Apontamentos Acerca Da Validade Da Interceptacao Telefonica Como Meio de Obtencao de Prova No Processo Penal o Entendimento Dos Tribunais Superiores e as Propostas de Alteracao Legislativa

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  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

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    APONTAMENTOS ACERCA DA VALIDADE DA INTERCEPTAO TELEFNICA COMO MEIO DE OBTENO DE PROVA NO PROCESSO

    PENAL: O ENTEDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E AS PROPOSTAS DE ALTERAO LEGISLATIVA

    NOTES ABOUT THE VALIDITY OF TELEPHONE INTERCEPTION AS A MEAN OF OBTAINING EVIDENCES IN CRIMINAL PROCEDURES: THE VIEW OF THE SUPERIOR COURTS AND THE PROPOSALS TO AMEND

    THE FEDERAL LAW

    Adriane Pinto Rodrigues da Fonseca Pires*

    Humberto de S Garay**

    RESUMO: O presente trabalho tem como tema a interceptao telefnica, meio excepcional para a obteno de prova em processo penal. O artigo pretende apontar, sob o vis constitucional e legal, os critrios de admissibilidade e validade desse procedimento, bem como referir o posicionamento dos Tribunais Superiores brasileiros no que respeita legitimidade e licitude da prova colhida via interceptao telefnica. Por fim, faz-se referncia proposta de alterao legislativa relacionada matria.

    PALAVRAS-CHAVE: Interceptao telefnica. Lei n 9.296/96. Prova. Processo penal. Alterao legislativa.

    ABSTRACT: The current paper has as its subject the interception of telephone lines, exceptional mean of obtaining evidence in criminal proceedings. This article points to, under the constitutional and legal bias, the criteria for admissibility and validity of this procedure, as well as point out the position of the Superior Courts in Brazil regarding the acceptance of evidence gathered via telephone interception. Finally, the paper makes references about the proposals to amend the Federal Law on this matter.

    KEYWORDS: Telephone interception. Federal Act no. 9296/96. Evidence. Criminal procedure. Amendment of the law.

    * Mestranda em Cincias Criminais (PUCRS). Especialista em Direito Pblico (ESMAFE/IMED).

    E-mail: [email protected].

    ** Mestrando em Cincias Criminais (PUCRS). Especialista em Polticas e Gesto de Segurana

    Pblica (UFRGS). E-mail: [email protected].

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    INTRODUO

    A interceptao telefnica1 pode ser conceituada como um ato de

    ingerncia nas comunicaes telefnicas alheias, quer com a finalidade de impedi-

    las, quer com a finalidade de delas tomar conhecimento (GRINOVER, 1982, p.

    198). Consiste, pois, em um procedimento que representa exceo ao direito ao

    sigilo das comunicaes telefnicas, o qual assegurado pelo inciso XII, do artigo

    5o, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil.

    Constitui-se em um importante meio para a obteno de prova no processo

    penal tanto na fase preparatria como na incidental , e, ao mesmo tempo, em

    uma restrio a um direito fundamental, a saber, o direito intimidade da pessoa

    interceptada e daquelas com as quais esta se relaciona. Segundo Ada Grinover:

    A questo das interceptaes telefnicas faz parte de um problema mais amplo, atinente

    ao equilbrio entre duas opostas exigncias: a de tutelar o direito intimidade e a de

    colocar disposio do juiz um meio de investigao capaz de obter resultados genunos

    e particularmente teis, em uma poca em que tambm a delinquncia se organiza sob

    formas cada vez mais hbeis e complexas. (GRINOVER, 1982, p. 197).

    O dispositivo constitucional que a prev, referido alhures, estabeleceu que

    a autorizao para a quebra do sigilo est reservada deciso judicial e somente

    ser decretada para fins de investigao criminal ou instruo processual penal, e

    na forma que a lei estabelecer (o ato normativo de que se fala a Lei Federal n

    9.296/96).

    Nessa perspectiva, a validade da interceptao telefnica, como meio para a

    obteno de prova, no prescinde da observncia aos requisitos traados pela Lei

    n 9.296/96, mas, especialmente, aos princpios constitucionais do devido processo

    legal, da inadmissibilidade das provas ilcitas e o da proporcionalidade, uma vez

    que apenas normas constitucionais2 (regras e princpios) possuem a aptido de

    fundamentar a restrio a um direito fundamental.

    Acerca de sua legitimidade, esta h de, inequivocamente, brotar da

    persecuo da finalidade mxima do processo penal proteo dos direitos

    1 A expresso interceptao telefnica um gnero do qual fazem parte trs espcies: as

    interceptaes stricto sensu, que so verificveis quando h um terceiro que viola a conversa entre duas ou

    mais pessoas sem o conhecimento destas, da a necessidade de autorizao judicial; a escuta telefnica, que

    ocorre na ocasio em que um terceiro viola a conversa entre duas ou mais pessoas com o conhecimento de

    uma delas; e a gravao telefnica, em que no h terceiro, mas sim a presena de um dos interlocutores, o

    qual registra a conversa que mantm com o outro. Ver AVOLIO (2003, p. 92).

    2 Nesse sentido, ver ALEXY (1993, p. 272).

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    fundamentais das pessoas (VALENTE, 2008, p. 71). Em razo disso, parte-se

    da premissa de que somente podem ser considerados atos de prova e, portanto,

    aptos a fundamentarem a sentena, aqueles praticados dentro do processo luz

    da garantia da jurisdio e demais regras do devido processo legal (LOPES

    JNIOR, 2012, p. 547).

    Em sntese: em se tratando de medida restritiva a direito fundamental

    somente pode ser deferida judicialmente a partir da obedincia a um somatrio

    de requisitos estabelecidos explicitamente na lei e na Constituio, alm da

    observncia dos princpios (explcitos e implcitos) da Lei Maior (STRECK,

    2001, p. 70).

    1 EXCURSO HISTRICO ACERCA DO REGRAMENTO CONSTITUCIONAL

    O sigilo das comunicaes foi elevado ao estado (status) de garantia

    fundamental e, em razo disso, ostenta no ordenamento jurdico constitucional

    vigente, a condio clusula ptrea, nos termos do artigo 60, 4, IV, da Constituio

    Federal3. Tal situao implica, por exemplo, a vedao de que qualquer matria

    tendente a aboli-lo possa ser objeto de proposta de emenda Constituio.

    Corporificada est, pois, a ideia de um limite do limite tambm para o legislador

    ordinrio (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 309).

    Por outro lado, vale destacar que esse reconhecimento no obsta que o

    prprio texto da Carta Magna, no inciso XII do artigo 5, estabelea uma exceo

    ao sigilo das comunicaes telefnicas:

    XII inviolvel o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados

    e das comunicaes telefnicas, salvo, no ltimo caso, por ordem judicial, nas hipteses e

    na forma que a lei estabelecer para fins de investigao criminal ou instruo processual

    penal4.

    Como j referido, a interceptao telefnica consiste em uma captao5 de

    3 Dispe o artigo 60, 4, inciso IV, da atual Constituio Federal, que no ser objeto de

    deliberao a proposta de emenda tendente a abolir, dentre outras matrias, os direitos e garantias

    individuais. Disponvel em: . Acesso

    em: 11 maio 2013.

    4 Disponvel em: . Acesso

    em: 1 maio 2013.

    5 No dizer de Lnio Streck, o sentido o de captar a comunicao telefnica, tomar conhecimento,

    ter contato com o contedo dessa comunicao (STRECK, 2001, p. 55).

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    conversa alheia, feita por um terceiro e sem o conhecimento dos interlocutores.

    Anteriormente Constituio Federal de 1988, a esfera da intimidade

    era protegida de forma mais difusa. Fazendo-se um excurso histrico pelas

    Constituies brasileiras, verifica-se que o direito ao sigilo de correspondncia e

    das comunicaes tem sido constitucionalmente protegido desde a Constituio

    Imperial de 1824.

    Esse regramento foi repetido nas Constituies de 18916 e de 19347, mas

    somente com o advento da Constituio de 1937 que o direito inviolabilidade

    das comunicaes sofreu a primeira restrio. Em seu artigo 122, 6, a Carta de

    1937 previa que seria garantida, aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas,

    a inviolabilidade do domiclio e da correspondncia, salvo as excees expressas

    em lei8.

    A Lei Fundamental de 19469, a seu turno, volta a reproduzir em seu texto

    (artigo 141, 6) a proteo ao sigilo da correspondncia nos exatos termos das

    Cartas de 1891 e de 1934.

    J a partir da Carta de 196710, o sigilo de correspondncia foi tutelado de

    forma mais abrangente. Adotou-se, na redao do artigo 153, 9, uma concepo

    ampla, a qual abarcava a correspondncia telefnica e/ou telegrfica.

    Ao mesmo tempo, na seara infraconstitucional, vigia, desde 1962, o Cdigo

    Brasileiro de Telecomunicaes (Lei n 4.117/62), cujo artigo 57 trazia a seguinte

    disposio:

    Art. 57 No constitui violao de telecomunicao:

    [...]

    II o conhecimento dado:

    [...]

    6 Nos termos do artigo 72, 18, da Carta de 1991, o sigilo de correspondncia inviolvel. Disponvel

    em: . Acesso em: 14 maio 2013.

    7 O artigo 113, 8, da Constituio de 1934, reproduz o artigo 72, 18, da Carta Poltica anterior.

    Disponvel em: . Acesso em: 12

    maio 2013.

    8 Esse dispositivo foi revogado em 1942 pelo Decreto n 10.358, que declarou o Estado de

    Guerra em todo o territrio nacional. Disponvel em:. Acesso em: 11 maio 2013.

    9 Disponvel em:. Acesso

    em: 11 maio 2013.

    10 Dispunha o artigo 153, 9, da Constituio Federal de 1967,que seria garantida a inviolabilidade

    do sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas e telefnicas. Disponvel em:. Acesso em: 11 maio 2013.

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    e) ao juiz competente, mediante requisitao ou intimao deste.

    Com a nova ordem constitucional ps-ditadura militar, os debates acerca da

    consonncia do Cdigo de Telecomunicaes com a Carta Magna de 1988 ganharam

    relevo, pois no havia consenso acerca da compatibilizao das delimitaes

    fixadas pelo artigo 5, XII, do texto constitucional com o dispositivo legal, referido

    alhures, que possibilitava amplo acesso s comunicaes, sem qualquer exceo.

    Sobre essa necessidade de conformao constitucional, Geraldo Prado

    acentua que:

    preciso, pois, situar o problema. Cuidamos do regime dos direitos, liberdades e

    garantias. Mais: tratamos da restrio ao exerccio desses direitos. Assim, intuitivo

    admitir que seja a metdica constitucional a base dogmtica a servir de marco terico,

    influenciando a aplicao de ferramenta jurdica cuja atuao nada mais do que

    implementao dessas restries. (PRADO, 2006, p. 22).

    Partindo-se do texto constitucional, apura-se que a admissibilidade de eventual quebra do sigilo das comunicaes telefnicas est condicionada observncia de requisitos expressamente elencados, a saber, ordem judicial, para fins de investigao criminal ou instruo processual penal. Est-se diante de uma reserva legal qualificada (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 610).

    A opo do legislador constituinte foi a de estabelecer critrios com o fim de delimitar as hipteses em que a invaso da intimidade ter cabimento, uma vez que esse direito tambm passou a ser reconhecido pela Carta Magna, no artigo 5, inciso X11, uma novidade da Carta Poltica atual.

    Instado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal, por ocasio do julgamento do Habeas Corpus n 69.91212, ocorrido em 1993, firmou entendimento no sentido de que o Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes no teria sido recepcionado pela Constituio de 1988. Os julgadores consideram, portanto, que, no momento em que foi autorizada a interceptao telefnica por parte da autoridade judiciria, inexistia lei que tornasse vivel a quebra do sigilo nos

    termos exigidos pela nova ordem constitucional13.

    11 Nos termos do artigo 5, inciso X, da Constituio de 1988: so inviolveis a intimidade, a

    vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou

    moral decorrente de sua violao. Disponvel em:. Acesso em: 11 maio 2013.

    12 STF, HC 69912, Rel. Min. Seplveda Pertence, Rel. p/ Acrdo: Min. Carlos Velloso, Tribunal

    Pleno, julgado em 30.06.1993, DJ 26.11.1993. Disponvel em:.

    Acesso em: 10 fev. 2013.

    13 Em outro julgado de 1996, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou

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    Desse modo, diante da ausncia de previso legal, a ordem judicial foi tida como invlida e, por conseguinte, a prova colhida por meio deste procedimento, foi considerada ilcita e, em razo disso, inadmissvel no processo (nos termos do artigo 5, LVI, da Constituio Federal).

    Dada a vinculao do intrprete s normas constitucionais, na comparao dos valores em jogo o respeito s garantias individuais por um lado, e o interesse da sociedade em que os delitos sejam investigados por outro deve-se dar-se primazia aos primeiros por tratar-se de diretrizes da Lei Suprema (CARRI, 2003, p. 231).

    Nesse contexto, pode-se concluir que, entre os anos de 1988 e 1996, no direito brasileiro, em relao s interceptaes telefnicas, no havia um regime legal estabelecido (embora a existncia de lei j estivesse prevista constitucionalmente). Diante dessa omisso legislativa, as autorizaes judiciais eram controvertidas, havia incurses duvidosas no mbito da intimidade dos indivduos, o que no atendia exigncia constitucional de respeito aos direitos fundamentais.

    2 O REGIME LEGAL DA INTERCEPTAO TELEFNICA

    2.1 HIPTESES LEGAIS DE CABIMENTO

    Como referido anteriormente, com a supervenincia do novo ordenamento constitucional, passou-se a conviver com uma espcie de vcuo legislativo em matria de interceptao telefnica, o que causava empecilhos s atividades de investigao criminal e instruo processual penal.

    Assim, somente em 25 de julho de 1996, quase oito anos aps a promulgao da Constituio Federal de 1988, sobreveio a Lei n 9.296/96 para regulamentar a matria relativa s interceptaes telefnicas, contida na parte final do inciso XII, do artigo 5, da Carta Magna. A sua norma regulamentadora dispe, em seu artigo 1, que:

    Art 1 A interceptao das comunicaes telefnicas, de qualquernatureza, para prova

    em investigao criminal e em instruo processualpenal, observar o disposto nesta Lei e

    depender de ordem do juizcompetente da ao principal, sob segredo de justia.

    Pargrafo nico. O disposto nesta Lei aplica-se interceptao do fluxo

    decomunicaes em sistemas de informtica e telemtica.

    entendimento no sentido de reconhecer que falta da lei que, nos termos do referido dispositivo [art.

    5, XII, da CF], venha a disciplinar e viabilizar a interceptao de comunicao telefnica contamina

    outros elementos probatrios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informaes

    obtidas na escuta (STF, HC 73351, Rel. Min. Ilmar Galvo, Tribunal Pleno, julgado em 09.05.1996, DJ

    19.03.1999). Disponvel em: . Acesso em: 10 fev. 2013.

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    A possibilidade de obter provas por meio de interceptao telefnica

    condiciona-se a trs requisitos, a saber: deve haver ordem judicial (determinada

    por um juiz, por iniciativa prpria do interessado, ou a requerimento da autoridade

    policial ou do Ministrio Pblico), a finalidade a investigao criminal ou

    a instruo processual penal, e a sua realizao observar a forma que a lei

    estabelecer (o fato investigado deve constituir infrao penal punida com recluso;

    exigvel a existncia de indcios razoveis da autoria ou participao, ou, ainda,

    quando aprova no puder ser feita por outros meios).

    No dispositivo seguinte (artigo 2), a lei define as hipteses em que no se

    reconhece cabvel a utilizao da interceptao telefnica como meio de obteno

    de prova. A escolha do legislador foi a de apontar as circunstncias em que se

    exclui a possibilidade de decretao da medida (requisitos negativos). Segundo

    Vicente Greco Filho, essa tcnica legislativa lamentvel, porque a redao

    negativa sempre dificulta a inteleco da vontade da lei (GRECO FILHO, 2005,

    p. 21), crtica com a qual se concorda, pois se est a tratar, como exceo, o que,

    em verdade, a regra o sigilo das comunicaes telefnicas.

    Um dos requistos legais a merecer destaque a inadmissibilidade da

    interceptao, quando ausentes indcios razoveis da autoria ou da participao

    em infrao penal, ou, ainda, quando a prova puder ser obtida por outras maneiras

    legalmente previstas. Tal regramento reflete a concepo de que especialmente

    no campo penal, inconcebvel que o Estado banalize os direitos fundamentais

    para obter provas (GOMES FILHO, 1996, p. 14). Por esse mesmo motivo,

    entende-se que a possibilidade de o magistrado decretar a medida, de ofcio, de

    constitucionalidade duvidosa, uma vez que o julgador, no ordenamento jurdico

    brasileiro, , to somente, o destinatrio da prova.

    A existncia de um fato delituoso concreto o pressuposto para o deferimento

    da medida, pois no se cogita do deferimento da medida numa fase pr-delitual,

    ou seja, preventiva (GOMES; CERVINI, 1997, p. 54), ou, ainda, diante de mera

    suspeita. A respeito da delimitao do objeto a ser investigado, Antonio Scarance

    Fernandes assinala que:

    Uma interpretao rigorosa, que exigisse precisa delimitao da infrao, tornaria sem

    eficcia a lei, iria contra seus prprios objetivos, pois se pretende com ela justamente

    esclarecer, pela interceptao, a prtica delituosa; [sendo] suficiente a delimitao do fato,

    mas sem a necessidade de minuciosa especificao (FERNANDES, 2007, p. 101).

    Em relao finalidade de instruir investigao policial ou processo

    criminal, bem como no tocante exigncia de que a infrao penal seja punida

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    com pena de recluso, Gustavo Badar ressalva a possibilidade de que, para alm

    da gravidade das infraes penais, devam ser consideradas as particularidades

    da forma de seu conhecimento (BADAR, 2008, p. 287), ou seja, prope que se

    questione, no caso concreto, se a interceptao telefnica o meio hbil apurao

    de determinado delito.

    Dessa forma, imprescindvel a indicao concreta de que a reconstruo

    dos fatos impossvel sem a interceptao telefnica (BADAR, 2008, p 287),

    pois a viabilidade da utilizao de outros meios de obteno de prova disponveis

    para a aferio da materialidade e da autoria do delito retira a legitimidade

    dessa medida14. No entanto, vale referir que j foi reconhecida pelos Tribunais

    Superiores a possibilidade de utilizao do contedo da interceptao telefnica,

    na condio de prova emprestada, desde que autorizado pelo juzo criminal e

    que sejam observadas as prescries da Lei n 9.296/199615.

    A autorizao judicial, em virtude de seu carter vinculado a determinado

    fato criminoso, deve limitar a quebra do sigilo queles agentes relacionados a

    uma prtica delituosa especfica. No se pode olvidar que, quando se desvia o

    foco da investigao de um fato, certo e determinado, para abranger qualquer

    tipo de ilcito que eventualmente tenha praticado o ru, opera-se no campo do

    substancialismo inquisitorial (LOPES JNIOR, 2012, p. 586), do qual o

    processo penal contemporneo pretende se desvincular. Alm disso, o princpio da

    especialidade e o da vinculao do ato (LOPES JNIOR, 2012, p. 587) tambm

    14 Traz-se colao excerto da ementa de julgado do STF: [...] 1. da jurisprudncia da Corte o

    entendimento de que lcita a interceptao telefnica, determinada em deciso judicial fundamentada,

    quando necessria, como nico meio de prova, apurao de fato delituoso (HC 105.527, Rel. Min.

    Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe de 13.05.2011). 2. No caso, a deciso proferida pelo Juzo de piso,

    autorizando a interceptao telefnica em questo, encontra-se devidamente fundamentada, sendo os

    elementos constantes dos autos suficientes para afastar os argumentos dos impetrantes/pacientes de que

    no havia indcios de materialidade em infrao penal para se determinar a quebra do sigilo telefnico ou

    de que as provas pudessem ser colhidas por outros meios disponveis, mormente se levado em conta que as

    negociaes das vantagens indevidas solicitadas se davam por telefone (STF, HC 103418, Rel. Min. Dias

    Toffoli, Primeira Turma, DJe de11.11.2011). Disponvel em: . Acesso em: 8 maio 2013.

    15 A esse respeito, vlida a meno ao julgado do Supremo Tribunal Federal que considerou

    que os elementos informativos de uma investigao criminal, ou as provas colhidas no bojo de instruo

    processual penal, desde que obtidos mediante interceptao telefnica, devidamente autorizada por

    Juzo competente, admitem compartilhamento para fins de instruir procedimento criminal ou mesmo

    procedimento administrativo disciplinar contra os investigados (STF, HC 102293, Rel. Min. Ayres Britto,

    Segunda Turma, DJe de 16.12.2011). No mesmo sentido: STF, Inq. n 2424, Rel. Min.Cezar Peluso, DJe de

    25.03.2010. Disponvel em: . Acesso

    em: 7 maio 2013; e STJ, MS 16.146, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seo, julgado em 22.05.2013.

    Disponvel em: . Acesso em: 28 maio 2013.

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    objetivam a salvaguarda do sigilo de terceiro, contra quem a prova adquirida no

    pode ser utilizada. Tal restrio, logicamente, no se aplica aos casos de coautoria

    ou participao delitiva, pois, nestas situaes, os acusados encontram-se na

    posio de corrus.

    Outro aspecto a ser considerado que, durante a realizao de uma

    interceptao telefnica, poder haver a descoberta da prtica de delito diverso

    daquele que originou a autorizao da referida medida. Nessa hiptese, dever

    ser providenciada a imediata comunicao desse fato, ao juzo que deferiu,

    inicialmente, a interceptao para que este determine quais as providncias

    sero tomadas para conservar/garantir a validade da prova colhida. A autoridade

    judiciria decidir, por exemplo, acerca da necessidade de interveno via

    mandado de busca e apreenso, decretao de prises ou, ainda, sobre eventual

    pedido de ampliao da medida restritiva, uma vez que o pedido anterior possua

    vinculao a fato determinado.

    Tambm merece destaque, quando do exame dos requisitos legais para o

    deferimento da interceptao telefnica, a competncia da autoridade judicial. Em

    relao a este tpico, deve-se ter mente que a autorizao apenas pode ser concedida

    pelo juiz natural, todavia isso no impede que a prova colhida pela autoridade,

    poca competente, seja convalidada por aquela para a qual sero remetidos os

    autos em razo do reconhecimento superveniente de sua competncia. Podem ser

    mencionadas, como exemplo, as situaes em que, durante a investigao criminal,

    surge a notcia de que um dos agentes envolvidos na prtica delituosa tenha foro

    privilegiado.

    A esse respeito, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justia, quando do

    julgamento de ao penal originria, j se manifestou no sentido de que o envio

    dos autos ao STJ no invalida qualquer prova colhida ou medida determinada

    pela autoridade que era ento competente para conduzir o inqurito16. Na

    mesma linha, o Supremo Tribunal Federal adotou a Teoria do Juzo Aparente

    para convalidar as provas determinadas por juzo, posteriormente declarado

    incompetente, desde que, no momento em que tivessem sido decretadas as

    medidas de carter probatrio, a autoridade no tivesse condies de saber que a

    investigao fora instaurada contra detentor de foro privilegiado17. Conclui-se,

    16 STJ, APn 536, Rel. Min. Eliana Calmon, Corte Especial, DJe de 04.04.2013. Disponvel em:

    . Acesso em: 1 maio 2013.

    17 Trecho da manifestao do Ministro Celso de Mello, voto vencido no julgamento do Habeas

    Corpus 110.496. Nesse julgado, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no considerou razovel

    a anulao de provas, determinadas por juzo federal de primeira instncia, em investigao que envolvia

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    portanto, que usurpao de competncia exclusiva, quando reconhecida, invalida

    a prova colhida. Em julgado datado de 2 de maio de 201318, o Plenrio do STF rejeitou a

    denncia ofertada contra deputado federal, em face de o juzo de primeiro grau ter autorizado o prosseguimento de investigao, a qual inclua a realizao de interceptaes telefnicas, mesmo aps ter sido verificado o envolvimento do parlamentar denunciado, quando deveria ter havido declinao de competncia em favor da Suprema Corte.

    De modo semelhante ao contexto acima, em havendo conexo ou continncia entre um delito que deva ser julgado pelo juzo federal e outro que seja de competncia estadual, por exemplo, o encontro fortuito de provas que provoque o reconhecimento superveniente da incompetncia do juzo que autorizou a interceptao, exige-se que seja promovida a comunicao imediata e a posterior remessa dos autos autoridade reconhecida como competente.

    Ainda sobre o encontro fortuito, o Supremo Tribunal Federal considera compatvel com o artigo 5, XII e LVI, o uso de prova obtida, fortuitamente, atravs de interceptao telefnica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptao, seja punido com pena de deteno19.

    2.2 DO PRAZO DE DURAO DAS INTERCEPTAES TELEFNICAS

    No que diz respeito durao das interceptaes telefnicas, por fora do

    regramento inserto no artigo 5, da Lei n 9.296/96, o prazo mximo da diligncia

    de 15 (quinze) dias, com possibilidade de renovao, por igual perodo, caso seja

    comprovada a necessidade da mantena da medida. Por conseguinte, mostra-se

    cabvel a autorizao da interceptao por prazo menor que o supramencionado. A

    contagem do prazo computa o primeiro dia em que tenha sido iniciada a ingerncia.

    organizao criminosa, direcionada a fraudar benefcios previdencirios, integrada por trs vereadores da

    cidade do Rio de Janeiro, detentores de foro privilegiado perante o TJRJ (HC 110496, Rel. Min. Gilmar

    Mendes, Segunda Turma, DJe de 18.04.2013. Acrdo pendente de publicao, Informativo 701) Disponvel

    em: . Acesso em:

    8 maio 2013.

    18 Trata-se do julgamento do Inqurito 2842, relativo denominada Operao Rodin (STF, Inq

    2842, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenrio, DJe de 13.05.2013). Disponvel em: . Acesso em: 8 maio 2013.

    19 STF, AI 626214 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 07.10.2010.

    Disponvel em: .

    Acesso em: 8 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    255

    Como mecanismo de restrio a direitos fundamentais, aceitao da

    possibilidade de quebra do sigilo das comunicaes, no ordenamento jurdico

    brasileiro, est condicionada a um perodo de tempo determinado. De acordo com

    Geraldo Prado:

    No h diferena alguma, de ordem prtica ou axiolgica, entre interceptaes telefnicas

    clandestinas, adotadas pelas foras de segurana que serviram s ditaduras militares

    do continente, e interceptaes telefnicas autorizadas judicialmente, executadas por

    perodo significativo e alm (e fora) de qualquer controle real, independentemente da

    inteno daqueles que autorizam e ratificam tais medidas e do seu compromisso real com

    o Estado de Direito. (PRADO, 2006, p. 12).

    Em verdade, constitui tarefa inarredvel da autoridade judiciria o exerccio docontrole sobre a execuo da interceptao telefnica. Deste modo, tendo em conta a proporcionalidade, cabe autoridade judicial, por deciso fundamentada, reiteradamente analisar a permanncia dos motivos que o levaram a deferir a produo desse meio de prova.

    Como j mencionado, a renovao do prazo de execuo da medida, por igual perodo, demanda a comprovao da indispensabilidade da interceptao telefnica como meio de obteno de prova. Utiliza-se, como um dos critrios para a aferio da validade do deferimento de sucessivas prorrogaes, a relevncia desse procedimento para o deslinde de uma ao delituosa complexa, casos em que o esclarecimento dos fatos em apurao demanda um perodo de tempo maior, decorrente de uma atuao investigativa que ultrapassa o agir usual.

    O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, posicionou-se no sentido de ser legtima a prorrogao do prazo para a intercepo telefnica, quando o fato exigir investigao diferenciada e contnua20, estabelecendo, portanto, que a limitao temporal da Lei n 9.296/96 no constitui bice renovao do pedido de interceptao por mais de uma vez se persistirem os pressupostos que o conduziram21. Consideram-se justificadas, portanto, as prorrogaes por perodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem22.

    20 STF, HC 83.515, Rel. Min. Nelson Jobim, Plenrio, DJe de 04.03.2005. Disponvel em: . Acesso em: 1 abr. 2013.

    21 STF, HC 84301, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 24.03.2006. Disponvel em:

    . Acesso em: 1 abr. 2013.

    22 STF, HC 12601, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 04.10.2011, DJe de

    24.03.2006. Disponvel em:. Acesso

    em: 28 out. 2011.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    256

    Nas hipteses de cometimento de delitos de grande complexidade (lavagem

    de dinheiro, trfico de drogas), de difcil comprovao (corrupo ativa e passiva),

    delitos permanentes (sequestro) ou, ainda, crimes praticados em continuidade

    delitiva, a prorrogao do prazo de quinze dias, mesmo que sucessivamente, no

    pode ser considerada, por si s, um ato que viole os ditames do artigo 5, da Lei

    n 9.296/96.Em decises da Primeira Turma do STF, a legitimidade da prorrogao por

    um perodo superior a 30 (trinta) dias (quinze dias mais uma prorrogao) foi reconhecida quando necessria e justificada, circunstancialmente, a utilizao prolongada de mtodos de investigao invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, nos casos de crimes habituais, permanentes ou continuados23.

    Da leitura do inteiro teor dos julgados acima mencionados, pode-se verificar que a justificativa para a ratificao, por parte da Corte Suprema, das inmeras prorrogaes de interceptaes telefnicas foi o reconhecimento da necessidade (subprincpio da proporcionalidade em sentido lato) de se dar prosseguimento s investigaes relativas a crimes de alta complexidade como, por exemplo, os delitos cometidos contra o Sistema Financeiro Nacional. Entendeu o Supremo Tribunal Federal que o meio escolhido era omenos grave dentre os eficazes e disponveis ao fim almejado.

    No diversa a orientao do Superior Tribunal de Justia, intrprete da lei federal. Em sede de Recurso Ordinrio em Habeas Corpus n 25.268, a Sexta Turma daquela Corte Superior considerou razovel a durao, mediante sucessivas renovaes, de um procedimento de interceptao telefnica, que durou cerca de um ano, haja vista terem sido observados o princpio da razoabilidade e a necessidade da medida para a atividade investigatria, comprovada concretamente em deciso fundamentada24.

    Por ocasio do julgamento do Habeas Corpus n 179.956, o mesmo

    colegiado, diante da complexidade da atividade delitiva a ser investigada,

    reconheceu legtimas as diversas e subsequentes autorizaes para a realizao de

    interceptaes telefnicas.

    23 STF, HC 99619, Rel. Min. Marco Aurlio, Rel. p/ Acrdo Min. Rosa Weber, Primeira Turma,

    DJe de 22.03.2012. Disponvel em:.

    Acesso em: 1 abr. 2013.

    24 STJ, RHC 25268, Rel. Min. Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJ/RS), Sexta

    Turma, DJe de 11.04.2012. No mesmo sentido: STJ, HC 235.088/DF, Rel. Ministro Campos Marques

    (desembargador convocado do TJ/PR), Quinta Turma, julgado em 16.04.2013, DJe de 22.04.2013.

    Disponvel em: . Acesso em: 1 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    257

    A Sexta Turma da Corte Suprema considerou suficientemente

    fundamentadas e, em razo desse entendimento, tidas como legtimas as decises

    judiciais que deferiram, reiteradamente, prorrogaes do prazo anteriormente

    concedido. Foram referendadas as manifestaes judiciais que, para deferirem as

    aludidas prorrogaes, reproduziam os fundamentos da deciso anterior, pois se

    entendeu que estava evidenciada a necessidade da medida, diante da continuao

    do quadro de imprescindibilidade da providncia cautelar25. Tal entendimento

    foi, inclusive, referendado pelo rgo Especial daquela Corte26.

    Contudo, em julgamento emblemtico, o Superior Tribunal de Justia,

    contrariando a orientao prevalente, interpretou com maior rigidezas disposies

    da Lei n 9.296/96. Na hiptese em julgamento, estava-se diante da realizao de

    um procedimento de interceptao telefnica que perdurou por mais de dois anos.

    A despeito de seu carter excepcional, no caso em questo a medida restritiva

    havia se tornado rotineira, em flagrante violao do princpio da razoabilidade.

    Nesse julgado, o relator, Min. Nilson Naves, entendeu como razovel, para fins de

    prorrogaode interceptaes telefnicas, o prazo total de 60 (sessenta) diasdesde

    que exaustivamente fundamentada a deciso27. O julgador utilizou esse lapso

    em uma analogia ao perodo de Estado de Defesa (artigo136, 2, da Constituio

    Federal). Esse julgado, restou, de certa forma, isolado perante as mais recentes

    decises do Superior Tribunal de Justia.

    Dada a dificuldade em se estabelecer um parmetro temporal definitivo,

    a legitimidade da interceptao telefnicadecorre da observncia, por parte da

    autoridade judicial que a autoriza, ao princpio da proporcionalidade. Como

    aponta Leandro Cadenas Prado (2009, p. 57), se em contraposio esto o

    direito intimidade e a necessidade de interceptao, no pode o julgador se

    olvidar da relatividade daquele, mormente quando demonstrada a necessidade do

    afastamento do direito em comento para o adequado desenrolar da investigao.

    O debate perpassa, indubitavelmente, pela suficincia dos fundamentos da

    deciso judicial que autoriza a interceptao telefnica. Afinal, segundo Antnio

    Magalhes Gomes Filho, deve-se considerar que:

    25 STJ, HC 179956, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 27.02.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 1 maio 2013.

    26 STJ, APn 536, Rel. Min. Eliana Calmon, Corte Especial, DJe de 04.04.2013. Disponvel em:

    . Acesso em: 1 maio 2013.

    27 STJ, HC 142.045/PR, Rel. Ministro Celso Limongi (desembargador convocado do TJ/SP),Rel. p/

    Acrdo Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 15.04.2010, DJe de 28.06.2010. Disponvel em:

    . Acesso em: 1 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    258

    Como uma espcie de prestao de contas desse modo de atuar, a motivao das decises

    judiciais adquire uma conotao que transcende o mbito prprio do processo para

    situar-se, portanto, no plano mais elevado da poltica, caracterizando-se como um

    instrumento mais adequado ao controle sobre a forma pela qual se exerce a funo

    jurisdicional. (GOMES FILHO, 2001, p. 78-79).

    Faz-se, portanto, necessrio lanar mo do princpio da proporcionalidade

    como referencial para a atividade do intrprete da lei que, diante da necessria

    ponderao de valores, buscar a compatibilizao dos mesmos. Para Luciano

    Feldens, esse princpio,

    sem descurar de seu revestimento normativo porquanto efetivamente se trata de um

    dever de proporcionalidade a sobrepairar a atuao dos poderes pblicos na prospeco

    do interesse coletivo em cotejo com os direitos fundamentais situa-se como ferramenta

    hermenutica incorporada ao processo decisrio com aptido bastante a sindicar uma

    determinada medida assumida para a consecuo de um especfico fim. (FELDENS,

    2005, p. 159-160).

    Como se pode concluir, o parmetro de legitimidade da deciso judicial

    autorizativa da realizao/manuteno da interceptao telefnica a necessidade

    (melhor dizendo, imprescindibilidade) de tal medida em face do caso concreto, a

    qual deve ser o cerne da fundamentao.

    2.3 DA TRANSCRIO DO CONTEDO DOS DILOGOS INTERCEPTADOS

    Por fim, vale ressaltar um aspecto de carter procedimental a degravao

    dos dilogos interceptados. A conversa interceptada deve ser transcrita. Feita a

    diligncia, ser elaborado um auto com resumo do que foi obtido, remetendo-se ao

    juzo a mdia com a gravao relativa ao fato delituoso apurado e sua respectiva

    transcrio. Se houver dvidas sobre a autenticidade do material colhido, a

    prova pericial pode ser deferida pela autoridade judicial28. Posteriormente, ser

    determinado o apensamento aos autos, com a determinao de serem destrudas

    as partes que no forem de interesse ao processo.

    Acerca da necessidade de transcrio integral dos dilogos colhidos,

    a posio predominante nos Tribunais Superiores direciona-se no sentido de

    reconhecer a sua desnecessidade, bastando que se permita s partes o acesso

    28 STJ, HC 189.069, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 10.10.2013. Disponvel em: . Acesso em:22 out. 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    259

    conversao observada29. Contudo, por ocasio do julgamento da AP 508AgR30, o plenrio do Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou provimento ao agravo regimental interposto pelo Ministrio Pblico contra deciso do relator que havia determinado a degravao total da mdia eletrnica referente aos dilogos interceptados durante investigao policial. Nesse caso especfico, a maioria dos julgadores considerou necessria a transcrio total da comunicao interceptada e no apenas a transcrio de trechos da mesma.

    Vale destacar que o entendimento de que dispensvel a transcrio integral dos dilogos est condicionada disponibilizao da mdia correlata para a defesa, em tempo hbil e anterior realizao de audincia, a fim de que no haja prejuzos atuao da mesma defesa31. O Superior Tribunal de Justia j se manifestou no sentido de considerar razovel o prazo de 02 (dois) dias32, no reconhecendo afronta ampla defesa.

    3 A POSTURA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA BRASILEIRO EAS PROPOSTAS DE ALTERAO LEGISLATIVA PLS 156/2009

    O plenrio do Conselho Nacional de Justia (CNJ) aprovou, em setembro de 2008, a Resoluo n59/200833, que regulamentou, no mbito do Poder Judicirio, a aplicao da Lei n 9.296/96.

    A finalidade da norma infralegal foi a de uniformizar as rotinas, visando ao aperfeioamento do procedimento de interceptao no mbito do Poder Judicirio. O prprio texto da Resoluo aponta que sua elaborao decorreu da necessidade de se propiciar ao magistrado uma base para a elaborao de uma deciso com independncia e segurana, alm de garantir a eficcia da instruo processual,

    tornando-a confivel e padronizada em todo o territrio nacional34.

    29 STJ, HC 235.088, Rel. Min. Campos Marques (desembargador convocado do TJ/PR), Quinta Turma, DJe de 22.04.2013; STF, APn 536, Rel. Min. Eliana Calmon, Corte Especial, DJe de 04.04.2013. Disponvel em: . Acesso em: 1 maio 2013. Ver ainda: STF, Inq 2774, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenrio, DJe de 05.09.2011. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    30 STF, AP 508 AgR, Rel. Min. Marco Aurlio, Plenrio, julgado em 07-02-2013. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    31 STF, Inq 2424, Rel. Min. Cezar Peluso, Plenrio, DJe de 25.03.2010. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    32 STJ, RHC 20472, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 09.11.2009. Dispo-

    nvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    33 Disponvel em: . Acesso

    em: 10 maio 2013.

    34 Disponvel em: . Acesso

    em: 10 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    260

    Essa Resoluo fornece as regras que devero ser aplicadas nos

    procedimentos destinados s autorizaes judiciais para escutas telefnicas,

    conforme estabelecido em seu primeiro artigo:

    Art. 1 As rotinas de distribuio, registro e processamento das medidas cautelares de

    carter sigiloso em matria criminal, cujo objeto seja a interceptao de comunicaes

    telefnicas, de sistemas de informtica e telemtica, observaro disciplina prpria, na

    forma do disposto nesta Resoluo.

    Dentre as medidas tomadas, tem-se a exigncia de que os pedidos de

    interceptao encaminhados ao Poder Judicirio estejam em envelopes lacrados,

    sem identificao e que constem a condio de medida sigilosa. Alm disso, os

    ofcios expedidos s operadoras devero ser gerados, via sistema informatizado

    do prprio rgo judicial, contendo a expressa orientao de que no haja

    monitoramento de nmeros que no integrem a deciso judicial autorizativa.

    A Resoluo estabelece que cabe aos juzes informarem, mensalmente, s

    Corregedorias Estaduais e Federais de Justia, a quantidade de escutas autorizadas.

    Esses dados serviro de base para uma anlise estatstica e para o monitoramento

    quantitativo da utilizao desse meio de obteno de prova em nvel nacional.

    A regulamentao prev, ainda, a reduo e a limitao do nmero de

    intermedirios, alm da identificao das pessoas que tiveram acesso s escutas

    autorizadas, medida que refora a preservao do sigilo das informaes obtidas

    e reduz a probabilidade de vazamentos, uma vez que estabelece critrios para a

    manuteno da cadeia de custdia das provas obtidas.

    Observa-se, neste contexto, que o contedo da Resoluo do Conselho

    Nacional de Justia tem forte inspirao na Lei n 8.159/91, que dispe sobre a

    poltica nacional de arquivos pblicos e privados. A retrocitada norma estipula

    o modo de conservao de informaes, bem como a maneira de preservar a

    integridade do meio no qual estas se encontram abrigadas (meio eletrnico ou

    multimdia, na grande maioria). Vale fazer referncia ao artigo 3 do diploma legal

    acima mencionado:

    Art. 3 Considera-se gesto de documentos o conjunto de procedimentos e operaes

    tcnicas sua produo, tramitao, uso, avaliao e arquivamento em fase corrente e

    intermediria, visando a sua eliminao ou recolhimento para guarda permanente.

    Com o advento da Lei n 12.527/200135, especificamente nos artigos 25 e

    35 Disponvel em: .

    Acesso em: 11 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    261

    26, estabeleceu-se como dever do Estado o controle do acesso e da divulgao de

    informaes sigilosas produzidas por seus rgos e entidades, assegurando a sua

    proteo. H, ainda, a determinao de que cabe s autoridades pblicas adotar

    as providncias necessrias para que seus subordinados tomem conhecimento e

    passem a adotar as medidas e procedimentos de segurana exigidos no tratamento

    desse tipo de informao.

    No que concerne ao lapso temporal previsto para o andamento do

    procedimento de interceptao telefnica, a orientao dada pelo CNJ a de que

    o juiz examine, prudentemente, as argumentaes da autoridade solicitante no

    seu expediente postulatrio e, em momento posterior, estipule, de forma expressa

    na sua deciso, o tempo em que a interceptao determinada perdurar, fazendo

    constar, ainda, a vedao expressa da incluso de outros nmeros que no aqueles

    discriminados na deciso.

    O que se percebe que, ao detalhar e regulamentar os procedimentos

    cartoriais, o CNJ pretende garantir a validade da prova colhida por meio da

    interceptao telefnica, buscando reduzir eventuais enganos, fraudes, zelando pela

    eficincia e pela lisura do procedimento. Houve um arranjo organizacional para

    a consolidao e efetivao dessa normativa, propondo-se uma atuao metdica

    e coordenada entre os entes envolvidos na produo da prova. Vale lembrar que

    a efetivao da medida no envolve somente os agentes do Estado, uma vez que

    necessita, tambm, da participao das operadoras de servio de telefonia.

    Embora essa Resoluo tenha sido aprovada pela quase totalidade de

    Conselheiros, houve divergncia do Conselheiro Felipe Locke Cavalcanti36, que

    entendeu que essa norma no resolve o problema das escutas ilegais e que caberia

    exclusivamente ao Congresso Nacional a regulamentao de forma mais ampla e

    profunda.

    As aes do Conselho Nacional de Justia abrangem, inclusive,

    pronunciamentos sobre anteprojetos de lei de interesse do Poder Judicirio, como,

    por exemplo, o projeto de lei que trata de um novo Cdigo de Processo Penal.

    O Projeto de Lei do Senado (PLS) 156/2009, que trata da reforma do

    Cdigo de Processo Penal, abarca o procedimento de interceptao telefnica, cuja

    normatizao atual se d por meio da legislao prpria. No Livro I (Da persecuo

    penal), Captulo III (Dos meios de obteno de prova), Seo III, encontra-se a

    proposta de regramento relativo s interceptaes telefnicas, com regras gerais e

    um rol de atos a serem observados na realizao desse procedimento.

    36 Conforme Ata e Certido de Julgamento. Disponvel em: .

    Acesso em: 11 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    262

    A redao final do artigo 245, do PLS 156/09, traz um regramento de

    carter genrico, que se assemelha descrio do artigo 1, da Lei n 9.296/96.

    J no que diz respeito ao artigo 246 do Projeto37, a inovao que merece

    destaque a incluso de outras categorias at ento no includas no conceito de

    interceptao as escutas e das gravaes, as quais passam a ser submetidas ao

    idntico tratamento jurdico.

    Em se tratando de infraes penais de menor potencial ofensivo, no

    ter cabimento a utilizao desse meio de obteno de prova, excetuadas as

    hipteses em que a prtica delitiva seja realizada exclusivamente por esse meio de

    comunicao38.

    A autoridade competente para apreciar o pedido de interceptao, feito

    por escrito39, ser o juiz de garantias, o qual zelar pela legalidade durante

    o procedimento investigatrio, sendo que os legitimados para requererem a

    autorizao sero o Ministrio Pblico, a defesa e a autoridade policial, ouvido

    o rgo ministerial. Essa proposta de alterao legislativa no deixa margem a

    debates acerca da possibilidade de que o juiz, de ofcio, determine a produo

    dessa prova40, redao precisa que se mostra acertada por estar em conformidade

    com o princpio do contraditrio e o da ampla defesa.

    O juiz de garantias41, figura prevista no artigo 14 do Projeto de Lei, a

    37 Dispe o artigo 246, do Projeto de Reforma do Cdigo de Processo Penal: Art. 246 O sigilo das

    comunicaes telefnicas compreende o contedo de conversas, sons, dados e quaisquer outras informaes

    transmitidas ou recebidas no curso das ligaes telefnicas. 1 Considera-se interceptao das comunicaes

    telefnicas a escuta, gravao, transcrio, decodificao ou qualquer outro procedimento que permita a

    obteno das informaes e dados de que trata o caput deste artigo. 2 Quanto aos registros de dados

    estticos referentes origem, destino, data e durao das ligaes telefnicas, igualmente protegidos por

    sigilo constitucional, observar-se-o as disposies do Captulo III, Seo II, Ttulo VIII, deste Livro.

    Disponvel em: . Acesso

    em: 12 ago. 2013.

    38 Nos termos da redao dada ao artigo 247, do PLS 156/2009. Disponvel em: . Acesso em: 12 ago. 2013.

    39 O pedido verbal exceo.

    40 Possibilidade prevista na Lei n 9.296/96 e objeto de ADI 4112.

    41 Nos termos da Exposio de Motivos elaborada pela Comisso de Juristas: Para a consolidao

    de um modelo orientado pelo princpio acusatrio, a instituio de um juiz de garantias, ou, na terminologia

    escolhida, de um juiz das garantias, era de rigor. Impende salientar que o anteprojeto no se limitou a

    estabelecer um juiz de inquritos, mero gestor da tramitao de inquritos policiais. Foi, no ponto, muito

    alm. O juiz das garantias ser o responsvel pelo exerccio das funes jurisdicionais alusivas tutela

    imediata e direta das inviolabilidades pessoais. A proteo da intimidade, da privacidade e da honra,

    assentada no texto constitucional, exige cuidadoso exame acerca da necessidade de medida cautelar

    autorizativa do tangenciamento de tais direitos individuais. O deslocamento de um rgo da jurisdio com

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

    263

    autoridade com competncia para atuar durante o inqurito policial. Essa figura

    tem sua razo de ser em face da necessidade de se desvincular o magistrado que

    decidir o processo daquele que preside a instruo criminal, tudo isso com a

    finalidade de evitar a contaminao (pr-concepo) do julgador decorrente do

    fato de ter entrado em prvio contato com a prova, ainda na fase pr-processual. A execuo do procedimento de interceptao sofrer fiscalizao direta do

    Ministrio Pblico e, aps seu encerramento, ser o feito remetido autoridade, acompanhado de um Auto Circunstanciado, no qual sero detalhadas todas as operaes realizadas, sendo inutilizado, aps sessenta dias, o material que no interessar ao processo42.

    Em relao ao prazo, contnuo e ininterrupto, de durao da medida, o projeto estabelece um limite de 60 (sessenta) dias, sendo permitidas prorrogaes por igual perodo at limite de 180 (cento e oitenta) dias ininterruptos. As excees legais dizem respeito aos delitos permanentes, enquanto no cessada a permanncia43. Para Rafael Jnior Soares, a proposta anterior de limitar o prazo a 360 (trezentos e sessenta) dias mostrava-se excessiva, uma vez que a medida tem carter excepcional no se justificando sua manuteno por lapso temporal to longo, ante a possibilidade de configurao de verdadeira devassa na vida do cidado, mormente se examinada sob o prisma da proporcionalidade (SOARES, 2012, p. 9). O debate a esse respeito encontra-se apenas iniciado, mas a adoo do limite mximo de 180 (cento e oitenta) dias parece estar em consonncia com as exigncias da proporcionalidade.

    Quanto s condutas exigidas pelas empresas prestadoras de servios, o

    projeto mais amplo do que a atual legislao vigente, pois estabelece determinadas

    funo exclusiva de execuo dessa misso atende a duas estratgias bem definidas, a saber: a) a otimizao

    da atuao jurisdicional criminal, inerente especializao na matria e ao gerenciamento do respectivo

    processo operacional; e b) manter o distanciamento do juiz do processo, responsvel pela deciso de mrito,

    em relao aos elementos de convico produzidos e dirigidos ao rgo da acusao Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    42 Segundo a redao dos artigos 255 e 256 do PLS 156/2009. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    43 Faz-se referncia ao texto integral do dispositivo: Art. 252 O prazo de durao da interceptao

    no poder exceder a 60 (sessenta) dias, permitida sua prorrogao por igual perodo, desde que continuem

    presentes os pressupostos autorizadores da diligncia, at o mximo de 180 (cento e oitenta) dias

    ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto no cessar a permanncia. 1 O prazo

    correr de forma contnua e ininterrupta e ser contado a partir da data do incio da interceptao, devendo

    a prestadora responsvel comunicar imediatamente este fato ao juiz, por escrito. 2 Para cada prorrogao

    ser necessria nova deciso judicial fundamentada, observado o disposto no caput deste artigo. Disponvel

    em: . Acesso em: 12 maio

    2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

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    condutas a serem exigidas dessas empresas44, tais como a disponibilizao gratuita

    de recursos e meios tecnolgicos necessrios interceptao, indicando ao juiz o

    nome do profissional que prestar tal colaborao; a necessidade de ser observado

    o prazo mximo de 24 (vinte e quatro) horas para o efetivo cumprimento da

    diligncia, sob pena de multa e demais sanes cabveis. Outro ponto importante

    o estabelecimento do dever de informar ao juzo qualquer espcie de suspenso,

    alterao (portabilidade, por exemplo) ou cancelamento dos servios em at 24

    (vinte e quatro) horas da cincia desse fato.

    Sobre o acesso a todo o contedo dos dilogos interceptados, aps o

    encerramento da diligncia, o magistrado o remeter ao Ministrio Pblico para

    que se manifeste sobre a necessidade ou no de diligncias complementares em

    10 (dez) dias e, ainda, intimar o investigado ou acusado para que se manifeste,

    fornecendo-lhe cpia identificvel do material produzido exclusivamente em

    relao sua pessoa45.

    J a redao do artigo 26046 adota escrita semelhante Smula Vinculante

    n 14 do Supremo Tribunal Federal47, mas de uma forma mais ampla, pois

    contempla, como regra, a obrigao de que sejam cientificados todos os indivduos

    que tiveram suas comunicaes gravadas, excepcionada a hiptese de o julgador

    reputar necessrio o sigilo desse material em razo da existncia de outras

    investigaes.

    De sua vez, o artigo 250 do Projeto tratou do encontro de provas

    relativas a crime diverso e no conexo ao delito investigado, situao em que

    a autoridade dever remeter ao Ministrio Pblico os documentos necessrios

    44 Cf. artigo 254, do PLS 156/2009. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    45 Cf. artigo 258, do PLS 156/2009.Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    46 Dispe o artigo 260, do Projeto de Reforma do Cdigo de Processo Penal: Finda a instruo

    processual, dar-se- cincia a todas as pessoas que tiveram conversas telefnicas interceptadas, tenham ou

    no sido indiciadas ou denunciadas, salvo se o juiz entender, por deciso fundamentada, que a providncia

    poder prejudicar outras investigaes em curso. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

    47 Eis o teor da Smula Vinculante n 14: direito do defensor, no interesse do representado, ter

    acesso amplo aos elementos de prova que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por

    rgo com competncia de polcia judiciria, digam respeito ao exerccio do direito de defesa. Disponvel em:

    . Acesso em: 12 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

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    para as providncias cabveis48. Essa proposta busca evitar o prosseguimento

    de investigao relativa a crime no incluso na deciso autorizativa e sob a

    superviso de autoridade incompetente para tanto. A esse respeito, seria vlida a

    existncia de uma disposio especfica acerca de investigados detentores de foro

    privilegiado, regramento que auxiliaria, sobremaneira, a mantena da validade

    da prova obtida.

    Em relao ao Projeto de Lei de Reforma do Cdigo de Processo Penal (PLS

    156/2009), o Conselho Nacional de Justia, em sesso plenria realizada em de 17

    de agosto de 2010, aprovou uma Nota Tcnica (NT n 10/2010). As ponderaes

    relacionadas interceptao telefnica constam do item 17, abaixo reproduzido:

    A matria relativa interceptao telefnica at hoje foi objeto de lei prpria (Lei

    9.296/96). Releva ressaltar que a proposta de insero da matria no Projeto de Cdigo de

    Processo Penal, primeiramente, destoa da sistemtica usual, porquanto outras tcnicas

    especiais de investigao como colaborao premiada, ao controlada, captao

    ambiental e infiltrao de agentes so tratados em lei extravagante. Em segundo lugar,

    a proposta deixou de analisar uma lacuna existente quanto disponibilizao comercial

    de criptografia na comunicao telefnica, o que tem se mostrado uma grande barreira

    para a obteno de informaes relevantes para a investigao criminal. Esse ponto,

    bem como o atual desenvolvimento, pela Polcia Federal, de sistema que garantir

    maior segurana e facilitar esse tipo de atividade, deve ser alvo de um grande debate

    na legislao especfica, entre Anatel, empresas de telefonia, fabricantes de aparelhos

    telefnicos, polcia e sociedade civil. Em terceiro plano, cumpre referir que o projeto

    tambm no aborda a imposio de restries comercializao de instrumentos

    tecnolgicos (equipamentos e programas) que digam respeito diretamente a ingerncias

    sobre direitos fundamentais do cidado. Assim, conveniente excluir do projeto

    a regulamentao da interceptao telefnica, relegando o tema a amplo debate em

    legislao extravagante.

    Nota-se que, no obstante os questionamentos do referido Conselho

    contribuam, de forma valiosa, para um aperfeioamento do texto do PLS

    156/2009, h que se frisar que no se tem notcia da existncia de uma discusso

    mais ampla e escorreita sobre o tema. Parece ser tradio no processo legislativo

    brasileiro o menosprezo a debate acerca da irrenuncivel compatibilizao entre

    a admissibilidade do uso de ferramentas tecnolgicas que facilitem a obteno de

    provas em processo penal, a necessidade de uma normatizao mais detalhada dos

    procedimentos a serem desenvolvidos e o direito a um processo justo.

    48 Cf. artigo 250, do PLS 156/2009. Disponvel em: . Acesso em: 12 maio 2013.

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

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    4 CONSIDERAES FINAIS

    Diante de seu contedo decisrio, imprescindvel a motivao doato

    judicial que autoriza a realizao e a prorrogao da interceptao telefnica. A

    indispensabilidade da utilizao desse meio de prova condiciona, pois, sua validade.

    O parmetro de legitimidade da deciso judicial autorizativa da realizao/

    manuteno da interceptao telefnica a necessidade (melhor dizendo,

    imprescindibilidade) objetivamente fundamentadade tal medida em face do caso

    concreto. Em razo disso, persiste a dificuldade de se estabelecer um critrio

    temporal estanque e definitivo.

    Faz-se possvel concluir que o vetor hermenutico adotado tanto pelo Supremo

    Tribunal Federal como pelo Superior Tribunal de Justia para aferir a validade

    dainterceptao telefnica o princpio da proporcionalidade (e seus subprincpios:

    necessidade, adequao e proporcionalidade em sentido estrito)49, acompanhados

    do princpio da motivao das decises judiciais e do princpio da ampla defesa.

    Ao mesmo tempo, os requisitos legais, tais como a existncia de indcios

    de autoria, a imprescindibilidade da medida cautelar como nico meio para

    a demonstrao da materialidade do delito, a observncia competncia da

    autoridade judicial que a defere e a necessidade de se justificar a fixao do prazo

    e de suas prorrogaes, so as condicionantes mais especficas da licitude da prova

    obtida via interceptao telefnica.

    Por derradeiro, verifica-se que a necessidade de inovao/alterao da

    legislao brasileira, direcionada a especificar e explicitar o modo como ser

    realizado esse procedimento, inadivel, mas o debate perpassa, necessariamente,

    pela observncia dos princpios constitucionais penais e processuais penais,

    especialmente o princpio da legalidade, do devido processo legal e da

    inadmissibilidade de provas ilcitas.

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    49 Segundo lio de Ingo Sarlet, a adequao tem o sentido de controle da viabilidade (idoneidade

    tcnica); a necessidade respeita exigncia de opo pelo meio menos restritivo, menos gravoso para o direito

    objeto de restrio, e a proporcionalidade em sentido estrito concerne proporo dos meios utilizados e os

    fins colimados (SARLET, 2010, p. 101).

  • Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 57, p. 245-267, 2013.

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    Recebido: maio 2013

    Aprovado: outubro 2013