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DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.7
Clubes esportivos e recreativosLAMARTINE P. DACOSTA
Sports and recreation clubs
Sports clubs in Brazil were inspired primarily in the English model
of the 1850s. However, small clubs also developed for the local
communities beginning also in the mid 19th century. They included
German, Italian, and Japanese cultural habits, which generated
an alternative to the already established Portuguese culture. This
circumstantial character brought a peculiar meaning to the
Brazilian sports associativeness when it was compared with the
other countries of Latin America or of the Iberian Peninsula for
two reasons. First of all the way clubs were founded did not
entirely adopt the British model for the imported sports. Second,
the new Brazilian clubs grew initially in the interior of the provinces
of the Empire and continued their expansion later on in the interior
of the states of the Republican Federation in the late 19th century.
These clubs were not centered on the capitals. As a result, sports
and leisure clubs were concentrated in the south of the national
territory where immigrants were in greater number. The sports
popularization that took place at the beginning of the 20th century
in the big cities reinforced the image of the big and rich clubs once
several of them took to the sport spectacle with representative
teams. In the 1970s the first national census of sports took place
in Brazil and estimated the existence of 30,000 leisure and sports
clubs with approximately 10 million participants. The so-called
“clubes de várzea” (prairie clubs) of occasional and informal
organization, characteristic of rural areas, were estimated to be
60,000. Thirteen percent of the poor population had links with
clubs within the same period. It is possible to estimate that at the
end of the 1970s around 20 million people in Brazil had some sort
of link with clubs in order to practice sports or enjoy their leisure.
That corresponded approximately to 22% of the total population.
In addition to these figures, this chapter provides new assessments
on the role and impact of sports clubs in the Brazilian society. In
short, today one third of the country’s population has some
connection with sports clubs. As a means of employment, sports
clubs offer 200,000 work opportunities. Although these data have
not been confirmed, it is possible to consider that sports clubs are
still one of the most important social facts of Brazil.
Origens e Definições Os clubes esportivos e recreativos (ou
Associações Desportivas, segundo a terminologia legal) constituem a
base do desenvolvimento dos esportes em geral e um dos fatos de
maior destaque sócio-cultural no Brasil, embora raramente reconhecido
como tal. Um prenúncio deste hiato de percepção coletiva, aconteceu
no século XIX quando apareceram no país os primeiros clubes
relacionados ao esporte, e logo se tornaram mais visíveis quando
estabelecidos e freqüentados como distinção social. Os demais, sempre
em maior número, foram negligenciados por representar interesses
mais comunitários e locais do que dos grupos mais abastados e de
maior impacto na opinião pública. As associações de prestígio social
dedicadas aos esportes naturalmente surgiram nas cidades maiores
ao passo que os de índole comunitária floresceram em centros urbanos
médios e pequenos e/ou em suas periferias e áreas rurais. Enquanto
os clubes de elite se moldaram aos hábitos da burguesia comercial
(século XIX) e/ou industrial (século XX), os de apoio da comunidade
local abrigaram caracteristicamente pequenos grupos advindos das
principais correntes imigratórias que entraram no país no século XIX e
início do século seguinte. Isto posto, os clubes de prática esportiva e
de atividades recreativas refletiram em suas origens hábitos culturais
alemães, italianos, japoneses e outros, gerando uma alternativa à
cultura lusófona então prevalecente. Esta particularidade deu um
significado peculiar ao associativismo esportivo brasileiro ao ser
comparado com outros países da América Latina ou da Península
Ibérica. Em primeiro lugar, porque não adotou inteiramente a influência
inglesa nos esportes importados, como aconteceu nos exemplos da
Argentina e do Uruguai. Além disso, os novos clubes brasileiros
cresceram no interior das províncias do Império e depois dos estados
da Federação Republicana, não se concentrando nas capitais, o que os
fez se distanciarem então do que se passava nos demais países da
América Latina (Chile à parte, dado a que repetiu com imigrantes
alemães algo semelhante ao Brasil). Como resultado, o clube esportivo
e recreativo brasileiro definiu-se como um fato social mais concentrado
no sul do território nacional onde afluíram os imigrantes em maior
número. Outra conseqüência refere-se ao fato de que os clubes de
imigrantes – principalmente os localizados em áreas rurais e de maior
ocorrência no RS, SC, PR e SP – manejavam mais com as carências do
que com a afluência, dando origem a uma vocação esportiva voltada
para a identidade cultural e menos sujeita a modismos.
Primeiras décadas do século XX Neste estágio, conviviam
no Brasil os clubes de elite tanto quanto os clubes comunitários
com pouca visibilidade entre si, mas com os mais ricos destacando-
se entre os poderes e junto à sociedade pela atração dos noticiários
nos jornais e nas revistas de costumes. A chegada da popularização
do esporte nas grandes cidades reforçou a imagem dos clubes
grandes e ricos, desde que vários destes assumiram o esporte
como espetáculo com equipes representativas. No Rio de Janeiro,
então capital do país, três modalidades se sucederam no fenômeno
da popularização conduzida por clubes de elite desde meados do
século XIX e chegando à segunda década do século XX: turfe, remo
e futebol. Nesta cidade, em 1907 havia 77 clubes mencionados nos
jornais e em 1915, o total chegava a 216 já predominando o futebol;
estas associações eram caracteristicamente instáveis e
desapareciam freqüentemente. Quando do aparecimento das Ligas
Esportivas no RJ – em número de 9 entre 1912 e 1917 – a cobrança
de taxa de filiação produziu a marginalização da maior parte dos
clubes da cidade, revelando assim a pobreza de seus associados
(Pereira, 2000). Em São Paulo – SP, então segunda cidade mais
importante do país, houve menos elitismo e maior influência de
grupos étnicos nos clubes no mesmo período, destacando-se como
esportes populares promovidos por estas entidades: remo, ciclismo,
pedestrianismo, natação (Rio Tietê) e futebol. Na década de 1920,
os modernistas de SP atuantes nas artes e literatura celebravam o
esporte como um sinal da modernização do país (DaCosta, 1995).
Contudo, na década seguinte, durante o governo ditatorial de
Getúlio Vargas, os intelectuais e jornalistas em geral passaram a
rejeitar a concepção dos esportes como culturalmente renovadores,
diante das demonstrações de massa em estádios de praticantes de
exercício físicos e atividades esportivas (DaCosta, 1996). Além
disso, o Partido Integralista de explícitas postulações fascistas
adotou o esporte como um de seus meios de mobilização popular
(DaCosta & Labriola, 2000). A partir daí, o associativismo esportivo
brasileiro perdeu sua memória por indiferença das elites pensantes
que passaram o olhar os clubes pelo viés do futebol como espetáculo
e pela imagem dos grandes clubes desta modalidade. Emergiu
então na década de 1940 o “país do futebol”. Por coincidência, o
governo Vargas no final da década de 1930 levou a efeito uma
grande nacionalização dos clubes e escolas sustentados por grupos
estrangeiros e seus descendentes, o que obscureceu mais ainda o
passado dos clubes comunitários.
Década de 1970 A fase de ocultação da memória dos clubes
menores, comunitários, mais recreativos do que esportivos,
municipais e sustentados por pessoas da classe média baixa e/ou
alta, e por vezes por comunidades vivendo em áreas pobres,
modificou-se na década de 1970, ao ser publicado o “Diagnóstico
da Educação Física e Desportos no Brasil” (DaCosta, 1971), projeto
do Governo Federal à época (Ministérios do Planejamento/ IPEA e
da Educação e Cultura). Este extenso e minucioso levantamento
de dados, incluiu um censo de clubes levado a efeito pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, usando-se os agentes
censitários sediados nos municípios para a identificação local de
clubes. Ao final, foi possível cobrir cerca de 1500 municípios do
país (38% do total então existente) aplicando-se as rotinas do
levantamento das entidades associativistas (realizado pelo MEC e
publicado eventualmente nos Anuários Estatísticos de IBGE). A
representatividade dos clubes informantes foi validada por constituir
cerca de um terço (n = 8310) das entidades cadastradas pelo IBGE
nos municípios. Assim sendo, foi possível estimar a existência de
30 mil clubes recreativos e esportivos no país, com a participação
de aproximadamente 10 milhões de associados (3,9 milhões
contabilizados na amostra de 8310 clubes); excluíram-se destes
totais os chamados “clubes de várzea” de organização eventual e
informal, característicos das áreas rurais, e suburbanos de difícil
quantificação. Estes, por sua vez, foram estimados por um total de
60 mil com base no proporção de 2 para 1 identificada em vários
municípios cobertos pelos agentes censitários. Do ponto de vista
de participantes informais destes clubes estimou-se uma ordem de
grandeza de 10 milhões em face a que estas entidades eram
geralmente tipificadas como bem menores do que as formais.
Portanto, as conclusões foram observadas com restrições extremas,
servindo sobretudo para efeito de reconhecimento preliminar. O
porte do fenômeno clube no Brasil, contudo, foi surpreendente
para os responsáveis do levantamento uma vez que havia uma
crença corrente que este tipo de entidade estava elitizada no país.
Em resumo, no concernente aos clubes e aos fatores envolvendo o
esporte em geral, o Diagnóstico apontou para problemas de
qualidade de desenvolvimento (gestão, especialização profissional,
instalações adequadas, formação de atletas etc) e muito menos
para o fator quantidade de afiliações para a prática e para o lazer
que se mostraram além das expectativas. Os dados do Diagnóstico
não foram atualizados nos anos seguintes, porém o IBGE manteve
o item “associações desportivas e número de associados” (sic) em
seus levantamentos dos Anuários Estatísticos do Brasil até 1984.
Este item, contudo, já existia desde a década de 1930 nos Anuários
em que pese as diferentes denominações e caracterizações a que
foi submetido. Como tal, esta dificuldade impede a construção de
séries estatísticas históricas mas permite algumas comparações e
projeções ao se relacionar memória com inventário dos clubes
esportivos e recreativos brasileiros, como se exercita a seguir.
Expansão dos clubes A caracterização inicial das circunstâncias
relacionadas aos clubes é situada quanto à evolução quantitativa.
Os dados coletados em 1969 para o Diagnóstico publicado em
1971 (Tabela 1), mostram que o fenômeno comunitário de sentido
esportivo no Brasil teve sua maior ênfase, no período anterior a
1900, na região Sul. Nessa fase os estados do Rio Grande do Sul,
do Paraná e de Santa Catarina possuíam mais da metade do total
de associações esportivas existentes no País, em decorrência da
influência da imigração de origem alemã, notoriamente dedicada a
esse tipo de entidade. Entre 1901 e 1930, a região Sudeste assume
a liderança, provavelmente como um dos efeitos da polarização do
desenvolvimento nacional no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. O
fenômeno é sensível até 1960, embora a região Sul apresente
esforço semelhante com população inferior, refletindo tanto a inércia
da tradição como a assimilação cultural clubista pelo grupo étnico
majoritário de raízes lusa, negra e indígena. De 1960 a 1969 o
número de clubes fundados na região Sul é quase o dobro da região
Sudeste, o que produz uma quase equivalência do quantitativo
dessas regiões e ganha significação ao se comparar os potenciais
demográficos, com vantagem quase de 200% em favor da Sudeste.
Assim foi possível comprovar no Brasil o reconhecido fenômeno da
correlação entre fatores sócio-econômicos e o desenvolvimento
esportivo comunitário. As posições secundárias na expansão de
clubes – e mesmo residuais – das regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste comprovam a assertiva, sobretudo a partir de 1960. Esse
aspecto foi também verificado quanto à localização essencialmente
urbana: os clubes nas áreas rurais aparecem de modo relevante em
termos absolutos apenas a partir de 1930, ganhando maior ênfase
no período 1960/1969 quando foi criada a maior parte do número
total computado. Por outro lado, não se constatou concentração
importante dessas entidades nos municípios das capitais das regiões
Sudeste e Sul, significando participação intensa das comunidades
do interior dos Estados da área em evidencia. A região Nordeste
situa-se, em relação a esta caracterização, em posição intermediária
– principalmente em razão da evolução do crescimento a partir de
1960 – enquanto que o Centro-Oeste e a Norte ainda polarizam o
desenvolvimento esportivo nas capitais. No seu todo, esta
caracterização dos clubes pelo ano de fundação mostrou-se bastante
precária diante de evidências de outras fontes de que somente no
RS havia cerca de 300 clubes ao final do século XIX (ver capítulos
dos autores Tesche e Maza sobre o RS neste Atlas), quando a
Tabela 1 adiante aponta para 85 em todo o país. A explicação
6.8 DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006
devida diante desta contradição é aquela oferecida pelo IBGE em
“Estatísticas do Século XX” de 2003 (pp. 61-87): o associativismo
brasileiro tem se mostrado instável ao longo de sua evolução com
entradas e saídas de entidades em prazos curtos, o que produz
quedas e subidas nos gráficos sem aparente explicações. A mesma
fonte revela que o associativismo religioso é mais estável e o
sindical, menos. Por suposto, para efeito do presente estudo, o
associativismo esportivo pode ser também considerado instável –
aparecimento e término de clubes em ciclos de curto prazo – como
já apontado por Pereira (2000) com relação ao RJ.
Gestão dos clubes Quanto à caracterização geral dos clubes
brasileiros, o Diagnóstico mostrou que a maioria das entidades
competia no plano esportivo amador, estando o profissionalismo e o
recreativismo em níveis de proporções condizentes (Tabela 2). Cabe
ressaltar que esta interpretação é apenas concernente aos clubes
informantes que são naturalmente os mais bem organizados, ou seja:
a tendência pode estar invertida para o sentido recreativo no âmbito
das associações de organização informal. O aspecto patrimonial é
também bastante considerado nos clubes brasileiros uma vez que
mais da metade dos que forneceram informações possuía sede própria.
Essa caracterização é outrossim relativa e deveria estar modificada
entre os clubes de menor possibilidade de alcance pelo levantamento
realizado. De qualquer maneira o baixo índice de instituições que
pagam aluguel demonstra que o clube esportivo no Brasil ainda se
identificava sobretudo pelo esforço mais patrimonial do que
representativo de suas atividades. A tendência, entretanto, não é a
mesma na região Nordeste onde, possivelmente pelo nível mais baixo
de atividades econômicas, a maior parte das instalações são cedidas.
A existência de departamento médico ofereceu indicações do nível
técnico vigente nas atividades esportivas: apenas 15% das entidades
possuía em 1971 tal tipo de apoio, significando elevado grau de
improvisação nas atividades ou simplesmente concentração em
atividades recreativas. A região Sul, apesar de se destacar
quantitativamente, apresentava um índice de 9%, demonstrando
distorções de objetivos no referente aos aspectos de natureza técnica.
O quadro de competições, por sua vez, demonstrou a existência de
limitações no intercâmbio interclubes; as associações brasileiras
orientavam-se mais no sentido de desenvolvimento interno do que
externo, tendo em vista que realizavam mais competições do que
participavam. Principalmente a situação da região Nordeste contribui
para essa tendência média nacional que poderia estar correlacionada
a dificuldades de transporte e de comunicações. Considerando o
intercâmbio como fator básico no resultado esportivo, a liderança da
região Sudeste ficaria estabelecida a priori pelos dados coletados.
Participação e direção nos clubes O Diagnóstico também
caracterizou as associações esportivas pelo pessoal envolvido,
constatando-se, inicialmente, uma correlação entre a densidade
urbana das regiões e o número de associados por entidades (Tabela
3). Assim a região Sudeste apresentava uma relação associados/
clube de 795, enquanto a Sul, 274; a Centro-Oeste, 264, e a Nordeste,
200 (exclui-se a região Norte dessa correlação por ter quase a
totalidade dos associados, situados nos municípios das capitais).
Esse fato contribuiria para uma melhor produtividade nos resultados
esportivos e maior capacidade financeira por parte das associações
da região Sudeste. Em termos médios o Brasil possuía à época 478
associados/clube, valor baixo que explicaria importante parcela das
dificuldades econômicas freqüentemente relevadas na apreciação
do esforço comunitário esportivo brasileiro; a relação no que se
refere ao número de sócios atletas por entidade cai para 49,
derivando-se uma taxa de 10 associados por atleta, aproximadamente.
Concluiu-se então que as associações esportivos eram numerosas
mas dispersas em unidades pouco produtivas e com elevado grau de
isolamento. Nesse contexto, a conformação geográfica e o nível de
desenvolvimento peculiares às diversas regiões brasileiras
constituíam fatores exógenos importantes a serem considerados no
entendimento das circunstâncias que envolviam os clubes. Quanto
aos dirigentes e empregados, apareceram os primeiros em proporções
razoáveis – em torno de 10 por clube – enquanto os últimos, uma
relação próxima a 3 por entidade, permitem antever deficiência na
administração. Isto corrobora as conclusões quanto às limitações da
capacidade financeira dos clubes, como também indica que o esforço
comunitário se concentra mais na criação de patrimônio do que na
sua conservação e funcionamento. Finalmente, observando-se o fator
chave dos especialistas em esporte, o número de técnicos desportivos
leigos era dez vezes superior ao referente aos diplomados. Embora
a relação técnico/atleta seja satisfatória (1/40, aproximadamente),
constatou-se importante desqualificação profissional.
Esportes praticados O Diagnóstico examinou os clubes no que
se referia às modalidades praticadas (Tabela 4). Inicialmente
constatou-se que 53% dos praticantes pertenciam ao futebol e à
natação, e que 32% dedicavam-se à ginástica (não define qual
tipo), ao futebol de salão, ao voleibol e ao basquetebol. Portanto,
85% dos praticantes brasileiros do início da década de 1970 estavam
orientados para os esportes coletivos e para a busca da forma
física via natação e ginástica. As modalidades mais praticadas
observadas relativamente pelo percentual sobre o total computado,
são as que se seguem, considerando-se as que possuem mais de
5.000 praticantes: futebol: 30%; natação: 23%; ginástica: 12% (vale
a ressalva anterior); futebol de salão: 9%; voleibol: 6%; basquetebol:
5%; bolão: 4%; bocha: 2%; tênis de mesa: 1,8%; tênis: 1,4%; lutas:
1,2%; tiro ao alvo: 0,84%; vela e motor: 0,75% e atletismo: 0,63%.
Essas 14 modalidades representam cerca de 98% do total de 870.698
praticantes existentes nos 8310 clubes informantes (razão praticante
/ não praticante: 1 / 4). Por comparação dos dados sobre praticantes
concluiu-se também que havia preferências regionais – bolão na
região Sul, por exemplo – e as limitações econômicas de cada
Estado influenciavam nas escolhas: as regiões mais desenvolvidas
eram as que apresentavam maior diversificação esportiva.
Instalações De um modo geral a existência e a distribuição das
instalações estavam correlacionadas com as caracterizações
anteriormente diagnosticadas. Assim, por exemplo, constatou-se
que as instalações mais dispendiosas (piscinas e ginásios) tendiam
a se concentrar nos municípios das capitais. A produtividade,
entretanto, era um enfoque procurado pelo Diagnóstico, o que
seria viável com o conhecimento da capacidade horária e o tempo
de utilização. A não disponibilidade desses dados permitiu apenas
estabelecer conclusões preliminares através de comparações. Nesta
forma de aproximação, a evidência de que 47% das instalações
eram descobertas e não possuíam iluminação sugeriu indiretamente
a ausência de plena utilização. O aspecto de limitações financeiras
não pareceu ter papel predominante nessas circunstâncias em face
do elevado índice de instalações em construção, próximo a 9% do
total existente. Essa hipótese estaria compatível com as conclusões
anteriores sobre a tendência, por parte dos clubes, em investir no
crescimento patrimonial em detrimento da manutenção, da
produtividade, da melhoria técnica e da viabilidade financeira.
Portanto, a problemática financeira dos clubes, além da dispersão
em unidades de poucos associados, residiria, sobretudo, na
incapacidade gerencial e na distorção dos objetivos atinentes à
atividade desportiva. Um outro ângulo de abordagem pôde ser
estabelecido a partir da relação praticantes / instalação: embora a
margem de erro teria significado diante da diversificação das
instalações, observou-se que havia 95 praticantes por instalação,
dentro do universo considerado. Essa cifra sugeriu a existência de
capacidade ociosa e contrastou com a de 1043, concernente à
relação alunos/instalação básica referente às escolas de ensino
médio do país (hoje 2o grau), também estimada pelo Diagnóstico
em outro setor pesquisado.
1976 Publicou-se nos EUA um levantamento conduzido por Janice
Perlman da Universidade de Cornell, que identificou o perfil de
participação social da população de oito favelas do Rio de Janeiro–RJ.
Nesta pesquisa, a participação religiosa incidiu em cerca 34% dos
favelados ao passo que 13% estavam ligados a associações informais
recreativas (5%) ou esportivas (8%), sendo este último vínculo
relacionado ao futebol (Perlman, 1977). O período do levantamento
foi 1968 – 1969, coincidindo com a fase de coleta de dados do
“Diagnóstico da Educação Física e Desportos no Brasil”. Considerando-
se as cifras encontradas por Perlman em relação à população do
Brasil à época, emerge um valor de 10 milhões de pessoas envolvidas
com clubes informais no país, em coincidência com as projeções
baseadas no Diagnóstico de 1971. A grosso modo, portanto, pressupõe-
se no final da década de 1970 haver 20 milhões pessoas no Brasil com
algum vínculo em clubes para a prática esportiva ou para lazer,
correspondendo aproximadamente a 22 % da população total.
2003 Neste ano foi produzido o Atlas do Esporte no Brasil em que
foi identificado mas não quantificado o fenômeno de
desaparecimento de clubes em várias modalidades mapeadas (ver
por exemplo, o capítulo sobre Bocha nesta publicação / banco de
dados). Este nexo é corrente entre líderes e praticantes esportivos
no país porém não são disponíveis dados que delimitem o fenômeno
de modo adequado. Como hipótese, geralmente aponta-se como
causa da redução as dificuldades financeiras dos clubes diante das
sucessivas crises econômicas do país desde a década de 1980.
Situação Atual Embora a população do país tenha aumentado de
90 para 170 milhões entre 1970 e os dias presentes, não há garantias
que expansão similar tenha ocorrido com o associativismo esportivo
brasileiro. Não houve retorno aos clubes do país para verificações
subseqüentes ao Diagnóstico e com maiores detalhes do que se fazia
até 1984 com os levantamentos do associativismo pelo IBGE / MEC.
Hoje, portanto, convive-se tanto com a hipótese da decadência
generalizada dos clubes por razões finaceiras, como também
cogitando-se da sobrevivência destas entidades apoiada em suas
tradições locais, grupais e / ou comunitárias. E nesse particular há que
considerar os quantitativos relacionados aos clubes emitidos em 1970,
os quais por si mesmos ainda tem um significado de legado nas
apreciações do esporte nacional. Em outras palavras, os dez milhões
de associados nas associações formais e quantidade equivalente nos
clubes improvisados, são números de destaque em termos absolutos.
Por seu turno, 30 mil clubes organizados em um país é uma ocorrência
rara no plano internacional. Porém em termos relativos, esta cifra
perde bastante de sua significação. No Uruguai, por exemplo, existem
2700 clubes formais para uma população de três milhões de habitantes
(Arias, 2003). Se a proporção uruguaia fosse aplicada ao Brasil de
1970, deveria haver 81 mil clubes organizados no país, ou quase três
vezes mais do que existia à época.
De qualquer modo, nos dias presentes – primeiros anos da década
de 2000 – pode-se partir de uma ordem de grandeza conservadora
de 10 mil clubes formais (com alvará e / ou registros das Prefeituras
locais) como existentes no Brasil. Esta referência é adotada pela
Confederação de Clubes do Brasil-CBC, que hoje possui cerca de
6500 clubes filiados. Para esta entidade representativa – atuante
por meio de Sindicatos Estaduais de clubes – as associações esportivas
e recreativas brasileiras teriam ligações diretas e indiretas com
aproximadamente um terço da população do país. Esta avaliação é
coerente com as cifras de 20 milhões de pessoas vinculadas a clubes
em 1970 (22% da população), que teria sido expandida pela crescente
e estável adesão aos esportes e atividades físicas no Brasil por
razões de saúde ou simples lazer. Outra coerência situa-se na
permanência da cifra de 10 mil clubes entre 1970 e 2000, à vista de
que houve sucessivas crises econômicas entre 1985 e 2000 com
aumento de custos e desestimulando a criação de novos negócios e
instituições. Se isto de fato ocorreu, então os clubes estariam
atendendo a mais usuários com o mesmo número de unidades, o que
não difere das demais instituições nacionais da ordem social.
Desconhece-se, entretanto, o que teria acontecido com os clubes de
menor porte, de várzea, áreas rurais e favelas, com número bem
maior do que os formais. Há demanda, assim sendo, de pesquisas
mais bem situadas do que as presentes estimativas. Os cenários
sobre a situação brasileira em esportes e atividades físicas
encontrados no final da presente publicação, oferecem indicações
preliminares para tais estudos ora em proposição. Uma delas incide
na estimativa de um mínimo de 30% e um máximo de 60% –
dependendo da região do país – , que teriam relações com práticas
físicas quer regulares ou ocasionais. A questão que se põe no que
concerne aos clubes, é a de que se desconhece a parcela da população
que usa tais entidades como meio de suas práticas.
Mesmo diante das dificuldades de atualização de informações
estatísticas, pode-se estimar a geração de emprego pelos clubes
adotando-se naturalmente o viés da cautela. Para isso, os dados da
Federação das Associações Atléticas do Banco do Brasil-FENABB
são convenientes pois são atualizados e controlados
periodicamente. Assim, no primeiro semestre de 2003 havia 1247
clubes ABB no Brasil, que empregavam 10567 empregados (8,7
empregados por clube). Como as ABB oscilam do micro (3 sócios)
para o macro (7006 sócios) em termos de porte (média: 200 sócios),
sendo a maioria do grupo pequeno para médio porte, é possível
admiti-la como uma amostra indicativa, não estatística, do universo
pretendido de clubes formais brasileiros, isto é, 10 mil clubes.
Nestas condições, haveria um total de 87 mil empregados no setor
do associativismo esportivo do país. Esta estimativa deve ser
considerada mínima pois uma amostra de 21 grandes e médios
clubes associados a CBC, indicou a existência de 6655 empregados
formais (com carteira de trabalho assinada) e mais 1143
terceirizados, com média de 370 empregados por unidade. Em
outras palavras, a cifra de 100 mil empregos é um ponto de partida
para estimativas de critérios mais efetivos. Neste propósito, cabe
levar em linha de conta a cifra de 95 mil empregos diretos gerados
em clubes estimados por Roberto Liberardi e Reginaldo Rosa
somente para o estado de São Paulo, em um estudo ora em
andamento para o Sidiclube daquele estado. Se comprovada esta
DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.9
Caracterização dos clubes brasileiros por número de unidades por estado e anos de fundação (Tabela 1);patrimônio e oferta de serviços (Tabela 2); número de sócios e de empregados (Tabela 3);esportes praticados (Tabela 4); de acordo com o “Diagnóstico da Educação física e Desportos no Brasil”com dados coletados em 1969 (publicados em 1971).
Profile of Brazilian sports clubs according to number of units per state and year of foundation (Table 1);assets and provision of services (Table 2); Number of members and employees (Table 3);choices of sports practices (Table 4); according to the national sport census of 1969 (published in 1971).
TABELA 1
Número de associações esportivas, informantes, segundo o ano de fundaçãoTotal das zonas urbanas, suburbana e rural, 1969
* Levantamento incompleto
cifra, então no Brasil pode haver uma ordem de grandeza de 200
mil postos de trabalho relacionados aos clubes, alcançando-se assim
uma estimativa máxima mas todavia preliminar deste importante
item de avaliação do esporte em suas entidades de base.
Em resumo, os clubes esportivos e recreativos podem ser apreciados
por fatores de avanço e de retrocesso, presentes na sociedade
brasileira nas três últimas décadas. De fato, houve um aumento de
grande monta no número de praticantes de atividades físicas no
país desde 1970. As academias de ginástica, por exemplo,
multiplicaram-se 20 vezes no mesmo período, pressupondo uma
repercussão favorável na adesão aos clubes. Por outro lado, houve
um retrocesso nas atividades econômicas em escala nacional nos
últimos 30 anos, o que certamente enfraqueceu o associativismo
esportivo já percebido como frágil financeiramente no Diagnóstico
de 1971. Diante destas oportunidades e riscos que as associações
esportivas tem sido expostas no período em foco, cabe sobremaneira
relevar as tradições pois estas deram e continuam a dar sentido e
direção ao desenvolvimento do clube de esporte e lazer no Brasil.
Fontes DaCosta,L.P., Diagnóstico de Educação Física e Desportos
no Brasil. FENAME – MEC, Brasília, 1971; Perlman, J. O Mito da
Marginalidade. Paz e Terra, RJ, 1977; DaCosta, L.P. A Cultura
como Enfoque Central da Educação Física, Desporto e Atividades
de Lazer. In Cultura, Atividade Cultural & Esporte, Votre, S. e
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TABELA 2
Associações esportivas, 1969Caracterização geral das associações esportivas
DACOSTA, LAMARTINE (ORG.). A T L A S D O E S P O R T E N O B R A S I L . RIO DE JANEIRO: CONFEF, 2006 6.11
TABELA 3
Associações esportivas, 1969Caracterização geral das associações esportivas