Upload
maria-cecilia-picech
View
234
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
1/106
Se J rJ
Estudos Afro Asidticos
Revista do Centro de Estudos Afr o- Asiaticos - CEAA
Universidade Candido Mendes
Diretor
Candido
Mendes
Editor
Livio Sansone
Sumario
Conselho Editorial
Alejandro Frigerio, Antonio Sergio
Guirnaraes,
Beluce Belucci, Candido
Mendes, Car los A. Hasenbalg, Charles Pessanha, Edson Bor ges, Edwar d
Telles, Fernando Rosa Ribeiro, George Reid Andrews, GiraldaSeyfert, Jef
ferson Bacelar,jocelio Tellesdos Santos, Jose Jorge de Carvalho, Jose Maria
Nunes Pereira, Kabengele Munanga, Luiz Claudio Barcelos, Marcelo Bit
tencourr, Nelson do ValleSilva,
Olfvia
Maria Gomesda
Cunha
Peter Fry,
Peter Wade, Ramon Grosfoguel, Reginaldo Prandi, Ronaldo Vainfas, Ro
quinaldo Amaral Ferreira, e Yvonne Maggie.
Conselho Consultivo
Beatriz G6es Dantas, Carlos Moreira Henrique Serrano, Clovis Moura, Co
lin Darch, EduardoJ. Barros, FernandoA.AlbuquerqueMourao, joao Bap
tista BorgesPereira, Joao Jose Reis,Joel Rufinodos Santos, JUlioBraga, LuI
sa Lobo, Manuela Carneir o da Cunha, Mar isa Corr ea, Rita Laura Segato,
Ocravio Ianni, Roberto Motta, Robert W. Slenes, Severino Bezerra Cabral
Filho e Tereza Cristina Nascimento Araujo.
Os conceitos ernitidos em artigos assinados sao de absoluta e exc1usivares
ponsabilidade de seus autores.
Solicita-se permuta/We ask for exchange
Correspondencia/Address
Centro de Estudos Afro-Asiaticos-Slll
Praca Pio X, 7 - 7
Q
andar
20040-020 -
R io de J an ei ro - R J - B ra si l
Tel:
21) 2526-2916-
Fax:
21) 2516-3072
Web: www.candidomendes.br/ceaa
E-mail: [email protected]
Coordenacao Editorial
Marcia Lima
Conselho de Redacao
Angela Figueiredo, Eduardo Silva,
Livio Sansone, Marcia Lima,
Marcos Chor Maio
Assistencia Editorial
Beth
Cobra
Secretaria
Rosana Gior dana M. Carvalho
Editoracao
Eletrenica
Textos
Formas
Ltda,
Urn
Campo
Saturado de T en so es : 0 Estudo das Relacoes Raciais e
das
Culturas Negras
no Brasil
Livio Sansone 5
Sobre as Artimanhas da Razao Imperialista
Pierre Bourdieu e Lor e Wacquant
15
A
Construcao Sociol6gica
da
Raca
no B ra s il
Sergio Costa
35
Polftica Transnacional Negra Antiimperialismo e
Etnocentrismo
para Pierre Bourdieu e L o i c Wacquant:
Exemplos
de Interpretacao
Equivocada
Michael Hanchard 63
Passos em Falso da
Razao
Antiimperialista: Bourdieu Wacquant
e 0 Orfeu e 0 Poder de Hanchard
John French
97
As Fundacoes Norte Americanas e
0 Debate Racial
no B ra si l
Edward
Telles 141
De Armadilhas
Conviccoes e D is s en so e s: As R el ac oe s R ac ia is
como Efeito rlo
jocelio
Teles dos Santos
167
Ideias Fora
do
Lugar e 0 Lugar do Negro nas
Ciencias Sociais Brasileiras
Osrnundo
de Araujo
Pinho
e Angela Figueir edo
189
Programa de Apoio a Publicacoes Cientfficas
MCT
® Pq
]FIN P
Estudos Afro Asidticos Ana 24, n° 1,2002, pp. 5-210
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
2/106
Estudos fro sid ticos tern
0
apoio da
Pallas Editora e Distribuidora
Ltda,
Editora:
Cristina
Fernandes Warth
Coordenacao Editor ia l: Heloisa Brown
Capa: Luciana
Justinian
Rua Frederico de Albuquerque, 56
21050-840 - Rio de Janeiro - RJ
Telefax: Oxx21 2270-0
186/2590-6996/2561-8007
E-mail: [email protected]
Homepage:www.pallaseditora.com.br
Os resumos de ingles e frances foram feitos por Nei Roberto da Silva
Oliveira e Estela dos Santos Abreu, respectivamente.
Colaboram neste rnimero:
Angela Figueiredo e doutoranda em Sociologia do Inscituto Universita
rio de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj e pesquisadora do CEAB
UCAM.
E-mail: [email protected]
Edward Telles e professor do Departamento de Sociologia da Universi
dade da California, LosAngeles.E-mail: [email protected]
Jocelio Teles dos Santos eprofessordo Departamento de Antropologia
da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]
John French e professor de Historia da America Latinada Duke Univer
sity. E-mail: [email protected]
Livio Sansone e professor do Departamento deAnrropologia da Univer
sidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]
Michael Hanchard e professor do Departamento de Ciencia Politica da
Northwestern University e
autor
de Orf eu e
Pcder Rio de Janeiro,
Eduerj, 2001 . E-mail: [email protected]
Osmundo Araujo Pinho e doutorando em Ciencias Sociaisda Unicarnp,
pesquisador
do
CEMI-Unicamp
e do
CEAB-UCAM. E-mail:
Sergio Costa e professor da Universidade Federal de Santa Catarina e
pesquisador do Centro Brasileiro de Analise e Planejamento - CEBRAP,
ambos em licenca, Leciona Sociologia na Universidade Livre de Bedim.
E-mail: [email protected]
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
3/106
Urn
mpo
Saturado de
Tensoes Estudo das
Relacoes Raciais e das Culturas
Negras
no
Brasil
Livio Sansone
S
e a importancia tanto quanto a qualidade de urn artigo acade
mico pudessem ser medidas com base no debate que este esti
mula, assim como pela variedade das opini6es e das crlticas que
suscita,
0
artigo de Pierre Bourdieu e Lore
Wacquant
AsArtima
nhas da Razao Imperialista representa, sem duvidas, urn destes ar
tigos que fazem epoca. Publicado pela
primeira
vez na revista fran
cesa Actesde la Rechercheen SciencesSocialesem 1998, jaem 1999 e
traduzido e publicado na revista britanica
Theory Culture
Soci
ety (vol. 16, n
Q
1) - segu ido
po r
urn comentario de
Couze
Venn.
Nos anos seguintes 0 texto foi publicado em diversas revistas em
lingua espanhola e portuguesa, freqlientemente seguido
po r
co
mentarios bastante crlticos (ver, entreoutros, Healey, 2000 .Asua
publicacao
como
artigo acadernico se associa
uma
serie de artigos
jornal sticos, nas diferentes edicoes do
periodico
mensal LeMonde
iplomatiquede aguda critica sobre diferentes aspectos da socie
dade norte-americana - seu s is tema penitenciario e de ( in )segu
ran a
social-
por parte
de
Wacquant,
assim
como
de dura
denun
cia contra a nova vulgata internacional possibilitada por alguns
dos poderes da globalizacao da economia (Banco Mundial,
PMI
etc.)
por
parte de Bourdieu. Tratarn-se de artigos caracterizados
poruma postura que, nos anos 70 , terlamos chamado de genulno
antiamericanismo : a alma da associacao Attak,
instrumento
de
critica veemente da globalizacao, da qual Bourdieu participava e
que
faz do
jornal LeMonde
seu principal veiculo de inforrnacao.
Ironicamente, esta postura intrinsecamente crltica dos dogmas da
sociedade norte-americana (0 trabalho como Fonte de prazer, 0
Estudos Afro Asidticos Ana 24, n
Q
1, 2002, pp 5-14
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
4/106
LiviaSansone
Estado
como
distribuidor
de fel ic idade, as identidades setoriais
como
cimento do coletivo na nacao) foi se articulando e
aglutinan
do simpatias de intelectuais na Franca e alhures durante uma epo
ca de relativa abertura e oxigenacao da sociedade norte-americana.
As
Artimanhas
da Razao
Irnperialista
foi
publicado, em
sua ver
sao original, num contexto politico diferente e mais favorivel da
quele
de hojepara se questionar 0
Consenso
de
Washington. Eram
os
anos
da era
Clinton,
anos que deixavam pensar
num
novo
Imperio americano
centrado
no corisenso, mais
do
que
na
irnposi
cao de escolhas unilaterais Negri
Hardt, 2000).
Anos
durante
os quais 0 americanismo, seja qual for sua enfase e campo de
apli
cacao, seduzia muito mais do que pode ser
0
caso hoje.
Sem querer
resumir 0 coriteudo deste artigo
nesta
breve in
troducao
a este mimero especial
reproduzimos
a versao integral
do artigo
de Bourdieu
Wacquant
para
facilitar
a leitura dos
su
cessivos cornentarios),
antecipo que 0
artigo faz uma criticacogen
te ao fenomeno do imperialismo intelectual,
esrniucando 0
perigo
de tornar os EUA, pals
absolutarnente central
na producao das
Ciencias Sociais, nao sornente urn
irnportante termo
de referencia
por qualquer
cornparacao internacional, mas ate
urn
Estado
ideal
e
final - a mais desenvolvida,
completa
e, para alguns, justa forma
de modernidade. Tornando os
EUA nossa
Utopia, a corisequencia
seria que todo sistema ou pals
que
se diferericiasse dele acabaria
sendo visro
como retr6grado
ou ate
arneacador.
Esta parte do
arti
go tem sido, aqui no Brasil ,
sem duvida
aquela que mais
aceitacao
recebeu. Muito de nos se queixam de que debate acadernico no
Brasil vive, ou se retroalimenta, de uma relacao desigual
com
os
EUA:
0
Brasil passou de modelo positivo a modelo negativo da
modernidade,
uma
casa dos horrores. Dependemos demasiada
mente
de bol sa s e
recursos
de enridades e fundacoes norte-arne
ricanas; nos submetemos com rna vontade as regras que estas iden
tidades nos imp6em
- e 0 precro que sabemos ser
precise
pagar.
Mais
e mais
compartilhamos
com
os colegas
norte-arnericanos
do
mesmo espacro virtual, so que eles rnuitas vezes
disp6em
de melho
res arquivos e revistas sobre a America Latina
do
que a propria re
giao.
Encontramos cutros
colegas
latino-americanos
em nossas
an dancas pelos EUA - ja que nossa
postura
crltica ao
Imperio do
Norte
nao significa
que
queiramos negar
seus beneffcios
-
muito
mais
do que
no nosso pais. Somos, em rnuitos aspectos, vitirnas
co
nsensuais
de projetos norte-americanos.
Tudo
isso,
como
toda
injustica,
nao
pode deixar de gerar rancor e sede de justica. Ora,
0
que
deixou
surpreendidos
e indignados
muitos
de nos, nurn artigo
6
Um CampoSaturado deTensoes...
escrito tarnbern por
Pierre Bourdieu, 0
socioantropologo mais ci
tado no Brasil, cujasagacidade tem feito realmente escola, ea for
ma pela qual este mesmo artigo aponta a academia brasileira como
sendo urn
conjunto
de repetidores das verdades USA
em
termos de
relacoes etno-raciais. Bourdieu e Wacquant concedem nenhum
credito aquela longa seriede
pesquisadores
das relacoes raciais, as
s im como aquele
irnportante
grupo de historiadores das ide ias
que
ha
decadas,
indagam
sobre
os
dilemas colocados
po r
ideias, as
vezes aquelas de liberdade,
que
vern de fora, ass im
como sobre 0
que significa dialogar com as ideias associadas a modernidade,
que
chegam de
outros
coritextos, freqlientemente acompanhadas de
6peras cacofonicas. Entre as pessoas que pesquisam as relacoes ra
ciais, tambern para
encontrar
novas e mais
adequadas
formas de
com
bater 0
racismo a brasileira,
como
epretensao da revista
Estu-
dosAfro Asidticos As artirnanhas... teve 0 efeito de uma bomba.
Frente
aos desafios
provocados
por este artigo instigante, a
quis reunir as respostas neste
numero
especial, sem pretensao
de unicidade, mas buscando pluralidade e matizes. Todos nos, do
cornite de redacao, estamos cientes de que, na realidade, estamos
lidando
de
forma nova
com
urn
problema que
e
ja tao
antigo
quan
to 0 nosso
campo
de pesquisa. Este campo ternse configurado des
de 0
corneco,
que, po r
comodidade,
podemos situar ao redor dos
dois
primeiros
Congressos
Afro-Brasileiros
de Rec if e e de Salva
dor,
em 1934
e 1937,
respectivarnente,
como algo
denso
de ten
soes, agendas, pontos de vista, olhares e desejos.Urn campo de pes
quisa em torno do qual tarnbern se juntam importantes demandas
de cidadania e
que
vive
em constante
e problernatica sinergia com
a lura anti-racista.
Neste
campo ja aconteceram
outros
grandes e
pequenos enfrentamentos entre nacioriais e estrangeiros - em
bora sempre houvesse alguns
nacionais tomando partido dos
estrangeiros e vice-versa
assim como se realizou toda uma serie
de aliancas estrategicas
entre
0 poder
acadernico
no Brasi l e algu
mas
fundacoes estrangeiras, sobretudo norte-arnericanas
ver
Ma
rinho,2002).
Urn simples
mergulho
na alvorada dos
estudos socioantro
pologicos
do
contexto afro-baiano nos anos 1930 e 1940, mostra
como
0
campo
logo se
consti tui com
for tes e tensas relacoes de
poder , que inter ligam os intelectuais-chave no contexte local,
com padr inhos
nacionais e U brooker acadernicos internacionais.
Edson
Carneiro dependia de Arthur Ramos, que, por sua parte ,
dependia
de Melville Herskovits.
Urn
utilizando, citando e se be
neficiando
dos
outros.
Herskovits dependia de solidas ligacoes
7
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
5/106
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
6/106
Livio Sansone
tancias caracterizadas por mais e
reconhecidas autenticidade
e
africanidade . Este estrangeiro- mal necessario
tanto
quanto
po
tencial
descobridor
de ralento - e , ass irn,
parte integrante
do
cam
po dos
estudos
afro-brasileiros.
Nao
pode
ser
uma
surpresa que
es
ses
mecanismos
de legitirnacao
academica
gerassem um
clima
des
favoravel para
todos. Demais adiantadas
para a
sua
epoca, as dif i
culdades de
Guerreiro Ramos
- soc io logo e
negro assumido
- em
ganhar
aceitacao no
meio
acadernico
anteciparn
rnuitas das crlti
cas e rancores na
nova
gera j ao
de
intelectuais
negros
perante 0
meio acadernico,
com
seus amores pelas torres de
marfim.
Tampouco
e
novidade
0 fato de as relacoes
entre
Brasi l e
Estados
Unidos serem hoje um
jogo de espelhos; algo
que
nos lern
bra as relacoes
entre
a
Alemanha Ocidental
e a
Oriental: uma
vi
vendo
dos e rro s da
outra.
Nos anos
que antecedem
a
Segunda
Guerra
Mundial Brasil era
representado
como um
auten
tico l-
t r go
do sistema racial
norte-arnericano, sua imagem
ao reyes. Do
Brasil servia sua
funcao
de espelho e de
laboratorio
racial - onde
podiam acontecer
coisas irnpensaveis nos
EUA
da segrega j=ao.
E
um espelho necessa rio e
inspirador
para
0 trabalho
coletivo
que
culrn
inara
no
grande
esforco
em torno
da redacao e da
publicacao
do monumental American Dilemma de Gunnar
Myrdal,
em
1944. Ainda
em 1955, Ruth Landes celebra a
possibilidade
do ca
samento e do amor
inter-racial
no Brasil f rente a
sua impossibili
dade
no mundo ingles (Landes,
1955). Nosanos
60, a
imagem
he
gernonica
nas
Ciencias
Sociais
com
relacao a
situacao
erne-racial
do Brasi l
muda radicalmente. Na
decada
seguinte, 0
Brasil et
no-racial deixa de ser Fonte de
inspiracao para
se
tornar,
nas Cieri
cias Sociais
norte-americanas,
um
anacronismo
- algo
que
insiste
em ir contra a
correnteza
da
historia
supostamente universal das
tens6es
etno-raciais,
No Brasil,
po r
motivos diversos,
nao
estaria
tomando corpo aquela
revivescencia da
identidade
et
nica
que
de
veria caracrerizar a idade madura da cidadania. Em epoca rnais re
cente,
0
Brasil
continua surpreendendo
aqueles,
entre
os cientis
tas sociais,
que prognosticavam uma temporada de crescimen to
ininterrupto
das polfticas
identitarias
em
escala
planetaria.
0 Bra
sil, pais carnaleao, continua surpreendendo - posi tiva ou negativa
mente
-
po r
sua capacidade
de
transformar
as tens6es
etno-raciais,
a
principio
imensas, em o
utro tipo
de
friccio.
Numa
epoca
carac
terizada pela popularidade do
enfoque
sobre as
politicas identira
rias nas
Ciencias
Sociais, os custos da atericao
por
outras
dinarni
cas, sobretudo as de
dasse,
0 Brasil, e qu ica
quase
toda a
America
Urn Campo Saturado deTensoes...
Latina,
parecem
se
configurar,
mais
uma vet como
lugar de ana
cronismo das
formas sociais
Hale, 1995).
o contexto
dos
estudos
afro-brasileiros -
como
se
tem
cha
mado os
esrudos
das relacoes raciais e da
producao
cultural negra
no Brasil- e muito
complexo
e
nao
permite interpreracoes univo
cas.
Aqui, apresentamos uma
variedade de respostas. De acusados
de
serem
rraficantes de ideias
norte-americanas),
alguns autores
preferem
se ver
como
aproveitadores inreligentes e
oportunistas
das possibilidadese brechas abertas pelas
fundacoes
de apoio a pes
quisas norre-arnericanas. Todos, porern,
salientam como,
se ha
ideiasfora de lugar, tarnbern e
por
definicao,
todas
asideias, em al
gum momenta de
sua
trajetoria, vern de ou tro lugar, assim
como
enfatizarn que ao lado disso ha a
invencao
local , urn uso local de
leones globais associados a
negritude,
e
um
uso da americanida
de de certas ideias
como
forma de
conceder st tus
as mesmas
num
contexto
no
qual 0 que
e
identificado como vindo
dos
EUA
e, a
principio,
de
boa qualidade
(Schlesinger,
1987).
As
contribuicoes
dos tres
autores americanos
sao
igualmente
honestas
enos obri
gam
a refletir sobre
0 porque
de
tamanha
presenya de intelectuais,
ideias e
fundacoes norte-americanas
no Brasil.
que convir que,
alern dos inegaveis projetos imperia is de
parte
da
academia nor
te-americana,
somos nos,
aqui
na
America Latina, que
necessita
mos
desta presen j=a
americana: para
quem escreve, em
muitos
ca
sos 0 custo social dos
financiamentos
da
Fundacao Ford tem
sido
menor do que a fa dig a e a
burocracia que
acompanham financia
mentos
das
entidades
brasileiras de
amparo
apesquisa. Ademais,
fundacoes como
Ford, Rockefeller e
ate
MacArthur
tern
mostrado
mais elasticidade em
financiar projetos
que nem
sempre
se encai
xam perfeitamente
nos
dogmas
e camisas-de-forca
por
meio dos
quais
estas
entidades
brasileiras entendem a pesquisa e formacao
de
excelencia,E
nesre co
ntato com
intelectuais,
centres
de pesqui
sa,
bibliotecas,
arquivos e fundacoes norre-arnericanas
que
depa
ramos com
0 fato de
que, obviarnente, nem todos
os
americanos
sao iguais, e que
com
alguns deles podemos construir projetos
con
juntos em
coridicoes
relativamente
igualirdrias.
Tenho
0
prazer de
ter colegas
norte-americanos que acreditam
no
debate
franco
com
os
pesquisadores
baseados no Brasi l. Urn
debate que tem pontos
dolorosos
tan
to
para
eles
como
para
nos. Por firn, e necessario reve
lar
que neste nurnero
especial falta
uma
reflexao sobre a
especffica
contribuicao
de
uma
serie de
importantes
pesquisadores baseados
na
Franca, que
tern desenvolvido um
olhar proprio com
relacao as
relacoes
culturais entre
Brasil e Afr ica e
que, sobretudo durante
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
7/106
Livio Sansone
roda uma primeira fase, ate os anos
60 ,
rarnbern rem contribuido
para
a formacao do campo e
para 0
processo de
culruralizacao do
ser negro no Brasil.
Trara-se, e claro, de
um
debate
que
precisa de
continuidade
e
aprofundamento, e que
embute
a
seguintes questoes-chave: como
comparar sistemas de relacoes raciais
em
paises e siruacoes diferen
tes?
0
que comparar? E por que
comparar?
E
um
debate
que tam
bern aponta para a
necessidade
de uma perspectiva
comparativa
menos
centrada na
polaridade, urn tanto quanto
obsessiva, Bra
sil-EUA.
Este nurnero especial
e
0 primeiro de uma ser ie de doss ies e
nurneros
especiais
que
a
E agora
finalmente
quadrirnestral,
apresenrara no pr6ximo futuro.
Aqui
tentarnos recolher opinioes
diferentes e ate divergentes, sem poder acolher rudo, mas
fazendo
urn esforco para
tornar
publico urn deba te que a te enrao , pelo me
nos no Brasi l, tinha ficado nos bastidores.
No
debateque nossa revista apresenta ha atores, digamos as
sirn, tradicionais e atores novos,
sobretudo
jovens intelecruais ne
gros
que
cornbinarn,
de
forma original, ativismo
com
trajeroria
acadernica e afirrnacao da pr6pria individualidade - eles t er n pro
jetos de
vida
em que a negritude apresenta dirnensoes tantos cole
tivas como individuais, que nao se encaixam facilmenre nem nas
trajet6rias tradicionais da academia, nem naquelas do arivismo.
Nosso
dossie
apresenra anigos
de tres pesquisadores ameri
canos:
historiador John French,
sociologo Edward Telles, e
cientista
politico Michael Hanchard.
Nenhum
deles e novo no de
bat e e todos conhecem
bern
0 Brasil. French pesquisou durante
muiro
tempo
0 movirnento sindical no ABC paulista; Telles vern
produzindo
muito sobre
as
desigualdades
raciais
baseando-se
em
originais
interpretacoes dos numeros
da co r no Brasil; e
Han
chard, autor
de O rf eu e Poder recem-publicado
em
porrugues
pela Editora da UERJ
como par te
de urn
projeto
de rraducoes
do
Centro de
Estudos
Afro-Asiaricos com 0 apoio da Fundacao Ford,
tern se engajado em debates vivazes com autores como Peter Fry,
Luiza
Bairros e os pr6prios Wacquant e Bourdieu. Entre os brasi
leiros, conrarnos com 0 sociologo Sergio
Costa,
0
antrop6Iogo jo
celioTeles dos Santos e os
doutorandos em Ciencias
Sociais Ange
la
Figueiredo
e
Osmundo
de Araujo Pinho.
Quero
enfatizar
que
al
cancamos uma
boa
variedade, nao so
mente em
termos de
discipli
nas, como rarnbern em termos de origem erne-racial, sabendo
que
isto
representa
urn dado irnporrante no posicionarnenro dos
auto-
12
Urn
Campo
Saturado de
Tensoes
...
res _ t re s
negros,
urn mesti
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
8/106
Livio
Sansone
RAMOS, Arthur 1942).
A Aculturacdo Negra no Brasil.
Sao Paulo, Cornpanhia Edirora
Nacional.
SCHLESINGER, Philip 1987) . On Narional Idenriry: Some Conceptions and Mis-
conceptions Criricized .
SocialSciences InfOrmation vol. 2,
n
26, pp. 219-264.
TURNER. Lorenzo 1942) . Some Conracrs of Brazilian Ex-Slaves wirh Nigeria. Wesr
Africa . ourn l Negro History vol. 27. n
g
I, pp. 55-67.
Sobre as Artimanhas da Razao
Imperialista
Pierre
Bourdieu
e Lore
Wacquant
O
imperialismo cultural repousa
no
poder
de universalizar os
particularismos
associados a
uma
tradicao
historica singu
lar,
tornando-os irrecorihectveis
como
tais. ' Assirn, do
mesmo
modo que,
no seculo
XIX, urn
certo
ruirnero de
quest6es ditas
filo
soficas
debatidas como
universais,
em toda
a
Europa
e para alern
dela,
tinham sua
origem,
segundo
foi
muito bemdemonstrado por
Fritz Ringer, nas
particularidades
(e nos conflitos) hist6ricas
pro
prias do universo
singular
dos professores universitarios alernaes
(Ringer,
1969),
assim
tambern,
hoje
em dia ,
numerosos topicos
oriundos diretamente
de
confrontos
intelectuais associados apar
ticularidade
social da
sociedade
e das univers idades
american
as
impuserarn-se, sob formas aparentemente
desistoricizadas, ao pla
neta
inteiro.
Esses lugares comuns no sentido aristotelico de
nocoes
ou de teses com asquais se
argumenta,
mas sabre asquais
nao
se ar
gumenta ou, por out ras
palavras, esses
pressupostos da
discussao
que
permanecem indiscutidos, devem uma
parte de
sua
forca de
coriviccao ao fato de
que, circulando
de coloquios
universitarios
para
livros de sucesso, de revistas serni-eruditas
para relatorios
de
especialistas, de
balances
de comiss6es para capas de magazines ,
estao presentes
por toda
parte ao mesmo
tempo,
de Bedim a T
0
quia
e de
Milao
ao
Mexico,
e sao
sustentados
e
intermediados
de
uma
forma poderosa pa r esses espa r s
pretensamente neutros
como
sao as organismos
internacionais
(tais como a OCDE
ou
a
Comissao Europeia)
e os
centros
de
estudos
e assessoria
para poll-
• Agradecemosa Edirora
Vozes
por nos ret genrilmeme
perrnitido
a
reproducaodestearrigo,
originalmenrepublicado em E Bourdieu L Wacquanr, Prefacio:Sabre asArtirnanhas Ja
RazaoIrnperialisra , in Bourdieu, s ritos de Educaoio. Perropolis, Vozes,1998. Mudancas
na forma foram necessarias para a adapracao do texto asnormas editoriais da revista Estudos
Afro Asiaticos.
Estudos Afro Asidticos
Ana 24, n
Q
1,2002,
pp. 15-33
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
9/106
Pierre Bourdieu eLoreWacquant
ticas publicas tal
como
0 Adam Smith Institute e a Fondation Sa
int-Simon).2A neutraliza
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
10/106
Pierre Bourdieu e LoreWacquanr
tural,
entre
0 rnodernismo eo
pos-modernismo que,
baseada
em uma
releitura ecletica, sincretica e, na maioria das vezes, desis
toricizada e bastante imprecisa de
um pequeno
nurnero de autores
franceses e alernaes, esta em vias de se impor, em sua forma ameri-
, • 6
cana, aos propnos europeus.
Seria necessario
atribuir
um lugar a
parte
e conferir
um de
senvolvimento
mais
importante
ao debate
que, atualmente, opoe
os liberais aos
defensores da
comuriidade
(outros tantos
ter
mos diretamente transcritos e nao traduzidos, do Ingles), ilustra
exemplar
do efeito
de falso corte e de [alsa uniuersalizacdo que
produz a passagem para a ordem do discurso
com
pretensoes £ -
soficas:
defin
icoes fundadoras que marcam
uma ruptura
aparente
com
os particularismos hist6ricos que
permanecem
no
segundo
plano
do pensamento
do
pensador
situado e
dat ado do pon to
de
vista hist6rico
(por
exemplo,
como
sera possivel nao
verque, como
ja foi sugerido muitas vezes, 0 carater dogrnatico da
argumentacao
de Rawls
em
favor da
prioridade
das
liberdades
de base se
explica
pel o f at o de que ele
atribui tacitamente
aos
parceiros
na posicao
original um ideallatente que nao eoutro senao 0 seu, 0 de um pro
fessor
universitario americano, apegado
a
uma
visao ideal da
de
mocracia americana?) (cf. Hart, 1975); pressupostos
antropol6gi
cos
antropologicamente
injustificaveis, mas
dotados
de
toda
a au
toridade social da teo ria econornica neomarginalista
a
qual sao to
mados de emprestirno,
prerensao
a
deducao rigorosa
que
permite
encadear formalmente
corisequencias
infalsificaveis sem se expor,
em
nenhum mornenro, a
menor
refutacao empirica; alternativas
rituals, e irris6rias,
entre
atomistas-individualistas e holistas-co
letivistas, e tao
visivelmente absurdas
na
medida em
que obrigam a
inventar holistas-individualistas para
enquadrar
Humboldt, ou
atornistas-coletivistas ; e
tudo
isso expresso
em um extraordina
rio jargiio em uma terrivellinguafranca
internacional, que permi
te incluir,
sem
leva-las
em consideracao
de forma
consciente, todas
as particularidades e os particularismos associados as
tradicoes
fi -
losoficas epoliticas nacionais (sendo que
alguern
pode
escrever
li-
berty
entre
parenteses
ap6s
a
palavra
liberdade, mas aceitar sem
problema determinados
barbarismos conceituais
como
a oposicao
entre 0 procedural e 0 substancial ). Esse debate e as
teorias
que ele op6e, e
entre
as quais seria imitil tentar introduzir
uma
op
polltica, devem, sem
duvida,
uma parte
de
seu
sucesso
entre
os
fil6sofos, principalmente conservadores (e, em especia l, cat6li
cos ), ao fa to de que
tendem
a reduzir a
polftica
a
moral:
0 imenso
discurso sabiamente neutral izado e
politicamente
desrealizado
18
t
Sobre asArtimanhasda Razao Imperialisra
que
ele suscita veio tomar
0
lugar da grande tradicao alerna da
ntropologiafilosofica palavra
nobre
e
falsamente profunda
de de-
negariio
Verneinung
que, durante muito
tempo, serve de antepa
ro e obstaculo -
po r
toda
parte em
que a filosofia (alerna) podia
afirrnar
sua dorninacao - a
qualquer
analise
cientifica
do
mundo
social. 8
Em um campo mais
pr6ximo
das realidades politicas,
um
debate como 0
da raca e da
identidade
da
lugar
a
semelhantes in
trusties
etnocentricas,
Uma
representacao hist6rica,
surgida do
fato de
que
a tradicao americana calca, de maneira arbitraria, a di
cotomia entre
brancos e
negros em uma realidade infinitamente
mais complexa,
pode
a te mesmo se
impor em
paises em
que
os
prindpios de visao e divisao, codificados ou praticos, das diferen
etnicas sao completamente diferentes e em que, como 0 Brasil,
ainda eram
considerados, recentemente,
como
contra-exernplos
do modele americano .9A maior parte das pesquisas recentes so
bre a desigualdade etno-racial no Brasil, empreendidas po r ameri
canos e larino-arnerican os formados nos Estados Unidos, esfor
carn-se em provar que,
contrariamente a
imagem que os brasileiros
tern de sua nacao, 0 pais das tres tristes racas (indigenas, negros
descendentes
dos
escravos, brancos
oriundos
da
colonizacao
e das
vagas de
imigracao europeias)
nao e menos racista do que os ou
tros; alern disso, sobre esse
capitulo,
os brasileiros brancos nada
tern a
invejar
em relacao aos
primos
norte-arnericanos.
Ainda
pior,
o racismo mascarado
brasileira
seria,
por
definicao, mais perverso,
ja que dissimulado e negado.
que pretende,
em
Orpheus and
Power (1994),10
0
cientista politico afro-americano Michael Han
chard: ao aplicar as categorias raciais norte-americanas
a
situacao
brasileira,o autor
erige a
hist6ria
particular do
Movimento em
fa
vordos
Direitos
Civis comopadrao
universal da luta dos grupos de
cor oprimidos.
Em vez de considerar a constituicao da ordem et
no-racial
brasileira
em
sua
16gica
pr6pria,
essas pesquisas
coriten
tarn-se,
na maio ria das vezes,
em substituir,
na sua totalidade,
0
mito
nacional da democracia racial (tal
como e
rnencionada,
por
exemplo, na
obra
de
Gilberto
Freyre, 1978), pelo
mito
segundo
0
qual todas as
sociedades
sao racis tas , inclusive aquelas no seio
das quais parece que,
a
primeira
vista, as relacoes sociais sao me
nos distantes e hostis, De uterisilio analitico, 0 conceito de racis
mo
torna-se
um simples instrumento
de acusacao;
sob pretexto
de
ciencia, acaba por se consolidar a 16gica do processo (garantindo 0
suces so de l ivrari a, na fal ta de um sucesso de estirna).
11
19
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
11/106
Pierre Bourdieu e LOIeWacquant
Em urn artigo classico, publicado ha trinta anos, 0 antrop6
logo Charles Wagleymostrava que a conceps:ao da raca nas Ame
ricas admire varias definis:oes, segundo 0 peso atribuido a ascen
dencin, aaparencia ffsica (que nao se
limita
acor da pele) eao
status
sociocultural (profissao, montante da
renda, diplomas,
regiao de
origem, etc.), em funs:ao da hist6ria das relas:oese dos conflitos en
tre grupos nas diversas zonas (Wagley, 1965). norte-ame
ricanos sao os unicos a definir raca apartirsomente da ascenden
cia e, exclusivamente, em relas:ao aos afro-americanos: em Chica
go, Los Angeles ou
Atlanta
a pessoa e negra nao pe a
cor
da pe e,
mas pelo fato de te r urn
ou
varios parentes identificados
como
ne
gros, isto e, no terrno da regressao, como escravos. Estados Uni
dos constituem a unica sociedade moderna a apl ic ar a
one drop
rulee
0 princlpio de hipodescendencia , segundo 0 qual os filhos
de
uma
uniao mista sao, automaticamente,
situados
no grupo in
ferior (aqui, os negros). No Brasil, a identidade racial define-se
pe a referencia a urn
ont nuum
de cor , isto e, pe a aplicas:ao de
urn princlpio flexivel ou impreciso que, levando em consideras:ao
tracos ffsicos como a textura dos cabe os, a forma dos labios e do
nariz e a posis:ao de c1asse(principal
mente,
a renda e a educas:ao),
engendram
urn
grande
rnirnero de categorias
intermediarias
(rnais
de uma centena foram repertoriadas no censo de 1980) e nao irn
plicam ostracizas:ao radical
nem
estigmatizariiosern remedio.
Dao
testemunho dessa siruacao, po r exemplo, os indices de segregas:ao
exibidos pe as cidades brasileiras,
nitidamente
inferiores aos das
metr6poles norte-americanas, bern Como a ausencia virtual dessas
duas formas tipicamente norte-americanas de vio lencia rac ia l
como sao 0 linchamento e a motim urbano (Telles, 1995; Reid,
1992). Pelo
contrario,
nos
Estados
Unidos nao existe
categoria
que, social e legalmente, seja reconhecida como mestis:o (Davis,
1991;
Williamson, 1980).
i ternos a ver com uma divisao que se
assemelha mais
a
das
casta definitivamente definidas e delimitadas
(como prova, a taxa
excepcionalmente
baixa de
intercasamentos:
menos de
2%
das afro-americanas contraem
unifies
mistas , em
contraposis:ao
a
metade,
aproximadamente,
das
mulheres
de
ori
gem hispanizante e asiatica que 0 fazem) que se tenta dissimular,
submergindo_
a
pela globalizas:ao no universo das visoes diferen
ciantes.
Como explicar que sejam assim e evadas, tacitamente, apo
sis:ao de padrao universal em relas:ao ao qual deve ser analisada e
avaliada toda situas:ao de dominas:ao etnica,
12
determinadas reori
as das relas:oesraciais que sao
transfiguraroes conceitualizadas
e,
2
Sobre
asArtimanhas
da Razao Imperialista
incessantemente, renovadas pe as necessidades da atualizacao, de
estere6tipos raciais de uso comum que , em si mesmos, nao passam
de justificacoes prirnarias da dorninacao dos brancos sobre os ne
gros?
a fato de que , no decorrer dos ult irnos anos, a sociodice ia
racial (ou racista) tenha
conseguido
se rn
undializar ,
perdendo
ao mesmo
tempo
suas caracterfsticas de discurso justificador para
uso interne ou local, e,
sem
duvida, urna das confirrnacoes mais
exemplares do
imperio
e da
influencia
sirnbolicos
que
os Estados
Unidos exercem sobre toda especie de producao erudita e, sobre
tudo,
semi-erudita, em particular, atraves do
poder
de consagra
s:aoque esse pais detern e dos beneffcios materiais e simb6licos que
a adesao mais ou menos assumida
ou
vergonhosa ao mode o nor
te-americano proporciona aos pesquisadores dos paises domina
dos.
Com
efeito, e possivel dizer, com
Thomas
Bender, que os pro
dutos da pesquisa americana adquiriram urna estatura interna
cional e urn poder de atracao cornparaveis aos do
cinema,
da r -
sica popular, dos programas de informatica e do basquetebol arne
ricanos (Bender, 1997).14A violencia simb6lica
nunca
se exerce,
de fato, sem uma forma de cumplicidade (extorquida) daqueles
que a
sofrem
e a globalizacao dos temas da
doxa
social
americana
ou
de
sua
transcricao, mais
ou menos sublimada,
no discurso se
mi-erudiro nao seria possivel sem a colaboracao, consciente
ou
in
consciente, direta
ou
indiretamente interessada, nao sode todos os
passadores e importadores de produtos culturais com grife ou
degriffis
(editores, diretores de insrituicoes culturais, museus, ope
ras, galerias de arte, revistas etc.)
que,
no pr6prio pais ou nos paf
ses-alvo, propoern e propagam, muitas vezes
com toda
a boa-fe, os
produtos
culturais americanos, mas tambern de todas as instancias
culturais americanas que, sem estarem explicitamente coordena
das, acompanham, orquestram e, ate
po r
vezes, organizam
0
pro
cesso de conversao coletiva nova Meca
sirnbolica.
Mas todos esses mecanismos que tern como efeito favorecer
uma verdadeira
globalizacao das
problernaticas americanas,
dando, assirn, razao, em urn aspecto, a
crenca
arnericanocentrica
na globalizacao entendida, simplesmente, como
americanizacdo
do mundo ocidental e,aos poucos, de todo
0
universo, nao sao su
ficientes para explicar a tendencia do
ponto
de vista americano,
erudito ou semi-erudite, sobre 0
mundo,
para se
impor
como
pon
to de vista universal , sobretudo quando se trata de questoes tais
como a da raca em que a particularidade da situacao americana e
particularmente
f lagrante e esta
particularmente
longe de ser
exemplar. Poder-se-ia ainda invocar, evidentemente, 0 pape mo-
2
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
12/106
PierreBourdieue LoreWacquant
to r
que desempenham
as
gran
des fundacoes americanas de filan
tropia
e pesquisa na difusao da
doxa
racial
norte-americana
no seio
do campo universitario brasileiro, tanto no
plano
das
representa
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
13/106
Pierre
Bourdieu
e Lore
Wacquant
Pode-se-ia fazer a
mesma
demonstras:ao a proposiro da difu
sao internacional do
verdadeiro-falso
conceito de underclassque,
por
urn efeito de allodoxia
transcontinental,
foi
importado pelos
sociologos do velho continente desejosos de conseguirem uma se
gunda juventude inte ectual surfando na
orida
da popularidade
dos
conceitos made in USA.
I Para
avancar dpido,
os
pesquisado
res europeus ouvem falar de classe e acreditam fazer referencia a
uma nova pos icao na
estrutura
do espaco social
urbano
quando
seus colegas
americanos ouvern
falar de
under pensarn
em uma
cambada de
pobres perigosos
e irnorais,
tudo
isso sob
uma optica
deliberadamente
vitoriana
e
racist6ide. No
en
tanto,
Paul
Peter
son,
professor de ciencia politica
em Harvard
e diretor do
Comite
de pesquisas
sobre underclass urbana
do Social
Science Research
Council ( tambem
financiado
pelas Funda
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
14/106
Pierre Bourdieue Lo icWacquant
mento generalizado
das
sociedades capitalistas
(Myrdal , 1963) .
Ve-se como 0 desvio pela Arnerica pode trans formar uma ideia: de
urn conceito estruturalque visava colocar em questao a representa
ao
dominante surgiu
uma
categoria
behaviorista recortada sob
medida
para reforca-la, imputando aos
comportamentos an
ti-socais dos rnais
desmun
idos a responsabilidade po r sua despos
sessao.
Esses
mal-enterididos
devern-se,
em
parte,
ao f ato de
que
os
pass adores transatlanticos dos
diversos campos
intelectuais irn
portadores, que produzem, reproduzem e fazem circular
todos
es
ses (falsos) problemas,
retirando
de passagt:m sua
pequena parte
de
beneficio material ou sirnbolico, estao expostos, pelo faro de
sua
posicao e de seu s habitus eruditos e politicos, a uma dupla hetero
nomia.
Por urn lado,
olham em
direcao
da
America, suposto -
cleo da (poslmodernidade soc ia l e cientlfica, mas eles proprios
sao
dependentes
dos
pesquisadores
americanos
que exportam
para
o exterior
determinados produtos
intelectuais (rnuitas vezes, nem
tao frescos) ja que, em geral, nao tern conhecimento
direto
e espe
cifico
das
instituicoes e da
cultura
americanas.
Por outro lado,
in
clinam-se para
0
jornalismo, para
as
seducoes
que
ele
prop6e
e os
sucessos irnediatos que
proporciona,
e, ao mesmo tempo, para os
temas que afloram na
intersecao dos campos rnidiatico
e politico,
portan to,
no
ponto de rendimento
maximo
sobre 0 mercado
exte
r ior (como seria mostrado por urn recenseamento das resenhas
complacentes
que seus
trabalhos
recebem nas revistas em yoga).
Oaf,
sua
predilecao po r problernaticas
soft nem
verdadeiramente
jornalisticas (estao guarnecidas com conceitos), nem cornpleta
mente
eruditas
(orgulham-se por estarem em simbiose com
ponto
de v is ta dos atores )
q ue na o
pass am da
retraducao
se
mi-erudita dos problemas sociais do momenta em urn idioma
im
portado dos Estados Unidos
(etnicidade,
identidade, minorias,
comunidade, fragrnentacao, e tc .) e que se sucedem segundo uma
ordem
e
ritmo ditados pela mldia: juventude dos suburbios, xeno
fobia
da
classe
operaria em
declinio,
desajustamento dos estudan
tes secundaristas e universitarios, violencias urbanas, etc. Esses so
ciologos-jornalistas,
sempre
prontos a comentar os fates de socie
dade , em uma linguagem, ao mesmo tempo, acessfvel e rnoder
nista , portanto, rnuitas vezes,
percebida
como
vagamente pro
gressista
em
referencia aos arcaismos
do
velho pensamen to euro
peu), contribuem, de maneira particularmente paradoxal, para a
irnposicao
de
uma
visao do mundo
que esta
longe de ser incornpa
tfvel,
apesar das aparencias, com as
que
produzem e veiculam os
26
SobreasA rtimanhas da Razao Imperialisra
grandes
t nk tanks
internacionais, mais ou menos diretarnente
plugados as esferas
do poder
econ6mico e politico.
Quanto aos que, nos Estados Unidos, estao comprometidos,
muitas vezes sem seu
conhecimento,
nessa imensa operacao inter
nacional de import export cultural, eles ocupam, em sua maior ia ,
uma posicao dominada no
campo
do poder americano, e ate rnes
rno, muitas vezes,
no
campo intelectual. Do mesmo
modo
que os
produtores
da
grande industria culturalamericana como
0
jazz
ou
0
rap, ou as modas de
vestuario
e alirnentares mais comuns, como 0
jeans,
devem
uma parte da seducao quase universal que exercem so
bre a juventude ao fato de que sao produzidas e utilizadas por rnino
rias dominadas (Fantasia, 1994), assim tambern os
topicos
da nova
vulgata
mundial
t i ram, sem duvida,
uma
boa parte de sua eficacia
sirnbolica do faro de que, utilizados por especialistas de disciplinas
percebidas
como marginais e subversivas, tais como os culturalstu-
dies os minori ty studies os gay studies ou os women studies eles assu
rnem,
por
exernplo, aos olhos dos escritores das antigas col6nias eu
ropeias, a
aparencia
de mensagens de libertacao. Com efeito, 0 im
perialismo cultural (americano ou outro) ha de se impor sempre
melhor
quando
e servido
por
intelectuais progressistas
(ou
de cor ,
no caso da
desigualdade
racial), pouco suspeitos, aparenternenre, de
promover os interesses hegemonicos de urn pais contra 0 qual esgri
mem com a arma da critica social. Assim, os diversos artigos que
comp6em 0 rnirnero de verao de 1996 da revista Dissent
6rgao
da
velha esquerda dernocratica de Nova York,
consagrado
as Mino
rias em lura no
planeta:
direitos, esperan
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
15/106
PierreBourdieue LOlcWacquanr
para fazer aparecer como universal uma problernatica feita po r e
para americanos.
Chega-se, assim, a urn duplo paradoxo. Na lura pelo mono
polio
da
producao
da visao do mundo social universalmente
reco
nhecida como universal, na qual os Estados Unidos ocupam atual
mente uma
posicao em inenre, inclusive dominante, esse pais ere
alrnenre excepcional, mas seu excepcionalism., nao se
situa
exara
mente on
de a sociologia e a
ciencia
social nacionais
estao
de
acor
do
em
situa-lo,
isro e, na
fluidez
de
uma ordem
social
que
oferece
oportunidades
extraordinarias
principalmente, em
com paracao
com as
estruturas
sociais rigidas do
velho continente)
a
mobilida
de: os estudos comparativos mais rigorosos estao de
acordo
em
concluir que, neste aspecto, os Estados
Unidos
nao diferem
funda
mentalmente das outras nacoes industrializadas quando, afinal, 0
leque das desigualdades e af nitidamente mais aberto. Seos Esta
dos Unidos sao realmente excepcionais, segundo a velha tematica
tocquevilliana, incansavelmente retornada e periodicamente rea
tualizada, e ~ n t e s de tudo pelo
dualismo
rlgido das divisoes da or
dem social. E ainda mais po r suacapacidade
para
imporcomo uni
versal
0 que
t ern de mais particular, ao
mesmo
tempo em que fa
zern
passar
po r excepcional 0 que
tern de
mais comum.
Se e verdade que a desistoricizas:ao que resulta quase inevita
velmenre da
migras:ao das ideias atraves das
fronteiras
nacionais e
urn dos fatores de des reali zas: ao e de falsa
universalizacne por
exemplo, com
os falsos arnigos
teoricos), ent ao somen te uma
verdadeira historia da genese das ideias sobre 0 mundo social, asso
ciada a
uma
analise dos mecanismos sociais da circulacao
interna
cional dessas ideias,
poderia cond
uzir os
erudi
tos, tan to nesse
campo quanto alhures, a urn coritrole mais aperfeis:oado dos ins
trumenros com os quais argumentam sern ficarem
inquietos,
de
antemao, em argumentar a proposiro dos mesrnos.:
NOTAS
I. Paraevitar qualquer mal-emendido - eafasrar a acusacao de amiamericanismo _e
preferlvel afirrnar, desalda, que nada emais universal do que a prerensao ao universal
ou, mais precisarnenre, a
u n i v e r s a l i z a ~ a o
de uma visao part icular do
mundo;
alem
disso, a d e m o n s n a ~ a o
e s b o ~ a d a
aqui sera valida, mutatis mutandis para
ounos
cam
pos e palses principalmeme, a F r a n ~ a cf. Bourdieu, 1992).
2. Entreos livrosque dao resremunhodessa m a c d o n a l d i z a ~ a o rampante do pensamen
ro, pode-se cirar a jeremiadae1irisrade A. Bloom I 987), traduzida imediatamenre
para 0 frances, pela ediroraJulliard,com 0
drulo L A m ~ h ~ r m ~
1987)
eo
panflero
28
Sobreas Arrimanhasda Razao Imperialista
enraivecido do imigrante indiano neoconservador e bi6grafo de Reagan), membro
do
Manhatran
Insri tute, D. DiSouza I 991), t raduzidopara 0 frances com 0 ti tulo
L Education contre lesLibertes 1993). Um dos melhores indlcios para identificaras
obras que parriciparn desra nova doxa inrelecrual com pretensao planetariae a celeri-
dad«;
absolutarnenre inabitual, com a qual sao naduzidas e publicadas no exterior
sobretudo, em cornparacao com asobras cienrlficas). Para urna visao nariva decon
junto
dossucessos e fracassos dos professores universirariosamericanos, atualrnente,
ve r 0 recen te nurne ro de Daedalus consagrado a Th e American Academic Pro
fession I997), principalmente B. Clark, Small Worlds, Different Worlds: The
Uniqueness and Troubles of American Academic Professions pp. 21-42), e P.
Altbach, An
International
Academic Crisis?
The
American Professoriate in Com
parative Perpspective pp,
315-338).
3 . Parauma ana li sede
conjunro
dessasquestoes que, com jusreza, coloca em evidencia
sua ancoragem e recorrencias hist6ricas, ver Lacorne I997).
4. Sobre 0 imperarivo de reconhecimenrocuIrural, ver Taylor 1994) eos rexroscoleta
dos eapresentados por T.Goldberg I 994); sobre osentravesasesrraregias de perpe
tuacao da classe media nos Esrados Unidos, cf. Wacquant I996a); 0 profundo
rnal-estar da dassemedia americana e bem descrito em Newman I993).
5. Sobre a rnundializacao como projero arnericano , cf. Fligsrein 1997); sobre 0 fas
dnio arnbivalentepelaAmericano perlodo ap6s aguerra, ver Boltanski 1981) e Ku
isel I 993).
6. Nao se
nata
do i inico casoem que, por um paradoxa que manifestaum dos efe itos
mais tlpicos da dorninacao sirnbolica, um cerro mimero de t6picos que os Esrados
Unidos exponam e impoern em rodo 0 universo, a cornecar pela Europa, foram to
rnados de ernpresrirno a esses mesmos que os recebem comoas formas mais avanca
das da reoria,
7. Para uma bibliografiado imensodebate, verPhilosophy
6-
Social Criticism vol . 14, n
g
3-4, 1988, nurnero
especial-
Universalism vs, Comrnunitarianism: Contemporary
Debates in Ethics.
8. Desse ponro de vista, aviltadarnenle sociol6gico, 0 dialogo entre Rawls e Haberrnas
- a respeiro dos quais nao e exageradoafirrnar que, em relacao a rradicao filos6fica,
sao bastante equivalences - e alrarnenre significa tivo cf., por exemplo, Haber
mas,I995).
9. Segundo 0 esrudoclassico deCarl Degler, NeitherBlack Nor iu I 995), publica
do pela primeira vez em 1974.
10. Um poderoso anrfdoro ao veneno etnocentrico sobre esserema encontra-se na
obra
de
Anrhony
Marx
I998),
que demonstra que as divisoes raciais sao estreitarnente
tributariasda hisr6ria poll rica e ideol6gicado pals corisiderado, sendo que cada Esra
do fabrics, de alguma forma, a concepcao de raca que Ihe convern.
II . Quando sera publicado um livro inrirulado Brasil Racisra segundo 0 modelo da
obracom 0 drulo cientificamenreinqualific:ivel, La FranceRacisre , de um soci610
go frances mais arento as expecrarivas do campojornallsrico do que ascomplexida
des da realidade?
12. Esseesraruro de padrao universal, de meridiano de Greenwich em
r e l a ~ a o
ao qual
sao avaliados os v ~ o s e osatrasos, os arcalsmos e os modernismos a vanguar-
29
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
16/106
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
17/106
PierreBourdieue LoreWacquant
DAVIS, J. (1991). WhoisBlack?One Nation s Rule. University Park, Pennsylvania Sta
te Press.
DEGLER, Carl (1995 [1974]).
Neither Black Nor While: Slavery
and
Race Relations in
Brazil and the UnitedStates.
Madison, University of Wisconsin Press.
DISSENT 996). Embattled Minorities around the Globe: Rights, Hopes, Threat ,
verso.
ERICKSON, R.
GOLDTHORPE,
J. (1992). The ConstantFlux: A Study ofMobility
in IndustrialSocieties.Oxford,
Clarendon
Press.
FANTASIA, R. (1994). Everything and Nothing: The Meaning of Fast-Food and
OtherAmerican Cultural Goods in France . The
Tocqueuille
Review vol , 15, n
2
7,
pp. 57-88.
FISCHER,
C. et alii 996). Inequality by Desing: Cracking theBellCurve Myth. Prince
ton, Princeton University Press.
FREYRE, Gilberte (1978).
Maftres et Esclaues
Paris, Gallimard.
GOLDBERG, T.
(ed.) (1994). Multiculturalism: A CriticalReader. Cambridge, Black
well.
GUILBAUT, Serge (I 983).
How New YorkStolethe Idea
of
Modern Art: Abstract Impressi
onism Freedom and the Cold
w r Chicago, The University of Chicago Press.
HABERMAS,J. (1995). Reconciliation through the Public Use of Reason: Remarks on
Political Liberalism .
journal
of
Philosophy
n
2
3, pp. 109-131.
HANCHARD, Michael (1994).
Orpheus
and
Power:The Mouimento Negro ofRio de ja-
neiro and SaoPaulo
1945-1988.
Princeton, Princeton University Press.
HART, H. L.A.(1975). Rawls on Liberty and its Priority . In N. Daniels(ed.),
Reading
Rawls.
Nova York, Basic Books, pp. 238-259.
HERPIN, N. (1993). L'Underclass dans la Sociologie Arnericaine: Exclusion Sociale e
Pauvrere , RevueFrancaisede Sociologie vol .34, n
2
4, julho-setembro, pp.
421-439.
HOCHSCHILD, J. (1996). Facing Up to theAmericanDream: Race Class
and
the Soul
of
Nation.
Princeton, Princeton University Press.
HOLLINGER, D. A. (1995). Postetbnic America. Nova York, Basic Books.
JENCKS, C. PETERSON, P (eds.) (1991).
The Urban Underclass.
Washington, Bro
okings Institution.
KATZ, M. (1997).
In theShadow
of
the Poorhouse:A History
of
Welfarein America.
Nova
York, Basic Books (nova e d i ~ a o
LACORNE, D. (1997).
La Crisede l JdentiteAmericaine. Du Melting-Pot au Multicultu
ralisme. Paris, Fayard.
MARX, Anthony (1998).
Makinq
Race
and
Nation: A Comparison of the
United
States.
South Africa and Brazil. Cambridge, Cambridge University Press.
MASSEY,D. DENTON, N. (1996 [1993]) .
American
Apartheid Paris, Descartes er
Cie.
McKEE, James (1993).
Sociology
and
the RaceProblem:The Failure of aPerspective.
Urba
na and Chicago, University of Illinois Press.
MINGIONE, E. (1996). Urban Poverty and the Underclass: A Reader. Oxford, Basil
Backwell.
MYRDAL, G. (1963).
Challenge to Affluence.
Nova York, Pantheon.
NEWMAN,
K.
(1993).
Declining Fortunes.
Nova York, Basic Books.
32
SabreasArtimanhas da Razso Imperialista
PROCACCI, G. (1993).
Gouuernerla Misere:La Question Socialeen France
1789 1848
Paris, Editions IeSeuil.
REID, G.A.(I 992). Blacks and Whitesin SaoPaulo
1888-1988.
Madison, Universityof
Wisconsin Press.
RINGER,
(1969). The Decline of Mandarins. Cambridge,
Cambridge
University
Press.
RODANT, T. (1992) AnEmerging Ethnic Underclass inthe Netherlands?Some Ernpi
tical Evidence . New
Community
vo l. 19 , n
2
1, outubro, pp. 129-141.
ROSS, D. (I991).
The Origins ofAmerican Social Science.
Cambridge,
Cambridge
Uni
versity Press.
SPENCER,
J. M. (1997). The New Colored
People
The Mixed RaceMovement inAmeri
ca. Nova York, New YorkUniversity Press.
TAYLOR, C. (I994). Multiculturalism: Examining the PoliticsofRecognition. Princeton,
Princeton University Press.
TELLES, E.E (I995). Race, Class, and Space in Brazilian Cities .
International journal
of Urban
and
Regional Research vol. 19, n
2
3, setembro, pp.
395-406.
WACQUANT,
Lore
996a). La Generalisation del Insecurite Salariale en Amerique:
Restructurations d Enterprises et Crise de Reproduction Sociale ,
Actesde laRecher
cheen Sciences Sociales n
g
115, dezembro, pp.
65-79.
_
996b). L'Underclass Urbaine dans l Imaginaire Socialet ScientifiqueArnericain .
InS. Paugam (ed.), L Exclusion: l Etatdes Sacoirs. Paris, Editionsla Decouverte, pp.
248-262.
_ (19 92 ). P ou r e n F ini r a vec Ie Mythe des Cites-ghettos : Les Differences entre la
France et les Etats-Unis . Annales de la Recherche Urbaine n
g
52, se tembro, pp.
20-30.
WAGLEY, C. (1965).
On
the Concept ofSocia l Racein the Americas . In D. B.Heath
e R . N. Adams (eds.),
Contemporary Cultures
and
Societiesin
Latin
America.
Nova
York,
Random
House, pp.
531-545.
WASTERGAARD,
John
(1992). About and Beyond the Underclass: Some Notes on
the Influence of the Social
Climate
on British Sociology Today . Sociology vol. 26,
n
g
4, julho-setembro, pp. 575-587.
WATERS, M. (I990).
Ethnic Options.
Berkeley, University of California Press.
WHELM, C. T. (1996). Marginalization, Deprivation,and Fatalism inthe Republicof
Ireland: Class and Underclass Perspectives .
European Sociological Review
vol . 12,
n
g
I , maio, pp.
33-51.
WILLIAMSON,
J. (I980). The New People:Miscegenation
and
Mulattoes in the United
States. Nova York, New York University Press.
WINANT, H. (1995).
Racial Conditions.
Minneapolis, University ofMinnesota Press.
_ (I 9 94 ). Racial Formation and Hegemony: Global and Local Developments . InA.
Rattansi eS. Westwood(eds.),
Racism Identity
Etbnicity: Oxford, BasilBlackwell.
WRIGHT, Erik O. (1997).
Class Counts: Comparative Studies in ClassInequality.
Cam
bridge, Cambridge Universi ty Press/Edit ions de la Maison des Sci ence s de
I Homme.
33
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
18/106
A
Construcao
Sociol gica da
as ano Brasil
Sergio Costa
sumo
Partindo da constatacao de que as adscricoes raciais no Brasil im
plicam
desigualdades sociais que podem ser reunidas de sor te a
definir
dois grupos populacionais polares brancos e nao brancos alguns estu
dos raciais ado tam 0 conceito nao biol6gico de raca como categoria so
ciol6gicae
polltica
ampla.
Valida
e
mesmo
imprescindfvel no ambito do
estudo das desigualdades raciais a categoria raca quando transformada
em instrumento geral de analise e
desiderato normativo
leva a umacom
preensao incornpleta
da
formacao nacional
brasileira a
uma
visao obje
tivisra das relacoes sociais e
reducao
das
identidades
sociais a sua di
mensae politico-instrumental.
Palavras-chave: desigualdades raciais identidade cultural reconheci
mento
social no Brasil
stu os Afro Asidticos Ano 24 n
Q
1 2002 pp. 35-61
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
19/106
Sergio Costa
Abstract
The Sociological Construction
Racein razil
Establishing positively that race records in Brazillead up to social
inequalities that might permit a definition of two basic population
groups- whitesand non-whites- , some racialstudies adopt the concept
(non-biological) of race as a general sociological
and
political category.
The race category,although essential for the studies
of
race inequalities,
when transformed in a general instrument of analysis and normative
desideratum, leads to an incomplete comprehension of the Brazilian
national formation, roan objectivist vision of the racerelations and to a
reduction of
the social
identities
to its
political-instrumental
dimension.
Keywords: race inequalities, cultural identity, social acknowledgement
in Brazil, race categories.
Resume
La Construction Sociologique du Concept de Race au resil
Apres
avoir constate que les
fac;:ons
dont
la not ion de race a ete
construite au Bresil impliquent des inegalites sociales qui peuvent etre
assembleesde sorte
a
definir deux grands groupes de populations, Blancs
et non-Blancs, quelques etudes sur les races ont adopte Ieconcept (non
pas sous I aspect biologique) de race comme large categorie sociale et
poli tique. Bien qu ut ile, voire incontournable, en ce qui concerne
I
etude des inegalites raciales, la caregorie race - lorqu elle est prise en
rant qu instrument
general d analysevoue
a
dieter des normes - rnene
a
unecomprehension incomplete de la formation nationale bresilienne,
a
unevision objectiviste des rappons sociaux ainsi qu a une reduction des
identires socialesaleur dimension politique et insrrurnentale,
Mots-cle:
inegalites raciales, identite culturelle, reconnaissance sociale
au Bresil
36
o
primeiro atomoralconsiste emnao sobrepor a
dupladobeme domal
a
duplado eu e do
Dutro .
Tzevan
Todoro
v).
T
anto
pelos
bons qua
nco pelos
maus motivos
a
formacao
na
cional
brasileira desde
muito interessou
pesquisadores e
ideologos
para
alern das fronteiras nacionais A
mitologia
da brasi
lidade
mestica.
integradora
de
todas
as
etnias
e ponto de equilfbrio
das diferenc;:as
culturais, canonizada
por Gilberto Freyre em
s
Grande
Senzala constituiu,
em
muitos momentos
da
historia
recente, a
imagem
conrrastiva,
ora latente, ora inrrigante,
dos dis
cursos
identirarios
em nac;:6es que,
sob codos os
demais
aspectos,
pareciam,
a seus
proprios membros, muito melhores que
0
Brasil.
Assim, no
ambito do
Projeto
Unesco , conforme
se
Ie
na recons
trucao
esc1arecedora de
Maio 2000),
as
Nacoes Unidas buscavam
estudar
e
apresentar
ao
mundo
aquilo
que
se
considerava
uma
ex
periencia
singular
e bem-sucedida de acomodacyao de diferencyas
raciais e etnicas.
Anos
antes,
por
razoes
opostas,
0 modelo
brasilei
ro havia
interessado
aos pesquisadores racia is do Terceiro
Reich
(Krieger,
1940).
Trata-se, nesse
ambito,
da condenacyao
enfatica
e
veemente do
festejamento politico
da mistura racial e da snfase
na necessidade de preservacao da
integridade
genetica dos
bran
cos de
ascendencia ariana,
aos
quais
caberia liderar
0
processo de
conduc;:ao do Brasil ao
desenvolvimento.
Tratado, portanco, nurna
perspectiva
historica,
a
critics con-
junta
do sociologo frances Pierre
Bourdieu, recentemente
faleci
do,
e do
anrrop6logo
Lore Wacquant
Bourdieu Wacquant,
1998) a nova
gerac;:ao de
pesquisadores estadunidenses
e brasilei
ros
dedicados
ao estudo das relac;:oes raciais no Brasil nao chega
propriamente
a
constituir uma
novidade.
0
que
h:i de
novo na po
lernicae
que
0
caso brasileiro
etomado
pelos dois
intelectuais
fran
ceses
com 0
objetivo
de demonsrracyao
empfrica
da tese mais
ampla
que
procuram desenvolver, a saber, a constatacyao da existencia de
37
I
i
I
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
20/106
Sergio Costa
urn imperialismo cultural e acadernico dos americanos no mundo
conternporaneo.
A intervencao etnocentrica
estadunidense
ganharia, segun
do
Bourdieu
e
Wacquant, particular
nitidez nos estudos sobre as
desigualdades etno-raciais observadas no Brasil. Aqui, atraves
do patrocinio de instituicoes filantr6picas como a Fundacao Ford
e a Fundacao Rockefeller, bern como por meio do treinamento de
cientistas brasileiros e da
producao
intelectual de pesquisadores
nor te-arnericanos, muitos deles afro-descendentes,
0
irnperialis
mo americano se manifestaria na coristrucao do campo de estudos
das relacoes raciais, guiado pelo imperative de que se interprete as
rel acce s sociais no Brasil a par ti r da dicotomia
bipolar
bran
co-negro
propria
da sociedade
americana.
Urna tal transposicao
impr6pria e obtusa de modelos anallticos seria operada exemplar
mente por Michael
Hanchard
1994),
0
qual estudaria a historia
do movimento negro brasileiro como se tratasse do Civil Rights
Movement , ignorando que
[...] no Brasil, a identidade racial
e
definida
por
referencia a urn
ontinu-
um
de cor , isto e atraves do uso de urn princtpio flexfvel ou difuso que,
levando em
coma
rracos fisicos,
como
acor dapele, a texturado cabelo e
a forma dos labios e do nar iz e a posicao de c1asse os rendimentos e a
educacao notadarnente) engendra urn grande nurnero de categorias in
rerrnediarias. Bourdieu Wacquant, 1998:112)
artigos reunidos no nurnero especial da revista Theory
ulture nd Society
vol. 17, n
Q
1,2000) parecem mostrar, de for
ma convincente, que
0
conceito de imperialisrno , em qualquer
das conotacoes
que
mereceu
historicamente, nao traduz
de forma
adequada as relacces entre cientistas socia ise movimentos sociais
do None e do SuI, no mundo atual. Ainda que nao sejam simetri
cas, tais relacces encerram vicissitudes que
extrapolam 0 tipo
de
dorninacao unilateral expressa peIo conceito de imperialismo, em
suas diferentes extracoes. Todas as sociedades
contempo
raneas
contern, em
alguma medida,
urn componente pos-nacional, de
sorte que tanto as agendas de pesquisa quanto os atores sociais se
constituern no campo de tensoes entre determinantes internes e
ex
t
e rn o s as fr o n te ir as
nacionais
sobre a co n st e la cao
pos-nacional , ver Costa, 2001b). Somente quantD se torna em
corisideracao
0
complexo jogo de interpenetracoes sociais e alian
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
21/106
Sergio Costa
Deve-se ressalvar,
contudo, que
a
linha
que separa os dois
conjuntos
de trabalhos referidos
nem
sernpre e nft ida. 0 mais ade
quado, por isso, seria dizer que as considera
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
22/106
Sergio Costa
[...] espac;:ode represenracaodemarcado por tres p610s raciais
0
branco ,
o
negro
e 0 indio se distanciando cuidadosamenre de
cada
urn deles
[...],
[atualrnenre]
0
branco
de c1assemedia
buscasua segunda nacionali
dade na Europa, nos Estados Unidos ou no ]apao -
ou
cria
uma
xenofo
bia regional
racializada;0
negro
coristroi uma Africa imaginiria
para tra
c ar s ua a sc er id en ci a, o u b us ca os Estados
Unidos
c omo mec a
afro-americana; os indios recriarn a sua r r ibo de origem. Guimaraes,
2000a: 28
A incursao
dos
escudos rac ia is no
processo
de
formacao
nacional apresenta de
saida
urn merito
digno
de nota: eles identifi
cam
0
nucleo heterof6bico das co
ncepcoes
de Freyre. Constituern,
assirn, urn valioso contraponto as
tenrativas
impr6prias
observa
das
nos u l ti rnos anos
de
reabilj
tacao do pensamento politico
do
autor como se se tratasse de expressao da tolerancia e do apelo
pela
corivivencia
plural, havendo mesmo
referencias
a
Freyre
como
ide
alizador de algo como urn
p6s-colonialismo v t
fa lettre
como
faz mesmo urn autor
criterioso
como
Pieterse, 1998 . Analitica
mente,
coritudo, a leitura da
obra dos anos 30
de Freyre e do pro
cesso de
coristi
tuicao nacional
desde entao,
quando fixada na
lente
da categoria
raca, acaba
por
ideririficar
como coristrucao do
mito
da democracia racial urn fenorneno de dimens6es
rnultiplas
e des
dobramentos
extensos. Ou
seja, se Casa Grande
Senzala pode ser
tomada, da mesma forma que a ficcao fundacional em outros pai
ses, como
urn
manifesto de
re)fundalfao da nacao, 0
conjunto de
transforrnacoes politicas coetaneas
a obra
nao pode ser
interpreta
do como processo
de
construcao
de uma ideologia racial.
Trata-se,
na
verdade, no final da decada
1930,
de uma
inflexao
profunda e
defini tiva no
processo
de
redefinicao
da
identidade
nacional.
Corisritui-se,
nesse memento,
as bases
de
uma ideologia da rnesti
cagern que , em seusaspectos culturais, orientaria
a aifao
dos gover
nos brasileiros pelo
menos
ate 0 fim da diradura mil itar cf. Costa,
2001
a . Em tal
corpo ideol6gico,
a
afirrnacao
de uma
brasilidade
mesrica
como uni dade d a
diversidade
-
nos termos
sistematiza
dos
inrelectualmente
por Freyre - e mantida
como pre-requisite
da cons
t i tu icao da cornunidade poli t ica nacional. Nao obstante,
em
sua
rransposicao para a
politica,
tal ideario
ganha
novas
deter
rninacoes:
a
principal del
as
corresponde
a crenca na
construcao
de
urn futuro
pr6spero comum
como
objetivo
universal
e
lugar irna
ginario no qual todos
os
membros
da
nacao, separados pelo
passa
do
disrinro,
se encontrariam.
Parece ser
essa
orientacao para 0 futuro que const itu i 0
prin
cipallegado frances a
formacao
nacional
brasileira. Giesen,
estu-
42
AConstrucaoSociol6gica daRa p no Brasil
dando
0 Iluminismo
e
0 processo de formacao do Estado Nacional
na
Franca
e na
Alemanha, pontua
diferericas
que nos ajudam
a
compreender a
ideologia
que refunda a nacao brasileira nos
anos
30
e
40.
No caso frances, ele mostra que
0
ideal iluminista e cos
mopolita na med id a em que ve os
diferentes
povos nos diversos
co
ntinentes
- em que
pesem
as disparidades
regionais
de
desenvol
vimento explicadas nao pelas desigualdades de aptidao inatas, mas
pelas possibilidades desiguais oferecidas pela
natureza
-
atados
pd o futuro
comum
que
os
une como membros
da
hurnanidade.
Ipsis verbis:
Edo futuro e nao do passado que se tornarn as
categorias
universais, com
as quais a realidade coritingente do presente e percebida e julgada, e no
futuro e
nao
no
passado
que se encontra 0 e lo qu e
congrega
e unc a hu
manidade.
Giesen, 1999:
146)
No caso alernao, os
intelecruais
iluministas modificam os
termos da
relacao
entre
humanidade e
natureza, acentuando 0 pa
radoxo
entre
a natureza humana
idiossincratica
e
individual
e a
ar
tificialidade do mundo burgues, surgindo
dai 0
trace rornantico
que
iria
marcar
mais tarde
a
constituicao
da
nacao
alerna. A
nacao
representada pelo povo unido pela cultura
e
pela ancestralidade
comum
se
tornaria
0
terreno idealizado no
qual
a
natureza indivi
dual e
0
mundo exterior se
reconciliariam.
A
relacao
da coricepcao
rornantica da nacao com 0 futuro,
no caso a le rnao , e
exatamente
oposta
aquela
que se verifica no iluminismo frances. Para os
ro
manticos alernses, a Idade
Media
e
recoberra
de urn
brilho
que se
perdera, e no passado que eles vao
buscar
as tradicoes que se quer
reviver
no
ambi to da
busca por
individualidade
e
autenticidade
ibidem: 178 .
Parece
evidente que e
0 desejo
de sobrepor a forca
do p ro
gresso ao passado opressivo e a consrrucao de uma identidade vol
tada
para
0
futuro,
pr6prios
ao
iluminismo
frances, e
nao
a
enfase
na ancestralidade
comum
dos
rornanticos
alernaes
que marcam
a
reco nfiguracao da
nacao brasileira
a
partir dos
anos
30.
Na o
se
trata,
por
isso,
da
coristrucao
de
uma ideologia
racial
como afirma Guimaraes,
mas
de uma
ideologia
nacional nao raci
al,
no sent ido preciso
de
que evira
a ralfa
Davis, 1999 ,
enquan
to criterio legitimo de
adscricao social-
a
rneta-raca
a que se refere
Freyre ou a professada unidade da raca do discurso
varguista
Carneiro, 1990:35
viram
uma
metafora da nacionalidade,
nao
sao, portanto, conceitos raciais,
mas
nao-raciais, a despeito de se
valerern da sernant ica da
raca,
Isto
e, raifa s6 faz
sentido
no
corpo
43
8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant
23/106
SergioCosta
de uma ideologia que diferencia e segmenta os grupos
humanos
conforme adscricoes naturais,
urn discurso
que rompe com tais
distincoes
e urn
discurso
nao racial,
0
que
nao
significa, obviamen
te, que se trate de uma ideologia
anti-racista ou
nao racista, ou
mesmo que ela seja neut ra com relacao
a
perrnanencia das desi
gualdades raciais.
Enfatize-se,
contudo, que nao se trata de
uma
ideologia racial, mas de uma ideologia
nacional,
com multiplas di
mensoes,
Em sua dirnensao politica, a ideologia nacional que se cons
troi
a partir de 1930 apreserita
0 carater inclusivista/assimilacio
nista do modelo frances, dispensando clararnenre 0 requisito da
ancestralidade
comum
como coridicao de pertens:a
a
nacao, Os
traces que distinguem os
dois
modelos sao a enfase na parricipacao
clvicae na
igualdade
substantiva entre todos os
cidadaos,
ausentes
do
modelo
brasileiro, Como se sabe, a
igualdade
juddica nfio
cor
responde, no Brasil , uma igualdade efetiva no que tange ao gozo
dos
direitos
civis e
politicos.
A ideologia da rnesticagern compor ta , como em
outros
pai
ses latino-americanos
(c f
Martinez-Echazabal, 1998),
uma
di
mensae de genero. Tan to no
trabalho
de Freyreq uanto no ambito
do esforco
consistente
de
institucionalizacao
de
uma ideologia
na
cionalista
no Estado Novo, reifica-se a imagem da mulher
sem
subjetividade propria
e sem
vida
clvicae politica
autonomas:
nesse
constructe, a
mulher
realiza-se e se completa
enquanto
objeto do
desejo masculine.
Em
sua
expressao social, a ideologia da mestis:agem
earisto
cratica, romantiza as
desigualdades,
banalizando-as. Nao ha,
con
t udo, uma justificativa moral para as desigualdades que esteja
apoiada na
crenca
em algumahierarquia natural/biologica
entre
os
diferentes membros
da nacao ,
como
se se
acreditasse que
os
mise
ravels fossem feitos de urn barro diferente , conforme a imagem
de Souza (2000).
Para que
se trans
forme
nurna quesrao moral , a
igualdade
social precisa
ser politicamente construfda
e
individual
mente internalizada como urn valor, 0 que simplesmente nao se
deu na historia brasileira. A j
ustica
social nao e urn
bern
natural, e
urn valor
politico
que deterrninada sociedade pode
construir
-
ou
nao.
Em
sua face cultural, tal
ideologia procura
disciplinar a
hete
rogeneidade existente,
selecionando, atraves
da
acao
discursiva
e
polirica sistematica, aquelas manifestacoes que
conformam
a iden
t idade nacional, restringindo-se expressoes divergentes, dai seu
trace
hererofobico. Nao
me
parece haver
aqu i uma
supressao
pre-
44
A Construcao
Sociologica
daRaca noBrasil
ferencial da ancestralidade africana ou indigena como sugerem os
estudos raciais,
0
que ha e uma
integracao
hierarquizada
dos dife
rerites
legados
e a obliteracao das
marcas
etnicas que pudessem
se r
entendidas como desagregadoras da nacao idealizada.
Sob
tal as
pecto - e so
mente sob
tal aspecto - nao hi
uma penalizacao
maior
dos
indfgenas
e afro-descendentes que dos demais imigrantes nao
europeus ver, a respeito, a cuidadosa analise de Lesser,
1999)
ou
da
populacao-alvo
da
Campanha
de
Naciorializacao varguista
(Seyferth, 1997).
Em sua
dirnensao
racial, a
ideologia
da rnesticagern
caracte
riza-se
po r
banir
0
conceito ras:a