A FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO MERCADO RELIGIOSO … (90).pdf · búzios e os ebós do candomblé rapidamente se popularizaram, concorrendo com a consulta a caboclos e pretos-velhos

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  • A FORMAO E EXPANSO DO MERCADO RELIGIOSO DOS BENS SIMBLICOS DOS ORIXS: FENMENO DA HIPERTROFIA NA M ETRPOLE

    GOIANA

    Jailson Silva de Sousa Graduando do curso de geografia da Universidade Estadual de Gois UEG

    [email protected]

    Rodolfo Alves Pena Graduando do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Gois UEG

    [email protected]

    1. INTRODUO.

    Este trabalho apresenta alguns apontamentos que se qualificam enquanto

    resultados preliminares das pesquisas desenvolvidas pelo Centro Interdisciplinar de

    Estudos frica-Amrica CieAA, que se configuram especialmente no mbito de duas

    pesquisas centrais: Mes de santo: domnios territoriais, sociais e histricos do

    sagrado em Goinia - GO (FAPEG/SEMIRA) e Igbadu: Territrios, gnero e histria

    dos candombls de Goinia (FAPEG/SEMIRA).

    Este trabalho parte da prima por realizar uma anlise sobre a relao que o

    Candombl cria e mantm com o sistema de mercado religioso do Brasil e como as

    caractersticas mercadolgicas se desenvolveram na regio metropolitana de Goinia.

    Para proceder a presente abordagem, faz-se necessrio executar uma anlise

    histrica do processo de constituio do candombl, que se deu em solos baianos no

    sculo XIX, e sua posterior disseminao por todo territrio nacional. Esse

    entendimento se faz importante no sentido de esclarecer as mais diversas questes

    referentes ao mercado religioso, pois, uma vez universalizada a religio dos orixs,

    tem-se um instituio privada produtora de bens simblicos, cujo mercado ao longo

    dos anos vem se popularizando e crescendo de forma hipertrfica por todo Brasil.

    Concomitante isso, ocorreram tambm as competies de mercado com outras

    segmentaes religiosas e com as do mesmo seguimento, seguidas de uma

    conseqente adequao do candombl ao mercado.

  • Os objetos simblicos, os rituais e os alimentos da vida religiosa incorporam, a

    cada dia, a realidade contempornea de diversos grupos sociais, independente da

    religio proferida. Essas inseres trouxeram para o cotidiano religioso a manifestao

    de costumes e aes, que vm se diferenciando ao longo de sua histria. Tais

    observaes iro embasar os objetivos do presente trabalho e, no obstante,

    religio/mercado, produo/consumo de bens simblicos e expanso territorial so

    pares dialticos dessa produo.

    O processo de crescimento do candombl tambm presente em territrio

    goianiense, tal expanso, conforme Reginaldo Prandi (2000), denomina-se de

    hipertrofia religiosa. A fluidez das reaes de mercado, sobretudo das mercadorias

    simblicas, aumenta significativamente em determinadas localidades da metrpole

    goianiense, fazendo com que esta ganhe uma visibilidade urbana que demanda uma

    produo que tem movimentado a economia tanto fora do espao das Comunidades

    de Terreiro (como as lojas especializadas na venda de artigos religiosos), quanto

    dentro das comunidades locais em que os fiis cada vez mais so colocados e se

    colocam como clientes. Nesse nterim, o zelador de santo visto como um profissional

    altamente competente no desenvolvimento de suas atividades msticas pagas.

    2. CANDOMBL: SURGIMENTO, EXPANSO E POPULARIZAO

    Embora boa parte da populao veja o candombl como religio de origem

    africana por a mesma possuir um vinculo materno e, de certa forma, boa parte dos

    preceitos religioso terem suas origens na cultura africana, o candombl nasce no

    Brasil, mas precisamente no estado da Bahia no final do sculo XIX, sendo esta uma

    religio genuinamente brasileira, porm criada pelos negros africanos escravizados.

    Portanto, dizer que uma religio africana diferente de afirma que de Matriz

    Africana, como no caso desta religio.

  • Mesmo estando h pouco tempo instalada em territrio baiano e sofrendo

    grandes perseguies, o candombl conseguiu se difundir por outros estados da

    brasileiros, recebendo, inclusive, outras denominaes regionais, sendo estas: Xang

    em Pernambuco, Tambor-de-mina no Maranho e Batuque no Rio Grande do Sul. At

    meados do sculo XX, solidifica-se enquanto instituio de resistncia cultural,

    primeiramente de africanos e depois de afrodescendentes.

    Na atualidade o candombl se apresenta com um sentido de

    preservao do patrimnio tnico do povo africano no Brasil, embora continue sendo

    hostilizado pela cultura branca de matriz crist europia, principalmente as

    relacionadas com o segmento neopentecostal.

    Roger Bastide (1971) impera em sua anlise que j no final da dcada de

    1940, tem-se no Candombl a presena de seguidores brancos de diferentes classes

    econmicas, o que rompe com as hegemonias tnico-raciais de um Candombl

    essencialmente negro, de localizaes geogrficas perifricas e escondidas, de

    classes econmicas baixas. O autor ainda pontua que tal fenmeno o ponto de

    partida para o processo de universalizao da religio afro-brasileira, que at o

    presente momento, tinha como seguidores, predominantemente, africanos e

    afrodescendentes.

    Ao se concretizar como religio universal, o Candombl passa a disputar com

    as demais religies existentes, tanto as pentecostais e as neopentecostais, passando

    estas a competir por espao, legitimidade e fiis.

    4. MERCADO DE BENS SIMBLICOS.

  • O Candombl, em seu processo de adequao no espao geogrfico, se

    mostra-se extremamente apto a modificaes, no entanto essas no permitem uma

    descaracterizao dos seus rituais e suas bases religiosas. Sua insero na lgica no

    mercado e a comercializao de seus bens simblicos, bem como os templos

    religiosos do candombl, mais conhecidas como terreiro de santo ou comunidade

    de terreiro, passaram a ser agncias de servios mgicos, j que no apenas os fiis

    tm acesso aos ritos, cultos e aos trabalhos para sanar possveis aflies, as quais

    no conseguem ser resolvidas por outros meios, que no sejam os mgicos. Agora

    estes tambm pertencem ao simpatizantes e clientes, propiciando um ambiente de

    comercializao dentro dos terreiros de santo, como afirma Prandi:

    [...] como agncia de servios mgicos, que tambm , oferece ao no-devoto a possibilidade de encontrar soluo para problema no resolvido por outros meios, sem maiores envolvimentos com a religio. Sua magia passou a atender a uma larga clientela, o jogo de bzios e os ebs do candombl rapidamente se popularizaram, concorrendo com a consulta a caboclos e pretos-velhos da umbanda.( PRANDI, 2004, p.03)

    As relaes de mercado fazem com que cada vez mais os candomblecistas

    disputem entre sim por clientes e fieis. Os zeladores de santo se tornaram feiticeiros

    competentes capazes de fazer e desfazer qualquer magia em beneficio do cliente

    pagante. Acrescendo-se a esse fato a questo de que a carreira sacerdotal torna-se

    uma perspectiva profissional prspera aos jovens com baixa escolaridade que

    buscam o reconhecimento social:

    Todo pai-de-santo um empreendedor, e seus sucesso material visto como prova de seu ax, seu poder religioso. Mas seu sucesso tem limite, pois um terreiro no pode se expandir alm de seus limites, no pode ter filiais, nem associados. (PRANDI, 1996, p. 73)

    Tais movimentaes econmicas fazem com que o Candombl seja uma base

    para a comercializao de uma infinidade de bens simblicos, onde cada vez mais o

    cliente procura o pai de santo pra resolver problemas espirituais, adquirindo, atravs

  • da compra, uma infinidades de objetos, amuletos, e pores mgicas que

    simbolicamente promovem a cura para o mal que o cliente diz sentir.

    O mercado passou a influncia diretamente na religio, nas comidas, festas,

    roupas e outros elementos religiosos. Essas caractersticas, em contrapartida, fazem

    do candombl uma religio de elevados gastos, um exemplo pode ser o

    questionamento sobre a festa do xir, momento em que, a casa de santo mostra toda

    sua capacidade de articulao junto comunidade de santo, sendo os custos

    financeiros das festa e do terreiro sempre do dono da casa, que geralmente obtm o

    montante de dinheiro necessrio pela a rede contando com os filhos e clientes. A

    realizao do rito ou festas no candombl, se trata de algo com gastos elevadssimos,

    sendo o pblico alvo algumas lojas de artigos religiosos.

    Com a crescente importncia do rito, expandiu-se uma verdadeira indstria de artefatos sacros e se constituiu um diversificado conjunto de produtores e vendedores de artigos religiosos, nacionais e importados. Os objetos antes feitos por artesos que pertenciam as comunidades do culto foram sendo substitudos por artigos produzidos industrialmente; comercializaram-se na importao de tecidos e roupas e na produo e distribuio de rendas e bordados. Verdadeiros supermercados de artigos religiosos passaram a estar disponveis nos mais diferentes pontos das grandes cidades. (PRANDI, 2004, p. 04)

    Ao longo das leituras e entrevistas realizadas, obtiveram-se informaes a

    respeito das formas de manuteno das casas e dos zeladores. Parte da renda que

    sustenta a casa vem de diversos meios: doaes de filhos, taxas cobradas pelo pai de

    santo aos filhos da casa, os jogos de bzios, feituras de orix, ebs, boris e diversos

    outros trabalhos oferecidos pelo zelador dono do terreiro. Esse responsvel em

    atender a todos os filhos da casa, mediante pagamento da comunidade em geral. Por

    essa caracterstica, Baptista (2005) afirma que no candombl nada de graa e que

    sem dinheiro no tem ax

  • A comercializao da religio dos orixs se faz to presente nos meios sociais

    cotidianos, que no difcil encontrar uma diversidade de sites especializados para a

    venda de artigos religiosos, como de jogos de bzios on-line ou por telefone, bos

    virtuais ou pacotes de pronta-entrega.

    5. HIPERTROFIA RELIGIOSA NO CENARIO GOIANO: CONSIDE RAES FINAIS.

    O crescimento hipertrfico do candombl favorecido pela concepo que se

    tem da atuao sacerdotal que consolidou a profisso de pai de santo. A partir de

    agora, ele um feiticeiro socialmente reconhecido e legitimado pelos consumidores de

    bens simblicos, esotricos e miditicos. Na condio de profissional/sacerdotal, o

    dinheiro se torna a mediao entre os problemas e o bem estar espiritual do individuo.

    No difcil observar na regio metropolitana de Goinia a presena dos

    elementos abordados neste trabalho, o nmero de comunidades de terreiro ao longo

    da histria da capital passou por um crescimento relevante, bem como o prprio

    crescimento dos estabelecimentos comerciais e a mercantilizao dos bens simblicos

    voltados aos cultos dos orixs. Visivelmente nota-se a presena de lojas especficas

    para compras de materiais necessrios para realizao dos cultos e ritos mgicos, nos

    mais diversificados pontos da cidade.

    Estas lojas se localizam em reas isoladas, mas tambm em grandes

    avenidas, em galerias, shoppings, mercados, o que favoreceu com que o candombl

    se inserisse no cenrio religioso goiano, embora ainda os praticantes sofram com o

    processo denominado por Enrique Dussel (1993) por encobrimento do Outro.

  • Esses processos de expanso de lojas e comunidades de terreiro fazem com

    que o Candombl cresa de forma. Os candombls espalharam-se por todo Brasil e

    notadamente so vistos pelo processo de crescimento e evoluo que obedece as leis

    de mercado e que fazem com que esta religio cresa numericamente e

    individualmente. Tal fato observado por meio do aumento das casas de santos. Esse

    aumento diretamente promove uma disputa entre as comunidades de terreiro, por

    membros e clientes, que visivelmente ocasiona a rivalidade natural entre os

    candomblecistas.

    os diferentes terreiros, mesmo quando religiosamente aparentados, com precedncia protocolar de uns em relao aos outros, vivem em permanente disputa e dificilmente se juntam em face de alguma causa de interesse comum. (PRANDI, 1996, p. 73)

    Contudo, assim como ocorreu nos estados do Rio de Janeiro, So Paulo e

    Bahia, se faz presente no locus goiano a hipertrofia de mercado religioso necessitando

    se ainda um estudo mais abrangente e aprofundado sobre o assunto.

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS.

    BASTIDE, Roger. As religies africanas no Brasil. So Paulo, Pioneira, 1971. BAPTISTA, Jos. "No candombl nada de graa...": estudo preliminar obre a ambigidade nas trocas no contexto religioso do Candombl*. Revista de Estudos da Religio N 1/ 2005. BOURDIEU, Pierre. A produo da Crena: contribuio para uma economia de bens simblicos. Porto Alegre, RS. Zouk, 2008. 3. Ed. DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro. A origem do mito da modernidade. So Paulo: Vozes, 1993. PRANDI, Reginaldo. Hipertrofia ritual das religies afro-brasileiras. In: Novos Estudos CEBRAP, So Paulo, n. 56, p. 77-88, 2000.

  • PRANDI, Reginaldo. O Brasil com ax: candombl e umbanda no mercado religioso. In: Estudos Avanados, So Paulo, v. 18, n. 52, 2004. PRANDI, Reginaldo.. Hipertrofia ritual das religies afro-brasileiras. In: Novos Estudos CEBRAP, So Paulo, n. 56, 2000. PRANDI, Reginaldo. Segredos Guardados: orixs na alma brasileira, companhia das letras, So Paulo 2005. PRANDI, Reginaldo.. Hipertrofia ritual das religies afro-brasileiras. In: Novos Estudos CEBRAP, So Paulo, n. 56, 2000. RAMOS, Marcos Paulo de Melo. A Negativao Semntica das Religies de Matriz Africana a Partir do Discurso Evanglico Anpolis, 2007. Monografia - Graduao em Histria, Universidade Estadual de Gois. SCARAMAL, Eliesse dos S. Texeira. Projeto ABerem frica no Brasil: estudos de comunidades, religiosidades e territrios. 2005.