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COLEÇÃO DE MAMÍFEROS PLEISTOCÊNICOS DE ÁGUAS DE ARAXÁ, MG, NO MUSEU DE CIÊNCIAS DA TERRA/DNPM-RJ Diogo Jorge de Melo 1 ; Rita de Cássia Tardin Cassab 2 ; Flavia Ventura dos Passos 2 1 Depto. Geologia, UFRJ([email protected]); 2 Depto. Paleontologia, MCTer/DNPM; Abstract. The specimens studied in this work are provenant from Águas de Araxá, Minas Gerais State, Brazil, and pertain to the Pleistocene Mammals Collection of the Museu de Ciências da Terra (MCTer)/Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). The Araxá mammals collection has been started in 1938, when four fossils were registered, having the code DGM 19- M, given by José Ferreira de Andrade Junior, engineer in charge of building Balneário das Águas de Araxá. Today this collection has 145 items in catalogue. It has been identified specimens from Stegomastodon waringi, Xenorhinotherium bahiense and Equus sp. The genus Stegomastodon represents about 91% of the fossil assemblage, fact that allows inferring a herd behaviour to this taxa. The large size and the browser habits of the identified animals also indicate an open environment during the Pleistocene in this region. The achieved results confirm the scientific and historical importance of the MCTer/DNPM`s fossil collection. Palavras-chave: Pleistoceno, Stegomastodon, Araxá 1. Introdução O Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional da Produção Mineral (MCTer/DNPM) possui uma vasta coleção de fósseis iniciada após a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1934. Seu acervo é constituído por exemplares coletados em diversas expedições geológicas feitas pelo país, pelo corpo técnico, por ocasião de suas atividades de campo. Possui também inúmeros fósseis resultantes de doações, que eram sistematicamente enviados para lá, uma vez que se tratava de uma instituição com um núcleo de paleontólogos e geólogos. Há exemplares procedentes de vários locais do Brasil, que hoje já estão encobertos por grandes cidades ou por represas, ou simplesmente provenientes de localidades onde todos os fósseis foram retirados, como é o caso do jazigo fossilífero de Araxá. O Setor de Paleontologia do Museu de Ciências da Terra é o responsável pela manutenção e divulgação desse acervo e tem fornecido material para monografias, dissertações e teses acadêmicas, além do atendimento a pesquisadores de várias partes do Brasil e do mundo. 2. Métodos Foi feito um histórico sobre a coleta e as pesquisas referentes aos mamíferos fósseis procedentes de Araxá, Minas Gerais (Fig. 1), junto com um inventário do material que se encontra no MCTer. As atividades relativas à coleta de fósseis nesta localidade estão publicadas no Relatório Anual do Diretor da Divisão de Geologia e Mineralogia do DNPM, ano de 1944 (Roxo 1947), nos relatórios dos paleontólogos Llewellyn Ivor Price e Rubens da Silva Santos. Todos os exemplares provenientes do jazigo de Araxá, que se encontravam na Coleção de Mamíferos Fósseis, foram analisados. 3. Resultados 3.1. Histórico da coleção de mamíferos Pleistocênicos de Araxá

Abstract. Palavras-chave: 1. Introdução 2. Métodosabequa.org.br/trabalhos/0018_abequamelo.pdf · 2011. 8. 23. · Os fósseis estavam depositados em um caldeirão formado por ação

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Page 1: Abstract. Palavras-chave: 1. Introdução 2. Métodosabequa.org.br/trabalhos/0018_abequamelo.pdf · 2011. 8. 23. · Os fósseis estavam depositados em um caldeirão formado por ação

COLEÇÃO DE MAMÍFEROS PLEISTOCÊNICOS DE ÁGUAS DE ARAXÁ, MG, NO MUSEU DE CIÊNCIAS DA TERRA/DNPM-RJ

Diogo Jorge de Melo1; Rita de Cássia Tardin Cassab2; Flavia Ventura dos Passos2

1Depto. Geologia, UFRJ([email protected]); 2Depto. Paleontologia, MCTer/DNPM;

Abstract. The specimens studied in this work are provenant from Águas de Araxá, Minas Gerais State, Brazil, and pertain to the Pleistocene Mammals Collection of the Museu de Ciências da Terra (MCTer)/Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). The Araxá mammals collection has been started in 1938, when four fossils were registered, having the code DGM 19-M, given by José Ferreira de Andrade Junior, engineer in charge of building Balneário das Águas de Araxá. Today this collection has 145 items in catalogue. It has been identified specimens from Stegomastodon waringi, Xenorhinotherium bahiense and Equus sp. The genus Stegomastodon represents about 91% of the fossil assemblage, fact that allows inferring a herd behaviour to this taxa. The large size and the browser habits of the identified animals also indicate an open environment during the Pleistocene in this region. The achieved results confirm the scientific and historical importance of the MCTer/DNPM`s fossil collection.Palavras-chave: Pleistoceno, Stegomastodon, Araxá

1. Introdução

O Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional da Produção Mineral (MCTer/DNPM) possui uma vasta coleção de fósseis iniciada após a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1934. Seu acervo é constituído por exemplares coletados em diversas expedições geológicas feitas pelo país, pelo corpo técnico, por ocasião de suas atividades de campo. Possui também inúmeros fósseis resultantes de doações, que eram sistematicamente enviados para lá, uma vez que se tratava de uma instituição com um núcleo de paleontólogos e geólogos.

Há exemplares procedentes de vários locais do Brasil, que hoje já estão encobertos por grandes cidades ou por represas, ou simplesmente provenientes de localidades onde todos os fósseis foram retirados, como é o caso do jazigo fossilífero de Araxá. O Setor de Paleontologia do Museu de Ciências da Terra é o responsável pela manutenção e divulgação desse acervo e tem fornecido material para monografias,

dissertações e teses acadêmicas, além do atendimento a pesquisadores de várias partes do Brasil e do mundo.

2. Métodos

Foi feito um histórico sobre a coleta e as pesquisas referentes aos mamíferos fósseis procedentes de Araxá, Minas Gerais (Fig. 1), junto com um inventário do material que se encontra no MCTer. As atividades relativas à coleta de fósseis nesta localidade estão publicadas no Relatório Anual do Diretor da Divisão de Geologia e Mineralogia do DNPM, ano de 1944 (Roxo 1947), nos relatórios dos paleontólogos Llewellyn Ivor Price e Rubens da Silva Santos. Todos os exemplares provenientes do jazigo de Araxá, que se encontravam na Coleção de Mamíferos Fósseis, foram analisados.

3. Resultados

3.1. Histórico da coleção de mamíferos Pleistocênicos de Araxá

Page 2: Abstract. Palavras-chave: 1. Introdução 2. Métodosabequa.org.br/trabalhos/0018_abequamelo.pdf · 2011. 8. 23. · Os fósseis estavam depositados em um caldeirão formado por ação

Os primeiros fósseis provenientes do jazigo de Araxá foram depositados na coleção do MCTer em abril de 1938. Tratavam-se de quatro exemplares de ossos e dentes de mastodontes, que estão atualmente catalogados sob o número DGM 19-M (Fig. 2). Foram doados por José Ferreira de Andrade Junior, que segundo Price (1944), era o engenheiro-chefe das obras de construção do Balneário de Águas do Araxá. Os exemplares foram encontrados no terreno onde estavam sendo feitas as escavações para as fundações da referida construção.

No ano de 1944, foram realizadas duas expedições àquela localidade (Fig. 3). A primeira, no mês de março, que teve como propósito o reconhecimento do jazigo e do material encontrado, e a segunda, iniciou-se em abril, atendendo a uma solicitação do Secretário de Viação do Estado de Minas Gerais ao Diretor da Divisão de Geologia e Mineralogia do DNPM, na época, o geólogo Mathias Gonçalves de Oliveira Roxo. Nesta expedição, que durou até meados de julho, foi realizada a coleta dos fósseis e organizada uma exposição permanente no Balneário de Araxá (Fig. 4). Grande parte dos fósseis desta procedência pertence ao acervo do MCTer/DNPM, servindo de referência científica e participando de sua exposição permanente, com caráter educacional.

Price (1944), identificou representantes de Equus sp. (Fig. 5), Xenorhinotherium bahiense, Eremotherium sp e Stegomastodon waringi (Fig. 6), todos pertencentes a megafauna de mamíferos extintos do Pleistoceno. Das espécies identificadas por Price, apenas o gênero Eremotherium não possui representantes na coleção do MCTer. Os mastodontes eram considerados inicialmente como Cuvieronius, mas após o trabalho de revisão de Simpson e Paula Couto (1957), foram reclassificados como pertencentes ao gênero Haplomastodon e atualmente encontram-se

sob o gênero Stegomastodon (Alberdi et al. 2002). O mesmo ocorreu com as preguiças gigantes, classificadas primeiramente como Megatherium e reclassificadas como Eremotherium por Paula Couto (1979) e também com os representantes de Macrauchenia que foram atribuídos a Xenorhinotherium bahiense por Cartelle e Lessa (1988). Cuvieronius, Macrauchenia e Megatherium não têm representantes no Pleistoceno intertropical do Brasil.

A grande quantidade de exemplares de Stegomastodon waringi na coleção de Araxá, possibilitou que Simpson e Paula Couto (1955 e 1957) realizassem estudos paleobiogeográficos sobre os mastodontes da América do Sul. Com este estudo, ratificou-se mais uma vez, a grande importância da coleção de fósseis do MCTer, que neste caso serviu de referência para os estudos relativos à distribuição deste táxon na América do Sul.

3.2. Aspectos Geológicos do Jazigo Fossilífero

Os fósseis estavam depositados em um caldeirão formado por ação da água fluvial em uma rocha metamórfica, possuindo 6 m de comprimento por 4 m de largura e 1,20 m de profundidade. O sedimento que preenchia o caldeirão era composto por uma mistura de argila, areia e seixo rolado, contendo madeiras e fósseis de mamíferos, proveniente do leito do córrego que drenava aquela antiga parte do vale. Segundo Price (1944), os primeiros sedimentos depositados apresentavam pouca seleção, contendo grandes seixos rolados com até 30 centímetros de diâmetro. Os ossos não mostravam desgaste acentuado pela erosão ou por transporte. Na camada intermediária os sedimentos estão mais selecionados, indicando um decréscimo da atividade fluvial, e os ossos estavam mais fragmentados e desgastados. A camada superficial consistia de sedimentos altamente

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selecionados, arenosos, com abundância de seixos rolados e pequenos fragmentos de ossos muito desgastados. Essa capa foi cimentada por óxido de ferro formando assim um manto de verdadeira canga, segundo o autor, foi o que de certa forma protegeu a ossada. Pelo aspecto com que se apresentam alguns fósseis podemos inferir em qual camada ele estava, por exemplo, o dente ilustrado na figura 2, se encontrava incrustado na canga citada.

4. Discussões

No Catálogo de Mamíferos Fósseis constam 145 lotes, sendo 132 atribuídos a Stegomastodon, cinco ao gênero Equus, três a Xenorhinotherium e cinco a ossos de mamíferos indeterminados, todos provenientes do jazigo de Araxá. O gênero Eremotherium também fazia parte da fauna encontrada, mas não possui representantes na coleção.

A porcentagem de Stegomastodon na coleção é de cerca 91% em relação ao restante dos exemplares lá depositados, o que demonstra uma predominância do gênero. Price (1944) calculou em 98% a ocorrência deste táxon entre os fósseis do jazigo, estimando em torno de 30 a 40 indivíduos, enquanto que Paula Couto (1979) dá uma porcentagem de mais de 90% para o mesmo gênero, mas ambos os paleontólogos não mencionam como foram feitos esses cálculos. Esta grande representatividade de indivíduos de Stegomastodon no jazigo pode indicar a procura pela água rica em sais minerais, a busca de um refúgio nos períodos de clima mais frio durante o Pleistoceno (Price 1944) ou ainda, sugerir um hábito de vida em manada destes animais.

Entre os fosseis há um grande número de dentes preservados, pertencentes a exemplares de diversas idades. Podem estar isolados ou presos às mandíbulas. Os que estão isolados e desgastados indicam perda

dentária em vida, logo, nem todo dente que está representado no jazigo, significa a morte de um animal no local, indicando que esses mastodontes podiam não habitar permanentemente os arredores do jazigo, estando apenas de passagem. A ampla distribuição geográfica desses animais aponta para um hábito migratório do grupo, comparado aos dos elefantes africanos atuais.

A presença de outro dado paleoambiental é a afinidade dos táxons da megafauna a ambientes abertos, inferido principalmente pelo seu grande porte e hábito pastador (Paula Couto 1979, Ranzi 2000).

5. Conclusões

Os mastodontes encontrados no jazigo de Araxá provavelmente viviam em manadas e estavam de passagem pelo local. A grande quantidade de indivíduos e a ampla distribuição geográfica desses animais apontam para um hábito migratório do grupo.

A presença de animais de grande porte e de hábito pastador, como os representantes de Stegomastodon, Equus, Xenorhinotherium e Eremotherium indicam a existência de um ambiente aberto durante o Pleistoceno, com vegetação de campo, para os arredores de Águas de Araxá.

O resgate de informações sobre a Paleontologia do jazigo fóssil de Águas de Araxá, a partir da Coleção de Mamíferos Fósseis do MCTer, só foi possível pela organização e conservação de seu acervo, demonstrando a importância da manutenção desse patrimônio para estudos futuros.

6. Referências

ALBERDI MT, PRADO JL e CARTELLE C, 2002. El registro de Stegomastodon (Mammalia, Gomphotheriidae) en el

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Pleistoceno Superior de Brasil. Rev. Españ Paleonto, 17: 217-235.

CARTELLE C e LESSA G, 1988. Descrição de um novo gênero de Maucraucheniidae (Mammalia, Litopterna) do Pleistoceno do Brasil. Paula-Coutiana, 3:3-26.

PAULA COUTO C, 1979. Tratado de Paleomastozoologia. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro: 590p.

PRICE LI, 1944. O Depósito de Vertebrados Pleistocênicos de Águas do Araxá (Minas Gerais). An. Acad. Bras. Cienc., 16: 193-196.

RANZI A, 2000. Paleoecologia da Amazônia: Megafauna do Pleistoceno. Editora da UFSC, Florianópolis: 101p.

ROXO MGO, 1947. Relatório Anual do Diretor: Ano de 1944, DGM/DNPM, Rio de Janeiro: 120p.

SIMPSON GG & PAULA-COUTO C, 1955. Os mastodontes do Brasil. An. Acad. Bras. Cienc., Resumo das Comunicações, 27: 8p.

SIMPSON GG. & PAULA COUTO C, 1957. The mastodons of Brazil. Bull. Amer Mus Nat Hist 112(2): 189p.

Fig. 1. Grande Hotel de Araxá, construído no local do jazigo fossilífero.

Fig. 2. Fragmentos de vértebras, costela e dente de mastodontes. DGM 19-M.

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Fig. 3. Alguns dos fósseis encontrados em Araxá, 1944 (acervo fotográfico do MCTer/DNPM).

Fig. 4. Exposição dos fósseis no balneário de Araxá (Simpsom e Paula Couto, 1957).

Fig. 5. Ossos atribuídos a Equus sp. (DGM 791-M, 790-M e 789-M).

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Fig. 6. Reconstrução do crânio de Stegomastodon waringi, em exposição no MCTer/DNPM. A mandíbula, a maxila e a presa são originais.