paraUm conhecimento adequado daLingüistica. Darwin percebeu que qualquer intencionalidade na evolu­çao biologiea repousa inteîramente no processo da seleçao natural,que é, em carto sentido, urn processo sincrônico, nao nas mudançasam si mesmos. As novas espécies desenvolvem..se a partir de muta..çoes acidentais ou casuais que nao têm elas proprias direçao ou oble..tivo. Mas alguns mutantes dao-se bem mais que outros corn 0 siste­ma ecol6gico de um determinado momento..Os malogros morrem,. asêxitos persistem no interior do sistema; e assim se efetua uma trans..formaçao na espécie. Mas as mutaç6es, coma as mudanças vocalicas,nao ocorrem a fim de reaUzar urna espécie mais bem adaptada.· Atransformaçao na espécie é um uso dado às mutaçôes -pela sistema.'É um resultado da mutaçao mas, coma os .fatos sincrânicos, naD é 0objetivo ou finalidade do acontecim~nto original.

OS NEOGHAMATlCOS

Foi 56 por volta, de 1870, escreveu Saussure, que os lingüistascomeçaram·a Jançar os fundamentos de urn estudo adequado da lin..guagem. 0 proprio Saussure reprèsentou papel significativo em duasmanifestaç6es importantes. Primeiro, um grupo de lingüistas atual..mente conhecidos como os JI neogramaticos ", entre ·os quais estavam .os .professoras de Saussure am Leipzig, demonstrou que as leis so"fo/às - anteriormente tratadas camo correspondências validas numgrande nlimero de casos mas naoem outras - operavamsem exce·çao. Camo Hermann Osthoff e Karl Brugman esereveram,

toda mudança sonora. na medida em que ocorra mecanicamente. reaUza·sede acordo corn leis sonoras que nâo admitem exceçao. Isto é. a direçao damudança sonara é sempre a mesma para todos os membros da comunidade

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HngüÎstica exceto onde ocorra uma ruptura em diaJetos; etodas as palavrasnas quais 0 som sUjeito à mudança aparece na mesma relaçao" sao afetadaspela mudança sem exceçio.. /

A demonstraçao envolviaa descoberta de"' que as mudanças sono·ras eram perfeitamente regulares se os ambientes em que as trans·formaçoes ocorreram fossem formulados de maneira sufieientementeprecisa (p. ex., 0 t sânscrito corresponde ao antigo th germânico quan·

-do segue uma silaba acentuada ·mas, se nao, corresponde ao antigo dgermânico).

Isto pade parecer umavanço técnico secundario mas, de fato, 0

princfpio em Jogo·- 0 da mudança sem exceçoes - é decisivo, porrazaes que talvez ninguém a nao ser Saussur_e tenha entendido. A .­natureza absoluta da mudança sonora é umaconseqüêneia da natu­reza arbitraria do signa. Coma a signa é arbitrârio, nao ha razao parauma mudança de som nao se aplicar a todas as instâncias desse som:ao pass-o que se os sons fossem motivados (<1 naturalmente" expres­sivos, camo bow-wow*J, entao haveria r-esistência, dependendo do"grau de motivaçao, e exceçoes. Nao ha exceçoes porque, dadas anatureza arbitrarîa do som e as suas realizaçôes fonéticas, a mudanM

ça naD se aplica diretamente aos proprios signos, massas s'Qns, oumais precisamente, a um (mico som num meia particular. Saussurediz que é coma se uma corda de piano estivesse sida apertada ousalta. Se tocarmos ums melod,ia, havera uma porçao de notas falsas,mas seria errado dizer que a primeira nota do terceiro eompasso, asegunda nota do quarto compasso, a primeira nota do sexto compas.'sa, etc., tinham todas mudado. Essas mudanças sao todas conse­qüências de uma mudança no sfstema de reallzaçao. "0 sistema denossos fonemas é -0 instrumenta que manejamos para articular aspaJavras de uma Hngua; quando um desseselementos se modifiea, .#t

as conseqüêneias poderao ser diversas. mas 0 fata em si naD afetaas palavras, que sao, por assim dizer, as melodias do nosso repert6-rio n (Curso, 111; Cours, 134).

o segundo desenvolvimento importante apos 1870, de acordo cornSaussure, foi que <los resultados do estudo comparativo toram pos­tos em seqüência historiea ft e os lingüistas tentaram eonstruir em por­menor a uniea seqüêneia historiea que pudesse expficar os resultaddsda comparaçao (Engler, 11). 0 proprio Saussure prestou uma contribuf·çâo importante à lingüÎstica historiea am sua Mémoire de 1878 sobreo sistema vocalieo indo-europeu: uma obra que mostrou a fecundi..dade de pensar na linguage,m camo um sistema de itens puramente

• Em Inglês t voz imitativa do latldo de lIm cAo (N. T.l.

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relacianais, mesma quanda se trabalhasse· na tareta da /reconstrucaohistoriea.

Saussureestava interessado no problema daalternância voeaHèano Indo-Europeu. 0 problemaera saber quai 0 sistema vocalico dalingua indo-européia original que deyeria ter sida responsavel pelasmodelos de alternânciavocalica encontrados nas Hnguas canhecidasque dela derivaram. Oaspecto mais diffcil desta questao era a vogala. Outras estudiosos haviam postulado muitos a diferentes na tenta­tiva de explicar os resultados divergentes em outras linguas. Saus­sure achou que suas soluçoes eram insatisfat6rias a argumentou que,além dos dois a, deveria ter havido um outro fonema que ele poderia'descrever em termos formais: nao estava relacionado ao e ou 0 {quederivaram dos doisiaL poderia formar,~ozinho uma sHaba, eomo umavogal, mas poderia também comblnar-se corn outra vogal, camo umaconsoante. Ele naD tenta definir-Ihe a substância mas chama-o deM coeficiente sanoro" e trata-o. camo uma unidade puram·ente formai erelacional do sistema vocalico. 0 que torna" a obra de Saussure tao

. impressionante é 0 fato de que aproximadamentè cinqüenta anos de­pois, quando foi descoberto e decifradoo Hitita cuneiforme, verifi­cou-se que continha um fonema, escrito. h, que se comportava comaSaussure havia predito. Eleçjescobrira, par meio de uma analise pura­mente formai, aquilo que se èonhec-e agora coma as laringais do In~

do-Europeu.3

Saussure certamente se demonstrara um .neogramatico consu·mado, e am muîtos pontas admirava os feitos de seus colegas. Ela­giava-os par terem vista, par exemple, que 0 fenômeno conhecidocamo "falsa analogia" pelas lingüistasanteriores na~era algo quedevesse ser desprezadomas um fenômeno importante oa evoluçaoIingüistica, especialmente como um contrapeso ao efeito da mu..dança sonora. Consideremos ,0 latim honor: a forma originalera ho­nos: honosem (nol1linativoe acusativo). Par uma·, transformaçao sono­ra mencionada acima (p" 51), a s intervocalico (um s entre duasvogais) tornou-se r,_ dando honos: honorem. Mas, como existiam outrasparadigmas coma orator: .oratorem que eram aparentemente ",regula­res", uma nova form~ desenvolveu-se "por analogia": honor.

Os neogra.maticosforam 'os primeiros a reconhecer quao impor­tante era este procedimento para a reestruturaçao das Ifnguas, mas

"-~.c

3. A Mémoire e· outros escritos altarnente técilicos podern ser encontrados naRecueil despublieations scientifiques de f. ,de Saussure, Genebra, 1922.

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mesmo sles, observa Saussure, estavam enganados sobre a verda­deira natureza dale e confundiam os aspectas sincrônico e diacrônico(Corso. 189-90.; Cou~s;224). A produçao de uma nova forma, argumen"ta Saussure, é um fenômeno sincrônico, comparavel à exploraçao cria­tiva das possibilidades combinat6rias que ocorrem quando de Market

. [mercado] a ·lfngùa inglesa cria marketteer [aquele que campra ouvende no mercado] baseada na analogia corn, digamos, profiteer[aproveitador]. Para Saussure, deve-se lembrar, nao ha diferença deespécie entre combinaçoes morfol6gicas e sirttâticas, de modo que

·-este tipo de nova formaça·o é comparavel à produçao de urna novaoraçao e nao um exemplo de mu~aDça significativ8 na Iinguagem.·Oque acontece no caso· em consideraçao é que·a forma nova e a formaantiga, honore honos,continuam a existir lada a lada como variantesopcionais e., quando eventualm·entea forma antiga desaparec'e, estanao é uma mudança significativa mas àpenas 'a eHminaçao de umarealizaçao variante. Os neogramaticos deram peso'excessivo à pers­pectiva historiea e deixaramde reconhecer a ·nature~a sistematica egramatical (isto é, fundamentàrmente sincrônica) dos fenômenos queestudavam.

Mas '0 erra real dos contemporâneos de Saussure foi terem dei­xado de formular a si mesmos perguntas fundamentais sobre 0 queestudavam: perguntas sobre a natureza da propria Hnguagem e de

.suas formas individuais e importante.s quest6esmetodol6gicas aCarcada identidade em LingüIstiea, ·tanta em termos slncrônicos coma emtermos diacrônicos. Os neogramaticos nao poderiam fazê-Io porquehavlamabandonaçlo a representaçâo camo base de sua disêiplina:naD pensavam em signos, e para Saussure, como vimos, ·era s6 pen­sando em signos e ell) sua natureza que seria posslvel começar adiferençar os aspectos funcionais da linguagem dos aspectas nao-'funcionais e chegar-se a um coneeito adequadamente relacional dasunidades lingÜIsticas. .

Os neogramaticosnao se preocupavam corn signos, mas corn for­mas. Se se perguntar sob qiJe condiçôes as formas lingüIsticas po­deriam tornar-se objeto de conhecimento.. tornar-se 0 material deuma disciplina, chega-se ao cerne da posiçao dos neogramâticos. Osprimeiros lingüistas comparativos, como Bopp, tinham-se atido aosignificado e à representaçao, naD coma; '0 que a Lingürstica. tentavaanalisar (como sucedera corn os etim'ologistas filo~oficosdo séculoXVIII) mascomo a c-ondiçao de comparaçao: verificàvam-se as pala­vras que varias IÎnguas usavam para exprimir um determinado cOll­ceito et- assinî. usava-se a continuidade de, significado camo uma ma.. '

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neira de aproximar formas e justifiear a comparaç'ao. Mas tao logoos lingüi'stas questionaram a importância dessas comparaçoes, foramlevados a tentativa' de' fundarnentar sua discipHn~ numa continuidadehistoriea. Se as' simiIaridades de forma na-o eram fortuitas, indicavam

, uma origem comum,e a tarefa tor-nou-se à -èfè-P.Q'stular fonnas orlg[­nais e seguir a evoluçao, historiea que Iigava as formas origfnafs àsposteriores numa série ininterrupta. DaÎ a.pertinência demetâforasbiol6gicas, uma de eujas conseqüêneias é a exclusao dequestoes derepresentaçâo. Uma planta nao representa algo; Jla-o é portadora del,Jm signifieado; é umaforma que cresc,e de acordo corn leis que de­vern ser descobertas.

De' fato, os neogramaticos abandonaram, as metâforas bio,16gicas,que pertenciam aos meados do século XIX; mas, rejeitando essasme~­

tâforas coma essencialmente mfsticas, retiveram dois de seus cora­lârios: 0 descaso pelas questôes, de representaçaoe a pressupo$içao. - ,de que' sua eiência devia basear-se, na .continuidade hist6ricae deviaana1isar a evoIuçao historiea.

Saussure desconfiava das idéias de continuidade hist6ricae viaque 0 estudo da evoluçao historiea de formas poderia levar facilmenteao equfvoco e ao descaso pelas questôes da funçao lingüistiea.A perspectiva diacrônica evita que se formulem questoé~'que levariama uma descriçao sincrônica pertinente. E foi assim 'para ele um avançoimportante quando 0 lingüista americano William Dwight Whi~Jley, tra­balhando dentro do que ainda era essencialmente a tradiçao .neogra­matica, corneçou a levantar· a questao do signo. Em seus Iivr.QsLanguage and the Study of Language e Lifeand Growth of Langulge,Whitney afirmava que "A Ifngua. é, de fato;uma instituiçao", fun­dàmentada na convençao social, .. um corpa de usoS, predominantesnuma determinada comunidade" 1 um "tesouro de palavrase formas" 1

cada uma das quais ..é um ~igno arbitrfirio e convencional". Acen­tuando dessa maneira a natureza institucionale convencional da Hngua,diz Saussure, .. ele colocou a Lingüistica ·am seli verdadeiro, eixo"(ClIrso, 90'; Cours, 110]. Whitney naD compreendeLJas 'conseqüênciase as HnPl!caçôes desta nova perspectiva. Eleainda afirmavaque aUngüfstica deveria ser urna eiência historiea: sua tarefa é 'procurar'causas, explicar pOr que falamos coma falarnos. Ele 'subestim'aya muitoa tarefa da lingüfstica' sincrônica, escrevendo que .. umamera apre­ansao e: exposiçao dos fenômenos deuma lIngue - de ·suas palavras.formas" regras,usos: eis trabalho para gramaticos e lexic6grafos".iOemonstrou,assim. naD ter consciência dos' problenias gedefiniçao'e'" identidade, da riatureza\ relaciori'al das unidade~ lingürsticas, è,;de

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modo garai, revelou pouco interesse pelas questoes .relativasaos.fundamentos, que obcecaram Saussure.

Mas Whitney incitou Saussure a uma reflexao' posteriori le\lou-oa retornar ao problema do signo e a ver qùe 56 fazenda mais umavez da representaçao, mais que da historia. a base de uma disciplina éque se poderia èomeçar' a distinguir a pertinente do ·nao-pertinente,o funcional do nao-funciona!.

Saussure retQrnou à representaçao mas concebeu-a e empregou-a.de maneira diferente.AUngüistica naD mais poderia fundamentar-se

l'Ja continuidad~da representaçâo (um significado essencial comuma toda urna série de formas),como se fundamentara para os estimolo­gistas filos6ficosj ao contrario, a ~escontinuidade seria a base da re­presentaçao. Os signiflcados s6 existem porque ha diferenças de sig­nificado, e saoessas diferenças de significado que possibllitam 0

estabelecimento da E:i"rticulaçao de formas. As formas podem,.§er re­conhecidas, nac p,or sua persistência numa continuidade representa­tiva ou histôrica~, mas par sua funçao diferencial: sua capacidade dedistingulr e produzir assim significados distintos.

Esta percepçao 'fundamental, que naD se encontra em Whitneyou nos outro's antecessores de Saussure, tem urna importância revo­lucionaria. 0 ,significado d_epende da diferença de significado; é s6através da difèrença de significado que se padern identificar formase suas qualidades funcionais definidoras. As formas naD sac algo dado,mas devem ser estabelecidas pela analise de um sistema de relaç6ese de diferenças. Tai noçao, camo veremos no pr6xima capitula. tornapassivel umamaneira de estudar 0 compo~!amento humano e os .obje­tas humanos que 56 haje esta adquirindo' feiç6es pr6prias. Corn res..tabelecer arepresentaçao, mas' focalizando-Ihe as descontinuidades.Saussure ajudou. a assentar 0 alicerca do pensamento moderno.

.FREUD, DURKHEIM, E MËTODO

,Paraentender maisclaramente a modernidade de Saussure, de­vernos abandonar a Ungüistica par um momento e colocar 0 fundador"da Lingüistica moderna ao Jade 'de seus dois exatos contemporâneos:-~igmund Freud, 0 fundador da Psicologiamoderna, e Ëmile Durkheim.o fundador. da Sociologia mode.rna. Esses três pensadores revoluciona..ràm as Ciências Sociais ao criarem para seu trabalho umllOVO contextoepisteÔlQl6gico:isto é, conceberam seus. ohjetos de estudo de formadiferente e ofereceram um J10vom.odo de, explicaçao.

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",..

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o problema iniéialde uma ciência social é a natùteza e condiçaodosfatos de q~e se vai ocupar. Este er~ um problema particularmenteagudo no final do~éculo XIX porque as duâs linhas principais daherança filosofica do perrodo, oidealismo alemao e 0 positivismoempirico, encontravam-se num ponto: sua tendência de pensar a sa-.ciedade mais como um resultado, umfenômeno secundario ou' de-rivado, do que algo primario. Os positivistas, huma tradiçâo hurniana,~distinguiamuma realidade fisica objetiv8 de eve'ntose de objeto$,e urna percepçaosubjetiva individual da realidade. A sociedade n8:0se poderia qualificar coma pertencente àquela e, assim, veio a sertratada coma 0 resultado de sentirnentos e aç6es dos individuos.Como escreveu' Jeremy Bentham, "a sociedade é um corpo fictîcio,a Soma dos varios membros qUe a comp6em". Na verdade, a suposiçaode que a sociedade é 0 resultado de indivfduosagjndo cada um deacordo corn seu proprio Interesse constitui a pr6pria base 'do Utilita­rismo. E Durkheim, criticando seus antecessores, escreveu que paraales "nada ha de real na sociedade a naD ser 0 indivfduo -C ••• ) 0individuo é a unica realidade tangfvel que 0 .cobservador pode alcançar~" ..Para Hegel, por outro lado, as lei~, os costumes e 0 prôprio Estadosao expressoes do Espfrito à medida que evolui;~, assim, devem serestudados coma manifestaçoes ou resultados, naD como fenômenosprimarios. Nenhuma dessas concepçoes é especialmente propîcia aodesenvolvimento das Clências Sociais.

Saussure, Durkheim e>Freud parecem ter reconhecidogue seme­Ihante perspectiva poe as ·eo.isas dèm3neira errada. Para Q Indivî"uo,asociedade é urna realidadeprimaria, naD apenas a soma de ativl­dades indivlduais nem as manifestaçoes contingentes do EspJrito;e se se quiser' estudar 0 comportamento humano, deve-se admitir aexistência de uma realidade social. 0 homem nao vive simplesmente'entre objetos· e aç5es, mas -.entre objetos e aç5es dotados de signifi­cado, e esses significados nao podem ser tratado$ camo urna somade percepçoes subjetivas. Eles sao 0 pr6prio conteudo do munda.

,A importância social das açoes, os significados, dos enunciados, dossentimentos de amor, ira, culpa, etc. nao padern ser levianamenterejeitados. S~o tatas saciais. Camo Durkheim afirmou repetidamente- ~. seus dols contemporâneos concordariam corn ele -, sua dis­ciplina se baseia na" realidadeobjetiva dos fatas sociais".

Em suma~ a Sociologia, a Lingüîstica e a Psicologia psicanalÎtic~

s6 sao possÎveis quando se ton;tam os significados que estao ligadosaos objetosJ~ aç6es na s'ociedade vista coma uma realidade primaria,diferenciando-os, coma tatas quedevem ser explicados. E desde que

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os significados sac um produto social, a expHcaçao deve ser levadaa cabo am termos sociais. ~. como se Saussure, Freud e Durkheimtivessem pergUntado: "0 que torna possfvel a experiência ir'ldividual?

:Ô que habilita os homensa operar conîobje~os ~)çoes significativos?'0 que os habilita a comunicar e agir signiticativamente?" .E a respostaque ·eles postulavam era as instituiçoes' sociais, que, embora seja.mformadas pelas ·atividades humanàs, s§o as condiçoes da experiência.Para compr-eender a experiência individual, cumpre estudar 8.S normassociais que a tornam possivel. .

,Nao é difici1 entender porque deveria ser assim. Ouando duas~ . -..

pessoas '~~'" encontram, pqde'm agir polida ou grosseiramente, e apolidez oLt'-â~grosseria de seu comportamento é um-fato social e cultu­ral. Mas uma descriçao objetiva das açoes trsicas que r-ealizam naDseria uma descrJçao de um fen~lJleno social porque naD levaria amconsideraçao as convençoes Js~6cJàis que fizeram das açoes aquiloque elas saq~:,9 comportamentodas duas pesso~s é significativo apenasam relaçaô a>um canjunto de convençoes sociais: sac essas. conven~ç6es que tornam 'posslvel ser-se paildo ou grosseiro; elas criamcomportamentol' 'que deve portanta ser descrito em seus termas. Slmi·'Iarmente, tazer um rurdo nao é em si um fenômeno social. maspronunciar uma frase '0 é.O fenômeno social torna~sa possivel porum .~stema de convençoes interpessoais: urna linguagem.

Saussure, Freud e' Durkheim invertem assim a perspectiva -que'faz da sociedade a resultado do comportamento individual e insistemem que a comportamento é possibilitado por sistemas sociais coletivosque ~os indivrduos a~similaram, consciente ou inconscientemente. cfoiFreud, diz Lionel Trilling, quem "tornou clara para nés a quanto todos_:~

'nés estamas inteiramente implicados na cultura ( ... ) 0 quantoa f

cultura inunda as mais rernotas partes da mente individual", tornandopasslvel toda urna série de sentimentose açoes e mesma 0 sentidoindividual de identidade. As _açoes e os sintomas individuais podernser interpretados ,psicanaliticamente porque sao 0 resultado de pro~

cessas psiqui,cas comuns, dafesas inconscientes acasionadas par tabusS'ociais e quelevam a tipos particulares derepressao e deslocamento.A comunicaçao lingürsticaé posswer porque assimilamos um sistemade normas coletivas que organiza 0 mundo e da si9.oJficado aos atosverbais. Ouainda,/cdmo, argumentou Durkheim, a/ r~alidade crucialpara a ~indivÎduo naa é a ambiente tisico mas '0 meia social, umsistema. de regras ·e normas. de represèntaçoes coleti.vas, que tornapasslvel a cornportamentosocial.

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Esta;- perspectiv8, por conseguinte, envolve um tipo especial deexplicaçao: explicar uma açao é relaciona-Ia ao sistemade normassubjacente que a torna possivel. A açao é explicada como urna ma­nifest~çao de um sistema de representaçoes subjacente. Se isto Binda'deve ser considerado coma explicaçao causal varia de um casa para

1 .

outra. No seu estudo do suicidlo, talvez sua mais famosa investigaçaosociol6gics, Durkheim alegava oferecer urna explicaçao causal; masele estava identificando as causas dos altos indices de suicidio numasociedade, naD estava explicando por que determinados indivfduoscometem suicfdio oum determinado momento. Seus sliicidios SaD

manifestaçoes do enfraquecimento dos laças sociais, enfraquecimento~ste resultante de uma configuraçao particular das normas sociais..-- ~.

As analïses psicol6gicas de Freud sao geralmente apresentadas comoexplicaçoes causais, mas naa ·tem força preditiva (ele nao pretendeque uma dada seqüência de acontecimentos produzira necessariamentecertas açoes ou sintomasJ e sao talvez mais bem consideradas seas virmos camo um'a tentativa de relacionar açoes a uma economiapsfquica subjacente. A Lingüfstica, par outra lado, naa pretende aanalise causal: nao tenta explicar par que um individuo enuncioudeterminada seqüência num determinado momento, mas mostraparque a seqüência tero a forma e 0 significado que apresenta relaeio..nando-a ao sistema da Iinguagem.

Em cada casa, entao, a despeita da pretensao de anâlisecausal.poder-se-ia dizer que 0 que se oferece é uma explicaçao mais estru­tural do que causal: tenta-se mostrar por que uma açao partJculartem importância, relacianando-a a'O sistema de funçoes, normas e ca­tegorias '-subjacentes que a tornam posslve'l.

a que é especialmente significativo aqui é 0 afastameQta da ex-,plicaçao historlca. Explicar fenômenos sociais nao é descobrir ante·cedentes temporais e Iiga-Ios numa cadeia causal, mas es'pecificar alugar e a funçao' dos fenômenos num sistema. Ha uma mudança daperspectiva diac~ônica para. a sincrônica,. da quai poderfamos talar·como de uma internalizaçao da causalidade: em vez de conc~ber aeausaçao segundo um mode.o hist6rico, onde 0 desenvolvimento tel11~

poral torna alguma coisa naquilo que é, os resultados hist6ricos saodestemporalizados e tr.atados simplesmente coma um estado, umacondiçao.

Este é um~deslocamento complexa mas fundamental, que jâ vimosem açao na insistência d.e Saussure 'em que a mudança historieaefetiva que produz formas camo foot e feet naoé um fator explicativoimportante em nossa analise do Inglês.' 0 que importa é 0 estado,

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no quai 0 plural é marcado pela alternância entre as duas vogais. Apresença clessa oposiçao no sistema resulta de um processohistôrico.mas é 0 usa que 0 sÎstema faz da oposiçao que tam valor ·explicàtivo.Todavia, 0 exemplo maht,extraordinario desse deslocamento. dessainternalizaçâo da eausalidàde, encontrajse no trabalho de Freud acer·ca· do complexo de Édi-po, onde temas oespetaculo de um espfritoainda atrafdopela e~plicaçao historiea e causal, ao mesmo tempo emque, pelo menos parcialmen.te, tem eonsciência de que issa naa é 0

que seu nova modo de analise requer.

Em Totem e Tabu,discutindo a proibiçao do inceste e outrostabus, sociais, Freud postula um evento histOrico nos tempos primiti­vos:urh pai ciumento e tirânico, que queria guardar todas as mulhe..res para si e expulsava os filhos assim que chegavam à maturidade,foi mortoe devorado pelas filhos que se associaram para tal. Devo­rando-o, :eles procuraram assumir-Ihe a pader e 0 papel. Esse "feitomemorâvel e crlminoso" foi 0 coin~ço da "arganizaçao social, das res­triç5es marais e da religiao n, porque a culpa e 0 remorso criaramtabus. Freud reconhece que, fazenda de tal feUo a causa historieadas normas sociais e dos complexos opsfquicos que ainda existem,esta postulando a continuidade de uma psique coletiva, a que chamao .inconsèiente. Como, de outra maneira, poderia um unico ato continuar

° a exercer efeitos_ tao profundos sobre a humanidade? Parte da ex­plicaçao, diz 'Freud, esta am que em nossae«?onomia psfquica ossentimentos de culpa podem surgir de desejos tante quanta de açô,esreais,_e' "este sentimento criador de culpa" ajuda a manter vivas asconse'qüências da açao. _De fato, admite ele, é possivel que 0 feitooriginal nunca tivesse realmente ocorrido; 0 remorso pode ter sidaprovocado, pela fantasia dos filhos de matar 0 pai. Esta hip6tese é,plausfvel, diz ele, e "entao, a cadeia causal que se estende do princfpioaté a atualidade nao teria sofrido nenhuma perda". De fato, a questâ'ode 0 feito ter realmente ocorrido ou nao "naD afeta, am nosso julga­mento, 0 essencial'da questao". Mas os homens primitivos eramdesinibidos. Para eIes, "0 pensamentc{ o. se' converte diretamente emaçao. Eis ° porque, sem pretender qualquer finalidade de juIgamento,pensa que no casa em questao pode..se supor corn segurança que­'no começo era 0 Feito' ".

,Freud, aqui, assemeIha-se muito a um pensador do século XVIIIpor usar ficçoes de or!gem paradiscutir a natureza de alguma. coisa.o que é. mais importante, todavia, é seu reconhecimento de que, para'0 faito original deve servir comp verdadeiracausa hist6riea, cumprepostular .um sistema psfquico sübjacente qLJe, par sua vez, torna 0

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pr6prio feito desnecessario. A culpa resultante dos desejos subcons­cientes na' situaçan familiar é por si s6 uma explicaçao suficientedos tabus. De fato, vemosFreud reconhecendo primeiramente que a',reaHdade de sua postulada 'causa historica nao éimportante e, depols,voltando atra-s e deduzindo 0 evento hist6rico a partir do sistemapsfquico: .qua[quer pessoa tem tais desejos subconscientes, e' naosimplesmente como um resultado do faita original, que pade naD terocorrido; mas os homens primitivos eram desinibidas e, por conse­guinte, devem ter agido asslm. 0 feito historico é afirmado, coma sefosse uma causa, mas agora, de fato, é inferido do sisterna sub­consciente. Trata-se de um .esplêndido exemplo da tansao entre aexplicaçao historiea e a idéia de expIicaçao em termas de um sisterna,'e é espeeialmente instrutivo como uma liçao de rnodernidade porque-.a sisterna triunfa contra os desejos expressos de Freud.

Salissure, Durkheim e Freud parecem responsaveis par esse passadecisivo no desenvolvimento das ciências do Homem. Corn internalizaras origens, removendo-as da historia temporal, cria-se um nova es­paça de explicaçao que veio a ser chamado Inconsciente. Nao é queo inconsciente substitua a série historica; mais precisamente, torna-sea espaço am que se Iocalizam quaisquer antecedentes dotados defunçao explicativa. A explicaçao estrutural relaci'Ûna as açôes a uro'sistema de normas - as regras de uma Iinguagem, as representaç6es,coletivas de uma sociedade, os mecanismos de uma econornia psfqui­ca - e 0 conceito de inconsciente é uma maneira de explicar comaesses sistemas têm força explicativa. Ë urna maneira de expIicar -,camo eles padern ser simultanearnente desconhecidos mas estar ef~ti~

vamente presentes. Se uma des~riçao de um sistema Iingüfsticu'valecamo uma analise de uma Iinguagem é porque a sistema naD é algodado imediatamente à consciência, mas que se supôe estar presente,sempre em açao no comportamento que ele estrutura e torna posslvel.

Embora 0 conceito de inconsciente tal coma surge na obra deFreud, ele é essencial ao tipo deexplicaçao que toda uma classe d5Jdisciplinas modernas busca oferecer e certamente teria sida desen­volvido masma sem a ajuda de Freud. De fato, poder-se-ia argumentar.que é na Lingüfstica que -0 conceito emerge am sua forma maisclara e mais' irrefutâveI. 0 inconsciente é 0 conceito que nos capacitaa explicar um fata indubitavel: 0 de que sei uma Ifngua (no sentidode que passa praduzir e entender novas enunciados, dizer se umaseqüência é, de fato, urna frase de minha IIngua, etc.) mas nao sei 0

que sei. Sei uma IIngua, mas precisa de um lingüista para me expli~ar

precisamente o que é .que eu sei. 0 conceito de inconsciente une

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e da sentida a esses dois fatas e abre um espaça· de investigaçao.A LIngüÎstica, assim como a Psicologia e a SoCiologla de represen­taçoes coletivas, explicara minhas açoes expondo em detalhes 0 co­nhecimento implicito que eu mesmo nao trouxe à consciência.

Outra maneira de descrever este passa fundamental - maneira" cuja importância se tornara mais clara no capitulo final - seria,-dizer que ela eonsisteem colocar 0 .. sujeito n ou o'" eu n no centra

do dominio analfticode alguém e depois decompô-Io. "Sujeito", nesteJ .

contexto, é 0 sujeito da experiência, 0 .. E;}U n ou ego que pensa, percebe,fala, etc. _A LingüÎstica ,comparada e hfst6rica poderism ser levadasa cabo sem referência explicita ao sujeito; poder-se-ia observar as

"piferenças entre formas atestadas e s'eguir' a evoluçao de uma de..-'~terminada forma sem invocar ou fazer uso da idéia do sujeito que

fala, do sujeitoque conheee urna lingua. Mas Saussur~ coloea 0

sujeito bem nQ centra· de seu projeta anaHtico. A idéia·do sujeitotorna..se central para a anaHs&, da linguagem.

.......... - .

Coma identificamos as unidades lingüfsticas? Sempre corn ra­ferência ao sujeito. Sabemos que Ibl e Jp/ sac fonemas diferentesporque; para 0 sujeito, bet e pet sac signos diferentes. A oposiçaoentre Jb/ e /p/ diferencia os signas para 0 sujeito falante.

o que tarna ~ idênticos dois ·anunciados? 0 fato de que, a des­peito das diferenças ffsicas mensuraveis, eles sac idênticos para 0

sujeito falants... Para saber em que medida uma coisa .é uma reali­,dade", pelo mef1Qs do pont1l de vista da analise sincrônica da langue,.. serâ necessario·e. suficiente averiguar em que medida ela existepara a consciência de tais pess-oas" (Curso, 106; Cours, 128).

·Em todos os casosem que nos ·ocupamo,S daqui la que Saussurechama .de valores,isto é, corn a significaçao social de objetos eaçoes, 0 sujeito assume. um papel decisivo, na medida em que osfatosque s~ quar explicar 'Vêem .de suas intuiçoes e jUÎzo·s. Todavia,uma vez que 0 sujeito esteja am seu lugar. uma vez que ele. estejafirmamente estabelecido no e~ntro do dominio analftico, a atividade­das cièncias humanas torna-se 0 deslinde do sujeito, a explicaçâo do~

significados em termos de sistemas de' convençoes que Ihe escapamao contr·oleconsciente. 0 falante de uma lîngua naD esta conseien­temente inteirado de seus sistemas fonol6gicos e gramaticais, amcujas termos serac explicados seus' juizos_ e percepçoes. Tampouc_Qesta 0 sujeito necessariamente cônscio de sua pr6pria economia pSέquica ou do elaborado sistema de normas sociais que governa 0

comportamento.

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T

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o sujeito é descomposto em seus constituintes. que se revelamser sistemas interpessoais de convençao. ~ M dissolvido", sendo suasfunçôes atribufdas a uma va-riEfdade de sistemas que operam atraves,{rele. Camo escreve Michel Foucault, "88' pesquisa~'-daPsicanalise. daLingüfstica. da Antropologia. têm 'descentrado' 0 sujeito em relaçaoàs leis de seu desejo. às fornias de sua linguagem~ às regras de

. suas açoes. ou à açao de seu discurso mitico'e imaginativo". A .dis­tini}ao entre 0 sujeito e 0 mundo é uma variâvel que depende dasconfiguraçôes de conhecimento num dado momento. e as disciplinas

)nauguradas por SalJssure, Durkheim e Freud desbastaram aquiloque'anteriormente pertencia ao sujeito "até ele perder seu lugar comocentro ou fonte do significado. Quando é desmontado, decompostoetn sistemas componentes trans-objetivos. 0 ego ou sujeito aparece'cada vez mais corn·o um construto: 0 restiltado de sistemas de con..vençoes. Quando 0 homem fala, ele astutamente "concorda corn alinguagem"; a linguagem fala através dele, assim como 0 desejoe a socledade. Mesmo a idéia de identidade pessoal emerge através

, do discurso de uma cultura. 0 "eu" nao é algo dado; ele passa aexistir num estagio especular que começa na infância, coma aquiloque outros vêern e a quem dirigem a palavra.

Voltaremos brevernente ao problema do sujeito no capitula final,em ql.le consideraremos algurnas das implicaçôes da Semiologia e asmanelras pelas quais as pessoas que trabalham em outras disciplinastêm sida presentemente influenciadas por Saussure e. seu programametodol6gico. Até agora, é certo, nao nos preocupamos cam quest5esde influência; naD ha nenhuma prova de que -Durkheim, Saussure eFreud conhecessem algo do trabalho de cada um dos dois outras, eembora a influência de Durkheim sobre Saussure tenha sida freqüen..teniente insinuada, muito mais importante que quaisquer possiveis em­préstimos superficiais sao as afirtidades entre os projetos fundamen­tais desses três pensadorese. em particular, as configuraçoesepiste..mo16gicas das disciplinas que fundaram.

As paginas anteriores terao sugerido que Saussure é especial..mente tnteressante ·e sugestivo camo um estrategista intelectual,.coma um pensador vigoroso preocupado corn os fundamentos do mé..todo e da definiçao. Mas é principalmente camo 0. pai da Lingüisticamoderna que ele é conhecido, e devemos agora examinar algumasdas coisas que engendrou para ;ver que avanças sua obra ajudou aproduzir e em que pontas suas (teorias lingüfsticas se demonstraraminadequadas..

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INFLU~NCJA

A influência de Saussure sobre a 'lingüistica moderna tem sidQ,r- essencialmente de duas espécies. Primeiro. deu uma orientaçao geral,

um sense das tarefas da Lingüfstica. que tem sid~o de grande influênciae, na verdade, raramente questionada. por tersido considèrada portodos camo a natureza mesma do proprio assunto. Para Saussure,a tarefa do lingüista era analisar uma Ifnguacomo um sistema deunidades a relaçoes; fazer Lingüfstica era tentar definir as unidadesde uma lingua, as relaçoes entre alas, e suas regras de combinaçao.Este sentid9 da tarefa da Lingüfstica nao é encontrado nosantecesso­res de Saussure, embora alguns deles acenem nessa ocasionalmentedireçao. Mas desde Saussure essa tornou-se, muitode perto. a defini~

çao de investigaçao lingüfstica. Nao apenas a Lingüfstica descritivae teorica desenvolveu~se a fim de ocupar 0 lugar central que Saussurethe prescreve" mas aquales que trabalham am Lingüfstica historicaou am SocioIingüfstica sao compelidos a usar adjetivos comq jj hist6~

rico J1 para mostrar ,·~omo seu trabalho se afasta da atividadé 'centralda disciplina. AIguém que desejasse discordar da concepçâo 'saussuria­na da tarefa da Lingüfstica nao 0 faria atacando Saussure, mas desa­fianda a pr6pria idéia de Lingüfstica.

É nesse sentido que Saussure pade ser chamado 0 pai -da Lin­güfstica moderna. Sua contribuiçao mais importante e original é umainfluência silenclosa que afetou a pr6pria natureza da disciplina. Naverdade. uma descriçao da Lingüfstica estrutural, tal como inaugurada"par Saussure, pade incluir as principais escolas da Lingüistica moderna.Assim, A Survey of Structural Linguistics, de Giulio Lepschy, abrangea Escala de. Praga (Roman Jakobso!,!. Nikolai Trubetzkoy e outras).a Escala de Copenhague (Louis Hjelmslèv·e outros "glossematicistas "),os jlfuncionalistas" (Jakobson. émile Benveniste, André Martinet ealguns lingüistas ingleses contemporâneos), 0 estruturalismo america­no (Leonard Bloomfield e seus seguidores) e mesmo Noam Chomskye 'outras gramâticos tranformacionalistas. Foi so este ultimo grupo,camo veremos J que alterou de maneira fundamental 0 conceito deLingüfstica Iegado por Saussure.

Ha, todavia, outra. é"spécie,de infJuência digna de estudo - ainfluêncfa de conceitos especffjeos que nao se originaram estritamentede Saussure mas que ele ajudou a desenvolver:. a distinçao entrelangue e parole; a separaçâo das perspectivas sincrônica e diacrônica,e a concepçao de Iinguagem·cpmo um sistema de relaçoes sintagmâti·cas e paradigmaticas que operam em varias nrveis hierarquicos. Muitas

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-I~---

dos avanças da _LingÜfstio~ moderna Podem ser descritos camo in­vestigaçoas da natureza a do ,alcance precisos desses conceitos.Gonsiderando-os,podemos ver que mesmo quando as formulaçoesoriginais de Saussure foram consider~das deficientes, ale propôs as ­questoes que têm vivificado a LingüIst.ica moderna.

-. -

A. langue e parole

Em 1933, 0 lingUista ing1ês Sir Alan Gardiner escreveu: Upertencea Ferdinand de Saussure 0 mérito de ter chamado a atençao para adistinçao entre 'fala' e 'IIngua', uma.distinçao de tao grande alcanceem suas conseqüências que, na minha opiniao, dificilmente pade deixarde tornar-se, mais cedo 'Ou mais tarde, a base indispensavel de todotratamento cientffico da gramatica". Tao indispensavel tem sido elaque muitas divergências lingüfsticas podern ser formuladas com~'

debates sobre a natureza precisa da oistinçao: 0 que pertance àlangue e ° que pertence à parole?

o pr6prio Saussure invoca varias critérios de fazer a distinçaa:separanda a langue da parole, separa-se 0 essencial do contingente,o social do.- puramente individual e 0 psicol6gico do material. Masesses critérios nao dividem a linguagem de uma mesma maneira e,assirn, deixam muito campo para debate. Primeiramente, a langue é umsistema totalmente abstrato e formai; tudo que diz respeito ao somé relegado à parole: 0 Inglês seria essencialmente a masma lfnguase suas unidades fossem expressas de outra maneira. Mas, distinta~

mente, pela segunda critério, terlamos de rever esta concepçaa: 0

fata de que lb/ seja uma oclusiva bilabial sonora e /p/ uma oclusivabilabial surda é um fata dosistema IingüIstico na medida em quea falante individual nao pode realizar os fonemas de maneira diferentese quiser continuar falando Inglês. E, pela terceiro critéria, dever~se~ia

admitir outras caracterfsticas acusticas para a langue, pois as diferen..ças entre os acentos e as pronuncias têm uma realidade psicol6gicapara os falantes de uma IIngua.

A distinçao de Saussure tem sida frutffera mercê de seu pr6priocarater amplo. De fato, os resultados variados conseguidos corn aaplicaçao de cada um clesses critérios refletem maneiras. diferentespelas quais a linguagem pode sersistematica. Podemos estabelecer-'essas diferenças nos termos sugeridos par Louis Hjelmslev: languee parole. padern ser substitufdos pOl" esquema, norma, uso e parole.Parole ésimplesmente 0 ato defala individual e, am si, nao faz partedo sistema. 0 usa é uma regularidade estatfstica: pode..se colocar am

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grâfico a. freq\iência· de pronuncias diferentes ou de outros usas doselementos lingüfsticos. Um falante de uma IIngua tem certa liberdaçlena sua escolha do USD. A norma, todavia, naD é qUèst~O· de escoihaindividual. Nao é descritaestatisticamente. mas re·presenfada por umasérie de r,egras: p. ex., 0 fonema /p/ é realiz~do em inglês coma umaoclusiva bilabial surda. Finalmente, 0 esquema é a" concepçao maisabstrata deestrutura. Nao ha, aqui. nenhuma referência a substânciafônica. Os elementos sac definidos em termos relacionais 'abstratos:Ipl esta para Ibf assim como ft/ esta para Id/, e é irrelevantequais caracteristicas efativas sejam usadas para manifestar essasdiferenças.

Dada esta distinçao quadrupla, poder-se-ia, de fato, localizar adivisaoentre langue e parole em qualquer um de três pontos: a langueconsistiria de esquema apenas, ou de esquema e norma, ou de es­quema, norma e usa. E os debates sobre a natureza da langue têmsido geralmente.desse carater. Os lingüistas da Escola de Praga. porexemplo, trataram a languecorno uma combinaçao de esquema enorma. Distingüindo a Fonética da Fonologia, argumentaram que aFonologia investigaria quais diferenças fônicas estao ligadas a dife­ranças de significado mas que os traças fonol6gicos distintivos assimisolados devèriam ser descritos em termos articulat6rios. Na influentedescriçao que Roman Jakobson fez dos traças distintivos, oposiçoescomo sonora vs surda nao sac apenas traças abstratos mas ·-normasde realizaçao fisica ou fonética.

Outros Ungüistas, camo Danl~J Jones e seus discfpulos ingleses,preferiram definir a fonema coma uma "familia" de sons, incluindoassim 0 usa dentro da langue: para eles, descrever 0 slstema fonol6­gico de urna lingua é descrever 0 USD lingüfstic-o bem camo normasfuncionais e esquemas abstratos. Por outra Jado. Hjelmslev e os ex­poentes de sua, Glossematica tratam a langue puramente coma um~squema· abstrato. Para ele~.., as propriedades fonéticas nao estâo deforma alguma envolvidas na maneira pel.a quai os fonemas deveriamser descritos. Esses debates continuam, mas poder-se·ia dizer que.pela menos no campo da Fonologia, as questoes essenciais SaD

propostas pela distinçâo de Saussure entre langue e parole..-

No nivel sintatico, as opinioes de Saussure no que diz re§peito àlangue e à parole sac mais obscuras, indecisas -e questionaveis. Elaconsidera as frases como produto da escolha individual e, portanto,as considera mais como instâncias da parole do que c-omo entidad~s

da langue. ~ente-se a tentaçao de dizer que ele deixou de distingùiras frases como fQrmas gramatrcais dos enunciados pelas quais sao

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r

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realizadas na fala, mas 0 probIema é mais profundo. Os' idiomatism-os,admite ele,fazem parte do sistema Ungüistico, e mesma "as frases egrupos de palavras construidos sobre padroes regulares"; mas elepareee relutanteem considerar até que ponta a idéia de "padrao

r regular" pode ser estendida e conclui que, no plana das combinaçoessintagmaticas, "nan ha limite categ6rico entre 0 tata de IIngua, teste-­

,munho de, usa coletivo, e 0 fato de fala, que ·depende de liberdadeindividual" (Curso, 14p; Cours, 173).

Por causa de seu malogro am incluir frases no sistema lingüistico,a concepçaa saussuriana de sintaxe pareee excepcionalmente fraca.A lingua é mais que um sistema de- unidades inter-relacionadas; asrelaçôes que a compoem também sao um sistema de regras, e é

"este aspecta que Naam Chomsky acentua corn a substituiçao dosconceitos saussurianos de langue e: parole pelas seus conceitos 4ecompetência e performance [desernpenho]. A competência é 0 sistemasubjacente de regras que um falanta dominou, e descrever a corn·petênciaé analisar uma Hngua am seus elementos e regras de corn·binaçao. "Distintamente" J' escreve Chomsky, Il a descriçâo da corn;.petência intrinseca proporcionada pela gramatica nao deve ser con~

fundida corn uma descriçâo da performance efetiva, conforme Saussureacentuou corn lucidez". Mas Saussure, continua ele,

considera a Iingua basicamente como um dep6sito de signos com suas pro­priedades gramaticais. isto é. um dep6sito de elementos semelhantes a pala­vras. frases fixas e, talvez. alguns tipos frasicos Iimitados. Ele estava. assim.Incapacitado de haver-se corn· os processos recursivos subjacèl'ltes à formaçaode sentenças, e parece considerar 'tal formaçao mais como uma questâo deparole do que de langue. mais de criaçâo livre e voluntariaque de regrasistemâtica. Neste esquema. naD ha lugar para uma "~riatividade governadapor regras ". do tipo envolvido no uso cotidiano da Iinguagem. 4

Todavia, vale notar que é precisamente porque reconheceu a cria­tividade do usa c:otidiano da Iinguagem que Saussure relutou emincluir a forrnaçâo de frases na langue. Ele naD sabia como reconciHara tato de que padernos produzir -oraçoes -totalmente~ novas com 0

fata de uma linguagem conter tipos frasicos. 0 que lhe faltava erauma idéia da criatividade governada par regras: a criatividade indivi­dual possibiiltada por' um sistema de regras. Ela nao compreendeuque é passivel construir urn conjunto finito de re'gras que gerarao

4. Current Issues in Linguistic Theory. The Hague, 1964. p. 23. Para uma explJca­çao mais detalhada das teorias de Chomsky e seu lugar na historia da lin­güÎstica. ver John Lyons. Chomsky, in Fontana's Modem -Masters Series [Trad.bras~: As ldéias- de Chomsky. Sao Paulo. Cultrix/EDUSP, 1973].

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descriçôes estruturais para um nûmero .infil1ito de sentenças. I.stopod€f' ser ,feito, como diz Chomskyr por regra-s recursivas: regras que·podern sèr aplicadQs repetidamente, tais coma a que permite que seassocieuma clausula relativa a uma frase nominal (p. ex., "Este é 0

caçhorro que perseguiu 0 gato que assustou 0 rata que comeu 0queijo ", etc.). _ . .

Alguém que saiba uma Hngua pode reeonheeer se uma oraçaoque nunca- encontrou antes e$tâ formada de acordo corn as regrasda Ifngua e pode, ele proprior produzir novas frases quecancordembarn a gramâtica. Este fato é prava suficiente de que a frase deveser cansiderada ,coma uma unidade do sistema lingüistioo. Coube aChomsky· mostrar ~coma 0 sistema poderia explicar a formaçao defrases ao mesma tempo que e~plicar a criatividade dos falantes indi­viduais. A inabilidade de Saussure para fazê-Io é muito compreensivel re ele parece pela menas ter oompreendido a natureza da problema..Mas seu descaso pe.la frase cama uma unidade Iingüfstica é r apesardissa, um malagro importante, e é aquf na area da sintaxef mais queem qualquer outrar' que a abordagem saussuriana da linguagem temsido invalidada. 5

B. Sincrônico e diacrônico

De todas as distinç5es de Saussurer esta é a que .tem sido menosclaramente compreendida e menos perceptivamente investigada parseus sucessores. Embora a prioridade da descriçao sincrônica tenha

.sida aceita. houve poue.as tentativas de esclarecer 0 problema te6ricabâsÎco propasto por Sa'Ussure quanta ao que pertence precisamenteà perspecfiva sincrônica e a que partence à perspectiva "diacrônicanas discl,Jssôes de mudança Iingüfstica. Muitos lingüistas têm afir­made que se deve superar -ou transcender essa distinçao e chegar auma concepçaa global, sintétiea da Iinguagemr mas naa se detiveramnas razoes que Saussure ofereee para julga~la impassivel; e CharlesHockett estava indubitavelmente correto ao observar em 1968. em

.The State of the Artr um exame de conjunto da Lingüfstica, que 0

problema da relaçao entre os estudos sincrônicos e diacrônicos "tinhasida mais varrido para debaixo ~o tapete, do que enfrentado" •.

. Ha dois tipos de alegaçâo feitos por aqueles que buscam supe­rar a distinçao entre 0 -sincrônieo a 0 diacrônico. 0 primaire é que,

5. Todavia, Wallis Reid afirma que a fraqueza de Saussure. é, na verdade. umaforça: "The SaussurianSign as a Control in Linguistlc Analysis". in ·Semiotexte1. 2 (1974).

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em qualquer momentoL- 0 s~stema sincrônico contém elementos dia­crânicos: arcafsmos, neolagismos, distinç6es queestao em processode desaparecimento, etc. Essa objeçao é irrelevante para 'Û pontade vista de Saussure. Ele declara explicitamente que, "a carla mo­menta, uma lingua implica um sistema estabelecido e uma evoluçao;a cada momento, ela é uma instituiçao presente e um produto dopassado". 0 sincrônico e a diacrônico nao SaD dois tipos de elemento,mas duas abordagens da Ifngua. Itens tidos porarcaicos num deter.minado momento serao assim identificados numa analise sincrônica,mas isto naD tem nada a ver cam a investigaçao hist6rica (nao fariadiferença para a descriçao sincrônica, por exemplo, se formas queos falantes considerassem arcaicas fossem realmente novas emprés­timos de outra lingual.

o outro tipo de objeçao· é mais pertinente e interessante. Oslingüistas da Escola de Praga insistiram em que a mudança Iingüfsticanaa era uma força cega mas fundamentalmente sistemâtica: era umafunçâa do sistema. E, recentemente, os que trâbalham corn a Fano·logia, no contexto da gramâtica transformacional, têm tomado umaposiçao anti-saussuriana. Enquanto Saussure sustenta que a mudançasonora ocorre fora do sistema lingüfstico, corn fatores externos afe­tando a parole, outras lingüistas argumentam agora que a mudan·çasonora surge no interior do proprio sistema HngÜfstico, pode atuarsobre elementos gramaticalmente definidos e é mais bem descritacamo uma mudança nas regras, nao camo a evoluçao de elementosde realizaçao. Por exemplo, num dado momento 0 k em formas comaknowledge [conhecer, conhecimento] era pronunciado. A mudançasonora que afetou kn pareee ter dependido da estrutura gramatical,pois que 0 k permanece am acknowledge [reconhecer] mas nâ·o emknowledge. •

A prova naD é conclusiva, pois ha outras maneiras, embora ad hoc,de explicar tais mudanças. Nem esta claro também, se a oposiçao deSaussure às idéias teleolégicas de mudança - .. de que. a mudançaocarre porque a sistema "busca" um estado diferente - precisa serabandonada. Certamente, muitas mudanças naD sac explicaveis emtermas teleal6gicos: nao se pode argumentar que a "inadequaçao" defot/foti, levou 0 sistema a buscar foot/feet coma uma maneira dernarcar os plurais. Epode ser que a prova citada coma contra~exemplo

resulte freqüentemente de uma falha na distinçao entre os fatossincrônicos e os fatos diacrônicos de mudança Iingüfstica. Em geral,a relaçao entre 0 sincrônico e 'Ü diacrônico é um prablema que naatem side suficientemente explorado e, aqui, a posiçao de Saussure -

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como ja tentamos explicar no capitula Il -" é uma formulaçao clarae apropositada das dificuldades centrais que ainda têm sida sentidas.

.C. Relaçoes no sistema lingüistico

Saussure afirmou inequivocamente, coma vimos, que alingua­gem é um sistema de diferenças em que tOOos os elementos estaodefinidos apenas par suas relaçoes reciprocas. Ele chegau a esta

, conclusao, recordemos, refletindo sobre a natureza da identidade emLingüfstica e sobre as propriedades do signo lingüfstico. De um pontade vista te6rico,a conclusaa pareee irrepre~nsfvel e temexercidoinfluência consideravel. Mas, na realidade, quando se analisa umalingua, torna-se extremamente diffcil evitar talar coma se houvessemtermos positivos. É difîcil analisar uma Iingua camo apenas um siste­ma de relaçoes. Nao esta claro se essa dificuldade tem implicaçôes teo­ricas significativas, mas é verdade que os lingüistas têm tidomaisêxito na investigaçao de tipos partieulares ou conjuntas restritos derelaç6es do que no tratamento de uma Ifngua inteira coma um sistemapuramente relacional.

,Par exemplo, a proeminência dada par Saussure às oposiç5esbinarias tem produzido bons resultadas. A maioriados trabalhos emFonolagia tern-se baseado numa reduçao do continuum sonoro a ele­mentos diseretos que podern ser definidos coma 0 ponta de intersec-

.ça'o de varias traças distintivos. Cada traço distintivo, camo diz Jakob­son, envolve a escolha entre Il dois termas de uma oposiçao querepresenta uma prapriedade diferencial especffica" (p. ex., sonora emoposiçao a surda). Na verdade, Jakobson e outras argumentam que 0

uso de oposiç6es hinarias para descrever a estrutura nao é apenas, um artiffcia metodol6gieo, mas um reflexo da propria natureza da

linguagem. As oposiç6es binarias'sâo oc6digo mais nat~ral e econô·miea; ~âo as primeiras operaçoes que uma criança aprende quandocomeça a ter aeesso a uma Ifngua; e. mais comumente, sfio 0 deno­minador camum de toda 0 pensarnenta. Mais lima vez vem()s Saussuree a tradiçao saussuriana reestabelecendo os elos entre a linguageme 0 pensamento, mas no nivel das operaçoes estruturadoras funda-mentais. .

As relaç6es sintagmaticas e paradigmaticas também têm sidaQ.foco de atençao de muitos lingüistas. e poder-sewia argumentar queas diferenças entre as diversas teorias da descriçao gramatical de­senvolvidas desde a época de Saussure sao,. essencialmente, diver­gências sobre a naturez,a das relaç6es sintagmaticas e as maneirasde determina-las. Essas divergências nao sao tao simples que passam

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ii

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1!

ser resumidas sucintamente aqui. Basta dizer que 0 conceito de.uma hierarquia de nÎveis \pngüÎsticos, 11~ quaI os constituintes de um", nrvel (tais! coma os fonerrlas) combinam-se paraformar constituintesdo nrvel seguinfè (tais como os miorfemas), e na quai 0 potencialcombinat6rio dos elementas serve' para defini-los, é comuma umasérie de teorias descritivas, que diferem am seus juizos quanto aopeso a ser dado a" varios tatares na determinaçao, das relaçoes.Devar-se-ia, par exemplo, to,nar enunciados sirnilares e, tratando.oscoma seqüênci,as de formas, dividi-Ios nos pontas em que- diferem-entre si e entao estudar as) combinaçoes que, isolados assim os elè­mentos, entrarn em outras '~eqüências? Ou dever-se-ia cor:neçar cornuma teoria das varias funçoes que os elemantos Iingüfstlcos paderndesernpenhar e entao identifiear os elementos que se combinam paradesempenhar tais funçoes?

Foi s6cam 0 advento da gramatica gerativo-transformacional de..Chomsky que se reduziu cl' importância dos elementos sintagmaticose paradigmâticos, tais coma definidos par Saussure. E mesma araproblema foi apenas deslocado: varias espécies de classes paradig­maticas emergem, tais coma as classes sob~è- a~ quais atuarrl asregras, coma as classes que sao necessarias para as regras atuaremcorretamente. E as pr6prias regras sac representaçoes do que Saus­sure consideraria relaçëes sintagmaticas. tivesse ele levado am conta

-adequadamente os processos sintaticos em sua descriçao das relaçoes.

Além disso, a trabalho recente dos gramaticos transformaciona­listas, embora num nrvel diferente, retorna à concepçao expressa parSaussure: quando se pensa corn rigor nos processos combinat6rios,- .sem nada pressupor,descobre-se que naD ha nenhuma diferença es­sencial entre as combinaçoes morfol6gicas e outrascombinaçoes sin­taticas~. Para Saussure isso é s6 urna inferência; suas 'observaçoessobre sintaxe sao tao su~arias que nao dao nenhum apoio à sua ale­gaçao. Mas ~gora. assim coma a descoberta do Hitita confirmou ahip6tese de Saussure sobre as vogais indo-européias, asslm tambéma gram~tica transformacional pode demonstrar a correçao de um outra.postulado ou vislumbre.

Entretanto, ha um pormenor, a respeito do quai 0 pai da Lingüfs..tica moderna ficaria desapontado corn seus filhos. Saussure susten~

tava que a Lingüfstica era um rama da Semiologia, a ciênciageral dossignas e dossistemas de signas. A Lingüistica partence naD às clên..

.cias naturais ou às ciências hist6ticas, mas à Semiologia....Para nés( ... ) 0 problemalingürstlcoé.antesdetudo.semioI6gieo( ... ).Se .se quiser descobrir a verdadeira natureza da lingua, sera mister consi-

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dera-Ia inicialmente no que ela tem de comum corn todos osoutrossistemas da mesma ordem" (Curso~ 25; Cours, 34-5). Essa advertência,esse programa tem sido ignor~do pelos lingüistas. Enquanto outrosconceitos saussurianos têm sido assinïilado$, 0 conceito predomi­nante de Saussure - a noçao do signa e da Hnguagem como" umsistèma de signas - tem sida ampJamente negJigenciada. Os lingüis­tas l'ouvaram 0 conceito mas naopermltiram que ele governe suasanâlises de uma IIngua. Pode-se argumentar que, se se admitisse 0

papel que Saussure atribui ao signa, esse papel levaria a uma impor­tante reorientaçao da Lingüfstica, mas até que a tentativa seja feitanaD se pode dizer quais seriam suas conseqüências. 6 0 que se podedizer é que 0 malogro dos lingüistas em tornar 0 signo um objeta deatençao conduziu a ume- situaçao anômaJa: a Semiologia tem sidoadotada par pessoas que trabalham em muitos campos diferentêSimas a pr6pria Lingüfstica, que Saussure colocou no centra da Semio-

- logi8 e à quai ele julgou que a Semiologia prestaria uma contribuiçaoimportante, permanece à parte. A LingüÎstica tern-se desenvolvido demaneiras saussurianas, mas, para compreender 0 contexto am queSaussure a colocou, devemos abandonar 0 estudo da linguagem camotal e considerar as tentativas de estudar outras fenômenos sociais e.pufturais coma "linguagens". como sistemas de signas.

6. Para a discussao desse assunto, veja·se Wallis Reid, op.- cit.

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CAPITULO IV

SEMIOLOGIA: 0 LEGADO SAUSSURIANO

Muitos poucos parâgrafos do Cours de linguistique générale sacdedicadasà' Semiologia; esta é, sem duvida, uma das raz6es pelasquais os Iingüistas em geral naD deram atençao à sugestao de Saus­sure de desenvolver uma ciência geral dos signas que situaria eorientaria a Lingüfstica. Mas, para Saussure. a perspectiva semialo­gica era central em qualquer estudo sério da linguagem. .. Nao éobvia n, escreveu ele, "que a linguagem seja acima de tudo um sistemade signos e que. por isso, devemos reGorrer à ciência dos signas",se quisermos defini-la corn propriedade? (Engler, 47.)

A Ifngua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparavel, porisso. à escrita, ao alf~beto dos surdos-mudos, aos ritos sÎmb6licos, às formasde polidez. aos sinais militares, etc., etc. Ela é apenas a principal dessessistemas.

Pode-se, entao. conceber uma ciência que estude a vida dos signas noseio da vida social; ( ... ) chama-Ia-emos de Semiologia (do grego sémeion,"signa"). Ela nos ensinara em qùe consistem os signas, que leis os regem.Camo tal ciência naD existe ainda, nao se pode dizer a que sera; ela temdireito, porém, à existência; seu lugar esta determinado de antemâo. A Lin­güîstica nâo é senâo uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologiadescobrir serâo aplicâveis à Lingüîstica e esta se acharâdessarte vinculadaa um domînio bem definido no conjunto dos fatos humanos (Curso. 24;Cours. 33).

Camo os seres humanos produzem rufdos, fazem gestos, empre­. gam combinaç6es. de objetos ou de aç6es a fim de exprimir significa­. do. hâ lugar para uma disciplina que analisaria essa espéciê de ativi­dade e tornaria explicitas 'Os sistemas de convençao em que ela repou­sa. E, argumenta Saussure, se a LingÜfstica for coricebida coma umaparte da Semiologia. havera conseqüências importantes:

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( ... ) fatoréS IingüisticQs que apareéem,. à primerra vista, como muitoImportantes (par exemplo: 0 funcionamènto do aparelho vacal),. devem serconsideradosde seçundâria Îinportância quando sirvam $omente para distin~

guir a lingua de 0Otr-os sÎstemas. ((om lsso, nao apenas se esclarecerâ 0probJéma UngüÎstico, -mas acreditamoS que. considerando os ritos, os costumesetc. comosignos, esses fatos aparecerao sob outra luz. e sentir-se-a a ne­:e8sQidade de agrupâ-Ios na Semlologla e de explica~los pelas leis da clênclà(Curao, 25; Cours. 35).

A Semiologia baseia-se, assim, na suposiçao de que, na medidaem que as açoes ou produçoes humanas exprimem si,gnificado. namedida em que elas funcionam como signas, deve· haver um sistema-subjacente. de convençoes e distinçoes que torna possfvel esse signi­ficado. Onde hâ signos ha sistema; Ista é a que âs varias atividadessignificantes têm em comum e, se quisermos determ.inar sua natu­reza essencial. devemos trats-Ias nao isoladamente, mas como exem­plos de sistemas semiol6gicos. Dessa maneira, os aspectos que estaoocultos amiude, ou sao abandanados. tornar-se-ao: a-parentes,especial­mente quando as praticas signifie·antes nao-lingüfsticas sac cons ide·radas camo" Iinguagens".

Mas par que aeveria a Lingüfstica - 0 estudo de um sistemasignificante particular. embora muito importante' - ser consideradacoma fornecédora do modela para 0 estudo rpe outros sistemas? Parque deveria a Lingüfstica ser, como Scfussu're a chamou, JI le patrongénéral" da Semiologia? A resposta leva-nos de volta ao ponto departida: a natureza arbitraria do signo.

Saussure argumentou que a'LingÜfstica pade servir cQm·o modelapara a Semiologia, porque no casa da linguagem a natureza. arbitrariae convencional do signo torna-se especialmenteclara. Os signos nao­lingüfsticos freqüe-ntemente padern parecer naturais àqueles que osusam,e é preciso algum esforço para percebër que a polidezou agrosseria de uma açao naD é uma propriedade que Ihe s~ja necessariae intrfnseca, mas sim um significado conv~ncional. :Sé a Lingüfsticafor, porém, tomada coma modelo. ela compelira o_,,~nalista a atantarpara a baseconvencional dos signos nao-Hngüfstieos que esta estu­dando.

Isto nao quar dizer qUr todos os signos sejam totaJ!I'!.ente arbi­trarios.. Ha algumas coerçôes intrfnsecas para os significados .que aaçao pode ostentar e, reeiprocamente, para a classe de açoes apro­priada paraexprimir .um determinado significado. É diffcil imaginar'uma cultura em que üm s·aeo naboca pudesse- ser um cumprimentoamigâvel. Mas entre tais coerçoes hâ toda uma série de açôes que

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....

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poderiam servir perfeitamente· bem coma cumprimentos a·migaveis.Dentro desse domfnio de possibilidades di~poniveis pode-se falar dossignos eomo corwencionais e arbitrarios. Corn efeito, ascreve Saussure,

todo -mela de express§o acelta numa socledade repousa em princfpio nmnhabita coletivo ou, 0 que vern a dar na mesma, na convençao. Os signos decortesia, por exemple, dotados freqüenternente .. de certa expresslvidade natu­ra' Uembrernos os chineses. que saûdam seu imperador prosternando-se novevezes até 0 chao), nao estâo menosfix~dos por uma regra; é essa regraque obriga a emprega-Ios, no seu valor intrfnseco. Pode-se, pois, dizer queos signas inteiramente arbitrarlos realizarn melhor que os outros 0 ideal doprocedimento semiol6gico; eis porque a Iingua, 0 mais completa e a maisdifundido sisterna de expressâa. é também 0 mals caracterfstfco de todos;nesse sentido, a. LingüÎstlca pode erigir-se em padrao de toda Semlologia, sebem a Iingua nao seja senaa um ·sistemà particular (Curso, 82; Cours, 100-101).

romanda-se a Lingüfstica ..como modela, pode.se evitar 0 erracomum de supor que os signas que parecem naturais àqueles queos usam têm um significado intrfnseco e naD envolvem nenhumaconvençao.

-Par que isso é importante? Par que se desejaria acentuar a nstu..reza convencional dossignos nao-lingüisticos? A resposta é muitosimples. Se os signos fossem naturais, entao nao haveria realmentenadaa analisar. Dirfamos. que abrir uma porta para urna mulher épolido, e apenas issa. Mas se partimos da. suposiçao de que provavel..

. mente os signas sac canvencionais, entao pesquisaremos seriamente~S convençôes em que se baseiam e descobriremos 0 sistema subja­cente que tarna tais signas 0 que sao. Assim camo, na Lingüistica.a· natureza arbitraria do signq leva a pensar a respeito do sistema dediferenças funcianais que criam signas, assim também, em outros ca­sas, focalizar-se-ao as diferenças significativas: diferenças e oposiçoesque trazem significado. 0 que diferencia um cumprimento polido deoutro nao-polido, uma roupa da moda e uma.roupa antiquada? Chega-seao estudo, naD de signo$ isolados. mas de um sistema de distinçoes.

o DOMrNID DA SEMIOLOGIA

As proposiç5es de Saussure relativas à Semiologia nao foram'aceltas imediatamente; sô por volta dos meados deste sécula, multosanos depois da publicaçao do Cours, é que se começou a com­preender a importância de suas sugest6es. 1: como se as disciplinasindividuals tivessem que se des~nvolver par seus pr6prios meios eredescobrir os vislumbres de Saussure por si mesmas antés que sepudessem tornar propriamente semiol6gicas. -Na verdade, 0 que atual-

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mente se chama de Il estruturalismo" surgiu quando antrop6logos, cri-.ticos literarios e outros viram que 0 exemplo da lingüfstica poderiaajudâ-Ios a justifiear 0 que eles buscavam fazer em suas pr6priasdisciplinas; e, ~sim que cOl11eçaram a~ tomar a lingüistica como'modela, compreenderam que estavam,' de fato, desenvolvendo a Se­miologia 'proposta por Saussure ha muito tempo atras.

Assim, foi sô em 1961, em sua aula inaugural no Collège deFrance, que 0 antrop61ogo Claude Lévi-Strauss definiu a Antropologiacomo um ramo da Semiologia e prestou homenagem a Saussure comoo homem que, ao discutir a Semiologia, havia lançado os' fundamentospara a conc~pçâo adequada da Antropologia. Mas quinze anos antes,num artigo memoravel sobre" A analise estrutural em Ungüfstica eam Antropologia", Lévi-Strauss jâ havia recorrido aos conceitos emétodos da Lingüistica para estabelecer seu modela de estrutura­lismo.

Nesse artigo, fala Lévi-Strauss dos progressas da Ungüfstica,especialmente na Fonologia, que a tornaram urna disciplina cientffica,e observa que .. a Fonologia pode naD ajudar, mas desempenha 0masmo papel renovador para as ciências saciais que a Fisica nuclear,par exemplo, representou para as ciências Jexatas If. Prppoe que aantrop61ogo siga 0 exempla do lingüista e reproduza em seu pr6p~jo

campo de atividade algo comparavet à "revoluçao fonoI6gica". '~,

Fonologia estuda nao os termos isolados, mas as relaçoas entre eles,os sistemas de relaçoes; 'e ela passa do estudo dos fenômenosconscientemente dominados ou conhecidos pelos falantes de umaIIngua à sua" infra-estrutura inconsciente". Ista quar dizer que procuraidentificar sistemas de relaçoes conhecidos apenas subconsciente­mente. Que Iiçao pode 0 antrop61ogo extrair daf? Pode conside­ra-Io, diz Lévi-Strauss, 'como um exemplo de método: a fim de anali·sar os fenômenos sij'lgificantes, a fim de investigar aç6es ou objetosque tenham significado, ale deveria postular a existência de um sis·tema subjacente de refaç6ese tentar verificar se 0 significado doselementos ou objetas individuais nâo é um resultada de seus con­trastes corn outras elementos e objetos num sistema de relaçoes. doquai os membras de uma cultura ainda naD têm consciência. 1

1. 0 ensaio de LéviwStrauss estâ em Structural Anthropology, Londres, 1968. Parauma avaliaçao concisa de sau trabalho corn os signos, ver Lévi-Strauss, deEdmund. Leach. [Ha traduçao· brasileira da obra de Lévi·Strauss, publicada pelaTempo Srasileiro (1975, volume 1; 1976, volume Il), sob a titufo de Antropologiaestrutural; 0 texto de Leach foi publicado pela Editora Cultrix, na série "Mestresda Modernidade", em traduçao de Alvaro Cabral. (N. E~).]

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Na verdade, Nikolai Trubetzkoy, am seus fecundos Principios deFonologia (1939), ja havia esboçado as i.mplicaç6es metodol6gicas dateoria fonologica para as ciências sociais e, assim, fizer'a progredira Semiologia proposta par Saussure. Enquanto que 0 foneticista sepreocupa corn as propriedades dos sons etativos da fala, 0 fon610gose interessa pelas traços diferenciais que sao funcionais numa dater­minada IIngua; ele indaga quais sac as diferenças fônicas que estaoligadas a diferenças de significado", c.omo os elementos diferenciaisestao relacionados entre si e coma' se cornbinam para formar pala­vras ou trases. É claro, continua Trubetzkoy, que essas tarefas naopadern ser realizadas pelos métodos das ciências naturais, que seocupam das propriedades intrfnsecas dos fenôrnenos naturais em sirnesm-os e nao dos traças diferenciais que produzem significaçâo so­cial. Em outras palavras, nas ciências riaturais naD ha nada que cor­responda à distinçâo entre langue e parole: nao ha nenhuma institui­çao ou sistema convencional a ser estudado. As ciências sociais ehumanas, par outra lado. preocupam-se corn 0 usa social de objetosmateriais e devem. portanto, distinguir entre os pr6prios objetos e 0

sistema de traças distintivos ou diferenciais que Ihes deu significadoe valor.

As tentativas de descriçâo desses sistemas, argumenta Trubetzkoy,sac rigorosamente anâlogas aD trabalho da Fonologia. Oexemplocitado par ele é 0 do estudo do vestuario, tal coma poderia ser desen­valviqo par um antrop6Iogo ou um soci610go. Muitas caracterfsticasdas roupas que seriam de grande importância para 0 usuarionaoapresentam nenhum interesse para 0 antrop6logo, que se ocupa ape­nas daquelas caracterfsticas portadoras de uma significaçao social.Assim, a comprimanto das saias poderia ter uma grande significaçaono sistema s·acial de uma cultura, enquanto que 0 material de queelas fossem feitas poderia ser irrelevante. Ou ainda, se eu fosse usarum terno amarela em vez de um terno cinza, issa poderia ter consi­deravel significado social; mas 0 fato de que eu tenha uma fortepreferência por ternes cinzas mais que per ternes marrons. ou umaantipatia por roupas de la, poderiam ser escolhas puramente pessoaissem nenhuma significaçao social. Assim comoo fon6Iogo tenta de­terminar quais diferenças de som trazem significado e quais n'aotrazem, assim também 0 antrop610go ou soci61ogo, estudando 0 ves-'tuari'O, estaria tentando isolar aqualas caracterfsticas das roupas quetivessem significaçâo social. Ele tenta reconstruir 0 sistema de rela­çëes e distinçoes que os membros de uma sociedade assimilarameque revelam ao tomar certas roupas como indicadoras de um estilode vida, de um papel social ou de uma atitude social determinados.

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Ele. am suma, ocupa-se daquelas caracteristicas pelas quaIs as roupastransfbrmam-se em signas.

Como 0 lingüista, 0 antropôlogo ou 0 sociôlogo estao telltandotornar explicito 0 conhecimento Implicito que capacita as pessoas.numa determinada sociedade,. 8 comunicarem-se e compreenderem 0comportarnento urnasdas outras. Os fatos que ele tenta explicar sactatas sobre 0 conh~cimento i'mplicito das pessoas: 0 tato de umacertaaçâo ser tida coma polida enquanto que outra é tida por grosseira;de que uma determinada roupa seja ,apropriada para urna situaçaomas imprôpria para outra. Onde quer que haja conhecimento ou do­mÎni'O de qualquer. tipo, ha um sistema a ser explicado. Este é 0

principio fundamental que orienta ,a extrapolaçao que parte da lin­güÎstica para outras disciplinas. Se os significados atribuidos a obje­tos ou açôes pelos membros de uma cultura naD sao fenômenospuramente· casuàis, entao dev~ haver um sistema semiologico dedistinçôes. categorias e regras' de combinaça:o que se poderia espe­rar descrever.

Pader-se-ia, assim, atribuir à Semiologia um vasto campo de pes­quisa: se tudo que tem significado dentro de uma cultura é um signae, portanto, um objeto de investigaçao semiologiea, a Semiologia viria

.a incluir muitas disciplinas 9·as ciências humanas e sociais. Qualqùerdominio da atividade humana - seja a musica, a arquitetura. a culi­naria, a etiqueta, a publicida,de, a mada, a Iiteratura - poderia serabordado em termos semiol6g1ëos.

A objeçao imediata a uma Semiol.ogia imperialista, que procurariadessa maneiraabranger muitas outras disciplinas, poderia ser a deque os fenômenos significantes encontrados nesses varios domÎniosnaD sao todos (guais. Mesma que a maioria dos objetos e das ativi­dades soclais sejam signos. nao sao signos do mesma tipo. Esta é

. umaobjeçao importante, e uma das principais tarefas da Semiologiaé distinguir os diferentes tipos de signos, que talvez seja misterser estudados de diferentes maneiras.

Foram propostas varias tipologias de signas, mas ha três classes·fundamentais de signos que parecem de$tacar-se por requerer aborda­gens diferentes: 0 icone, o· indice e 0 signo propriamente dito (algu­mas vezes erroneamentechamado &1 sîmbolo"). Todos os signas con­sistem de um significante e de um sÎgnificado. uma forma· e U,lJ1

significado ou significados associados; mas as relaçoes entre signi­ficante e significado sac diferentes para cada um dasses três tiposde signa. Um icone envolve a semelhançareal entre significante e

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..,...,

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significado: uma fotografia signifiea a pessoafotografada menos porconvençao arbitraria que por semelhança. Num indice, a rel~çâo entresignifieante e significado é causal: fumaça signifiea fogo porque 0

fogo geralmente é a causa da fumaça; nuvens significam ehuva sesac do tipo de nuvens que produzem enuva;" pegadas sao signos do

'tipo de animal que' provavelmente as produzlu. No signa propriamente-dito, todavia, a relaçao entre signifieante e significado é arbitraria econvencional; apertar asm~o,s signifiea, eonvencionalmente, um cum­primento; 0 q~ijo. é, por eonvençao, um alimento proprio para fina­'liza~ uma refelç,ao. .

Quais sao, para a Semiologia, as implieaçoes dessa divisao tri­pliee? A conseqüênciaprincipal é tornar 0 signa propriamente dito.,~ objetocentral daSemiologia e 0 estudo de outras signos umaatividade especializada e secundaria. 0 estuda dà maneira pela quai"um dèsenho ou uma fotografia de um cavala representa um cavala

·poderia fazer parte da SemiQ~ogia, mas parece ser mais propriamentea preocupaçao de urna teoriàfJlos6fica da representaçao do que de

· uma Semiologia lingüisticamente fundamentada. A Semiologia deveidentificar e caracterizarsignos icônicos, mas é improvavel que 0 es- 'tudo dos Îcones seja uma .de suas atividades centrais.

Os indices sao, do ponto de vista do semi6logo, mais inquietantes.Se ele os situa dentro de seu domÎnio, arrisca-se, entao, a tom~r todoo -conheeimento humano como sua provincia, pois qualquer ciênciaque tente estabelecer relaçôes causais entre, os fenômenos poderiaser vista como um estudo dos Indices e ser'assim situada dentro daSemiologia. A Medicina, por exemplo, tenta relacionar enferinidadesa sintor:nas: ter descoberto 'Os sintomas de uma enfermidade é iden­tificar os, signas que traem a presença dessa doença e, reciproea­mente, ter sabido de que esses sinto~ sao signos. A Meteorologiatenta elaborar um sistema que relacione as condiçoes atmosférieasa suas causas e conseqüências e, assim, lê-las como signas: comosignas das condiçoes do tempo. A previsao econômica depende deuma leitura ad~quada de signos econômicos:a Economia é a disci­plina que identifica esses signos e nos / capacita a lê-los. Em suma,

_toda uma série de disciplin~s tenta decifrar 0 mundo natura~ 'ous,octal;' os métodos dessas disciplinas sao diferentes, e naD ha nenhu-

· ma razao para aered~tar que elasganhariam substancialmente sefossem sujeita~as à bandeira de uma Semiologia imperialista.

Os signas propriamente ditos, em que a relaçao entre significante,,,e signifieado é arbitraria ou convencionaJ, sao, entao, 0 dominio can--,

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tral da Semiologia. ne fato. eles exigem investigaçao semiologiea seIhes quisermos entender os mecanismos. Na a{Jsência de uma ligaçaocausal entre significante e significado que nos capacitasse a tratarcada signa individualmente. devemas tentar reconstruir a sistemasemi6tico, 0 sistema de convençoes do quai deriva tado um grupade signas. Precisamente porque os signas individuais sao imotivados.devemos tentar reconstruir a uni~o sistema que pade explica-Ios.

Tadavia. nao se pade excluir tatalmente os indices do daminia''<la Semiologia, pois eles constituem u,m casa fronteiriço interessantee importante. 0 fato é que qualquer fndice pode ser usado cama umsigna canvencional. Uma vez que a relaçao causal ou indicial entreum significante e um significado seja reconhecida par uma cultura,o significante associa-se a seu significado e pade ser usada paraevocar tal significado. mesma nos casas am que a relaçao causalesteja ausente. Par exempla, uma vez· que se reconheça que fumaçasignifiea fogo, passa usar fumaça para significar togo. A fumaça pro­duzida por um gerador de fumaça pade ser usada num espetaculoteatraI para significar fogo, mesma que' ela naa seja. neste caso,causada pelo fogo. 0 indice esta senda usado aqui como um signaconvencional.

Muitos Indices, naturalmente, podem ser usados coma signas cbn~

vencionais desta forma teatral: se um ator for maquilado para parecerque tem sarampo, lemas suas pintas como significando sarampo deuma forma convencional e naa acreditamos que elas estejam, em seucaso. Iigadas casualmente a sarampo. Mas ha um grande conjunto deIndices convencionalizados especialmente interessantes para 0 semi6~

logo porque vêm a constituir aquito que se poderia charnar de mitola­gia social convencional de uma cultura. 0 q,ue chamamas de: "sfmbolosde status" talvez seja 0 melhor exemplo. Camo 0 proprio nome indica,nâo sao fndices de status, mas simbolosdele; embora tenham algumarelaçao causal ou intrfnseca corn 0 status que significam. toram ele~

vadas pelas convençoes de um.a sociedade à classe de simbolo eproduzem mais significado do que'sua natureza causal" ou indicialpoderia implicar. Assim, um Rol1s-Royee é certamente um indice deriqueza à medida em que se deve ser rico para possuir um, mas aconvençao social tornou~o um· simbolo de, riqueza, um objeta miticoque signifies riqueza mais imperiosamente que outras objetos quepudessem ser igualmente caros. Entre os muitos 'Objetos que sacindices de riqueza par serem todos caros, ele foi escolhido pela usosocial coma um simbolo de riqueza. 0 semi61ogo que esteja estudan-

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"""

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do a vida social camo um sistema de si_gnos certamente incluira Îndi..ces convencionalizados desse tipo em seu domînio. 2

Além disso, ha uma outra inaneira pela quai os indices penetram .no domfnio do semi6logo. Em determinadas ciências, os significadosdO$ indices mudam corn asconfiguraçoes do conhecimento. Os sinto~

mas médicos, par exemplo, sac -1 idos e interpretados diferentementede urna época para outra de acordo corn os progressas do conheci~

mento. Ha mudanças tante no que se identifica quanta na maneirapela quai se interpretam os sintq-mas. Assim, torna-se possivel aosemi61ogo estudar as mudanças emMedicina coma um sistema inter~

pretativo, coma urna forma de 1er e identificar signas. Ele estariatentando descobrir as convençoes que determinam ou possibilitam 0

discurso médico de um periodo -e que. permitem que os indices sejamlidos. Nessa investigaçao, 0 semi610go estaria interessado nao nosproprios sintomas ou indices, nao na relaçao causal Il real" entre in..dice e significado, mas na teitura de indices no interior de um siste~

ma de convençoes.

Quai é, entao, a dominio da Semiologia? Até onde se estèndeseu impéria? Ele tera,obviamente, fronteiras variâveis; ha muitas.coisas-que podern ser tratadas semiologicamente mas que naD pr~ci ..sam necessariamente ser estudadas dessa maneira. De -fata, paracaracterizar 0 dominio daSemiolo'gia deve-se simplesmente identificaras espécies diferentes de casas corn que els pode defrontar~se.

1. No centra do empreendimento semjol6gico estéo os sistemas designas convencionais usados para c:Jn1unicaçao direta. Estes incluem,primeiramente, os varias c6digos J:sadiQ,s para transmitir mensagensque sao compostas numa lîngua :i.a-:-u'"a! existente, tal coma 0 Inglês.o c6digo morse, os c6digos sem"aftr:::os, Cl braille a todos os c6digossecretas padern ser usados para trGr~,Strr:--: ~ uma mensagem em Inglês.Em segundo lugar, hâ toda uma sé~;;e de :ô:lgos especializados usa·dos para transmitir um tipo p-art.i:;j::.:- ::e':rfu..rmaç.âo a grupos quepodern nao compartilha-r- da mesrr,~ ':"');:r-a;e'TT IT.atural: simbolos qui..micos,sinais de trânsito e rodovlà:r';::.s" ......eC:'djîë::c ce quilataçâo de prata!

- simbolos matemâticos, os signes U-C;â~~:.:s e~;:er-~clrtosr trans, etc., efinalmente os simbolismos recôndi:t:::s =a ~d[:c:a ou dos c6digos

2. Em relaçao a esse aspecta da Se:-:_'I~IOPil!. fI!I'!r ~ Sa-:7!18S. Mithologies,Londres {trad. bras.: Mitologias. S. F:wc :&fii!!I~:" ~ es:ec:iaJrr.ente a im·portante discussao te6rica .ao fina[ -oc; err:sac..,

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alquimicos. 3 Todos "esses casos envolvem signas convencionais ba-seados em c6digos expllcitos: como sao designados para uma cornu·n'icaçao facil e lJao-Smbigua, ha um proéedimellto expHG~to de codifi~

caçao e de descodificaçao. tal camo procurar 0 'Uem em 'questao numJ

livra de c6digo. Tais c6digos sao exemplos puros de sistemas semio-16gicos. mas: precfsamen~te porque sao tao diretos, geralmente étarefa. facil descrever os princfpios a partir dos quais foram elabora­dos e, assim. revelam-se amiu$ muito menas Interessantes ao sernia·logo flue os sistemas meno~t expl.fcitos e mais compficados que caemdentro de nossa proxima- categoria.

Il. Mais complicados que os codigos expllcitos sao os sistemas emque a comunicaçao indubitavelmente ocorre mas em que os c6digosdos quais depende sao diffceis de estabelecer e altamente ambiguosou abertos. Tai é 0 casa. ~porexemplo. da literatura. Para 1er e enten­der literatura requer-se mais que um conhecimento da Ifngua 'lem queala esta escrita, mas é muito difÎcil estabelecer precisamente queconhecimento suplementar se exige para uma interpretaçao satisfatô­ria das obras literarias. Certamente nao sE! trata do tipo de cadigospara os quais poderiam ser fornecidas chaves ou livros de c6digo.Todavia. precisamente porqlJ~; se trata de um slstema comunicativoextremamente rico e complexo, 0 estudo semiol6gico da literatura' ede outros c6digos estéticos (tais camo os côdigos da pintura e damusical pode ser ~xtraordinariamente Interessante.

. A razao para a complexidade amQfgua des·ses c6digos é bastantesimples.· Os c6digos do primeiro tipo destinàm~se a comunicar dirata..mente·e sem ambigüidades merisagens e idéias que ja sac conhecidas; .a c6digo simplesmenta proporciona urna notaçao econômica para no-:çôes ja definidas. Mas a expressao estética pretende comunicar no­ç6es. sûtilezas. complexidades que ainda nao foram formuladas ·e,portanto, assim que um c6digo estético venha a ser percebido portodos coma c6digQ (camo urna maneira de expressar noç6es ja arti-·culadasJ. as obras de arte ·tandem a superâ-Io. Elasquestionam, para­diam e geralmente minam' 0 c6digo enquanto exploram suas posslveisr ­

mutaç6es e extensoes. Poder~se-ia dizer. até. que muito do Interessedas obras de arte r-epousa "as formas pelas quais elas explora-m e modi­ficam os cadi,90s que parecem estar usando; e isso tarna a investiga-·çao semiologiea dasses sistemas ao mesma tempo altarnante relevantee extremamente dif{cil. .

3. Muitos sistemas deste tipo sAo discutidos par Georges Mounln, am Introductionà la sémiologie., Paris. _1910.

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III. 0 terceiro tipo de casa corn que a Semiologia deve enfrentarabrange as praticas sociais que naa parecem, à primeira vista, envol·ver a comunicaçao mas que sac altamente codificadas e que certa.. ·mente empregam toda uma série de distinçôes a fim de criarsignificada. 0 ritual e a etiqueta d~.__ varios tipos e os sistemas deconvençao que gover,nam a alimen~çaoi è 0 vestuario sac obviamentesistemas semioI6gi'cos: usar um determinada conjunto de roupas, depreferência a outrp, é certamente comunicar algo, se bem que indire..tamente. Mas pade-se ir além e dizer que as casa~ que habitamos, osobjetos que compramos e· as açoes que desemp-enhamossao do in­teresse do s.emi6logo porque todas as categorias e operaçôes atravésdas quais elas se investem de significado sao fundamentalmente se..mial6gicas. Ista nao quar dizer quecomprar uma casa, por exempla,seja primaria ou essencialmente uma açao camunicativa, mas apenas

- -

que as diferençps entre casas sao investidas de significado par umsistema semiol6gico e que escolher uma casa em vez de outra é lidarcorn a imagem projetada por 'essa casa em particular (ùm chalé rural,uma casinhola moderna, uma rUina am estito vitoriano). Pade-se, porrazôes puramente pratic~~, optar pela compra de uma' casa cuja ·ima-'gem pareça ser desagradavel, mas estamos, apesar disso envolvidosem um sistema semiol6gico. A tarefa -do semi61ogo ao haver-se. cornvestuario, ahjatas comerciais,passatempos e todas as outras antida­des sociais é tornar expllcitos os significados implicitos que elesparecern ter e reconstruir 0 sisterna de conotaçoes em que se baseiam

_esses significados.

IV. Chegamos, finalmente, aos casas que deixei de lado no IOICIO

coma os que envolvem mais o's indices que os signas propriamenteditos: as disciplinéls das ciênciassociais e naturais' que. tentamesta­belecer refaçoes de causa e efeito entre fenômenos -e pel,as quais 0

significado de um objeto ou açao deve provavelmente ser sewantece­dente ou conseqüência causal, SU,a significaçao num esquema caùsal.',Como ja mencionei"anteriorment'e, embora essas disciplinas' naD sejam_par si mesmas sefl)ioI6gicas, isto naD significa que devam escapar àatençâo do semi6logo. Os objetos estudados por essas disciplina~

nao sac signos propriamente dites ·mas elas pr6prias~'como discipli­nas, como "Iinguagens" ou sistemas de ·articulaçao, padern ser estu..dadas como sistemas semiôticos.

~,.

Isto é 6bviono caSQ de 'eiências agora desacredltadas, tal camoa Astrologia~ Desde que _nao acreditemos nas relaçoes causais que

'os astr61ogos estabeleceram entre osmovimentos dos planetas. e os/

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acontecimentos das vidas das pessoas,_ é facil considerar a AstrologLacomo um sistema de convenç6es. -0 semi6Iogo_,_ estudando a AstroJogia,perguhtariaquais _eram as regras ou convençoes que os astrologosempregavam na atribuiçao de ;signifieado às eonfiguraçôes dos _,eéus.

,Quais ~ram as convençoes que se deveria aceitar para Se serastr6logo?

NaD hesitarÎamas em admitir que estamos aqui lidanda corn umsistema de signas que poderia ser eluci,dàdo. Mas, dé fata, se pensar­mos no assunto, padernos ver que nossa analise semiol6giea nâo seriafundanientalmente afetada se descobertas futuras provassern que tudoo que os astr61ogos disserarnJera verdade. Nao importa 0 quanta saofalsas ou verdadeiras as prediçoes que eles fizeram: 0 mes'ma con­junto de regras ainda subjazeriaao discursD astrol6gico. E assim po­demos ampliar um pouco mais ainda os limites da Semiologia: elapade estudar as <:gnvençoes que governam 0 discurso -e as interpre­taçoes de qualquer disciplina. _Mas atente~se para a que isto -envolve.Para 0 semi610go, a verdade ou falsidade das proposiçôesde urnadisciplina serac irrelevantes. Se tudo 0 que a Botânica afirma agorafosse refutado, isto naD afetaria uma anafise semiologiea das con·vençoes da Botânica coma um sistema de signos. A Botânica nao éa soma dos enunciados verdadeiros sobre as' plantas, mas uin sistemade discurso. Em qualquer época dada, ha muitas coisas importantese verdadeiras que poderiam ser ditas sobre as plantas e que na-oseriam do domfnio da Botânica (p. ex., que as rosas sac sistematica­mente cultivadas e os dentes~de·leao sistematicamente exterminadosl,e 0 semi61ogo esta interessado nas convençoes que ..excluem algunsenunciados d~ reina d? Betânicae permite·m outras. Embora algurnasdisciplinas, tais coma ·a Medicina, a Meteorologia, a Psicanalise e aAstrologia possam prestar-se mais facilmente a uma anâlise semi~

16gica, na medida em que estan mais obviamente preocupadas corna leitura e interpretaçao de signes, na verdade, nesse nivel, qualquersistema de discurso pade ser estudado~semiologicamente de vez queé ele proprio um sistema de -signas.

A ANALISE SEMIOLéGICA

A lingüfstica sarviu como () m_odalo para a. Semiologia e, -camoSaussure~ugeriu, dirigiua atençâo para a natureza convencional dossignas e para a natureza diferencial do s-ignificado. Mas talvez seevidenciasse da diversidade dos sisternas de signas que mericionei

- que os conceitos e técnicas da analïse IingüÎstica podemser muito----..

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mais adequados para a Investigaçao de alguns sistemas do que paraa de outros. Em todos os casas', 0 analista distingue a langue da pa­role. tenta ver. par tnls das pr6prias açoes ou objetos, asistema deregras e relaçoes que os capacita a ter significado. E na maiariados casas ele sera capaz de fdentificar as relaçoes paradigrnaticas esintagmaticas: asrelaçoes entre elementos que padern ser combina­dos para formar unidades de nivel superior e as relaçoes entre ele­mentos que podern substitui r-se uns aos outras e que cantrastam,uns corn os outras, para produzir significada. Mas, em alguns siste­mas, a sintaxe é tao muito fraca que torna as relaç6es sintagmaticas,quase naD existantes. Os sinais de trânsito, par exemplo, geralmentenao envolvem a combinaçao de mais· do que uma unidade ou, se afazem (coma nos signos em que. 0 desenho indica a presença de um

. perigo e 0 aviso especifica 0 tipo de perigo), a relaçao sintagmaticaé muito simples e desinteressante. Emalguns siste-mas, alternativa­mente, a conjunto de oposiçoes paradigmaticas elementares é extre­mamente limitado. No c6digo morse, por exemplo, ha apenas duasoposiçoes: ruido versus pausa e breve versus longo. Outras sistemassao semanticamente muito fracas. As abominaçoes do LevÎtico rela..cionam os animais que se permite ou se proibe camer. Pade-se, cornaiguma ingenhosidade, reconstruir 0 sistema· de regras que atribuemimportância a determinados animais, mas este -sistema s6 produz doissignificados; .puro e impure (i. é, permitido e proibido).

Mas~ para a maioria dos sistemas, pareee haver relaçoes sintag­maticas, contrastes paradigmaticos e· uma variedade de significadosque podem ser produzidos par varias contrastese relaçoes.· No siste­ma da alimentaçao, par exemplo. definem-se no eixo sintagmatico ascoinbinaçoes de' seqüêitcias ae pratos que podem compor refeiç5esde varias tipos; e cada seqüência p,ode ser preenchida par um f deum certo nlimero de pratos que estao em contraste paradigmaticoentre si '(nao se combînaria carne assada e costelétas de carneironuma unica refeiçao: elas seriam alternativas em qualquer cardapia).Esses. prato~' alternativos 'em relaçao a outras freqüentemente assu­mèm significadas diferentes, par conotarem graus variados de luxe,elegância, etc.

Muitas sistemas semio16gicos sao complicados, entretanto, pelafato de que repousam sobre outras sistemas, particularmente no dalinguagem, a assim tornam-se ststemas Il de segunda ordem n. A lite­ra.tura é um classes sistemas: tem a 'linguagem camo sua base e suasconvenç5es suplementares sao convençoes sobre uS.osespeclais da.,

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linguagem. Assim, para tomar um exemplo. simples, as figuras deret6rica tais como ametâ~orà, a metonfmia, a hipérbole e a sinédoque

. podern ser vistas como operaçoes de um c6digo literario de segunda-ordem. Quando Shakespeare escreve Il But thy eternal summeJ" shallnot fade" [Mas vosso eterna verao nao murcharaJ. suas palavras saosignas dotados de significado literai no. c6digo Iingüfstico --do Inglês.mas a' figura ret6rica da metéfora faz parte de um c6digo literariode segunda ordem que perinite usar _os signas lingüfsticos eternoveria para significar algo coma &1 uma beleza plena, langorosa,. que'sempre .permanecerâ em seu ponta mais alton~. Er além dissorha umaconvençao da poesia amorosa que faz de um cumprimanto.hiperb61 icodessaespécie, de recurso a metâforàs da natureza e-,proeessos natu­-rais, uma forma apropriada de louvor. -. -

ara, é' 6bvio que 0 sistema de literatura - 0 conhecimento quese deve adquirir, aléme aeima do conhecimento da linguagem. afirnde 1er e interpretarobrasliterarias - nao envolve c6digos expli­citos como-: os de trânsito ou de etlqueta. Padern-se aprender variasmaneiras de interpretar a Iinguagem figurativa, as convençôes quegovernam diferentes gêneras literâriôs, os tipas de estrutura ou orga­nizaçao literaria. Mas aliteratura continua-mente solapa, parodia eevita tudo quanto ameaça tornar-se l:lm c6digo rigido ou regras explî­citas de interpretaçao. Ossinais, de trânsito naD violam 0 c6digo 'desinais de trânsito, mas as obras' literarias estaqcontinuamente vio­lando côdigos. E isto aconteee porque a Iiteratura é fundamentalmenteuma exploraçâo das possibilidades da experiência, um questiona­menta ·e um aprofuodamento das categorias pelas quais e através dasquais ordinariamente nos vernos ·8 nos mesmos e ao munda. Os cê­digos literarios têm papel importante por tornarem passfvel esseprocesso de questionamento e aprofundamento, assim coma as re­gras de e.tiqueta posslbilitam a impolidez. Mas as obras literâriasnunca· repousam totalrnente nos c6digos qU,e as definem, e é istoquè tornaa irtvestigaçao semiol6giea da litep-atura uma empresa taotanta1izante.4

Numa série de reflexôes. naD publicadas sobre as lendas medie~.

vais alemas, Saussuremostra seu interesse pela semiologia -da litè­ratura e sua· eonsciência de alguns dos problemas que suscita. Umalanda, escreveele, "é composta de uma série de ~fmbolos. num sentido, '

4. Para 0 estudo estruturalista e semiolôgico da literatura, ver Jonathan Culler;Structuralist Poetics: Structuralism, Linguistics, and th. Study of Liter.tur••Londres e Ithaça, 1975.

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que resta de.finir". Essessimbolos, . emboramais dificeis de' définirque as unidades -de uma linguagem, sao sem duvida govè'rllados pelasmasmos princîpios de outras signos, e Iltodoseles fazem parte daSemiologia" 5. No c-aso da literatura, coma no da linguagem e deoutros sisternas serni6tico$, a problema fundamental- é de idêntidade.Nao se lida corn signas 'fixas, de modo qua det~rminadaforma temsempre a mesmo significado, onde quer -que apàreça. Ao contrarJo,'a obra literaria esta sempre recorrendo a signas ~e existem antes'dela, Il cornbinando-os e continuamente ext:",aindo dèles novos signi·ficados". Na verdade, considerando a problema das personagens amsuas lendas alemas, Saussure. chega à conclusao de que 0 analistase defronta' corn toda uma série deelenielitos (nomes pr6prios,atri­butas, relaçges corn outras personagens, açoes). e aquilo que· se ..considera uma personagem nao.é mais que uma crJaçao do leitor, 0

resultado da junçao e da combii1açao de todps os elementos dispa- .ratados que SaD' encontrados à medida em que se lê um texto. 6

Saussure topou, nesse ponto,' corn iJm importante sistema deconvençao da literatura. A produçao de _personagelis é governada por.um conjunto de modelas culturais que, noscapacita, par exemplo, ainferir motivas da açao ou das' qualidàdes .de uma' pessoa, a partirde sua aparência. Er assim;~ se dizemos que no curso de um deter­minado romance ou conto urna personagem muda,<o que estamosdizendo éque, am termos de nossas modelos literarias de persona·garn, duasaçôes ou atributos vinculados a u'ma unica pérsonagemestao am '. oposiçao, sac incompatfveis: que, de~cordo corn nossasnoçoes de personagem, se alguérn' primeiro faz X e depais faz Y, 56podemos ver sentido nisso dizendo que a pr6priapersonagem"'mudou.

A~AGRAMAS E lOGOCENTRISMO

. As observaçôes d'e Saussure sobre a Semiologia da Hteratura·sac esquematicas~' _embQra inteligentes.· mas havis outro empreendi­mento estreitamente correlato a6 quai ale dedico~ muito tempo.amseus ultimos anos e sobre 0 quai deixou volurnosas notas, embora·nunease tivesse arriscado a publicar 0 que quer que fosse sobre ôassunto.Ele desenvolveu a teoria de que os poetas latinos haviam9cultado~ deliberadamente, ahagramas de nomes pr6prios em seus

5.. Citado em Jean Starobinski, Les mots sous les mots. Parts, 1971, p. 15.6. Citado em D'Arca Silvio. Avalle. "La semiologie de la narrativité chez Saussure".

am Essais cie la théorie du texte, ed. C. BOU8Zis. Paris. 1973. p..33."

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versos. Acreditava que tinha deseoberto um. sistema suplementar designas, um conjunto especial de convençôes para a produçao designificado. e preeneheu muitos cadernos corn observaçoes sobre osvarias tip9.s,·de anagramas que descobriu (letras dispersas pela texto,às vezes'- em ordem, às vezes am pares ou am trineas, etc.l. Assim,nas 13 linhas de abertura de De Rerum. Natura, de Lucrécio, que SaD

urna invocaçao a Vênus, Saussure descobriu três anagrarnas do nomegrego dessa deusa: Afrodite.

Este exemplo é bastante tipico: Saussure procurava anagramasde nomes pr6prios que tivessem alguma relevância para a conteudodos versos, e estava interessado nos anagramas que se repetiam aolongo de um texto, nao somentè noanagrama ocasional, passivelmen~

. te fruta da' coincidência. Certamente ele reuniu um nùmero impres~

slonante de casas, mas havia duas coisas que 0 preocupavam e queo fizeram deixar inéditas as suas ·esp~cûlaçôes. Em primeiro lugar,a questâo da intençao era decisiva= se ésta fosse realmente uma con~vençao da poesia latina, uma .convençao que os poetas seguiam, entao .par que nao havia referências, nos textos c1assicos, à sua praticaou às discussôes dela? E, em segundo lugar, a informaçao que Saus­sure procuravà sabre-a p'robabilidade estatîstica dos anagramas dotipo que descobrira nao era conplusiva. Como disse numa carta,... continuo perplexo corn a ponta niais importante, ou seja, corn 0 quese deveria pensar da realidade ou da fantasia de todo este assunto" 7.

Mas, naturalmente, a questao importante é: a que devemos pen-. sar clissa? Seria, camo sugeriu um crftico. "la folie de Saussure", a

pO,nta de loueura de Saussure? Ou seria, camo outras argumentaram,uma criticâ radical da linguagem e, em particular, do signa? EstavaSaussure obcecado p()r um problema quimérico ou estava tentandoinventar uma nova maneira de 1er, libertando-se das restriçoes con­vencianais dos c6digos 1ingüisticos e das relaç6es entre signos?

'"'Creio que podemos dizetcom muita franqueza que a obra de

Saussure sobre os anagramas nâo é, em si masma. uma critica dosigna ou uma tentativa de destruir a convençao a fim de deixar osleitores livres para produzirem significado de acordo corn seus pr6~

prios meios. Saussure -supunha que os anagramaseram governadospor convenç5es suplementares muito estritas e certamente nao pen­sou na descoberta de anagramas num texto co-mo uma forma de auto.

7. Citado por Starobinski. p. 138. Starobinski publica extensos extratos dos ::a·dernos de Saussure sobre os anagramas.

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expressao ou fuga à restriçao.Além disso, os anagramas, para Saus­sure, naD revêlavam um signif.icado secreto,subversivo; eles simples­mente forneciam outraspalavras, nomes proprios na realidade, que~nfatizavam o. que 0 texto jâ estava discutindo: .ele's reforçavam 0

significado PlTodlJzidopor outras signos do texto em vez de~'.solapar .tais signos. . . 1

o que podemos, entao, dizer da tearia de Saussure? Poder-se,;~a

.colocà:-Ia numa perspectiva psicanalftlcae diier que ele descobriuum caso particular' do que pode ser chamado 'de "insistência da letrano inconsciente". Ao 1er algo .que alguém escreveu, é ume experiên­cia bastante comum descobrü que uma palavra foi repetida em doissentidos diferentes, sem que se atentasse para 0 fato, ou queforamusadas palavras de sonoridade similar, emestreita.proximidade; e aexplicaçao talvez seja, presumiveJmente, a de que uma palavra-chavefixou;.se no s~bconsciente e auxilioll a determinar a escolha das pala­'Iras subseqQentes. 0 testemunho psicanalftico,especialmente 'osexetn~os de Freud am Psicopatologia da Vida Cotidiana, sugere a'imparfânCia das conexoes puramente verbais, conexôes de tipo troca-, . .

dilheSco:ou anagramâtico, nas operaçoes do inconsciente. Assim, te-rfamos' todos os motivas para esperar que' a linguagem poética ­que nao· é governada par fins comunicativos especifieos e que daassim maior alcanee aosprocessos associativos -envolveria urnacerta quantidade de repetiçoes anagramaticas.

Se'. comoacreditava Saussure, os easoseonvincentes de anagra­maenvolvem repetiçao, entao padern-se relacionar os anégramas aoutras processos poéticos: no verso' de Baudelaire: "Je, sentis' magorge serrée 'par la main terrible de l'hystérie", os sons i, s, terrigrafados em negrito reproduzem ·exatamente a palavra final, hystérie.Presumivelmente, 0 poeta,queria ûma textura sonora ricamente ·ecoan­te. pela que Ihe aconteceu criar um anagrama. Considere-se esta es-trofe de um soneto de Gerard Manlay Hopkins: .

As kingfishers catch fire, dragonflies draw flame;As tumbled over rim in roundy wellsStones ring; like each tucked: string tells. each hung bell'sBow swung finds tongue to fling out broad its name.

[Como os martins·pescadores se incendeiam, os pirilampos lampejam;Como bordas desmoronadas de poços circularesAs pedras reboam; como cada corda tensa conta de cada sino suspensoo' arco curvo encontra lîngua para leyar-Ih~ longe 0 nome..]

.Podemos encontrardispersos os sons de flame (1. 4 flings. .. name),Christ (k, r é i am 1. 1; st duas vezes am 1. 3) etc.,. e muitas outras

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palavras,c ,Alas esses anagramas 'potenciais parecemmenos· imp,ortan­tes que os ecos de MkiJigfish~rs catch fire" e Mhung. .. swung ...tongye". As rimas, a aliteraçao,ea assonância sao' os elementos deanagramas; e, quando elesestao pr·esentes, provavelmente naoim­parta que se form'em anag'ramas campI·etos, pois Os eteitos de riqueza

.e -ênfase ~serao os mesmas 'am qualquer cas'o.

A razaopela quai algurnaa-: pessoas' que têm ·estudado sistemasde signo ea'semiologia da literatura se interessassem partlculaf·mente pelo trabalho de Saussure sobre os anagramas é. seu desejode romper" 0 que Chamam Mlogocentrismo" da culturaocidentale suacrença de que, procurando anagramastSaussure deslocav9-se' do sig~no para"'·a relra, libertando-se,assim, dasconcepçoes logocêntricasdo signifteado. 8 Em suma: ologocentrismo envolve a crença de queo.s sons sao simplesmente umà représeJitaçâo dos signiticados queestao presentes na consciência do talante. 0 significante' é apenas ,uma representaçao temporaria através da quai se passa para chegar

- ao significado, que é aquiloque o Jalante, na revéladora expressao,. . . . '. f.· "

"tern em~mente". E a palavra- escrita é urna forma ainda mais deriva-tiva. e imparfaita: é a representaçao de uma seqüência sonora que,em si m·esma, é uma representaçao do pensamento. A interpretaçao,por estemodelo. é umJ3rocesso nostâlgico eretrospectivQ, um.atèntativa de recuperar os conceitos que estavam presentes na .cons­ciência do falante ou esc-ritor -'no rnomento da 'escritura~ E natural­mente, para 0 lo,gocentrlsmo. camo de' fatoé 0 caso 'de Saussure,o signa constitui a unidade fundamental; os f6nemas e as letras sao'

. simplesmente expedientes convenientes que, em cornbinaçao,' podem, ser usaqos para representar a essência do signo, que é 0 significado.

E~bora formulada de forma. tosca, esta é a tradiçao central dopensamento _Q_c.idéntale muitos. dos prQnunciamentos de Saussure 0

colocariam cliretamente dentro -dela. As razôes para tentar escapar-Ihesaoessencialmente duas, uma lagiea. a' outra marare polftica.· 0argumente moral e poHtico é 0 de que 0 significado nao.· seris alge>'que simplesmente.!pudéssemos recupèrar,' mas ,algo que produzimos

. ou çriamos; a iflterpretaçao deveria transformar 0 mundot..~nao ape~as.tentar recupE}rar um passado - especialmente porque a recuperaçao

)

8. Para 0 problema do logocentrlsmo e suas relaçiies corn as teoriasde Saussure.ver Jacques Derrida. -De.' la grammatologie. Paris, 1967; Jûlia Kristeva.:pourune sémiologie des paragrammes". em Semiotikè, Paris, 1969; e'a ediç§o es­pecial de Recherches/Semiotext. "Les Deux Saus..sures"· (numero16, setembrode 1974).

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é, em qualquer casa, um objetivo irnpossiveL Ninguém pade captarcorn exatidao 0, que uma outra pessoa passa ter tido em mente, em

, ' ~. '

--especialse as varias distâncias que aS,separam forem grandes; e,além disso. mais cloque tentar uma tarefa' impossivelcom·' a cons­ciência pesada; dever-se-ia acolher prazeirosam'ente.a necessidade deinterpretaçao criativa e julgar-se brindado ,corn uma série de marcas

',ou traços que se,pode usar para produzir pensamento e significado.A realidade dos signos' nao mais deve ser Iocalizada nosignificado, ,que é intangivel e irrecuperavel, mas nO'significante~ e especialmentenos traços materiais da IH1guagem escrita que' se pode .interpretarativamente de maneira livre.

, De que maneira ~se relaciona 0 trabalho 'de Saussure sobre osanagramas corn esse argumenta? Ele é.na melhor das hipoteses,ambfguo. Saussure pensou,certamente, que seu trabalho 56 te~ia valorse -estivesse de tato recuperando.o que os poetas latines tinham am

-mente;ele certamente nao procurava 0 prazer da interpretaçao cria­tiva. Mas os oponentes do logocentrismo poderiarn justificadamenteargumentar que Saussure experimentou todas as atraç6es da inter-

, pretaçaobizarra e criativa, 0 que explica sua perseverança no èm·:preendimento, e que a cuJpa e a perplexidade que experimentouderivava de sua situaçao historiea. p'rovando quâo· ruim é 0 logocen­trismo: preso na, armadilha de uma perspeetiva logoeêntrièa, .Saus­sUre liao era eapaz de aceitar a natureza' verdadeira, liberada daquilo

l ,

que estava' de fato fazendo e assimnao apenas desconcertou-se cornduvidas camo se impôs restriç6es tao estritas sobre 0 qùe fazia (taiscamo a decisao' de procurar apenas anagramas de nomes prôpriosrelevantes) que nao poderia eneontrar IIberaçao nisso.

o argumenta filos6fieo eoutra 0 logocentrismo é muito diferen­te, mas aqui Saussure representa um papel de >igual modoambfguo.Ele afirma continuamente a priqridade 'da linguagem falada sobre~~â

. Iinguagem eserita e vê a escrita, de aeordo corn a melhor tradiçaologoèêntrica, como uma representaçâo imperfaita e derivativa. Toda­via, seus -prinefpios fundam~ntais parecem trabalhar contra 0 10g.o-centrismo.' Coma isso acontece? .

Em primeiro lugar, é clara que, para Saussure, nâose deve come­çar corn um c-onceito ou essência mental de algum tipo, escolher urnaseqüêneia, fonétiea para representa-Io e depoispassar para outra con­ceito autônomo para a quai se, encontra outra expressao fonética.Como nossa diseussao do, Capitulo il deve ter deixado clara, tanto 0significante coma 0 significado, para Saussure, sao mais formai que con-

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teudo e sao, antes de tudo, objetas diferenciais. Ambos, significantese significados, passam a~xistirapenàs através de opasiço~s' queartieulam um" domfnio, apenas através de diferenças que formam umsistema... No sistema Iingüfstieo, ha apenas diferenças sem termospositivos. "

Assim; Saussure n'Iao p'ensa na existênciade conceitos totalmente!

articulados ,anteriores à ·existência. de um sistema de signifieantes.Tampouco pode ele sustentar logicamente que a propria expressaofônica seja, de qualquer forma, ess~ncial a esse sistema de difèren­ças. 0 som é apenas umamaneira de manifestar os significantes ~uma Irngua, que saoeles proprios definjdos am termos oposiciQI181Se comblnatorios sem qualquer referênciaao m'steriaLfônico. Par issa,ele naa dèveria afirmar, camo faz, a prioridade da'linguagem. falada.Mas sua teoriatem outra con'seqüência, que talvez seja ainda maisimportante. Se, coma ascreve Saussyre,a caracterfstica mais precisade todo signo é diferir de outras signas; entao todo signa, em algumsentido, traz os traços de todos os outras signas; estao co-presentescorn ele como asentidade's que ° definem. Isto signifiea que naDse deveria pensar, como·o logocentrismo gostaria de fazer, na presen·ça de um unicosignificadoautônomo na consciênci·a. 0 que- estapresente é uma rede de diferenças. Se {pronuncio a palavra marrom,o .. conceito" presente emminha mente (se na verdade houver algumconceito presente) nao é alguma essência m.astodo um conjunto deoposiçôes. Na verdade, podemos_ dizer, em ùltima analise, que todaa idéia de um sistema IingüfstiCo, toda a idéia da langue, tal comoSaussure' a define, é a de -redes dediferenças -tanto ao nÎvel dosignificante como do sigtiifleado -, redes ja presentes,. ja insc-ritasou escritas, par ·assim dizer, na mente do .sujeito. 0 ato de enunciaré apenas uma maneira transitoria,e portante imperfeita, de usar umarede de diferenças (as do significante) paraproduzir uma forma quepode ser interpretada nos termas da outra rede de oiferenças (as dosignificado). 0 significadode marrom naa é -alguma essência que

. esteja na minha mente· no momento da enunciaçao, mas um espaçonesta rede interpessoal de diferenças (0 sistema semântico da lin·guagem).

As tentativas de des~fiar a I~ocentrismo envolvem uma grandequantidade de problemas' extremamente comptexos e têm aparecidoaté agora somente:em discussoes muito abstrusas, das quais as mai~

inteligentes sao',1>s' esc'ritos de Jacques Derrida (ver bibliografia). Asobservaçoes acima déo apenas algumas indicaçoes das linhas de argu­mentaçao' ;e, tentam demonstrar a situaçao seminaJ e' ambigua, de Saug-

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sure, camo alguém que afirma poslçoes logocêntriqas muita clara­mente mas cuja obra atua de varias maneiras para minar tais posiçoes.

Ha, penso eu, dois aspectas da obra de Saussure que este pra­blema leva a acentuar. Em primera lugar, agora deve estar mais clarapor que Saussure deveria ter insistido na realidade psicol6gica dalangue, que ale trata como um produto social que 0 individuo assimilapassivamente. Conforme sugeri antes, 0 inconsciente torna-se umespaço de representaçao; todo 0 sistema esta nele inscrito. E agorapodemos. ver por que isso é importante: 0 que se "tem em mente"enquanto se fala ou se escreve naD é uma forma e um significadoevocados par um instante fugaz, mas tado a sistema de uma IIngua,mais permanentemente inscrito.

É posslveI acentuar assim, como 0 proprio Saussure 0 fez fre­qüentemente~ que 0 significado naD é tanto uma entidade apenasquanto um feixe de valores diferenciais, umespaço num sistema dediferenças. Dar a significado de uma palavra ou de uma sentença épreencheresse espaça corn outras signas .e caracterizar verbalmentealgumas das diferenças que definem esse espaça (assim, dar 0 signi­ficado da langue envolve, entre outras coisas, definir. as diferençasentre languee parole). E camo os significados sao tao intangiveis,poderiamos bern nos sentir justificados am conceder prioridade ao sig­nificante, que parle efetivamente nos surgir coma uma palavra escrita.prometendo significado e incitando-nos a sair em sua perseguiçao.Mas se a fizermos, devemos lembrar que ele é apenas a promessade significados determinâveis - significados determinados por con·vençao - que torna uma forma num significante.

o problema do Iogocentrismo tambémfaz com que se reveja ainsistência de Saussure na natureza social da linguagem, na lingua­gem coma uma instituiçao coletiva, que 0 individuo assimiloumasque pertence fundamentalmente mais ao munda que a ele, e que ésempre alguma outra coisa além dele proprio. Pader-se-ja dizer quea teoria de Saussure ilustra a U alteridade do significado". 0 queminhas palavras significam é 0 significado que elas podern ter nessesistema interpessoal do quai emergem. 0 sistema ja esta presente,coma 0 fundamento 00 condiçao do significado, e .interpretar os sig­nas é Iê-Ios em termes do sistema.

Isto pade, de alguma maneira, ir de encontro à objeçao de queSaussure tenha sida apanhado na armadilha do logocentrismo, masnaD da uma interpretaçaa para 0 tipo de processa produtivo Iiberado

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'que alguns _te6ricos poderiarn desejar que fosse. Na verdade, pade­riam eles argumentar que minha forrnulaçao simplesmente substituiuo sujeito individual por urn _sistema semiologica, tornando 0 sistema,mais que a consciência individual, a fonte e· a garantia de significado.Isso é _assim, mas a resposta a esta objeçao é ~ .de que nao podehaver praduçaode significado sem sistema. Se alguém fosse capazde esquivar-se inteiramente dos sisternas sern,i6ticas, se alguém pu­desse libertar-se de suas restriçoes, seria -entao livre paraatribuirsignificado arbitrarlamente, irnas osignificado naD seria produzido.Ademais, os significados -atribufdos teriam que vir de algum lugar e,naoencontrando' resistência, seriarn geralmente tacers, desinteres­santes.

Este ultimo ponta Fé especialmenteimportante p-orque diz respeitoà natureza e à funçâo dos sisternas semioticos. As interpretaçOesmais interessantese mais complexas surgem .-nos casos em qûe ha,de urn lado, um sisterna serni6tico e, de outro, objeto~, açôes ,e_textos· diffceis de interpretar em termos desse sisterna. Eles SaD

F'-: ambiguos em termas do sistema; parecem escapar-Ihe; vialam a quese pensa sejam suas regras. Mascoino somos governados pelo im­perativo semiol6gico humano - tentodar sentidq- às coisas ---, luta-

. mas corn 0 objeto refratario ou evasivo, aprofundando e ampliaJiejonossas noçôes de significaçao, modificando e ampliando as regras'do sistema. Reencontramos aqui uma questao à quai ja nos referimosanteriormente, 0 sisterna semiol6gico da literatura: se houvesse umc6digo semiotica direto e explfcito que fornecesse uma interpretaçaoautomâtica par~ cada- obra literaria, a Iiteratura seria -menas interes­sarite" ea primeira coisa que osautores fariam seria violar ou ultra;;.passar as' regras desse c6diga.

Os objetos, açoes e textos interessantes parecem lludir pareial­mente o~ sistemas semi6ticosaos quais estaorelacionadas, mas ésem duvida decisivo que se relacionem corn 0 sistema; PC?is se naohouvesse convençoes em cujas termos hos sentissemos obrigados a

, lê-los, paderiamos simplesmente atribuir-Ihes significado. E corn atri­buir simplesmente significadd naD terÎamos outros recursos além de'n6s mesmos. nenhum outra recurso que nao fossem tadas as naçoes,corn as quais ja convivemos. Nao farlamos descobertas, nam sobren6s, nem sobre 0 mundo. 80 quando acharnos dificH interpretar umobjato, maspensamos que partence a um sistema que naoentende­mos totalmente, é que nos estendemos e descobrimos novos recursosno ego, mostrando-nos à altura de urna dificuldade e encontrando

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.'

manefras ;de reJacfonâ·la ao slstema semlol6gleo pertlnente.A.lémdisso, esse processo leva a um crescimento da autoconsciência, .auma melhor compreensao dos côdigos e operaçoes pelos quais cria·mas significados.

CONCLUSOES

U Em toda a historia da ciência Jr, escreveu 0 filosofo Ernst Cas­sirer, Utalvet nao haja nenhum capitula mais fascinante que 0 surgi­

.mento da nova ciência d-a Lingüfstièa. Pela sua importância, ela pademuito bem ser companida à nova ciênèià de Galileu, que no séculoXVII -transformou todo nosso conceito do mundo ffsicoJr~ Os capftulos

. . ~'

Il -e III delinearam 0 papel de Ferdinand de Saus.sure nosurgimentoda Lingüfstica moderna e sugeriram por que este é um epis6dio fas­cinante na historia intelectual recente. Mas a audaciosa comparaçâode Cas.sirer, equiparando a Ungüisticamoderna à 'Mova ciência deGalileu' é maisdificil de avaliar. 0 quesignifica e coma poderia serjustificada? .

Para Cassirer, 0 aspecto decisivo e revolucionario da LingüÎsticamoderna é ~ insistência de Saussure na primazia das relaçoes e dossisternas de relaç6es. Aqui, em seus conceitos ·e premissas metode..16gicasfundamentais, a teoria saussuriana da linguagern é uma '" ex­pressae excepcionalmente clara das estratégias formais pelas. quaistoda uma 'série de discrpl inas, da FÎsica à pintura" transformaram·seno final' do sécuto XIX e corneço do sécule XX, ternando-se modernas.

A estratégia pede serformulada muito simplesmente como umamudança de foco" dosobjetos às relaçôes. Sao às relaçôes que criame defînem os objetos, e nao 0 contrario. Alfred North Whitehead,filôsofo da Ciência,oferece' uma explicaçao garai do problema:

o falso conceito que tem obcecado a, Iiteratura filos6fica através dosséculos é a noçâo de "existên'Cia independante", Nâoexiste esse modo deexistência; cada entidade dave ser entendida em termos da maneira por queesta entrelaçada corn 0 resto do universo. '

E; em seu _livra Science and the Modern World, ale mostra qua~s lnovas descobertas na Ciência produziram tantas complexidadesque umamudança fundamental de perspectiva era necessaria paraque as varias disciplinas pude$sem, 'chegar a umaacordo consigomasmas e corn seus objetos. A Fi$_ica descobriuque era excessjva~mente djticil expHcar a eletricidade e os fenômenos ·eletromagnéticos

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am termos de unldades discr~tas de matérla e deseu movlmento.A soluçao parecia ser a reversa do problema: em vez de tomar amatéria como prim6rdio e tentar definir as leis que Ihe governam 0

comportamento, 'par que nao tomar a. propria energia. a anergia elé..trica, comoprfniérâio a definir a matéria em termos de forças eletro- ­magnéticaS? Essa mudança de perspectiva leva à descoberta de novasobjetos cientfficos: um elétron naD é uma entidade positiva no velhosentido; é um produto de um campo de força, um nodo num sisternade relaçoes que, coma um. fonema, naD existe independentementeclessas relaç6es.

O' que Whitehead chama de "materialismo If do século XIX, 0

empirismo que atribui a primazia ontologiea aos objetos, ceda lugar,afirma ale, a uma "teoria da relatividade If, no seu sentido mais amplo:uma teoria baseada na primazia das relaçoes. "Na teoria ·materialista", .escr·eve Whitehead, "ha a material que resiste. Na teoria orgânica,a unica persistência sao as estruturas de atividade." A ênfase recainas estruturas. "0 acontecimento é 0 que é em ra;zao da unificaçao,dentro ,dele, de umamultiplicidade de relaç5es. ft Fora clesses siste­mas de relaçoes, nao é nada.

Saussure, naturaImente, anunciade maneira clara esses temas,naD como aspectas de alguma visao de munda difus8, mas coma pos~

tulados metodol6gi~os necessarios se quisermos analisar a linguagemadequadamente. E ao Jada das afirmaç5es de Saussure podemos situara declaraçao inequfvoca do pintor _Georges Braque: U Nao acredito amcoisas; acredito am reraçoes. If Talvez saja este, 0 verdadeiro credoda Modernidade. 0 que é 0 Cubismo senac uma afirmaçao da prima­zia das ralaçoes? Na pintura cubista, os objetos perdem sua -atéentao inquestionavel primazia; emergem corn dificuldade da interaçaode liohas e planas; 0 espaça -tridimensional que suporta os objetoscomuns é fragmentado numa tentativade representar simultaneamen­te uma diversidade de perspectivas e reIaçoes. Ou ainda, na litera..turamodernista, pode~se observar a mudança pela quai tante apoesia coma 0 romance tornam~se menos diretamente iniméticos,menos preocupados corn a representaçao de objetose cenas reco...nhecfveis, e mais interessados am efeito~ de justaposiçao, onde osvaIores relacionais ..;....- !elaç6es entre palavras ou entre varias tiposde discurso - tornam-se os constituintes primàrios da obra dearte.

Nos varios campos ou disciplinas, as mudanças de técnica leva..ram a uma conceritraçao sobre os sistemas de relaçôes. Esta é abase da audaciosa alegaçao de Cassirer: a de que. para 0 pensamento

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.--.......-

de nosso século~ 0 mundo nao é mals, eS,senclalmente, uma coleçaode entidadesindependentes, de objatos autônomos, mas urna sériade sistemas refacionais.

Este trânsito do objata para a estrutura é, na verdade, umamu­dança i,mportante -am nossa concepçao do mundo, mas naD esta clarao quanta 0 papel de GaHleu deveria recair am Saussure e na Li·ngüÎs­tica saussuriana. Dé um p.onto de vista historieo, sua~eoria da lin­guagem pareee ser uma expressao excepcionalmenteCiara de umamudança que ocorria simultânea, se naD explicitamente, em yârios

, campos difer-entes: uma expressaoou um exemplo, mais que uma/causaprj,maria. Na verdade, par-ece provâvel que se tivermos de atribuir aSaussure a papel de Galileu do século XX, seu direito a essa posiçaodependera da disciplina e do modo de pensamento de cuja fundaçao--,ele foi, na realidade, instrumenta: a Semiologia. Levar-nos a ver a vidasocial e a cultura am geral camo uma série de sistemas de signasque um modela lingürstico pode auxiliar-nos a analisar - esta é acontribuiçao que eventualmente poderia fazê-Io comparavel a Galileu.

Mas, naturalrnente, é muito ceda para julgar a realsigniflcaçaode Saussure na historia int~Je'etual de nosso século, pois 0 trabalhono campo da Semiologia s6 se iniciou recentemente, e nao estâaindaclaro ~e se tornara, ha verdade, um movimento intelectual dominante,am nossa époêa. Se.se tornar uma presença importante, urna disci­plinacentral, isto dever-se-a aos esforços de muitas passoas além deSaussure; mas sua visao de uma Semiologia qua abrangesse a lin­gürstica tomando-a par modela tem levadooutras. passoas a dar ex­pressao concreta à perspeetiva semiologiea: 0 homem é uma criaturaque vive entre signas e deve tentar nao apenas compreender-Ihes ossignificados mas, especialmente, entender as convençoes responsâ­vais par seus significados. É Saussure quem esta par tras da alegaç~que muitas pessoas esposaria1rn hoje em dia: estudar 0 homemé,essencialme~te, estudar os vârios sistemas através dos quais elee suas culturas organizam 0 munda a Ihe conferem significado.

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NOTA TeXTUAL1 /

As referências ao _Ç~urso de Lingüis.tica Gerai de Saussure. sao dadasno texto e segu~m'-a~sseguintesabreviaturas: .

~ Curso: Ferdinand de Saussure, Course in General Lingulstics. Traduzido por WadeBaskin'. Londres. Peter Owen. 1'960; Fontana. 1974*.

Cours: Ferdinand de Saussure. Cours de linguistique générale. Editado por Tullio deMauro. Paris. Payot. 1973. Esta é a ediçao padrao. A paginaçao do texto é a.mesma das ediçoes anteriores da Payot.

Engler: Ferdinand de Saussure. Cours de linguistique générale. Ediçao critica deRudolf Engler.Wiesbaden, Otto Harrassowitz. 1967..74. Esta ediçao 'apresenta asanotaçëes dos alunos, a partir das quais_ ri Cours foi elaborado. Eu 0 cito apemlsquando me refirp a essas anotaçoes.

Sou gratoa Kate Patterson. Wlad Godzich e especl{llmente a J. L. M. Trim por seuscomentârios sabre 0 manuscrito.' ; -

CRONOLOGIA

185118721874

, 1875/618761876/81878

1878/91880

Nascimento de Ferdinand de Saussure em Genebra.Escreve um Essai sur les langues.Coineça seLis estudos de Sânscrito.Estuda Fisica e Quimica na Universidade de Genebra.Filla-se Hociété de linguistique de Paris.Estuda LingOfstica hist6rica na Universidade de Leipzig.Ë publicada a Mémoire sur le système primitif des voyelles dans les lan­gues indo-européennes•.Estuda LingOistica hist6rica am Bertim.Doutora-se summa' cum _Iaude em Lejpzig corn a teseDe l'emploi du génitif

.absolu en sanscrit. '

• Na presente traduçâo, as citaçoes da obra de Saussure foram extrafdas de:. Ferdinand de Saussure. Curso de LingüÎstica Gerai, trad. de Ahtônio Chellni.José Paulo Paas e Izidoro Blikstein, Sao Paulo. Cultrix-EDUSP. 1977 (Abreviatura:Curlo). (N.,· do Ed.)

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1891

18801881/91

Muda-se para Paris.Maître de Conférences na J:c~le pratique des hautes études (ensinando Lin-güistica historiea), .N"omeado Cavalelro da Legiao de Honra; torna-se professor da Unh(ersidadede Genebra. . .

1907 Primeira -série de conferênclas sobre LingOisticageral.1908/9 Segunda série de co_nferências sobre Lingüistica geral.1910/11 Terceira série de conferências sobre Ungüisticageral.1913 Morre. depois de enfermo durante meses.1916 Primeira ediçao do Cours de, linguistique générale. edltado por Bally e

Sechehaye. '

BIBLIOGRAFIA

. 1. ESCRITOS DE SAUSSURE

Course in General Linguistics, traduzido por Wade Baskin. Londres .. Peter Owen, 1960;Fontana. 1974.

Cours de linguistique générale, editado par Jullio de Mauro. F'aris,Payot. 1973(Abreviatura: Cours). "

Cours de linguistique généréle, ediçao critiea por Rudolf Engler. Wiesbaden, OttoHarrassowitz, 1961-74. Dois volumes, quatro fasciculos (Abreviattira: Engler).

o Curso é leitura essencial, especialmente as partes l, Il e III. A admirâvelediçao de Tullio de Mauro contém informaçoes blogrâficas e bibliogrâficas muitocompletas, eomentariosexplicativos e citaçoes das anotaçoes' dos alunos quandoelas fornecem variantes importantes.' A ediçao critiea de Engler transcreve todasas anotaçôes. a partir das quais 0 Cours.', foi elaborado.

Il. SOBRE SAUSSURE

Avalle, D'Arca Silvio. "la sémiologie de .Ia narrativité chez Saussure", in Essais dè,:la théorie du texte, ed.· Charles Bouazis. Paris, Galilée, 1973.

Benveniste, Émile.' "Saussure après un demi-siècle" ln Problèm~s de linguistiquegénérale. Paris, Gallimard, 1966. Traduçao para 0 ing~s = Problems in GeneralLinguistics. Miami, University of Miami Press. 1971.

Cahiers Ferdinand de Saussure.Genebra,1941·

Derossi, Giorgio. Segno estruttura linguistici nel pensiero de F. de Saussure. Udine,Del Bianco, 1965.

Derrida, Jacques. De la grammatôlogie.Pari~, Minuit. 1967. [Trad. bras.: Gramato·log1a. S. Paulo, Perspectiva, 1973.]

Godel, Robert. Les Sources manuscrites du Cours de Hnguistique générale de f. deSaussure. Genebra e Paris, Droz, 1957.

Koerner. E. F. K. Bibl~ographia saussuriana. Metuehen, N. J•• Scarecrow Press, 1912.

Koerner, E. F. K. Ferdinand deSauss~re: The Origin and' De"elopment of his Lin­guistic' Thought in Western Studies of Language. Braunschwelg, Vieweg. 1973.

Starobinski, Jean. Les mots sous .les mots: tes anagrammes 'de Fo' de Saussure. Paris.Gallimard, 1971. (Trad. bras.: As Palavra. sobas Palevras. S. Paulo, Perspective.1.974.)

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"The Two Saufjsures." Vol. 1, Semiotexte I~ 2 (Fan, 1974). Vol. 11("Saussure's Anagrams"), Semiotexte Il, 1 (1975) - "Les Deux Saussures".Recherches 16 (setembro 1974).

a estudo mais perceptivo do pensamento de Saussure é 0 de Derossi, Infellz·mente disponivel apenas em italiano. A, bibliografia de Koerner registra um grandenûrnero de escritos sobre Saussure e t6picos correlatos. Seu estudo de Saussuretambém oferece riqueza de informaç6es, espeeialmente sobre as semelhanças verbaisentre Saussure e as possfveis fontes, mas é menos bom em assuntas te6ricos.Starobinski publica muitos extratos do trabalho de Saussure sobre os anagramas eAvelle cita e discute seu trabalho sobre as lendas alemas medievais. Os CahiersFerdinand de Saussure sac um peri6dico que publiea muitos, artigos importantessobre Saussure. Derrida investiga problemas filos6ficos no pensamento de Saussure.,"The Two Saussures" contém discuss6es excelentes sobre teoria Iingüistiea e obser­vaç6es sobre os anagramas. a interessante estudo das fontes manuscritas, parGodel, esta completamente superÇldo pela ediçao critiea de Engter.

III. SOBRE A HISTORIA DA L1NGOrSTICA

Aarsleff, Hans. The Study of Language in England, 1780-1860. Princeton, PrincetonUniversity Press, .1967.

Foucault, Michel. Les mots et les choses. Paris, Gallimard, 1966. Traduçao inglesa ­The Order of Things. Londres, Tavistock, 1970.

Lepschy, Giulio C. A Survey of Structural Llnguistics. Londres, Faber, 1970. (Trad.bras.: Lingüistica.Estrutural. S. Paulo, Cultrix - EDUSP, 1974.)

Robins, R. H. A Short History of Linguistics. Londres, longmans, 1967.A discussao de Foucault, nos capitulas 4, 7 e 8, é extremamente estimutante.

Paraestudos mais s6brios, ver Lepschy para 0 periodo moderno eRobins para 0

pré-moderno. Aarsleff é especlalmente barn a respeito do século XVIII.

lV~ SEMIOLOGIA

Barthes, Roland. "Eléments de sémiologie" in Communications 4 (1964). Traduçao ln­glesa - Elements of Semiology. Londres, Cape, 1967.

Culler•. Jonathan. Structuralist Poetics: Structuralism. Llngùistics and_ th~: Study ofUterature. 'Londres, Routledge and Ithaca, CorneIl , 1975.

,Derrida. Jacques. Marges de la philosophie. Paris, Minuit, 1912.

Guiraud. Pierre. La Sémiologie, Coleçao"Que sais-je?". Paris, PUF, 1971. Traduçaoinglesa: Semiology. Londres, Routledge, 1975.

Semiotica. The Hague, Mouton. 1969-.

Dos dois livras introdut6rios , Barthes e Guiraud, 0 de Barthes é anterior e 0

mais interessanteerrr suas discuss6es te6ricas. Semlotlca é a revista da "Interna-'tional Association for, Semiotic Studies" e i1ustra a Iinha da investigaçao semioliS­giea. Muitos artigos do livra de Derrida dedicam-se a problemas filos6flcos daSemiologia.

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*Este livro foi composto. pelaSo-TEXTO, Av. BrigadeiroLuîs Antônio, 499, e iinpressopela EDIPE,. Rua Do~oS

Paiva, 60, Sao Paulô.

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Page 115: Culler(1979) as Ideias de Saussure

• Co-ediçao corn a Editora da USP

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ELEMENTOS DE SEMIOLOGIA *Roland Barthes

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SEMIOLOGIA E COMUNICAÇÂOLINGû1STICA * - Eric Buyssens

FUNDAMENTOS DA LINGûfSTICACONTEMPORANEA - Edward Lapes

NOVOS HORIZONTES EM LINGOfSTICA *- John Lyons

TRADUÇAO: OPfCIO E ARrE * ­Erwin Theodor

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A'S IDÉIAS DE SAUSSURE

Jonathan Guiler

]untamente com Durkheim e Freud~ Ferdinand de Saussu­re é um dos mais influentes pensadores do século xx. Nos trêscursos de conferências que' ministrou na Universidade de Gene-

. 'bra~ entre 1907 e 1911~ e que foram publicadas postumamente,a partir .de notas tomadas por estudantes seus~ com 0 lttulo deCurso de Lingüfstica GeraI, revolucionou ele 0 estudo da lin­guagem e lançou as bases da Lingüistica moderna. Mpis impor­tantes, porém~ SaD as implicaçoes "Jas idéias de Saussure para asciências sociais, de modo geral. Pois} ao esboçar uma ciência ge­raZ dos signos, a Semiologia, propiciou ele os meios de analisaros sistemas de "convençoes que dao significado ao comporta­mento humano.

Neste volume da série ((Mestres da Modernidade JJ, Jona~

than Culter, professor da Universidade de Oxford e autor de ar­tigos e livrossobre temas de Lingüistica e critica literaria) ole­rece-nos uma exposiçao excepcionalmente clara e sistematica dateoria saussuriana da linguagem) de seu lugar no quadro da Lin­güistica e de sua contribuiçao para 0 estruturalismo e a Semiolo­gia contemporânea. Por isso mesmo, é livro que se recomendaparticularmente para os cursos de iniciaçao à Lingüistica de nos­sas Faculdades.

EDITORA C(TLTRIX

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