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A LiNGUA PORTUGUESA EM PERSPECTIV A HISTORICA DO PORTUGuES EUROPEU PARA 0 PORTUGuES BRASILEIRO: ALGUMAS QUESTOES ABSTRACT: This text deals with some historical problems of the Portuguese language. Returning the historical-diachronic studies, old questions are nowadays in the scene of Portuguese Historical Linguistics. Here we select six of them to discussion: three of them referring to European P0I1uguese and the others referring to Brazilian Portuguese. KEY WORDS: Historical linguistics; History of Portuguese Language; Philology; Socio-historical Linguistics. 1 Introdul;80: um breve 01har para os estudos hist6ricos do passado sobre a lingua portuguesa o objetivo desta conferencia e apresentar algumas questoes que estao hoje na pauta dos estudos hist6rico-diacr6nicos sobre a lingua portuguesa, tanto de brasileiros como de portugueses. Antes, contudo, de entrar nas questoes por mim relacionadas, lanl;arei um breve olhar sobre 0 passado desses estudos sobre 0 portugues, que foram 0 centro da pesquisa filo16gico-lingtiistica dominante ate a decada de sessenta de nosso seculo, tanto em Portugal como no Brasil. Esse olhar reveste um ponto de vista, de que estou convicta, e que vi, elegantemente fonnulado por David Lightfoot no seu recente livro. Na minha tradul;80 e 0 seguinte: "A ciencia e 0 mais· cooperativo dos empreendimentos, e nada e inteiramente novo" (1999: XI) Quando entao se trata de lingtiistica hist6rico-diacr6nica, essa afirmativa adquire maior forl;a, porque sabemos que a Lingiiistica nasce e se sedimenta, no seculo XIX, como Lingiiistica Historica. Sabemos todos que, no Brasil e um pouco depois em Portugal, entra para ficar, nos estudos linguisticos, com 0 atraso de algumas decadas, a chamada Lingiiistica Moderna, que reorienta esses estudos para 0 sincr6nico e para as abstral;oes do sistema/estrutura e, em seguida, da grammar, no sentido chomskiano. A tradil;ao de estudos lingiiisticos historicos fican\ mt sombra, mas retomara algum lugar ao sol de forma renovada, aqui no Bresil e dirh ql!e um ponco depois em Portugal, a partir da decada de oitenta. Como nesta Conferencia yOU me centrar em questoes historico-diacr6nicas na cena atual tanto da Lingtiistica Historica brasileira como portl.lguesa, gostaria de relembrar, em rapidos tra<;os, 0 rico legado informativo que os estudos historicos

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A LiNGUA PORTUGUESA EM PERSPECTIV A HISTORICADO PORTUGuES EUROPEU PARA 0 PORTUGuES BRASILEIRO: ALGUMAS

QUESTOES

ABSTRACT: This text deals with some historical problems of the Portuguese language.Returning the historical-diachronic studies, old questions are nowadays in the scene ofPortuguese Historical Linguistics. Here we select six of them to discussion: three ofthem referring to European P0I1uguese and the others referring to BrazilianPortuguese.

KEY WORDS: Historical linguistics; History of Portuguese Language; Philology;Socio-historical Linguistics.

1 Introdul;80: um breve 01har para os estudos hist6ricos do passado sobre a linguaportuguesa

o objetivo desta conferencia e apresentar algumas questoes que estao hoje napauta dos estudos hist6rico-diacr6nicos sobre a lingua portuguesa, tanto de brasileiroscomo de portugueses. Antes, contudo, de entrar nas questoes por mim relacionadas,lanl;arei um breve olhar sobre 0 passado desses estudos sobre 0 portugues, que foram 0centro da pesquisa filo16gico-lingtiistica dominante ate a decada de sessenta de nossoseculo, tanto em Portugal como no Brasil. Esse olhar reveste um ponto de vista, de queestou convicta, e que vi, elegantemente fonnulado por David Lightfoot no seu recentelivro. Na minha tradul;80 e 0 seguinte:

"A ciencia e 0 mais· cooperativo dos empreendimentos, e nada einteiramente novo" (1999: XI)

Quando entao se trata de lingtiistica hist6rico-diacr6nica, essa afirmativa adquire maiorforl;a, porque sabemos que a Lingiiistica nasce e se sedimenta, no seculo XIX, comoLingiiistica Historica.

Sabemos todos que, no Brasil e um pouco depois em Portugal, entra para ficar,nos estudos linguisticos, com 0 atraso de algumas decadas, a chamada LingiiisticaModerna, que reorienta esses estudos para 0 sincr6nico e para as abstral;oes dosistema/estrutura e, em seguida, da grammar, no sentido chomskiano. A tradil;ao deestudos lingiiisticos historicos fican\ mt sombra, mas retomara algum lugar ao sol deforma renovada, aqui no Bresil e dirh ql!e um ponco depois em Portugal, a partir dadecada de oitenta.

Como nesta Conferencia yOU me centrar em questoes historico-diacr6nicas nacena atual tanto da Lingtiistica Historica brasileira como portl.lguesa, gostaria derelembrar, em rapidos tra<;os, 0 rico legado informativo que os estudos historicos

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passados nos deixaram, para nao termos a pretensao de que estamos descobrindo ap6lvora ou 0 caminho maritimo para as Indias.

Seguindo modelos sobretudo alemaes e franceses, a tradieao de estudos queyOU designar de hist6rico-jilol6gicos no ambito da lingua portuguesa foi muito forte emuito rica, tanto em Portugal como no Brasil. Costumamos, por efeitos de nossaformaello academica p6s-sessenta, ignoni-Ia como ultrapassada teoricamente - e isso defato ocorre, como alias nao poderia deixar de ser - mas nllo devemos ignoni-Ia, se hojesomos dos que trabalham no campo da Lingliistica Hist6rica, porque recobre essatradieao informaeoes e dados de que, a meu ver, devemos estar conscientes, para naosermos inocentes ao pensarmos que estamos sendo novos, quando muito ja tinha sidovisto e dito sobre 0 passado da lingua portuguesa.

De maneira esquematica, poderia dizer que, herdeiros dos estudosnovecentistas sobre as linguas germanicas e romanicas, os estudos hist6ricos dopoqugues realizados na primeira metade do seculo vinte seguia duas orientaeoesconjugadas que, em designaello atual, envolviam a variaeao sincronica e a mudanea notempo real de longa duraello. Produtos atuais dessas duas orientaeoes conjugadas foramo que se designava de estudos filo16gicos no seu sentido amplo, ou seja, estudos de fatoslingliisticos documentados nos textos do passado e de fatos lingliisticos documentadosnos dialetos regionais em uso em areas.conservadoras no espaeo geognifico das linguasnacionais, politicamente delimitadas. Assim esses estudos filo16gicosabarcavam nllo s6a Filologia, ou seja, 0 estudo do texto escrito, como a Dialectologia, 0 estudo sobre osfalares rurais, embrionaria ja na segunda metade do seculo XIX.

No ambito da lingua portuguesa, sem duvida, 0 primeiro a conjugar em suapesquisa essas duas orientacoes - alem de ter sido pelo menos arque610goe etn6grafo -foi Jose Leite de Vasconcellos. Seguindo essa tradiCllO,vemos como exemplo estelares,ja nos meados deste seculo, Serafim da Silva Neto, no Brasil, que na sua obra conjuga 0estudo filol6gico propriamente dito, ou seja, a pesquisa sobre textos do passado, 80estudo da Dialectologia. Lembremos que parte dele 0 grande incentivo para os estudosdialecto16gieos no Brasil e a primeira proposta para urn Atlas LingOistico que eobrissenosso territ6rio naeiona!' Em Portugal, dos meados do seculo a 1990, a grande figuraintelectual e a grande obra de Luis Filipe Lindley Cintra e, a meu ver, a que melhorilustra essa tradiCilo.Lembro que seu ultimo trabalho, de 1990, e urn minucioso estudoftlo16gico-lingOistieoda Noticia de lorto, dos primeiros textos escritos em portugues eate a sua morte, eoordena 0 atlas LingOistieode Portugal, em elaboracilo no Centro deLingtUstieade Lisboa.

Nesse tempo em que, no dizer de Ivo Castro (1995: 552), todos se reconheciame se identificavam como fi16logos, houve aqueles que selecionavam urna dasorientacOes referidas ou a do estudo lingOistico,pre-estruturalista, e clart>,dos textos ouos estudos dos usos dialetais regionais falados. Nesse ultimo caso, ereio que nilo erro, sedisser que, em Portugal, se destaca, fundamentabnente, como dialet610go Manoel dePaiva Boleo, e, no Brasil, Antenor Nascentes e Amadeu Amaral, com os classieos 0/inguajar carioca e 0 dialeto caipira, ambos dos anos vinte.

Como produto final da pesquisa em dados dos textos do passado, marca aprimeira metade de nosso seculo, tanto em Portugal como no Brasil, 0 conjunto daschamadas Gramaticas hist6ricas, de orientacilo neogramatica, que se publiearam sobre

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o portugues nas decadas de 20 a 40. 0 rol dessas obras esta apresentado no beminformado trabalho de Joao Alves Penha (1997), apresentado ao XII Congresso daAssocia'tao Portuguesa de Lingiiistica. Delas sao, certamente, as mais conhecidas as deJose Joaquim Nunes de 1919, a de Said Ali de 1931, a de Ismael Lima Coutinho e a deEdwin Williams de 1938 e tambem a Sintaxe historica de Epiphanio Dias de 1918 que,diferentemente das Gramaticas historicas, que se centram na fonetica historica e namorfologia historica, aborda, exclusivamente, a sintaxe, aspecto da estrutura a que niiofoi dada prioridade nessa epoca dos estudos de tradi'tao historico-filologica.

A par desses estudos, foram realizadas tambem historias da lingua portuguesa,que em outro trabalho (1998) tive oportunidade de enumerar e brevemente avaliar.Nenhuma delas, entretanto, substituiu ainda a de Serafim da Silva Neto, que comec;ouaser publicada em fasciculos em 1952, que se centra, contudo, do perfodo romanico parao medieval, perfodo em que, alias, se concentraram a maioria dos trabalhos historicossobre a lingua portuguesa, ficando ainda por fazer, como bem assinala Ivo Castro, noseu trabalho Para uma historia do portugues classico (1996: 135-190), a historia doportugues dos seculos XVI ao XIX.

Essa tradi'tao rica de estudos filologicos, que em rapidos tra'tos delineei,contudo nos deixou apenas raros estudos verticais sobre aspectos lingiiisticosespecificos, diferentemente do que aconteceu com outras linguas, como, por exemplo, 0ingles e 0 frances, estudos esses que hoje ainda sAc inesgotaveis fontes de dados parainterpretac;Oesde acordo com as teorias mais recentes.

Com 0 retorno aos estudos hist6rico-diacr6nicos no Brasil, na decada deoitenta, como tenho tido a oportunidade de assinalar em trabalhos anteriores (cf., porexemplo, 1988e 1997), os novos historiadores e diacronistas, tendo que se voltar aosdocumentos do passado, tern tido de se fazerem fil610gos,ou de buscarem a companhiade fil610gos, para levantarem os dados de que precisam para suas interpretac;Oeste6ricas, ja que a sua formac;i\oacademica em geral tern sido, a partir dos anos sessenta,estritamente lingiiistica.

o retorno it lingiiistica Hist6rica no Brasil tern se feito, como sabemos,sobretudo a partir da implementac;Aoaqui da teoria da variac;iioe mudanc;alaboviana eda teorfa parametrica chomskiana de inicios dos anos oitenta. Mas, como tenhoargumentado em outras oportunidades (cf., por exemplo, 1997 e 1998), considero quefoi 0 grande avan<;orealizado pelas pesquisas sobre 0 portugues brasileiro em uso hojeque tern principalmente motivado a volta para 0 passado, a fun de melhor interpretar 0presente. Assim os estudos hist6rico-diacronicos no Brasil vem se centrando na buscada hist6ria do portugues brasileiro, questiio em que me fixarei na terceira parte destetrabalho.

Em Portugal, embora a Lingiiistica Moderna comece a avanc;ar nos anossetenta, sobretudo na orientac;i\ogerativista, tendo it frente, sem duvida, a lideranc;adeMaria Helena· Mateus, a tradiC;Aofilologica continuol! e continua forte, porq1.1etevepresente e atuante, ate 1990, Lindley Cintra. Apesar disso, a Associac;iioPortuguesa deLingiiistica, criada em 1986, programa a Lingl.1isticaHistorica, como centro tematico deseus encontros semestrais, sO em 1996 no seu XII Encontro. Na minha avaliac;aoconsidero que hoje os estudos historico-diacronicos tern mais evidencia na Lingiiisticano Brasil, pelas motivac;Oesacima expostas, que na Lingiiistica em Portugal.

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Finalizo por aqui esse percurso sobre 0 passado dos estudos historicos sobre 0portugues, para me centrar em seis questoes de caniter historico sobre a linguaportuguesa que selecionei, por considera-las relevantes, ficando obvio que nessa sele~aoesta envolvida nao so a minha subjetividade como 0 ambito do conhecimento de quedisponho sobre os estudos historico-diacronicos atuais referentes a lingua portuguesa.No vies da minha especialidade, seguirei a linha do tempo e partirei de questoes maisremotas do passado da lingua portuguesa para, em seguida, me deter nas questoes queselecionei relativas ao portugues brasileiro numa perspectiva historica.

Essa questao, sem duvida, reabriu-se na cena da Lingiiistica Historica, nadecada de setenta e, logo de saida, ressalta-se a figura do grande filologo-lingiiistagalego Ramon Lorenzo. Ate entao 0 periodo formativo galego-portugues tinha sidotratado sobretudo por filologos portugueses e brasileiros. Nos anos oitenta, com a quedado franquismo, a busca da autonomia e identidade do povo e da lingua galega, noconjunto hispanico, desencadeou urn rico processo, que perdura, de busca deconhecimento da lingua galega de suas origens ao presente. Essa questao certamenterecobre problemas socio-historicos, politicos e intralingiiisticos.

T000 0 passado do noroeste da Peninsula Iberica, do oeste cantabrico ao suI doDouro, acima de Aveiro, e pelo leste por terras depois leonesas, levaria a uma situa~aopropicia a forma~ao de um espa~o lingiiistico com certa unidade, quando comparado asoutras areas hispanicas. Em rapido esbo~o, sinalizo que por la estiveram os mesmossubstratos pre-rornanos; no periodo romano, a Gallaecia, numa das provincias hispano-rornanas, cobria aproximadamente essa area geogrlifica; dos germanicos na PeninsulaIberica, os suevos so ali se localizaram, depois dominados pelos visigodos na suaexpansao; os mu~ulmanos nao alcan~aram essa area iberica. Tudo isso que abrange umpassado plurissecular, configura uma certa unidade original lingiiistico-eultural it areagalaica.

Sem duvida, no flDl do seculo XI - 1096 - se inicia um destino politicodiferenciado para a area que tern 0 rio Minho e a raia seca transmontana como limite, doque vitia a ser Galicia e Portugal e, conseqQentemente, galego e portugues. A partir dequando se poderli falar de galego e portugues como linguas distintas? E esta a questaoem que neste ponto me centro.

Antes porem pergunto: sera que e possivel definir linguas sem considerarfatores de natureza historico-politicos? Tudo indica que nao. Nesse aspecto Chomskyesta, a meu ver, no caminho certo, quando defende que lingua e um conceito,fundamentalmente politico, que extrapola 0 ambito propriamente lingiiistico, dai seconcentrar nas grammars que subjazem as linguas. Se pensarmos em termosestritamente lingiiisticos, para tentar definir 0 momenta em que 0 galego e 0 portuguescome~am a divergir, faz-se necessario que se explore a documenta~ao rnais recuada, doseculo XIII aos meados do XIV escrita na area galega e na area portuguesa, para tentarrastrear nela quando se evidenciam gramaticas, no sentido chomskian<?,distintas.

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Em breves tra~os, descreverei como essa questao tern sido tratada nos estudosfilol6gicos tradicionais e como vem sendo tratada da decada de setenta para ca.

A designa~ao dos inicios do seculo xx, partida dos estudos filol6gicosportugueses, aponta para a unidade galego-portuguesa na documenta~ao remanescente,nos limites seculares antes referidos. Essa designa~ao generica se estabeleceu comodominante na filologia portuguesa e s6 veio a ser contestada, pelo que sei, a partir dasnovas orienta~oes politico-linguisticas, antes referidas. Recolocou-se em cena a questaoda unidade ou nao do galego e do portugues no periodo hist6rico referido, partindoagora da filologia e linguistica galegas.

Manuel Souto Cabo em trabalho de 1988 - A variante lingiiistica galega sob aperspectiva da filologia luso-brasileira - levanta doze autores portugueses e brasileirosdeste seculo que se dividem entre os que acentuam 0 quase igual para defender aunidade ou 0 um tanto diferente para defender a diferen~a.

Da decada de setenta para ca, as duas posi~oes se encontram em fil61ogos elingliistas galegos. Urn exemplo ilustrativo e muito significativo, a meu ver, e 0 deRamon Lorenzo; em artigo de 1975 - Gallego y portugues: algumas semejanzas ydiferencias - defende a unidade original galego-portuguesa. Em 1985, no seu estudolingliistico da Cr6nica troiana, escrita na Galicia na primeira metade do seculo XIV,defende a diferen~a na primitiva documenta~ao escrita nessas areas. No estudo de 1975,aponta para a necessidade de estudos sistematicos e comparativos entre a documenta~aorecuada remanescente.

Clarinda de Azevedo Maia, linguista de Coimbra, no seu grande livro de 1986- Historia do galego-portugues. Estudo lingiiistico do galego e do noroeste de Portugaldesde 0 seculo XIII ao XIV- segue a proposta de Ramon Lorenzo e analisa 186documentos nao-litemnos escritos na Galicia e no noroeste portugues entre aquelesseculos com 0 objetivo de chegar sobre a questao a conclusoes fundadas na objetividadeda analise grlifico-fOnica,fonol6gica e m6rfica. Mostra a Autora nos documentos maisrecuados uma unidade lingliistica essencial; mostra ainda com 0 correr dos seculos apenetra~ao das caracteristicas do castelhano no galego e indica que, para que se defina adiferencia~ao, se faz necesslirio que estudo semelhante seja feito em documenta~aoanaloga e contemporanea, escrita na area portuguesa centro-meridional, a fun de que setenha outro termo de controle em rela~ao ao queencontrou ao norte e ao suI do Minho.

Na realidade, tirante a castelhaniza~ao crescente no galego, que 0 levou a ser alingua da casa e· do campo, e 0 castelhano a lingua escrita da Galicia, ressurgindo 0

.galego na escrita por movimentos literlirio-cuIturaise politicos 56 no secuIo XIX, comosabemos, as diferen~as minuciosamente analisadas por Clarinda Maia na sua importantepesquisa poderiam configurar varia~oes dialetais diat6picas pr6prias a heterogeneidadenatural a qualquer lingua hist6rica.

Dispondo-se hoje de uma teoria capaz de definir limites nao de linguas, mas degmmaticas, fundada na analise da sintaxe, ha que analisar essa documenta~ao recuada

. no tempo - a de alem Minho e a de aquem Minho e ainda a documenta~Aoaquelascontemporanea escrita ao suI do Douro, para se chegar a alguma possivel conclusaosobre essa questao. Nessa dire~ao vem desenvolvendo urn projeto - Sintaxe comparadade documentos escritos na Galicia e em Portugal nos seculos XIII e XIV - no ambito doPrograma para a historia da lingua portuguesa (PROHPOR) a gerativista baiana Ilza

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Ribeiro, a fim de. verificar se nesses documentos estao representadas mais de umagramatica. Em breve futuro, esperamos, algo de novo haverli na cena sobre a questaoneste ponto delineada.2.2 Sobre a primitiva producao documental em portugues

A questao da substituic;:aoprogressiva do latim pelas linguas romanicas nadocumentac;:aomedieval nao s6 interessa aos historiadores de uma maneira geral, comoaos fil610gose aos que fazem sociolingiiistica hist6rica, mais ainda aos historiadores daslinguas, pois fomece, nesse ultimo caso, dados empiricos para alicercar a delimitacao daperiodizacao dos estagios mais remotos das linguas romanicas. Assim sendo, adefinic;:aodo momento em que a lingua portuguesa aparece escrita indica 0 limite inicialdo primeiro periodo hist6rico do portugues - hist6rico no sentido de documentado pelaescrita - 0 chamado periodo arcaico.

Sabe-se que, na Ultimadecada do seculo XIII, 0 rei d. Dinis legaliza a linguaportuguesa como lingua oficial do reino de Portugal, seguindo tambem nisso 0 modelode seu avo, Afonso X de Leao e Castela, que no seu reinado iniciado em 1252, institui 0vemaculo castelhano como lingua oficial de seu reino. Sabe-se tambem que, apesar de 0portugues s6 ter sido oficializado no tempo de d. Dinis, ja, a partir de 1255, nachancelaria do rei Afonso III de Portugal, a par do latim ja se usava 0 portugues nosdiplomas oficiais. Esse periodo de 1255 e a institucionalizac;:aodo portugues comolingua escrita oficial e 0 que Ana Maria Martins, nos seus trabalhos de 1998 e 1999,considera a Segunda fase da primitiva produ~iio documental em portugues. Aqui, YOU

me centrar, na primeira fase dessa primitiva documentacao, portanto anterior a 1255,que, nestes anos noventa, comeca a ser revista sobretudo pela referida lingiiista efi1610ga,seguindo inferencias e sugestoes tanto de Lindley Cintra (1963:45) como deIvo Castro (1991: 183).

Em 1961, em co16quio sobre os mais antigos textos romanicos nao-literlirios,realizado em Estrasburgo, Lindley Cintra (1963) toma publicas pesquisas que vinharealizando sobre os antigos textos em portugues, juntamente com 0 pale6grafo Ruy deAzevedo, que demonstraram que, entre os textos, que a tradic;:aofilo16gica, desde oscome~os do seculo XX, indicava como os mais antigos - 0 Testamento de ElviraSanches e 0 Auto das Partilhas - eram dosfins do seculo XIII, mantendo-se como osprimeiros documentos, 0 Testamento de Afonso II, escrito na Chancelaria desse rei e aNoticia de tarto, provavel rascunho .deum documento privado. 0 Testamento datado de1214 e a Noticia, situavel, pelos fatos narrados, relacionadosa familias historicamenteidentificadas, entre 1210 e 1216.

Ao trabalho do fil610go e pale6grafo antes nomeados, juntou-se depois 0trabalho do historiador medievalista Pe. Jose Avelino da Costa (1979). Confirma osachados dos outros e ainda inclui urn elemento novo que se refere a mais uma das trezec6pias do Testamento de Afonso II, encontrada no arquivo da diocese de Toledo, nadecada de sessenta,ja que, desde 0 seculo XIX ate entao s6 se conhecia uma, a que estano Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa. Desde entao, ate os dias quecorrem, os representantes incontestaveis conhecidos da primeira Jase da primitivadocumentac;:aoem portugues sao, portanto, as duas c6pias do Testamento de Afonso II ea Noticia de Torto.

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Tanto Lindley Cintra, desde a decada de sessenta, como Ivo Castro, no seuCurso de historia da lingua portuguesa (1911) deixam, contudo, claro que essesdocumentos nao teriam sido os Unicosdessa primeira fase. 0 Testamento por nllo poderser, devido it estabilidade de sua escrita, apesar da variabilidade entre as duas c6piasremanescentes e a Noticia, por ser uma pista, um indicio de que 0 que levou a que fosseanotada em portugues, teria levado tambem a que outros documentos da mesmanatureza existissem nos fundos dos arqliivos portugueses.

Ate 0 momento, nenhum outro documento oficial foi encontrado, entre as duasc6pias do Testamento de 1214 e os documentos em portugues da Chancelaria de AfonsoIII, a partir de 1255, sendo assim, realmente, 0 referido Testamento um documentotemporao, explicavel por razoes da hist6ria de vida de Afonso II. Contudo, pesquisasmuito recentes, conduzidas sobretudo por Ana Maria Martins, ate 0 momento apenasnos fundos conventuais arquivados na Torre do Tombo, para surpresa da Autora, comoela confessa em seu artigo deste ano, alguns documentos assemelhados it Noticia detorto tem sido encontrado e ja compoem um corpus, embora ainda restrito, de menos devinte documentos, que a Autora situa entre 1175 e 1255, momento em que come~a aSegunda fase referida. Esses documentos na sua classifica~ao sao de scriptaconservadora, como a Noticia de torto diferentemente do Testamento de Afonso II, queclassifica como de scripta inovadora. Compoem eles um conjunto de textos de naturezajuridica categorizados comofintos ou rois, noticias e testamentos (Martins 1997:7).

Para Ana Maria Martins, a fronteira entre textos latino-romances e textosromances de scripta conservadora, produzidos em Portugal, nao deve ser tra~ada numabase meramente quantitativa, parecendo-Ihe ser caracteristica essencial dessesdocumentos da primitiva produ~llo em portugues, por oposi~llo aos documentos latino-romances

"0 abandono efetivo ou tendencial das marcas de uma morfologia latina"(1999: 8)

Vale dizer que os documentos latino-romances em Portugal a que secontrapoem esses primeiros documentos de scrpita conservadora vem sendo tambempesquisados por outro jovem fil6logo e lingOistaportugues, Antonio Emiliano que, nasua tese de doutoramento, se dedicou a lingua notarial latino-bracarense (1997). Semconhecer esse lado latino-romance da questllo, do teria podido Ana Maria Martinscontrapor os documentos que encontrou em sua pesquisa e defini-Ios com clareza quenllo sllo mais escritos em latim, mas representam uma scripta conservadora, latinizanteda lingua portuguesa.

Com esse filllo recentemente reaberto, 0 estado da questAo que neste pontofocalizei, permite ja afmnar que, a par da Noticia de torto, outros documentos privadosa ela assemelhados, seus contempoIineos, um pouco anteriores e posteriores, mas todosprecedendo 1255, compOem a primeira fase da primitiva produ~iJo documental emportugues e que a data para esse tipo de texto recua para as Ultimas decadas do seculoxn.

Para fmalizar esse t6pico informo que, tamoom do lado galego, esta-se a buscardocumentos escritos na Galicia, em vemaculo, nessa primeira fase da primitiva

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produ9ao documental no ocidente peninsular, anteriores, portanto anterior aos meadosde 1255, veja-se, por exemplo, 0 trabalho de TatoPlaza (1997), jovem fil610go elingUistagalego, apresentado ao XII Encontro da Associa9ao Portuguesa de Lingiiistica.

E certo que 0 chamado periodo arcaico, antigo ou medieval, prefrro a primeiradesigna9ao por consideni-la mais definidora, apresenta um conjunto de caracteristicaslingiiisticas, representadas na documenta9ao escrita remanescente, que fundamenta aoposi9ao entre 0 portugues arcaico e 0 modemo, para outros designado como cllissico.A questao em que neste ponto me yOU centrar e uma velha questiio, mas ainda, a meuver, nao resolvida, que recobre a defmi9ao de quando essas caracteristicas que tipificamo periodo arcaico deixam de ocorrer na documenta9ao escrita.

Todos sabemos que, na Hist6ria do mundo ocidental, sao considerados temposmodemos aqueles que se iniciam na passagem do seculo xv para 0 XVI. No caso daPeninsula Iberica e, muito especialmente no caso portugues, sem duvida, 1498 e 1500sao inicios de novos tempos, s6 entao se cumpria 0 antigo projeto de inicios do seculoXV, com a vit6ria sobre a rota maritima para as indias e com 0 vitorioso dominio danavega9ao no Atlantico Sul e consequente chegada ao futuro Brasil. sera entaoadequado dizer que 0 portugues arcaico acaba ao acabar 0 seculo XV?

Sabemos tambem que a hist6ria das linguas nao acompanham a par e passo ahist6ria s6cio-politica das sociedades que usam essas linguas. Seus ritmos sao distintos.Se urn evento hist6rico significativo pode ser tomado como um marco delimitador deum periodo hist6rico para a hist6ria de uma sociedade, a lingua dessa sociedadecontinuara 0 seu ritmo constitutivo e pode disso softer 0 efeito com 0 passar do tempo.

Decorre desse desemparelhamento entre a hist6ria da sociedade e a hist6ria dalingua dessa sociedade 0 fato de nao encontrarmos consenso, nos estudos pertinentes, nadelimita9ao dos finais do periodo arcaico e dos inicios do periodo modemo da linguaportuguesa.

Em trabalho anterior, publicado em 1994 na Revista D.E.L.T.A., reuni dadosde trabalhos de doze especialistas, fi1610gosda antiga tradi9ao e lingiiistas nossoscontemporaneos sobre essa delimita9ao e neles encontrei desde aqueles que situam 0

fim do periodo arcaico como sendo 1500 (Carolina Micha~lis de Vasconcelos, Serafunda Silva Neto, Amini Hauy) ate 1572, data da publica9ao de Os Lusiadas (pauloTeyssier, que considera de 1350 a 1572 0 periodo de forma~iio do portugues classico).Entre essas datas, ha os que selecionam 1536 e 1540 - siio a maioria - datas doaparecimento das primeiras reflexoes metalingiiisticas sobre 0 portugues e do inicio dasua normativiza9ao explicita, como marco do fim do periodo arcaico (Leite deVasconcellos, Said Ali, Lima Coutinho, Mattoso CAmara,Lindley Cintra, Ivo Castro,Fernando Tarallo e Pilar Vasquez Cuesta).

Ha ainda a questiio da subdivisao do periodo arcaico em duas fases, para 0 quetambem nao ha consenso. Quanto a isso, ha aqueles que nao as consideram, ha os queestabelecem ate 1350 como 0 periodo trovadoresco ou entao periodo galego-portugues

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e outros que situam essa divisao entre 1385 ou 1420, designando a primeira fase deportugues antigo e a segunda de portugues medio.

A fundamenta~ao para essas divisOesdispares esta ou num enfoque de naturezaliteraria (basta ver as designa~oes periodo trovadoresco, prosa nacional, portuguesclassico, publica~ao de Os Lusiadas) ou num enfoque baseado em fatos da hist6riasocial como 1385 (Aljubarrota) e 1500 ou, ainda, e esse me parece mais adequado, 0enfoque de natureza sociolingiiistica que seleciona como elemento demarcador os textosinaugurais sobre a lingua portuguesa de Femao de Oliveira e de Joao de Barros.Enquanto nao se fa~a uma caracteriza~ao com base na cronologia relativa para 0desaparecimento dos fatos lingiiisticos que tipificam 0 periodo arcaico e que 0 opoemao modemo, 0 enfoque sociolingiiistico me parece 0 mais adequado.

Se para os inicios do primeiro periodo de hist6ria escrita da lingua portuguesaestamos hoje em um momento em que essa questao se reabriu, como busquei mostrar noitem anterior, para os finais do periodo arcaico e inicio dos tempos lingiiisticosmodemos, a meu ver, ha ainda a fazer um estudo sistematico sobre um mesmo corpusdiversificado e significativo do seculo XIII aos meados do seculo XVI, pelo menos,para que se estabele~a, com dados intralingiiisticos, ate quando perduram as tipicidadesdo portugues arcaico.

Ja mencionei no inicio desta exposi~ao, de todo passado de, pelo menos, seteseculos de existencia documentada pela escrita da lingua portuguesa, e 0 chamadoperiodo arcaico 0 mais estudado filologica e lingiiisticamente, portanto 0 maissistematicamente conhecido. Com base nesse conhecimento acumulado, que vem dosinicios do seculo XX, no meu artigo referido de 1994, levantei dez fatos lingiiisticos -cinco fonicos e morfo-fonicos estudados pela tradi~ao gramatical (hiatos; sistema desibilantes; ditongo nasal final; morfemas verbais nUmero-pessoa -des, -de; vogaltematica /u/ dos verbos da 2il• Conjuga~ao) e cinco morfo-sintaticos (deiticosdemonstrativos; locativos adverbiais e anaf6ricos; conjun~oes tipicas do periodoarcaico; os usos variaveis de ser/estar e de ter/haver; 0 tempo composto; aspectos daordem sintatica), depreendidos de estudos lingiiisticos mais recentes, de 1990 para ca e,com base nisso, pude verificar, na falta de uma pesquisa especifica para uma cronologiarelativa dos fatos lingiiisticos caracterizadores do periodo arcaico, que alguns dos dez seestendem ate fins do seculo XVI; outros desaparecem nos fins do seculo XIV; a maioriacontinua ao longo do seculo XV e alguns estao em claro processo de desuso pelaprimeira metade do seculo XVI. Nesse trabalho concluo 0 que ha pouco afirmei: ha queSer feita uma pesquisa direcionada para essa questao, com base em corpus unico,criteriosamente construido, para defmir-se, em termos intralingiiisticos, os finais doperiodo arcaico.

Pesquisadores do Programa para a historia da lingua portuguesa(PROHPOR), grupo de pesquisa da UFBa. e UEFS, organizado a partir de fms de 1990,que tem como campo de observa~ao a lingua portuguesa das origens ao seculo XVI, daiinfletindo para a hist6ria do portugues brasileiro, veem, nesse momento, a partir de suaexperiencia com a documenta~ao do periodo arcaico, explorando dados damorfossintaxe de documenta~ao de meados do seculo XVI, nao com 0 objetivoimediato de delimitar 0 periodo arcaico, mas para melhor conhecer 0 portuguesquinhentista e poder compara-Io com 0 anterior e ainda ter um ponto de partida para 0

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futuro estudo da historia intralingiiistica do portugues brasileiro. Os topicos eminvestigac;ao no projeto em curso Aspectos da moifossintaxe quinhentista sao a ordemsintatica da sentenc;a; a posic;ao dos cliticos; os usos variaveis de ser/estar/haver/ter emestruturas atributivas, possessivas, existenciais e de tempo composto; verbos de padraoespecial; gramaticalizac;oes nas conjunc;oes e locuc;oes conjuntivas, nas preposic;oes elocuc;oes prepositivas, nos adverbios e locuc;oes adverbiais; 0 uso variavel de artigodiante de possessivo e nomes proprios; os demonstrativos deiticos e anaf6ricos.Constituem esses alguns aspectos da morfossintaxe que tern caracteristicas pr6prias noportugues arcaico e, nele, estao em processo de mudanC;a.

Como bem alerta Ivo Castro no seu trabalho Para uma historia do portuguesclassico - ele chama de classico 0 que aqui venho designando de modemo, seguindoconscientemente a tradic;Ao iniciada por Leite de Vasconcellos - periodo que localizados seculos XVI ao XIX, esse novo periodo hist6rico da lingua portuguesa envolvet6picos complexos que, sem hierarquizli-los, destaca: a entrada da lingua portuguesa nagallixia de Gutemberg; 0 desenvolvimento da lingua literliria; 0 uso do portugues comometalinguagem sobre si mesmo; a padronizac;Ao do portugues e, entre esses t6picos

"seguramente sobressai 0 fenomeno nunca demais exaltado de 0

portugues ser uma das raras linguas que niio so excederam os limites dacomunidade que inicialmente as falava. mas transbordaram do sellcontinente originario e se expandiram a escala mundiaf' (1996: 137)

Nas !res questoes finais subseqilentes desta exposic;ao, you me centrar emalguns aspectos da pesquisa sobre a hist6ria do portugues brasileiro, sem dtivida 0

resultado historicamente mais significativo do "transbordamento" da lingua portuguesade seu continente origimirio.

Sem dtivida os dias que correm representam um momento alvissareiro para osestudos referentes it forma~Ao e elabora~Ao do portugues brasileiro nesses cinco seculosde sua constitui~Ao. Gm~as it lideran~a de Ataliba de Castilho, desde 1996, urn grandegrupo de pesquisadores se organiza para enfrentar uma reconstru~Ao e escrita dopassado da lingua majoritliria e oficial do Brasil. Em organiza~Ao estli 0 projeto nacionale interinstitucional Para a historia do portugues brasileiro. Resultado dele ja foram osdois primeiros seminlirios nacionais, 0 de 1997 na USP e 0 de 1998, em Campos doJordAo e ja se aproxima 0 III, em Campinas; tambem 0 sAo, 0 primeiro volume Para ahistoria do portugues brasileiro. Primeiras ideias (1998), publicado pela Humanitas. 0segundo, Primeiros estudos, ja esta em processo de pl.lblicaC;llo.

Como ja referi antes nesta exposic;ao, certamente a grande motiva~Ao para avolta aos estudos hist6ricos no Brasil decorre, sobretudo, como conseqilencia doprocesso de conhecimento da realidade sincronica do portugues brasileiro, a partir dos

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anos sessenta, 0 que nos· tomou conscientes da sua complexa heterogeneidade,especialmente a social.

A questio historica do portugues brasileiro, nomeado de varias formas -portugues no Brasil, modalidade brasileira da lingua portuguesa, portugues do Brasiletc. - ocupou muitos autores na primeira metade do seculo vinte, em defender teses ouafricanojilas; ou indianojilas ou lusitanofilas, no dizer de Antonio Houaiss (1985),destacando-se, certamente, entre todos eles, os trabalhos sobre essa tematica de Serafunda Silva Neto (1950, 1960). Contudo, depois dos avanc;osda sociolingftistica sobre 0portugues brasileiro, da decada de setenta para ca, Dao se pode mais afmnar com aseguranc;acom que 0 fazia Serafim da Silva Neto que a lingua portuguesa no Brasil,designac;ao corrente na sua obra, e homogenea e conservadora. Fundava-se ele nadiversificada dialetac;ao regional das linguas romanicas da Europa, contrapondo apossibilidade de intercomunicac;ao lingUistica em nosso extenso espac;o territorial e,tambem, em fatos pinc;adosde elementos arcaizantes, conservadores, docurnentados nosincipientes estudos de Dialectologia da primeira metade de nosso seculo.

Voltando-se para a dialetac;aosOcial,os estudos sobre a realidade do portuguesbrasileiro, com os grandes projetos sociolingUisticosque se iniciaram, a partir de 1969,com 0 projeto Norma urbana culta (NURq, seguido de tantos outros como, porexemplo, 0 Censo sociolingiUstico do Rio de Janeiro, 0 VARSUL (Varia~tio sul), 0

Projeto da gramatica do portugues falado, comec;ou0 desvelar-se, com maior precisao,a suti! heterogeneidade social do portugues usado no Brasil, recoberta pela possibilidade

. de intercomunicac;ao oral em todo 0 territorio nacional e esbatida por urnanormativiza~o no uso escritQ,que a escola tenta, a duras penas, propagar entre aquelesque alcan~ a escola no Brasil.

Nesses Ultimos tempos, como extemei em recente Mesa Redonda no IICongresso Nacional da ABRALIN, tem sido formulada de varias maneiras aheterogeneidade e pluralidade do portugues brasileiro. Suponho ja estar suficientementemostrado que essa pluralidade decorre, fundamentalmente, embora nao exclusivamente,da variac;ao estrlitica ou social. Opoe-se, com seguranc;a, 0 portugues popular ouvemaculo brasileiro ao portugues culto, tambem designado de normas vemaculas e denormas cultas, sempre plurais. Formula-se tambem essa pluralidade como urncontinuum dialetal que tem em urn extremo as variantes usadas principalmente por Dao-escolarizados de areas rurais e, no outro, as variantes daqueles de areas principalmenteurbanas de escolaridade alta. As margens desse continuum se pode ainda situar, paraalem de urn extremo, possiveis areas descrioulizantes em antigas comunidades afro-brasileiras isoladas e, para alem do outro, 0 portugues escrito formal de pessoas de altaescolaridadeque ainda buscam aplicar as fradicionais regras gramaticais normativasdevedoras ao portugues europeu.

Pelo melhor conhecimento do presente para tentar entrever 0 passado, osestudos sociolingUisticos ja nos legaram urn conjunto significativo de diagnosticossobre caracteristicas que tipificam a heterogeneidade social do portugues usado noBrasil, mas esse conjunto significativo tem-se centrado, sobretudo, como alias e aorienta~o geral na Sociolingftistica, sobre a variac;ao urbana e tambem sobre asdivergencias entre usos falados e usos escritos. Contudo, para que Dao se enviese esimplifique a informac;aoessencial para desvelar 0 passado, faz-se ainda necessario, a

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meu ver, expandir os estudos sobre a realidade lingiiistica que se estende por nossoespa~o geognifico.

Considero, entao, que uma questao atual na pauta para interpretar, numaperspectiva hist6rica, 0 portugues brasileiro sera 0 estudo extensivo e intensivo sobre asvariantes rurais conviventes no Brasil. Felizmente, nestes tempos que correm, ha umavolta para 0 conhecimento do portugues no espa~o brasileiro, tanto pela via dedialet610gos que ja investem na realiza~llo de um atlas lingliistico geral do Brasil.Refrro-me ao Projeto ALIB, projeto nacional e interinstitucional, coordenado porSuzana Cardoso, da UFBa., e pela via da crioulistica, com trabalhos de campo iniciadosem fms de oitenta por Alan Baxter de La Troube, Austrlilia, posteriormente estruturado,juntamente com Dante Lucchesi, no Projeto Vestigios de descriouliza~iio emcomunidades afro-brasileiras isoladas.

Para finalizar esta questao, considero que, enquanto 0 Atlas Lingii,istico doBrasil darli um diagn6stico geral de fatos lexicais, foneticos e de alguns aspectos damorfossintaxe, como se pode verificar pelo seu Questionario, ja sendo aplicado; e 0Projeto Vestigios de descriouliza~iio, com metodologia variacionista, se centra sobre aquestao da descriouliza~llo previa do portugues brasileiro e para esse selecionacomunidades pertinentes para a verifica~llodessa hip6tese, faz-se, a meu ver, necesslirioo estudo vertical intensivo de comunidades rurais de vlirios tipos e de vlirias areasbrasileiras, nllo Ii cata de arcaismos/conservadorismos, que tambem poderao ser deinteresse, mas para que se possam confrontar os usos lingiiisticos dessas comunidadescom as urbanas, nas suas diferen~as e coincidencias, a fun de ampliar-se 0conhecimento do quadro geral do portugues brasileiro na sincronia atual, como uma dasbases para melhor compreendermos 0 seu passado.

Sendo 0 portugues brasileiro um continuador hist6rico do portugues europeuque aqui chegou aos poucos com Cabral e continuou chegando durante os tres seculosde coloniza~lloe depois ainda com os imigrantes do seculo XIX, ha que se compreendere interpretar as coincidencias e as divergencias lingliisticas entre essas duas variedadesda lingua portuguesa. 0 portugues europeu e fruto da sua s6cio-hist6ria que eprofundamente distinta da s6cio-hist6ria do portugues brasileiro.

o portugues brasileiro, como sabemos, resulta, sem duvida, do contato entrefalantes do portugues europeu, lingua hegemonica de domina~llo, com os falantes dasnumerosas linguas indigenas aut6ctones, com as chamadas linguas gerais indigenas, eainda do contato com os falantes africanos, de vlirias linguas, e seus descendentes e, apartir do seculo XIX, com os falantes dos diversificados grupos de emigrantes que aquise estabeleceram. Constituiu-se assim 0 portugues brasileiro em um complexo contextomultilingiiistico que ha de ser rigorosamente escrutinado para que se possa afrrmar deque decorre 0 que tipifica, numa perspectiva hist6rica, 0 portugues brasileiro.

A tradi~llo fllol6gica da primeira metade do seculo XX, que se dedicou a essetema, muito simplificou e generalizou sobre essa questao, a depender do viesafricanista, indianista ou lusitanista de seus autores. Nesse primeiro momento de estudosobre a forma~llodo portugues brasileiro, sem duvida, foi Serafun da Silva Neto, apesar

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de seu vies lusitanista, ideologicamente fundado na tese da vit6ria da superioridadecultural dos europeus, aquele que buscou, embora de maneira assistematica e rarefeita,em fontes de nossa hist6ria social, infornia~oes para uma recQnstitui~ilo da s6cio-hist6ria da lingua portuguesa no Brasil, para usar a sua designacilo.

No meu modo de ver, neste momento de retomada por varios pesquisadores daquestiioda forma~ilo e elabora~ilo hist6rica do portugues brasileiro, um problemacentral e geral e 0 de tentar compreender e interpretar, olhando com lentes poderosas ena companhia dos historiadores, 0 passado s6cio-hist6rico do Brasil, a polariza~ilos6cio-lingiiistica do portugues brasileiro que se pode sintetizar nas diferen~as existentesentre as normas verntlculas e as normas cultas conviventes hoje.

Outro problema geral e central, a meu ver, e delinear por que caminhos, nocontexto multilingOistico em que se constituiu 0 portugues, nas configura~oes que aquiadquiriu, se tomou a lingua amplamente majoritaria do Brasil. Sob essa questiio, estauma pergunta que me fa~o e que comecei a responder em trabalho a ser publicado novolume n de Para a historia do portugues brasileiro (1995): quem foi de fato 0principal agente da difusilo do portugues do Brasil?

Essa pergunta se fundamenta em nossa demografia hist6rica que indica que, aolongo do periodo colonial, a popula~ilode origem portuguesa e seus descendentes ficouIi volta de 30% do conjunto da popula~ilo do Brasil do seculo XVI aos meados doseculo XIX. Cobriam os outros 70% os africanos e afro-brasileiros sempre crescentes,de 20010 na 21•metade do seculo XVI a 65% nos meados do XIX e os indios integrados eseus descendentes, em processo decrescente, que de 50% na 21.metade do seculo XVIchega a 40% nos meados do seculo XIX (cf. A. MUSSA 1991:163). A demografia geraldo Brasil, no estado do conhecimento em que se encontra, aponta para os africanos eseus descendentes, que tiveram de abdicar de suas linguas, por razoes hist6ricas muitoconhecidas, como principais difusores do portugues geral brasileiro, designa~ilo minhano trabalho referido, antecedente hist6rico do chamado portugues popular ou vemaculodo Brasil.

Esses dois problemas gerais delineados indicam que, na reconstru~ilo dopassado s6cio-hist6rico do portugues brasileiro, dois problemas s6cio-hist6ricos, geraispara 0 Brasil, devem ser pesquisados a fundo ao longo dos nossos quinhentos anos e nosdiversificados contomos das diferentes areas geograficas e s6cio-hist6ricas. Silo elesenfim: a nossa demografia hist6rica ao longo desses seculos e 0 processo deescolariza~ilo, veiculo, sem duvida, fundamental, no sentido de uma normativiza~ilo,que tern favorecido a elabora~ilodo chamadoportugues culto brasileiro.

Certamente a reconstru~ilo de s6cio-hist6rias lingiiisticas areais,correlacionadas Ii hist6ria social desses locais, mostrara diversificados percursos nahist6ria lingiiistica do Brasil, que envolvem niio s6 a lingua portuguesa, mas todas asoutras, as que aqui estavam e as que aqui chegaram com os africanos e com osimigrantes. Muitos pesquisadores ja estiio nisso envolvidos, mas ainda niio ha umacobertura para todo 0 Brasil.

Este tipo de investiga~ilo esta em curso para 0 Brasil meridional, para SiloPaulo, para 0 Rio de Janeiro, para Minas Gerais, para a Bahia e para Pernambuco, nocontexto do projeto Para a historia do portugues brasileiro.

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A Ultima questAo, das que selecionei para esta exposi~Ao, centrar-se-a navariavel sintaxe brasileira, como baliza das diferen~as entre normas vemaculas enormas cultas no Brasil e, entre elas, e a sintaxe do portugues europeu.

A tradi~Ao filologica da primeira metade do nosso seculo que se voltou para osestudos dialectologicos se centrou, em consonancia com essa orienta~Ao de estudo,principalmente, em aspectos fonicos e lexicais que distinguiam 0 portugues brasileirodo europeu. Ainda em 1960, no seu Ultimo trabalho sobre a lingua portuguesa noBrasil, SerafIm da Silva Neto, defendendo 0 camter homogeneo e conservador doportugues brasileiro se refere ao numeroso vocabulario e a algumas divergenciassintaticas (1960: 25) do portugues brasileiro em rela~Ao ao europeu.

Ao voltarem-se, nesta segunda metade do seculo XX, os estudos lingiiisticos esociolingiiisticos para a sintaxe brasileira, sobretudo a falada, verifIcou-se nAo so acomplexa variabilidade da sintaxe do portugues brasileiro nos seus usos diversiflcadoscomo diferen~as essenciais que permitiram a postula~Ao de uma gramatica, no sentidoparametrico chomiskiano, distinta da europeia. Desde a· decada de oitenta para ca,numerosas pesquisas vem demonstrando onde e variavel a sintaxe brasileira e em que sedistingue ela da sintaxe do portugues europeu. Muitos sociolingiiistas e lingiiistasgerativistas a isso se tern dedicado e ja e vasta a bibliografIa sobre essa questAo, comosabemos.

Deve-se, certamente, a Fernando Tarallo ter desencadeado nesses estudos, nAoso a conjun~Ao da teoria parametrica a variacionista, mas tambem voltar a olhar para osdados do passado em busca de deflnir ate quando se poderia recuar, na observa~Ao detextos escritos, para detectar a emergencia de uma gramatica brasileira no uso escritodo portugues no Brasil. Resultados muito conhecidos dessa linha de pesquisa estAo nasFotograjias sociolingilisticas (1989), coletanea organizada por Tarallo e no Portuguesbrasileiro: uma viagem diacr6nica (1993), coletanea organizada por Mary Kato elanRoberts em sua homenagem.

No seu estudo Diagnosticando uma gramatica brasileira (1993), F. Tarallo,alem de reunir 0 conjunto de propriedades sintliticas interrelacionaveis que identifIcam anossa sintaxe, indica que seria os fIns do seculo XIX 0 momento a partir do qual essagramatica se documenta nos textos brasileiros.

Por essa via aberta por F. Tarallo, os pesquisadores do projeto Para a histariado portugues brasileiro, que se centram nas mudanfas gramaticais, estAo come~ando abuscar, em documenta~Ao que seria mais proxima do portugues aqui falado, dados quepossam indicar que a emergencia da gramatica brasileira possa se situar em momentomais recuado de nossa historia, para alem, portanto, dos fms do seculo XIX, comopropos Tarallo, com base sobretudo em cartas e pe~as teatrais editadas.

Urna das vertentes de pesquisa para a historia do portugues brasileiro estli,portanto, se centrando na organiza~Ao de corpora documentais do seculo XIX para tras,em busca, de canas pessoais ou de outros documentos em que "escorria sua propriatinta" (para usar uma metlifora de Tarallo) 0 portugues brasileiro. Alguns dessescorpora ja se encontram em processo de edi~Ao, com criterios filol6gico-lingiiisticos

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apropriados e gerais para todos os corpora do Projeto, principio metodol6gico definidono II Semiruirio. Outros corpora estao sendo planejados.

Vemos assim que nesse Projeto coletivo para uma reconstruc;ao e escrita dopassado do portugues brasileiro lingiiistas, sociolingiiistas, fil610gos e historiadoresestao de maos dadas para tentar uma grande meta de longo alcance.

Gostaria de sinalizar, contudo, que esse rastreamento das caracterlsticas dagramatica do portugues brasileiro em documentac;l\o dos seculos passados nos fomecerncertamente informac;oes e dados para a reconstruC;l\o hist6rica do portugues brasileiroescrito, que refletinl, provavelmente, 0 portugues da camada letrada culta do passado. 0rastreamento do passado do portuguespopular, a meu ver, tern de buscar em outrostipos de fontes os indicios de sua constituic;l\o· hist6rica, que se fez na oralidade, aolongo do perlodo colonial e p6s-colonial.

Um outro aspecto da divergencia gramatical entre 0 portugues brasileiro e 0europeu recobre uma antiga polemica, hoje de volta a agenda da pesquisa hist6ricasobre 0 portugues brasileiro, diferentemente do que supos F. Tarallo no seu trabalho dadecada de oitenta sobre a alegada origem crioula do portuguesbrasileiro, sl\o aship6teses contnlrlas da criouliza~ao previa e a da deriva natural, como duas formasalternativas de interpretaC;l\o para a divergencia sintlitica entre essas duas variantes dalingua portuguesa. Para a primeira hip6tese estli na agenda da pesquisa lingUisticabrasileira 0 estudo de possiveis vestigios de descrioulizac;l\o em comunidades isoladas,como ja antes referido, para a segunda, tem-se de investir na sintaxe hist6rica doportugues europeu - pouco explorada, como ja referido nesta exposic;l\o - do perlodoarcaico para ca, 0 que alias ja iniciaram Athony Naro e Martha Scherre (1999), Veja-seo recente trabalho apresentado no Ultimo congresso da ABRALIN - Concorddnciavaritivel emportugues: a situa~ao do Brasil e em Portugal- na Mesa Redonda sobre Asorigens do portugues brasileiro.

Finalizo esta Conferencia retomando 0 inicio de outra, em 1992 - Portuguesbrasileiro: raizes e trajetorias. Para a constru~ao de uma historia, Nesse texto, 0primeiro que ousei escrever sobre a hist6ria do portugues brasileiro, apesar de hli longosanos vir trabalhando sobre a lingua portuguesa em perspectiva hist6rica, comecei assim:

"As rejlexoes que seguem pretendem ser apenas um convite para aconstru~do da histon'a do portugues brasileiro, obra que nao pode deixarde ser coletiva e conjuntamente sonhada. E todos sabemos, 0 PoetaPessoa nos ensinou, que sem sonhar a obra ndo nasce, Deus (e, nestecaso nos brasileiros) querendo" (1993: 75)

Passados sete anos, 0 sonho estli a tomar-se realidade, grac;as ao trabalhocoletivo do Projeto para a historia do portugues brasileiro, convocado e coordenadopor Ataliba de Castilho. Resta ainda aliciar nossos colegas portugueses para juntosconstruirmos uma hist6ria geral da lingua portuguesa. 0 pr6ximo milenio podern nosconduzir por esses caminhos, se quisermos e Deus querendo.

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RESUMO: Trata-se neste texto de alguns problemas hist6ricos relativos a linguaportuguesa. Com o.retorno dos estudos hist6rico-diacronicos, velhas questoes estlo hojena cena da LingUistica Hist6rica sobre a lingua portuguesa. Selecionaram-se aqui seisdesses problemas: tees referentes ao portugues europeu e tees ao portugues brasileiro.

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