Complexidade Narrativa na Televisão Americana Contemporânea

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  • 7/27/2019 Complexidade Narrativa na Televiso Americana Contempornea

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    * Professor associado doAmerican Studies and

    Film & Media Culture

    no Middlebury College,

    Vermont, USA. E-mail:

    jmittel [email protected]

    1. Publicado originalmentecomo Narrative Complexity

    in Contemporary American

    Television, por Jason Mittell.In.: Velvet Light Trap

    Volume 58, pp.29-40.

    Copyright 2006 by the

    University of Texas Press.

    Direitos reservados.

    RESUMOUma nova forma de entretenimento tem surgido nas ltimas duas dcadas conseguindo

    sucesso de pblico e crtica na televiso americana. Tal modelo se diferencia por usar

    a complexidade narrativa como uma alternativa s formas episdicas e seriadas. O

    objetivo deste artigo remontar as caractersticas formais deste modelo de narrao,

    o storytelling, explorar as particularidades de seu modo de fruio e de compreenso,

    alm de apontar justicativas para sua emergncia nos anos . Para entender estefenmeno, precisamos utilizar a narratologia formal de modo a traar sua estrutura e

    suas fronteiras, e ao mesmo tempo incorporar outros mtodos para investigar como

    este modelo narrativo se cruza com os campos das indstrias criativas, das inovaes

    tecnolgicas, das prticas participatrias e da compreenso dos espectadores.

    Palavras-chave:complexidade narrativa, storytelling, televiso, prticas participatrias

    ABSTRACTA new form of entertainment in American television has emerged over the past two

    decades to both critical and popular acclaim. is model is distinct for its use of nar-

    rative complexity as an alternative to the conventional episodic and serial forms. e

    purpose of this essay is to chart out the formal attributes of this storytelling mode,

    explore its unique pleasures and patterns of comprehension, and suggest a range of

    reasons for its emergence in the s. To understand this phenomenon we must use

    formal narratology to charts its structure and boundaries while incorporating other

    methods to explore how this narrative mode intersects with dimensions of creative in-

    dustries, technological innovations, participatory practices and viewer comprehension.

    Keywords: narrative complexity, storytelling, television, participatory practices

    Complexidade narrativa na televisoamericana contempornea1Narrative complexity in contemporary american Television

    J A S O N M I T T E L L *

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    30 MATRIZes Ano 5 N 2 jan ./j un. 2012 - So Paulo - Brasil JASON MIT TELL p. 29-52

    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    J

    exibio de reconstituies dramticas de crimes,das comdias do tipo sitcom e das competies em reality shows que povoam

    a programao da televiso americana, uma nova forma de entre-tenimentotem surgido nas ltimas duas dcadas, conseguindo sucesso de pblico e crtica.Tal modelo de storytellingpara televiso se diferencia por usar a complexidadenarrativa como uma alternativa s formas episdicas e seriadas que tm carac-terizado a TV americana desde sua origem. Podemos identicar esse formatonarrativo inovador nos grandes sucessos das ltimas dcadas, de Seinelda Lost,de West Wingae X-Files, como tambm em programas exaltados pela crtica,mas ameaados pela baixa audincia comoArrested Development, Veronica Mars,Boomtown e Firey. A HBO construiu sua reputao e garantiu um nmero

    de assinantes com base em programas narrativamente complexos, como eSopranos, Six Feet Under, Curb your Enthusiasm e e Wire. Esses programasoferecem claramente uma alternativa narrativa televisiva convencional oobjetivo deste artigo remontar s caractersticas formais do modelo storytelling,explorar as particularidades de seu modo de fruio e de compreenso, alm deapontar justicativas para sua emergncia nos anos .

    Para entender as prticas de storytellingda televiso americana contem-

    pornea necessrio considerar a complexidade narrativa como um modelo

    de narrao diferenciado, como nos indica a anlise que David Bordwell faz

    da narrativa flmica. Para Bordwell (), um modelo narrativo um con-

    junto de normas historicamente diferenciado de construo e compreensonarrativa. Ele atravessa gneros, autores especcos e movimentos artsticos

    para forjar uma categoria coerente de prticas. O autor recupera modelos es-

    peccos do cinema, como o modelo clssico hollywoodiano, o de arte e o do

    materialismo histrico, entendendo que cada um deles apresenta estratgias destorytellingdiferentes ainda que faam referncia um ao outro e ainda que se

    sustentem tambm com base em outros modelos. Kristin ompson ampliou

    a abordagem que Bordwell faz da televiso sugerindo que programas como

    Twin Peaks e e Singing Detective possam ser convenientemente tomados

    como televiso de arte, j que importam regras do cinema de arte para a tela

    pequena (ompson, ). Embora o cinema tenha certamente inuencia-

    do muitos aspectos da televiso, especialmente no que diz respeito ao estilo

    visual, reluto em mapear um modelo de storytellingassociado a lmes que

    sejam restritos em si mesmos para transferir estrutura narrativa contnua

    e estendida das sries televisivas. Acredito, assim, que possamos desenvolver

    de forma mais produtiva um vocabulrio adequado narrativa televisiva em

    termos de seu prprio meio. A complexidade narrativa na televiso baseia-se

    em aspectos especcos do storytellingque aparentemente so inadequados

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    Ano 5 N 2 jan ./jun. 2012 - So Paulo - Brasil JASON MIT TELL p. 29-52 31

    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    1. O presente artigo

    considera como

    entretenimento a

    programao composta

    por sries roteirizadas

    envolvendo situaes

    recorrentes e/

    ou exclusivamente

    personagens; assim, filmes

    feitos para televiso,

    minissries, comdias

    com esquetes, coletneas,

    programas de variedades,

    programas de notcia,

    documentrios e reality

    shows, embora tenham

    aspectos interessantes e

    potencialmente incorporem

    traos desses modelos

    narrativos, esto excludos

    do meu espectro de anlise.

    2. Provavelmente muitas

    das caractersticas da

    complexidade narrativa

    so mais comuns em

    outros formatos da

    televiso nacional e,certamente, a influncia da

    televiso britnica sobre

    a grade de programao

    americana no pode

    ser ignorada. Ainda

    assim, vlido entender

    como a programao da

    televiso americana, que

    evidentemente satura o

    mercado miditico global,

    se desenvolveu segundo

    seus prprios parmetros.

    estrutura seriada que diferencia a televiso do cinema e tambm a distingue

    dos modelos convencionais de formatos seriados e episdicos.

    A complexidade narrativa j est sucientemente difundida e popularizadaa ponto de podermos considerar o perodo que abrange dos anos at hoje

    como a era da complexidade televisiva. A complexidade no tomou o lugar

    das formas convencionais na maior parte da programao atual ainda so

    exibidos muito mais sitcoms e dramas convencionais do que narrativas comple-xas. Da mesma forma que a Hollywood dos anos lembrada muito mais

    pelo trabalho inovador de Altman, Scorsese e Coppola do que pelas tragdias,

    romances e comdias baseadas em lugares comuns (e na maioria das vezes

    mais populares) que lotaram as salas de cinema, acredito que a televiso dos

    ltimos

    anos ser lembrada como uma era de experimentao e inovaonarrativa, desaando as regras do que pode ser feito nesse meio. Assim, para

    nossa argumentao, interessante investigar como a televiso de hoje redeniuas regras de vrias formas que denomino complexas. Embora esse modelo no

    represente a maior parcela da programao televisiva e nem os programas maispopulares (pelo menos dentro do padro falvel dos ndices de Nielsen), um

    nmero sucientemente bem difundido de programas opera contra as prticasnarrativas convencionais utilizando um conjunto de tcnicas de narrao que

    justicam a presente anlise1.

    Obviamente os rtulos convencionale complexo no esto livres de um

    julgamento de valor, da mesma forma que termos comoprimitivo e clssicoassinalam pontos de vista analticos nos estudos flmicos. E ainda que eu tenhadefendido a importncia das questes envolvendo juzos de valor nos estudos

    de televiso, e esta uma tendncia que as abordagens crticas contemporneasdesconsideram, no armo que tais termos marquem explicitamente um jul-

    gamento(Mittell, ). Complexidade e valor no se implicam mutuamente

    pessoalmente, prero assistir a programas convencionais de alta qualidade

    como e Dick Van Dyke Show e Everybody Loves Raymonddo que a Horas,

    que narrativamente complexo mas confuso conceitualmente e logicamente

    enlouquecedor. No entanto, a complexidade narrativa oferece uma gama de

    oportunidades criativas e uma perspectiva de retorno do pblico que so nicasno meio televisivo. Ela deve ser estudada e entendida como um passo chave

    na histria das formas narrativas televisivas2. Podemos pensar que a fruio

    proporcionada por narrativas complexas so mais ricas e mais multifacetadas

    do que aquela oferecida pela programao convencional. No entanto, os juzos

    de valor devem estar associados a programas especcos mais do que a exaltar

    a superioridade de todo um modelo ou gnero narrativo. Assim, mesmo sem

    nos furtarmos aos aspectos de julgamento das transformaes ocorridas na

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    narrativa, o objetivo da anlise no defender que a televiso contempornea

    seja de alguma forma melhor do que ela era nos anos . Exploramos como

    e por que as estratgias narrativas mudaram e observamos as implicaes cul-turais mais abrangentes deste deslocamento.

    Os estudiosos de televiso normalmente tm evitado realizar anlises

    voltadas para a forma narrativa do meio, j que os estudos de televiso sur-

    giram do duplo paradigma da comunicao de massa e dos estudos culturais

    e de como esses dois tendem a privilegiar os impactos sociais em detrimento

    das anlises estticas, ainda que se utilizem de metodologias marcadamen-

    te diferentes. As anlises feitas sobre a narrao televisiva convencional so

    surpreendentemente limitadas, tendo como trabalhos de peso na rea os de

    Horace Newcomb (

    ), Robert Allen (

    ), Sarah Kozlo

    (

    ), John Ellis(), e Jane Feuer (). Algumas anlises iniciais sobre estratgias narrativasinovadoras feitas por Newcomb (), Christopher Anderson (), omas

    Schatz (), and Marc Dolan () identicam os antecedentes da complexi-dade narrativa contempornea emMagnum, P.I., St. Elsewhere, e Twin Peaks.

    Mais recentemente, Steven Johnson () e Jerey Sconce () articularam

    suas prprias vises sobre a forma narrativa da televiso contempornea, ofe-

    recendo insights a partir dos quais parti; entendo esses escritos como um sinal

    de que os crticos de mdia esto voltando sua ateno para questes formais

    e estticas que normalmente foram relegadas durante o desenvolvimento das

    pesquisas de televiso como um campo de estudo. Circunscrevendo tais fontes,podemos demonstrar, atravs de perspectiva detalhada da forma narratolgicaencontrada na televiso americana contempornea, uma verdadeira inovao

    esttica nica em seu meio. Este novo modelo que denomino complexidade

    narrativa no to uniforme e no to marcado pela conveno como as

    normas episdicas ou seriadas (na verdade, provavelmente sua caracterstica

    mais instigante no ser convencional), mas ainda assim consideramos que

    seja til recortar um nmero crescente de programas que operam contra as

    regras das tradies episdicas e seriadas operando de formas variadas e intri-

    gantes. Enquanto alguns estudiosos consideram esse modelo emergente como

    uma televiso novelstica, contraponho que ele singular no meio televisivo

    apesar das inuncias claras de outros formatos como as novelas, os lmes, os

    videogames e as histrias em quadrinhos3.

    Ao examinar a complexidade narrativa como um modelo narrativo, estouseguindo um paradigma da potica histrica que situa os progressos formais

    dentro de contextos histricos especcos de produo, circulao e recepo4.De acordo com essa abordagem, as inovaes nos formatos miditicos no

    so entendidas como uma liberao criativa sob responsabilidade de artistas

    3. Ver McGrath (2000)

    para a referncia de

    uma caracterizao da

    televiso novelstica.

    4. Ver Bordwel l (1989);

    Jenkins (1995b). Mittell

    (2004) aplica a potica

    histrica televiso via

    Dragnete o gnero policial.

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    visionrios, mas sim como a combinatria de um conjunto de foras histricasque operam para transformar as normas estabelecidas atravs de uma prtica

    criativa. Este tipo de anlise atenta para os elementos formais de qualquer meioque analisa, ao mesmo tempo em que tambm observa os contextos histri-

    cos que contriburam para moldar transformaes e perpetuar determinadas

    normas em especco. Sendo assim, quais os contextos a serem levados em

    considerao que possibilitaram o surgimento da complexidade narrativa?

    Algumas transformaes na indstria miditica, nas tecnologias e no compor-tamento do pblico coincidiram com o surgimento da complexidade narrativasem, contudo, operarem como razo principal de tal evoluo formal. Mas

    certamente possibilitaram o orescimento de suas estratgias criativas. Embora

    consideremos que haja muito mais a ser examinado no desenvolvimento dessescontextos, traando um panorama das principais mudanas ocorridas na prticatelevisiva dos anos , observamos tanto como essas transformaes impac-

    taram as prticas criativas e como os aspectos formais sempre se expandem

    para alm das fronteiras textuais.

    Um dos aspectos centrais para a emergncia da complexidade narrativa nateleviso contempornea a mudana de perspectiva em relao necessidadede legitimidade do meio e o apelo que ele exerce para quem cria. Muitos dos

    programas televisivos inovadores dos ltimos anos so obra de realizadoresque comearam suas carreiras trabalhando com lmes, um meio culturalmente

    mais distinto: David Lynch (Twin Peaks) e Barry Levinson (Homicide: Life onthe Streete Oz) como diretores, Aaron Sorkin (Sports Nighte West Wing), Joss

    Whedon (Buy,Angel, e Firey), Alan Ball (Six Feet Under), e J. J. Abrams (Aliase Lost), como roteiristas. O apelo da televiso vem em parte de sua fama como

    um meio repleto de produtores e no qual escritores e realizadores tm mais con-trole sobre sua obra do que no modelo do cinema centrado na gura do diretor.Somado a isso, como a televiso dos reality shows apareceu como alternativa

    popular e nanceiramente compensatria em comparao programao rotei-rizada, os escritores dedicados televiso passaram a procurar algo a oferecer desingular na co televisiva; a complexidade narrativa evidencia um dos limitesdos reality shows na medida em que atesta a manipulao cuidadosamente

    controlada da trama e das personagens nas formas dramtica e cmica e que

    os produtores consideram mais difcil de reproduzir5. Muitos desses escritores

    aceitam os grandes desaos e possibilidades criativas nos formatos seriados

    longos, j que o aprofundamento na caracterizao das personagens, a conti-

    nuidade do enredo e as variaes a cada episdio no so possveis num lme

    de duas horas de durao note-se como o lme de Whedon, Serenity, respon-svel por ampliar a narrativa de Firey, condensou a trama de uma temporada

    5. No sugiro quefalte complexidade

    reality television, mas,

    aparentemente, o arco

    tpico da maioria dos

    reality shows se sustenta

    mais pelas personagens

    e seus relacionamentos

    (como em novelas,

    tradicionalmente) do que

    pelos eventos e tramas.

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    inteira em duas horas, reduzindo a variedade do storytelling, o trabalho com

    as personagens e a manuteno do suspense. Enquanto a inovao na narrao

    flmica aparece como um modelo raro nos ltimos anos, encontrada em lmesna linha quebra-cabea comoAmnsia eAdaptao, as regras de Hollywood

    ainda favorecem espetculos e frmulas apropriadas para um lanamento de

    sucesso; em contraste, muitos programas televisivos narrativamente complexosguram entre os mais bem-sucedidos do meio, dando a entender que o mercadodestinado complexidade mais valorizado na televiso do que no cinema.

    Certamente as mudanas na indstria televisiva ajudaram a reforar as

    estratgias para a complexidade. A lgica tradicional da indstria assumia quea inconstncia do pblico a narrativas seriadas semanalmente e as presses

    relacionadas a direitos favoreceram a manuteno de episdios de sitcomsconvencionais e de dramas processuais intercambiveis. Mas conforme o

    nmero de canais cresceu e a audincia de qualquer tipo de programa foi

    reduzida, as redes de televiso e seus canais acabaram por reconhecer que

    para um programa ser economicamente vivel pode ser suciente um pblico

    seguidor pequeno, porm dedicado. A audincia de Buye de Veronica Mars,

    no geral, no os transformaram em hits, mas atingiram as expectativas de

    redes mais novas como a United Paramount Network (UPN) e a WarnerBros

    (WB). E, ainda, a adeso em setores demogrcos e culturais atrados por

    essa programao encorajou redes televisivas a deixar que tais experimen-

    tos reunissem um pblico. Muitos programas complexos apelavam para umpblico reduzido composto por espectadores com maior grau de instruo

    e que normalmente evitariam a televiso, exceto por programas como e

    West Wing,e Simpsons ee Sopranos no preciso dizer que um pblico

    que assiste pouco televiso particularmente valorizado por anunciantes.

    Para os canais a cabo como a HBO, programas complexos como e Wire,

    Oze Deadwoodpodem no ter o status de um Sopranos, mas seu prestgio

    ultrapassa a imagem do prprio canal como mais sosticado do que a televisotradicional e, dessa forma, valem um prmio mensal (e revertem em vendas

    de DVD na sequncia). Enquanto muitos programas complexos como Firey,

    Boomtown, Wonderfalls, e a mais recente inovao,My So-Called Life nunca

    tiveram o tempo para rmar um pblico cativo, todos eles, tendo uma vida

    curta, surgiram em DVD na medida em que seus fs dedicados adotaram

    a possibilidade de colecionar televiso nesse novo formato, um ramo que a

    indstria miditica anseia por capitalizar atravs da criao de programas

    com um nvel mximo de reassistncia (rewatchability).

    As transformaes tecnolgicas aceleraram esse deslocamento de muitas

    maneiras. Durante os primeiros anos, o meio televisivo era essencialmente

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    controlado por redes de televiso que ofereciam uma programao restrita,

    distribuda em horrios limitados, e sem acesso a contedos. Na medida em que

    ele retorna abafado pelos direitos de uso, os programas passaram a ser exibidosfora de ordem, contribuindo para que as narrativas episdicas inclussem umaapresentao em srie quase aleatria. Desde a popularizao da transmisso

    a cabo e do equipamento de videocassete no incio dos anos , a balana

    pendeu mais para o lado do controle do espectador a proliferao de canais

    contribuiu para a repetio rotineira de programas de modo que os espectadorespudessem acompanh-los atravs de reprises veiculadas cronologicamente ou

    ainda pudessem ver aqueles que perderam diversas vezes durante a semana. Astecnologias que permitem variao no tempo da exibio, como os videocassetes

    e gravadores de vdeo digitais, possibilitam aos espectadores escolherem quandoquerem assistir a um programa. E, um dado mais importante no sentido daconstruo da narrativa, eles podem rever episdios ou partes deles para ana-

    lisar momentos complexos. Enquanto sries selecionadas foram vendidas em

    tas de vdeo durante anos, o tamanho compacto e a qualidade visual dos DVDslevaram a uma exploso de um novo modelo de como assistir televiso, em queos fs, acompanhando uma temporada por vez de um determinado programa

    (como as tentativas muitas vezes relatadas de assistir uma temporada inteira

    da srie horas para recuperar seu enquadramento temporal diegtico) so

    encorajados a ver mltiplas vezes o que antes era uma forma de entretenimento

    essencialmente efmera.As transformaes tecnolgicas distantes da tela da televiso tambm

    impactaram a narrativa televisiva. A ubiquidade da internet permitiu que os

    fs adotassem uma inteligncia coletiva na busca por informaes, interpreta-

    es e discusses de narrativas complexas que convidam participao e ao

    engajamento e em programas como Babylon e Veronica Mars, os prprios

    criadores participam das discusses e usam fruns como forma de obterfeed-

    back sobre a compreenso e a fruio deles6. Outras tecnologias digitais, como

    os videogames, os blogs, sites de RPG e sites de fs abriram espaos para que

    espectadores ampliem sua participao nesses ricos mundos ccionais para

    alm do uxo unilateral da televiso tradicional. So estendidos os metaver-

    sos das elaboraes narrativas complexas como a de Sunnydale de Buyou a

    Springeld de Simpsons at atingir mbitos completamente interativos e parti-cipativos. Os consumidores e as prticas de criao da cultura de f, entendidospelos estudos culturais como um fenmeno subcultural nos anos , carammais largamente distribudos e mais afeitos participao com a disseminaoda internet, fazendo do comportamento ativo do pblico uma prtica cada

    vez mais predominante. Ainda que nenhuma dessas novas tecnologias tenha

    6. Ver Jenkins (1995 a:

    54), para um exemplo

    inicial dessa prtica

    tecnolgica; Jenkins

    recupera a citao de um fna internet, Voc imagina

    o Twin Peaks exibido

    antes dos videocassetes

    ou sem a internet?

    Seria um inferno!

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    provocado diretamente o surgimento da complexidade narrativa, o incentivo

    e as possibilidades que elas abriram tanto para a indstria miditica quando

    para espectadores acabaram por permitir o sucesso de muitos destes programas.O argumento de que os caminhos da programao televisiva so um

    reexo direto do gosto do pblico e das prticas institudas trata-se de uma

    simplicao. No h dvidas de que muitas das inovaes envolvendo a com-

    plexidade narrativa foram barradas por terem sido ativamente abraadas pelosespectadores. Utilizando as novas tecnologias para gravar programas em casa,os DVDs, e a participao online, os espectadores assumiram um papel ativo

    no consumo de uma televiso narrativamente complexa, contribuindo para

    que ela prospere no seio da indstria miditica. Como sugiro a seguir, este

    formato de programao demanda um processo ativo e atento de entendimentocom o objetivo de decodicar tanto histrias complexas quanto os modelos destorytellingoferecidos pela televiso contempornea. O pblico tende a aderir aprogramas complexos de uma forma muito mais apaixonada e comprometida

    do que maior parte da programao da televiso convencional. Usam estes

    programas como base para uma cultura de f fortalecida e podem dar uma res-posta ativa indstria televisiva (especialmente quando seu programa ameaa

    ser cancelado). O surgimento da complexidade narrativa tambm cresceu na

    crtica amadora de televiso ao passo em que sites como televisionwithoutpity.

    com oferecem comentrios interessantes e bem-humorados sobre os episdios

    da programao semanal7. Steven Johnson argumenta que essa forma de com-plexidade proporciona aos espectadores umaginstica cognitiva que contribui

    para a habilidade de resolver problemas e para a capacidade de observao sejaeste argumento substanciado empiricamente ou no, certo que este ramo do

    storytellingtelevisivo encoraja o pblico a ser mais engajado ativamente e ofereceum espectro mais amplo de recompensas e de fruio que a maior parte da

    programao televisiva. Seria difcil atribuir a qualquer um dos processos de

    desenvolvimento industrial, criativo, tecnolgico e participativo a causa diretapela emergncia da complexidade narrativa, juntos eles preparam o terreno

    para seu desenvolvimento e popularizao.

    Mas o que exatamente a complexidade narrativa? Em seu nvel mais

    bsico, uma redenio de formas episdicas sob a inuncia da narrao

    em srie no necessariamente uma fuso completa dos formatos episdicose seriados, mas um equilbrio voltil. Recusando a necessidade de fechamento

    da trama em cada episdio, que caracteriza o formato episdico convencio-

    nal, a complexidade narrativa privilegia estrias com continuidade e passandopor diversos gneros. Somado a isso, a complexidade narrativa desvincula o

    formato seriado das concepes genricas identicadas nas novelas muitos

    7. Este site trata tantodos reality shows quanto

    dos dramas roteirizados

    (no as sitcoms). Entre

    os dramas, a maioria

    poderia ser entendida

    como narrativamente

    complexa; e o grupo de

    programas que o site

    decidiu no abordar o

    dos mais convencionais.

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    programas complexos (embora certamente no sejam todos) contam histrias

    de maneira seriada ao mesmo tempo em que rejeitam ou desconsideram o

    estilo melodramtico. Desconsideram ainda a ateno dada pelas novelas maisaos relacionamentos do que trama, o que tambm distancia os programas

    contemporneos das conotaes culturais do referido gnero novelstico8. A

    narrao nas novelas certamente pode ser complexa e requer um alto nvel de

    postura ativa do pblico para engrenar na rede de relaes e estrias prvias

    evocadas em cada virada da trama. Em contrapartida, na programao nar-

    rativamente complexa, o desenvolvimento da trama tem posio muito mais

    central, possibilitando emergir um relacionamento e um drama associado s

    personagens a partir do desenrolar do enredo e, dessa forma, atribui nfase de

    maneira reversa s novelas.Historicamente, a mudana em direo complexidade data do nal dos

    anos e incio dos anos , quando novelas exibidas em horrio nobre,

    como Dallas e Dynasty(bem como as pardias antecedentes Soap e Mary

    Hartman, Mary Hartman) eram inovaes com popularidade e eram programascom maior aprovao da crtica (apesar dos ndices de audincia inicialmente

    precrios). Como Hill ST. Blues, St. Elsewhere, Cheers importavam o storytellingseriado para programas policiais, dramas mdicos e sitcoms respectivamente9.

    Diferente das novelas, essas sries veiculadas no horrio nobre no adotavam

    uniformemente a prtica de adiar o desfecho narrativo, j que normalmente

    tais programas apresentavam tramas episdicas combinadas a arcos narrativosmultiepisdicos e dramas contnuos de relacionamento. Estes primeiros pro-

    gramas tendiam a atrelar estrias episdicas e seriadas a regras genricas tpicas estrias de relacionamento atravessavam episdios, como nas novelas, mas noscasos policial e mdico normalmente a ligao se fazia dentro de um episdio

    ou de forma seriada, dividido em duas partes. Assim, diferente das novelas,

    episdios isolados eram mais diferenciados em sua identidade e representavammais do que apenas um passo numa jornada narrativa mais ampla. Divises

    parecidas a essas entre relacionamentos seriados e tramas episdicas seguiramat programas do nal dos anos comoMoonlighting, thirtysomething, e

    Star Trek: e Next Generation, todos tendo incorporado recursos narrativos

    que viriam a se tornar mais comuns nos anos .

    Os programas, a partir dos anos em diante, basearam-se nas inova-

    es dos anos expandindo o papel dos arcos histricos entre episdios e

    temporadas. As primeiras tentativas de realizao desse arco narrativo longo

    em meados dos anos , notadamente, Wiseguye Crime Story, no cativaramo pblico e nem foram imitados at o momento do sucesso de Twin Peaks no

    incio dos anos . Esse hit cult, cuja inuncia foi mais duradoura do que a

    8. Ver Allen (1985).

    A fruio do gnero

    associada s novelas

    e complexidade

    narrativa um a ssunto

    complicado para alm

    do alcance deste artigo.

    Rapidamente, Warhol

    delineia uma fruio

    narrativa tr adicionalmente

    feminina, que acredito ser

    incorporada em gnerosmais masculinos em

    estruturas narrativas na

    programao complexa.

    Assim h uma fruio

    mais variada para os

    espectadores do que as

    novelas convencionais e/

    ou os dramas processuais.

    9. Thompson (1996)

    realiza um estudo das

    inovaes da programao

    televisiva de nossa era.

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    38 MATRIZes Ano 5 N 2 jan ./j un. 2012 - So Paulo - Brasil JASON MIT TELL p. 29-52

    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    srie em si, detonou uma leva de programas que adotaram as mesmas estratgiasde criao e que ao mesmo tempo deixavam de lado seus excessos estilsticos e

    estranhezas temticas. Como um cruzamento bem-sucedido entre um caso demistrio, uma novela e um lme de arte, Twin Peaks proporcionou aos especta-dores e aos executivos da televiso um vislumbrar das prticas narrativas que

    as sries iriam desbancar. Twin Peaks era, em ltima anlise, um fracasso de

    audincia, mas os comentrios positivos e elogios recebidos abriram as portas

    para outros programas que no incio da dcada de tomaram a liberdade

    criativa na forma de narrar, mais notadamente Seinelde e X-Files. Ambos

    acrescentam aspectos essenciais ao repertrio da complexidade narrativa com

    maior sucesso de audincia.

    e X-Files exempli

    ca o que provavelmente a marca central da comple-xidade narrativa: uma interao entre as demandas da narrao episdica e

    seriada. Dramas complexos como e X-Files, Buy the Vampire Slayer,Angel

    e e Sopranos frequentemente oscilam entre a narrao com arco alongado

    e episdios isolados. Como Sconce aponta, qualquer dos episdios de X-Files

    pode se concentrar na mitologia de longo prazo, uma trama conspiratria

    contnua, altamente elaborada com soluo indenidamente adiada ou pode

    oferecer histrias autnomas trazendo um monstro-da-semana que geralmenteexiste fora do espectro mitolgico. Embora e X-Files apresente uma gama

    de inovaes narrativas inuentes, o eventual declnio criativo do programa

    e de sua crtica sublinha uma das principais tenses inerentes complexidadenarrativa: equilibrar as exigncias competitivas e de fruio da produo epis-dica e da seriada. De acordo com os espectadores e os crticos, o programa foi

    acometido de uma disjuno muito grande entre a mitologia demasiadamente

    complexa e insatisfatoriamente distendida e a independncia e desapego dos

    episdios do tipo monstro-da-semana , que poderiam contradizer o conheci-

    mento acumulado sobre a conspirao. Por exemplo, o episdio largamente

    estudado (e bem pardico) Jose Chungs From Outer Space satiriza as cons-

    piraes desenvolvidas no programa ao passo que os eventos que apresenta

    parecem minar algumas das revelaes da mitologia relacionada presena dealiengenas na Terra. Independente do gosto dos espectadores em desvendar osmistrios por trs da busca incessante do Agente Mulder, este episdio (como

    muitos outros) deixa os fs sem saber direito como encaixar consistentemente

    os eventos dentro do mundo criado. Os espectadores caram ento divididos

    entre aqueles fanticos por conspirao, que entendiam os episdios do tipo

    monstro-da-semana, muitas vezes reexivos e com tom divergente, como desvioem relao aos srios mistrios mitolgicos, e aqueles fs que aprenderam a

    gostar da coerncia dos episdios isolados luz do arco contraditrio e cada

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    Ano 5 N 2 jan ./jun. 2012 - So Paulo - Brasil JASON MIT TELL p. 29-52 39

    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    vez mais inescrutvel pessoalmente, eu estava no ltimo acampamento antesde abandonar completamente o programa.

    BuyeAngelso programas claramente mais aptos a gerenciar a demandadbia por fruio episdica e seriada. Os dois (juntos e cada um deles) apre-

    sentam uma mitologia rica, contnua, associada a uma batalha entre as foras

    do bem e do mal. Seus enredos se concentram em arcos narrativos abarcando

    a temporada e incluem um vilo em particular, ou big bad, no linguajar de

    Buy. Numa mesma temporada, quase todos os episdios fazem avanar o arcoda histria ao mesmo tempo em que oferecem coerncia ao episdio e tam-

    bm pequenas resolues de conito. Mesmo os episdios mais experimentais

    ou mais instantneos equilibram-se nas demandas episdicas e seriadas; por

    exemplo, o episdio Hush, de Buy, apresenta literalmente os monstros-da--semana, conhecidos como e Gentlemen, que roubam as vozes da cidade de

    Sunnydale, resultando numa narrao impressionante feita quase em silncio.

    Apesar de possuir viles nicos e um modo muito incomum de narrar, sem

    palavras, ainda assim Hush faz avanar vrios dos arcos narrativos medida

    que as personagens revelam segredos essenciais e estreitam seus relaciona-

    mentos; muitos outros episdios de Buye de Angelapresentam elementos

    episdicos exclusivos perpassados por arcos narrativos. Tais programas tambmentrelaam os arcos narrativos com melodramas de relacionamento e com o

    desenvolvimento de personagens como um exemplo de onde isso est melhor

    realizado, Buy usa o momentum de adiantamento da trama para estimularreaes emocionais nas personagens e permite que esses relacionamentos levema histria adiante. Como exemplicamos, Hush consegue ao mesmo tempo

    dar fechamento ao monstro-da-semana, levar adiante o relacionamento entre

    Buy e Riley e acrescentar novos meandros ao arco narrativo da temporada

    envolvendo a Iniciativa.

    No entanto, a complexidade narrativa no pode ser denida simplesmentecomo uma serialidade de episdios em horrio nobre; levando em conta o mo-delo maior da complexidade, muitos programas atuam contra as regras da sriee ao mesmo tempo adotam estratgias narrativas que vo contra a conveno daconstruo de episdios. Seineld, por exemplo, estabelece um relacionamentomisto entre a trama seriada algumas temporadas apresentam situaes com

    continuidade, como aquela sobre o programa piloto Jerry para a NBC, como

    o aguardado casamento de George ou como o novo emprego de Elaine. Esses

    arcos narrativos curtos funcionam especialmente para construir um pano de

    fundo para a insero de piadas e de referncias autoconscientes George sugereuma ideia de histria para um dos episdios da srie que elabora com Jerry

    sobre o nada. Tal ideia est baseada na noite em que ambos aguardavam uma

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    mesa num restaurante chins, sendo que esta foi realmente a trama de outro

    episdio antecedente. Contudo, esses arcos narrativos e essas tramas contnuas

    demandam pouco conhecimento explcito levado de um episdio a outro, jque aes e eventos raramente continuam entre episdios especialmente

    em virtude da falta de muitas aes ou eventos signicativos num programa

    dedicado a fazer crnica a partir de mincias e insignicncias. Certamente a

    fruio do mundo ccional do programa aumentada quanto mais se nota as re-ferncias contnuas, como Art Vandelay ou Bob Sacamano, mas a compreensoda narrativa no implica no engajamento em arcos narrativos de longo prazo,

    como acontece no caso de e X-Files e Buy. Ainda que Seineldoferea uma

    riqueza em termos de complexidade narrativa, muito em funo de sua recusa

    em adaptar-se a regras de encerramento episdios, de soluo de con

    itos e deorganizar diferentes tramas, muitos de seus episdios relegam suas personagensa situaes insustentveis Kramer preso por ser cafeto, Jerry sai correndo

    em direo oresta depois de se tornar um lobisomem, George ca preso

    no banheiro de um avio com um assassino em srie. Esses momentos sem

    soluo no funcionam como ganchos como nas sries dramticas, mas sim

    como tiradas cmicas que no se destinam a serem referenciadas novamente.

    Seinelde outras comdias narrativamente complexas comoe Simpsons,Malcolm in the Middle, Curb Your Enthusiasm, e Arrested Developmentutili-zam-se do formato televisivo de episdios para driblar a regra de retornar ao

    equilbrio e de manter a continuidade das situaes ao mesmo tempo em queadotam a continuidade seriada algumas tramas de fato continuam enquantooutras no so mais recuperadas. Arrested Development uma comdia ex-plicitamente seriada que subverte ainda mais tal conveno, na medida emque a maioria dos episdios termina com a chamada na prxima semana emArrested Development e mostra cenas que do prosseguimento s histriasdo episdio exibido. Contudo, os espectadores habituais logo percebem que osepisdios seguintes no exibem as cenas anunciadas e tais cenas tambm notero de fato acontecido no contexto da continuidade da histria (embora nasegunda temporada o programa mude essa regra e permita que uma parte dessematerial de chamada acontea diegeticamente). Da mesma forma, e Simpsonsgeralmente adota um tom excessivo e at mesmo pardico em sua forma epi-sdica, na medida em que rejeita a continuidade entre os episdios e retorna aum estado de equilbrio indenido no tempo presente, com Bart no quarto anoe uma estase generalizada da famlia desajustada (Mittell, ). Contudo, hexcees a essas regras, como no caso do casamento de Apu e dos cuidados comos ctuplos, o que sugere que ao menos dois anos se passaram no ciclo de vida deSpringeld ainda que ningum tenha envelhecido.e Simpsons, normalmente

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    fazendo piadas sobre a necessidade de voltar a um estado de equilbrio, ofereceuma expectativa ambgua com relao a que transformaes sero zeradas aps

    cada episdio como, por exemplo, a perda frequente de emprego, a destruioda propriedade e o dano a relacionamentos que sero revitalizados no episdioda semana seguinte. E ainda aquelas que passaram de um a outro de formaseriada como a relao entre as famlias de Apu, de Skinner e de Crabapplee a morte de Maude Flanders. Assim, essas comdias complexas incorporamseletivamente as normas da co seriada costurando alguns eventos em seupano de fundo e, ao mesmo tempo, ambiguamente descartando outros no lugarmais comum das histrias episdicas esquecidas. Espectadores devem deixar essadiferena de lado entendendo-a como uma inconsistncia ou devem assumi-la

    como uns traos sosticados da complexidade narrativa registros da atividadedos fs na internet sugerem que essa ltima hiptese mais comum uma vezque o pblico aceita a alterao das regras como um dos aspectos sosticadosda fruio proporcionada por essas comdias complexas.

    Seineld caracteriza outra faceta da complexidade narrativa, propor-

    cionando um modelo mais autoconsciente de narrao em comparao ao

    comum na narrao televisiva convencional (Smith, ). O programa revela

    na mecnica de sua trama histrias costuradas para cada personagem apre-

    sentadas num determinado episdio atravs de uma coincidncia improvvel,

    referncias pardicas com a mdia e uma estrutura circular. Nas narrativas

    televisivas convencionais que incluem uma trama A e B, essas duas histriaspodem apresentar paralelos temticos ou podem proporcionar um contrapontouma a outra, mas raramente elas interagem no nvel da ao. A complexidade,

    especialmente no caso das comdias, opera contra tais regras na medida em

    que altera a relao entre as diversas tramas criando histrias que se entre-

    laam e normalmente colidem e coincidem. Seineldnormalmente comea

    suas quatro tramas separadamente, deixando por conta da imaginao do

    espectador experiente como as histrias vo colidir a partir do desenrolar

    inesperado durante a diegese10. Esse entrelaamento de trama foi adotado e

    ampliado em Curb your Enthusiasm e emArrested Developnment, ampliando

    as coincidncias e colises entre episdios de uma maneira que transforma a

    narrativa seriada em piadas internas bem elaboradas s sabendo do encontroentre Larry e Michael, o homem cego da primeira temporada de Curb, faz

    sentido seu retorno na quarta temporada. Da mesma forma,Arrestedamplia

    o nmero de tramas coincidentes por episdio incluindo normalmente seis oumais linhas de ao tangenciando uma a outra e resultando em coincidncias

    improvveis, reviravoltas e repercusses irnicas, algumas das quais podem

    no ser evidentes at em episdios ou temporadas subsequentes.

    10. Johnson (2005)

    debate em profundidade

    a trama com mltiplosfios narrativos.

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    Esse modelo de narrativa cmica normalmente muito curiosa em seus

    prprios termos e, ao mesmo tempo, sugerem uma fruio para o pblico que

    usualmente no est disponvel na narrativa televisiva tradicional. Os especta-dores dessas comdias complexas como SeineldeArrested Developmentno seconcentram no mundo diegtico proporcionado pelas sitcoms, mas descobremnos mecanismos criativos e na habilidade dos produtores em garantir essas

    estruturas complexas uma maneira de acompanhar que Sconce denomina me-tarreexiva, mas que demanda uma considerao mais detalhada. Esse tipo defruio indica uma noo contundente articulada por Neil Harris quando tratade P.T. Barnum: Harris sugere que as faanhas e truques de Barnum convidavamos espectadores a assumir uma esttica operacionalem que a fruio estava

    menos relacionada ao o que vai acontecere mais a o que o motivou a fazer isso?(Harris, ; Gunning, ; Trahair, ) Ao assistir a Seineldesperamos

    que os objetivos triviais de cada personagem sejam frustrados no desvendar dafarsa, mas assistimos tambm para ver como os escritores conseguiro acionaros procedimentos narrativos necessrios para reunir as quatro linhas de ao namquina de narrativas cmicas bem calibrada proposta por Rube Goldberg. Hum certo nvel de autoconscincia nesse modelo de trama, ele est no apenas

    na reexividade explcita que estes programas articulam (como o programa-

    -dentro-do-programa de Seineldou como o erte com o conhecimento das

    tcnicas televisivas emArrested Developmentna insero de produtos, uso de

    dubls e narrao com voz over) mas tambm a conscincia de que os espec-tadores acompanham programas complexos em parte para saber como vo

    fazer. Essa esttica operacional est demonstrada na dissecao feita por fs emfruns na internet das tcnicas utilizadas nas comdias e dramas complexos

    para guiar, manipular, iludir e desviar a ateno dos espectadores dando a

    entender que a principal fruio desvendar como operam os procedimentos

    narrativos11. Vemos esses programas no apenas para sermos inseridos num

    mundo narrativo realstico (embora isso possa mesmo acontecer), mas tambmpara ver as engrenagens funcionando, nos maravilhando com a artimanha

    necessria para realizar tais pirotecnias narrativas.

    A esttica operacional elevada dentro dos programas narrativamente

    complexos, em sequncias especcas ou em episdios que podemos considerarprximos a efeitos especiais. Anlises dos efeitos especiais no cinema enfatizamcomo esses momentos de admirao e deslumbramento nos tiram da diegese

    e nos convidam a car maravilhados com a tcnica necessria para compor

    imagens de viagens interplanetrias, dinossauros realistas ou ainda voos elabo-rados passando sobre o topo das rvores. Esses espetculos frequentemente sorealizados em oposio narrao, remontando s atraes cinematogrcas

    11. Estes debates podem

    ser encontrados em

    diversos dramas como

    Alias , 24 Horas, e Lostno

    site televisionwithoutpity.

    com, The Simpsonsem snpp.com. E sobre

    Arrested Development

    em the-op.com, embora

    haja certamente uma

    dezena de outras

    discusses na internet

    sobre esses programas.

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    que precederam os lmes narrativos. Elas desconsideram o formato da narrativaclssica no cinema que faz sucesso de bilheteria hoje(Ndalianis, ). Esses

    efeitos especiais aparecem sim na televiso (embora possamos considerar queo modelo visual predominante na televiso aquele que enfatiza os padres

    de beleza excessivos como nos comerciais de cerveja e de Baywatch, mais do

    que as pirotecnias da tela grande). No entanto, os programas narrativamente

    complexos proporcionam um outro modelo de atrao: o efeito especial nar-

    rativo. Esses momentos trazem a esttica operacional para o primeiro plano,

    chamando ateno para a natureza construda da narrao e demandando

    admirao direcionada a como os escritores conseguiram realiz-la; esses

    programas normalmente renunciam ao realismo em favor de uma qualidade

    barroca e com conscincia formal pela qual assistimos ao processo de narraocomo uma mquina mais do que nos engajamos em sua diegese.Conforme os programas se estabelecem em suas prprias normas com-

    plexas tambm nos admiramos observando at que ponto os criadores podemampliar os limites da complexidade oferecendo variaes barrocas de temas e

    normas; esses efeitos narrativos especiais podem ser o clmax dos programas,

    assim como quando todas as tramas divergentes de Seineldou deArrested

    Developmentcolidem, ou ainda quando a reviravolta numa trama de Lost

    ou de Horas nos obriga a reconsiderar tudo o que vimos at ento. Os

    espetculos narrativos podem ser variaes sobre um tema Six Feet Under

    comea todos os seus episdios com uma morte da semana, mas na segundatemporada os criadores mudaram a apresentao dessas mortes de modo a

    desviar a ateno e oferecer articulaes novas para manter os espectadores

    ligados mesmo depois de terem entendido as regras intrnsecas do programa.

    Um momento de demonstrao narrativa que vale relatar est no episdio

    Orientation, de Lost: depois de descobrir o que estava escondido debaixo de

    um misterioso alapo, duas personagens veem um lme de treinamento que

    relata as origens do lugar onde esto como sendo parte de um instituto de

    pesquisa. Depois de terminarem o lme enigmtico e que inclua, com nova

    luz, muitos detalhes obscuros sobre eventos da primeira temporada, Locke dizsatisfeito: Vamos ter que assistir de novo! espelhando a reao de milhares

    de espectadores dispostos a analisar o lme procurando pistas dos mistrios

    diegticos e formais do programa. No se trata da autoconscincia reexiva

    encontrada nos desenhos de Tex Avery, que reconhecia sua prpria construoe a tcnica de alguns lmes modernistas de arte e demandava observar sua

    construo mantendo uma distncia emocional; a reexividade operacional

    nos convida a pensar no ambiente ccional ao mesmo tempo em que apre-

    ciamos sua construo.

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    Outro nvel de demonstrao narrativa toma episdios inteiros. Buy

    provavelmente o programa mais resolvido em termos de episdios narrati-

    vamente espetaculares, tendo aqueles isolados e que utilizam como recursosnarrativos parmetros de narrao cruamente limitantes (o silncio de Hush),

    a mistura de gneros (o episdio musical Once More with Feeling), mudanas

    de perspectiva (contar uma aventura a partir da viso privilegiada de Xander,

    normalmente um espectador, em e Zeppo), ou ainda destacar um narrador

    incomum (o pseudodocumentrio de Andrew em Storyteller). Cada um dessesepisdios e outros similares em Star Treck: e Next Generation (Frame of

    Mind,!e Inner Light), em e X-Files (Monday, Triangle), emAngel(Smile

    Time, Spin the Bottle), em Seinfeld(e Betrayal, e Parking Lot), em Scrubs

    (His Story, My Screw Up), e em e Simpsons (Trilogy of Error,

    Short Filmsabout Springeld) podem causar emoes e risadas diegticas. O tipo de fruiomais distinto nesses programas admirar o desao narrativo apresentado a

    partir da violao das regras de narrao de uma maneira espetacular. Atravsda esttica operacional essas narrativas complexas convidam os espectadores ase engajarem no programa assumindo o mesmo patamar de analistas formais,

    dissecando as tcnicas utilizadas para transmitir demonstraes espetacu-

    lares da arte do storytelling; este modelo de acompanhamento formalmente

    consciente altamente encorajado j que sua fruio est associada ao nvel

    de conscincia que transcende o foco tradicional na ao diegtica tpica de

    muitos espectadores.Episdios isolados podem apresentar a esttica operacional atravs da

    demonstrao narrativa, mas tambm programas inteiros podem estar cons-

    trudos em cima destas pirotecnias narrativas, na histria que perpetua ou na

    sua estrutura inerente. A partir do que foi dito,Alias deixa um forte exemplo

    de complexidade narrativa, equilibrando histrias contnuas e episdicas de

    espionagem, incluindo arcos de dramas de relacionamento desenhados em

    ambas as polticas familiares e de espionagem. Seu momento mais arrojado

    de demonstrao narrativa acontece quando na trama acontecem reviravoltas

    precisas e imprevistas que fazem o quadro regredir completamente, mudando adinmica prossional e interpessoal de quase todas as personagens. A primeira,e provavelmente, a mais efetiva dessas retomadas ocorre a meio caminho da se-gunda temporada no episdio exibido depois do Super Bowldenominado PhaseOne; no percurso desse episdio todo o quadro de espionagem foi recongurado,havendo mudana de status da personagem principal que passa de agente duploa agente da CIA por completo. Ela persegue o mesmo vlio principal mas com

    alianas e motivaes diferentes. Ademais, as relaes entre as personagens

    se transforma, a amiga de Sidney, inocente espectadora Francie, substituda

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    por uma agente nefasta. Sua paixo por Vaughn longamente cultivada nal-

    mente realizada tudo em uma hora! Ao passo que muito da eccia destas

    transformaes est em renovar a premissa que estava beira de tornar-semuito repetitiva, foi encontrado um importante modo de fruio a partir da

    maneira impressionante com que os produtores conseguiram recongurar

    o cenrio de forma diegeticamente consistente (ao menos dentro das regras

    chocantes de espionagem tecnolgica e mitolgica do programa). Ela narrati-vamente envolvente, emocionalmente honesta em relao s personagens e seusrelacionamentos. Revises de sries parecidas com essa foram realizadas nas

    temporadas seguintes deAlias e tambm em Buy(com a introduo da irm

    de Buy, Dawn) eAngel(com os heris dominando o escritrio de advocacia de

    seu arqui-inimigo). Em todos esses trs casos o pblico aproveita no somenteas reviravoltas diegticas mas tambm as tcnicas de narrao excepcionais

    necessrias para realizar tais maquinaes regozijamo-nos tanto pela histriaque est sendo contada quanto pela forma com que esse contar rompe com as

    regras da produo televisiva12.

    Uma demonstrao narrativa pode ser includa tambm no centro do cen-rio desses programas Horas frequentemente apontado por sua narrativa

    em tempo real. Em termos narrativos, ele iguala o tempo da histria e o tempo

    discursivo (sem contar os intervalos comerciais). O que mais interessante

    que esta pode ser a nica srie televisiva nomeada com base em sua tcnica de

    relato, no em referncia a seu mundo diegtico (o nmero no se refere anada de importante no mundo ccional) mas sim ao nmero de horas (e epi-

    sdios) necessrios para transmitir a histria. Outros programas so tambm

    notveis pelo discurso de seu relato (como a histria contada) mais do que

    pela histria em si Boomtown apresenta histrias policiais bem comuns, mas

    quando elas so contadas adotando perspectivas multplices e limitadas de umconjunto de personagens, os casos tm mais nuances e so mais complexos do

    que poderiam parecer em princpio.Jack and Bobbyconta a histria comum

    de irmos adolescentes, mas com intervalos frequentes de ash-forwardnos

    anos , uma histria do futuro emerge e, nela, um dos adolescentes se tornapresidente dos Estados Unidos e os eventos e relacionamentos do futuro ressoamo drama familiar. Reunion apresenta um grupo de amigos de colgio e em cadaepisdio se prope a retratar um ano em suas vidas dentro de um perodo de

    anos13. Em todos esses programas o que certamente mais impressionante

    e diferenciado no so as histrias que contam, mas as estratgias narrativas

    usadas no relato.

    Programas narrativamente complexos tambm se utilizam de um grande

    nmero de recursos de storytellingque, ainda que no sejam exclusivos deste

    12. Essas retomadas

    narrativas tm precedentes

    no cinema de arte, como

    nos trabalhos de Luis

    Buuel e de David Lynch;

    contudo, o efeito tem um

    impacto muito diferente

    nas sries contnuas

    e com uma narrativa

    que dura vrios anosem contraposio a um

    filme individualmente.

    13. O plano de Reunion era

    concentrar cada temporada

    num grupo diferente de

    amigos abandonando a

    estabilidade de situao e

    de personagens tpica das

    sries televisivas como

    um todo e adotar um

    modelo de temporada mais

    flexvel como o dos realityshows, conforme novos

    competidores e locaes

    vo e vm, mas a base do

    modelo de apresentao

    continua consistente.

    O programa no obteve

    ndices de audincia

    suficientes deixando o

    mistrio que o sustentava

    sem soluo por conta de

    cancelamento no meio

    de uma temporada.

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    46 MATRIZes Ano 5 N 2 jan ./j un. 2012 - So Paulo - Brasil JASON MIT TELL p. 29-52

    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    modelo, so usados com tal frequncia e regularidade a ponto de se tornarem

    mais a regra do que a exceo. Analepses, ou alteraes cronolgicas, no so

    incomuns na televiso convencional. Flashbacks funcionais so usados pararecontar histrias de pano de fundo importantes (enquanto um detetive narra asoluo de um crime) ou para enquadrar toda a ao de um episdio no tempo

    passado (como a dramatizao do encontro de Rob e Laura no Dick van Dyke

    Show). Da mesma forma, programas convencionais tm usado com frequncia

    sequncias fantasiosas ou onricas de modo a explorar as possibilidades de

    outros cenrios (como a recuperao feita por Roseanne de uma sitcom dos anos) ou aprofundar a vida interna de uma personagem (o episdio experimentalde St. Elsewhere, Sweet Dreams). Outro recurso encontrado nos episdios de

    programas convencionais comoAll in the Familye Dierent Strokes recontara mesma histria usando perspectivas mltiplas, normalmente denominado

    efeito Rashomon, a partir do marco representado pelo lme de Kurosawa. A

    narrao com voz over no comum na maior parte da programao televisiva,mas programas convencionais como Dragnete e Wonder Years o utilizam

    para dar um tom emocional e realizar mudanas de exposio. Todos esses

    recursos, que derivam do modelo excessivamente bvio do formato da televisoconvencional e que normalmente amplicam essa obviedade ao apont-las

    explicitamente como variaes da norma, seguidas de narrao expositiva

    (Eu me lembro bem) ou cenrios articiais (como hipnotizar, depoimento

    em tribunal ou rememoraes ao olhar um lbum de fotos) so usados paraevidenciar como um programa est usando convenes no convencionais.

    Nos programas narrativamente complexos de hoje estas variaes nas estra-tgias de storytellingso mais comuns e assinaladas de maneira muito mais sutilou adiadas; esses programas so construdos sem medo de causar uma confusotemporria no espectador. Sequencias fantasiosas so abundantes sem seremclaramente demarcadas ou sinalizadas, como em Northern Exposure, Six FeetUnder,e Sopranos, e Buy. Todos apresentam perspectivas sobre eventos queoscilam entre a subjetividade da personagem e a realidade diegtica, jogandocom as fronteiras ambguas com o objetivo de conseguir profundidade de per-sonagem, suspense e efeito cmico. A narrao complexa normalmente rompecom a quarta parede, seja ela representada visualmente numa referncia direta(Malcolm in the Middle,e Bernie Mac Show) ou de maneira mais ambgua com

    voz overobscurecendo a separao entre o diegtico e no-diegtico (Scrubs,Arrested Development), chamando a ateno para a prpria quebra de regraque promove. Programas como Lost, Jack and Bobbye Boomtown apresentamanalepses em todos os seus episdios sinalizando-as pouco, enquanto Alias ee West Wingfrequentemente comeam seus episdios com uma chamada a

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    partir do clmax da histria e ento voltam o relgio para explicar a situaoconfusa com que o episdio comeou. Em todos esses programas, a falta de

    indicaes e sinalizaes explcitas sobre a forma de contar gera momentosde desorientao, implicando que os espectadores tenham que se engajar maisativamente na compreenso da histria e premiando espectadores comuns queconseguiram dominar as regras internas de cada programa narrado comple-xamente. Tais estratgias podem ser similares dimenso formal do cinema dearte, mas nesse caso elas se manifestam em contextos expressamente popularespara uma audincia massiva podemos car temporariamente confusos emalguns momentos de Lostou deAlias, mas esses programas demandam de nsque conemos que a recompensa vir eventualmente no instante da compreenso

    complexa, mas coerente, e no a ambiguidade e causalidade questionvel demuitos lmes de arte (Bordwell, ).O episdio Nolde West Wingexemplica o uso complexo dessas estra-

    tgias discursivas: o episdio marcado pela sesso de terapia de Josh Lyman

    dedicada a processar as reaes de estresse ps-traumtico aps ele ter sido

    baleado. Isso permite usar a conveno de incluir repetidosashbacks durantea narrao de Josh. No entanto, os ashbacks so repentinos e nem sempre

    indicados numa ordenao clara, com conexes sonoras entre o tempo presenteda terapia e o tempo passado dos eventos, contribuindo para um sentimento

    de desorientao que o programa usa para aumentar a tenso e a ansiedade.

    Somado a isso, vemos dramatizaes frequentes de Josh enquanto corta sua mono vidro, um acidente que ele diz ter acontecido, mas que sua terapeuta suspeitacorretamente que contada uma mentira para mascarar um ato mais violento;esses ashbacks inclusos no tm uma diferenciao clara de outros eventos

    do passado at o nal do episdio, deixando para que o pblico decodique as

    contradies e a cronologia confusa. O clmax do episdio inclui uma sequnciade minutos entrelaando som e imagem descompassados retirados de cinco

    perodos de tempo diferentes (incluindo um que na verdade nunca aconteceu),editado com ritmo para proporcionar um arco emocional forte um modelo

    de apresentao mais comum para o cinema de arte europeu do que para a

    televiso americana, mas que em ltima anlise est a servio de uma narrativacoerentemente contnua. Muito da fruio do episdio seriada, pois quanto

    mais sabemos de Josh mais nos envolvemos com sua crise; o episdio se destacacomo o retrato dramaticamente cativante de uma personagem (que reverteu

    para o ator Bradley Whitford um Emmy), mas s se aceitarmos suas regras

    diferentes de contar, uma competncia que aqueles que assistem adquirem como tempo. Programas narrativamente complexos ertam com a desorientao

    temporria e com a confuso, possibilitando que os espectadores articulem

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    sua habilidade de compreenso atravs do acompanhamento de longo prazo

    e do engajamento ativo14.

    Esta necessidade de adquirir competncias para decodicar histrias emundos diegticos particularmente relevante para uma parte da mdia nomomento. Certamente os videogames pressupem essa habilidade para que seentenda e interaja com uma gama de mundos ccionais e de interfaces quasetodos os jogos contm seus prprios mdulos de treinamento diegtico confor-me os jogadores aprendem a dominar os controles e expectativas desse mundo

    virtual em particular. O cinema tambm acompanhou o surgimento de um ciclodelmes quebra-cabea que demandavam do pblico entender suas regras emparticular para poder compreender sua narrativa; lmes como O Sexto Sentido,

    Pulp Fiction,Amnsia, Os Suspeitos, Adaptao, Brilho Eterno de uma Mentesem Lembranas e Corra, Lola, Corra, todos incorporaram uma esttica do jogo,convidando o pblico a jogar junto com os criadores e desvendar os cdigosinterpretativos para que as estratgias narrativas complexas zessem sentido15.Mas essencialmente, o objetivo desse tipo de lme no resolver mistrios frente de seu tempo; de outro modo, queremos ser competentes o suciente paraacompanhar suas estratgias narrativas e ainda ter prazer em ter sido manipu-lados de maneira bem-sucedida. Duvido que qualquer um que tenha previsto asreviravoltas destes lmes possa dizer que gostou de ter assistido mais do que oespectador entregue (mas ainda assim ativo) que se envolveu na viagem. Oslmes

    do tipo quebra-cabea nos convidam a observar o engenho dos procedimentosnarrativos, at mesmo exibindo-os num programa dedicado demonstraodo relato pense no clmax de O Sexto Sentido, quando a reviravolta reveladaatravs deashbacks mostrando como o lme enganou perfeitamente o especta-dor. Embora poucos programas televisivos tenham seguido totalmente o modelodo quebra-cabea (alguns episdios isolados de Seinfeld, e Simpsons, Scrubse Lostimitaram esses lmes, que so eles mesmos inuenciados pelo programatelevisivo antolgico e Twilight Zone), o que parece ser um objetivo nos vide-ogames, lmes quebra-cabea e seriados televisivos complexos o desejo de sertanto ativamente engajado na histria e manipulado de maneira bem-sucedidapelas maquinaes no modo de relatar. Assim que a esttica operacional tra-balha queremos aproveitar os resultados da mquina ao mesmo tempo em quenos maravilhamos com seu modo de funcionamento.

    Dessa forma, a televiso narrativamente complexa encoraja e s vezes at

    mesmo precisa de um novo modelo de engajamento do pblico. A cultura

    dos fs demonstra engajamento intenso nos mundos ccionais, conferindo a

    consistncia das histrias de fundo, a coeso das personagens e a lgica internade programas como Star Trek e Dr. Who; os programas contemporneos se

    14. Curiosamente, quando

    eu exibi esse episdioem sala de aula, um dos

    estudantes que nunca havia

    assistido ao programa

    o confundiu com um

    episdio de recapitulao

    presumindo que todos

    osflashbacks referiam-se

    a eventos que j haviam

    sido testemunhados em

    episdios anteriores. A

    nica gravao j vista

    e que foi utilizada so

    alguns segundos de

    Josh sendo baleado.

    15. Estes filmes quebra-

    cabea certamente

    adotaram muitas tcnicas

    dos experimentos

    narrativos do cinema de

    arte, mas, sem contar

    alguns poucosfilmes de

    paranoia dos anos 1970

    comoA Conversao ,

    tais tcnicas e formatos

    foram raramente usados.

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    DOSSINarrative complexity in contemporary american television

    concentram numa dissecao detalhada de questes complexas da trama e doseventos alm do mundo ccional e das personagens. Assistimos a Lost, Alias,

    Veronica Mars, e X-Files, Desperate Housewives e Twin Peaks ao menos emparte para tentar decodicar os enigmas centrais de cada um veja qualquer

    frum de fs na internet para encontrar esses detetives em ao. Mas como em

    toda co baseada em mistrio, os espectadores querem ser surpreendidos

    e desbancados ao mesmo tempo em que satisfeitos com a lgica interna da

    histria. No processamento de tais programas, os espectadores se pegam entre-gues a uma diegese convincente (assim como em todas as histrias ecazes) e

    tambm concentrados nos processos discursivos do contar necessrios para quetais programas faam de um grande nmero de espectadores narratologistas

    amadores, observando os usos e violaes das regras, recuperando cronologiase evidenciando inconsistncias ou continuidades entre episdios e at entresries. O pblico sempre foi ativo, embora a maioria dos trabalhos acadmicos

    sobre esses processos se concentre nas negociaes com o contedo televisivo,

    reconciliando com a poltica dos vdeos de Madonna ou come Cosby Show.

    A programao narrativamente complexa convida o pblico a se engajar ativa-mente tambm no nvelformal, evidenciando o quanto a televiso tradicional

    convencional e explorando as possibilidades de um relato de longo prazo

    inovador e de estratgias discursivas criativas entre episdios.

    Muito da abertura destes programas exige tal nvel de envolvimento difcil

    imaginar como algum pode assistir a LostouArrested Developmentsem notarsuas inovaes formais ou considerar como o uso dos ashbacks e da narraoreexiva muda a perspectiva sobre a ao narrativa. No se pode simplesmenteassistir a esses programas como uma janela imediata dando num mundoccionalrealstico do qual se pode escapar; de outro modo, a televiso narrativamentecomplexa demanda que se preste ateno moldura da janela, pedindo que sereita sobre como o acesso patriarcal diegese est sendo proporcionado e sobrecomo as lminas de vidro distorcem a viso da ao que se desenrola. interes-sante que esse programas possam ser bem populares entre um pblico massivo(Lost, Seinfeld, e X-Files) ou terem um apelo a um pblico mais restrito deespectadores de cultura dispostos a investir no trabalho de decodicao (ArrestedDevelopment, Veronica Mars, Firey) ainda que muitos desses programas cultcertamente tenham narrativas exigentes e que possam parecer inacessveis a umpblico massivo, a contundente popularidade de alguns programas complexossugere que tal pblico pode se envolver e se divertir com relatos bem desaadorese intricados. No digo isso para diminuir a importncia da fruio tradicional doaprofundamento de personagens, soluo clara da trama, consistncia do mundoelaborado, excitao com a ao em curso e humor a complexidade narrativa em

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    Complexidade narrativa na televiso americana contempornea

    sua forma mais robusta inclui todos estes elementos alm de acrescentar a fruiodo engajamento formal. Certamente o fator principal para a fruio de Lost a

    habilidade do programa em criar conexes emocionais sinceras em personagensque esto ilhados e que, at a escrita deste texto, no pode ser classicado comoco cientca, mistrio paranormal, alegoria religiosa, tudo articulado numaestrutura narrativa elaborada, muito mais complexa do que qualquer coisa quese tenha visto antes na televiso americana.

    Este estudo sobre a complexidade narrativa sugere que um novo paradigmado relato televisivo emergiu nas ltimas duas dcadas com a reviso conceitualdos formatos episdicos e seriados, um elevado nvel de autoconscincia nos

    mecanismos de relatar e demandas por um espectador intenso em seu en-

    volvimento e concentrado tanto na fruio diegtica como no conhecimentoformal. Explorando a estrutura formal deste modelo de relato podemos atentarpara as relaes com as preocupaes maiores das indstrias miditica e tec-

    nolgica, das tcnicas de criao e das prticas da vida cotidiana, tudo o que

    ressoa profundamente as transformaes culturais contemporneas ligadas aosurgimento das mdias digitais e de formas mais interativas de comunicao e

    entretenimento. Um ramo muito comum que se manifesta tanto nas narrativastelevisivas quanto em muitos formatos digitais como os videogames e pginas dainternet a necessidade de compreenso dos procedimentos, um reconhecimen-to por parte dos consumidores de que qualquer modo de expresso acompanha

    protocolos especcos e que para engajar-se completamente em tais formatosdeve-se dominar seus procedimentos de base. Isto se manifesta explicitamentenos videogames, onde o domnio dos procedimentos um requisito para o su-

    cesso, e no uso da internet, de modo que em pouco tempo aprendemos a aceitara linkar, buscar e adicionar aos favoritos como procedimentos naturalizados.

    No caso da televiso, as narrativas complexas contemporneas apresentam

    as habilidades da compreenso narrativa e da literacidade para a mdia que

    muitos espectadores desenvolveram, mas raramente usam alm de uma formarudimentar. Para entender este fenmeno, precisamos utilizar a narratologia

    formal de modo a traar sua estrutura e suas fronteiras e, ao mesmo tempo,

    incorporar outros mtodos para investigar como este modelo narrativo se

    cruza com os campos das indstrias criativas, das inovaes tecnolgicas, das

    prticas participatrias e da compreenso dos espectadores. Este modelo de

    anlise, adaptado do paradigma da potica histrica, merece um lugar entre asmltiplas metodologias dos estudos de mdia explorando os vnculos entre o

    desenvolvimento formal e os destaques nos contextos culturais em que todos

    os aspectos das mdias, desde a produo at a recepo, esto vinculados aos

    modos complexos pelos quais a televiso conta histrias complexas.

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    TRADUZIDODOINGLSPOR ANDREA LIMBERTO

    Artigo recebido em de maro e aceito em de maio de .