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DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). ATLAS DO ESPORTE NO BRASIL . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.7 Clubes esportivos e recreativos LAMARTINE P. DACOSTA Sports and recreation clubs Sports clubs in Brazil were inspired primarily in the English model of the 1850s. However, small clubs also developed for the local communities beginning also in the mid 19 th century. They included German, Italian, and Japanese cultural habits, which generated an alternative to the already established Portuguese culture. This circumstantial character brought a peculiar meaning to the Brazilian sports associativeness when it was compared with the other countries of Latin America or of the Iberian Peninsula for two reasons. First of all the way clubs were founded did not entirely adopt the British model for the imported sports. Second, the new Brazilian clubs grew initially in the interior of the provinces of the Empire and continued their expansion later on in the interior of the states of the Republican Federation in the late 19 th century. These clubs were not centered on the capitals. As a result, sports and leisure clubs were concentrated in the south of the national territory where immigrants were in greater number. The sports popularization that took place at the beginning of the 20 th century in the big cities reinforced the image of the big and rich clubs once several of them took to the sport spectacle with representative teams. In the 1970s the first national census of sports took place in Brazil and estimated the existence of 30,000 leisure and sports clubs with approximately 10 million participants. The so-called “clubes de várzea” (prairie clubs) of occasional and informal organization, characteristic of rural areas, were estimated to be 60,000. Thirteen percent of the poor population had links with clubs within the same period. It is possible to estimate that at the end of the 1970s around 20 million people in Brazil had some sort of link with clubs in order to practice sports or enjoy their leisure. That corresponded approximately to 22% of the total population. In addition to these figures, this chapter provides new assessments on the role and impact of sports clubs in the Brazilian society. In short, today one third of the country’s population has some connection with sports clubs. As a means of employment, sports clubs offer 200,000 work opportunities. Although these data have not been confirmed, it is possible to consider that sports clubs are still one of the most important social facts of Brazil. Origens e Definições Os clubes esportivos e recreativos (ou Associações Desportivas, segundo a terminologia legal) constituem a base do desenvolvimento dos esportes em geral e um dos fatos de maior destaque sócio-cultural no Brasil, embora raramente reconhecido como tal. Um prenúncio deste hiato de percepção coletiva, aconteceu no século XIX quando apareceram no país os primeiros clubes relacionados ao esporte, e logo se tornaram mais visíveis quando estabelecidos e freqüentados como distinção social. Os demais, sempre em maior número, foram negligenciados por representar interesses mais comunitários e locais do que dos grupos mais abastados e de maior impacto na opinião pública. As associações de prestígio social dedicadas aos esportes naturalmente surgiram nas cidades maiores ao passo que os de índole comunitária floresceram em centros urbanos médios e pequenos e/ou em suas periferias e áreas rurais. Enquanto os clubes de elite se moldaram aos hábitos da burguesia comercial (século XIX) e/ou industrial (século XX), os de apoio da comunidade local abrigaram caracteristicamente pequenos grupos advindos das principais correntes imigratórias que entraram no país no século XIX e início do século seguinte. Isto posto, os clubes de prática esportiva e de atividades recreativas refletiram em suas origens hábitos culturais alemães, italianos, japoneses e outros, gerando uma alternativa à cultura lusófona então prevalecente. Esta particularidade deu um significado peculiar ao associativismo esportivo brasileiro ao ser comparado com outros países da América Latina ou da Península Ibérica. Em primeiro lugar, porque não adotou inteiramente a influência inglesa nos esportes importados, como aconteceu nos exemplos da Argentina e do Uruguai. Além disso, os novos clubes brasileiros cresceram no interior das províncias do Império e depois dos estados da Federação Republicana, não se concentrando nas capitais, o que os fez se distanciarem então do que se passava nos demais países da América Latina (Chile à parte, dado a que repetiu com imigrantes alemães algo semelhante ao Brasil). Como resultado, o clube esportivo e recreativo brasileiro definiu-se como um fato social mais concentrado no sul do território nacional onde afluíram os imigrantes em maior número. Outra conseqüência refere-se ao fato de que os clubes de imigrantes – principalmente os localizados em áreas rurais e de maior ocorrência no RS, SC, PR e SP – manejavam mais com as carências do que com a afluência, dando origem a uma vocação esportiva voltada para a identidade cultural e menos sujeita a modismos. Primeiras décadas do século XX Neste estágio, conviviam no Brasil os clubes de elite tanto quanto os clubes comunitários com pouca visibilidade entre si, mas com os mais ricos destacando- se entre os poderes e junto à sociedade pela atração dos noticiários nos jornais e nas revistas de costumes. A chegada da popularização do esporte nas grandes cidades reforçou a imagem dos clubes grandes e ricos, desde que vários destes assumiram o esporte como espetáculo com equipes representativas. No Rio de Janeiro, então capital do país, três modalidades se sucederam no fenômeno da popularização conduzida por clubes de elite desde meados do século XIX e chegando à segunda década do século XX: turfe, remo e futebol. Nesta cidade, em 1907 havia 77 clubes mencionados nos jornais e em 1915, o total chegava a 216 já predominando o futebol; estas associações eram caracteristicamente instáveis e desapareciam freqüentemente. Quando do aparecimento das Ligas Esportivas no RJ – em número de 9 entre 1912 e 1917 – a cobrança de taxa de filiação produziu a marginalização da maior parte dos clubes da cidade, revelando assim a pobreza de seus associados (Pereira, 2000). Em São Paulo – SP, então segunda cidade mais importante do país, houve menos elitismo e maior influência de grupos étnicos nos clubes no mesmo período, destacando-se como esportes populares promovidos por estas entidades: remo, ciclismo, pedestrianismo, natação (Rio Tietê) e futebol. Na década de 1920, os modernistas de SP atuantes nas artes e literatura celebravam o esporte como um sinal da modernização do país (DaCosta, 1995). Contudo, na década seguinte, durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas, os intelectuais e jornalistas em geral passaram a rejeitar a concepção dos esportes como culturalmente renovadores, diante das demonstrações de massa em estádios de praticantes de exercício físicos e atividades esportivas (DaCosta, 1996). Além disso, o Partido Integralista de explícitas postulações fascistas adotou o esporte como um de seus meios de mobilização popular (DaCosta & Labriola, 2000). A partir daí, o associativismo esportivo brasileiro perdeu sua memória por indiferença das elites pensantes que passaram o olhar os clubes pelo viés do futebol como espetáculo e pela imagem dos grandes clubes desta modalidade. Emergiu então na década de 1940 o “país do futebol”. Por coincidência, o governo Vargas no final da década de 1930 levou a efeito uma grande nacionalização dos clubes e escolas sustentados por grupos estrangeiros e seus descendentes, o que obscureceu mais ainda o passado dos clubes comunitários. Década de 1970 A fase de ocultação da memória dos clubes menores, comunitários, mais recreativos do que esportivos, municipais e sustentados por pessoas da classe média baixa e/ou alta, e por vezes por comunidades vivendo em áreas pobres, modificou-se na década de 1970, ao ser publicado o “Diagnóstico da Educação Física e Desportos no Brasil” (DaCosta, 1971), projeto do Governo Federal à época (Ministérios do Planejamento/ IPEA e da Educação e Cultura). Este extenso e minucioso levantamento de dados, incluiu um censo de clubes levado a efeito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, usando-se os agentes censitários sediados nos municípios para a identificação local de clubes. Ao final, foi possível cobrir cerca de 1500 municípios do país (38% do total então existente) aplicando-se as rotinas do levantamento das entidades associativistas (realizado pelo MEC e publicado eventualmente nos Anuários Estatísticos de IBGE). A representatividade dos clubes informantes foi validada por constituir cerca de um terço (n = 8310) das entidades cadastradas pelo IBGE nos municípios. Assim sendo, foi possível estimar a existência de 30 mil clubes recreativos e esportivos no país, com a participação de aproximadamente 10 milhões de associados (3,9 milhões contabilizados na amostra de 8310 clubes); excluíram-se destes totais os chamados “clubes de várzea” de organização eventual e informal, característicos das áreas rurais, e suburbanos de difícil quantificação. Estes, por sua vez, foram estimados por um total de 60 mil com base no proporção de 2 para 1 identificada em vários municípios cobertos pelos agentes censitários. Do ponto de vista de participantes informais destes clubes estimou-se uma ordem de grandeza de 10 milhões em face a que estas entidades eram geralmente tipificadas como bem menores do que as formais. Portanto, as conclusões foram observadas com restrições extremas, servindo sobretudo para efeito de reconhecimento preliminar. O porte do fenômeno clube no Brasil, contudo, foi surpreendente para os responsáveis do levantamento uma vez que havia uma crença corrente que este tipo de entidade estava elitizada no país. Em resumo, no concernente aos clubes e aos fatores envolvendo o esporte em geral, o Diagnóstico apontou para problemas de qualidade de desenvolvimento (gestão, especialização profissional, instalações adequadas, formação de atletas etc) e muito menos para o fator quantidade de afiliações para a prática e para o lazer que se mostraram além das expectativas. Os dados do Diagnóstico não foram atualizados nos anos seguintes, porém o IBGE manteve o item “associações desportivas e número de associados” (sic) em seus levantamentos dos Anuários Estatísticos do Brasil até 1984. Este item, contudo, já existia desde a década de 1930 nos Anuários em que pese as diferentes denominações e caracterizações a que foi submetido. Como tal, esta dificuldade impede a construção de séries estatísticas históricas mas permite algumas comparações e projeções ao se relacionar memória com inventário dos clubes esportivos e recreativos brasileiros, como se exercita a seguir. Expansão dos clubes A caracterização inicial das circunstâncias relacionadas aos clubes é situada quanto à evolução quantitativa. Os dados coletados em 1969 para o Diagnóstico publicado em 1971 (Tabela 1), mostram que o fenômeno comunitário de sentido esportivo no Brasil teve sua maior ênfase, no período anterior a 1900, na região Sul. Nessa fase os estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina possuíam mais da metade do total de associações esportivas existentes no País, em decorrência da influência da imigração de origem alemã, notoriamente dedicada a esse tipo de entidade. Entre 1901 e 1930, a região Sudeste assume a liderança, provavelmente como um dos efeitos da polarização do desenvolvimento nacional no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. O fenômeno é sensível até 1960, embora a região Sul apresente esforço semelhante com população inferior, refletindo tanto a inércia da tradição como a assimilação cultural clubista pelo grupo étnico majoritário de raízes lusa, negra e indígena. De 1960 a 1969 o número de clubes fundados na região Sul é quase o dobro da região Sudeste, o que produz uma quase equivalência do quantitativo dessas regiões e ganha significação ao se comparar os potenciais demográficos, com vantagem quase de 200% em favor da Sudeste. Assim foi possível comprovar no Brasil o reconhecido fenômeno da correlação entre fatores sócio-econômicos e o desenvolvimento esportivo comunitário. As posições secundárias na expansão de clubes – e mesmo residuais – das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste comprovam a assertiva, sobretudo a partir de 1960. Esse aspecto foi também verificado quanto à localização essencialmente urbana: os clubes nas áreas rurais aparecem de modo relevante em termos absolutos apenas a partir de 1930, ganhando maior ênfase no período 1960/1969 quando foi criada a maior parte do número total computado. Por outro lado, não se constatou concentração importante dessas entidades nos municípios das capitais das regiões Sudeste e Sul, significando participação intensa das comunidades do interior dos Estados da área em evidencia. A região Nordeste situa-se, em relação a esta caracterização, em posição intermediária – principalmente em razão da evolução do crescimento a partir de 1960 – enquanto que o Centro-Oeste e a Norte ainda polarizam o desenvolvimento esportivo nas capitais. No seu todo, esta caracterização dos clubes pelo ano de fundação mostrou-se bastante precária diante de evidências de outras fontes de que somente no RS havia cerca de 300 clubes ao final do século XIX (ver capítulos dos autores Tesche e Maza sobre o RS neste Atlas), quando a Tabela 1 adiante aponta para 85 em todo o país. A explicação

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DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.7

Clubes esportivos e recreativosLAMARTINE P. DACOSTA

Sports and recreation clubs

Sports clubs in Brazil were inspired primarily in the English model

of the 1850s. However, small clubs also developed for the local

communities beginning also in the mid 19th century. They included

German, Italian, and Japanese cultural habits, which generated

an alternative to the already established Portuguese culture. This

circumstantial character brought a peculiar meaning to the

Brazilian sports associativeness when it was compared with the

other countries of Latin America or of the Iberian Peninsula for

two reasons. First of all the way clubs were founded did not

entirely adopt the British model for the imported sports. Second,

the new Brazilian clubs grew initially in the interior of the provinces

of the Empire and continued their expansion later on in the interior

of the states of the Republican Federation in the late 19th century.

These clubs were not centered on the capitals. As a result, sports

and leisure clubs were concentrated in the south of the national

territory where immigrants were in greater number. The sports

popularization that took place at the beginning of the 20th century

in the big cities reinforced the image of the big and rich clubs once

several of them took to the sport spectacle with representative

teams. In the 1970s the first national census of sports took place

in Brazil and estimated the existence of 30,000 leisure and sports

clubs with approximately 10 million participants. The so-called

“clubes de várzea” (prairie clubs) of occasional and informal

organization, characteristic of rural areas, were estimated to be

60,000. Thirteen percent of the poor population had links with

clubs within the same period. It is possible to estimate that at the

end of the 1970s around 20 million people in Brazil had some sort

of link with clubs in order to practice sports or enjoy their leisure.

That corresponded approximately to 22% of the total population.

In addition to these figures, this chapter provides new assessments

on the role and impact of sports clubs in the Brazilian society. In

short, today one third of the country’s population has some

connection with sports clubs. As a means of employment, sports

clubs offer 200,000 work opportunities. Although these data have

not been confirmed, it is possible to consider that sports clubs are

still one of the most important social facts of Brazil.

Origens e Definições Os clubes esportivos e recreativos (ou

Associações Desportivas, segundo a terminologia legal) constituem a

base do desenvolvimento dos esportes em geral e um dos fatos de

maior destaque sócio-cultural no Brasil, embora raramente reconhecido

como tal. Um prenúncio deste hiato de percepção coletiva, aconteceu

no século XIX quando apareceram no país os primeiros clubes

relacionados ao esporte, e logo se tornaram mais visíveis quando

estabelecidos e freqüentados como distinção social. Os demais, sempre

em maior número, foram negligenciados por representar interesses

mais comunitários e locais do que dos grupos mais abastados e de

maior impacto na opinião pública. As associações de prestígio social

dedicadas aos esportes naturalmente surgiram nas cidades maiores

ao passo que os de índole comunitária floresceram em centros urbanos

médios e pequenos e/ou em suas periferias e áreas rurais. Enquanto

os clubes de elite se moldaram aos hábitos da burguesia comercial

(século XIX) e/ou industrial (século XX), os de apoio da comunidade

local abrigaram caracteristicamente pequenos grupos advindos das

principais correntes imigratórias que entraram no país no século XIX e

início do século seguinte. Isto posto, os clubes de prática esportiva e

de atividades recreativas refletiram em suas origens hábitos culturais

alemães, italianos, japoneses e outros, gerando uma alternativa à

cultura lusófona então prevalecente. Esta particularidade deu um

significado peculiar ao associativismo esportivo brasileiro ao ser

comparado com outros países da América Latina ou da Península

Ibérica. Em primeiro lugar, porque não adotou inteiramente a influência

inglesa nos esportes importados, como aconteceu nos exemplos da

Argentina e do Uruguai. Além disso, os novos clubes brasileiros

cresceram no interior das províncias do Império e depois dos estados

da Federação Republicana, não se concentrando nas capitais, o que os

fez se distanciarem então do que se passava nos demais países da

América Latina (Chile à parte, dado a que repetiu com imigrantes

alemães algo semelhante ao Brasil). Como resultado, o clube esportivo

e recreativo brasileiro definiu-se como um fato social mais concentrado

no sul do território nacional onde afluíram os imigrantes em maior

número. Outra conseqüência refere-se ao fato de que os clubes de

imigrantes – principalmente os localizados em áreas rurais e de maior

ocorrência no RS, SC, PR e SP – manejavam mais com as carências do

que com a afluência, dando origem a uma vocação esportiva voltada

para a identidade cultural e menos sujeita a modismos.

Primeiras décadas do século XX Neste estágio, conviviam

no Brasil os clubes de elite tanto quanto os clubes comunitários

com pouca visibilidade entre si, mas com os mais ricos destacando-

se entre os poderes e junto à sociedade pela atração dos noticiários

nos jornais e nas revistas de costumes. A chegada da popularização

do esporte nas grandes cidades reforçou a imagem dos clubes

grandes e ricos, desde que vários destes assumiram o esporte

como espetáculo com equipes representativas. No Rio de Janeiro,

então capital do país, três modalidades se sucederam no fenômeno

da popularização conduzida por clubes de elite desde meados do

século XIX e chegando à segunda década do século XX: turfe, remo

e futebol. Nesta cidade, em 1907 havia 77 clubes mencionados nos

jornais e em 1915, o total chegava a 216 já predominando o futebol;

estas associações eram caracteristicamente instáveis e

desapareciam freqüentemente. Quando do aparecimento das Ligas

Esportivas no RJ – em número de 9 entre 1912 e 1917 – a cobrança

de taxa de filiação produziu a marginalização da maior parte dos

clubes da cidade, revelando assim a pobreza de seus associados

(Pereira, 2000). Em São Paulo – SP, então segunda cidade mais

importante do país, houve menos elitismo e maior influência de

grupos étnicos nos clubes no mesmo período, destacando-se como

esportes populares promovidos por estas entidades: remo, ciclismo,

pedestrianismo, natação (Rio Tietê) e futebol. Na década de 1920,

os modernistas de SP atuantes nas artes e literatura celebravam o

esporte como um sinal da modernização do país (DaCosta, 1995).

Contudo, na década seguinte, durante o governo ditatorial de

Getúlio Vargas, os intelectuais e jornalistas em geral passaram a

rejeitar a concepção dos esportes como culturalmente renovadores,

diante das demonstrações de massa em estádios de praticantes de

exercício físicos e atividades esportivas (DaCosta, 1996). Além

disso, o Partido Integralista de explícitas postulações fascistas

adotou o esporte como um de seus meios de mobilização popular

(DaCosta & Labriola, 2000). A partir daí, o associativismo esportivo

brasileiro perdeu sua memória por indiferença das elites pensantes

que passaram o olhar os clubes pelo viés do futebol como espetáculo

e pela imagem dos grandes clubes desta modalidade. Emergiu

então na década de 1940 o “país do futebol”. Por coincidência, o

governo Vargas no final da década de 1930 levou a efeito uma

grande nacionalização dos clubes e escolas sustentados por grupos

estrangeiros e seus descendentes, o que obscureceu mais ainda o

passado dos clubes comunitários.

Década de 1970 A fase de ocultação da memória dos clubes

menores, comunitários, mais recreativos do que esportivos,

municipais e sustentados por pessoas da classe média baixa e/ou

alta, e por vezes por comunidades vivendo em áreas pobres,

modificou-se na década de 1970, ao ser publicado o “Diagnóstico

da Educação Física e Desportos no Brasil” (DaCosta, 1971), projeto

do Governo Federal à época (Ministérios do Planejamento/ IPEA e

da Educação e Cultura). Este extenso e minucioso levantamento

de dados, incluiu um censo de clubes levado a efeito pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, usando-se os agentes

censitários sediados nos municípios para a identificação local de

clubes. Ao final, foi possível cobrir cerca de 1500 municípios do

país (38% do total então existente) aplicando-se as rotinas do

levantamento das entidades associativistas (realizado pelo MEC e

publicado eventualmente nos Anuários Estatísticos de IBGE). A

representatividade dos clubes informantes foi validada por constituir

cerca de um terço (n = 8310) das entidades cadastradas pelo IBGE

nos municípios. Assim sendo, foi possível estimar a existência de

30 mil clubes recreativos e esportivos no país, com a participação

de aproximadamente 10 milhões de associados (3,9 milhões

contabilizados na amostra de 8310 clubes); excluíram-se destes

totais os chamados “clubes de várzea” de organização eventual e

informal, característicos das áreas rurais, e suburbanos de difícil

quantificação. Estes, por sua vez, foram estimados por um total de

60 mil com base no proporção de 2 para 1 identificada em vários

municípios cobertos pelos agentes censitários. Do ponto de vista

de participantes informais destes clubes estimou-se uma ordem de

grandeza de 10 milhões em face a que estas entidades eram

geralmente tipificadas como bem menores do que as formais.

Portanto, as conclusões foram observadas com restrições extremas,

servindo sobretudo para efeito de reconhecimento preliminar. O

porte do fenômeno clube no Brasil, contudo, foi surpreendente

para os responsáveis do levantamento uma vez que havia uma

crença corrente que este tipo de entidade estava elitizada no país.

Em resumo, no concernente aos clubes e aos fatores envolvendo o

esporte em geral, o Diagnóstico apontou para problemas de

qualidade de desenvolvimento (gestão, especialização profissional,

instalações adequadas, formação de atletas etc) e muito menos

para o fator quantidade de afiliações para a prática e para o lazer

que se mostraram além das expectativas. Os dados do Diagnóstico

não foram atualizados nos anos seguintes, porém o IBGE manteve

o item “associações desportivas e número de associados” (sic) em

seus levantamentos dos Anuários Estatísticos do Brasil até 1984.

Este item, contudo, já existia desde a década de 1930 nos Anuários

em que pese as diferentes denominações e caracterizações a que

foi submetido. Como tal, esta dificuldade impede a construção de

séries estatísticas históricas mas permite algumas comparações e

projeções ao se relacionar memória com inventário dos clubes

esportivos e recreativos brasileiros, como se exercita a seguir.

Expansão dos clubes A caracterização inicial das circunstâncias

relacionadas aos clubes é situada quanto à evolução quantitativa.

Os dados coletados em 1969 para o Diagnóstico publicado em

1971 (Tabela 1), mostram que o fenômeno comunitário de sentido

esportivo no Brasil teve sua maior ênfase, no período anterior a

1900, na região Sul. Nessa fase os estados do Rio Grande do Sul,

do Paraná e de Santa Catarina possuíam mais da metade do total

de associações esportivas existentes no País, em decorrência da

influência da imigração de origem alemã, notoriamente dedicada a

esse tipo de entidade. Entre 1901 e 1930, a região Sudeste assume

a liderança, provavelmente como um dos efeitos da polarização do

desenvolvimento nacional no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. O

fenômeno é sensível até 1960, embora a região Sul apresente

esforço semelhante com população inferior, refletindo tanto a inércia

da tradição como a assimilação cultural clubista pelo grupo étnico

majoritário de raízes lusa, negra e indígena. De 1960 a 1969 o

número de clubes fundados na região Sul é quase o dobro da região

Sudeste, o que produz uma quase equivalência do quantitativo

dessas regiões e ganha significação ao se comparar os potenciais

demográficos, com vantagem quase de 200% em favor da Sudeste.

Assim foi possível comprovar no Brasil o reconhecido fenômeno da

correlação entre fatores sócio-econômicos e o desenvolvimento

esportivo comunitário. As posições secundárias na expansão de

clubes – e mesmo residuais – das regiões Norte, Nordeste e Centro-

Oeste comprovam a assertiva, sobretudo a partir de 1960. Esse

aspecto foi também verificado quanto à localização essencialmente

urbana: os clubes nas áreas rurais aparecem de modo relevante em

termos absolutos apenas a partir de 1930, ganhando maior ênfase

no período 1960/1969 quando foi criada a maior parte do número

total computado. Por outro lado, não se constatou concentração

importante dessas entidades nos municípios das capitais das regiões

Sudeste e Sul, significando participação intensa das comunidades

do interior dos Estados da área em evidencia. A região Nordeste

situa-se, em relação a esta caracterização, em posição intermediária

– principalmente em razão da evolução do crescimento a partir de

1960 – enquanto que o Centro-Oeste e a Norte ainda polarizam o

desenvolvimento esportivo nas capitais. No seu todo, esta

caracterização dos clubes pelo ano de fundação mostrou-se bastante

precária diante de evidências de outras fontes de que somente no

RS havia cerca de 300 clubes ao final do século XIX (ver capítulos

dos autores Tesche e Maza sobre o RS neste Atlas), quando a

Tabela 1 adiante aponta para 85 em todo o país. A explicação

6.8 DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006

devida diante desta contradição é aquela oferecida pelo IBGE em

“Estatísticas do Século XX” de 2003 (pp. 61-87): o associativismo

brasileiro tem se mostrado instável ao longo de sua evolução com

entradas e saídas de entidades em prazos curtos, o que produz

quedas e subidas nos gráficos sem aparente explicações. A mesma

fonte revela que o associativismo religioso é mais estável e o

sindical, menos. Por suposto, para efeito do presente estudo, o

associativismo esportivo pode ser também considerado instável –

aparecimento e término de clubes em ciclos de curto prazo – como

já apontado por Pereira (2000) com relação ao RJ.

Gestão dos clubes Quanto à caracterização geral dos clubes

brasileiros, o Diagnóstico mostrou que a maioria das entidades

competia no plano esportivo amador, estando o profissionalismo e o

recreativismo em níveis de proporções condizentes (Tabela 2). Cabe

ressaltar que esta interpretação é apenas concernente aos clubes

informantes que são naturalmente os mais bem organizados, ou seja:

a tendência pode estar invertida para o sentido recreativo no âmbito

das associações de organização informal. O aspecto patrimonial é

também bastante considerado nos clubes brasileiros uma vez que

mais da metade dos que forneceram informações possuía sede própria.

Essa caracterização é outrossim relativa e deveria estar modificada

entre os clubes de menor possibilidade de alcance pelo levantamento

realizado. De qualquer maneira o baixo índice de instituições que

pagam aluguel demonstra que o clube esportivo no Brasil ainda se

identificava sobretudo pelo esforço mais patrimonial do que

representativo de suas atividades. A tendência, entretanto, não é a

mesma na região Nordeste onde, possivelmente pelo nível mais baixo

de atividades econômicas, a maior parte das instalações são cedidas.

A existência de departamento médico ofereceu indicações do nível

técnico vigente nas atividades esportivas: apenas 15% das entidades

possuía em 1971 tal tipo de apoio, significando elevado grau de

improvisação nas atividades ou simplesmente concentração em

atividades recreativas. A região Sul, apesar de se destacar

quantitativamente, apresentava um índice de 9%, demonstrando

distorções de objetivos no referente aos aspectos de natureza técnica.

O quadro de competições, por sua vez, demonstrou a existência de

limitações no intercâmbio interclubes; as associações brasileiras

orientavam-se mais no sentido de desenvolvimento interno do que

externo, tendo em vista que realizavam mais competições do que

participavam. Principalmente a situação da região Nordeste contribui

para essa tendência média nacional que poderia estar correlacionada

a dificuldades de transporte e de comunicações. Considerando o

intercâmbio como fator básico no resultado esportivo, a liderança da

região Sudeste ficaria estabelecida a priori pelos dados coletados.

Participação e direção nos clubes O Diagnóstico também

caracterizou as associações esportivas pelo pessoal envolvido,

constatando-se, inicialmente, uma correlação entre a densidade

urbana das regiões e o número de associados por entidades (Tabela

3). Assim a região Sudeste apresentava uma relação associados/

clube de 795, enquanto a Sul, 274; a Centro-Oeste, 264, e a Nordeste,

200 (exclui-se a região Norte dessa correlação por ter quase a

totalidade dos associados, situados nos municípios das capitais).

Esse fato contribuiria para uma melhor produtividade nos resultados

esportivos e maior capacidade financeira por parte das associações

da região Sudeste. Em termos médios o Brasil possuía à época 478

associados/clube, valor baixo que explicaria importante parcela das

dificuldades econômicas freqüentemente relevadas na apreciação

do esforço comunitário esportivo brasileiro; a relação no que se

refere ao número de sócios atletas por entidade cai para 49,

derivando-se uma taxa de 10 associados por atleta, aproximadamente.

Concluiu-se então que as associações esportivos eram numerosas

mas dispersas em unidades pouco produtivas e com elevado grau de

isolamento. Nesse contexto, a conformação geográfica e o nível de

desenvolvimento peculiares às diversas regiões brasileiras

constituíam fatores exógenos importantes a serem considerados no

entendimento das circunstâncias que envolviam os clubes. Quanto

aos dirigentes e empregados, apareceram os primeiros em proporções

razoáveis – em torno de 10 por clube – enquanto os últimos, uma

relação próxima a 3 por entidade, permitem antever deficiência na

administração. Isto corrobora as conclusões quanto às limitações da

capacidade financeira dos clubes, como também indica que o esforço

comunitário se concentra mais na criação de patrimônio do que na

sua conservação e funcionamento. Finalmente, observando-se o fator

chave dos especialistas em esporte, o número de técnicos desportivos

leigos era dez vezes superior ao referente aos diplomados. Embora

a relação técnico/atleta seja satisfatória (1/40, aproximadamente),

constatou-se importante desqualificação profissional.

Esportes praticados O Diagnóstico examinou os clubes no que

se referia às modalidades praticadas (Tabela 4). Inicialmente

constatou-se que 53% dos praticantes pertenciam ao futebol e à

natação, e que 32% dedicavam-se à ginástica (não define qual

tipo), ao futebol de salão, ao voleibol e ao basquetebol. Portanto,

85% dos praticantes brasileiros do início da década de 1970 estavam

orientados para os esportes coletivos e para a busca da forma

física via natação e ginástica. As modalidades mais praticadas

observadas relativamente pelo percentual sobre o total computado,

são as que se seguem, considerando-se as que possuem mais de

5.000 praticantes: futebol: 30%; natação: 23%; ginástica: 12% (vale

a ressalva anterior); futebol de salão: 9%; voleibol: 6%; basquetebol:

5%; bolão: 4%; bocha: 2%; tênis de mesa: 1,8%; tênis: 1,4%; lutas:

1,2%; tiro ao alvo: 0,84%; vela e motor: 0,75% e atletismo: 0,63%.

Essas 14 modalidades representam cerca de 98% do total de 870.698

praticantes existentes nos 8310 clubes informantes (razão praticante

/ não praticante: 1 / 4). Por comparação dos dados sobre praticantes

concluiu-se também que havia preferências regionais – bolão na

região Sul, por exemplo – e as limitações econômicas de cada

Estado influenciavam nas escolhas: as regiões mais desenvolvidas

eram as que apresentavam maior diversificação esportiva.

Instalações De um modo geral a existência e a distribuição das

instalações estavam correlacionadas com as caracterizações

anteriormente diagnosticadas. Assim, por exemplo, constatou-se

que as instalações mais dispendiosas (piscinas e ginásios) tendiam

a se concentrar nos municípios das capitais. A produtividade,

entretanto, era um enfoque procurado pelo Diagnóstico, o que

seria viável com o conhecimento da capacidade horária e o tempo

de utilização. A não disponibilidade desses dados permitiu apenas

estabelecer conclusões preliminares através de comparações. Nesta

forma de aproximação, a evidência de que 47% das instalações

eram descobertas e não possuíam iluminação sugeriu indiretamente

a ausência de plena utilização. O aspecto de limitações financeiras

não pareceu ter papel predominante nessas circunstâncias em face

do elevado índice de instalações em construção, próximo a 9% do

total existente. Essa hipótese estaria compatível com as conclusões

anteriores sobre a tendência, por parte dos clubes, em investir no

crescimento patrimonial em detrimento da manutenção, da

produtividade, da melhoria técnica e da viabilidade financeira.

Portanto, a problemática financeira dos clubes, além da dispersão

em unidades de poucos associados, residiria, sobretudo, na

incapacidade gerencial e na distorção dos objetivos atinentes à

atividade desportiva. Um outro ângulo de abordagem pôde ser

estabelecido a partir da relação praticantes / instalação: embora a

margem de erro teria significado diante da diversificação das

instalações, observou-se que havia 95 praticantes por instalação,

dentro do universo considerado. Essa cifra sugeriu a existência de

capacidade ociosa e contrastou com a de 1043, concernente à

relação alunos/instalação básica referente às escolas de ensino

médio do país (hoje 2o grau), também estimada pelo Diagnóstico

em outro setor pesquisado.

1976 Publicou-se nos EUA um levantamento conduzido por Janice

Perlman da Universidade de Cornell, que identificou o perfil de

participação social da população de oito favelas do Rio de Janeiro–RJ.

Nesta pesquisa, a participação religiosa incidiu em cerca 34% dos

favelados ao passo que 13% estavam ligados a associações informais

recreativas (5%) ou esportivas (8%), sendo este último vínculo

relacionado ao futebol (Perlman, 1977). O período do levantamento

foi 1968 – 1969, coincidindo com a fase de coleta de dados do

“Diagnóstico da Educação Física e Desportos no Brasil”. Considerando-

se as cifras encontradas por Perlman em relação à população do

Brasil à época, emerge um valor de 10 milhões de pessoas envolvidas

com clubes informais no país, em coincidência com as projeções

baseadas no Diagnóstico de 1971. A grosso modo, portanto, pressupõe-

se no final da década de 1970 haver 20 milhões pessoas no Brasil com

algum vínculo em clubes para a prática esportiva ou para lazer,

correspondendo aproximadamente a 22 % da população total.

2003 Neste ano foi produzido o Atlas do Esporte no Brasil em que

foi identificado mas não quantificado o fenômeno de

desaparecimento de clubes em várias modalidades mapeadas (ver

por exemplo, o capítulo sobre Bocha nesta publicação / banco de

dados). Este nexo é corrente entre líderes e praticantes esportivos

no país porém não são disponíveis dados que delimitem o fenômeno

de modo adequado. Como hipótese, geralmente aponta-se como

causa da redução as dificuldades financeiras dos clubes diante das

sucessivas crises econômicas do país desde a década de 1980.

Situação Atual Embora a população do país tenha aumentado de

90 para 170 milhões entre 1970 e os dias presentes, não há garantias

que expansão similar tenha ocorrido com o associativismo esportivo

brasileiro. Não houve retorno aos clubes do país para verificações

subseqüentes ao Diagnóstico e com maiores detalhes do que se fazia

até 1984 com os levantamentos do associativismo pelo IBGE / MEC.

Hoje, portanto, convive-se tanto com a hipótese da decadência

generalizada dos clubes por razões finaceiras, como também

cogitando-se da sobrevivência destas entidades apoiada em suas

tradições locais, grupais e / ou comunitárias. E nesse particular há que

considerar os quantitativos relacionados aos clubes emitidos em 1970,

os quais por si mesmos ainda tem um significado de legado nas

apreciações do esporte nacional. Em outras palavras, os dez milhões

de associados nas associações formais e quantidade equivalente nos

clubes improvisados, são números de destaque em termos absolutos.

Por seu turno, 30 mil clubes organizados em um país é uma ocorrência

rara no plano internacional. Porém em termos relativos, esta cifra

perde bastante de sua significação. No Uruguai, por exemplo, existem

2700 clubes formais para uma população de três milhões de habitantes

(Arias, 2003). Se a proporção uruguaia fosse aplicada ao Brasil de

1970, deveria haver 81 mil clubes organizados no país, ou quase três

vezes mais do que existia à época.

De qualquer modo, nos dias presentes – primeiros anos da década

de 2000 – pode-se partir de uma ordem de grandeza conservadora

de 10 mil clubes formais (com alvará e / ou registros das Prefeituras

locais) como existentes no Brasil. Esta referência é adotada pela

Confederação de Clubes do Brasil-CBC, que hoje possui cerca de

6500 clubes filiados. Para esta entidade representativa – atuante

por meio de Sindicatos Estaduais de clubes – as associações esportivas

e recreativas brasileiras teriam ligações diretas e indiretas com

aproximadamente um terço da população do país. Esta avaliação é

coerente com as cifras de 20 milhões de pessoas vinculadas a clubes

em 1970 (22% da população), que teria sido expandida pela crescente

e estável adesão aos esportes e atividades físicas no Brasil por

razões de saúde ou simples lazer. Outra coerência situa-se na

permanência da cifra de 10 mil clubes entre 1970 e 2000, à vista de

que houve sucessivas crises econômicas entre 1985 e 2000 com

aumento de custos e desestimulando a criação de novos negócios e

instituições. Se isto de fato ocorreu, então os clubes estariam

atendendo a mais usuários com o mesmo número de unidades, o que

não difere das demais instituições nacionais da ordem social.

Desconhece-se, entretanto, o que teria acontecido com os clubes de

menor porte, de várzea, áreas rurais e favelas, com número bem

maior do que os formais. Há demanda, assim sendo, de pesquisas

mais bem situadas do que as presentes estimativas. Os cenários

sobre a situação brasileira em esportes e atividades físicas

encontrados no final da presente publicação, oferecem indicações

preliminares para tais estudos ora em proposição. Uma delas incide

na estimativa de um mínimo de 30% e um máximo de 60% –

dependendo da região do país – , que teriam relações com práticas

físicas quer regulares ou ocasionais. A questão que se põe no que

concerne aos clubes, é a de que se desconhece a parcela da população

que usa tais entidades como meio de suas práticas.

Mesmo diante das dificuldades de atualização de informações

estatísticas, pode-se estimar a geração de emprego pelos clubes

adotando-se naturalmente o viés da cautela. Para isso, os dados da

Federação das Associações Atléticas do Banco do Brasil-FENABB

são convenientes pois são atualizados e controlados

periodicamente. Assim, no primeiro semestre de 2003 havia 1247

clubes ABB no Brasil, que empregavam 10567 empregados (8,7

empregados por clube). Como as ABB oscilam do micro (3 sócios)

para o macro (7006 sócios) em termos de porte (média: 200 sócios),

sendo a maioria do grupo pequeno para médio porte, é possível

admiti-la como uma amostra indicativa, não estatística, do universo

pretendido de clubes formais brasileiros, isto é, 10 mil clubes.

Nestas condições, haveria um total de 87 mil empregados no setor

do associativismo esportivo do país. Esta estimativa deve ser

considerada mínima pois uma amostra de 21 grandes e médios

clubes associados a CBC, indicou a existência de 6655 empregados

formais (com carteira de trabalho assinada) e mais 1143

terceirizados, com média de 370 empregados por unidade. Em

outras palavras, a cifra de 100 mil empregos é um ponto de partida

para estimativas de critérios mais efetivos. Neste propósito, cabe

levar em linha de conta a cifra de 95 mil empregos diretos gerados

em clubes estimados por Roberto Liberardi e Reginaldo Rosa

somente para o estado de São Paulo, em um estudo ora em

andamento para o Sidiclube daquele estado. Se comprovada esta

DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.9

Caracterização dos clubes brasileiros por número de unidades por estado e anos de fundação (Tabela 1);patrimônio e oferta de serviços (Tabela 2); número de sócios e de empregados (Tabela 3);esportes praticados (Tabela 4); de acordo com o “Diagnóstico da Educação física e Desportos no Brasil”com dados coletados em 1969 (publicados em 1971).

Profile of Brazilian sports clubs according to number of units per state and year of foundation (Table 1);assets and provision of services (Table 2); Number of members and employees (Table 3);choices of sports practices (Table 4); according to the national sport census of 1969 (published in 1971).

TABELA 1

Número de associações esportivas, informantes, segundo o ano de fundaçãoTotal das zonas urbanas, suburbana e rural, 1969

* Levantamento incompleto

cifra, então no Brasil pode haver uma ordem de grandeza de 200

mil postos de trabalho relacionados aos clubes, alcançando-se assim

uma estimativa máxima mas todavia preliminar deste importante

item de avaliação do esporte em suas entidades de base.

Em resumo, os clubes esportivos e recreativos podem ser apreciados

por fatores de avanço e de retrocesso, presentes na sociedade

brasileira nas três últimas décadas. De fato, houve um aumento de

grande monta no número de praticantes de atividades físicas no

país desde 1970. As academias de ginástica, por exemplo,

multiplicaram-se 20 vezes no mesmo período, pressupondo uma

repercussão favorável na adesão aos clubes. Por outro lado, houve

um retrocesso nas atividades econômicas em escala nacional nos

últimos 30 anos, o que certamente enfraqueceu o associativismo

esportivo já percebido como frágil financeiramente no Diagnóstico

de 1971. Diante destas oportunidades e riscos que as associações

esportivas tem sido expostas no período em foco, cabe sobremaneira

relevar as tradições pois estas deram e continuam a dar sentido e

direção ao desenvolvimento do clube de esporte e lazer no Brasil.

Fontes DaCosta,L.P., Diagnóstico de Educação Física e Desportos

no Brasil. FENAME – MEC, Brasília, 1971; Perlman, J. O Mito da

Marginalidade. Paz e Terra, RJ, 1977; DaCosta, L.P. A Cultura

como Enfoque Central da Educação Física, Desporto e Atividades

de Lazer. In Cultura, Atividade Cultural & Esporte, Votre, S. e

Costa, V.L.M. (eds), UGF Editoria Central, RJ, 1995; DaCosta, L.P.,

The State versus Free Enterprise in Sports Policy: the Case of

Brazil. In National Sports Policies, Chalip, L. & Johnson, A. (eds),

Greenwood Press, London, 1996; DaCosta, L.P. & Labriola, P. Bodies

from Brazil: Fascist Aesthetics in a South American Setting. In

Superman Supreme – Global Fascism, Mangan, J. A. (ed), Frank

Cass, London, 2000; Pereira, L.A.M., Footballmania – Uma História

Social do Futebol no Rio de Janeiro. Nova Fronteira, RJ, 2000;

Arias, C. & Reisch, M., Movimiento Clubista y Desarollo Deportivo

em el Uruguay, 2003 (não publicado): IBGE, Estatísticas do Século

XX, Rio de Janeiro, 2003.

6.10 DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006

TABELA 2

Associações esportivas, 1969Caracterização geral das associações esportivas

DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.11

TABELA 3

Associações esportivas, 1969Caracterização geral das associações esportivas

6.12 DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006

TABELA 4Associaçoes esportivas, 1969Número de esportistas, segundo as modalidades esportivas praticadas – Brasil