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Caos n. 8 - Out 1989

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Revista Caos n. 8, de outubro de 1989, contendo uma longa matéria sobre o massacre da Praça da Paz Celestial, na China, e uma entrevista com Renato Russo.

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ACTUE L TEMPO

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IBIIP , rPlRAT I THE FACE

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O INDEPENDENTE ILA(',~ ; i 3 '1

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VAl~ A ~~NA

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Editorial + Cortas + Concursos

8~ MÚSICA: Sepultura. Lucinda Afriko Gumbe. Joy Mohal, Adevo e músicos cubanos. ARTE: Lieve Prins e Edgord de Souza. MÍDIA: Chongemon & Jospion. Dr6cu1o em quadrinhos. CERVEJA : Heineken no Brasil . COMIDA: Neko Menna Barreto. CINEMA: O Segredo do Abismo. Tem ainda DICAS PROS PtS E INDEX (dicas pras ouvidos e pras olhos)

LJ O vocalista e compositor do Legião Urbano fa lo pro CAOS sobre os muros e sobre como destruí- los. Sucesso e rebeldia . Consciência e inocência.

1--1 I Neste número o CAOS subverte o ordem. Crio uma novo maneiro de guerrear: sem sangue e sem armas de fogo. O tiro quem dó é você, via FAX. Se você acredito no planeta Terra chegou o hora de provar: Uma entrevisto com Wu'er Koixi e Shen Tong, os lideres do movimento estudantil chinês. Uma invasão por FAX. Infiltração, os espiões o serviço do paz. Uma edição sem barreiras e sem fronteiros.

89 é um ano decisivo I 89 que vivemos em perigo.

740 PAÍS DO FUTURO Quando chego o hora de votar, os promessas despencam. A prioridade é o educação - é o que todos dizem. E é bom que seja verdade. A CAOS coletou dados e mais dados. Ser6 que j6 não é tarde demais?

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~ ci. :i.. t <> :r :i.. é3l. I

EM CIMA DO MURO O Brasil vive seu momento mais importante dos últimos anos. E a CAOS põe a China de matéria de capa ... Bom, a gente explica. Em 89 você viu muros e demolidores de muros. Você viu o Gorbatchev, o terremoto de Berlim, os pr~tos reconquistando as pra­ias brancas da Africa do Sul. E você viu um estudante desafiando o muro dos tanques de guerra na Praça da Paz Celestial em Pe­quim. Aqui no Brasi l, você está assistindo à corri­da dos dois candidatos. Collor, o galõ faixa preta que promete destruir os muros da corrupção, da miséria ... (você lembra da vinheta dele no primeiro turno no horário gratuito na TV?). E lula, o torneira mecânico que diz que sua ascenção à presidência será a marretada redentora no muro da injustiça e do preconceito social. O Brasil votou em peso nos candidatos que berraram mais alto, naqueles que vestiram melhor a carapuço - ou a fantasia - do demolidor destemido. E o país rachou no meio. Aí é que mora o perigo. Onde pode levar essa radicalização messiânica? Quem ga­rante que essa rachadura não vai servir de fundação para um muro ainda mais gordo? As muralhas mais tirânicas foram construí­das em nome de uma mentira travestida de verdade absoluta . Um exemplo é o atual governo chinês, que sufoca um quinto da humanidade. A luta contra o muro é p lanetária. Enquanto a s ituação brasileira não se define, a gente pede que você ajude a destruir o pedaço de muro que está no seu vizinho de p lane­ta, que é um só. O muro também é um só. Chegou a vez qe pensar a nível loca l e agir a nível global. E o teu dever de ingerência. A ação é fácil, leia a matéria que começa na página 38. Além do muro chinês, a gente aproveita es­ta edição para mostrar duas caras impor­tantes do muro brasileiro - a da debili­dade universitária e a do controle televisivo. E ainda, uma entrevista com o Renato Rus­so, um dos nossos bons demolidores. Nen­huma porrada é mais poderosa que a sin­ceridade. Apesar de ser assunto inevitável para esse número, a CAOS nunca acreditou muito em movimento político. Existem jeitos mais legais de fazer muros ruírem. Só pra citar três: o sexo, a música e a ciência. E enquanto o muro não cai, o melhor lugar, sem dúvida e sem culpa, é em cima dele. A vista é bem melhor, inclusive para destruí-lo. Agora, se o muro insiste em ficar de pé não o transforme em muro das lamentações. De­strua-o por qualquer meio. A vida é curta e p reconceito, mentira, controle e totalitaris­mo .. . Nem aqu i nem na China! (Carlos Nader).

Muralha da China

PROMOÇÃO ANTICAOS ganhe uma assinatura CAOS

"Assim, O Deus todo-poderoso, ardente de vida, faz surgir do CAOS o homem, a mulher e os astros".

Graça Aranha no livro "A estética da vi­da" páginas 51-52.

Enviada por Adriana Coutinho Baches, São Paulo - SP.

"CAOS bem delimitado: as imagens desta exposição são o resultado genuíno da ex­perimentação matematica. Derivam dos estudos de sistemas dinâmicos complexos e demonstram quão surpreendentemente variáveis são as estruturas que se desen­volvem a partir das leis mais simples".

A Tarde de 31/10/89. Enviado por Gildo Andrade Simões, Ara­caju - SE.

"Os institutos de pesquisa ainda não se refizeram do CAOS gerado pelo paraque­dista Silvio Santos na campanha".

Carlos Castello Branco- 'Jornal do Brasil' 06/11/89. Enviada por José Ma11rício Penna, Ponte Nova - MG. "O que eles chamam de liberdade, eu chamo de CAOS".

Anthony Quinn no filme "R.PM. Revolu­tions Per Minute" de Stanley Kramer.

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Eclipse do Sol

Enviada por Marcelo Batista Camara, São Paulo - SP. "Para a ciência, CAOS é uma instabili­dade que persiste".

Folha de S. Paulo de 03111/89. Enviada por Masaru Yamaguchi, São Paulo - SP. "CAOS chega de tratar à Rio Branco " (so­bre a carreata de Caiado no Rio de Janeiro) O Globo de 26/10/89. Enviada por Regina Sylvia Pugliero, Niterói - RJ. "Nosso mundo físico não é um relógio, mas um CAOS imprevisível".

Ilya Prigogine no livro "Os verdadeiros pensadores de nosso tempo" Ed. Imago, pág. 44.

Enviada por Ricardo Ditchum, Campinas -SP.

"No principio era o CAOS, diz o Gênesis -e no entanto o homem não con­seguiu, através dos milênios, mais do que organizar o CAOS, isto é torná-lo chato".

Guilherme Figueiredo no livro "Tratado geral sobre os chatos".

Enviada por Silvana Jeha, São Paulo -SP. "Mas basta olharmos em volta para nos convencermos que a natureza, assim co-

"O número 7 está ótimo, ta~lo que estou enviando um exemplar para um amigo e correspondente da Africa-Brasil em Cabo Verde, muito interessado em lemas de ecologia e índ ios. A CAOS tem uma qualidade gráfica e de pa­pel de 12 grandeza. Continuarei torcendo para que ela dure muitos anos, pois manter uma publicação neste nível não deve ser nada fácil". Gildo Andrade Simões, Aracaiu - SE

"Adoro a revista. Ela é bárbara, divertida, alegre e faz pensar. Não trata de assuntos obrigatórios, mas trata obrigatoriamente de ótimos assuntos. Deli­ciosas páginas de informação e cultura". Carla Cavallucci, São Paulo - SP

"Gostei muito desta revista. Várias entrevistas com pessoas que são notícia. Pela capa você já sente o que deve rolar dentro. ·Como vocês conseguem tan­tos assuntos e fotos deste nível? Na minha opinião, era a revista que estava faltando nas bancas. Espero que façam sucesso! !!" João Paulo, Guaianazes - SP

"Com o país a beira do CAOS só mesmo uns doido-varridos pra editar uma revista como esta. Mas, pensando bem, num país que tem pseudo-poetas, verdadeiros marimbondos-de-fogo, tudo é possível! A edição de outubro foi a única que ~u comprei, e fiquei surpreso com a qualidade da revista, super bem feita. E pra brasileiro sentir orgulho do que é produz ido aqui". Claudio Aires Lourenço, São Paulo - SP

"Aproveito para lhes dizer que a revista CAOS merece os maiores elogios, pois é uma publicação diferente, com os mais variados assuntos e muitas imagens, ilustrando todas as reportagens". Marcelo 8. (amaro, São Paulo- SP

Caros amigos, foi com imenso prazer que li a revista de vocês (outubro 89). A

Estas pessoas ganharam uma assinatura anual da Revista CAOS, que é válida até dezem-bro de 1990. Procure você tam-hém uma frase com a palavra CAOS que tenha aparecido na mídia escrita, cantada, filmada, televisada etc, e concorra a uma assinatura CAOS. (Rua Artur de Azevedo 67/3 CEP - 05404 SP/SP)

mo as nossas sociedades, estão repletas dele: o CAOS nos espreita em toda parte".

Revista ACTUEL 109/110, pág. 162.

Enviada por Silvia Pimenta Rocha, Rio de Janeiro- RJ.

"Hesiodo- Primeiro nasceu o CAOS, de­pois do CAOS foram estes dois seres que nasceram: Terra e Amor".

Platão: O Banquete.

Enviada por Souza Conde, Guarapari­ES.

revista como um todo está interes­sante, gostosa de ser lida e inteli­gente. Ao contar com grandes figuras como Flávio Di Giorgi, cérebro enor­me que é, vocês certamente continua­rão a fazer este belo trabalho que já vem realizando. O Flávio é uma das pessoas mais interessantes que co­nheço, e foi meu professor no Santa Cruz. Parabéns a vocês e tomara que este grande trabalho possa prosseguir e ser bem absorvido pelo públ ico. Abraços. Jean Martin Sigrist )r., São Paulo - SP

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\

SÃO PAULO • DEPTO " DE RIO DE JANEIRO •

TEL (011) 852 2445 FRANCHISING TEL (021) 201 8522 R: 150

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cu l t w e a r

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I I :> E ú s

LAN ÇAMENTOS QUE NÃO DÁ PRA PERDER:

DO THE RIGHT THING - Trilho sonoro do filme (Motovvn/BMG)- 1989.

Rop, funk punk do Public Enemy, svvingbeot do Teddy Ri ley e reggoe do Steele Pulse. Tem fa ixas com m u i to soul do Lor i Perry e os irmãs Pe rr i . Também tem um toque latino de Rubens B lodes. Racismo é fe io, mos o tr i lho sonoro é

dem a is.

A L GREEN , I Get Joy (Poly G rom) ­l 989. Gospel em novo roupage m.

Letras com mensagens. D eus é g rande n o céu, AI Green é grande no terra . A

faixo título é um ocid-gospel, mos também tem hip-gospel-hop prod uzido por AI. B. Sure . Um grande cantor em um grande disco. Lembre-se do natal.

GIPSY KINGS (Epic/CBS) - 1 989. Do França com amor poro você. Ignore o faixo "Bomboleo", o resto é o máximo. Vozes sensuais, palmas apaixonantes e

solos de guitarra que levam qualquer um à loucura. "Amor, amor" . Ótimo pra

quem você ama.

LEGIÃO URBAN A, A s Quatro Estações (EMI) - 1 989. O m ais a cessível e o

menos rock - n o sen tido m ú sica rebelde para adolescentes - a té

agora. Algumas péro las com letras lindas: "O sol nasce pro todos. Só não

sobe quem não q uer".

ROUGH TRADE SUMMER COLLECTION 90 (Rough Trode/S tiletto)

- 1989. O melhor do novo rock dos EUA e Inglaterra . A . R. Kane e Sondie

Shavv e James são massa. Rock independente ainda tem futuro. Variado,

românt ico, brutal e novo.

VAN MORRISON, Avolon Sunset (PolyGrom)- 1989. O i rlandês Von Morrison está de vol ta com u m som

per feito paro ver o sol descer. Ouça , pense e chore a té o sol nascer de novo. C liff Ric ha rd conta n u ma faixo. Georgie

r ame toco numa outro .

caos a

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AS 1 O MAIS TOCADAS PELOS D • .J.S DO DMC BRASIL COMPILADAS PELOS D . .J . S FÁBIO MACARI E RENATO LOPEZ DO DMC BRASIL.

BLACK BOX - Rido on límo (De-Construction) 1 2" Produção íloliono do D. J. lolewel, tirado de um sucesso de Lolleoto Hollowoy - Lave Sensotion. Btock Box é associada õ Catherine Quino, que segundo a bando é sõ mais um res­tinho bonito.

STARLIGHT - Nvmoro Uno (City Beot) 1 2" Mais uma produção do D. J. lelewel, com acordes de piano, numa levado que lembro os produções house de Chicago.

SIMON HARRIS APRESENTANDO EINSTEIN - Another

M onsterjom (FFRR) 1 2" Conhecido polos sucessos anteriores: 'Boss H o w long Con You Go' e 'Hore Comes Thot Sound', S imon Horris apresento o ropper Einstein com trechos do grande h it 'French Kiss' de Lil Louis no i n trodução. Hip house enfurecido.

RUTH .JOY - Don'l push it (MCA) 1 2" Canto ra ingleso que se la n çou no b and o Krush com a músico 'H ouse A rros t', lanço sou prim e iro single e m c arreiro so lo al­c anç ando boa colocação n os parados d o v e rão europeu .

D. MOB APRESENTANDO CATHY DENNIS - C 'mon

And Get My Lavo (FFRR) 1 2" Seu primei ro sucesso foi 'W e Cal/ tt Acíd'- o hino d o Verão do Amor no Europa, depois ' lt's Tíme To Gel Funky'- um h ip house de primeiro. Agora lanço este sucesso com toda p inta de goroge (deep house/pop)

WRECKS 'N' EFFECT - New Jack Swing (M otown) 1 2" Grande sucesso do swing beot com produção de G e ne Grif­fin (Public Enomy) e Toddy Riloy, considerado o pai do swing beot. A bando existe desde 87 e estourou com o músico de Curtis Moyfild- 'Let's Do /1 Agoin'. Grande entre os rops da novo geração (De lo Soul, Digital underground).

L L COOL .J - Ctap Yaur Honds (CBS) LP Devo sor o próximo single do consagrado roppe r americano. O DMC indicou o sucesso e o comprovação veio nos clubs blocks e FMs como sucesso absoluto.

DE LUXE - Do You Roolly Lave Me (Uni que) 1 2" A ingleso Dolores 'Do Luxo' Springer dó um show d e interpre­tação no melhor estilo soul. Com certeza a revelaçã o d o ano poro público do chorm dance.

HEAVY D & THE BOYS - You Ain'l Heo rd Muthin' Yet

{M C A) LP Fa i xo do LP Big Time, apontado pelo critico como o melhor LP de rop do ano. Utilizo o groove de 'M y M ike S ounds Nice' d e Salt 'n Popa. Grande sucesso entre os blacks, pro duzido por Toddy Riley .

DIANA BROWN & K SHARP - Blind Foith (FFRR) 1 2 " A união d e foshion e músico, o gênero é c hamado de groun d beot. Toques do soul nos vocais com swing dos anos 70, p ro­duzido p e los gran des Jozzie B . e Nelle Hope r, responsáve i s pelo Sou/ 11 Sou/.

2 a DMC BRAZIL DJ MIXING CHAMPIONSHIP Elimina tó r ias programadas para dezem bro e m São Pau lo e Rio de Janeiro. Final entre 3 1 de janeiro e 1" d e feve reiro de 9 0 n o Olympio, contando com o porticipação de DJs de N . Y., Lond res e artistas internacionais.

Dicas do D • .J. Cloudlnho P e r e ira, free-lonce que to· dos os fins d e se mana animo alguma pista de danço em Porto Ale gre.

SKOWA E A MÁFIA - Amigo do amigo (EMI Odeon) - ver· são mix, uma dos mais dançantes do Brasil. Ritmos pulsando.

ROLLING STONES - Mixed Emotions (CBS) - Dance mix,

o velho pulsação do rock dos grandes mestres. PRINCE - The Boi Mix (WEA) - Inspirado no belo perfor­monce do Jack Nicholson como Coringa. Chocante.

BOMB THE BASS - Beot-dis (STILETTO) - Versão mix, de­senhos animados dos pistas de dança. Flashbock que ainda enche o pista.

MARINA - A Francesa (PolyGrom) - Mix da Marina pro sair da festo à francesa.

Discos importados:

Poster Som, Avenida São Joõo 439, Grandes Golerias, sub-solo;

Gordo Discos , Avenida Prestes M aio 24 1 , 3" andor, con j . 304;

Gringo Records, Discomanis, Truck's Discos - todos no Gale ri a Presidente, Rua 24 de M o io, 1 16, Rua A lto; Yob­bo-Dabbo·Doo Discos, Ruo loió 178, lto im Bibi. Todos os lo jas om São Paulo.

"TUDO QUE NÓS TEMOS É NOVO E EU

VOU ME ABRIR PRA VOCÊ COMO UMA

ROSA., SUSSURRA LUCINDA WILLIAMS NO PRIIV\EIRO LP DElA, Lucinda Williams

!Rough Trode/Siiletlo) o ser lançado no Eu­ropa e no Brasil. É um LP intimislo e român­

tico, com influências feries de blues, rock e

counlry. Mos, você nunca ouviu nodo

igual. Lucinda conlo o solidão, o amor, so­

bre como deixar alguém e ser deixado.

Nodo de novo, mos com o voz direlo de

Lucinda ocomponhodo pelo guitarra steele,

dobro e violo, parece que é o primeiro vez

que alguém pergunto: ·será que eu estou triste demais pro você"? Nascido no

louisiono lrinto e poucos anos olrós, Lucin­

da esló no estrado hó muilo lempo. Depois

de vários anos conlondo em bares e so­

loons no Texas, Arkansas e Novo York, elo

se mudou poro los Angeles. lá, linho o es·

peronço de conseguir um conlrolo com

uma grande grovodoto. O problema poro

os gravadoras americanos era que o Lucin­

da não é rock, nem country, nem blues,

nem pop. Fico difícil vender poro um públi·

co segmenlodo. Felizmenle o ogenle do

gravadora independenle ingleso, Rough

Trode, ficou impressionado, assinou conlro-

me enco1xor num rótulo só paro vender e Rough Trade me deu liberdade total". composições são dela.

Luc inda Wilioms lonç o o seu primeiro LP no Brasil.

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SALSA, CHARANGA E SONGO: DE CUBA PARA O BRASIL VIA WEA. São seis discos e seis bandas que lapidam os rítmos cubanos afinados com as mais diversas concepções musicais do mundo, sem perder o sotaque do coribe. Além do violonista Pablo Milonés, nosso conhecido por suas parcerias com Chico Buorque em 'Conción

M s CA

Gonzolo Rubolcobo é um dos seis orti s tos cubanos lonçodo no B rasil.

Por lo Unidad lotinoomericono' e em 'lolonda', estão incluídos neste pacote mais cinco nomes inéditos no mercado fonográfico brasileiro, mos que repercutem há muito pelo planeta. O pianista Gonzalo Rubalcaba, com dois lPs gravados na Alemanha e que já dividiu palcos com João Gilberto e Floro Purim. Fiel as influências afro-latinos, o trompetista Arturo Sondovol, lançou três discos com Dizzy Gillespie e é considerado pelo crítico um dos melhores do mundo. Pianista de formação clássica, José Maria Vitier foz um jazz sinfônico percorrendo do universo erudito às mais remotos raízes do músico cubano. Por fim, os maiores surpresos ficam por conta de duas verdadeiros orquestras que prometem não te deixar parado. los Von Van, com o LP 'Nosotros dei Caribe', injetam o 'songo' no músico cubano. Resultado: .arranjos e hamonizoções vocais derivados do charanga pro sacudir qualquer verão. No mesmo rítmo vem o lrokere, liderado por Chucho Valdês e com vinte anos de estrado. Aproveite, a Ilha veio até você. (Attilio leone).

A CANTORA ADEVA NÃO GOSTA DE DR NEM DE ROCK'N'ROLL, MAS ADORA SEXO. El

lançando seu primeiro LP, ADEVA! (C ooltem no Brasil nos próximos dias. Um LP cheio de sex-o

Adevo, ape lido que significo uma diva (i A- uma, Diva) é uma dos primeiros artistas qu conseguindo juntar os Fragmentos de house e g

com rythm ond blues e soul poro vender público que não necessariamente g osto de

A voz dela leva poro além dos pistas de noturnos. Levo poro os parados pop d o mundo As faixas "ln And Out Of My Life", "Musico/ rrcee·tW~

e "Respect" - aquela mesmo que o Aretho conto - são dos mais quentes nos pistas do jo Inglaterra, Argélia e Brasil. Nascido Patrícia Da em Novo Jersey há vinte e poucos anos, elo en

pelo primeiro vez numa coso noturno dois anos o Antes disso, contava num cora l do Igreja Bati

aonde o pai dela era pastor e e ra professora crianças deficientes. Depois que descobriu o polco

suo forço em c imo dele, ninguém ma is segurou Adevo Elo é grande, tem um es tilo próprio e uma voz .

impossível de se copiar. Elo sobe o que quer: fomo, Fama, Fomo. (Sérg io Sompler)

Adevo ó o novo d iv o do soul.

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NA HISTÓRIA DO REGGAE NO BRASIL O

PERSONAGEM CENTRAL É JAY MAHAL

(só a mãe dele, talvez, o chame de Luiz

Antonio, enquanto uns poucos falam de

um tal Tonico Carvalhosa). No quarto-estú­

dio de Jay Mahat na Rua Polônia, pas­saram Nando 'Titãs' Reis (que ao lado do

Mahal, do Coo Hamburguer, do Marcelo

Mangabeira e Vange Leonet formaram o

grupo Os Camarões, em 78L passaram Chico Evangelista (o do 'Rasta Pé', que

aparece na área até hoje), Roba Petrucci {Sinsemilla), Clé Ferreira e Gil Colle

(Walking Lions) e vai por aí. Ovelha negra

da família, pastor branco do tribo black. Em torno do Mahal hoje rola a banda

Pacíficos da Ilha, que toca principalmente

composições dele mesmo. O chaka-<:haka

que ressona até tarde agora numa quebra­

da da Vila Madalena, atrai e inspira

vários nomes do reggae paulista {Sinsemil­la, Walking Lions, Nomad e outros agre­

gados sem nome). Joy Mohal já foi o Rasto

de Plantão do TV Gazeta, um personagem

criado por ele e que ficava diante do pré­

dio da emissora, em plena Paulista,

vendendo sanduiches e dando filosofias

meio rostos, meio iogues. O maior suces­

so. Hoje ele divide com China Kane, o in­

cógnito, a produção e apresentação de dois programas na Brasil 2000 FM. Das 5

caos 12

c::> ú s

"A BANDA AFRIKA G UM BE TEM UM SOM MAIS PRA MADONNA DO Q UE PRA BANDA REFLEXUS", d iz Marcos Lobato, 27, letrista, compositor, guitarrista e teclodisto do bando carioca que acabou de lançar o seu primeiro d isco Afrika Gumbe (Estúdio Eldorado). O LP é um ataque de rítmos, percussão e sonoridades africanos. Todos os fa ixas são contados em yorubá -língua do N igéria que também tem fortes influências no Bahia. "A música pede yorubó", diz Marços que pesquiso o língua há vários anos. Tem um pouco de tudo neste LP j uju, H igh·lile, Samba, Afro·beot - um encontro musical no meio do oceano Atlântico. "tl\as", diz Marcos, "nosso som não tem nado o ver com lombada. E mais condensado, mais pop". A batucado inicial do bando nasceu há mais de 1 O anos no Rio de janeiro, influenciado por africanos que trabalhavam, estudavam ou só via javam pela cidade maravilhoso. Alguns a fricanos voltaram, outros ficaram, mos o batucada continou pelo Lopo, Santo Teresa, Ipanema e leblon. Dois anos o trás, Marcos Lobato e Pedro Leão saíram dos Robôs Efêmeros de Fausto Fowcett poro ba tucar junto com Fô Ventura, voz; Eduardo Proença, guitarra e voz; M arcelo Lobato, voz, teclados, bateria acústico e eletrônico e Adú O blógun, tolking drum. A bando tomou formo . Produzido pelos Lobato Brothers e Pedro leão, o LP conta com participações do Jorge Plotero e Eduardo Aveno congas, bongos e kalimbos. Afrika de sonoridade e Gumbe de rítmo, Afrika Gumbe esquento o seu verão. {Condom Bié)

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tNQUANTO ISSO ... .,. O produtor inglês Mark Brydon que trabalhou junto com, entre outros, Yozz e Caboret Voltaire, está pro­duzindo o primeiro Lp do bando paulista Teknoir. Tam­b é m produzindo Teknoir: Di: no Vicente, Ar Livre e Arrigo Bo rn o bé. 11> Atenção surlislas: o BMG ocobo de lançar o lP M:lgnum Com loooer do bando ouslroliano Hocdoo GJrus. Ou·ros oustrolionos no mercado: o ~nk-branco do Wo Wo Nee, o reá flvl-t:e~~do co Noiseworks e doi5lPs 10,9,8 7,6,5,4,3,2, 1 e Red Soils in The Sun­sel doMdn~ht OII -osmoisbmosos. Todospe.oCBS. 11> Coron VVheeler, aquela que co nto "Keep On Movin" e "Bock To Life", os grandes s ucessos do Soul 11 Soul, liderado por jozzie B , está no estúd io em Lon­dres gravando o seu primeiro Lp solo. Colaboram: jungle Brothers e Blocksm ith. 11> As e!ilr:ir.olbfins fX:rO o segurdn c:rnoeorxro ooc'cool de discicx:ke'f's esoo progromoOOs JXl!O dezembro em SP e Rio. A grande ~no! oconlece em ~neiro/levae·ro no Ol,rrpi: e'" São ?o • .'o. co:n o plrtici~ de Oj.s de NoJo YOO,lon­dres eoolrosolliskls ill'ernociorois. O ~no~~ gorane ~~ oo corru:e:JI\O·o ':Ji.nJ·o ce 98. "' "Todos os pessoas neste mundo solitário, tem um pouco de dor por dentro", conto Annie Lennox no novo Lp dos Eurytmics, VVe Too Are One (RCA/BMG} . .,. A borrlo Ho~·. qt.ecgrro ~:> ~ês es:ó oegociandocan 0010gr<l'IO<laa roolfnociorol pliCO seu próxiloo disco. já tem os bJses grO"I'Odos. O oome do trabalho é Sp·eoceo. .,. O novo LP do The The, Mind 8omb (CBS), tem os riffs de guitarra mais o usados deste ano. O culpado: johnny Morr, ex-Smiths e Pretenders . .,. Os Dj.s Renolo Lopez e MJrquinl-os, do Nolion Disco Club em São Podo re:ize•om 1odo D:o Era Dia De Índio' de Bo~ Consuelo p3ro animar os pistas. Com base rítmico de 23 Skidoo's 'Coup' e irechos do ót:ero O GJOroni ce Carlos Gomes. Procuro-se Nolion."' Von Morri­san continuo, depois de 20 anos, contando sobre o beleza do natureza no novo LP, Avolon Sunset (PolyGrom). O que o Caetano é pro gente, Von Morrison é poro os irlandeses . "' Tooíde e o DJ Hum lotaram o ginásio Prolozio Alves em Parlo Á!egre no rr.oior evento de músico b!ock oo região goí.dlo num evento organizado t:eloDJMJnoDekio. A ma~se movimenlo . ll> Todos os meses, o Club Dado está perto de voe~. O amor so lvo o dia, o músico solvo s uo vida! "' Temos Sandra de Só, Jorge Ben~r e jonel jockson, os os1ros do numeroog·o. Tooo o mo·e·iol OIO!l'«iono1 do nCNo lP ~m Nolion de Janet Jackson (Pdy­Groml ocomplnOO o número 1814. O lP foi lo'IÇodod:o ·4 de selerrbro. 1+4.,.9:1( 1+8+1 .. 4:14. O lorçorr.enlo foi no clube 1814 em los

Ang~es O compoclo IWss Yoo Md licoo ttês semoros em piime·ro klgor no p3rodo oop/lild: do revis'o &1Tooord. Sorte deb. "" Fel lini lançará o LP Amor Louco (VVop Bop) o quarto, logo mais . .,. Agucrdem: o bando pl~islo lechno­opero-OOu~olch-sompler, DJ Chila, inH~t enciodos p3r Strovins~. Voodoo, Egbelto Gismonli e Phillip Gloss. A bando esló com uma demo gravado em 16 canais, e é mais

· pcp que sambo e mais 00use que rock. O ~luro jó p3rece meloor.

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CI ' RCUI'W'

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I C> E >C R T E

CARLITO CONTINI - pinturas (óleo/tela) - até o dia 22 de dezembro na Casa Triângulo/ Rua

Bento Freitas 33/ São Paulo.

NELSON LEIRNER - pinturas (óleo/tela) - até o dia 23 de dezembro na Luisa Strina, Rua Padre

João Manuel/ 97 4, São Paulo.

BOI -pinturas (acrílico/tela) - até o dia 22 de dezembro na Subdistrito Comercial de Arte/ Rua

Artur de Azevedo 401/ São Paulo.

LUCY VILLA-LOBOS/ SHEILA GOLOBOROTKO ­pinturas (óleo/telaL gravuras em metal - até o fina l do mês na Espaço Capital/ SCL- Sul 405

-Bloco B - loja 16/ Brasília D.F.

ADRIANA VAREJÃO/ CAETANO DE ALMEIDA DANIEL SENISE, EDGARD DE SOUZA/

GUILHERMO KUITCA/ TONY CRAGG -Estande E-204- até o dia 20 de dezembro na Thomas Cohn Arte Contemporânea, Rua Barão

do Torre 185-A Rio de Janeiro.

EYMAR BRANDÃO - pinturas (técnica mista) ·_ até o dia 11 de dezembro. Dia 19 de dezembro:

apresentação do vencedor do Prêmio Fiai de vídeo 1989/ ROGÉRIO VELOSO e MERRY

COUTO, no Sala Corpo e Exposições/ Avenida dos Bandeirantes 866, Belo Horizonte.

GLÓRIA YEN YORDI/ GAUDÊNCIO FIDELIS­pinturas (acríl ico/tela), esculturas- até o dia 27 de dezembro na Art & Foto/ Ruo Santo Antônio

226/ Porto Alegre.

FRANCISCO STOCKINGER - esculturas de flores - até o dia 30 de dezembro na Tina

Zappolli/ Ruo Paulinho Teixeira 35, Porto Alegre.

caos 18

Page 21: Caos n. 8 - Out 1989

A R T E

" Still Live Action", Lieve Prins 1989. Em colabora­ção como Toto Frima, Diana Blok, Morto Broek­mans, Dirck Braeckman, Jürgen Olbrich, Pim Vlug e Jaschi Klein.

"O QUE EU FAÇO NÃO É FO­

TOGRAFIA E NEM XEROX", DIZ LIEVE

PRINS. Aos 41 anos, Lieve veio mostrar

seu trabalho na XX Bienal de Arte de

São Paulo, mas diz que foi enganada.

"Eu ficava só xerocando mãozinhas de

crianças que vinham em excursões, nâo

houve em nenhum momento um inter­

câmbio entre artistas ou qualquer tipo de

discussâo". Lieve Prins retirou-se do Bie­

nal levando seu t rabalho de volta para

Amsterdam . Lieve coloca pessoas, pol­

vos, peixes, flores e outras coisas em

cima da máquina de xe­

rox e tira cópias em ta­

manho natural. Mas o

que ela faz, vai muito

além de copiar. " O que

nós temos nâo é uma

cópia de um original"

ela diz, "é um original

em si. É uma peça única

em tamanho natural".

Numa performance, Lie­

ve Prins convidou 7 ar­

tistas holandeses para

participar com idéias e

poses para os xerox. O

resu ltado é " Sti/1 Live

Action" (foto). Na per­

formance, ela colocou

p lástico e água em ci­

ma do vidro da copia­

dora para criar uma

idéia de movimento. Ou­

tras vezes, foi a própria

imagem que se movi­

mentou. Para Prins a

máquina é um grande

saco de truques : "é uma

máquina mágica aonde

dó pra você desenhar,

pintor e fotografar com

resultados super profissionais". Lieve

Prins + idéia + fotografia + xerox - Bie­

nal = Arte (Sérgio Sampler)

caos 19

Page 22: Caos n. 8 - Out 1989

Mobi liá r io obsurdo d e Edgord de Souza .

caos 20

A R T E

PODERIAM SER CADEIRAS. MAS NÃO SÃO.

PEDEM UMA FUNÇÃO UTILITÁRIA QUE NÃO

SE REALIZA NA PRÁTICA. Poderiam ser bichos.

Mas não são. Aqui, as partes não se articulam

organicamente. Afinal, a quê categoria de objeto

aspiram as últimas criações de Edgard de Souza

que, com 27 anos, já percorreu vários salões e a

feiro internacional de arte de Colônia?

Edgard de Souza não é escultor tradicional que

retira camadas de um material, esculpindo pro­

priamente dito. Tampouco acrescenta significa­

dos a objetos já existentes no cenário industrial.

Edgard de Souza se aproximaria mais do

definição de designer, no sentido de desenhar e

construir peças que ocupam seu imaginário.

A aventura da invenção desse mobiliário absur-

do escapou de umas telas bidimensionais em

que a questão da representação do

real ainda era em estado ba lbu­

ciante. Edgard pintou dólmens,

pedras em estado bruto, para

depois se lançar a tarefa

de 'construtor', onde real­

mente propõe uma es­

tética singularizada. E

aí foi lapidando pe­

dras, até e las se tor­

narem preciosas pa­

ra a arte: alianças,

pérolas, moedas,

jóias mesmo. O

artista, hábil, pen­

durou-as na pa­

rede, corpo por ex-

celência da história.

E agora, banqui­

nhos. Cadeiras. Di­

vãs. Com a exube­

rância do veludo, da

seda, da espuma, do

couro. Ancoradas em pés

de madeira. Silenciosas.

Magnificientes e autosuficientes.

Com perfeito acobCímento. Ed­

gard de Souza é um sedutor. Sa­

be capturar nosso olhar. Tudo

nele é virtual, ameaça acontecer

numa dimensão que sempre es­

capo ... As obras de Edgard de

Souza são puro desejo .

(Lisette Lagnado)

Page 23: Caos n. 8 - Out 1989

Floshmon, junto com seus primos Changoman e Jaspion protegem o Japõo

TV/QUADRINHOS

RÉSTIAS OE AlHO, CRUCIFIXOS E REZA BRAVA NÃO IMPEDIRÃO QUE DRÁCUlA ATAQUE TODAS AS BANCAS DO PAÍS NO COMEÇO DE 90. Não é que os pescoços dos jorro eiros esle­jom apetitosos. Trolo·se do próximo grophic nove! do Ed:toro Abril, estrelado pelo lendário conde romeno, com lextos e aquarelas ce Jon J. Mulh. Edilodo em 1986 pelo tv\arvel, o ó bum :em 80 pág·· nos que se sentiriam profundamente o1endidos se fossem chamados de 'gibi'. Sõo uma obco de or!e. "Oráculo - umo sin­fonia de luar e pesadelos" é um livro ilustrado. Não :em balões nem onomotopéios. O tem é fo•ocomfX>s:o em estilo clássico e os páginas são emoldurados fX>r vir.hetos que SJgerem uma pro­dução bem cuidado. Não deve agradar aos morve!es e decenou­los que se hab·toorom o ver, pelo selo de quadrinhos adultos, ver· sões melhorados de seus barulhentos, ingénuos e moralistas super· heróis. Oróculo !em classe. Sobe usar os fX>deres do sedução poro sugar, do songue de suas vítimas, o vida eterno. A novo linho editorial que o Abril vem apresentando em seus quadrinhos de luxo são, também, uma prévio dos livros -edições em copo duro, poro colecionodores com orçamentos mais folgados- que devem ser publicados ainda em 1990. Este seria o resultado do união enlre o exlin!o Novo Cultural, que se dedicava aos fascículos e similares, com o divisão inlonto-jwenil do rooo poderoso edi,oro de Victor Civita. A Abriljovem, opesor do nome esdrúxulo, promete surpreender o concorrência e -tomara -o público. ~rcelo Alencar)

IMPOSSÍVEl NÃO lEMBRAR DO NACIONAl KID. VOCÊ CO-

NHECEU? Talvez fosse muito mais mal produzido, mas não perdia em

monstros e dramaticidade para )aspion e Changeman. Esse tipo de

série de heróis é super-característica do Japão e dificilmente será prcr

duzida com tanto charme (sic) em outros países do mundo. É preciso

Oráculo, quadrinhos em oquarela, chego às bancos no começo do ano

o aquela ingenuidade típica dos ., ; japs. O fato é que tendo estreado ' õ em 1986 no seu país de origem,

tanto )aspion quanto Changeman tiveram sucesso garantido por lá,

antes de atingirem a tela da

Manchete. No Brasil, além do TV

os heróis via jam num circo. lmagi·

nem os incríveis plantas cornívo·

ras morrendo de raio laser sob

uma lona em Ouixeramobim. A

garotada delira. Muitos amigos

também. Tenho me descoberto

não sendo o único que busca o

mais esquisito passível para ver

na telinha, na falta de algo mais

consistente. O 'cult' da década

de 90, nessa linha, deverão ser

as produções coreanas classe 'z'.

Enquanto isso a Everesl Vídeo do

Brasil avisa: a série já saiu do ar

no Japão, mas foi imediatamente

substituída por outra do gênero.

O público fiel não ficará sem en·

tretenimento. Os mais rigorosos

continuam pedindo a reprise do

vovô Nacional Kid contra os

destemidos Incas Venuzionos. (Marcelo Machado)

Page 24: Caos n. 8 - Out 1989

E E

CINEMA PARADISO- Giuseppe Tornotore, Itália (88) - Nos anos 50, numa vila siciliano, um garoto de dez anos descobre o

mogió do cinema pelos mãos de um projecionisto. Daqueles filmes que fazem o gente entender porque é que o cinema foz tão

bem.Prêmio Especial do júri no Festival de Cannes de 89. Demais!

NAVIGATOR, UMA ODISSÉIA NO TEMPO - Vincent Word, Novo Zelândia (88) - Tudo começo no século XIV. A peste se aproximo de uma aldeia. Um garotinho tem o visão salvadora: fazer um buraco no Terra e sair do outro lodo. Lá, é só colocar

uma cruz de cobre no alto do catedral. Só q ue o buraco é grande e o tropa de a ldeões sai no Novo Zelândia em 1988.

Isso é que é viagem, o resto é passeio.

EU SOU O SENHOR DO CASTELO - Régis W orgnier, França (88}- O poder não tem idade. Dois pivetes disputam território, lutam pelo amor de uma mãe e de um poi, contam coragem e

covardia. Mos numa guerra ninguém ganho de verdade e nesse filme é assim. Além do oceano está o final. E ele se aproximo

cada vez mais. Sucesso no último Mostro.

ROSALYNE E OS LEÕES-Jean jocques.Beneix, França (88)­Nessa ele dançou. Ah Betty 8/ue ... A idéia era boa: um casal de

domadores de leões, o amor deixando de ser humano e se tornando fero Só que Mr. Beneix se encantou pelo loirinho e pisou no cauda do gatão. O próximo desconto, você' pode ler certeza.

Quem sobe o cominho não se perde duas vezes ...

NÃO MATARÁS- Krzysztof Kieslowski, Polônio (88)- Um garoto. Um chofer de táxr Um advogado. São esses os

personagens do filme Só que de repente tudo mudo de figur~: não é só um garoto, nem um chofer de táxi e um advogado. E a coro do humanidade que aparece neste espelho. Comus passou

por· aqui.. . E storrecedorl

N ÃO AMARÁS - Krzysztof Kieslowski, Polãnio (89) - Ganhou o 1 39 M ostro e com muitos méritos. No Brasil vai ser distribuído pelo Pandora . uma distribuidora jovem e cheia de coragem. O

rapaz do correio fica observando a vizinha artista com uma luneta. Rouba suo correspondência e se-apaixona por elo. Mos ...

o amor tem tontos lados e sempre é tão diferente. Q uem acreditava nele se decepciono. Quem já tinha esquecido se

apaixono Nó no garganta e no corpo inteiro.

O URSO -Jean Jacques Annoud, França (87) - A história de um urso desde sua infância até que ele se torne adulto. Pro todo

mundo sair do cinema e posso r no circo. Mãe ... Eu quero um ursinho ... O urso víOfO. come uns cogumelos e vôo sem medo pelo

'rmaginoçõo. Do mesmo diretor de A Guerra Do Fogo.

REUNIÃO- Jer~y Schotzberg, EUA (88) - Um menino judeu e seu o mrgo, um nobre alemão Os dois são separados pelo 2º G uerra. 50 anos depois, fÓ advogado, o menino judeu sai de

Novo York e volto poro Stullgort poro descobrir o que aconteceu com seu amigo O reencontro será comovente. Recordar é viver ...

OUTROS FilMES llGAtS QUE DEVEM CHEGAR LOGO MAIS:

MISlfRY lRAIN-Jimjarmusch, EUA (891.

A VIDA E NADA MAIS - Bertrand Tavernier, França {89).

TAMPOPO-Juzo ltami, Japão (87)

O SONHO DO

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SHIRT

lN

TH~ BOX

Page 28: Caos n. 8 - Out 1989

Noko Menno Sorroto fez umo copo comestível

do CAOS.

s G D

A

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Pro olhar e comer.

B E E

O R N

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E S N T E N G N

D R E S S I N G R E se T A U R A N T E

COMIDA

TODO MJNOO QUER !W'()';.. E NÃO HÁ IW{)R MAJS SINCERO QUE O

AN{)R PElA COMIDA, como di$5e Bemord Shaw. O alimento é onles de ludo, ali­

mento poro o olmo. E o crie culinário o expressão dessa ene~gio; um dos troços

mais fortes de uma cultura. Fascinado por esta linguagem, Neko Menno Barreto é

hoje umo especial representante do culinário ·de vanguarda' no pois Sensive~

mente expe~imentol, seu lrobolho não se limito apenas à criação de novos e deli­

ciosos prelos e combinações. Poro Neko o alo de comer eslà cercado por uma

cadeia de sensações e estímulos, que hoje em dia estão sendo massacrados pelo

fost·food. Formado pelo cozinho nalurolislo, hoje Neko se dedico o descobrir os

·: segredos que cada alimento guardo em si e no suo combinação com os outros.

~ 'Afinal se umo omelete é umo ólimo solução salgado, porque então não procurar o C)

.!1 suo mois perfeito solução doce?', pergunto elo. Seus jantares e coqueteis são ver· c; g dedeiras instalações com alimentos, prelos de pedras, travessos de vidro, copos em

a: formo de tubos de ensaio, cromos especiais. Frente o uma de suas mesas lemos

que descobrir uma novo maneiro de comer ludo aquilo que normalmente conhece­

mos, só que ogoro recriados pelo estético do polodor. É um trabalho. corno os me­

lhores do orle, que oferece o belezo o quem contemplo e simuhoneomente exige

umo novo compreensão deste loto. jà que somos finitos, enlõo sejamos belos. Poro

culinário de vanguarda, disque O li 257-7865 e fole com o Neko. IM)Jio Ramiro)

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R AMAURI 337 FONE 282 5347

Page 29: Caos n. 8 - Out 1989

CERVEJA

ATÉ JANEIRO VOCÊ TROMBARÁ NOS SUPERMER­

CADOS COM A VERSÃO NACIONAL DA CERVE­

JA HOLANDESA HEINEKEN, A CERVEJA NÃO­

AMERICANA MAIS BEBIDA NOS EUA De cada

quatro lotinhos importados consumidos nos EUA,

uma é Heineken. Os Países Baixos, produz mais de

50% do cerveja consumido. Produziu 4.3 bilhões

de litros ano passado, o equivalente o todo cerveja

bebido ano passado no Brasi l. Aqui, elo vai ser

A novo cerveja paro o verão brasileiro

produzido pelo cervejaria

Kaiser, que montou uma

fábrica especial poro fa­

zer o Heineken. Segundo

os figurões do Koiser, o sa·

bor será igualzinho ao do

original "seguimos o sis­

tema da Coca-Cola, temos

o mesmo sabor no mundo

inteiro". Pode até ser, mos

só acredite experimentan­

do: o problema da cerveja

brasileira não é a receita,

é a água utilizada - co­

mo sabe qualquer bebe­

dor respeitável. Se der cer­

to, a Heineken até valerá

os 10% mais coros que

custará. Apesar de fra­

quinha, seu gosto é étimo.

E o rompimento do mo­

nopólio Brahma-Antarctica

só traz vantagens e abre

um precedente importante.

Com um pouco de sorte,

em algum tempo teremos

aqui néctares divinos co­

mo o elegante Sapporo (uma "dry beer" japoneso

que não deixa travo azêdo no boca e tem 1 0% o

mais de álcool) e o néctar dos néctares, a Carls­

berg Lager, que, como reza o famoso slogan, é

"the best lager in the world - probably".

(André Forostieri)

caos 27

ARACAJU Konoo

ARARAQUARA Bonny & Clyde

PostOficce BARBACENA

Brasil Sem Z BAURU

Posto 5 · Jeonerotion . BELÉM

Visão BELO HORIZONTE

Zok Nos h

Pele Moreno R o li a

Contorno' s Boutique Step ByStep

Ro ii Woy BLUMENAU

M.H.P. Jeons BRASÍLIA

Dollo's Clube Jeons Jeons Oeste

CAMPINAS lo Marco

Condy CAMPO GRANDE

lojas Centauro CANOAS

Bronson C~XIAS DO SUL

Fredizzi CRUZ ALTA

Trekus CURITIBA

Jean stock FEIRA DE SANTANA

Micheloom Boutique H2A

lino's Modos Otton Center

FLORIANÓPOLIS Modelo r

Beco FORTALEZA

Stillo' s Ocqpono

GOIANIA G reen House

IJUÍ Buroku's

JACAREÍ Rosvoldo Modos

JAÚ Fred Jeons

JUIZ.DE FORA Coso Dei monte

LONDRINA Biboco

MACEIÓ Skollus

Mister' s Mochu's

MARÍLIA Belo Mogozine MARINGÁ Genko NATAL RioCenter Boomerongue PASSO FUNDO Maré Alto PORTO ALEGRE Coso lu Huff Konto Kente Bronson RECIFE Mó fomo Spelunko T eresinho Boutique Tolent RIBEIRÃO PRETO Abruzzy - Jeonerotion RIO GRANDE Collores SALVADOR Ferramenta do Corpo Woshi lido Converse Dorion Pop Unissex Eremita SANTA MARIA Vento Norte SANTIAGO G.B. Tomiosso SANTO ANDRÉ Koiuvi SANTOS Pont's Jeons SÃO BERNARDO DO CAMPO Dudu Conf. SÃO JOÃO DEL REY M.V. Speciol SÃO JOSÉ DO RIO PRETO Broubeck's .Jeone rotion SÃO PAULO Jeons Store Jeons Torko Skin Jeons Bob Shop Teen's look Jeons Flash Bock Turbo Jeons Revue Remember SOROCABA Só Calços Kiss TAUBATÉ Boby'o Ponto Q ua tro UBERABA JoóoeMori o

Page 30: Caos n. 8 - Out 1989

I I

O G~AN~C MO~ MCNIO O principal problerna dos anos 80, pa­

ra os seus críticos, foi ter sido incapaz

de produzir urn G r ande Movirne nto. Movirnento: essa palavra mágica já teve um poder sedutor quase imbatível. Organizar o Movimento era sinônimo de lutar contra o estabelecido, o status quo, a caretice. E mais: movimentar-se pressupunha uma meta, um futuro em que a humanidade, seguindo as regras do Movimento, se tornaria livre, leve e solta. O mundo não escondia sua simplicidade: de um lado es­tava a repressão, do outro estavam a malucada-beleza e o povo revolucionário. Entrar para o Movimento sig­nificava tomar partido do Bem contra o Mal. Talvez a única idéia-forte, quase consensual, dos anos 80 seja uma descrença profunda na simplicidade do mundo. Por isso a impossibilidade de um Grande Movimento: nem o bem nem o mal significam ames­ma coisa pra todo mundo. Por isso, contra o Grande Movimento, o que a nossa década viu acontecer foi uma proliferação abusiva/excessiva de todo t ipo de 'movimentos', quase sempre de vida curta e que não mais exigem a adesão perpétua de seus militantes. Fim das ideologias, fim das ilusões ou qualquer outro fim. Os anos 80 terminam com esse inebriante show televisivo chamado o fim do comunismo. Nenhuma novela se compara com essa superprodução: um dia é o massacre na China, no outro é o Solidariedade tomando o poder na Polônia, depois é a fuga de mi­lhares de alemães orientais. E nas cenas do próximo capítulo aparece o partido comunista húngaro que de­cide não ser mais comunista. Tudo é show e qualquer causa é um bom motivo pra se fazer um show, seja ela a fome na Etiópia, a destruição da Amazônia ou a divulgação do SOS Racismo francês. A política cai no ritmo do pop e os movimentos entram e saem de mo­da (ou ganham e perdem interesse) com uma veloci­dade impressionante. Superficialismo? Pode ser. A 'profundidade' sempre foi cúmplice das verdades eternas e suas propostas de catequese universal. O pop é o inimigo público nº 1 da eternidade. Quando até a política (ou a religião: esconderijos ideais para os sacerdotes do eterno) se transforma em fenômeno pop, o mundo inteiro já 'as­sumiu seu lado' (para usar uma expressão bem data­da, bem anos 60) efêmero e eternamente precário. Ve­ja o caso das artes plásticas. Os anos 80 começaram neo-expressionistas e terminaram inexpressionistas. Todos os estilos da arte ocidental foram lançados co­mo neo-modismos em menos de dez anos. Todos eles conviveram mais ou menos pacificamente uns com os

C CIOS 28

I~< >

outros sem nenhuma das características guerrilheiras das va'nguardas de 50 anos atrás. O público escolheu todos os estilos ao mesmo tempo, sem se comprome­ter com nenhum deles. A mesma coisa aconteceu com a religião. Os fiéis praticaram como nunca o do-it-yourself. Aqui uma pitada de budismo, ali um mandamento islâmico, mais adiante uma meditação sufi. Ou então: hoje raj­neesh, amanhã teologia da libertação e depois de amanhã candomblé. Ou então (para roupas, música, etc.): hoje neo-romântico, amanhã acid-house e no fu­turo (quem sabe, tudo é tão imprevisível) qualquer coisa. Cada um deve inventar seu próprio credo, seu próprio estilo, sua própria mixagem cultural. Para isso é necessário ser forte como um super homem (em al­guns casos) ou apenas ter a atitude de quem vai ao supermercado. Quem não quiser escolher basta ir na onda, se deixando levar por um dos milhares de movi­mentos que aparecem todos os dias. Isso é ao mesmo tempo muito fácil e muito difícil. Os movimentos de hoje não podem deixar de res­ponder a algumas questões impertinentes. Como dar a mínima durabilidade (que caracteriza um movi­mento) ao espontâneo, ao efêmero? Como dar sentido coletivo àquilo que se alimenta do individualismo? Como inventar a política (se esse for o caso) a partir da descrença na política? Como organizar um movi­mento que não se burocratize, que permaneça ágil, vi­tal, revendo sempre suas regras? Talvez o sucesso de organizações/movimentos como o SOS Racismo, o Greenpeace ou a Anistia Interna­cional venha de uma habilidade para lidar com essas perguntas e com um mundo irremediavelmente pop. Existem muitos impasses, é claro. Por exemplo: o crítico Frank Owen apontou, no Village Voice, a con-· tradição que existe entre um movimento ecológico que prega a frugalidade/contenção e uma cultura pop que vive do excesso e do desperdício. Como unir os dois mundos? Só o Sting tem a resposta? Chega de perguntas. O charme dos anos 80 está na diversidade de caminhos propostos para resolver qualquer problema e nos inúmeros movimentos surgi­dos para defender qualquer causa. Se não viver numa situação-limite como a da China, até o nosso hippie velho (que detesta os anos 80) pode praticar seu Grande Movimento em paz.

Herrnono Vionno é ontropólogo

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<>PI~

CN~ NO NO IA lC~O No vestibular da dignidade, o ens i­

no brasileiro foi reprovado logo na

prime ira fase. A nota .z:ero, impres­

sa no boletim, foi substituída por

urna cifra numericamente maior:

40 milhões, a quantidade de anal­

fabetos existente no país. Para cada dez pessoas que sabem ler e escrever, três não distinguem a letra a da letra z. O analfabetismo é apenas o resultado mais visível de um problema, assustador, que se estende dos primeiros anos da vida educacional de uma criança até o ponto final de uma história acadêmica. Um dominó derru­ba o outro, numa trilha inexorável. O ensino primário golpeia o ginasial. Este atropela o secundário - e todos nocauteiam a universidade. A definição social de um Brasil que se divide em dois - o país dos 30% com mais dinhei­ro, que manda, e o país da maioria de 70%, que apenas so­brevive - imprime ao sistema educacional uma série de vícios. As melhores universidades, onde o patamar de pesquisa pode ser considerado bom, são as estaduais, gra­tuitas. Quem tem dinheiro, e pode frequentar um cursinho pré-vestibular, consegue ingressar numa destas facul­dades. As pessoas de menor poder aquisitivo, que jamais passaram sequer na frente de um cursinho, são justamente aquelas que acabam sendo reprovadas no vestibular. Re­sultado: a única alternativa é a matrícula em universidades pagas, que oferecem um péssimo ensino em troca de muito dinheiro. Não pense, contudo, que o bom ensino nas universidades estaduais seja uma regra - ao contrário. Para cada ilha de excelência - que existem mas são raras - há uma centena de universidades fracas. O sociólogo carioca Edmundo Campos, autor do livro 'A Sinecura Acadêmica', em que faz um diagnóstico arrasador da universidade brasileira, diz que os reitores são medrosos e não têm mais liderança no meio acadêmico e denuncia os professores como medíocres. Numa entrevista dada à Revista Veja em dezembro do ano passado, Campos foi claro: "O que faltam são idéias". Para o sociólogo, na época do regime militar a universidade foi vítima do autoritarismo- agora ela padece da falta de au­toridade. Campos tem boa dose de razão. O Brasil, como país de Terceiro Mundo, sofre com a falta de dinheiro. Este é um fato, inquestionável, que não justifica tudo. O sistema de ensino só poderá obter algum resultado se os gover­nantes se dispuserem a investir mais na educação - e os educadores compreenderem que as escolas não funcionam como repartições públicas onde basta preencher o cartão de ponto. É preciso ter em mente que o ensino só pode ser oferecido por pessoas preparadas, e que para isso muitas vezes é necessário desagradar a determinados grupos. Educação não é jogo. Os exemplos de descontrole da universidade brasileira ex­plodem por todos os cantos. É exagerado, para não dizer

c aos 30

.. I~

absurdo, o contingente de professores do país. Há no Brasil, um mestre para cada grupo de sete alunos. Nos Estados Unidos, esta taxa é de dezanove alunos para cada professor. Oitenta por cento da precária verba destinada à universi­dade é dividida entre funcionários e corpo docente - à pesquisa científica, fruto maior de qualquer idéia acadêmi­ca, pouco resta. Há que se dizer, ainda, que os professores também não pri­mam pela qualidade. No ano passado, o físico José Goldemberg, reitor da Uni­versidade de São Paulo, a USP, prome­teu limpar as escolas dos chamados "professores improdutivos". Até agora, contudo, nada foi feito. Além do des­controle das verbas, do excesso de mestres e da precariedade na produção acadêmica, um outro fenômeno agride o ensino superior: a universidade mal assombrada, repleta de fantasmas, fan­tasminhas e fantasmões. Há seis me­ses, o mesmo Goldemberg jubilou 202 alunos da USP. Motivo: eles fizeram ma­tricula na universidade apenas para conseguir passe escolar de ônibus, pela metade do preço, ou então para fre­quentar o ensolarado clube encravado no campus. É verdade que os alunos fantasmas não são como seus parentes funcionários públicos, que ganham sem trabalhar. Mas o fato perverso é que sua existência barra o acesso à univer­sidade para outros estudantes. Segun­do cálculos da USP, cada um dos 6.200 alunos que ingressam na universidade atualmente - dos quais apenas 65% se formam - custa aos cofres da fa­culdade cerca de 6.000 dólares a cada doze meses, esteja ou não assistindo aulas. É muito dinheiro - e quem paga é a sociedade, através dos impostos. Enquanto vicies como este dominarem o ensino brasileiro, que vale menos do que uma ferrovia que vai do nada ao lu­gar nenhum, a educação permanecerá de cama. doente. Mas há o que fazer: basta que se rotule a educação como meta primordial, ainda que para isso um punhado de funcionários públicos seja colocado na rua.

Fábio Altrnan é Editor d e Geral da Revista Veja

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El~ corn~çou grif'ando alf'o. IV\uif'o alf'o . C a­paz:. d~ incomodar rnuif'a g~nf'~. Capaz:. d~ t=a­z:.er s~u n ome conh~cido corno o d~ um l íd~r,

um rn~ssias, um anf'i - herói ou coisa a ssim. Era o começo . Ainda ~sf'ava ~rn Brasília . Sua b anda se chamava Aborf'o Elé f'rico. 'Ge ração Coca-Cola' t:e diz:. alguma cois a? Era um r ei no exílio, ~ra um r e belde c om rnu i f'a s cau­sas. Hoi~ ele f'~rn 29 anos e se chama R~na­f'o Russo. Hermano Vianna 'ta mbém f'~rn 29 anos. Tam­b é m era da 'turma de Brasília. S~u i rmão rnonf'ou urna b anda que ofoi 'tocar na capi'tal: Os Para l a rnas d o Sucesso. E l e ofoi ~sf'udar. Cornplef'ou o rnesf'rado ~rn Anf'ropo logia, ~n­f'rou no mundo dos bailes black no Rio d~ .Jane iro e d~pois t=~z:. o rof'~iro do progr ama A:frican Pop para a TV IV\anch~f'e. Renaf'o Rus.so iá é conhecido por 'todo ·mun­do. Já ofoi capa de r~visf'as, d~u ~nf'revis­

f'as, posou p r a ofof'os, canf'ou na f'~l~vi­

são e apareceu ~rn programas d~ músi­ca p~lo mundo a-fora. Explodiu no -fi nal de 84 e começo de 85 c om o Legião Ur­bana. Ele canf'ava um silêncio de qua­se 20 anos no país. Ainda era cedQ 'pra diz:.~r qualquer coisa, pra p r o gramar qual­quer revolução , pra arma r soldados .e organ i zar grupos f'errorisf'as. IV\as Ren a­'l'o Russo encarou o muro~ ofoi d~ cab~ça .

Depois do começo armado, surpre~ndeu 'todo mundo com 'Eduardo e 1\ilônica'. As palavras d e gu~rra agora eram pala­vras de amor. O guerrilheiro a mava, sangrava, s o-fria ~ 'tinha medo de -ficar sozinho. IV\as quem nasce pra luf'a nao perde a rn~f'ralhadora no rn~io da rna­f'a: 'Que País É E s # e ••• • O f'~rceiro dis co d a L egi ão, '1978/1989', 'trazia as balas e armas de volf'a à cida­de. 'Faroes#e Caboclo' conf'ava o o uf'ro l ado da geração reofrigeranf'~: reb~ldia

é sinônirno de esf'ar vivo. As a rmas: música, paz:. e visão . 'As Qua#ro Es#ações', o quarf'o L P da Le­gião 'traz:. a pre o cupação com o ano 2000. O 'tempo passa ~ as p essoas se aofasf'arn. Hermano Vianna pegou um 'táxi ~rn. Co­pacabana e ofoi parar na Ilha do Gover­nador. Lá ele enf'revisf'ou com exclusivi­dade para a CAOS o can f'or d~ rock mais rebeld~ do Brasil . R enaf'o Russo conf'a as suas von'tades, s u as dúvidas, suas bandeiras e s uas espera nças •••

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Na nossa última conversa por telefone, quando apare­ceu o assunto "eleições pre­sidenciais no Brasll", você citou o livro 'Servidão Vo­l,untária', do filósofo francês Etienne de La Boétie, para afirmar que a maioria da hu­manidade seria formada por cegos. Penso que essa pode ser uma boa pergunta para se dar início à entrevista: você se considera parte da minoria que vê? A questão toda é paradoxal: mesmo se eu for da minoria que vê, eu sei que não vejo nada. Existem certos fatores culturais, sociais e fatores até ligados ao aspecto físico da pessoa, que determinam, ou melhor, que proporcionam uma diferença, isto é, como a pessoa pode chegar a perce­ber o ambiente no qual vive ... A partir daí, e por isso é muito confuso, você pode falar em ver mais ou ver me­nos. Para ver não é preciso necessariamente ter contato com a cultura ocidental ou com os livros. Talvez o mal seja a palavra, eu não sei ... Talvez não exista possibili­dade de viver no mundo civi­lizado, com tudo que isso im­plica e ter a verdadeira visão, como a de um santo ou de um eremita. Mas uma coisa é certa: em termos de rock and roll, de mass media, de como essas coisas funcionam, eu vejo mais que outras pessoas. Aqui eu estou falando em in­formação, não exatamente em qualidade de informação, mas em quantidade de infor­mação. Quanto mais você tem informações, e se além de captar você ainda cria em cima disso, você vai ter uma visão (pop) maior que as das outras pessoas. Mas, eu não sei, você faz umas perguntas muito sérias Hermano (risos) ... No meio do caminho eu me enrolei profundamente. Vamos co­meçar tudo novamente? Tenho medo ·do que você vai escrever depois ... Eu não esta­va preparado para esse tipo de conversa. Não, agora eu revelo onde eu quero real­mente chegar: muita gente fala do Renato Russo como um Messias. Talvez as pes­soas acreditem que você possa dar visão

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aos cegos. Aí eu fico pensando no mito do rock como agente conscientizador. Mas é esse o objetivo. Mas é claro ... Eu es­tou rezando para que a gente entre logo nos anos 60. Eu já cansei de sonhar com isso. Eu queria que... Tem o Help, tem Satisfaction, tem Like a Rolling Stone e daqui a pouco vai ter Rubber Soul, oh!!! Se eu pudesse resgatar... (Isso não pode ser assim. A gente teria que conversar sobre zilhões de outras coisas antes de entrar nesse assunto). Eu não acredito nessa história de Messias nem nada. Mas eu gostaria que a música da Legião pudesse ser para as pessoas como a música dos Beatles, dos Rolling Stones e do Dylan foi e tem sido para mim. Foi e tem sido o quê? Um guia, exatamente e sem erro. E já que eu escolhi isso como minha profissão, eu tenho que me preocupar com esses pro­blemas. A música envolve tudo ... Tudo.

Mas voce é um guia para as outras pes­soas? Não sei. Eu não falo guia no sentido de mentor, eu falo guia no sentido assim de "What's Happening". Nós não temos os nossos "What's Happening"? Eu tenho. Eu sei o que está saindo... Agora, muita gente não tem. Mas por que essas informações que nós temos são importantes para as outras pes­soas? (silêncio) ... Porque até segunda ordem nós estamos falando (eu pelo menos estou fa­lando) de informações ligadas ao apri­moramento do Homem através das mais inspiradoras e ecorajadoras manifestações do Espírito Humano ... Ufa! Você acredita na evolução do Homem? Os Beatles seriam parte dessa evolução? Foi um passo adiante? Mas naturalmente! E você agora pegaria a tocha ... Mas é pra isso que você tá com uma gui­tarra, vai perguntar isso pro Herbert, oras! (risos) Que bobagem! Mas, é claro, é um motivo pra viver. Eu tenho outros mo­tivos, meu filho, por exemplo, mas em ter­mos de expressão, e).l digo pra você, o que eu faço não é rock. E rock porque é assim que as coisas são classificadas, mas o que a Legião faz é folk, música folclórica. Mas isso é um ponto a ser debatido, você pode dizer que Xuxa é música folk também. Eu não sei explicar... Eu juro que eu não sei explicar essas perguntas! Outro dia eu vi aquele documentário da BBC sobre o Rio, o Rough Guide, e nele a Legião é apresentada como uma banda re­belde, o cara que escreve as letras contra e ... Hermano, eu juro pra você que eu nunca

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imaginei que eles iam, nesse nível, colo­car na mesma frase a minha banda e uma outra banda do nível do Smiths, como fazem no Rough Guide. Isso pra mim é o máximo. E logo logo eles vão estar com­parando Legião com os Beatles. E meu plano de dominação mundial, baby (risos). Afinal, eu tenho que viver com algum pro­jeto, não é?

c A o s Olha que eu vou escrever isso tudo. RfNNO RUSSO Pode escrever, não é uma coisa bacana?

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Mas eu não queria falar sobre isso, mas sim dessa classificação de rebelde. Isso é confortável pra você? Eu acho extremamente confortável. Muito mais confortável do que a apresentadora pegar o meu disco e falar: "This has sold an appalling ten million copies and she plays lethal sadomasochistic games for the children" como a Xuxa é tratada no mesmo programa. É outro papo. O que eles falam da Legião são coisas que eu fiquei superorgulhoso. Eu fiquei todo prosa. Mas também sei que eu não posso ser um rebelde se apareci naquele progra­ma.

Aí é que está o problema. Eu acho que a Legião nunca se sentiu confortável nessa

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Mas existe integridade possível dentro da EM! (gravadora da Legião), para citar aque­la velha música do Sex Pistols? Eu acho que existe integridade possível em qualquer situação. Alías, eu vou ser sincero pra você, o que nós fazemos den­tro da EMI, embora nós tenhamos tro­peços e tudo , é buscar o mais alto nível de integridade (hoje eu estou falando como o Brizola).

Quero ser irritante e repetitivo: não é difí­cil falar de integridade depois dos Pistols? Não, não é, fica fácil. Lá é o mundo deles, Hermano, aqui é outra coisa. Você não vai poder mudar o mundo, mas você vai poder ao menos ser um ponto de referência para uma série de pessoas que pensam relati­vamente próximo ao que você está colo­cando, ou seja, que se sentem da mesma maneira. E se ficar· sem esse ponto de referência, vai ser um ponto de referência a menos. Não é que a gente vai mudar, mas é · assim: eu acho bacana se tiver o disco novo da Legião Urbana e eu queria que existissem mais bandas como a gente e mais discos e mais pontos de referência. Mas o que acontece é justamente o con­trário. Imagine se em vez de um Bob Dylan, o rock tivesse produzido dois Bobs Dilans ...

relação entre a mensagem que r-------- - - - - - ----------------­a banda quer passar e o fato de ser um produto mesmo, de es­tar imerso na indústria cultu­ral, de vender milhões de dis­cos, essa coisa de vocês serem uma banda de nível de gran­des estádios e não gostarem de tocar em grandes estádios. Até que ponto ser classificado como rebelde hoje, não é uma acusação de ingenuidade? Tem muita gente que diz que a rebeldia é apenas um produto a mais , tão vendável quanto

RcNNO RUSSO qualquer outro. Eu concordo com tudo que você falou. Você pode associar imediatamente rebeldia à in­genuidade, até no significado que o português cotidiano dá a essas palavras. Mas a coisa é complicada, porque aqui no Brasil ainda existe muito trabalho a ser feito. Esses conceitos podem ser colocados assim por nós dois e pra quem vai ler a revista. Mas a grande massa, que é quem ouve as músi­cas, ela não está nem sabendo do que se trata. Eu não sei, talvez as pessoas que for­mam essa massa saibam mais que nós aqui. Talvez a rebeldia não seja a questão. Eu penso mais que eu tenho a minha vida, que eu tenho o meu trabalho e que esse trabalho tem que ter integridade.

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Eu acho que um é mais do que suficiente (risos). Mas das centenas de milhares de pessoas que compraram o disco ... Não importa, se tiver uma pessoa, já vale. Uma! Essa é a grande questão. Por que eu quando estou em casa, quando eu estou compondo, eu posso até pensar nos fãs e tudo, mas no fundo você trabalha pra si mesmo, porque você está sozinho. Eu vou citar Simon Le Bon. O lance é o seguinte: poder aparecer e falar o que você. quer .,..

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falar, dançar e ainda ter a sorte de que al­gumas daquelas pessoas do público este­jam realmente ouvindo, você quer coisa melhor do que isso?

cAos Mas Simon Le Bon? É a mesma coisa que Renato Russo?

RfN.AlO RUSSO (silêncio). Olha, eu acho que nós quere­mos a mesma coisa, mas eu acho que eu sou muito mais ambicioso. Eu quero ser um Duran Duran com as letras do Bob Dylan. E só isso o que eu quero . De repente posso estar parecendo um monstro egocêntrico e prepotente. De re­pente eu sou, mas não é exatamente por aí (pega o disco As Quatro Estações e me mostra). Num país subdesenvolvido, colo­car um disco como esse nas lojas, eu fico feliz da vida. A gente brigou até pra ter es­sa tinta prateada na capa.

c A o s Mas muita gente fica feliz da vida. A EMI fica feliz da vida ...

RfN.AlO RUSSO Melhor ainda! Quanto mais gente ficar fe­liz melhor.

c A o s Mas você acha que para a EMI esse produ­to (pego a capa do disco) tem alguma diferença com relação ao do Duran Duran?

RfNATO RUSSO Isso não importa. Uma corporação é uma corporação. Mas eu não vou me sentir à vontade se nesse processo pop, nessa cor-

poração, pelo menos para, mim mesmo eu não der uma satisfação. E a culpa cristã, cara. Mesmo quando eu escrevo uma música de amor, eu tenho que falar das coisas que estão acontecendo. A partir do momento em que você abre a boca para falar num país onde 60% dos eleitores são analfabetos, eu sinto uma certa respon­sabilidade.

c A o s Uma das experiências mais impressio­nantes da minha vida foi ter assistido a

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um show da Legião de trás do palco. A reação do público, voltado para você, é raivosa, furiosa, dá medo. Foi por isso que a gente mudou o reper­tório. Não se pode lidar com o público nes­se nível. Eu fui no show do Menudo, eu sej como é que é. Menudo é impressionante. E a mesma coisa. Mas eu não quero passar por uma fase de U2 ou Simple Minds.

Por falar em shows espetaculares: você acha que esses megaconcertos tipo Live Aid ou Anistia fazem as pessoas pen­sarem na Etiópia, na ecologia ... Não sei se fazem as pessoas pensarem, mas pelo menos ela,s vão ficar sabendo que isso acontece. E importante. Talvez não seja eficaz no sentido de fazer com que as pessoas entrem em ação. Mas só você colocar uma idéia positiva já é bom. Mas eu acho que a questão política crucial do momento é o individualismo, não é a ecologia, essas coisas. A questão é o seu amigo que está morrendo de câncer. Por um descalabro, o pop está sendo desviado pelo sistema para representar uma coisa que não é a essência dele mesmo. A questão do pop é o indivíduo. Pop é o que os Beatles fizeram com Rubber Soul. É al­guém pegar de onde o Dylan parou. Teve o Morrisey mas a visão dele é muito pecu­liar, ela não se encaixa para todas as pes­soas. Está faltando o intercâmbio entre o pop e os processos individuais. Porque na hora H não é baleia, não é ecologia que conta, se a pessoa tem uma conscientiza­ção individual todo o resto vem junto.

Explica melhor como o pop pode se meter com isso tudo. O pop politizado não é um pop degenerado? O lance é o seguinte: o bom pop é a liga­ção entre o indivíduo e essa bagunça to­da que está aí. O pop é justamente isso : três minutos de vida. Você pega Satisfac­tion e o tempo pára. Por três minutos.

Mas tem gente que não se contenta que o pop seja só isso. Tem ídolo pop que quer a eternidade e não os três minutos. Mas aí ,é que está: são sempre os três I)li­nutos. E o que eu quero para a Legião. E a pessoa ouvir Tempo Perdido e não existe mais nada no mundo, só existe ela e a música. Claro que em alguns casos é nove minutos , como Faroeste Caboclo. Mas eu falei três minutos porque esse é o tempo ideal, por convenção, para um hit single. Aliás, a pura arte pop reza que você tell) que conseguir tudo em três minutos. E você resgatar o momento .Jllágico, onde só -existe você e a música. E como se fosse uma vitaminazinha.

c A o s Essa vitamina pode estar contida tanto

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em Baby Love quanto em Líke ~ Rolling Stone. ,

RrNAlO RUSSO Mas e claro. E claro. E justa­mente essa a questão : o lance do pop ser bom ou não, isso é uma coisa que não tem nada a ver com o conteúdo. É como comparar A-Ha com Legião. Eu gosto de A-Ha. Só que no nosso contexto específico, num país de analfabetos, em vez de ficar cantando uh, uh ... Um dia, eu ainda vou fazer uma música que vai ter uh, uh, que eu adoro, aha, yeah, entendeu?

c A o s Mas quando que o Brasil vai deixar você cantar isso?

RtNAlO RUSSO Peraí, eu só estou falando disso porque você está me perguntando. Eu nem penso nessas coisas (risos}. Mas é claro que isso conta um pouco quando escrevo as le­tras. De qualquer forma, eu posso falar o que quiser: é a pessoa que ouve que vai di­zer gostei, não gostei ou isso

- ;.é importante pra mim. O pop é bom por causa disso, se você não gostar você nem ouve. Por exemplo: Ma­donna me emociona de­mais, mas ela está num ní­vel que não é o meu nível. Sinceramente Smiths é até onde eu chego. Eu fiquei morrendo de medo do Smiths estourar porque só teve uma banda que conse­guiu fazer sucesso demais e continuou a ser a minha banda do coração, como se eles fizessem tudo só para mim e tanto faz se tem 50 milhões de pessoas que têm o mesmo disco: foram os Beatles.

CAOS~ a Legião? RtNAlO RUSSO E tão louco, né? A Fernanda

Montenegro gosta da gente. E eu sei que têm pessoas que ouvem a Legião como eu ouço o Dylan. E eu sei que tem gente que ouve a Legião como se ouve A-Ha.

c A o s Mas você acha que a Legião passou bem pela prova do superestrelato?

RtNAlO RUSSO Ah, eu não sei, a prova mal começou. Eu sou muito ambicioso, Hermano. A prova mal começou. Mas é difícil de falar porque você sabe de tudo isso. Se você tivesse a

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sua própria banda, o que é que você ia fa­zer? Não seria nem um pouco diferente do que eu faço.

Eu seria muito mais descaradamente co­mercial do que você é. E? (silêncio} Mas nós somos os mais descaradamente comerciais de todos . Você não sabe a força que tem uma boa melo­dia ... Hoje o que eu mais ouço são essas músicas "ele é o cara que eu sempre quis" ou a menina chegando em casa e "mamãe, ele é um anjo, exatamente como eu queria". Era isso que eu queria fazer, mas ainda não dá. Eu não posso ser Sullivan e Massadas porque a coisa, pra mim mesmo, não está clara. Eu tenho que passar por Acrilic on Canvas para chegar... Cara, nesse disco (As Quatro Estações) tem "Eu Te Amo". Eu demorei para es­crever essas coisas. A gente vai sempre melhorando.

Mudando de assunto, mas continuando com essa história de melhorar: qual a diferença do Renato que eu conheci em Brasília, antes de fazer sucesso, para o Renato de hoje? Pergunta bem lugar-co­mum, não é? Mas já que você acredita na evolução do espírito humano: você evo-luiu? Não tem diferença nenhuma. Tem mais coisas, só isso. Eu sou a mesma pessoa, só que com muito mais coisas. Eu não pro­gredi não. Mas não tenho como saber.

Alguém sabe? Existem pessoas que sabem, eu acho. Quando as pessoas estão felizes é porque elas sabem.

Você se serite mais feliz hoje? (silêncio} Não. Eu me sinto da mesma ma­neira. Eu posso dizer: ah, quanta coisa que eu já fiz. Isso tudo deve ter algum resulta­do. Eu não estou vendo resultado ainda. Mas acho importante que algumas pes­soas ficaram felizes com coisas que se não fosse por mim, trabalhando com outras pessoas , não teriam aparecido. A Legião trouxe coisas boas para muitas pessoas. Ah, teve uma porção de criancinhas que adorou cantar Eduardo e Mônica! Mas essas coisas eu não sei, Hermano. Ora bolas, chama Deus aqui agora pra respon­der. Ele tem resposta. Eu não sei.

c A o s Mas sobre o que a gente devia conversar? RfNMO RUSSO Tem zilhões de coisas legais para conver­

sar. Não precisa fazer perguntas.

c A o s Puxa um assunto. RtNAlO RUSSO Ah, tem tantas coisas legais . Agora, puxar

um assunto depois dessa maratona ... Deus me livre •

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·-=-::- ian Anmen' a Praça da Paz Ce­lestial, noite de 3 pra 4 de junho, o massacre acaba de começar. Duas ho­ras da manhã: na avenida que separa a praça Tian Anmen da Cidade Proibi­da, os tanques tomam posição. Cente­nas de soldados da infantaria surgem de lugar nenhum. Encaram a massa humana. De repente uma ordem, que ecoa nos berros de centenas de pei­tos : engatilham as armas em um úni­co movimento! E apontam as metra­lhadoras para a frente. Uma outra ordem: eles atiram! A minha volta os corpos caem. Saio correndo para baixo das árvores na esquina de Tian Anmen. Os soldados dividem a avenida em duas. Impossível retornar. Com o corpo do­brado, corro na direção do quartel general da Comuna de Pequim. Sob o monumento aos heróis do povo eles são dez mil, agachados, encolhi­dos bem perto um do outro, em gru­pos de cada faculdade, flâmulas ao vento, bandeiras batendo. Eles cantam! Eles cantam em plena matança' Aqui uma guitarra seca, um jovem Lennon terminando uma balada doce. Mais adiante é uma garota entoando uma canção tradicional, muito aguda, com esse sorriso inimitável do teatro chinês. Todos aguardam o assalto fi­nal. Alguns agarram minhas pernas e fazem o V da vitória com lágrimas nos olhos. No primeiro andar do QG dos estudantes a chefia ainda serve o chá. Uma garota me oferece uma xícara pelando. Não consigo beber. O sorriso dela é irresistível. Segundo andar: o quartel general. À direita, dezenas de rapazes e garotas escrevendo. Sua úl­tima carta. Caro pai, querida mãe. Não vale chorar. À esquerda, no lado sul, Wang Dan. Wang Dan está sentado sobre um banquinho de palha. Em volta dele a maior agitação. Entregam-lhe bilhe­tes. Ele lê, deixa escapar algumas palavras, e o mensageiro some no ato. Cruzo seu olhar. Os óculos de aço, o terno preto sempre impecável sobre sua eterna camisa branca de gola aberta, tudo lhe dá um ar soberano. Mas seus olhos estão longe. O retrato de Mao pende na sua frente sobre a Cidade proibida. Ele parece um desses capitães de

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navio que são os últimos a ficar em cima da ponte. Se Wang Dan o pensador está lá, en­tão Wu'er Kaixi, o tribuno, não deve estar longe. Nem Shen Tong, o nego­ciante. Eu não os vejo. Onde estarão? Tenho medo por eles . " Você ia ficar: me procurando por muito tempo", me conta Wu'er Kaixi em Boston, onde ele é acolhido por al­guns estudantes chineses cem dias após o massacre. "Fui retirado da praça PC!r volta das duas horas da manhã. As onze da noite eu tinha tido uma segunda crise cardíaca. Eu esta­va dirigindo o serviço de ordem, a gente tentava entender o que se pas­sava, e de repente 'clac', o coração vacila. Estenderam-me sobre uma maca. E então, às duas horas me de­ram o último lugar na última am­bulância. E.u estava inconsciente, saí do ar duas, três vezes. Do meu lado havia um soldado e três estudantes gravemente feridos. Dois deles mor­reram alguns minutos depois. E aí a ambulância partiu" . Wu'er Kaixi contém um soluço. Talvez a sensação de traição por não ter fica­do até o fim... Mas mesmo assim ... Hoje, continua vivo e tornou-se um dos dirigentes da resistência no exílio. No hospital começou a impro­visar uma rede. Cuidaram dele, o es­conderam e o mandaram para fora de Pequim. Em cada etapa da fuga, a atuação de uma rede de colabo­radores anónimos, heróis por algumas horas arriscando um pelotão de exe­cução. " Com isso eu fiz muitos, muitos ami­gos", diz ele sem explicações.

Quem pode imaginar o amor que Pe· quim sentia por esse garoto? Wu'er Kaixi. Ele não era o único dirigindo o movimento. Junto dele , Wang Dang, o monge austero e teórico do movi­mento; Chain Lin, a passionária, a­que-vai-até-o-fim; e Shen Tong, o homem do diálogo e da estratégia. Mas Wu'er Kaixi foi o primeiro presi­dente da Federação Autónoma dos Estudantes de Pequim. Seu papel era o de provocar o entusiasmo. O estranho nessa história é que Wu'er Kaixi não é chinês. E que ele nasceu em maio de 68 , muçulmano,

"turco"! Imagine um turco dirigindo a insur­reição do povo alemão, ou um paquis­tanês à frente de uma federação de ingleses, ou ainda um árabe impulsio­nando milhões de franceses para as ruas. Ele mesmo diz: "em Pequim, sou como um árabe em Paris. Um fi­lho de imigrantes que fala mal o chinês, achando tudo muito estranho, as roupas, a comida, a comunicação. Eu tenho a nacionalidade chinesa, mas no fundo não sou chinês". Em Pequim as pessoas o chamam de "turco", mas Wu'er Kaixi é Uigur, um dos vários povos da Ásia Central. Seus vizinhos chamam-se Kazakos, Kirghizes, Uzbeques. A algumas cen­tenas de quilómetros a oeste seus pri­mos estão fazendo a URSS balançar. Durante séculos chineses e russos disputaram essa região. Há mil anos o Islão reina por lá. Os chineses não economizaram para ficar com esse El­dorado cheio de petróleo e urânio. Enquanto Wu'er Kaixi (seu verdadeiro nome é Verkesh Daolat) nascia em maio de 1968, a Revolução Cultural se alastrava pelo país. Com os Uigur, onde os aborígenes não representam nem metade da população, a loucura das milícias vermelhas alcança a di­mensão de pogroms. As duas mil mesquitas são fechadas, centenas são saqueadas e em seguida destruídas. A língua árabe é proibida, e portanto também o Corão. Pequim impõe o al­fabeto latino. As escolas corânicas são pilhadas, as terras são confis­cadas. Na fronteira, os incidentes con­tra soviéticos se multiplicam. Dezenas de milhares de Uigurs refugiam-se primeiro na URSS, depois no norte da India. Entre eles, quatro mil munem­se de armas e enfrentam o exército regular durante mais de um ano. Para os maoístas, os Uigurs são "tur­cos", "gringos", portanto "traidores", só por causa de sua ligação étnica com os povos da URSS. Nessa época o pai de Wu'er Kaixi morava em Pe­quim. "O turco" não gosta muito de falar sobre o pai. Escritor oficial, re­conhecido e apreciado pelas autori­dades, segundo seu filho "na verdade ele é um conservador". O que não o impede de ser enviado aos serviços forçados por quatro anos, onde ele perdeu a capacidade de usar suas

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pernas por dez anos. Mas muito antes da queda do Grupo dos Quatro o pai é reabili­tado, assumindo res­ponsabilidades importantes na repú­blica autônoma de Xijing, e volta a pu­blicar romances notáveis. Filho de um privilegiado? Sim. Eram poucas as possibilidades de que ele pudesse encontrar seu futuro ami­go, Shen Tong. Shen Tong, que dirigiu as negociações com o governo, junto de Wu'er Kaixi é o único dos primeiros dirigentes que hoje está em liberdade. Eles nasceram no mesmo ano: 1968. Os pais de Shen Tong também eram privilegiados: o pai instrutor no exér­cito, especialista em questões co­reanas, a mãe médica na caserna on­de Shen Tong cresceu. Mesmo sendo atacados no norte do país, seu status é invejável. O APL, o exército verme­lho, será a única instituição do país a ser poupada durante a Revolução Cul­tural. Em 1971 explode a questão Lin Biao. O herdeiro direto de Mao, o homem que inventou o livrinho vermelho, di­rigiu a Revolução Cultural e transfor­mou o Grande Timoneiro em Deus Vivo, Lin Biao desaparece em um mis­terioso acidente de avião sobre a Mongólia Exterior. Por que? Mistério Chinês. A opinião mais geral dei­xa entender que Lin Biao tramava um golpe de Estado con­tra Mao. O complô foi ventilado, Lin Biao e sua família tenta­ram fugir para a URSS, o avião deles estourou no meio do caminho ... Maiores de­talhes quando a China fizer a sua perestroika. Na época, a morte de Lin Biao foi uma tra­gédia para os pais de Shen Tong. Seu de­saparecimento gera um expurgo monu­mental no exército. Um parente da se­nhora Shen mora em Taiwan? Razão su­ficiente para que seu

1 2 de rnaio. Chai Ling, a

passionária; Wu'er Kai.xi,

o orador e Wang Dan o

estrategista. Organizados,

os estudantes ocuparn a

praça Tian Anrnen.

4 de rnaio. Após o

rnovirnento ser

considerado ilegal pelo

Partido Cornunista Chinês,

Wu'er Kai.xi discursa para

os estudantes. No dia S

será criado o "Grupo Para

o Diálogo".

marido seja apa­gado do APL. No final de 71 a família é expulsa da caserna, e pa­ra evitar o pior ela segue para Pequim. Adeus prestígio e con-

forto . O senhor Shen torna-se inspetor na maior usina química de Pequim, a senhora Shen vira enfermeira na mes-ma usina... . " Eu acho que foi á atmosfera que rei­nava na caserna, e depois durante a nossa fuga, que gerou em mim o pavor de tudo o que é militar. Não me lembro de muita coisa, mas por mais distante que eu recue na memória, eu já sentia horror só de ver um uniforme" . Os pais de Shen Tong só serão reabili­tados depois do retorno de Deng Xi­aoping ao poder, no final dos anos 70. Oito anos de reclusão. Mas o sofri­mento de sua família vai mudar tudo para Shen Tong. Em Pequim, ele mora no bairro de Xidan, onde, desde 1978, alguns audaciosos se apropriaram de um muro que batizaram de "Muro da Democracia". Durante dezoito meses, o primeiro movimento democrático da história da China comunista se de­senrola sob seus olhos maravilhados de ginasiano. " Eu sempre ficava andando por ali quando voltava da escola. Lembro-me principalmente das enormes massas de gente lendo quilômetros de estan-

dartes. Eu só ia conhecer Wei Jingsheng alguns anos mais tarde, e ele ia ser o nosso modelo" . Wei Jingsheng: o primeiro grande dissidente a apa­recer abertamen­te no cenário co­munista chinês. Sobre este muro da democracia ele

~ escreveu o famoso ~ panfleto " A quinta ~ modernização: a g democracia". Este -; texto histórico de­E monstra aos in-~ telectuais chine- ..,

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..,. ses que não existe nenhuma saída para o socialismo chinês, "a última metamorfose do despotismo orien­tal". Preso, ele é condenado a quinze anos de reclusão "em regime severo" . "Sua prisão" , explica Shen Tong, "nos abriu os olhos. Wei nos fez com­preender qual era a verdadeira na­tureza do regime. Não havia o quê es­perar. Wei Jingsheng é inesquecível. Sem ele não estaríamos aqui". Em 1989, Wei Jingsheng completa seu décimo ano de prisão. Sua namorada, que recentemente obteve uma per­missão para visitá-lo, nos disse que ele estava enlouquecendo. Wu'er Kaixi não viu nada da prima­vera de Pequim: em 1978 deixa a ca­pital para voltar à região Uigur. Em Urumqi, prefeitura de Xinjiang, aca­bam de reabrir as mesquitas. Cento e cinquenta minaretes dominam uma cidade com quase um milhão de habi­tantes. O árabe volta a ser a língua escrita oficial. As escolas corânicas acolhem dez vezes mais crianças que antes. Encrustrado entre os formi­dáveis Montes Celestes onde culmina o Monte Pobieda, de 7320 metros, Urumqi é um oásis no deserto : glacial no inverno, sufocante no verão. Aqui, a maioria da população agora é chinesa. As colônias de povoa­mento causaram uma explosão demográfica, e os seis milhões de U'igurs não representam mais nem metade da população. Na escola de Urum­qi, Wu'er Kaixi já virou star. Muito aplicado nos seus deveres de jovem comunista, ele ani­ma a rádio e o jor­nal da escola, tor­nando-se presiden­te da associação de alunos e ganhando a medalha de me­lhor elemento da Liga da Juventude! Ele aproveita para tocar nas rádios os primeiros cassetes pops: "eu melem­bro, ABBA foi o primeiro". E tam­bém joga futebol: "número dez, como

caos 46

1 4 de rnaio. Urn e s t udante chinê s e rn

greve de forn e esconde o rosto corn urna faixa .

Nela está escrito: " A gente não t e rn rnedo

da rnorte" .

1 S de rnaio. A prese nça d e

Gorbatche v é urna faca de dois gurn e s : ao rnesrno t e rnpo que

pressiona o governo tarnbérn o hurnilha. O s

estudante s t e ntarn evacuar a praç a. Ern

solidari e dade ao rnovirne nto, o povo

invade Tian Anrnen. O coringa torna-se

tragé dia .

Platini! Eu era muito arrogante. Tinha um orgulho infinito! Você sabe, esse tipo de sentimento: eu vou mudar o mundo, ninguém além de mim vai conseguir isso, pois eu vejo as coisas direito. -Foi lá que você descobriu o Corão? - Eu li o Corão, para saber. Mas eu não sou religioso mesmo. Ainda paira uma sombra do Islão sobre meus pais, mas não sobre mim. Ao con­trário, eu descobri o povo. Eu pude percorrer o meu país de cima a baixo, conversar com as pessoas, viver com elas. Em Urumqi a gente também sentia a onda imperiosa da abertura que to­mou todo o pais depois do abismo da grande revolução cultural. -Isso chegou a alcançar uma dimen­são nacionalista naquela região? . - Fora do Tibet, o nacionalismo praticamente não existe na China. O Partido Comunista conseguiu fazer uma limpeza nos cérebros. É preciso ser o país mais fechado do mundo, como o Tibet, para poder resistir. Nós, nós fomos afogados pelos chine­ses! O nacionalismo não faz mais sentido entre os Uigurs ". Em pequim, Shen Tong participa da explosão cultural da cidade. A ampli­dão é tanta que em 83 Deng Xiaoping lança sua primeira onda "anti-polui­ção espiritual". Não adianta nada. As grandes editoras publicam os poetas malditos do "Muro da Democracia".

São organizadas as primeiras exposi­ções de pintura abstrata, os primei­ros concertos de rock: Shen Tong frequenta os cir­cules intelectuais. "De repente eu me vi cercado de pes­soas de trinta e cin­co, quarenta anos. Os maiores artistas do país, persegui­dos durante toda a vida, me adotaram como irmão me­nor! Eles se senti­am acabados, des-

~ truídos, e queriam "' nos transmitir sua ~ herança de qual-

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quer jeito. Um deles me ensinou a to­car violino e me tez descobrir a músi­ca clássica numa fita cassete de Beethoven, a 58

• Na época era um verdadeiro luxo. Depois eu tive direi­to a Mozart, Chostakovitch .. ". Graças a seu amigo violinista, Shen Tong consegue lugares nos três recitais que Menuhin deu em Pequim em 83. Privilégio inesperado... Ao mesmo tempo se inscreve nas Belas Artes. Seus amigos mais velhos lhe fazem descobrir a poesia, e ele se apaixona por dois monstros sagrados: o indiano Rabindranah Tagore e o libanês Khalil Gibran!

Shen Tong também descobre o jan:, depois o rock e de repente lá está ele na sua escola em Pequim, cantor de uma banda que nunca teve nome mas que alcançou seu pequeno su · cesso, sobretudo com a versão dila­cerada de "Like A Bridge Over Trou­bled Water" de Simon & Garfunkel. Em casa, entre seu pai químico e sua mãe enfermeira, não se fala de outra coisa além de ciência, o que ele adora. No final da escola um tipo de vestibu­lar-guilhotina determina a orientação de todo jovem chinês. Quem não al­cança as médias, yai para as usinas ou para os campos. Se você quiser fazer medicina e o examinador decidir que você é bom para história, você vai para a faculdade de história. Shen Tong é ambicioso. Ele só quer ir para Beida, a universidade de maior prestí­gio na China, para fazer Biologia! Todo ano, várias dezenas de milhões de alunos concorrem e somente algu­mas centenas são admitidos, nesse máximo dos máximos que é Beida. Is­to mostra o nível de Shen Tong: ele é recebido com toda a pompa no local de sua escolha! Beida já não era um mistério para nosso jovem herói. Há dois anos que ele frequentava este templo da subversão. Beida tem uma história. Como a Sorbonne em Paris, foi lá que começaram todos os movi­mentos que marcaram a história da China. As milícias vermelhas da Re­volução Cultural nasceram em Beida. Em 1986 Shen Tong entra em Beida. "Lá você podia desenvolver sua per­sonalidade. Quase não havia disci-

plina. Você podia tentar tudo e de tu­do". Rapidamente ele se integra a uma das trezentas associações da universidade: o "Forum da Quarta­feira" , uma assembléia de discussão permanente. Em 1987 ele se toma o organizador dos encontros do Forum. No ano seguinte, ele encontra Wang Dan, o estrategista da Primavera de 89. Brilhantes os dois, rivais sem querer. Durante o verão de 88 o Fo­rum de Quarta-feira é dissolvido. Shen Tong e Wang Dan o substituem por um Comitê de Ação, uma estrutu­ra que se quer mais operacional em caso de movimento. Shen Tong conta: "virou uma ob­sessão: federar os grupos e associa­ções para que em algumas horas eles fossem capazes de coordernar um movimento. Neste verão, um es­tudante havia sido espancado até a morte por arruaceiros. Espalhou-se um clima de sobressalto em todo o campus que nos tez dizer: urgência!" O Comitê de Ação é composto por um núcleo de onze organizadores, cc-pre­sidido por Shen Tong e Wang Dan, com várias dúzias de militantes e muitas centenas de simpatizantes. Esta estrutura quase partidária inco­moda. "Lá em cima" eles começam a achar que os estudantes estão fican­do audaciosos demais, e mandam um recado comunicando sua opinião. Al­guns meses depois o Comitê de Ação explode: Wang Dan cria o seu "Salão da Democracia", que se reúne toda noite de quarta-feira, e Shen Tong abre o " Instituto Olímpico", cujas as­sembléias reúnem-se nas tardes de quarta-feira. Essas duas associações vão pensar, organizar e estruturar a futura comuna dos estudantes. Wang Dan e seu grupo aprofundam as questões políticas. Na associação de Shen Tong, vasculha-se a filosofia da ciência. Historiadores, filósofos , sociólogos, cientistas de Beida vêm para cá expôr seus pontos de vista. Shen Tong acostumou-se a abrir as sessões com a leitura de um texto de Karl Popper. Karl Popper. Será que esse filósofo austríaco imagina a in­fluência que exerceu sobre a revolta de Pequim? Pois é difícil entender o movimento dos estudantes chineses de 1989 sem conhecer alguns princí­pios da filosofia de Popper.

Para o pai da epistemologia moderna "o diálogo é o método da ciência, e é também o motor da democracia". Para nossos amigos, Popper represen­ta o anti-marxismo por excelência. Seu método de diálogo encontra eco no coração do movimento dos estu­dantes. Shen Tong: "um pouco antes de 1989, por três anos os estudantes chineses tiveram acesso a livros do mundo in­teiro. Foi um período excepcional pa­ra a China, sem dúvida a primeira vez depois de meio-século! Nós devo­ramos tudo, absolutamente tudo. Eu chamo isso de "spirit-burger". Você conhece o aforisma de Einstein: a in­teligência é o que resta depois que você esqueceu tudo. Então, e nós, os jovens chineses, estávamos repletos de conhecimentos, mas quanto à in· teligência, éramos muito, muito limi­tados. Assim, o objetivo de nossas as­sociações consistia em encorajar nos­sa geração a uma reflexão autônoma. Isso era indispensável para preparar o grande movimento que se anuncia­va". Fora do pequeno circulo de Beida, as outras universidades de Pequim man­tém o mesmo tipo de análise, e prati­camente sem nenhum acordo comum! É o que Wu'er Kaixi conta sobre essa época: "cheguei a Pequim em 1987. Tinha 19 anos e as mudanças eram alucinantes. A sociedade andava dez vezes mais rápido, isso dava verti· gem. Tive que dar duro para entrar na faculdade. É claro que eu tentei primeiro a universidade das mino­rias .. ". O jovem desconhecido de Urumqi em alguns meses é o agitador do "cam­pus dos gringos". Primeiro ele dedica-se ao jornal dos estudantes, onde publica um artigo que causa sen­sação: "A China é um império". Wu' e r Kaixi logo é o presidente da Associação dos Estudantes. É aí que o "turco" faz sua escola como diri­gente e como orador. Ele encontra as imagens fortes para denunciar "o tra-to desumano das minorias". Chegan­do ao fim do ano escolar, ele está na Escola Normal, e imediatamente fun­da a associação "Pedagogia e Demo­cracia". São organizados debates com especialistas eminentes, como nas grandes associações de Beida: "na ~

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..,_ verdade, desde o outono de 88, não se falava de outra coisa além de 1989. Esse seria o ano decisivo. Nós nos sentíamos prontos a saltar sobre qualquer coisa. Pra dizer a verdade, estávamos nos preparando para o 4 de maio, o septuagésimo aniversário da insurreição dos estudantes contra o regime imperial de 1909". Em Beida, Shen Tong e seus amigos preferem o dia 16 de março: a abertu­ra da sessão plenária da Assembléia do Povo, que poderia servir como estopim para o movimento. Enfim, dos dois lados o movimento dos estu­dantes ferve ... Um ano mais tarde, no exterior, o mundo inteiro vai acreditar numa explosão espontânea. Assim, no dia 16 de março, Wang Dan e seus amigos do Salão da Democra­cia fazem uma mudança. Ação simbólica: daqui em diante suas reuniões serão no maior gramado do campus de Beida. Os estandartes flo­rescem em toda parte. Do outro lado, Shen Tong e todos os membros do Instituto Olímpico enviam uma "Car­ta Aberta" aos deputados. A ope­ração é bem montada: durante dois anos Wang Dan e Shen Tong teceram uma rede de relações nos quatro can­tos do pais, e não só ent re os estu­dantes: intelectuais reformistas, artis­tas radicais, especialistas, todos os que passaram por Pequim para parti­cipar das reuniões das duas asso­ciações. Uma discreta política de con­tatos já permitiu que esses "corres­pondentes" conseguissem ao menos a simpatia de um número significati­vo de deputados. Então era ne­cessário ampliar o movimento de uma só vez. A "Carta Aberta" , muito firme a respeito dos princípios da democra­cia e do "espírito da nova geração" conseguiu atrair o interesse de uma maioria de deputados, os mais jovens. Shen Tong: "a carta chegou até o conselho de Estado! Portanto, tinha sido um sucesso. Ela foi lida por toda a cúpula da hierarquia. Mas como ela não provou resultado algum, tivemos que refrear o ardor de nossos amigos do interior: meu dormitório era cons­tantemente invadido por représen­tantes das províncias, muitos deles queriam começar uma greve de fome pela democracia ... - Já?

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- Era um dos elementos fundamen­tais de nossa estratégia! Mas era precipitado demais: a greve de fome não serve para impulsionar um movimento, ela só faz sentido quan­do se entra em fase final, quando é preciso dramatizar, aumentar a pressão ... Nós tivemos que conter o desespero de nossos amigos. Os dias passavam e nada acontecia: em 5 de abril, o último dia do Congresso, os mais radicais queriam se colocar a todo custo. Imagine que nós tínha­mos constituído um governo pro­visório, para o caso de sucesso das nossas idéias! Hu Yaobang poderia ser o presidente!" Mas do lado do poder também são feitos preparativos para um ano deci­sivo. Deng Xiaoping envelhece muito. Seu lugar está à disposição. A elimi­nação de Hu Yaobang do Secretariado Geral do PCC, e o movimento estu­dantil de janeiro de 1987, enfraquece­ram drasticamente a área dos re­formistas. De tal maneira que Hu e Zhao Zyiang, herdeiros designados, atormentaram-se frente aos conser­vadores enraivecidos. Zhao postou-se atrás deles para condenar seu amigo, que não deixava de ser seu rival. A cassação de Hu, único dirigente do partido conhecido por sua integri­dade, valeu a ele a simpatia do povo e sobretudo dos estudantes. Zhao tornou-se Secretário-Geral. Acreditava-se em seu triunfo absolu­to, mas no entanto ... Ele deixa a pol­trona de Primeiro-Ministro para Li Peng, a estrela ascendente dos con­servadores. De repente percebe-se que Zhao não controla nada. Teorica­mente chefe do partido, Zhao deve se apagar atrás de Deng Xiaoping. Sem o apoio dos amigos de Hu Yaobang, Zhao se afunda em um papel cada vez mais defensivo. De 1987 a 1989, Li Peng apresenta contra ele os "sete grandes retrocessos", entre os quais a estatização das empresas, um golpe sombrio sobre as importações, o re­torno da educação· política nas esco­las. Em abril de 89 , a carta de Shen Tong sobre a democracia encontra nu­me'rosos simpatizantes na Assem­bléia do Povo. Uma alfinetada ines­perada que os estudantes espetam nos reformistas na defensiva.

No dia 15 de abril, às treze horas, um amigo "bem informado" despenca no dormitório de Shen Tong: "Hu Yaobang morreu! Hu Yaobang morreu!" Estupor Shen Tong reflete durante dois segundos e bate as mãos nas coxas dando gritos de ale­gria. Essa morte é um pretexto ines­perado. "É claro que ficamos tristes, mas, bem, é difícil dizer .. . Ao mesmo tempo eu pensava: que oportunidade fantástica". Nesse dia, uma parte da história da China vai ser sacudida. O litStituto Olímpico imediatamente redige um gigantesco estandarte, cobrindo os três andares do pavilhão 28 de Beida. Um estandarte "à memória de Hu Yaobang", sem reivindicações ou pa­lavras de ordem. "Na verdade· que­ríamos ver se as coisas iam se desen­cadear espontaneamente. Tínhamos retomado as aulas, eu e meus amigos não pensávamos, de jeito nenhum, que o pavio iria queimar tão rápido. O movimento partiu de outro lugar". Aliás, foi da casa de Wu'er Kaixi. Sem os canais de Shen Tong nas "altas es­feras" , o "turco" só fica sabendo da notícia às vínte horas, na Escola Nor­mal. "Eu estava trabalhando na bibliote­ca. Um amigo meu começou a gritar no grande salão: "Hu Yaobang acaba de morrer". Você precisava ver a tris­teza. Era uma coisa geral, tranca, di­reta. Eu logo disse a mim mesmo que Pequim ia reagir. Na manhã seguinte, soubemos que Beida estava coberta de estandartes. Com os outros líderes da escola, corremos de um la­do para outro para tentar conseguir informações. O único lugar central em Pequim onde dá pra ter certeza de que você vai encontrar outros es­tudantes é em Tian Anmen, e foi pra lá que nós fomos no final das aulas da manhã" . O grupinho de agitadores da Escola Normal chegou ao mesmo tempo que dezenas de delegações das facul­dades de Pequim em busca de notí­cias. No final da tarde são mais de dois mil estudantes, e o fluxo não pára de aumentar. Eles sentem neces­sidade de falar. Demascarar o seu lu­to. Aparece um megafone em volta do monumento aos heróis do povo. Al­guns audaciosos têm coragem para

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30 d e rnaio. Durante a 5 noite os e s tudantes "'

constroe rn urna r é plica S da estátua da a;

libe rdade . A irnage rn ~ da d e rnocracia e ncara g

o r e trato d e Mao T sé Gl

d ~ Tung na praça a Paz. ~~o

tomar a palavra. Discursos meio ca­pengas, mas que mantém unida a massa de gente.

Então Wu'er Kaixi se coloca. Sua de· cisão já está tomada. Com o coração acelerado ele sobe alguns degraus. O último orador lhe passa o ·megafone. Nosso rapaz não sabe que ele está entrando na história universal. "Hu está morto", grita ele, "mas nós não nos agrupamos apenas em sinal de luto. Estamos aqui para manter seu pensamento e suas idéias, para que elas fiquem entre nós, para que elas não sejam enterradas junto com seu corpo!" Uma ovação abafa suas últimas palavras. A voz de ·Wu'er Kaixi infla­ma os espíritos e eletriza Tian An­men. "Foi a primeira vez que falei de política na frente de tanta gente. Não me controlei. Sacudi tudo de uma só vez: o ensino, a democracia, a necessidade de mudar velhas es­truturas ... Eu estava comovido. Me aplaudiram muito. Foi nessa hora que eu me tomei um líder". Quando ele volta pai:a a praça no dia 18 de abril, junto do núcleo coeso da sua escola, ele já é re­conhecido pelos outros. Seu nome circula, querem que ele retome a palavra. " Nesse dia surgiram outros líderes. Muitos deles estão na lista das vinte e uma pessoas mais procuradas da China". Entre eles, Shen Tong: "nós perce­bemos que o fogo já estava ardendo. Era preciso levantar nossa organiza­ção a qualquer preço. Para não ficar, como das outras vezes, sem os ins­trumentos necessários. - Uma organização especial para Beida? - Beida é a China. Se Beida possui uma organização, o país inteiro está organizado. À noite já tínhamos fe­derado todas as associações da facul­dade. Estávamos prontos para partir para Tian Anmen no dia seguinte, 20 de abril". Wu'er Kaixi nunca vai esquecer esse dia. Até aqui o "turco" ainda não co­nhecia nenhum dos outros líderes .,.

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.,.. históricos do movimento. Mas dessa vez os canais iam se cruzar. "Realmente esse foi o primeiro grande dia. Chovia a cântaros. Ao meio-dia eu conduzi minha escola in­teira para a praça. Debatemos o dia inteiro, foi extraordinário. À noite meus amigos voltaram para o cam­pus, mas eu queria ficar: estava es­perando a turma de Beida. Sem eles não podíamos fazer nada. Quando a tarde começou a cair eu vi a chegada de um imenso cortejo, organizado com perfeição, em fila, com um serviço de ordem e muitas bandeiras. Eles estavam magníficos. Não pude me conter, corri na direção deles. Quando cheguei perto da primeira fi­la, perguntei: "Quem é o chefe de vocês?". Eles me mostraram Shen Tong. Fui em sua direção ... Ele estava simplesmente lindo! Vestido na últi­ma moda, jaqueta de couro, de fato um cara lindo. Eu me apresentei e disse: "Vem, eu preciso falar com você, temos que montar uma asso­ciação imediatamente": Ele entendeu no ato. Saímos juntos. Esse cara não só transpirava inteligência, mas ain­da por cima era super eficiente". Quatro dias mais tarde, 24 de abril, Wu'er Kaixi o tribuno, encontra Wang Dan, o estrategista. Nesse dia Beida apresentará suas famosas sete reivin­dicações: liberdade de imprensa, di­reito de associação, liberdade de ex­pressão, etc. Wu'er Kaixi: "Wang Dan era um típi­co filho de Pequim, com uma segu­rança louca. Ele era mais velho que Shen Tong e eu, muito mais maduro. Ele conversava comigo horas e horas, só a gente, ele adorava. Em público ele sempre se calava. Ele me ensinou muita coisa. Ficamos amigos rapida­mente .. ". Os verdadeiros organi­zadores da Associação Autônoma dos Estudantes de Pequim foram eles, Wu, Shen e Wang. Eles realizaram uma estratégia clara, com objetivos específicos, e um plano de batalha que Shen Tong resume assim: "Tínhamos feito um programa em três etapas. Primeira: passeatas, greves, depois greve de fome. Queríamos fazer uma pressão cres­cente, expondo o sofrimento físico. O resultado deveria ser a abertura de um diálogo com os chefes do governo.

caos s o

"Uma vez estabelecido este diálogo, segunda etapa: retorno aos compus para transformá-los em "fortalezas da democracia". Esperávamos desen­volver nossas rádios e nossos jornais, além da federação dos estudantes. Esta segunda etapa nos permitiria aguardar o principal efeito esperado do diálogo: que cada faculdade de ca­da cidade da China pusesse em ação seu próprio movimento, autônomo e independente, para criar o máximo de espaços de liberdade. E então che­garíamos à terceira etapa: todo mun­do sairia das faculdades, junto, no mesmo momento, com uma coorde­nação nacional. Nesse ponto, acho que teríamos ganho a partida fazendo estrebuchar o bloco conservador". As primeiras semanas do movimento confirmam o panorama. O governo vai aceitar o diálogo? Não: no dia 22 de abril o "Diário do Povo" publica um editorial assassino em relação ao movimento e decreta ilegal a Fede­ração Autônoma dos Estudantes. A mensagem é clara: não é possível um diálogo com uma organização decre­tada ilegal. Os amigos de Li Peng sabotam qualquer tentativa de diálo­go. Mas de repente Zhao Zyiang volta da Coréia do Norte e provoca um cur­to-circuito em seus planos. No dia 4 de maio Zhao lança um "apelo em todas as direções". Os es­tudantes lhe devolvem o tiro no dia 5 publicando a criação do "Grupo para o Diálogo". No dia 6 de maio, vinte e cinco faculdades e institutos elegem seus delegados. Estes lançam um apelo de duas páginas, explicando as condições do diálogo: "eles reclamam os métodos previstos para tornar efe­tivas a democracia e a legalidade do sistema". A carta explica que a dele­gação do governo deverá ser conduzi­da "ao menos por um vice-ministro" e que a resposta deve ser dada antes das 15 horas do dia 8 de maio! Ao mesmo tempo, os estudantes aumen­tam a pressão votando a greve geral e a ocupação de Tian Anmen por prazo indeterminado. Zhao Zyiang responde com um gesto mais que simbólico: o comitê dos negócios estudantis, pre­sidido por Li Peng, e que até o mo­mento supervisionava o problema, é

dissolvido. Li Tieying, diretor da Comissão para a Educação Nacional, um reformista bem conhecido, é en­carregado de conduzir as negocia­ções . No dia 8 de maio, Shen Tong e três outros delegados do Grupo de Diálogo encontram-se durante uma hora com os representantes de Li Tieying para responder ao ultimato. "Neste momento", explica Shen Tong, "estávamos bastante confian­tes. Nossos planos seguiam o curso previsto. Trabalhávamos com loucos para preparar o grande encontro. Eu tinha criado um tipo de comitê per­manente onde eu era o único estu­dante. Os outros: trinta dos maiores universitários e intelectuais da China. Juntos, trabalhamos durante quinze dias num projeto para uma sociedade futura. Haviam especialistas de direi­to constitucional. Cada membro des­se comitê punha em ação nas suas fa­culdades pesquisadores desencavan­do os documentos, os números, as es­tatísticas de que precisávamos. Era exaustivo. As reivindicações em si não tinham importância alguma! A idéia do diálogo, a de Karl Popper, era de sentar-se cara a cara e mostrar que uma nova geração estava se apresentando e que pensava a China de outro modo. Isso frente a câmeras de televisão, que iriam retransmitir esse encontro cara a cara em toda a China! - Diretamente? - Era essencial! Todas as gerações precedentes sofreram pressões enormes, a um ponto que nenhum ocide,ntal pode imaginar! Essas ge­rações sabem reagir: são capazes de destruir tudo, com muita violência. Mas sua capacidade de criar alguma coisa permanece muito limitada. Nos­sa geração, mais jovem, sofreu bem menos. Ela acumulou conhecimento, ela é capaz de agir, e não só reagir. Estávamos convencidos que se con­seguíssemos mostrar isso, o país in­teiro nos compreenderia. O diálogo não era a esperança de obter con­cessões, mas simplesmente de inau­gurar uma nova era na China" . Como conseguir a adesão dos oito­centos milhões de camponeses chine­ses a um movimento democrático e estudantil? Pela força do exemplo e da coragem. Com a greve de fome os

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4 de iunho. Na madrugada o s ~anques disparam con~ra a população r e unida e m Tian Anme n. Es~a fo~o foi fei~a por um es~udante chinê s que a passou para um estrangeiro que ia para Hong Kong.

estudantes já atraíam a simpatia de Pequim. Com o diálogo, mostravam ao país como seria no futuro. O poder compreendeu o perigo imediatamen­te. Zhao Zyiang tencionava usá-lo para desvencilhar-se dos conserva­dores, alcançar todo o poder, pronto a formar uma futura composição com o movimento. Os conservadores sabiam que esse diálogo público significava sua morte política. E fizeram tudo para sabotá-lo. Mas aqui, um fato im­portante dá uma balançada em todo o cenário. É o lado imprevisível da his­tória. A grande fábula que vai travar a dinâmica desencadeada e varrer para longe as estratégias otimistas. Gor­batchev deve chegar a Pequim dia 15 de maio. Publicamente, os lideres es­tudantes querem aproveitar essa visi­ta como alavanca para acentuar a pressão. Entre eles, não escondem que o movimento deve alcançar seu auge na manhã do dia 15. Uma tal desordem em Pequim na frente de Gorbatchev arrisca · gerar um ponto sem retomo. Com isso o poder pode perder a sua máscara. E na China na­da é pior do que isso. A humilhação precisa de uma vingança. A história vai mostrar que eles tinham razão. Assim, estamos no dia 8 de maio. Quanto mais se aproxima a data da visita de Gorbatchev, mais pesada a tensão. Para acelerar o processo, os Zhaoístas pedem a Wan Runman, o Steve Jobs chinês, para servir como intermediário entre eles e os estu­dantes. O jovem dirigente da maior cadeia de lojas particulares da China

dirige a operação em seus escritórios. Seu diretor geral, Zhou Duo faz a ponte entre os dois lados: marca-se uma primeira reunião secreta para o dia 13. Wu'er Kaixi relembra: "Eu, Shen Tong, Wang Dan e os outros fomos convidados a comparecer aos es­critórios de Yang Minfu, o chefe da delegação do Partido na Fronte Uni­da. Sua educação e sua cordialidade me impressionaram. Eu estava com a voz completamente embargada: na hora um ministro que estava presente envia seu assistente para me arranjar remédios! Eles até tinham preparado uma refeição para nós, mas como tí­nhamos acabado de fazer o voto da greve de fome, ficamos observando enquanto eles comiam". Shen Tong completa: "Na verdade éramos seis por organização: o Grupo do Diálogo, a Federação dos Estu­dantes e o Comitê da Greve de Fome. Eles também tinham convidado vários artistas ativistas pela democra­cia e representantes da Liga da Ju­ventude. Ao todo éramos uns cin­quenta, e o encontro deve ter durado umas boas seis horas. - Seis horas? Mas pra falar o quê? - O tempo necessário para todos se manifestarem, dizer o que pensavam e para onde estávamos indo, foi inter­minável! Não estávamos lá para ne­gociar, era uma tomada de contato que devia servir para preparar o ver· dadeiro diálogo". Wu'er Kaixi: "Quando Yang Minfu acabou de nos escutar (ficamos sur­preendidos por sua paciência!), então

ele falou. Muito pouco. Disse: "Se acontecerem coisas graves, como re­voltas ou sei mais o quê, não será cul­pa dos estudantes, mas do governo". Ele me olhou, pensou um pouco e en­tão me disse: "É preciso que os dois lados mantenham a calma". Em seguida os grevistas de fome foram embora, os outros ficaram. Não posso te contar mais nada". Mas Shen Tong vai um pouco adian­te: "Eles começaram a evocar os con­mtos dentro do Partido. Foi o que durou mais tempo: Yang Minfu ten­tou nos dizer muitas coisas, mas ele não queria falar claramente, para não revelar suas cartas. Ele tentava nos advertir de um grande perigo ... Desde o começo da reunião todos os estu­dantes estavam de acordo sobre um ponto: era preciso evacuar a praça antes da chegada de Gorbatchev. Não significava parar a greve de fome, claro, pois, essa era nossa arma mais forte. Mas a evacuação era necessária para não ridicularizar Deng. Se con­tinuássemos lá até o dia 15 de maio, sabíamos que nossas chances para dialogar tomavam-se ínfimas". Quando todos se separaram, nenhu­ma decisão havia sido tomada e ne­nhum encontro marcado. Mas os pro­tagonistas até que estão otimistas: o encontro foi satisfatório, para ambos os lados. Oficialmente, os estudantes só evacuariam a praça sob duas condições: 1) Condenação oficial do editorial do Diário do Povo de 26 de abril, que declarou ilegal a Federação Autônoma dos Estudantes; 2) Diálogo televisado entre os dois lados. O ..,.

caos s 1

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..,. plano é realista. Possível: ele permite marcar pontos antes da chegada de Gorbatchev, sem colocar o governo em um impasse. Contudo, na manhã do dia seguinte, os estudantes não recebem nenhum sinal do poder. Os conselheiros de Shen Tong advertiram os estudantes: o poder ameaça endurecer-se. É pre­ciso evacuar a praça o mais rápido possível. Wu'er Kaixi se compromete a contatar Yang Minfu diretamente. "Antes de partir, ele tinha me dado suas coordenadas. Alguns de nós fo­mos até lá. Foi neste momento que nós marcamos o grande encontro para aquela tarde. - Com a promessa de difusão pela TV? - Parece que não era possível trans­mitir diretamente. Estávamos de acordo, mas havia uma pequena diferença". Quem recebeu a delegação foi Li Tieying, o ministro da Educação Nacional que Zhao nomeara respon­sável pelas negociações. Conta Shen Tong: "Li era auxiliado por um outro ministro e por dez vice-ministros. Nós éramos treze: eu frente a Li e mais doze intelectuais que há duas se­manas vinham preparando os docu­mentos no comitê. As duas delega­ções estavam frente a frente em torno de uma mesa bem comprida. Atrás de mim tinham colo­cado uma mesinha para Wang Dan, Wu 'e r Kaixi e C h ai Lin. Todo mundo em volta de nós: câmeras, jornalis­tas chineses, mi­crofones das rá­dios. Finalmente a gente ia poder co­meçar! - Você achava que ia ganhar a parti­da? - Claro que sim! Nós tínhamos três grandes eixos de discussão com vin­te e nove sub-capí­tulos. Um: o movi­mento estudantil. Era preciso impor _.. • que a Federação ._.

caos s 2

4 de iunho. O dia

amanhe ce e os

estudante s f e ridos

começam a ser

retirados da praça Tian

Anrnen. Nos hospitais

urna ordem: os médicos

só pode m ate nder os

soldados.

5 de iunho. A praça da

Pa:z: é tornada pelo

exército. Tanques de

guerra formam urna

grande barreira

impedindo a entrada

ou saída d e Tian

dos Estudantes não só fosse legaliza­da, mas que também fosse declarada de utilidade pública. Dois: as refor­mas. Você pode imaginar o pacote. E três: o parágrafo 35 da constituição, que garante a liberdade de expressão, de associação, de publicação e de manifestação. A discussão começou sobre as estruturas existentes. -Foi tudo gravado? - Esse foi o problema: no começo da reunião, um dos responsáveis nos avisou que por razões técnicas o diá­logo não poderia ser transmitido dire­tamente. Então exigimos que a cada meia hora fosse ao ar tudo o que já estava gravado. Eles concordaram. E começamos. Estavam filmando, achá­vamos que estava tudo certo. Mas lá fora, todos os grevistas de fome perceberam que nada acontecia: nem na televisão, nem no rádio, nem mes­mo na praça! Era a tragédia, o impos­sível, a catástrofe que despencava so­bre nós!" Na verdade, neste momento a maior parte dos grevistas ignorava que o diálogo havia começado. Provocação? Gafe? Incompreensão? Então espa­lha-se um rumor, tão clássico no cora­ção dos movimentos democráticos: " Alguns líderes negociam às nossas costas!". Escândalo! Vergonha! Ime­diatamente um cortejo de dois mil es­tudantes dirige-se para os locais da

Frente Unida, onde estão os alto-fa­lantes. A "base" quer saber o que está acontecendo. Todas as revolu­ções conheceram esse tipo de desas­tre. A massa tenta forçar as portas. Briga. Avisado, Wu'er Kaixi sai da reunião e tenta fa­lar com os grevis­tas de fome revol­tados: "Ouçam .. Foi muito difícil obter esse encontro, é só uma

J preparação para o diálogo. Eu suplico a vocês... confiem na gente!". Wu'er Kaixi faz a

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massa se calar. Por dez segundos. Mal ele vira as costas alguém berra: "Nunca, fora de questão!". Então to­do mundo começa a gritar: "Ar­rombem as portas! Quem foi que elegeu esse cara?!". E então as por­tas são arrombadas, e várias dezenas de radicais espalham-se pelos an­dares. Por fim três deles encontram a sala certa, abrem a porta e se jogam no meio da conferência. "Eles começaram a gritar", conta Shen Tong. "Um deles chorava: "Vocês devem divulgar esse encontro imediatamente". "Não, nós não pode­mos", responde o ministro. E nesse momento eu entendi que eles real­mente não podiam. Ele fora persuadi­do de que tudo seria diferente. Não sabia que era um golpe bem prepara­do, um complô para causar o fracasso do diálogo! Foi terrível. Nesse mo­mento era mais importante dialogar que divulgar. Ora, de repente não ha­via mais diálogo algum. Fomos obri­gados a nos alinhar ao lado dos gre­vistas! Estávamos frente a frente com o ministro, mas não estávamos de acordo! O castelo de cartas paciente­mente empilhadas desmoronou ... - Como reagiu o ministro? -Ele estava aterrorizado! Fazia um calor sufocante, todo mundo estava ensopado de suor. Os ministros à nos­sa frente estavam de acordo com o diálogo, tinham caído na armadilha como nós. O que eles mais queriam é que a praça fosse esvaziada antes da chegada de Gorbatchev. Era a condição 'si ne qua non' para a sobre­vivência politica de Zhao. Por fim dei um grande murro sobre a mesa. Esta­va chorando. Tinha fracassado, perdi­do tudo. O pior é que eu sabia que por trás desse fracasso estava o final de todo movimento. A tragédia não aconteceu no dia 4 de junho, mas no dia 14 de maio. Esse dia anunciou ir­remediavelmente a repressão do 4 de junho". Os dois lados se separaram, arrasa­dos. Imediatamente Shen Tong, Wu'er Kaixi e Wang Dan fizeram um acordo sobre o método a ser seguido: evacuar a praça a qualquer custo. Era meia-noite, Gorbatchev chegaria em algumas horas, era preciso evitar o pi­or. Shen Tong conta: "Peguei o microfone da central de

som e me dirigi a todos os estu­dantes. Comecei pedindo desculpas a todos os estudantes por ter fracassa­do ... , mas não consegui continuar, as lágrimas desciam e minha voz estava completamente travada. Meus ami­gos pegaram o microfone e expli­caram com detalhes tudo o que tinha acontecido, porque tínhamos chegado até aquele ponto e que, enfim, agora era preciso esvaziar a praça... Sete pessoas se revezaram no microfone. À toa. Os estudantes não se mexiam. Eu chorava feito uma criança. Wu'er Kaixi chegou, rediscutimos, e concluí­mos que se pelo menos a gente mu­dasse de lugar, indo para o leste da praça ao invés de permanecer bem no meio, ficando invisíveis quando Gor­batchev chegasse frente ao parla­mento, no outro lado, a oeste da praça ... Acreditei nessa possibilidade. Durante a noite inteira fomos de ten­aa em tenda. Conseguimos con­vencer os líderes de todas as facul­dades, eram quatro horas da manhã. Faltava resolver com os grevistas. Fazia um frio abominável. "Enfim, quando o sol nasceu, todo mundo começou a arrumar suas coi­sas. Comentamos que talvez tivésse­mos conseguido evitar o pior, e de re­pente, vimos a massa chegando! Mi­lhares e milhares de operários, estu­dantes, gente de Pequim vindo nos apoiar! Foi terrível! Rapidamente as áreas que tínhamos acabado de eva­cuar estavam.lotadas pela massa de gente. Meia hora depois a praça esta­va transbordando. Eram dez mil, cem mil, quinhentos mil. As pessoas es­tavam achando fascinante, e eu cho­rava feito uma criança. Tinha começa­do a deriva. Já não havia mais lógica no movimento, todos os comporta­mentos agora eram passionais. "Pra mim tinha acabado. Neste ins­tante", explica Shen Tong, "eu perdi o poder que tinha dentro do movi­mento. Só fui consagrado por causa do cantata com a imprensa. A estratégia sutil dos estudantes ti­nha acabado. Agora Pequim entra em cena. Para o melhor e para o pior. É desencadeado um processo inexorá­vel. A cidade apoia a sua juventude. Ela os toma nos braços. Faz festa para eles. E o mundo inteiro, sem nada saber dos dramas que se desenrolam

nos bastidores, vai admirar a coragem sublime desses estudantes e a astú­cia desses grevistas que jogaram Gor­batchev, o reformador contra Deng, o conservador. Gorbatchev fica contrariado ao ter que passar por uma porta escondida para encontrar o mestre do Império do Meio! Humilhado. O velho Deng, o homem que disse a um jornalista "eu não en­tendo nada de economia, só um pouco sobre assuntos militares", nesse instante vai resolver o destino da Comuna de Pequim. Nesse momento ninguém acompa­nha a análise catastrófica de Shen Tong após o fracasso do diálogo. Wu'er Kaixi entre outros, achava até o último instante que era possível evitar o pior. No entanto, no dia 18 de maio uma ambulância o leva para o hospital, esgotado e inconsciente. À noite ele acorda com uma per­furação no braço e um tubo de oxi­gênio no nariz. Gorbatchev acabara de deixar Pequim. A trégua acabou. Os dragões vão acordar. Wu'er Kaixi não pode abandonar suas tropas, seu amigo Wang Dan, sozinhos diante do demônio que já se armava na sombra. Assim que percebeu onde estava, ele arranca os tubos e o soro, sai pelo corredor deserto e foge sem pegar suas coisas ... No amanhecer as pessoas vêem o "tur­co" chegando à praça em pijama de hospital!

Quando cheguei me contaram que Lii Peng finalmente tinha concordado em nos encontrar. Eu já estava com Wang

Dan e os outros no OG da praça. O en­contro era às dez da manhã. Pra dizer a verdade, já não tínhamos muitas ilusões. Mesmo assim tentamos preparar a discussão. No estilo nego­ciações diretas". O primeiro encontro foi marcado na sede da Frente Unida. Lá, o respon­sável do Partido que os tinha rece­bido no dia 13 de maio os fez entrar nos carros. Eles voltam para a praça Tian Anmen, ao palácio do Parla­mento. O encontro vai acontecer, claro que sim, mas no salão das mino­rias! O Uigur mais conhecido do mun-do não reprime um sorriso: ..,.

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~ "Esperamos por ele durante meia ho­ra! Bom, na verdade a gente já estava esperando há quase um mês... En­quanto esperávamos, chegaram jor­nalistas chineses. Instalaram-se na sala. Sentamos em fila nos três lados da mesa reservados para nós (éramos vinte e dois) - o outro lado era para Li Peng e os oficiais do Partido. Eu estava ao lado de Wang Dan, frente à cadeira de Li Peng. Às onze horas ele finalmente chegou. Todos se levan­tam, menos eu ... Ele entra no quadra­do e começa a apertar as mãos de ca­da um, lentamente, com as frases típi­cas: "Veja só, somos da mesma re­gião, você conhece fulano? Ah, o se­nhor vem de não sei onde? Conheço bem a região". Quando ele chegou na minha frente, por fim me levantei... Não disse nada. Alguém lhe cochi­chou "Wu'er Kaixi". Então eu disse: "Tenho certeza de que não é a pri­meira vez que o senhor escuta o meu nome". Ele diz "Ah", e depois se sen­ta". Imagine esse espetáculo: o "turco" de pijama, ainda com um pedaço de es­paradrapo sobre o nariz por causa dos tubos de oxigênio, frente ao "corvo glacial" que ele sabe que já ganhou. Alguns minutos antes Zhao Zyiang acabara de ser jogado para a minoria. Os reformistas já tinham perdido. Deng, o humilhado discute com o exército. Wu relembra: "Mal sentou, Li Peng lançou-se num discurso caudaloso e vazio. Eu me lembro, ele ia falando banalidades do tipo "Puxa, final­mente conseguimos nos encontrar! Mas se estiver um pouco tarde, nós nos vemos depois hein! Hoje vamos falar de uma única coisa: como parar a greve de fome e esvaziar a praça. A atitude dos estudantes é muito nobre, vocês têm amor pelo país, nós concor­damos com o que vocês escrevem nas bandeirinhas. O governo decidiu lutar contra a corrupção. É difícil, mas graças a vocês nós chegaremos lá; vocês sabem, tenho três filhos um pouco mais velhos que vocês, quero que vocês saibam que nenhum deles é corrompido .. ". "Aí eu cortei a palavra dele. Ele já es­tava falando há muito tempo para não dizer nada nessa hora!

C Q OSS4

11 Presidente Li Peng, desculpe-me por interrompê-lo, mas se continuar· mos discutindo nesses termos, nunca chegaremos a nada. o senhor diz que é um pouco tarde. E preciso que o senhor entenda que não é nem um pouco tarde, mas tarde demais! O senhor diz que nos convidou? Mas fo­mos nós que convidamos o senhor, somos nós que decidiremos os pro­blemas que vamos abordar! Feliz­mente ainda estamos vivos para lhe falar. Todos os estudantes que estão aqui na frente do senhor só querem uma coisa: sair da praça! Mas para sairmos, há duas condições: retificar o artigo de 26 de abril sobre a Fede­ração Estudante, e em seguida começar um verdadeiro diálogo públi­co em termos de igualdade! Econo­mize tempo, pense nos milhares de estudantes que estão na praça, chega de falar sobre generalidades!" A televisão mostrará algumas ima­gens desse diálogo trágico: frente ao "turco" de pijama, muito à vontade, terrivelmente seguro de si mesmo e acusador. Li Peng fica verde, pálido, tenso, apertando os dedos e contrain­do os lábios com movimentos descon­trolados. Nesse dia, Li Peng definiti­vamente convenceu os chineses - to­dos os chineses - de sua profunda nulidade. Um dirigente jamais deve parecer ridículo. Ele não só estava ridículo, mas os estudantes à sua frente estavam muito bonitos, com uma faixa branca de grevistas de fome sobre a testa: eles sofriam, e além do mais falavam francamente! Depois de Wu'er Kaixi, é Wang Dan quem toma a palavra, e depois cada um dos outros vinte estudantes, até que de novo chega a vez de Li Peng. Máscaras caídas. "Agora chega! Eu ordeno que saiam da sala. Sem condições. Pequim está paralisada e afunda-se na anarquia. A cidade está fora de controle. Toda a nação foi afetada! As estações de triagem estão bloqueadas, os trens pararam de circular. As coisas foram longe demais. O governo não pode ig­norar isso, pois o governo é respon­sável pelo bem-estar do povo! Nós devemos defender as usinas, nós de-

vemos defender nosso sistema socia­lista. Pouco importa que vocês fiquem ou não contentes de ouvir isso, mas eu estou feliz de dizer isso a vocês". Só essa parte do discurso de Li Peng foi transmitida na televisão chinesa. Wu'er Kaixi conta: "Bem no meio de seu fluxo verbal, eu lhe mandei um bilhetinho: "Se o senhor continuar fa­lando qualquer coisa, lhe corto a pala­vra outra vez". Ele leu e bateu nos braços da poltrona. Deu um berro: "Tínhamos combinado: quando eu fa­lo ninguém me interrompe!" Respon­di: "Tudo bem, tudo bem, eu espero .. -" .. Então ele disse essa frase: "Não vamos nos deter em pequenos deta­lhes, hoje só falaremos da greve de fome". Aí eu gritei: "Mas quem, aqui, está falando de detalhes?". "Nesse momento Wang Dan começou um discurso extraordinário, depois outros líderes fizeram um duro ata­que. Enfim eu retomei a· palavra, es­tava me sentindo mal e lhe disse: "Se for para continuar assim, creio que to­dos os estudantes concordam comigo que não é necessário continuar". "Foi então que comecei a sentir um sufocamento. Caí no chão, não con­seguia mais respirar. Não cheguei a perder a consciência, mas estava ten­do a primeira crise cardíaca. Um médico me fez deitar no chão, Wang Dan segurava a minha mão enquanto gritava contra Li Peng. Ele tentou re­começar a discussão, mas foi uma tiração de sarro. Li Peng falou, com uma voz cortante: "Acabou, ficamos por aqui, o diálogo está interrompi­do". Wang Dan ainda gritou: "Não foi um diálogo, nós só ficamos olhando!~·. Li Peng saiu. Wang Dan me olhou, e me-disse: "Vem, a gente vai embora". Ble me levantou, os outros ajudaram a me carregar, e saímos .. ". A estratégia dos estudantes de "su­cessivas enchentes" havia fracassa­do. O diálogo estava rompido. Os con­servadores humilhados. Os reformis­tas excluídos. Pequim e Tian Anmen encontravam-se sozinhos frente a Deng e o exército. Wu'er Kaixi volta ao hospital por algu­mas horas. Agora o movimento está completamente nas mãos de Chai Lin a passionária, que quer seguir até o fi­nal. Wang Dan não tem nada a fazer além de ficar entre as tropas. Shen

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Tong garante as co­municações. Os amigos de Chai Lin fazem uma nova lista de reivindica­ções: "O movimen­to deu uma gui­nada muito mais radical", diz seu porta-voz. Tian Anmen vai atrás deles. O drama pode começar. No dia 20 de maio Li Peng anuncia a lei marcial. Wu'er Kaixi escapa do hospital outra vez e fica sabendo da notícia quando chega à praça. "Mandei buscarem os líderes durante meia-hora. Só encontramos quatro. Era preciso de pelo menos cinco além de mim para tomar uma decisão en­volvendo o movimento inteiro. Pensei comigo mesmo que o momento era grave demais, todos concordariam co­migo: era preciso evacuar a praça. Os quatro me seguiam. Peguei o micro­fone da central de som e comecei a lançar apelos. Mas os outros líderes chegaram. Eles não concordavam. Eu era minoria, depois fui excluído da di­reção. O resto dos fatos mostrou que eu tinha razão .. ". Estamos na noite de 3 para 4 de ju­nho, em pleno massacre. Eu subo nas fontes para escapar dos carros de combate. Wu foi evacuado. Chai Lin está escondida. Shen Tong está em­baixo de sua casa, em Xidan. Há várias horas ele assiste, impotente, o extermínio. Um de seus amigos fica do seu lado. Em to­da parte cadáveres cobrem o chão. Ria­chos de sangue correm à procura de um rio. Em todo canto pilhas de cor­pos, alguns horri­velmente mutilados pelas esteiras dos tanques. Às quatro horas da manhã chegam no­vas tropas. Shen Tong pensa: "Eles não estão sabendo, eles não atiraram. Talvez a gente pos­sa falar com eles, explicar-lhes a bar­bárie, convencê-

Wu'er Kaixi e Shen

Tong durante a entre­

vista em Boston (EUA).

"Deng e Li:

Vocês podem enganar

algumas pessoas o

tempo todo.

Vocês podem enganar

todas as pessoas por

algum tempo.

Mas vocês não podem

e~ganar todas as pes­

soas o tempo todo".

Mensagem do Centro

Chinês de Informação

em Boston (EUA) ao

governo da China.

los .. ". Com seu amigo, ele vai para a avenida, na frente das tropas. Atrás dele a massa de gente se comprime sobre as calçadas. O companheiro a seu lado dirige-se

ao primeiro soldado: "Ei... Olha! Olha o que eles fizeram!". Shen Tong lhe mostra a pilha de corpos. Então o soldado levanta a sua arma, mi.ra e atira. O amigo de Shen Tong recebe a bala entre os olhos. Da massa sai um tricículo com um 'side-car', agarra Shen Tong paralisa­do pelo horror, e o carrega pelas vielas compridas. Ao amanhecer, ele está em pleno campo. Fica escondido até o dia 11 de junho. O tempo para que consigam pra ele um visto e o despachem para os Estados Unidos. Wu'er Kaixi, escapou graças a uma outra rede. Eu revi Wang Dan uma última vez na praça Tian Anmen, às 5 horas da ma­nhã do dia 4 de junho. Os paraquedis­tas tinham acabado de descer na praça. Os tanques avançavam em direção ao QG dos estudantes. Quando os solda­dos capturavam os membros do ser­viço da Ordem Estudantil, ele ordenou a evacuação, ao lado do cantor Hou, pop star chinês, negociador da eva­cuação da praça junto aos militares. Wang Dan foi um dos últimos a sair.

Atrás dele, os para­quedistas empilha­vam os estanda.rtes estudantis, e arran­cavam as bandeiro­las pregadas no monumento. Vamos repetir isso de novo: Não hou­ve mortos na praça Tian Anmen du­rante a evacuação e

~o~ isso foi graças à ~ Wang Dan e Hou. 0 No dia 4 de julho, a ~ policia desentocou '& Wang Dan na pe­~ riferia de Pequim. g Desde então nin­rz guém mais o viu •

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O v erdadeiro fo lso 0;6r;o do Pov o.

A rnaioria dos chineses não sabe ou até duvida do que aconteceu ern iunho na Praça Tian Anrnen. O Estado totalitário caprichou na repressão à inforrnação e na lavagern cerebral. É o que eles charnarn de "re-educação cultural". O D iário do Povo é o órgão oficial do Partido Cornuni sta Chinês. O nosso Falso Diári o , escrito por iornalistas c h i neses exilados ern Los Angeles, conta a verdadeir a história do rnovi mento democrático. Nós o infiltramos em Pequim e Xangai. Veia as reações.

29 de se tembro. N o u nivers idade d e Beido em Pequim u m es tudonte lê o nosso jornol .

EM p É que nós - e vocês também! -vamos empreender urna campanha da mais extrema urgência. Pela primeira vez, jornalistas e seus leitores vão agir em nome do dever de intervenção: informando, pondo um jornal em circulação num país amordaçado. Nós começamos colocando em circu­lação alguns exemplares do Diário falso em Beida, a universidade de onde partiu a comuna estudantil. Em seguida fornos ver os círculos in­telectuais e artísticos . Preparando a "Operação Fax" , também entramos em E:rnpresas; joint-ventures criadas com grupos estrangeiros. Em todo lugar a reação foi a mesma. No começo, dez segundos de incre-

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dibilidade. Na seqüência nossos leitores viram as qua­tro páginas e tropeçam na foto de Deng preso por dois policiais. Se vocês escutassem as gargalhadas deles, vocês entenderiam que desde o dia 4 de junho os nos­sos amigos chineses não tiveram muitas oportunidades para rir. ·vocês ousaram isso! É incrível! É, é ... ". Agitados e ~ebris, eles abrem as páginas internas, descobrem as fotos do massacre, e então, finalmente, compreende­mos a força do nosso número falso: -Essas fotos aí, é, foi bem isso que eu vi. .. Eu não esta­va ficando louco ... -Mas claro que não! - Como assim, claro que não? Tem as coisas que cada m11 viu, mas também tem o que a televisão nos mostra .desde 5 de junho. Todos os dias, o tempo inteiro, nos jornais, nos cursos de reeducação, eles repetem a .Jenga-lenga: Não aconteceu nada, foi só uma volta à acdem!

- Mas o sangue, todos vocês o viram! - Sim, mas cada um só viu o que acontecia na região em que ele estava. O que aconteceu mais adiante? Quem diz a verdade? Quem mente? Sobre Tian Anmen, agora sabemos que não houve massacre. Então... a gente acaba acreditando que todo aquele fuzilamento perto da gente foi só um acidente! E claro que isso é mentira! Houve um massacre. Mas somos atingidos por essa campanha. Ela se desencadeia na forma de dúvida, uma dúvida terrível que nos corrói. Era ver­dade?" Nosso amigo mergulha outra vez na leitura do jornal, emocionado. Pela primeira vez, ele tem a impressão de estar colocando seu cérebro no lugar. Quando eu voltei de Pequim, alguns dias após o mas­sacre, fiquei pensando que os chineses nunca esquece­riam as balas que atingiam a massa de gente, as mu­lheres, os velhos caídos nas sarjetas, as esteiras dos tan­ques esmigalhando as pernas, as barrigas, as cabeças. ~

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...,. Voltei pra lá no final de setembro. A máquina totalitária já havia destila­do seu veneno: a dúvida, o medo de lembrar, o medo de contar. O es­quecimento instala-se de maneira insidiosa. Todavia, a primeira coisa que observamos chegando na cidade é o ódio e a resistência. A resistência? Chegando à cidade, meu reflexo é o de seguir o trajeto do meu pesadelo: quando eu estava no meio da carnificina, entre a Cidade Proibida e o Hotel Beijing. O acesso a Tian Anmen é controla­do por militares. Em cada esquina trepados nos pequenos palanques circulares e coloridos: mais solda­dos, metralhadoras no peito. Ando ao longo do muro cor de terra da Cidade Proibida, que está constela­do por massa fresca, cimento tapan­do os buracos das balas daquela noite trágica. Buracos na altura do peito. Há cinco por metro. A tinta fresca não esconde nada. É o muro dos fuzilados. Ali um buraco um pouco maior, onde o cimento foi arrebentado. Antes de secar, uma mão anônima deixou ali uma marca... Uma mão fazendo o V da vitória! O ódio? Ancorou-se no fundo de ca­da habitante de Pequim. Contra Li Peng e Deng Xiaoping. Aqui todo mundo conhece alguém que foi morto, ferido, preso, alguém que desapareceu, ou que já foi esqueci­do. Em todo lugar não se fala de outra coisa além de vingança, de castigo, de lei do sangue. Fala-se do exérci­to como se falava dos "boches" (alemães) durante a Segunda Guer­ra Mundial. A cidade ferve de ru­mores sangrentos : à noite, coman­dos suicidas atacam soldados isola­dos, encontraríamos dois, enforca­dos em uma árvore. Outros falam de um soldado estrangulado em um banheiro público. Diz-se que são grupos organizados pelos pais dos mortos do 4 de junho. Dizem tam­bém que até o final do ano esses co­mandos vão passar a uma ação aberta. Ou até o dia de Todos os Santos na China, no final do inver­no. Entre os estudantes, uma ane­dota: um oficial do 272 exército (que realizou o massacre em Pequim) chega em uma faculdade para fazer uma palestra. Ele é carregado em triunfo pelos estudantes. As mãos formam um trampolim e o jogam

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para cima, hurra! hurra!, cada vez mais alto, até que opa, todas as mãos se separam. O oficial cai de costas e quebra a coluna vertebral... Como represália, quatro estudantes teriam sido presos. Rumores inverificáveis. Mas que não deixam de traduzir bem o clima de ódio. Cada um conta sua his­tória, saboreando o menor detalhe ... O ódio tanto é maior quanto foi grande o sonho de Pequim durante algumas semanas. A cidade viveu uma verdadeira libertação, como se diz depois de uma guerra de liber­tação. Era preciso ver os operários, bandeiras ao vento, reunindo-se, na maior praça do mundo, junto com os estudantes revoltados , gritando a eles: "irmãos!". Era preciso ouvir a ovação feita aos policiais que se aliavam à massa. Era preciso ver as velhinhas chorando frente a esses milhares de adolescentes em greve de fome. E mais tarde, esses mi­lhares de chineses heróis carregan­do nas costas essa mesma garota­da, levando-os para o hospital... Liberdade, solidariedade, pureza. Eles massacraram o sonho. O rolo compressor da mediação, edu­cativo e ideológico, pouco a pouco vai fatiando os espíritos. Minucioso, implacável. Histórias em quadri­nhos em faixas gigantescas nos grandes cruzamentos, sessões de reeducação coletiva, auto-críticas obrigatórias em três páginas. E com prova surpresa, como na escola e sem consulta: "Minhas idéias duran­te os dez anos de reforma", "Meu comportamento durante o movimen­to contra-revolucionário: por que e quando eu abusei" ... Ninguém é bobo. Mas pouco a pouco as certezas começam a em­palidecer. Só restam as reações: ódio, desgosto, medo. Sim, Pequim tem medo. As prisões continuam, todo dia, em todos os meios. Na escola de cinema, quatro estu­dantes foram presos no meio de se­tembro. As aulas tinham acabado de recomeçar, dois homens em tra­jes civis entraram em uma sala de aula e os estudantes, gelados de terror, ouviram o sinistro "você e você, nos acompanhem". Os infe­lizes os seguiram. E nunca mais foram vistos. Mesmo assim: "Nós não vamos cair na armadilha do medo!". Essa me-

nina que está conversando conosco tem trinta anos, trabalha em um órgão governamental. Ela tomou precauções infinitas para nos en­contrar. Sabia que tínhamos o falso Diário do Povo. Ela disse: "Por uma coisa assim vale correr o risco". Antes de nos encontrar, ela tirou a placa de sua bicicleta. Depois fomos até um parque e alugamos um bar­co. Conversar tranquilamente no meio de um lago. "Se nós aceitamos essa repressão, estamos perdidos! Assim eles ga­nham. É claro que é assustador, mas não devemos nos submeter ao terror. Nos últimos anos ganhamos espaços de liberdade: podemos -usar jeans, falar com estrangeiros, ouvir rock, refletir sobre as refor­mas. Eu posso me maquiar, posso até mesmo encontrar jornais ingle­ses. Você entende? Para ter certeza de que não é preciso me inquietar, seria preciso parar com tudo isso. Mas essas liberdades me ajudam a pensar, a manter um pouco de au­tonomia. Se o medo nos obriga a nos fecharmos outra vez, será nos­so fim. É por isso que eu quis te en­contrar". Seu marido concorda. "Tecnocratas reformistas", os dois trabalham em estruturas instaladas por Zhao e Hu Yaobang para planificar as reformas econômicas. Desde o dia 4 de junho, esses órgãos sofrem uma caça às bruxas digna das negras horas de Stalin. É aí que a repressão é mais severa. Se por acaso nossos amigos fossem surpreendidos falando co­nosco, eles seriam presos e desa­pareceriam no 'goulag' chinês... A lei marcial continua proibindo ex­pressamente qualquer contato en­tre um chinês e os estrangeiros. Remamos para nos afastar de uma embarcação um pouco próxima de­mais. De repente o horror! Ali, bem na frente, um motor possante, com sirene no teto! Uma lancha do exército patrulha esse lago minúsculo. Dá uma volta em torno dos barcos. Bem perto. O movimento da água sacode todo mundo. E de repente ela vem vindo em nossa direção! Há uma câmera!" grita nossa ami­ga. Eles estão filmando", completa seu marido. O que fazer? Comigo estão todos os

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• exemplares do falso Diário do Povo - impossível deixá-los no hotel, os quartos podem ser revistados em nossa ausência. A patrulha se apro­xima. Agora dá pra ver os quépes aparecendo nas janelinhas. Olham­nos fixamente. Me encaram. "Sorria ", implora o marido. Eu sorrio. Agora vemos as armas com nitidez. O cano de uma metra­lhadora sai pela lateral. E depois um barulho surdo. Seu motor trava! Uma fumaça ocre sai da parte tra­seira. Os soldados apressam-se em ir olhar. A lancha balança perigosa­mente, um deles quase cai. Tranquilamente remamos para a frente. Os outros barcos se afastam. Entre eles trocam-se sorrisos cúm­plices. Plantados bem no meio do la­go, os militares estão imobilizados. Ninguém vai os ajudar. Nós nos separamos no embarca­douro. Nossos amigos levaram um exemplar do falso Diário. Para o co­locar em circulação. Graças a ele, nossos amigos, pela primeira vez desde o massacre, de­cidiram reencontrar aqueles com quem eles "conspiravam". Todos os intelectuais faziam parte de redes ou associações informais, para tro­car idéias, documentos, jornais, li­vros, textos. O massacre e a repres­são pararam com tudo. O falso Diá­rio do Povo lhes dá um bom motivo para reativar essas redes. Nós vimos isso acontecer. Foi na véspera da celebração do quadragésimo aniversário da fun­dação do regime comunista. Há dois dias nós assombrávamos os jardim d.e Beida, a universidade que dirigiu a comuna estudantil. Desde o dia 4 de junho ela está de­serta. A maioria dos estudantes fugiu para o interior, escondendo-se na casa dos pais ou dos amigos. No final de setembro, ninguém ainda pode fazer um balanço da repressão em Beida. Uma única certeza: em 6 de junho já se contavam duzentos desaparecidos. Nesse final de setembro, Beida ainda não retomou as aulas. Ao contrário das outras universidade, onde os "trabalhos de reeducação" seguem em ritmo de cruzada, aqui continua a espera. Uma expurgação, um dilúvio, um sratus quo. Ninguém sabe. -vão visitar Liu, no endereço tal. Lá ha coisas para serem contadas", nos confia um de nossos contatos. Liu

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O verdadeiro falso Diário do Povo invado

Pequim: nos muralhas, nos jardins

era um dos três mil grevistas de fome da praça Tian Anmen. Quando Li peng decretou a lei marcial de 20 de maio, foi nos co­mandos que eles juraram morrer pela defesa da comuna. Muitos de seus amigos foram mortos naquela noite sanguenta. Liu es­capou, pois pela primeira vez desde o final de abril, ele tinha saído da praÇa para dormir em uma cama! Quando os avisos de procura começaram a aparecer na tele­visão, Liu fugiu. Ele se refugiou numa cidadezinha na Manchúria para reencontrar a menina que ele amava. Quando chegou lá, fi­cou sabendo que o pai havia de­cidido casar a filha com um japonês de cinquenta anos para que ela conseguisse um passa­porte. Liu voltou a Pequim. Ele tinha perdido tudo. Seus amigos, seu amor, suas oportunidades de tra­balho. Quando nós o encon­tramos. ele só esperava uma coisa: a morte. Felizmente para ele, "alguém " decidiu ajudá-lo. "Alguém " con­seguiu-lhe um quarto em uma dessas casas particulares que pululam na periferia. Um pro­

prietário compatível à acolhida - em troca de di­nheiro forte, é claro. As pessoas à sua volta fazem compras pra ele, lhe dão roupas, o ajudam a loco­mover-se pela cidade quando ele realmente precisa. Lá, as pessoas estão orgulhosas de ter "seu" estu­dante para proteger. Liu nos contou sua vida longamente. Uma história que daria um livro inteiro. Puxa, não tínhamos um número suficiente de falsos Diários para lhe dar um exemplar. Mas na tarde seguinte seu · "protetor" nos contatou: "Encontro esta noite frente à estação de ônibus X, estão esperando vocês, é importante". Na hora combinada, fomos guiados por pessoas de bicicleta. Chegamos ao esconderijo de Liu. Um cô­modo vazio, apenas alguns livros. uma manta para dormir, um sleeping, uma tábua sobre quatro tijolos para servir de mesa baixa. Com Liu estavam dois homens, por volta de trinta e cinco anos . "São meus professores, eles ficaram sabendo daquilo que vocês têm. - O falso Diário? - É. Eles queriam falar com vocês sobre isso. Dá pra mostrar pra eles?" Enquanto os dois esquadrinhavam o jornal de A a Z, Liu nos explica: "Eu falei sobre o assunto com um amigo que contí­nua na faculdade. Você sabe que alguns estudantes anunciaram a formação de uma nova Federação Autônoma dos Estudantes? Ninguém sabe quem ..,..

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..,. montou o esquema. Mas é algo im­portante. Eles se perguntam o que devem fazer. A repressão continua e nós não temos perspectiva algu­ma". Os professores finalmente acabaram de ler o falso Diário. O mais velho, trinta e oito anos, pergunta: "Vocês vão enviar outros? -Por fax, mas também através de redes de Hong Kong. - Bom. Nós tínhamos um pequeno jornal de informação científica e artística. Depois do massacre não pudemos mais publicá-lo. Era perigoso. Não sabíamos mais o que dizer! Nenhuma palavra de ordem, nenhuma idéia. Estávamos aniqui­lados, você entende ... Eu acho que aqui temos uma boa matéria. Tem informações e tem um tom. É dife­rente da Voice of America.(1) - Eu acho, diz o outro professor, que finalmente há outra coisa a fa ­zer além de chorar". Na televisão, as cerimônias do quadragésimo aniversário atingem o auge. Na tela, duzentos estudan­tes de Beida dançam no meio de outros grupos, representando todas as outras faculdades de Pequim. "Não, eu não quero ver isso", res­ponde Liu. Quatro meses depois do massacre, o poder ainda não encon­trou uma melhor maneira de humi­lhar os estudantes: fazê-los dançar sobre os traços dos tanques que es­magaram a sua comuna. "Quantos jornais vocês vão enviar?, me pergunta o primeiro professor. - Tantos quanto puderem os nos­sos leitores". Os três cúmplices se entreolham. Entre a incredulidade e a resig­nação. Liu me diz: "Eu não sei o que os seus leitores vão fazer. Eu não ouso crer em um milagre. Todos os nos­sos sonhos foram esmagados. Será que ainda podemos acreditar em al­guma coisa?" Caros leitores. Respondam vocês •

Christophe Nick/ Actue i com

Alain Wang da AD 89

(1) A rádio americana que transmite informações em chinês. muito ouvida, mas tão desacreditada pelo governo que os chineses se habituaram a acreditar só na metade do que ouviam.

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O chofer do nosso táxi, um Citroen CX, é obrigado a ficar buzinando sem parar não há outro jeito de abrir caminho no. meio da massa de gente. Domingo 12 de outubro, estamos em Xan­gai. Os chineses vestem seus ternos mais bonitos e pas­seiam ao longo da "Bund", a grande avenida que acom­panha o rio Huangpu. Calor tropical: o crepúsculo desa-pareceu atrás de espessas

nuvens tempestuosas. Todo mundo parece de bom hu­mor. Durante três dias eles vão festejar o aniversário da Revolução. Aqui, em junho não houve um massacre co­mo em Pequim. Nem ônibus incendiados, nem montes de cadáveres, nem fileiras de tanques. Xangai consi­dera-se uma cidade liberal. Os pais passeiam com orgulho o seu filho - o único au­torizado pelo Estado. Assim, de cara as crianças são mi­madas como príncipes. Todos querem ver as guirlandas que vão iluminar, às seis e meia em ponto, os edifícios coloniais, no centro da velha cidade dos traficantes de ópio. Na verdade não deve ser difícil achar que o espetáculc dessas ampolas infelizes é excitante! Mas nenhum· dos transeuntes se entendia. As cadeias de policiais - este ano esticadas pela primeira vez por ocasião da festa na­cional - não estão armadas e são totalmente inúteis. Ao longo da noitada, muitos guardas simplesmente de­saparecem na multidão, com mulheres e crianças. Há alguém que não festeja. Ele está sentado em urr quarto a meia-hora de carro a partir daqui, e está es­perando nossa visita. Na entrada de uma universidadE de Xangai, um veahinho com uma faixa vermelha nc braço nos abre a porta sem fazer perguntas. Este~ aposentados fazem um bico como auxiliares da polícia, E

podem ser vistos na rua em toda part e. Sob sua vigilân cia molenga, dez mil pessoas vem no campus, entre ci entistas, estudantes e suas famílias. A universidade É

completamente independente do resto da cidade, con suas casas, lojas e mercearias. Nosso interlocutor estuda filosofia ~ acaba de festeja seus vinte e nove anos - ele faz parte dos veteranos d< movimento estudantil. Ele nos fora indicado por dois amigos. Disseram a el1 que nós queríamos falar do movimento democráticc Que nós levávamos um falso Diário do Povo, escrito po estudantes refugiados no exílio. Ele tomou a decisão d• nos encontrar -arriscando o pescoço. Mas ele quercon tar ao mundo o que aconteceu em Xangai. "Em abril, quando ficamos sabendo que Hu Yaobanf tinha acabado de morrer, muitos entre nós sentiram qu.

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~ era preciso fazer alguma coisa. Três dias depois, centenas de milhares de estudantes saíram da cidade universitária e foram para a cidade. As duas pontas da passeata eram fechadas por cordas, para que ninguém se juntasse a eles. Nem a população, nem os provocadores. Temiam que o partido perdesse a face - expressão chinesa que de­signa a humilhação suprema - se os habitantes de Xangai partici­passem da demonstração. A polícia seguiu atrás, sem prender ninguém. "Isso recomeçou todo dia. A multi ­dão aumentava, 90% dos estudantes estavam lá, e também os professores e o pessoal da administração da uni­versidade. O movimento recolheu vinte mil yuans (cerca de duzentos salários mensais) junto à população. O prefeito liberal de Xangai impediu a intervenção do exército. Depois do massacre de Pequim, 3 e 4 de junho, os estudantes continuaram a se manifestar até o dia 20 de junho. O único acidente trágico ocorreu na es­tação, no dia 7, quando um trem foi incendiado. Houve mortos e feridos. O governo executou três jovens ope­rários, supostamente os respon­sáveis". Depois do fracasso, cada um salva­se como pode. As últimas dis­cussões acabaram na resignação, nas críticas recíprocas e no medo. "Hoje, tem gente que só lê ro­mances de amor, outros jogam a dinheiro ou vão às discotecas. Ou então eles só pensam em ter a me­lhor nota nos exames ". Em julho, quatro professores e um estudante foram presos. Dizem que ele ajudou alguém a fugir. Vieram buscá-lo no quarto enquanto jogava mahjong. Depois nunca mais ouvi­mos falar dele. "Ninguém sabe se ele ainda está vivo ou se foi execu­tado". Nosso filósofo também tem medo de ser preso. Mas fazer o quê? "Se a gente escapa, a punição é mais pesada. Além do mais, sem can­tatas não há onde se esconder. Aqui pelo menos eu tenho amigos". Quando ele pega o falso Diário do Povo nas mãos, e nós lhe contamos

o que temos em mente, ele final­mente acorda. E morre de rir imagi­nando o que vai acontecer: todos os fax da China bloqueadOs, e as dis­cussões sobre a liberdade retoman­do fôlego graças a esse novo ali­mento. Ele fica feliz : "Pensávamos que o mundo iria simplesmente ig­norar o destino de um quinto da hu­manidade". "Nós tínhamos liberado nossos pensamentos", está escrito nas duas folhas que ele nos colocou na mão quando nos separamos. Um texto pessoal, onde ele conta a atual situação. E mais: "A porta estava aberta, nós vimos o mundo. Agora nós sabemos o que significa a Li­berdade e a Democracia. A semente foi lançada ". Nos dias seguintes, discutimos com homens e mulheres por toda Xan­gai. Íamos a encontros em lugares muito complicados, trocando várias vezes de táxis e bicicletas. Somos convidados à casa de algumas pes­soas, ou encontramos nossos con­tatos nos salões de chá. Senha: o verdadeiro Diário do Povo. O que aconteceu da vida na facul­dade? Fazemos a pergunta a um es­tudante: "Nós atravessamos um tempo de completa lavagem cere­bral. Eu não sei mais se eu estava lutando por algo de bom ou pela in­felicidade da China. Eu sou um malfeitor ou um democrata?" A máquina governamental de pro­paganda funciona com redimento total? Mesmo na China ela não con­segue sufocar inteiramente a ver­dade. A gente sempre pode captar a "Voice of America ", e em Xangai poucas pessoas têm medo de falar do que estava acontecendo, antes do e durante o movimento. O velho redator-chefe acaba de ser posto à sombra. Até o momento a grande onda de terror poupou os habitantes de Xan­gai. Houve poucas prisões. A cúpu­la do Partido, ao contrário, procura parecer amável. Procura a simpatia, querendo ser novamente reconheci­da como o governo legítimo aos olhos do povo. Até agora sem gran­de sucesso.

Xangai é a mais ocidental das cidades chinesas. As discotecas já voltaram a ficar abertas até de madrugada. As lojas estão bem abastecidas. Quem tem dinheiro pode comprar o que quiser : disc­man Sony, computador Toshiba, cigarros Marlboro, camisetas ameri­canas, cassetes da Madonna ou do Michael Jackson. Para "Mao", tudo isso representa um mundo es­trangeiro. Nós o . encontramos no Parque do Povo: um senhor idoso, parecido com o antigo líder até nos fios de cabelo. "Nos anos 50", diz esse velho comerciante sorrindo, "nós sofremos porque nada fun­cionava na economia. Com a Re­volução Cultural, todo mundo com­bateu todo mundo. Neste ano hou­ve o .banho de sangue em Pequim". Antes de continuar a falar conosco, dá uma olhada para os lados. Ninguém por perto. "O 4 de junho foi o fim da liberdade". Nós passamos para as mãos dele um falso Diário do Povo. Seu sorriso congela. Ele percorre a primeira página e fica agitado. Taí o tipo de brincadeira que ele gosta! Depois de acabar de ler, ele promete passar o jornal para outras pessoas. Ami­gos e parentes. "O governo mentiu para o povo, e o enganou. Eles dis­seram que o exército era pra prote­ger o povo - mas em seguida as­sassinaram nossos filhos e nossas filhas". Na última noite em Xangai, assisti­mos à orquestra de jazz do Peace Hotel. "Enquanto eles tocam a vida fica um pouco mais suportável", ti­nha nos dito um jovem chinês. Zhou Wanrong, o trompetista e líder do grupo, tem sessenta e dois anos. O resto da banda é um pouco mais jovem. Com o passar dos anos, eles tocam as músicas cada vez mais lentamente: "Take the A train", "In the mood", "American Patrol" ... Por causa da gorjeta bem salgada, uma multidão de jovens chineses entusiasmados se acotovela no bar todas as noites, e dança. Xangai não é Pequim •

Andreas .Juhnke/Ternpo

c aos 6 1

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COMO ENVIAR 0 FAX DA ÚLTIMA PÁGINA NCZ$ 27,90 PA RA A LÍBERDADE DA N AÇÃO MAIS POPULOSA DO M UNDO

Os chineses •ên"'l *c::»n"'le de in*c::»r n"'laçãc::» chinesa e

""Y"e rela dei ra. Eles es•ãc::» dispc::»s•c::»s a n"'lc::»r rer

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É simples! Recorte ou tire um xerox da nossa última página. Escolha um número de uma cidade chinesa.

Não escolha só os primeiros da lista. Escolha realmente ao acaso para que a informação se espalhe pela China inteira.

Os números da página ao lado são dos faxes de empresas chinesas e binacionais. O operador, lá, é um cara qualquer.

Ele vai levar nossa mensagem adiante. Encontrar um FAX não é mais um bicho de sete cabeças. Já

existem milhares no Brasil. Seu tio deve ter um. Se não, vá na firma do teu amigo ou peça permissão pro teu chefe.

Em último caso, procure a Central da Companhia Telefônica do teu bairro ou cidade.

O preço era de NCZ$ 27,90 por minuto em novembro. O FAX não demora mais de um minuto. Deve haver algum aumento em dezembro, mas de qualquer jeito o valor é irrisório perto

da importância do gesto. Corra atrás de um FAX. A mensagem de liberdade já está

sendo mandada do mundo inteiro em nome do dever de ingerência. São milhares e milhares. O planeta é um só.

Totalitarismo nem aqui nem na China.

Estes são os números do seu interlocutor chinês Pa r a m andar o FAX da úl t i ma pág ina: D isque o código de acesso internacion al - 00 Dep ois d isque o cód igo da Chin a - 8 6 Em seguida dis~te o cód igo da c idade e o número esco lhi o (veja abaixo)

Pequ•m 831 16 57 5653 89 3905 33 87 69 38 72 18 29 lc6d 1) 831 2101 580086 39 24 21 81 13 21 7164 23

83131 81 583605 540909 81 25 39 71 1496 50036 19 831 3660 585808 6603 75 81 3207 72 3240 512 05 77 8314326 64 66 74 3193 23 813386 716931 5129843 650018 319485 81 43 64 719316 4014917 Sl-ongl>o 6663 14 319892 870267 723697 512 74 84 lc6d ?11 680962 33 2528 870569 512 78 81 33 18 24 957630 3325 28 87 6665 8315587 33 0599 83 9890 33 42 70 87 7022 ~I 513 73 07 48 28 74 841149 3923 32 877993 512 8694 4891 16 93 19 89 704704 8114 29 52 137 5495 84 511626 8407 82 7057 08 8 1 2612 53206 78 24 89 52 11 25 93 13 99 706550 870358 53874 78 36 21 530711 93 2894 706761 8717 54 60697 78 44 4 1 57 74 91 707394 87 31 29 63714 78 48 14 58 31 94 Toon1.n 70 88 40 87 44 27 67116 78 6661 58 54 74 (c6d 221 7096 34 87 78 21 67174 500 42 46 62 65 52 317902 704290 87 80 15 53 111 513 78 42 64 91 27 31 80 35 87 80 64 53 832 50032 28 66 13 21 31 84 71 W.O)hon 60629 801 16 70 55 20 33 31 87 41 lc6d 271 Xion 62683 802 12 48 55 38 68 31 93 72 66 28 71 :c6d 291 63686 802 14 71 55 86 25 319796 71 1202 7 1 50 06 64 807 831 10 70 56 3056 319945 71 1610 71 81 12 67 122 83 1 1536 56 48 83 33 30 os 87 62 30 7197 54 67 478

caos ea

Funcional ;o

Aqui está um FAX sendo recebido ~ empresa Chinesa. Um presente que a tecnologia deu à liberdade.

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42 587 25802 63 211 lc6d 7731 44 323 26098 82110 44 35 13

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I .C. O apelo à democracia que se levantou

. em todo o território chinês na prima­vera de 1989 emocionou o mundo. Tudo começou com o movimento dos estudantes de Pequim ao qual jun­taram-se todas as camadas sociais, apoiadas pelos chineses do além-mar e pelos povos do mundo inteiro. Assim foi escrita a mais gloriosa página histórica do movimento democrático chinês. Hoje continuam ainda os massacres re­alizados pelos algozes, enquanto as execuções inundam de sangue os fogos da democracia. Todavia, as oligarquias totalitárias que desejam esmagar a democracia através da força já estão condenadas e logo desmoronarão. A evolução do movimento democrático chinês alcançou um momento crucial em sua história: nós proclamamos a fundação da Federação pela Democracia na China. A fim de melhor promover a democra­cia na China, procuramos o apoio das forças humanitárias no mundo inteiro e queremos associar aqui todos os chine­ses de boa vontade. Nós nos apoiamos sobre quatro pontos essenciais: 1. O povo chinês deve tomar consciên­cia da necessidade de formar uma oposição suficientemente poderosa contra o totalitarismo. Esta etapa é pri­mordial para conduzir a China no senti· do de uma democracia pluralista. Desde o grande massacre de 4 de ju­nho, os chineses do mundo inteiro ali· mentam um imenso ódio contra seu ini-

migo comum, as associações conhe­cem uma ·unidade sem precedentes e os moVimentos de solidariedade se multiplicam. Para desenvolver ·a democracia, é ur­gente fundar 4ma organização apolítica mundial, podendo servir de elo entre as diversas tendências dessas associa­ções. Nós propomos a reunião, neste ano, de uma assembléia no curso da qual será fundada a Federação para a Democracia na China. Esperamos de todo o coração que os chineses do além-mar mobilizem toda sua inteligência e sua energia para aju­dar a formação desta organização. 2. A Federação pela Democracia na China tem como metas essenciais o protesto contra os massacres de 4 de junho e a denúncia da repressão fascista do atual governo chinês; ela visa apoiar o espírito do movimento democrático do ano de 1989, funda­mentando-se nos princípios da razão, da paz e da não-violência. 3. Sobre esta base, a Federação pede que todos os chineses de boa vontade, todas as tendências políticas e reli­giosas misturadas, de reunirem-se sob a bandeira da liberdade, da democra­cia, dos direitos do Homem e da Justiça, para promover conjuntamente o desenvolvimento da democracia na China. 4. O movimento democrático chinês in­tegra-se nos quadros de um combate mundial pela paz e pela liberdade. A democratização da China contribuirá para garantir o progresso social e o de-

21 712 Non1ong 518996 Zhongjõo<.On Ko;leng 37 446 P;ng O;ng Shon 22 55 98 Jcód 251 51 85 94 (cód 3131 (cód 3781 37 285 (cód.: 375) 26 22 41 63 27 54 52 12 7 1 7316 22 546 37 947 2346

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senvolvimento de todo o mundo. Nós conclamamos os povos e governos do mundo inteiro, assim como todos os dirigentes de boa vontade que repre­sentam os direitos do Homem e a von­tade dos povos, as organizações pro­gressistas e pacifistas internacionais, a ajudar e apoiar o movimento democrá­tico chinês. Compatriotas, um quinto da hu­manidade vive hoje sob o terror e a re­pressão. Esta catástrofe não concerne unicamente à China, mas a todos os seres humanos. Chorando e cantando, o povo chinês principiou uma luta heróica. Vamos nos unir e nos engajar juntos neste grande combate pelos direitos do Homem, pela existência e pela pros­peridade de nossa nação, pelo desen­volvimento e pela paz de nosso plane­ta! Yan Jiaqi; Wu'Er Kaixi; Wan Ruunan; Su Shaozhi; Liu Binyan. A federação pela Democracia na China foi oficialmente criada na sexta-feira 22 de setembro de Evry, na França. O politólogo Yan Jiaqi foi eleito seu presi­dente e Wu'Er Kaixi vice-presidente. O conjunto dos outros líderes exilados da nova "Primavera de Pequim" Wan Runnan, Su Xiokang e Chen Yazi foram eleitos para o bureau executivo. Wan Runnan também foi nomeado· se­cretário geral da Frente, que tem sua sede em Paris. Desde o dia seguinte, 23 de setembro, o Diário do Povo de· nunciava a "conspiração" fomentada por "um punhado de indivíduos em um grande país ocidental".

23425 625375 6840 24866 826259 6308 25315 827676 7272

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813083 27931 2880

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caos 63

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Qualidade é futuro.

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. -~ ·----.. --~.-. I

A Aziz Nader fabrica fios e t-ecidos

há muit"o, muit'o t"empo.

E conhece como ninguém o negócio

da moda. E sabe que a moda vai,

vem, volt"a. Que a moda muda. E

que só uma coisa permanece.

Qual idade.

Há mais de 75 anos, o pessoal da

Aziz Nader acredit-a que qualidade

dura e que moda sem qualidade

não t'e m fut'u ro .

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stão tirm1

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Apoio desta revista.

A Mata Atlântica está no fim. Falta apenas 5% da sua cobertura original para ela desa­parecer para sempre do nosso mapa. Deste restinho que so­brou, 2/31ica na Serra do Mar, na divisa de São Paulo com o Paraná e está sob a ameaça permanente de inimigos poderosos. Especulação imobiliá­ria, madeireiros devastadores. minera­dores predadores, estradas suspeitas. Se o nosso verde su­mir, a esperança acaba. E só nos resta ficarmos amarelos de vergonha por termos permitido que isso acontecesse debaixo do nosso nariz. Você precisa ajudar a reagi r. Entre em contato com a S. O .S. Mata Atlântica e cola­bore com o seu tempo, com o seu trabalho, com o seu entu­siasmo, com a sua contribuição. A recompensa é ina­creditável. É a prese r­vação da vida do nosso planeta. Não existe. neste momento. nenhuma causa tão grandiosa para você se engajar com paixão.

S.O.S. Mata Atlântica Av. Brigadeiro Luiz Antonio. 4.442 Tel. (011) 887.1195e 887.0559 -São Paulo

As doações podem ser depositadas em qual­quer agência do Banco ltaú. conta 00090-0. agência 0183.

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:::E--:1:::: á quem diga que a universida­de brasileira é o paraíso da classe mé­dia. Quem já acompanhou um aluno em ano de vestibular sabe do que se trata. Todos os sacrifícios, sofrimen­tos e aflições se justificam. Vivemos tempos de desencanto. Mas nos olhos dos vestibulandos dos anos 80 ainda há uma mistura de desespero com a certeza de que, entrando na fa­culdade, estarão a um passo do paraí­so. Ou talvez no próprio paraíso. Três meses depois, o sorriso dos calou­ros perde aquele ar de quem fez um bom negócio. O desabafo é inevitável: faculdade, no Brasil, é uma merda. Até aí, tudo pode não passar de desabafo de adolescentes que superestimaram a universidade. Afinal, adolescentes univesitários são dados à insatisfação. Mas a sensação de que algo não cheira bem nas faculdades brasileiras vaí muito além do que mera impressão. A CAOS seguiu o aroma, que foi tomando consistência, consistência, consistência .... Até se transformar em uma grande massa de informações que, processadas, realmente não cheiram nada bem. As faculdades e universidades trans­formaram-se em um depósito de pro­blemas, do 12 e do 22 graus. Se você pretende se atolar nas informações que apresentamos aqui, a CAOS avisa: é preciso tapar o nariz, ter bom estômago e potentes intestinos. A descarga de informações começa ago­ra. Segure-se, para não ser tragado. Comecemos suavemente: o número de vagas nas faculdades e universi­dades brasileiras cresceu 1.250% no período 1960/1986. De 35.381, o número de vagas saltou para 442.314 em 86. A esse salto, o governo atribuiu o simpático nome de "de­mocratização do ensino". O número de conclusões no ensino superior também aumentou conside­ravelmente no mesmo período. Em 60 foram registradas cerca de 17 mil con­clusões. Em 86, pouco mais de 234 mil. Uma "democratização" de mais de 1.300%.

caos 76

A expansão do número de vagas foi muito superior ao crescimento da po­pulação universitária. O crescimento desordenado trouxe como consequên­cia um grande número de vagas não preenchidas pelo vestibular. No Esta­do de São Paulo, por exemplo, havia 10 universidades em 85. Hoje, 4 anos depois, existem 22. Um crescimento de 120% neste período. Resultado: anualmente, 20% das vagas no ensino superior não são preenchidas. Enquanto o número de vagas cresceu 1.250% e o número de conclusões au­mentou 1.386%, o número de profes­sores cresceu apenas 556%. Raciocinemos quantitativamente. Com-

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parando o número de vagas com o de professores, podemos arriscar: o nú­mero de alunos por sala de aula au­mentou vertiginosamente. Trocando em miúdos: o ensino superi­or passou por poderoso processo de massificação. A democratização foi feita assim: maís faculdades, mais universidades, mais prédios, maís va­gas, mais conclusões. Menos, muito menos qualidade. Para o filósofo José Arthur Giannotti, autor do sugestivo 'Universidade em ritmo de barbárie', "a universidade serve apenas pra enganar a demanda das massas afoitas por um diploma".

O papel da universidade foi tomado pelos chamados centros de excelên­cia, pequenas ilhas onde se oferece ensino de alta qualidade. Fora dessas ilhas, u~ mar de lama. A massificação do ensino superior mistura um novo ingrediente na geléia geral da educação brasileira: o vestibular. Ele já existe no país desde 1911, mas a partir dos anos 60 ele se tornou altamente concorrido e passou a apresentar uma novidade: os testes de múltipla escolha. Literalmente, o vestibular transforma­va-se em via crucis. Depois de várias cruzinhas a prova estava terminada. Com sorte, uma boa dose de esper-

teza e algum conhecimento, o aluno poderia desfrutar todos os prazeres do 32 grau. O vestibular adotava o princípio da Loteria Esportiva. Aliás, entre a Loteria e o vestibular há outros pontos em comum: Ambos ti­veram seu auge nos anos 70, fizeram e ainda fazem parte do imaginário brasileiro como possibilidades de as­canção econômica. A Loteria até que fez alguns milionários. Para Galo Antônio Le Roux, mestrando e professor da POLI-USP. "os testes de múltipla escolha favoreciam os alu­nos adestrados para fazer cruzinhas nos simulados dos cursinhos pré-

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vestibular". E amplia: "os cursos pré­vestibular e o segundo grau, no Brasil, não levam o aluno a pensar, mas sim a reagir. É um ensino com­portamentalista, onde pensar não é essencial". A partir dos anos 80, os grandes ves­tibulares vêm eliminando os test es de múltipla escolha. O conhecimento e o raciocínio passam a ser valorizados. Além disso, o vestibular deixou de ser apenas um teste de classificação. Esta­beleceram-se notas mínimas para a aprovação. Centenas de vagas pas­saram a não ser preenchidas. Os alu­nos não conseguem as notas mínimas para a aprovação. Em 86, sobraram

de pedagogia foram preenchidas. Mo­tivo: eliminação na primeira fase do vestibular. Antônio Carlos Bindi, diretor do Eta­pa, encara o vestibular com otirnismo e confiança: "posso garantir que hoje temos uma tecnologia em vestibu­lares que poderia ser exportada". E não acredita que tudo esteja errado na educação brasileira: "o vestibular tem uma política transparente e é feito por profissionais honestos. Con­trasta com o Brasil de hoje". Mas as condições anteriores à disputa não são tão honestas. Afinal, o vestibular é o ponto terminal de no mínimo 12 anos de escolaridade. Pretensamente

mesmo que aqui. Lá, as escolas par­ticulares formam a elite, e a pública forma o profissional para a grande produção americana". Mas vê uma diferença: "aqui, a coisa se agrava por causa da pobreza do país. Ima­gine a qualidade do ensino que é da­do na zona rural do nordeste". Em 82, mais de 70% das crianças da zona rural nordestina, entre 7 e 14 anos eram analfabetas. Nas cidades: 48% de analfabetos. As discrepâncias não se limitam à oposição ensino particular versus pú­blico. Um abismo se coloca entre as regiões do país. Ou melhor: entre São Paulo e o restante do país. Re­latório encomendado pela ONU, em 1980, chegou à seguinte conclusão

~ em relação à educação básica: "Tu­~ do indica que a escolaridade obri­i gatória por lei parece ser uma con­~ quista real dos setores populares ~ apenas na metrópole paulistana, po-.u :l dendo ser qualificada como um fenô-~ meno paulista" . .. ~ O desmanche da educação se fez a

H o jo, $&gundo o MEC, o inicíotivo p rivado é responsável por 60% dos vogas e 64% das conclusões n o o nsino superior.

partir da privatização sem critério do ensino. Em todo o país, faculdades particulares proliferaram sem o míni­mo respeito ou preocupação com a qualidade do ensino. Hoje, segundo o MEC, a iniciativa privada é respon­sável por 60% das vagas e 64% das conclusões no ensino superior. Auto­rizações para a criação dessas facul­dades eram fartamente distribuídas na década de 70. Os critérios pouco ou nada tinham a ver com a edu­cação. Os proprietários tinham pouca familiaridade com o assunto. Tudo in­dica que continuam tendo. Poderiam investir em qualquer outro ramo do comércio.

581 vagas na USP e na UNICAMP, duas das universidades brasileiras de maior prestígio. A FUVEST, então responsável pelo vestibular das duas universidades, realizou uma segunda prova. A tentativa de ocupar as vagas ociosas fracassou. 366 vagas per­manecerem intactas. Na Universidade Federal Fluminense, até 86 o vestibular era apenas classifi­catório. Não havia vagas ociosas. Em 88, com a instituição de critérios míni­mos para aprovação, 1.417 vagas não foram preenchidas. Na UNICAMP, ou­tro dado alarmante. Em 88, apenas 11 das 90 vagas existentes para o curso

intelectual, a seleção do vestibular acaba sendo uma seleção econôrnica. Bindi reconhece: "a escola pública é realmente fraca e o aluno depende da iniciativa de professores dedicados, o que é bem raro". Anibal Franklin de Azevedo, diretor do Intergraus, um curso pré-vestibular de São Paulo, ex­plica: "eu trabalho com a elite. O preço é alto e o público vem das me­lhores escolas. Eu não posso dizer que haja uma queda da qualidade de ensino". Sobre o ensino público, Azevedo diz que não é só no Brasil que ele é ruim. "Nos EUA é péssimo e acontece o

Em 87, segundo dados do MEC, ape­nas 15% dos professores das facul­dades particulares eram mestres ou doutores. Os 85% restantes eram gra­duados ou cursaram os pomposos "programas de especialização". João Alexandre Barbosa, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên­cias Humanas da USP, diz que "a di- ....

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..... tadura sofreu o en­louquecimento da pri­vatizaÇão sem cri-

Em 87, 83o/~ de~~ ....,erbc:~~

de» IVlEC pc:11 rCII

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-federc:~~ is -fe»rc:~~m vem de longe. Em 1823, a Constituição já decla-

térios, adotando um modelo primário de capitalismo". E cons­tata: "Hoje temos semi-bárbaros ope­rando terminais de computador". João Alexandre acredita que nada será al­terado nesse quadro, a menos que "as verbas para o ensino público não se­jam mais desviadas, através de sub­sídios, para as escolas privadas". Em 87, por exemplo, 83% da verba do MEC para as universidades não-fede­rais foram destinadas a instituições particulares. As universidades esta­duais receberam 10% e as municipais cerca de 7%. Apesar dos subsídios, o setor privado preocupa-se muito pouco com os benefícios que seus alunos poderiam oferecer à sociedade. Isso de acordo com o próprio MEC, no relatório pu­blicado para o ano de 87: "O setor privado expande-se muito mais como estratégia de sobrevivência, ocupan­do espaços vazios e cursos mais competitivos, do que em atenção a pressões específicas detectadas em algum espaço regional". Os proprie­tários dessas fábricas de diplomas parecem estar interessados apenas no retomo dos seus investimentos. En-

des'l'i..-.c:~~dc:~~s Cll rava obrigatória "a ins­

parte das universidades públicas bra­sileiras, a proporção média é de 1 fun­cionário para 19 estudantes. O absurdo continua na distribuição dos recursos. Em 87, do total de ver­bas destinadas às universidades fede-rais, apenas 41,7% destinavam-se a atividades educacionais propriamente ditas, enquanto 37,7% estavam reser­vados para o pagamento do pessoal administrativo. A manutenção da burocracia custa praticamente a mes­ma coisa que as atividades educa­cionais. O CAOS do ensino brasileiro tem pelo menos uma causa: a má-vontade do governo federal em investir na edu­cação. De 60 a 65, as despesas varia­ram entre 8,5 e 10,6% dos gastos to­tais da União. De 65 a 82, a educação representou em média 8,7% dos gas­tos federais. A porcentagem é muito inferior àquelas de países com os quais o Brasil não gosta de se com­parar. Entre eles, Chile, Tailândia e Nigéria. A Emenda Constitucional n° 24, conhecida como "Emenda Call­mon", determinava que no mínimo

trução primária e gra­tuita para todos". 166 anos depois, mais de 20

milhões de brasileiros entre 15 e 50 anos não sabem ler e escrever. Por outro lado, a rotatividade dos" nos­sos ministros da educação é espan­tosa. Em 54 anos, o Brasil teve 46 mi­nistros. Uma média de 1 ano e 2 meses para cada ministro. O Minis­tério da Educação transformou-se em sala de espera pela vacância de minis­térios mais interessantes. Se depen­desse do número de pedagogos que se formam anualmente no país, a edu- · cação seria um mar de rosas. As facul­dades e universidades brasileiras pro­duzem anualmente um exército de· cerca de 28 mil pedagogos. Hoje, segundo o MEC, 12% dos uni­versitários graduam-se em Peda­gogia. O que fazem esses pedago­gos, fica difícil saber. O que se sabe é que 11% dos professores do 1° grau não completaram nem mesmo o 12 grau. Em alguns estados do nordeste, o índice chega a 40%. Se os professores têm esse nível de for­mação, pouco se pode esperar dos alunos formados por eles. O MEC dá uma pista do que acontece com es­

quanto isso, a educa­ção escorre por água abaixo.

Em 86, se»brc:~~rc:~~m 58 'I ses profissionais: "Sa­be-se que as licenciatu­ras das federais, mesmo sendo os cursos de me­nor prestígio dentro da universidade, não se dedicam a formar do-

....,c:~~gc:~~s ..-.e~~ USP e ..-.e~~ A burocracia tomou­se ingrediente impor­tante na composição de massa fétida em que se transformou a educação brasileira. Nas universidades pú­blicas, existe em mé-

Ui'IICA.IVlP. A FU"VEST

rec:~~li.z:e»._. ._.mCII seg ... ..-.dCII centes, mas burocratas para a administração pública". Em alguns es­tados, de 30 a 50% dos

pre»....,CII. 366 ....,CII9CIIS

permc:~~..-.ecerc:~~m i ..-.'l'c:~~c'l'c:~~s. dia 1 funcionário para 4, 7 estudantes. Na UNI C AMP, uma das universidades mais conceituadas do país, o descalabro é maior. Existem mais funcionários do que estudantes. A proporção é surreal: 3 funcionários por aluno. Nas universidades ameri­canas, musas inspiradoras de grande

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13% dos impostos arrecadados pela União seriam destinados à educação a partir de 1983. Nesse mesmo ano, a União aplicou apenas 4,4%. O mesmo ocorreu em 84. Em 85, as despesas gi­ravam em torno de 5%. A tradição de não cumprir a legislação

professores estão longe das salas de aula, exercendo funções burocráticas em repartições públicas. Diante desse panorama desolador, a sociedade começa a se defender dos profissionais que ela própria forma e custeia. A criação de conselhos profissionais aparece como alternati-

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va para garantir o mínimo de quali­ficação dos profissionais que o ensino superior despeja anualmente no mer­cado de trabalho. Para Décio Leal de Zagottis, Secretário Especial da Ciên­cia e Tecnologia no Governo Federal, a principal função desses conselhos seria 11

0 registro de diplomas, garan­tindo, pelo menos, a veracidade da­quele documento". Uma outra função seria triar os profissionais através de avaliações, habilitando apenas aque­les que tiverem um nível de qualifi­cação aceitável. "A solução seria que estes conselhos tratassem de montar estruturas do tipo FUVEST, para elaborar e aplicar exames de qualificação", defende Zagottis. A OAB - Ordem dos Advo­gados do Brasil - tem um mecanismo semelhante para a habilitação dos ad­vogados. Atualmente, apenas no Esta­do de São Paulo existem 38 faculdades de direito, que despejam anualmente milhares de advogados no mercado. "Criam-se faculdades como nascem coelhos", compara José de Castro Bi­gi, vice-presidente da OAB - Seção de São Paulo. Ele explica que o exame da Ordem é realizado quatro vezes por ano, às vezes mais. /(Temos mil e quinhentos advogados prestando o exame, o que dificulta a qualidade de aferição". Se o exame fosse feito com maior profundidade, Bigi acredita que seria uma reprovação em massa. "Mas como o cidadão pode fazer oito exames da Ordem, um dia, por des­cuido, ele passa", lamenta. A sociedade se organiza e custeia or­ganizações paralelas para garantir o mínimo de qualidade no serviço de profissionais que, afinal, se formam às custas do dinheiro público. Ou se­ja, paga-se duas vezes para garantir o mínimo de qualidade. O início do bombardeio do sistema educacional brasileiro tem data certa: 1968. Foi a partir desse ano que o re­gime militar concentrou fogo na edu­cação. Em pouco mais de 20 anos, a educação foi reduzida a pó. Mas à medida que a educação agonizava, o

o. <( 'il g ~ país se equipava no campo das tele-:~ comunicações. ~ Em 75, a televisão já alcançava 40% da

população urbana, Atualmente atinge 75%. A partir de 64, para realizar a chamada "integração nacional", o go­verno deslocou enormes investimentos para as telecomunicações. Além da coincidência de datas entre a ascenção da TV e o declínío da edu­cação há outra coincidência. Os altos índices de analfabetismo constituíram a alavanca decisiva da poderosa pe­netração da televisão no país. O fenô­meno televisivo no Brasil, aparente­mente natural, não encontra corres­pondente em qualquer outro país do mundo. Educação, no Brasil, é um assunto que rende. Quanto mais se toca no assun­to, mais ele cheira mal. Massificação, democratização, televisão, corrupção, tudo rima com a nossa agonizante educação. A partir de 64, a educação foi colocada no centro de fogo de todo o projeto mi­litar de desenvolvimento. O país se desenvolveu economicamente, se equi­pou tecnologicamente e desenvolveu um sofisticado sistema de telecomuni­cações. Não importa, aqui, discutir o preço que se pagou por isso. Importa saber que paralelamente a todo esse processo de "desenvolvimento" a edu­cação foi sendo triturada e transforma­da em massa de dejetos. A violência com que o regime militar, a partir de 68, esmagou todas as formas de orga­nização estudantil eram os primeiros indicies de como os governantes bra­sileiros não gostavam, e ainda não gostam, da educação. Hoje, nada mais monótono e pouco surpreendente do que o ambiente das universidades e faculdades brasileiras. A sensação de que nada acontece chega a ser angustiante. Tão chato co­mo deve ser o paraíso, espaço mítico onde tudo, sempre, é igual a si mesmo. Mas se o paraíso for abolição de qual­quer sensação desagradável, a com­paração não presta. Os dados exalam um mau-cheiro nauseante. •

caos 79

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