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101 Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: teoria & prática ISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 Corpos Associados: a Arte e o ato de experienciar de acordo com Gilbert Simondon Associated Bodies: Art and the Act of Experience According to Gilbert Simondon Andréia Machado Oliveira Universidade Federal de Santa Maria Resumo O presente artigo parte de alguns preceitos da filosofia técnica de Gilbert Simondon para se entender a expe- riência na obra de arte, tais como: a obra pertence a um meio associado, a obra é um objeto tecno-estético produzido por certa tecnologia e aporta tecnicidades, e a obra somente pode ser entendida a partir do sistema metaestável obra-humano-meio. Apreende-se a experi- ência na obra de arte como um modo de individuação e não uma experiência pessoal, direcionando-se para uma ontogênese que vai além da obra ou do humano em si. Coloca-se, ainda, a pertinência de uma abordagem tec- nológica sobre as tecnicidades da obra como um modo de se compreender os processos de individuação da arte a partir de relações transdutivas no sistema metaestável humano-obra-meio em constante transformação. Palavras-chave: experiência, arte, meio associado, tecnicidade, sistema metaestável. Abstract This paper uses a variety of concepts and ideas from the technical philosophy of Gilbert Simondon as a means of understanding the act of experiencing the artwork— namely: the artwork as belonging to an associated mi- lieu; the artwork as a techno-aesthetic object produced by technology entraining a particular technicity; and the artwork as being able to be understood only through the artwork-human-milieu meta-stable system. The experi- ence of the artwork is understood as a mode of individu- ation and not as personal experience—as an ontogenesis which goes beyond the artwork or the human as such. We examine the relevance of a technological approach to the technicity of the artwork as a means of coming to terms with its process of individuation through the transductive relations of the continuously-transforming meta-stable human-artwork-milieu system. Key-word: experience, art, associeted milieu, technic- ity, meta-stable system OLIVEIRA, Andréia Machado. Corpos Associados: a Arte e o ato de experienciar de acordo com Gilbert Simondon. Infor- mática na Educação: teoria & prática, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 101-114, jan./jun. 2012. I nicia-se este artigo a partir de alguns ques- tionamentos sobre aspectos constitutivos da arte a fim de se entender a própria ex- periência na obra de arte, tais como: a obra pertence a um meio associado, a obra é um objeto tecno-estético produzido por certa tec- nologia e aporta tecnicidades, e a obra so- mente pode ser entendida a partir do siste- ma obra-humano-meio. Deste modo, visa-se investigar uma ontologia da experiência com a obra, ou melhor, na obra de arte, com su- porte na filosofia técnica de Gilbert Simondon (1924-1989). Para tal, esta investigação traz para o campo da Arte alguns conceitos-chave simondonianos, como: meio associado, indivi- duação, tecnicidade, elemento, sistema meta- estável e transdução. 1 Meio Associado e Individuação Entende-se que não se pode fazer uma analise da obra de arte como um objeto isola-

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101Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012.INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 Corpos Associados: a Arte e o ato de experienciar de acordo com Gilbert Simondon Associated Bodies: Art and the Act of Experience According to Gilbert Simondon Andria Machado OliveiraUniversidade Federal de Santa MariaResumoO presente artigo parte de alguns preceitos da flosofa tcnicadeGilbertSimondonparaseentenderaexpe-rincianaobradearte,taiscomo:aobrapertencea ummeioassociado,aobraumobjetotecno-esttico produzido por certa tecnologia e aporta tecnicidades, e a obra somente pode ser entendida a partir do sistema metaestvel obra-humano-meio. Apreende-se a experi-ncia na obra de arte como um modo de individuao e no uma experincia pessoal, direcionando-se para uma ontognese que vai alm da obra ou do humano em si. Coloca-se, ainda, a pertinncia de uma abordagem tec-nolgicasobreastecnicidadesdaobracomoummodo de se compreender os processos de individuao da arte a partir de relaes transdutivas no sistema metaestvel humano-obra-meio em constante transformao.Palavras-chave:experincia,arte,meioassociado, tecnicidade, sistema metaestvel.AbstractThispaperusesavarietyofconceptsandideasfrom the technical philosophy of Gilbert Simondon as a means ofunderstandingtheactofexperiencingtheartworknamely:theartworkasbelongingtoanassociatedmi-lieu; the artwork as a techno-aesthetic object produced by technology entraining a particular technicity; and the artwork as being able to be understood only through the artwork-human-milieu meta-stable system. The experi-ence of the artwork is understood as a mode of individu-ation and not as personal experienceas an ontogenesis whichgoesbeyondtheartworkorthehumanassuch. Weexaminetherelevanceofatechnologicalapproach tothetechnicityoftheartworkasameansofcoming totermswithitsprocessofindividuationthroughthe transductiverelationsofthecontinuously-transforming meta-stable human-artwork-milieu system.Key-word:experience,art,associetedmilieu,technic-ity, meta-stable systemOLIVEIRA, Andria Machado. Corpos Associados: a Arte e o ato de experienciar de acordo com Gilbert Simondon. Infor-mtica na Educao: teoria & prtica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 101-114, jan./jun. 2012.Inicia-se este artigo a partir de alguns ques-tionamentossobreaspectosconstitutivos da arte a fim de se entender a prpria ex-perincianaobradearte,taiscomo:aobra pertenceaummeioassociado,aobraum objeto tecno-esttico produzido por certa tec-nologiaeaportatecnicidades,eaobraso-mentepodeserentendidaapartirdosiste-maobra-humano-meio.Destemodo,visa-se investigarumaontologiadaexperinciacom aobra,oumelhor,naobradearte,comsu-porte na filosofia tcnica de Gilbert Simondon (1924-1989).Paratal,estainvestigaotraz para o campo da Arte alguns conceitos-chave simondonianos, como: meio associado, indivi-duao, tecnicidade, elemento, sistema meta-estvel e transduo.1 Meio Associado e IndividuaoEntende-sequenosepodefazeruma analise da obra de arte como um objeto isola-102INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prtica Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. ISSN impresso 1516-084XISSN digital 1982-1654do com regras prprias, uma vez que esta per-tence ao meio ao qual est associada. O con-ceito simondoniano de meio associado caro paraaArte,umavezqueaportaumpensa-mento processual da obra em constante fazer-se com o meio em que se associa. Ressalta-se a importncia de se considerar que h meios associados que abrigam obras e espectadores, os produzindo e sendo produzidos por eles.EmSimondon(1989),corposemeiosse adaptameconstroem-se,mutuamente,no ato de experienciar. Pode-se dizer que ocorre uma associao entre corpos e meios nas ex-perincias da vida. O corpo necessita daquele meio associado e este, daquele corpo1. O meio constitui, sustenta, une, comunica os corpos. O meio permite a coeso, aglutinao, onde as coisas podem se condicionar e formar algo. Seproduzidopelomeioe,simultaneamen-te,produz-seomeio,bemcomocadacorpo trazseuprpriomeioassociado,ouseja,a separaocorpoemeioassociado,figurae fundo,apresenta-sedesprovidadequalquer sustentao. O meio atravessa os corpos, es-tando dentro e fora, como o ar que se respira, a gua que constitui os corpos, a terra que os fecunda e nutre. Na arte, pensar sobre o meio pensarsobreaproduodoscorposobra e espectador, seus modos de funcionar, suas conexes e associaes estabelecidas. Usualmente, a terminologia meio, na lngua portuguesa, pode se referir ao meio pelo qual aobrafoiconstitudameiopictrico,meio digital,meiosonoro,bemcomoaomeio emqueaobraseencontrameiourbano, meiocomercial,meiorural.Omeiotecnol-gico diz respeito ao uso da tecnologia em si e o meio geogrfico ao lugar de pertencimento deste uso, existindo uma causalidade entre os 1 Os filsofos Gilbert Simondon e Gilles Deleuze enfatizam, em vrios momentos de suas obras, essa relao construcio-nista entre corpo e meio associado.meios. Tal causalidade entre os meios tecnol-gicos e geogrficos, Gilbert Simondon (1989) denomina meio associado. O meio associado mediador da relao entre os elementos tc-nicosfabricadoseoselementosnaturaisno seiodosquaisfuncionaosertecno-esttico, ou seja, o meio associado diz respeito ao meio tecnolgico pelo qual a obra foi produzida e o meio geogrfico em que ela se encontra no momentodeproduoedadifuso-,sendo tais meios mediados pelo humano e resultan-donaobradeartecomoumobjetotecno-esttico. Aobranopodeserdesvinculadadoseu meioassociado,somenteexistenaquelees-pecficomeio,comoporexemplo,aobraA ltima Ceia (1495-1497) de Leonardo da Vinci produzida e apreciada em sua poca e atual-mente. Pode-se afirmar que a mesma tela so duas obras distintas, uma vez que se encon-tram em distintos meios, ou seja, os cdigos simblicoseprocessosperceptivossobrea mesma tela so absolutamente diferenciados em pocas distintas. Sabe-se que o ilusionis-mo da perspectiva no renascimento era mais evidentedoqueatualmente,umavezquea perspectiva foi sendo naturalizada pelo olhar. Tambm,reconhece-searepresentaode objetos, cenas, contudo sua significao ou-tra atualmente, uma vez que os cdigos sim-blicos sofreram modificaes. Destemodo,aobraresultadodeseu meio associado. Ceclia Almeida Salles (2006), abordaosprocessosqueenvolvemacriao da obra de arte, uma criao em rede que re-cebeinflunciasdiversascomooespaoge-ogrficoeculturalondeaobracriada.Ou ainda,omeioassociadopodeseraprpria obra, como nos mostra a instalao do artis-tabrasileiroPauloBruscky2.Eletrouxeseu prprioatelier(quatrosalas,doisbanheiros 2 Exibida na 26a Bienal de So Paulo, 2004.103Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012.INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 e uma cozinha) de Recife e reconstruiu como umatelier-instalaocomtodososlivros, obras antigas, materiais, papis e objetos na 26a Bienal de So Paulo (2004). Outro exem-plo sobre a relao obra e meio a instalao The Empty Museum (2004) das artistas rus-sas Ilya e Emilia Kabakov3. A obra recria uma saladeummuseutradicionalcomtodosos detalhes da decorao mveis e iluminao so reproduzidos-, exceto que as paredes en-contram-se vazias. Entretanto, mesmo com as paredesvazias,osespectadoresapresentam asmesmasatitudesdecontemplaodiante da obra, ficando a observar as paredes va-zias iluminadas. Esta obra mostra que aquela obranecessitadaqueleespaoevice-versa. Obra e meio criam-se no mesmo processo. Nas obras de instalao, o meio associado explcito, pois o meio suporta, forma e atua-liza o objeto tecno-esttico. O meio associado de obras de instalao composto por dissi-milares meios e elementos, como: projeo de imagens,amplificaodosom,dimensoda sala,luminosidade,movimentodosespecta-dores, a vontade, ou no, de interagir com a obra. Por exemplo, a performance imersiva do austracoKurtHentschlger,FEED4(2005-06), onde obra e meio tornam-se um. Durante a performance, a sala totalmente preenchi-dacomfumaaeasimagenssoprojetadas nela, acompanhadas com um som intenso. O espectador encontra-se dentro do meio tecno-geogrfico, sendo que obra e meio se fundem. Omeioassociadotorna-seoespao-tempo que abriga as relaes dinmicas entre obra e humano a partir de uma recorrncia de causa-lidade num meio que a obra criou em torno de si mesma e que a condiciona da maneira como ela condicionada (SIMONDON, 1989). 3 Exibida na 5a Bienal do MERCOSUL, 2007.4 Exibida no ELEKTRA Festival Montreal, 2009.Experincias entre corpos e meios em que nosevisareconhecimentodeidentidades representativasoucertastaxionomias,toda-via direciona-se ao que se pode se tornar com aobradearte,bemcomooqueaobrase torna. Almeja-se abarcar certa experincia na obra que s pode ser preenchida custa de uma reverso categrica mais geral, segundo aqualosersedizdodevir,aidentidadese diz do diferente, o uno se diz do mltiplo etc. (DELEUZE, 1988, p. 83). Corpos em rel(aes) deindividuaoemqueoSerseapresenta como unio de indivduo e meio, estando sem-pre se tornando algo ao se diferenciar de si. Tal corte com uma referncia unitria, com uma necessidade de coerncia com um Todo, decertaoriginalidadeeautenticidadenofa-zer,nosremeteideiadereprodutibilidade daobradeArte.Aarte,desdeento,tende se circunscrever mais em funo da reprodu-tibilidade e menos em relao obra original, nica e autntica. Sobre este aspecto, Walter Benjamin(1994)abordaqueaobradearte, apsosmeiostecnolgicosdereproduo, nopodemaisservistacomoumproduto acabado e aferido pela urea. A arte na era da reprodutibilidadequestionaalgunsconceitos tradicionais como criatividade e gnio, valida-de eterna e estilo, forma e contedo. O concei-todeautenticidadeescapareprodutibilida-de tcnica ao perder a referncia ao original, queleobjetoigualeidnticoasimesmo,a umaautoridadequeolegitimecomoverda-deiro,tradioimpostaaele,suaurea. Aunidadeedurabilidadedolugartransi-toriedadeerepetibilidade.Asacralizaoda obra,ritualsecularizado,impeumarelao de poder; enquanto a reproduo aproxima a obra do espectador. Ao retirar seu invlucro e destruir sua aura, lhe d autonomia e substitui a existncia nica por uma serial, aumentando sua exponibilidade, uma vez que elas so pro-duzidas para atingir uma maior visibilidade. 104INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prtica Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. ISSN impresso 1516-084XISSN digital 1982-1654Nestesentido,espectadoreobrapodem compartilhar a mesma experincia. Hlio Oi-ticica coloca que a palavra experimental apropriada, no para ser entendida como des-critiva de um ato a ser julgado posteriormente em termos de sucesso ou fracasso, mas como umatocujoresultadodesconhecido(OI-TICICAInOITICICA,COHN&VIEIRA,2009, p.109). Oiticica almeja [...] criar novas condi-es experimentais, em que o artista assume o papel de proposicionista, ou empresrio oumesmoeducador(OITICICA,1989,p. 97).NaobraPenetrveis(1960),visaque aimagemabsorvaoobservadorapartirde umaexperinciasensorial,deumexerccio experimentaldaimagem.Foca-sesobrea experincia,jqueaexperinciaaquele meioqueprovmacapacidadedeafectare serafectado;elaa-subjetivaeimpessoal. Experincia no uma propriedade individu-al;massubjetividadesquesoconstitudas emrelaocomaprpriaexperincia,isto , por meio da individuao via hecceidades (SEMETSKY In PARR, 2005, p. 89).Deste modo, os corpos obra e espectador se fazem na experincia com o meio. A experi-ncia que a obra de arte prope no pertence ao artista nem ao espectador, ela impessoal nosentidoqueelaproduzummododeindi-viduao,desubjetivao,naquelemeioque associa os indivduos obra, artista e espec-tador que ali se encontram. Apreende-se a experinciacomoummododeindividuao e no uma experincia pessoal. So algumas partes do espectador, do artista que resta na obra,daobra,datecnologiaqueentramem individuao. Quando se fala em experincias, nosoexperinciasdeindivduos,masum processo de individuao que no se foca so-mentenoquese,mas,principalmente,no que se torna. Fala-se em uma ontognese que vai alm da obra ou do humano. Entende-se,aqui,queaexperincianada mais do que a produo de indivduos e meios em um mesmo processo que denomina-se indi-viduao. Os corpos, indivduos, existentes so imanentes ao meio onde se experienciam. Gil-bert Simondon (1964) concebe que indivduos e meios so duas fases distintas de um processo de individuao e ambos definem o Ser. Tam-bm o Ser no a substncia, esta resultado de um sistema matria, forma e energia, isto ,oqueseproduznaexperincia.Oestudo daindividuaonosconvidaaperguntarmos como se cumpre a ontogneses, a partir de um sistema que comporta potenciais energticos e germensestruturais;nosubstnciaseno umsistemaquetemindividuao,eessain-dividuao a que engendra o que se chama uma substncia, a partir de uma singularidade inicial (SIMONDON, 2005, p.97). A substncia apresenta-secomoresultadodasrelaesde um sistema metaestvel simondoniano. Assim, a substncia se produz no sistema, e, pode-se dizer que ela resulta da experincia. Como nos objetos sensoriais de Lygia Clark (1920-1988), noseapreendeoobjetoemsi,comouma pedra,ouosujeitoespectadormaisapedra, contudo h o que produzido no encontro dos indivduospedraeparticipanteemumdeter-minado meio em processo de individuao. In-vivel conhecer a obra de arte como um indiv-duo isolado, deve-se conhecer o indivduo pela individuao muito mais do que a individuao apartirdoindivduo(SIMONDON,1964,p. 100) a partir de uma ontologia que pondera o ser como algo que est sempre se tornando. Fala-se em um processo dinmico que no permiteocongelamentodaforma,docorpo fixo, uma vez que este se satura e se transfor-macontinuamente,estandoempermanente diferenciaodesimesmo.Talprocessonos fazperceberqueoindivduocontmeest contido em uma dimenso pr-individual que o antecede. Simondon (1964) diferencia o ser do indivduo, na tentativa de no restringi-lo, o ser 105Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012.INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 transborda o indivduo e no se esgota nele. Apenasumserpr-individualseatualizando em indivduos pode estar na gnese do indiv-duo. O indivduo no passa de uma fase do ser, de seus potenciais energticos pr-individuais, umaresoluoquenoesgotaocampode onde emerge (PELPART, 1998, p. 47).Neste processo de individuao, o indivduo devolvidosuadimensopr-individual, provocado a sair do uno e a entrar no mltiplo. Assim, [...] a individuao deve ser apreendi-da como devir do ser e no como modelo do ser queesgotariasuasignificao(SIMONDON, 2003, p.106). Ela no pr-existe ao indivduo e nem vice-versa, ambos so contemporneos, na realidade, o indivduo s pode ser contem-porneo de sua individuao e, a individuao, contempornea do princpio: o princpio deve serverdadeiramentegentico,nosimples-mente princpio de reflexo (DELEUZE, 2006, p. 117). Assim como no se pode entender o humano a partir somente dos referenciais hu-manos, isolando-o como um sistema parte, tambm no se consegue compreender a obra de arte estudando-a desvinculada do homem e do mundo. a existncia de diversas gne-sesqueconstituiacomplexidadedomundo; agnesecomoumprocessodeindividuao queextrapolaohumano,processodeindivi-duao coletiva que engloba individuao fsi-ca,individuaovitaleindividuaopsquica (SIMONDON, 1964). Ainda,oconceitodeindividuaocoletiva emSimondonextrapolaqualquervisoque separa homem e mquina, natural e artificial. Tal abordagem vem ao encontro do campo da Arte e Tecnologia, j que arte e natureza tem se mesclado, dobrando-se uma sobre a outra e formando um continuous sensorium5. O ar-5LATOUR,Bruno.Air.In:JONES,Caroline(org.).Senso-rium: embodied experience, technology, and contemporary art. Cambridge: MIT Press, 2006, p. 107.tista australiano Stelarc trabalha radicalmente naincorporaodetecnologiasnocorpohu-mano.Elebuscaaevoluodocorpohuma-no via sua artificializao, colocando que este corpo que temos tornou-se obsoleto diante da realidade tecnolgica contempornea. Na obra Ear on Arm, ele implanta um ouvido em seu braoesquerdoque,comfuturascirurgias, terummicro-microfonequevaihabilitaro ouvido ao acesso internet, tornando-se um rgocomacessopblicoaoutroslugares, nosomenteescutandomastambmtrans-mitindo sons. O ouvido no brao se torna um rgodainternet.Destemodo,assimcomo Simondon, Stelarc busca uma evoluo biol-gica e tecnolgica em sua obra, sem separar natureza e tecnologia. Tecnologias so agen-ciamentosentreinstrumentosemquinas, mquinas e pessoas, pessoas e meio, pessoas eideias,integrandodistintosmeiosempro-cessos de individuao.2 Tecnicidades da obraNa perspectiva de evoluo biolgica e tec-nolgica,GilbertSimondon(1989)resgataa relao homem e tcnica, buscando a existn-cia humana a partir da realidade tcnica que circunda suas criaes. A arte resgata as tc-nicasetecnologiasdoseucontextocultural afimdetransgredirsuafinalidadeefuno inicialepromoveroutrasformasdesentire pensar. Pode-se dizer que o artista, mas no exclusivamente, entra na gnese dos objetos afimdeincorpor-losereconfigur-loscom o seu fazer tecno-esttico. Isso se torna pos-svel no por um mergulho do artista em sua subjetividadeouinspiraotranscendental, mas pelas condies que o prprio fazer traz emsiporsuaheterogeneidade,isto,uma abordagemsobreatecnologianoslevaaos modos de produo da prpria obra. 106INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prtica Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. ISSN impresso 1516-084XISSN digital 1982-1654H um especfico uso lanado de antemo em cada tcnica e tecnologia; contudo, tal uso no a reduz, isto , ela mais ampla e comple-xaparaquemnoserestringeaumcontato primeiro e almeja sua indeterminao. H cer-ta exigncia da relao de uso para se pene-trar nas questes de gnese do vivo e do no vivo: o uso rene estruturas e funcionamen-tos heterogneos sob gneros e espcies que retiram sua significao da relao entre este funcionamentoeumoutrofuncionamento, aquele do ser humano em ao (SIMONDON, 1964, p. 19). Haraway coloca que Don Ihde in-siste que os corpos humanos e as tecnologias coabitam um com outro em relao a projetos particulares ou vida real. Na medida que eu uso uma tecnologia, eu tambm sou usado por ela (HARAWAY In JONES, 2010, p. 123).Ao se voltar tecnologia, direciona-se para uma ontologia do vivo e dos objetos tecno-es-tticos6, compreendendo seus modos de exis-tncia a partir das condies de suas gneses resultante da relao humano-mquina e meio associado.Coloca-se,aqui,apertinnciade umaabordagemtecnolgicacomoummodo de se compreender os processos de individua-o da arte, a experincia na obra, entenden-doquetaisprocessosocorrememrelaes humano-mquina-obra-meioinseridosem umaculturatcnicaquevisaircontraaig-norncia da natureza das mquinas no mundo das significaes. Busca-se pensar o modo de existncia dos objetos tecno-estticos em n-vel filosfico, comportando esquemas de fun-cionamentodasmquinasedosvaloresque eles implicam, devolvendo cultura seu papel ao problematizar relaes entre o humano e a mquina.Coloca-sequehumaduplacons-truonosagenciamentosentretecnologiae sociedade:asinterfacestecnolgicasconsti-6 Considera-se, aqui, a obra de arte como um objeto tecno-esttico.tuemformasdesubjetividade,determinam maneiras de pensar, agir e sentir, bem como os prprios sujeitos criam tecnologias de acordo com suas necessidades e desejos, isto , no h como separar sujeito e mquina, uma vez que se produz um processo de subjetivao no qual se constituem simultaneamente sujeitos/mquinas a partir de agenciamentos sociais. A tecnologia somente pode ser incorporada cultura se a relao homem e mquina no estabelecer padres de inferioridade e de su-perioridade cada um em relao ao outro, isto , uma relao de reciprocidade social. De um certo modo, para que ocorra tal relao, faz-se imprescindvelumsentidodeuniversalidade material e intelectual disponvel e aberto a to-dos.Procura-seentenderestauniversalidade no como algo homogeneizante, mas como um meioderetiraromitodatecnologiainaces-svelhumanidade,isto,queatecnologia trazemsiconhecimentosdisponveiseaber-tos para serem apreendidos e reconfigurados. No h de forma restrita uma passividade de uso e uma finalidade fechada na mquina. Oartistatransgrideautilidadeinicialtec-nolgica entrando em sintonia com a evoluo tcnica ao provocar novas relaes de causa-lidade. O artista trabalha na multiplicidade de forasdeumobjetotecno-esttico.Consta-ta-se que h uma tenso entre a inteno de quem produz e o que lhe escapa, sendo funo doartistacaptarasforasquesedesviam, talvez at se possa dizer que um dos papis mais importantes da arte numa sociedade tec-nocrtica seja justamente a recusa sistemti-ca de submeter-se lgica dos instrumentos de trabalho, ou de cumprir o projeto industrial das mquinas ou aparelhos, reinventando, em contrapartida,assuasfunesefinalidades (MACHADO, 2006, p. 26). Deste modo, alm de buscar trazer a tec-nologia para uma reflexo em nvel filosfico, interessa-se sobre esses modos, pelas varia-107Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012.INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 esdeusodastecnologiasnarelaoobra dearteehumano(artistaeespectador).As obras se constroem atravs de cortes, ferra-mentas,aparelhos,tcnicas,tecnologiasde modos muito particulares, bem como tambm o ser humano se constitui nas particularidades das tecnologias que utiliza. As tecnologias tm caractersticasgerais,masaformadeuso temaspectosespecficosquepossibilitamo surgimentodesingularidades.Foca-sesobre omodocomoumcorposeconstituiapartir do agenciamento de certos elementos de um meio associado, como se do as maneiras de incorporaoviaumatecnologiaecomotais tecnologias so processadas. O modo espec-fico como os elementos so compostos e como expressam suas qualidades a partir do uso de certa tecnologia, Gilbert Simondon denomina tecnicidade(1989).Aexperincianaobrade arte implica tanto sua produo como fruio, direcionando-sesqualidadesexpressasvia s tecnicidades da obra.A tecnicidade tendncia, potncia, capa-cidadedeproduziroupadecerumefeitode maneira determinada, ela no se encontra em umindivduo,masnacombinaodosele-mentos pr-individuais de diversos meios. Ela tambm no diz sobre o elemento em si, en-tretantosobreaorganizaodoselementos, o que se passa entre os elementos, o que se produz no encontro de determinados elemen-tos,isto,dizsobreaintimidadedoencon-trodoscorposesuascomposies.Naarte, a tecnologia diz sobre o modo como os artis-tas do forma aos elementos que retiram dos meios por onde circulam, e a tecnicidade como taiselementosaceitam,ouno,conjurarem um novo meio associado, como copulam entre si,comosuportamconviverinventandoasi prprios. A tecnicidade situa-se como um mo-mento da evoluo que rompe com um sentido de adaptao estvel e busca de equilbrio no mundo;situando-se,aocontrrio,nasreso-lues sucessivas das tenses de um sistema metaestvel em constante transformao. Ela resulta de uma defasagem do ser, inserindo-se em um pensamento processual constitudo de diversas fases, de estabilidades moment-neas em um sistema dinmico. Astecnicidadesdofazervidaoquese passa no entre dos encontros e os sustentam emumprocessoinventivosempreseresol-vendo. So resolues que ocorrem em nvel dassingularidades,dosafectoseperceptos dos corpos, sem ter a finalidade como meta, j que se encontra em um equilbrio metaes-tvelquepossibilitatransporasfinalidades previstas via novas problematizaes. Isto , na tecnicidade h um devir gentico que abre anovosrearranjoseacoplamentos,sempre provisrios. A tecnicidade faz parte de um sis-tema,sendo,simultaneamente,resultadode uma evoluo e potencial de um poder evolu-tivo, mediando o homem e o mundo. Assim, o sistema formado pelo sujeito e pelo mundo reinventado toda vez que se cria um objeto, estabelecendoumanovadinmicanocampo desubjetivaoindividualecoletiva(ES-CSSIA, 1999, p.55), entendendo esse objeto como material ou imaterial. Atecnicidadeoquepermiteaevoluo tcnica e tecnolgica. Mesmo que no se pos-safalaremevoluonaarteouemtcnicas melhoresoupiores,constata-sequehdes-dobramentos na histria da arte com proces-sos abertos em etapas sucessivas. O aperfei-oamentotcniconoconsisteemdominar atcnica,masabri-lasuaindeterminao, question-la em sua funo. Na arte, as tec-nologias e tcnicas so os modos de produo doscorpos,podendoserpintura,escultura, gravura,fotografia,escritas,aes,pensa-mentos,dgitos.Hcriaodenovastecno-logias, como os happenings nos anos 60 ou a artemdia atualmente; bem como variao em cada tcnica em si, como a pintura, escultura, 108INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prtica Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. ISSN impresso 1516-084XISSN digital 1982-1654gravuraeoutras,emcadapoca.Apintura no foi negada pelos artistas dos anos 60/70, massimforadaaseaperfeioarenquanto pintura em sua qualidade prtica. A tecnicida-de o momento da resoluo de uma proces-sualidade do objeto tecno-esttico na indeter-minao,umavezqueestconstantemente se adaptando ao meio em que se associa, isto , se o meio e os materiais mudam a tcnica tambm precisa mudar j que carrega poten-cialidades de vir a ser, de devir. Instaura-seumprocessocoletivocons-trudo por diversas partes que no se somam paraformarumtodo,masqueseatraeme/ourepelememressonnciaecompemum espao-tempo da experincia, isto , uma in-dividuaocoletivaquevaialmdohumano que somos (OLIVEIRA, 2010). 3 Sistema obra-humano-meioUmaabordagemsobreaexperinciaem nvel no humano, direciona-nos ao que est antes do humano, aos elementos que consti-tuem cada indivduo. Os indivduos so efeitos da relao meio associado e seus elementos. Cada indivduo, com seu meio associado, em relaesdecausalidadepodegerarumcon-junto composto por uma heterogeneidade de meios associados. Um indivduo sem meio as-sociadoumutenslioquenogeraconjun-to transdutivo (Simondon, 1989). Explicita-se que quando ocorre certa experincia na obra de arte corre relaes transdutivas entre ele-mentos, indivduos e conjuntos.O processo de transduo necessita de um meioassociadoquepermitaatransmisso, oatravessamentodeinformaes.Coloca-se atransduocomopassagem,comotrans-formao de um tipo de sinal em outro, uma energia em outra, uma fuso. De uma fase do desdobramento,elachamaoutrafasecom-plementarnumarelaodeanalogia,desfa-zendopossveisisolamentosdopensamento em relao a ele mesmo, isto , promovendo uma totalidade, nunca em um domnio limita-do ou de espcie determinada. De acordo com Simondon, por transduo entendemos uma operao fsica, biolgica, mental, social, por que uma atividade sepropagagradativamentenointeriordeum domnio,fundandoestapropagaosobreuma estrutura do domnio operada de regio em re-gio: cada regio de estrutura constituda serve de princpio de constituio regio seguinte, de modo que uma modifcao se estende progres-sivamente ao mesmo tempo que esta operao estruturante (SIMONDON, 2003, p. 112). Atransduoessapropagaoquese movesempreemduplosentido,alterando quem propaga e quem propagado. Ela uma transformao em cadeia entre os participan-tes de um mesmo sistema, de um mesmo meio associado,ocorrendoemnvelmicromolecu-lar e macromolecular. Como os participantes, previamente,seencontramconectadosem umsistema,astransformaesqueocorrem sepropagampelotodosistema,modificando osparticipanteseoprpriosistema.Assim, tal transformao em cadeia estruturante e seconstituicomoummododeoperaodo sistema.Transduo,contgio,propagao, algo em formao contnua em uma operao coletiva. Quandohtransduoentremeiosasso-ciados dissimilares, h inveno dos prprios meiosaoreceberemelementosnovos.Para queocorraatransduo,indispensvela presenadomeioassociado;entretantoso-menteissonogaranteatransduo,poisa propriedade transdutiva est no elemento que precisa se adaptar ao novo meio associado. A presena de dois corpos com seus meios as-sociados no assegura a transduo, pois ela temqueatingirdoelementoaoindivduoou conjunto. Se o elemento de um corpo no se 109Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012.INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 adapta ao meio associado de outro corpo, tor-na-seinvivelatransduoentreoscorpos, ou seja, quando h transduo pelos elemen-tosqueseadaptam,hinvenodenovos meios associados em ambos os corpos. A transduo se efetua na ao estrutural efuncional,extrapolandoaunidadefechada emsieaidentidade.Elaestnaordemda inveno,jquenoindutiva(mantmo quecomumatodosostermos,eliminando suas singularidades) nem dedutiva (busca um princpiouniversalpararesolverumproble-ma), se direcionando a descobrir dimenses deumaproblemticaaoserdefinida.Aose buscarentenderaconstituiotransdutiva dos objetos tecno-estticos (obra de arte) do elemento ao conjunto, se revela o si prprio e o meio que o formou, um modo de produo que est no indivduo ao atualizar no pr-indi-vidual dos elementos. A arte prope um no-modo determinado, como se no entorno do in-divduo restasse uma realidade pr-individual associadaaele,permitindo-lheacomunica-o para instituir o coletivo. Simondon coloca queatransduoaplica-seontognesee aprpriaontognese(SIMONDON,2003, p. 113) que comporta objeto tecno-esttico e meio associado.Portanto,omeioassociadotorna-seim-prescindvelporqueelecontmoselemen-tos que apresentam propriedade transdutiva. Natecnicidade,aqualidadedoelementose transportaanovosconjuntos,humapro-pagao dinmica do elemento ao conjunto e vice-versa em constante e recproca mutao. Atecnicidadesomenteexisteinteiraaonvel do elemento, sendo assim, nos interessa, em especial,oselementos,poissecompreende queelesdetmatecnicidadeemseuestado depotncia.Quandosefalaqueatransdu-oumescalonamentoqualitativodeuma parteaoutraemummeioassociado,ela ampliao o domnio inicial que adquire mais a estrutura, permite compreender as condies sistemticas da individuao, seguir o ser em sua gnese. NasfotografiasInCorpORaEs(2010) de Andria Oliveira, ao trabalhar os elementos dos corpos das modelos fotografadas surgem qualidadesquejestavampotencializadase quepassamtransdutivamenteparaanova formaconstruda.Oprocessodecriao essencialmentetransdutivo,jqueaordem transdutiva aquela segundo a qual um esca-lonamento qualitativo ou intensivo se estabe-lece de uma parte e da outra a partir de um centro no qual culmina o ser qualitativo ou in-tenso (SIMONDON, 1964, p.145). Na referida obra, cada modelo desencadeia uma srie de fotografias a partir de seus elementos e formas implcitas, sendo que cada srie constituda por sries de heterogeneidade de elementos. Aimagemvisvel,oindivduomanifestado somente uma fase dessas sries que, por sua vez, se desdobra a partir de um centro, ten-dncias a partir do centro para os extremos, tendncias j contidas no centro como dentro dasrie(Ibidem).Aobracompostapelas sries transdutivas dos elementos.Oelementonopodeserapreendidoe classificado a priori, bem como no pode ser vistoisoladamente,semprehheterogenei-dadedeelementosorganizadosemsriese quefazemassociaesnomeioaoqualen-contram-se associados, ele associativo. Por isso, visa-se compreender o elemento no em suamaterialidade,masemsuaorganizao (OLIVEIRA,2010).Quandooelementotran-sitaemmeiostecnolgicosdissimilares,ele aporta suas qualidades para a organizao no novomeiotecnolgicoeconstituiodeno-vos indivduos e conjuntos. Pode-se dizer que a forma de operao da individuao consiste em: primeiro existe o elemento pr-individual; posteriormente, o indivduo como uma fase da individuao em que os elementos se concre-110INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prtica Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. ISSN impresso 1516-084XISSN digital 1982-1654tizam;porfim,oconjuntoqueosindivduos constituemeaaberturaparanovoselemen-tos. De acordo com Simondon:O elemento transmite a realidade tcnica concre-tizada, enquanto o indivduo e o conjunto contm essarealidadetcnicasempoderveicul-laou transmiti-la; eles no podem mais que produzir ouseconservar,semtransmitir;oselementos tm uma propriedade transdutiva que faz deles os verdadeiros portadores da tecnicidade, como osgrosqueveiculamaspropriedadesdaes-pcie e vo refazendo indivduos novos (SIMON-DON, 1989, p. 73).Notemoscomoexplicarporqueumele-mento se adapta ou no, ou mesmo como ele se move. Eles no se fixam permanentemente em um meio definido nem em uma poca. Eles saltamentreosmeiosassociadosdistintos, em campos, pocas ou tecnologias diferentes; gerando em cada novo meio associado, novos indivduos e conjuntos. Tambm a dinmica do conjunto produz novos elementos. O elemento a-significante antes do encontro, ganha sig-nificao na adaptao ao meio e composio e relao com outros elementos. Elementos,ento,nosoobjetosoucoisas, masopotencialouasrestriesno-atuais quepoderiamdefnirumamultiplicidade...As-sim,nosomenteoselementosestodiferen-temente mudando, mas as relaes entre esses elementos, esto elas prprias mudando. Final-mente, eles so singularidades, que, atravs dos elementosedasrelaes(ambosdirefenciais), realmente encarnam termos, formas, qualidades eespcies(coisas,objetos,organismos)(THA-CKER In: POSTER & SAVAT, 2009, p. 174).Cada elemento tem sua forma implcita que constri as singularidades do meio associado. na organizao que os elementos adquirem qualidades e transportam tecnicidades. Quan-to mais aguada for a sensibilidade intuitiva do artista para essas qualidades, mais elementos associativospenetramnonovomeioemais novoselementospodemserproduzidospela particularidade deste encontro. A arte atribui expressividade s qualidades da matria. Como,porexemplo,noelementocorver-melhoqueporsisnotemqualquersigni-ficao, apenas no meio em que se encontra, podendo estar relacionado s paixes, guer-ra,aomovimento,morte,dependendodo meio composicional e do meio cultural em que faz parte. Como Deleuze (1992) tem mostrado, existemdiferenasentreaqualidadedacor compreendidapelapercepoeosentidoda corcompreendidapelosentidodapercepo ou pela percepo na percepo. Nas rvores existem a qualidade verde e muitos modos de capturar esse verde pela percepo; mas tem o verdejar da rvore, o tornar-se verde da r-vore que est sempre mudando e nos fala da constituiodarvore,deseuselementos. Quando se fala que a rvore verde, fala-se sobre uma das suas qualidades, mas ao falar-mos que a rvore verdeja, expressa-se o sen-tido de existncia da rvore, isto , a rvore vive para verdejar, para expressar seu atribu-to, ou melhor, tornar-se verde pelas tecnicida-des de seus elementos. O verdejar, o sentido da cor compreendida pelo sentido da percep-o, a tecnicidade da rvore, sua tecnologia de sobrevivncia que permite expressar suas qualidades em ao, seus atributos. Verdejar como tecnicidade seria o que pode um corpo, aspotnciasdeumcorpo,suatecnologiade existncia. A tecnicidade, o modo de verdejar daquelarvore,omododeserdaqueleindi-vduo, amplia a noo do elemento cor verde e, mais ainda, amplia a noo de qualidade do elemento que torna-se efeito de aes intensi-vas. Assim, inquire-se experincias em obras quenoslevemaverdejar,marejar,levejar, durar, bravejar, crianar, maquinar, nos devi-res humanos e no humanos em processos de individuao na arte e na vida. 111Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012.INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prticaISSN impresso 1516-084X ISSN digital 1982-1654 Aqualidadetambmaparececomoefeito detrabalhosobreasformasimplcitas,uma vez que a forma implcita real e existe ob-jetivamente;aqualidaderesultafrequente-mentedeeleiesqueaelaboraotcnica faz das formas implcitas (SIMONDON, 1964, p.32), isto , a qualidade um efeito da ope-raotcnicasobreasformasimplcitasda matria.Nestesentido,oelementocorres-pondeoperaotcnicaenoaoobjeto, sendoopotencialdetransformaonopro-cesso de criao.Diz-se,nestesentido,queopintorpintor,e nadaalmdeumpintor,comacorcaptada como sai fora do tubo, com a marca, um depois do outro, dos plos do pincel, com este azul que no um azul de gua mas um azul de pintura lquida (DELEUZE & GUATARRI, 1992, p. 216). No um sujeito que observa a realidade exterior, um espectador que observa a obra ou um artista que d forma matria inerte; h um sistema que se opera em nvel molecular. Corpos no antropomrficos; matria e forma nodissociadas.Talperspectivavaicontrao esquema hilemrfico7 que separa forma e ma-tria e que compreende o ser como algo j in-dividuado.Afirma-se,aqui,outramaneirade compreensodaobraqueaconsideracomo um sistema obra-homem-meio. A obra de arte no uma coisa dada aqui e agora, uma dinmica dos seus caracteres de consistncia e de convergncia de sua g-nese;oquefazelasetornaroqueeno outra coisa. Ela consiste em uma unidade de devir que se concretiza em cada etapa e no anterioraela.Oprincpiodesteprogresso encontra-se,portanto,namaneirapelaqual oobjetosecausaesecondicionaasipr-7 O esquema hilemrfico ocorre quando tomamos o indiv-duo depois da individuao como realidade completa, como um termo fechado, considerando apenas visveis e dissocia-dos os aspectos de forma e matria.prio, no seu funcionamento e nas reaes de seu funcionamento sobre a utilizao, aberto a processos inventivos.A inveno pensada dentro do processo de individuao uma ao do futuro no presen-te. Como se sabe, a obra de arte no uma soma dos elementos dados a priori, tudo ocor-re no momento da composio. Todavia, ainda se observa certa tendncia de se pensar que algodopassadoproduzaobradopresente, como uma ideia do artista empregada em cer-tatecnologia,umalinearidadecausa-efeito, passado-presente.Contudo,coloca-se,aqui, outra abordagem sobre o tempo na produo da obra de arte em que o futuro se encaminha paraopresente,algoquespodeviraser quandosetornarealidadenoencontroentre dois ou mais fatores no momento presente. Omomentodainvenoquandodois conjuntosdepotnciasconectamjuntos,co-pulandoemumnicosistemacontnuo... Um novo regime de funcionamento que, de repente, saltou para a existncia (MASSUMI, 2009,p.39).Algonovo,daordemdainven-o, se cria, um sistema contnuo que se auto-mantm atravs das diferenas. Ao se escutar osomeverasimagensemumavideoinsta-lao , algo surge que no nem mais o som enemmaisasimagens,masalgonovoque seproduznoentresomeimagem,nomeio associado que cria um sistema indissolvel e metaestvel. Som + imagem + espao + es-pectador+++,noaobra,poisalgoda ordemdainvenoseproduz,sendopotn-ciasdofuturoquepodem,ouno,seatua-lizaremnopresente.Humadisparaode algo que no existia nos elementos no passa-do, que trazido do futuro, isto , informao ou singularidades da obra. No h uma causa no passado8 e sim uma disparao de algo no 8 Esclarece-se que o passado referido diz respeito a um tem-po cronolgico linear, diferente de um passado bergsoniamo 112INFORMTICANAEDUCAO:teoria&prtica Porto Alegre, v.15, n.1, jan./jun. 2012. ISSN impresso 1516-084XISSN digital 1982-1654presente que pode vir a ter novas qualidades na operao. Assim, a causa se d dentro da prpriaoperaoquandooselementosexis-tentessemisturam,entrandonumarelao dinmica. Amisturanoestanterioraoencontro doselementosheterogneoseosprprios elementosnosoosmesmosantesedu-ranteamistura,destemodo,nopodendo serencontradonopassado.Seapotncia noestavaefetivamentenopassado,existe somenteumlugardeondeelapodevir:do futuro (Ibidem, p. 40). O artista traz os ele-mentos,masomodocomoelesvoseau-to-condicionarformandoumsistemadepen-dedapotnciadoselementossecomporem formando corpo, enfim, dependo do que pode um corpo. No se sabe o que pode um corpo antesdeocorreroencontro,poisocorpo surpreendente, como j disse Spinoza. Pode-se falar de elementos ou corpos, dependendo da escala de anlise. O artista tem uma ideia sobreospossveisdoselementoseumain-tuio sobre suas potncias, todavia, somente acausalidaderecorrenteentreoselementos em que o passado um reservatrio do tempo em que coe-xiste passado/presente/futuro.e suas potencializaes podem produzir a in-veno. O artista um mediador que contribui comseusprprioselementosnessesistema, no mais um sujeito-autor individual com sua inteno. De acordo com Oiticica, o estado de invenoprofundamentesolitrio,masele profundamente coletivo (OITICICA, 2009, p. 234). A inveno ocorre em uma operao au-to-solidria em que o efeito futuro toma lugar. H relaes dinmicas em constante alterao entre elementos da obra, do artista, dos parti-cipantes e do meio.Finalizando, questiona-se que pensamento pode sustentar tal experincia na obra de arte quelida,diretamente,comsuaconstituio? Simondon, ao aportar uma filosofia tcnica, se volta a um pensamento processual em cons-tante individuao e direcionado a uma onto-gnesedoser(indivduoemeio)humanoe no humano, ou seja, preocupa-se com como as coisas se tornam o que so, e no suas con-figuraes finais. Pensamento esse que pode sustentarumaabordagemsobreaexperin-cia na obra de arte, j que esta se modifica ao longo do tempo e ganha existncia justamen-teemseuprocessodeconstruomatria-tomando-formaapartirdeindividuaesdo sistema humano-obra-meio.Referncias BENJAMIN, Walter. Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo: Brasiliense, 1994.DELEUZE, Gilles. A Ilha Deserta. Org. David Lapoujade. So Paulo: Editora Iluminuras, 2006, p.117._______. Conversaes. 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