A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    1/337

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    2/337

    A CASA DO PODER

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    3/337

    Patrick Carman

    A casa do Poder

    Traduo de

    ROBERTO MUGGIATI

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    4/337

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATONACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Carman, PatrickC283c A casa do poder / Patrick Carman; traduo de RobertoMuggiati.Rio de Janeiro: Galera Record, 2009. (Atherton; 1)

    Ttulo original em ingls:ATHERTONTHE HOUSE OF POWER Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da LnguaPortuguesa.Impresso no BrasilTraduo de: The House of Power ISBN 978-85-01-07935-01. Romance americano. I. Suassuna, Edmo. II. Ttulo. III. Srie.09-1798

    CDD: 813CDU: 821. 111(73)-3

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    5/337

    Para o povo de Aduana Dos

    www.agros.org

    http://www.agros.org/http://www.agros.org/http://www.agros.org/
  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    6/337

    SUMRIO

    PARTE 1

    1. Um garoto com um segredo2. Procure por Atherton3. Regras feitas para serem quebradas4. Comea a mudana5. Samuel6. Um livro de coisas secretas7. Uma espi com uma funda8. A Aldeia dos Coelhos9. Perigo no pomar

    10. O experimento do Sr. Ratikan11. A revelao do dr. Kincaid

    PARTE 2

    12. Um mundo trmulo13. Figos negros e bolhas14. Folhas secas e p laranja15.O interrogatrio de sir Emerik 16. Horcio deixa seu posto

    17. Vibraes e tremores18.O som de ossos quebrando 19. A ideia do pastor20. Limpadores21.A surpresa de sir Emerik22. Um velho de orelhas cadas23. Um prato de Preto e Verde24. Dois mundos colidem25. O Planeta Sombrio

    PARTE 326. Um estranho no pomar27. A Casa do Poder28. A fora da gravidade29. Destrancando o crebro do dr. Harding30. Samuel se explica31. O esprito de um menino persiste32. A Cova de Mead

    33. InversoFLUXO DE DADOS SUPLEMENTARES DO CREBRO DO DR.HARDING

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    7/337

    Depois de dias e noites de intenso labor e fadiga, consegui descobrir acausa da gerao e da vida. Mais ainda. Tornei-me capaz de daranimao matria inerte.

    DR.FRANKENSTEINFRANKENSTEIN,1818MARYSHELLEY

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    8/337

    PARTE1

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    9/337

    No vai demorar muito, agora. As coisas j esto co-meando a mudar.

    Houve uma longa pausa, preenchida apenas por esttica,seguida de uma resposta distante.

    Eu sei, eu sei. Espero que no tenhamos seguido rpido demais.No estou seguro de que j estejam prontos.

    Por que voc sempre torna a falar sobre essa bobagem?

    J esperamos demais.

    Concordo. s que... No temos idia do que vai acontecer.

    Este sempre foi o seu problema, Luther. Voc indeciso, semprevacilante. s vezes me faz ponderar por que o mantive aqui por es-

    tes longos anos.

    Uma coisa certa algumas pessoas no vo gostar nem umpouco.

    Houve um som estranho vindo do outro lado da linha,como se um momento secreto de uma risada silenciosa

    tivesse ocorrido.Certamente haver algumas pessoas infelizes.

    Acredito que voc vai ser uma delas.

    O que quer dizer com isso?

    Luther, no pode realmente ter imaginado a srio que eu o dei-xaria usar minha criao para seu prprio proveito.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    10/337

    A voz se apagou, substituda pelo estalido e pipocar de e-letricidade no ar. E ento voltou.

    Voc sabe to bem quanto qualquer um que este lugar meu.Eu o formei. E no vou me separar dele. No vou permitir que vocse intrometa em meu negcio.

    Dr. Harding, do que est falando, afinal?

    Isto me pertence. minha criao e farei dela o que bem quiser.

    Acredito que j aturei o bastante todos me dizendo o que posso e oque no posso fazer. Nosso tempo j se esgotou, Luther.

    Que pretende fazer, Maximus? No pode se dissociar do restodo mundo.

    De repente houve uma quietude, seguida de uma respira-o ofegante e do som de objetos pesados sendo deslo-

    cados.

    Adeus, Luther.

    Maximus? Maximus!

    A esttica jorrava do fone.E ento a linha ficou completamente muda.

    O que aquilo significava? Teria ele enlouquecido?O dr. Luther Kincaid olhou para cima e sussurrou ao cu

    da noite.

    Que Deus nos perdoe por nossa tresloucada criao de um novomundo.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    11/337

    CAPTULO

    1UM GAROTO COM UM SEGREDO

    No pomar do Sr. Ratikan vivia um garoto. No era muito

    abastado, mas suas necessidades eram supridas e ele sesentia feliz na maior parte do tempo. Seu nome era Edgar.

    Alguns diriam que Edgar era magricela como todosos outros garotos que trabalhavam no pomar, mas essaspessoas estariam certas apenas em parte, pois todos sabemque existem dois tipos de crianas magricelas: algumas sofrgeis como papel, enquanto outras so geis e resistentescomo um fio de arame. Edgar era do tipo resistente, fortee veloz como um coelho.

    Bem no corao do pomar, uma densa abbada defolhas pendia em baixa altura, e no calor do dia era umlugar fresco e tranquilo para se deitar na grama e tirar umcochilo. Mas Edgar no era do tipo que gostava de esca-

    par para cochilar sob as rvores como alguns outros. Eramuito mais provvel encontr-lo fazendo alguma traves-sura, que exatamente a ocasio na qual o encontramosno momento em que nossa histria comea.

    Em algum lugar silencioso do pomar, Edgar vinhase balanando impetuosamente para a frente e para trsem um dos galhos de uma rvore, tentando ganhar velo-

    cidade suficiente para se arremessar por sobre o caminhode grama at alcanar um galho a 1,5m ou mais de distn-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    12/337

    cia, no outro lado. Por duas vezes, Edgar se soltou muitotarde e voou pelo ar com os ps projetados para a frente,aterrissando de costas no meio do caminho com um ter-

    rvel baque seco e duro.Sem se intimidar, Edgar fez uma terceira tentativaem que se inclinou pelo ar to rapidamente que acabou sechocando com o tronco da rvore e sendo recompensadocom um sangramento no nariz.

    A balbrdia chamou a ateno do proprietrio dopomar, o Sr. Ratikan, um homem alto e corcunda que es-

    tava sempre determinado a acabar com a diverso de Ed-gar.Edgar ainda estava no meio do maior impulso que

    tinha atingido at ento, roando levemente nas folhas darvore com os braos enquanto ia para a frente. Ao ba-lanar para trs, o Sr. Ratikan golpeou os ps descalos deEdgar com sua bengala.

    Venha j aqui neste instante! gritou o ho-mem, furioso. O Sr. Ratikan tinha a pele branca como gize sua boca formava uma carranca permanente, fazendoseus lbios finos e seu bigode comprido parecerem nadamais que fitas vermelhas e marrons ao redor de uma bocainfeliz.

    A bengala falhara na tentativa de interromper Ed-gar. Balanando os ps bem alto no ar, Edgar se soltou,abanando braos e pernas. Desta vez ele conseguiu segu-rar o galho no outro lado. Mas, neste exato momento, ogalho rompeu e ele caiu no cho.

    Isto foi um grande azar para Edgar, j que nadadeixava o Sr. Ratikan mais irritado do que quando algum

    danificava uma das preciosas rvores de seu pomar.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    13/337

    Agora voc conseguiu! gritou o Sr. Ratikan,cutucando as costelas de Edgar com a bengala.

    S estava me divertindo um pouco antes de vir

    encontr-lo disse Edgar com a voz rouca e seca, en-quanto tentava se esquivar da bengala. Ele se colocou dep e correu para trs do tronco em busca de proteo,limpando um pouco o nariz sujo de sangue.

    A bengala do Sr. Ratikan se chocou contra o troncoda rvore, errando por pouco a cabea de Edgar.

    V trabalhar com as mudas de rvores, e no

    pare at completar vinte!Ele golpeou a rvore com a bengala mais uma vez eEdgar pulou para trs.

    Se eu peg-lo brincando nas rvores mais umavez, nada de jantar por uma semana!

    Edgar calculou o espao sobre o qual tinha saltado. Ainda que tivesse que trabalhar mais uma hora por seumau comportamento, a faanha tinha valido a pena.

    AGORA! gritou o Sr. Ratikan, dando panca-das e mais pancadas na rvore com sua bengala, esperan-do atingir um dos dedos do garoto.

    Edgar correu o mais rpido que pde por um ca-minho sinuoso, que se estendia por sob a sombra do po-

    mar, at fugir da vista do Sr. Ratikan. O que fiz l atrs foialgo displicente, admitiu para si mesmo, apesar de ter se di-vertido.No hasta manter os olhos atentos. Algum pode ver o queestou fazendo.

    Edgar diminui o passo ao chegar ao trecho de r-vores mais antigas, onde os galhos eram grandes e longos.Pequenas pores de luz eram projetadas atravs das fo-

    lhas e ele tentava agarr-las enquanto avanava. Edgar sedivertia facilmente e daria um bom amigo, mas permane-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    14/337

    cia sozinho por boa parte do tempo. Ele era um garotocom um segredo, e o guardava bem.

    Edgar seguiu pelo caminho cheio de curvas at a

    abbada de rvores se tornar menos densa. Ele sara sob aplena luz do dia diante de um rochedo ngreme que avan-ava to alto rumo ao cu que era impossvel ver at ondeia. Abaixo da parede lateral, uma cachoeira colidia com osolo, num estrondo, cheio de energia, proporcionando aEdgar uma viso familiar logo adiante. Diversos homensficavam ao redor da queda dgua, protegendo-a de qual-

    quer um que quisesse se aproximar fora da vez. Enquantotrs dos homens permaneciam em alerta, outros raciona-vam a gua em pequenos baldes de madeira para uma filade aldees. Havia trs cachoeiras semelhantes caindo dotopo do rochedo, mas esta era a nica prxima ao pomar.As outras ficavam bem longe, em lugares que Edgar nun-ca vira.

    A distribuio meticulosa da gua era um dos pro-blemas de se viver na Terra Mdia, mas Edgar achava queera melhor do que viver na Plancie logo abaixo, onde osuprimento de gua se limitava ao pouco que espirrava dabeira da Terra Mdia. Era difcil imaginar que algum lembaixo pudesse sobreviver por muito tempo. No mundo

    de Atherton, os que habitavam nas Terras Altas controla-vam o fluxo da gua e podiam fazer o que quisessem comele.

    De repente ouviu-se o barulho de um galho que-brando em algum lugar prximo no pomar. Edgar conge-lou, pensando no que faria caso o Sr. Ratikan surgisse dassombras novamente, balanando sua bengala. Eu deveria

    saber que ele viria atrs de mim, Edgar pensou arrependido.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    15/337

    Voc tem galhos e folhas presos no cabelo disse uma vozinha, vinda de trs de uma rvore.

    De incio, Edgar sentiu-se aliviado por no ser o Sr.

    Ratikan, mas no ficou de todo satisfeito ao se dar contade quem falava com ele.Saia da, Isabel.Uma cabea com cabelos desgrenhados e sujos

    emergiu de trs do tronco da rvore, seguida por uma tes-ta morena e finalmente por um olho escuro com uma so-brancelha grossa pendendo sobre ele.

    O Sr. Ratikan te derrubou de novo? Ele te acer-tou com a bengala horrvel?Como sempre, Edgar ignorou as perguntas dela.

    Por que voc sempre fica me seguindo, Isabel?Edgar balanou a cabea para a frente e para trs demodo a livrar-se dos detritos em seu cabelo, mas os galhose folhas apenas oscilaram para l e para c como animai-zinhos agarrados ao ninho.

    Posso tir-los da sua cabea disse Isabel, sal-tando de trs da rvore. Ela era pequenina se comparada aEdgar, alm de mais jovem e magra, de modo que Edgarpensava que poderia parti-la ao meio se quisesse.

    Edgar removeu as folhas e galhos de seu punhado

    de cabelos castanhos e se virou para ir embora. Ah, voc no pode simplesmente ir emboradisse Isabel. Precisa me contar o que aconteceu. O Sr.Ratikan o atirou no cho? por isso que havia folhas noseu cabelo?

    Edgar estava prestes a ralhar com a garota comoum irmo mais velho faria quando sentiu um leve estron-

    do debaixo dos ps. Isabel tambm o sentiu e os doispermaneceram quietos, tentando compreender o que se

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    16/337

    passara. Isto j tinha acontecido antes este ligeiro tre-mor do solo no pomare por isso os dois no ficaramto surpresos. Mas, desta vez fora um pouco mais forte,

    como se algum estivesse batendo num tambor no choabaixo deles, tentando chamar sua ateno.Meu pai diz que no nada disse Isabel ,

    mas meio estranho, no ? A sensao parou e Edgar comeou a andar sem

    responder. Estava ficando tarde e ele ainda tinha vintervores para podar.

    Conversaremos hoje noite durante o jantar disse Isabel. Seja l o que o Sr. Ratikan tenha feito avoc, este ser nosso segredinho.

    Ela correu de volta para o pomar, satisfeita apenaspor deixar sua imaginao inventar loucuras sobre como oSr. Ratikan tinha batido em Edgar com a bengala.

    Edgar passava a lngua pelos lbios secos enquantoandava pela ltima pequena trilha rumo ao campo dasmudas. Ele teria de esperar at o jantar para poder beberum copo de gua, mas Edgar havia se acostumado a estarotina todos haviam e em pouco tempo seus pen-samentos se fixavam em outras coisas.

    Edgar olhou para alm dos limites do pomar. No

    raro sonhava acordado com a forma que seu mundo teriaquando visto de longe, e havia elaborado uma imagembastante precisa em sua cabea. Atherton se dividia emtrs nveis circulares, cada um mais vasto do que o queestava acima. A extensa plancie ficava bem l embaixo.Edgar pensava que se uma pessoa despencasse da beira daPlancie, cairia para sempre. A Terra Mdia, onde vivia

    Edgar, era um grande plat no topo de uma rocha bemngreme que brotava do meio da Plancie. E havia ainda as

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    17/337

    Terras Altas, o lugar mais misterioso de todos. Elas esta- vam no alto dos imponentes despenhadeiros localizadosno centro da Terra Mdia. As pessoas que moravam na

    Terra Mdia muitas vezes imaginavam o que poderiamencontrar nas Terras Altas. Havia rumores sobre animaisgigantes e gua em abundncia, sobre pessoas poderosas elugares lindos.

    Edgar tambm se mostrou curioso sobre as TerrasAltas desde o princpio, embora nunca tivesse ido l. Via-jar entre os trs nveis era estritamente proibido. Ningum

    da Terra Mdia sabia o que se passava no topo dos des-penhadeiros, j que ningum jamais fora convidado a ir l.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    18/337

    CAPTULO

    2PROCURE POR ATHERTON

    Quando Edgar terminou de podar sua vigsima muda, o

    final da tarde j tinha cado sobre o pomar. A poda erauma das tarefas que mais consumia tempo, ainda que, fe-lizmente, no fosse muito difcil, j que Edgar precisariade energia quando a noite chegasse. Assim que terminoucom as mudas, partiu em direo casa do Sr. Ratikanpara sua rao noturna de gua e comida.

    Ao chegar para o jantar, todos os outros trabalha-dores do pomar j estavam em fila. Nem todos da aldeiatrabalhavam no pomar, pois havia uma grande quantidadede outras tarefas a serem feitas. Havia coelhos e ovelhasque precisavam ser tratados e figos das rvores a seremprocessados. Ossos de animais e restos que no eram co-midos ou usados na criao de coisas teis tinham de ser

    levados beira do penhasco e jogados na Plancie junto aoutros entulhos da Terra Mdia. Mas todo o trabalho ces-sava quando chegava a hora da janta no pomar, e todosiam casa do Sr. Ratikan.

    Isabel viu Edgar quase que de imediato. Acenoupara que se juntasse a ela na fila, mas Edgar tentou igno-r-la. Logo ela saiu do lado de seu pai e foi para o fim da

    fila, onde comeou a incomodar Edgar imensamente comuma srie de perguntas s quais ele no queria responder.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    19/337

    Aquele Sr. Ratikan terrvel, no acha? Vocbebeu gua hoje? Eu consegui um pouco, mas quase nada.Em que ser que iremos trabalhar amanh? Voc acha que

    iremos para o pomar do terceiro ano? O pomar do tercei-ro ano o meu favorito.Isabel continuou falando at que os dois chegaram

    ao incio da fila e ela passou a fazer algumas das mesmasperguntas para o Sr. Ratikan, enquanto este olhava para oslados, enchia a tigela e a xcara dela e tentava faz-la seguiradiante. O Sr. Ratikan no deixava que ningum subisse

    nos degraus que levavam a uma pequena varanda diantede sua porta, pois entrar em sua casa era proibido. Istotornava difcil livrar-se de Isabel sem sua bengala e agit-lana direo dela.

    Por que tem sempre que tentar acertar as pesso-as com esta sua bengala medonha? disse Isabel, fran-zindo as sobrancelhas escuras.

    O Sr. Ratikan respondeu contraindo o rosto numaexpresso to assustadora que Isabel agarrou sua xcara etigela e correu para longe da casa.

    Quando Edgar chegou ao incio da fila, a atenodo Sr. Ratikan foi desviada. Um rudo estranho vinha dadireo para a qual o Sr. Ratikan estava olhando e Edgar

    se virou para ver o que era. Um homem que se sentia malapoiava-se numa rvore. Estava inclinado como se tentas-se vomitar, ainda que nada sasse de sua boca.

    Preste ateno, garoto!Edgar virou-se para avaranda e encontrou seu zelador olhando diretamente pa-ra ele. Aparentemente, o Sr. Ratikan j tinha visto o bas-tante do homem nauseado no pomar. Ele olhou de soslai-

    o, tentando determinar o mnimo que poderia oferecer aogaroto sem comprometer um bom dia de trabalho.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    20/337

    Voc terminou com as mudas? perguntou,esfregando a ponta do bigode oleoso com uma das mos eapontando a bengala para o garoto com a outra.

    Fiz vinte delasdisse Edgar. Ele era realmentemuito rpido, provavelmente o melhor trabalhador que oSr. Ratikan tinha.

    Bomdisse o Sr. Ratikan, abaixando a bengalapara longe do rosto de Edgar.Amanh voc pode vol-tar e fazer mais trinta.

    Edgar entregou a ele uma pequena xcara de ma-

    deira. O Sr. Ratikan a mergulhou cuidadosamente numbalde dgua que estava na varanda devolveu a xcara aEdgar, com um pouco do que parecia massa de farinha euma fatia de carne de carneiro seca e bem passada, a nicamaneira como o Sr. Ratikan a preparava. Nove entre cadadez refeies que Edgar comia no jantar continham carnede carneiro sem gosto. A dcima geralmente nem chegavaa ter carne.

    Edgar sentou-se sob uma rvore, distante dos ou-tros, como era de hbito. A massa de farinha era a melhorparte da refeio e Edgar a saboreava, dividindo-a em pe-quenos pedaos, e comendo um de cada vez com as mossujas. A massa assim como acontecia com muitos ou-

    tros artigos importantes na Terra Mdia vinha das fi-gueiras do pomar. Se as rvores fossem derrubadas aps aterceira colheita e rachadas, um caroo esponjoso e ala-ranjado podia ser facilmente extrado do interior. Misturara substncia com um pouco da gua a transformava emuma massa que tinha gosto de cacau.

    Quando o ltimo pedao da massa se foi, Edgar

    deu um golinho no que restou em sua xcara de madeira eafastou-se silenciosamente da casa do Sr. Ratikan.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    21/337

    Assim que ficou fora do alcance de viso dos ou-tros, Edgar enfiou a mo num bolso grande na parte dafrente de sua camisa e de l tirou um figo. No era um fi-

    go comum, entretanto era um figo morto que cara deuma rvore. Tais figos eram escorregadios, enegrecidos epesados, mais ou menos do tamanho da palma da mo. Amaioria era recolhida e utilizada em fogueiras, pois produ-ziam um fogo de temperatura alta e que durava por maistempo nas noites frias, no fazendo tanta fumaa. Algu-mas das crianas gostavam de inventar jogos com eles,

    mas Edgar tinha seus prprios planos sobre o que fazercom os figos mortos.Edgar tirou do bolso da camisa uma funda feita de

    filamentos finos e compridos de cascas tranadas das r-vores do segundo ano, amarrados a cada lado de um qua-drado de pele de coelho, que ficava no meio. Ele duvidavaque o Sr. Ratikan permitiria uma funda, j que no eratrabalho de Edgar retirar as cascas das rvores. Ele nuncatinha mostrado a ningum por medo de que a tomassem edepois o punissem por us-la.

    Edgar olhou ao redor para ter certeza de que nohavia ningum por perto. Depois, escolheu um tronco adistncia como alvo, carregou a funda com o figo negro e

    se ajoelhou no pomar. Ele passou a pesada bola por sobrea cabea. medida que ia cada vez mais rpido, fazia umzumbido impressionante at queplec!ele soltou umdos fios. O figo negro voou pelo pomar, acertou a rvorea qual tinha mirado e ricocheteou para fora de vista.

    Edgar correu para a rvore e examinou a marca queo figo tinha deixado nela, escondendo a funda de volta em

    seu bolso ao sair. Ele encontrou o figo negro e o colocouno bolso lateral da cala, pois, embora tivesse mais uma

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    22/337

    dzia escondida no pomar, a maioria dos figos cados eralevada pelo pessoal da aldeia.

    s vezes Edgar pensava em demonstrar sua mira

    aos outros garotos que trabalhavam no pomar, mas nopassava muito tempo com eles. Os outros tinham famliasna aldeia e quando terminavam o trabalho iam embora ra-pidamente, deixando Edgar sozinho quando a noite caa.Depois de um certo tempo, era como se Edgar tivesse setornado invisvel para aqueles que o cercavam. Ele gosta-ria de fazer mais amigos, mas tinha receio de que desco-

    brissem o que fazia noite.Uma hora depois Edgar j tinha atravessado o po-mar at o outro lado, abrindo caminho solitariamente atuma rea muito remota do despenhadeiro que separava aTerra Mdia das Terras Altas. Era um local calmo, distan-te do pomar, da aldeia e da cachoeira. J ficava tarde, eEdgar caminhava tocando a parede do despenhadeiro en-quanto avanava, suas mos calejadas deslizavam pela su-perfcie irregular em idas e vindas. Edgar vinha h anosat este lugar para praticar enquanto ningum observava.Noite aps noite, todanoite. Ele viera at aqui por outromotivo tambm. Ele procurava um objeto um objetoescondido e para encontr-lo era necessrio escalar a

    parede do despenhadeiro, algo que era proibido fazer. A esta hora em Atherton, o despenhadeiro ficavaescondido sob um manto de luz cinzenta. Isso duraria pormuitas horas, quase at a noite, e ajudaria Edgar a semanter oculto enquanto prosseguia com seu plano. Senti-nelas caminhavam noite prximo ao sop do despenha-deiro e procuravam por transgressores, mas Edgar era um

    especialista em se mover sem ser notado. O povo das Terras Altas tinha proibido estritamente as escaladas

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    23/337

    especialmente perto da cachoeirae Edgar estaria numagrande encrenca se fosse descoberto. Corriam rumores deque, se algum fosse apanhado escalando, teria as duas

    pernas quebradas ou ento seria jogado da beira do mun-do para a Plancie.No demorou muito at que Edgar subisse 15 me-

    tros parede acima, rpido como uma aranha escalando lu-gares inimaginveis bem acima do cho. O despenhadeiroera perfeitamente vertical, mas era cheio de escarpas squais Edgar poderia se agarrar sem muita dificuldade. Ti-

    nha a seu favor a luz fraca da noite, que lhe permitia en-xergar a superfcie de pedra diante dele. A luz rastejavapelas beiras do mundo de Atherton medida que este se virava contra o sol, e a escurido absoluta vinha apenaspor um breve momento na parte mais escura da noite.

    Edgar escalou ainda mais para o alto, com o corpoempoleirado 30 metros acima do cho e nenhuma cordapara segur-lo caso casse. Chegou a uma rea em quenunca havia estado e tentou lembrar-se dela.

    Edgar fora criado como um garoto do pomar, masnem sempre estivera sozinho no mundo. Possua umamemria fragmentada de tempos remotos, tempos queprecediam o pomar. Tivera um pai, disso ele sabia. Mas

    Edgar tinha 11 anos agora, e a cada ano as memrias tor-navam-se mais plidas. Tudo de que se recordava estavaconcentrado numa conversa com um homem. Ele estaval no despenhadeiro e tinha apenas trs ou quatroanos quando as palavras foram ditas. O homem estava dejoelhos, olhando nos olhos de Edgar. No havia rosto al-gum na memria de Edgarapenas os olhos castanhos e

    gentis, um cheiro de cinzas no ar e as palavras das quaisno se esqueceria:

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    24/337

    V esta parede de pedras, pequeno Edgar?Vejo.Vai se lembrar deste lugar, no vai?

    Vou.Escondi algo l em cima, entre as rochas, onde ningumpode encontr-lo.

    Bem l em cima?Sim, Edgar, bem l em cima.E o que escondeu?Algo que ir chegar a voc, caso espere por isso. Procure

    por Atherton.Mas o que foi que escondeu? A cada ano as lembranas de Edgar ficavam mais

    escassas, mesmo que reconstitusse a cena inmeras vezesem sua mente. De uma coisa ele tinha certeza foi pou-co tempo depois deste episdio que Edgar se encontrousob os cuidados do Sr. Ratikan.

    Algo que ir chegar a voc, caso espere por isso. Procure porAtherton. Durante anos ele refletiu sobre o significadodesta declarao enquanto se movia pela superfcie dodespenhadeiro. Quanto mais velho ficava, mais confusasse tornavam as palavras e ele comeou a se indagar se asrecordava direito. Procure por Atherton. Ele estava emA-

    therton ou assim pensava e considerava que istosignificava que deveria procurar por todo lugar. No erauma informao muito til.

    Mas chegamos histria de Edgar neste momentopor um bom motivo. Naquela mesma noite Edgar escaloumais alto do que jamais havia escalado e chegou a lugaresaos quais nunca tinha ido. Escalou desesperadamente,

    pois os problemas com o Sr. Ratikan vinham se tornandocada vez mais frequentes e o garoto se perguntava se seria

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    25/337

    apanhado em breve. Seus dedos se agarravam em cadafenda e fissura das rochas enquanto avanava, at que,passadas mil noites de procura, o esperado aconteceu.

    Sessenta metros acima do cho e com a escurido oenvolvendo, Edgar encontrou alguma coisa.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    26/337

    CAPTULO

    3REGRAS FEITAS PARA SEREMQUEBRADAS

    A noite alta se aproximava e apenas alguns vestgios de luzpersistiam. Descer o paredo seria ainda mais perigoso doque o normal. Edgar estava tremendono de medo oude frio, mas de empolgao. Sempre fora um garoto firmee era perturbador sentir as pernas tremelicando.

    Edgar tinha encontrado uma pequena abertura, pa-

    recida com uma gruta, do tamanho de sua mo esticada.De incio ele se afastou dela, temendo que alguma criaturadesconhecida se lanasse dali, o agarrasse pelo brao enunca mais o largasse. Mas, mesmo sob a luz tnue, Edgarpodia ver que tinha encontrado o que estava procurando.

    Logo abaixo do buraco havia um smbolo gravadona rocha, como se algum tivesse vindo com um objeto

    afiado e apressadamente esculpido a marcao no despe-nhadeiro. Edgar imaginou que, se pudesse sair de Ather-ton e olhar a distncia, sua forma seria bem parecida como smbolo sua frente. Procure por Atherton. Finalmente ha- via encontrado o que o homem em sua memria tinhadeixado para ele. Sentiu um calafrio de expectativa.

    Edgar enfiou a mo no buraco e percebeu que noera muito fundo. Seu brao tinha entrado s at o coto-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    27/337

    velo e j tocava a rocha bruta. Tateou tudo em volta, se-gurando-se com o outro brao para no cair, e percebeuque o espao se curvava para baixo.

    Um novo arrepio o percorreu, quando ele conside-rou novamente a possibilidade de encontrar algo vivo noburaco. S porque um segredo tinha sido deixado ali nosignificava que o local no pudesse ser utilizado como ca-sa para um monstro devorador de garotos. Um monstrocom dentes e garras afiados. Tateou com cautela, moven-do a mo vagarosamente de um lado para o outro, mas

    ainda assim no encontrou nada.Mudou de direo e, com um impulso a mais doombro, conseguiu fazer com que o brao todo ficassedentro do espao. Desta vez, as pontas dos dedos tocaramem algo diferente. No era pedra; era mais macio. En-quanto mexia agitadamente os dedos, o objeto se moviapara a frente e para trs ao seu toque. Ele esperava queno estivesse vivo. Edgar agarrou e soltou pelo que pare-cia ser uma eternidade ao tentar envolver o artigo escon-dido com seus os dedos.

    Ele arriscou soltar a outra mo do despenhadeiro eficou na ponta dos ps, forando o brao para dentro doburaco at que sua bochecha ficasse prensada contra a

    rocha. Acabou que a distncia foi suficiente. Pelo menostinha agarrado o objeto misterioso pelo qual vinha bus-cando h anos e o puxou para fora.

    Ficou ao mesmo tempo extasiado e completamentedevastado. Era um belo objeto, marrom e de couro compapel dentro. Era um livro. O livro no tinha muitas p-ginas, mas estava cheio de palavras que entristeceram Ed-

    gar, no pelas coisas que diziam sobre honestidade, nos-talgia ou melancolia. As palavras entristeceram Edgar

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    28/337

    porque ele no sabia ler, e tampouco qualquer outra pes-soa que vivesse na Terra Mdia.

    Semanas se passaram e Edgar no retornou ao

    despenhadeiro. At onde se lembrava, era a primeira vezque se mantinha distante de l por mais de um ou dois di-as. Mas no havia jeito de confort-lo. Embora fosse jo-vem, a sensao era que o trabalho de toda sua vida o

    trabalho de aprender a escalar e encontrar o que fora dei-xado para eletinha chegado a um fim triste e doloroso.Dia aps dia ele refletia sobre o livro que encontra-

    ra. noite, quando todos j tinham deixado o pomar, elefolheava as pginas sob a luz minguante, tentando enten-der o que elas diziam. O livro no s estava repleto de pa-lavras, mas elas estavam escritas numa caligrafia confusa.Quem quer que tivesse escrito aquilo estava com pressaou no aprendera a escrever muito bem.

    Como este homem podia ter deixado algo to intilno despenhadeiro? Edgar tinha trabalhado tanto e se ar-riscado tanto apenas para encontrar uma terrvel verdadeno finalo tesouro que procurava lhe era inacessvel de

    uma maneira que no havia escalada que pudesse supe-r-lo.Edgar se lamentou infinitamente sobre o que fazer

    com o livro. As regras da Terra Mdia eram claras e Edgaras tinha ouvido inmeras vezes:

    1. SE VOC MANDAR COMIDA PARA AS TERRAS AL-

    TAS, ELES LHE MANDARO GUA.2.NO DESPERDICE GUA.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    29/337

    3. PROIBIDO ESCALAR OU SE APROXIMAR DOSDESPENHADEIROS.

    4. SE ENCONTRAR UM LIVRO, ENTREGUE-O A UMDOS GUARDAS PARA QUE SEJA ENVIADO IMEDIATAMENTE

    PARA AS TERRAS ALTAS. N O QUEIME, DESTRUA OUGUARDE O LIVRO. N O OLHE PARA SUAS PGINAS. EXIS-

    TEM PESSOAS NA TERRA MDIA QUE NOS INFORMARO

    CASO VOC O FAA.

    Edgar refletira inmeras vezes sobre essa ltima re-

    gra. Para comear, como um livro poderia parar na TerraMdia? Ningum em Atherton sabia ler, exceto as pessoasnas Terras Altas. Isto o fazia se perguntar se era a nicapessoa procura do livro que encontrara escondido nodespenhadeiro. Ele sups, depois de pensar sobre o as-sunto, que alguma pessoa poderia caminhar pela bordadas Terras Altas e acidentalmente deixar um livro cair pelocu, fazendo-o voar como um pssaro com a asa quebra-da, com as pginas se rasgando enquanto descia. Ou, porrazes que Edgar poderia apenas especular, talvez algumescondesse um livro num dos cestos.

    At onde Edgar podia se lembrar, havia semprecordas e cestos descendo em intervalos das Terras Altas

    pelos despenhadeiros. O povo da Terra Mdia enchia oscestos com figos, carne de carneiro, coelhos e l. Osguardas faziam sinal para as Terras Altas puxando umadas cordas e ento os cestos eram iados pelo ar. Mas porque algum l de cima iria esconder um livro no despe-nhadeiro?

    Edgar por fim decidiu esconder o livro no pomar.

    Primeiramente, contou as rvores ao longo de uma fileiraat usar todos os dedos das mos e dos ps. Cavou um

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    30/337

    buraco estreito, embrulhou o livro em folhas de rvores eo jogou l dentro. Depois cobriu a abertura com uma pe-dra que mal conseguia levantar. No dia seguinte fazia o

    mesmo, contando nos dedos das mos e dos ps enquantopassava por rvores em outra direo at chegar base deuma rvore e enterrar o livro mais uma vez. Tinha tantomedo de perder o livro ou de algum o encontrar que noconseguia pensar em outra coisa.

    Largue mo de ficar de mau humor, garoto bo-bo!urrava o Sr. Ratikan sempre que via Edgar perdido

    em seus pensamentos, movendo-se sem prestar atenopelo pomar. Regularmente, Edgar produzia mais em umahora de trabalho do que a maioria das outras pessoasconseguia fazer em duas, mas agora ele tinha se tornadopreguioso e desatento, incapaz de se concentrar nas tare-fas a ele delegadas. A queda de rendimento de um bomtrabalhador enfurecia o Sr. Ratikan, e ele constantementecriticava o esforo do garoto, temendo retaliaes do lor-de Phineus caso o trabalho no pomar se tornasse muitolento.

    A grandes intervalos de tempo, quando os regentesdas Terras Altas no ficavam satisfeitos com os artigosque lhes eram enviados, algum das Terras Altas ge-

    ralmente o prprio lorde Phineus descia em um doscestos. Lorde Phineus no descia at embaixo, mas che-gava perto o bastante para que todos reunidos pudessemouvir sua voz inflexvel, e normalmente o que ele tinha adizer no era muito agradvel... Vocs no esto traba-lhando rpido o bastante! ou No h coelhos o bastan-te ou Onde esto os figos que nos prometeram? Em

    todo caso, o castigo era sempre o mesmo: Haver menosgua por um tempo, at que as coisas melhorem.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    31/337

    Edgar pensava se iria encontrar o lorde Phineus al-gum dia, e foi este pensamento que finalmente acaboucom o mau humor de Edgar, certa noite. Ele se sentou e

    olhou para o livro em sua mo, e suas idias se tornarampalavras no pomar.Se eu levar este livrinho para as Terras Altas, ser

    que encontraria algum que pudesse l-lo para mim?Era uma idia acintosa, mas ainda assim Edgar se

    agarrou a ela. Os cestos no eram uma opo vivel, jque eram vigiados dia e noite. Mas por que no poderia

    escalar at o topo? Seria dez vezes mais alto do que j ha-via escalado, mas isto no significava que no conseguiriafaz-lo. Se fosse apanhado, provavelmente o jogariam dabeira do mundo. Mas no havia uma chance de algum lem cima ajud-lo? Ele no se importava em ser preso,transformado em escravo ou arremessado para a morte.Ficaria feliz em desistir de sua vida no pomar para ouviralgumas poucas palavras deste tesouro pelo qual tinhaprocurado toda a vida.

    Ele enterrou o livro mais uma vez e se sentou comas costas apoiadas numa figueira, fitando o pomar. Opensamento de Edgar viajou at os despenhadeiros e elese perguntou se possua habilidade o bastante para escalar

    o caminho todo at o topo, at um lugar em que estavaproibido de entrar.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    32/337

    CAPTULO

    4COMEA A MUDANA

    Na manh seguinte, Edgar comeou a trabalhar cedo nu-

    ma parte do pomar onde as rvores comeavam a dar fi-gos. Ele passaria o dia reunindo as minsculas vinhas quese inclinavam dos galhos e amarrando-as em feixes demodo a penderem pesadamente da rvore, como cachosde pequenos ovos verdes. Poucas semanas depois que osfigos fossem amarrados, Edgar retornaria s figueiras earrancaria os figos negros de suas vinhas, desamarrando acorda e soltando o resto.

    A monotonia de amarrar os feixes de figos ajudavaEdgar a pensar com mais clareza, uma vez que sua menteera mais gil quando suas mos se ocupavam de tarefasrepetitivas. Ele precisava encontrar uma maneira de saircedo do pomar para executar sua fuga rumo s Terras Al-

    tas, e isto significaria perder o jantar. Mas s havia umamaneira de faz-lo sem levantar suspeita sobre onde tinhaido: teria que se meter em alguma encrenca para que o Sr.Ratikan lhe privasse do jantar. Pela primeira vez Edgardesejava ser apanhado fazendo algo que no devia.

    Deixou a idia rolar em sua cabea pela maior partedo dia enquanto tirava corda por corda de seu cinto e a-

    marrava os figos verdes em feixes. Ao retirar a ltimacorda do cinto, Edgar j tinha decidido o que fazer.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    33/337

    Estava no meio da tarde e ele percorria a curta dis-tncia at o velho pomar onde as rvores moribundaseram descascadas e evisceradas antes de se tornarem ve-

    nenosas. Este era um lugar estranho, diferente do resto dopomar, no qual as rvores tinham chegado bem ao final desuas curtas vidas. Muitas delas ainda permaneciam de paguardando seu destino, mas diversos galhos j tinhamsido arrancados e os troncos haviam sido desenraizados.O local irradiava uma sensao deprimente de ossos es-palhados por todos os lados, enquanto as rvores rema-

    nescentes testemunhavam tudo desoladas, incapazes defugir.O Sr. Ratikan estava l, distante, do outro lado, ba-

    lanando sua bengala e falando com um grupo de traba-lhadores que rodeavam uma rvore tombada. Edgar deve-ria encontrar o Sr. Ratikan aqui quando tivesse acabado otrabalho para ento receber novas tarefas, mas, em vezdisso, recolheu o maior galho que poderia carregar e co-locou seu plano em ao.

    Ele espiou duas velhas rvores ainda em p prxi-mas uma da outra, escalou uma delas carregando o galhonas costas e ento o deixou cair at que sua extremidadealcanasse a outra rvore, onde enganchou com firmeza

    em seus galhos. O galho estava a quase 2 metros do solo.No demorou muito at que o Sr. Ratikan percebesseEdgar na rvore, se preparando para caminhar por sobre ogalho.

    O que voc est fazendo a, garoto? gritou oSr. Ratikan, marchando em direo a Edgar com o rostocontrado se avermelhando. Saia desta rvore! Ele

    se virou para os outros trabalhadores, que assistiam com

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    34/337

    curiosidade confuso. Volte ao trabalho eviscerandoaqueles galhos!

    Edgar percebeu que o Sr. Ratikan estava ainda mais

    mal-humorado que o normal e comeou a se perguntar seesta tinha sido realmente uma boa idia. Passou por suacabea se jogar da rvore e correr, mas o Sr. Ratikan co-locaria todos no seu encalo caso o fizesse. Ento, me-dida que o Sr. Ratikan se aproximava, Edgar respiroufundo, sorriu, e colocou um p sobre o galho que fixaraentre as rvores.

    S quero ver se consigo atravessar disse Ed-gar.No vai levar muito tempo.Desa da, seu idiota!Edgar deu mais um passo em cima do galho.

    Que tal uma aposta?perguntou Edgar.Garoto estpido!gritou o Sr. Ratikan. Ele p-

    de notar que Edgar reconquistara a coragem e isto o en-fureceu.

    Se eu cair, pode me deixar sem jantar esta noitedisse Edgar.

    Voc vai perder o jantar de qualquer maneira seficar mais um minuto a em cima.

    A distncia era de cerca de 3 metros at o outro la-

    do. Edgar no tinha certeza absoluta de que conseguiriaatravessar todo o percurso. Ele se deslocou pelo galhoinstvel e sentiu-o curvar-se sob seu peso. Embora o ga-lho oscilasse para a frente e para trs, Edgar caminhoucom firmeza a metade do trajeto. O Sr. Ratikan deu umapancada no galho com a bengala e ele balanou violenta-mente. Ao ver que Edgar no caiu, o Sr. Ratikan comeou

    a agitar a bengala na direo de suas canelas. Mas Edgarsaltava com agilidade e se esquivava abrindo caminho, de

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    35/337

    modo que o Sr. Ratikan no chegou a acertar seu p emcheio nem ao menos uma vez.

    Assim que chegou ao outro lado, Edgar saltou da

    rvore e abriu um sorriso, j de p na grama.Eu disse que conseguiria!O Sr. Ratikan no estava contente.

    Nada de jantar e nada de gua at amanh demanh. Se eu o vir nos arredores da minha casa implo-rando comida, pode dar adeus ao caf da manh tambm!Est de bom tamanho para voc?

    O Sr. Ratikan tinha se virado para ir embora quan-do o cho comeou a tremer como tinha acontecido ante-riormente. Estava mais forte desta vez, ou assim pareciadentro dos limites da parte velha do pomar. As rvoresno eram saudveis e muitas vieram ao cho com umgrande estrondo. Quando o tremor parou, Edgar olhoupara o Sr. Ratikan como se achasse que talvez o homemsoubesse por que o solo tremia daquela maneira.

    Est olhando o qu? Volte para os campos eenfeixe os figos at escurecer. E no se aproxime da mi-nha casa at amanh!

    O Sr. Ratikan cambaleou apressadamente na dire-o dos trabalhadores, ordenando que o encontrassem

    junto s rvores cadas e comeassem a abri-las. Emboranada tivesse sido dito, havia uma sensao de que muitosdos trabalhadores tinham ficado assustados com o tremorde terra e com as novas rvores cadas. Mas o Sr. Ratikandiscursava longamente e no deixava que conversassementre si.

    Edgar tinha sentimentos divididos enquanto volta-

    va pelo mesmo o caminho que tinha vindo. Tinha fome esede e no havia nenhuma perspectiva futura de saciar es-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    36/337

    ses desejos. Isto o fazia pensar se teria foras para escalartodo o percurso at o topo do despenhadeiro. E por que ocho continuava a tremer daquele jeito? Parecia cada vez

    pior. Edgar ficou ansioso ao pensar no que poderia acon-tecer se o tremor voltasse a ocorrer quando estivesse es-calando bem l no alto, to longe quanto a vista alcana.

    Isso no pode estar certoresmungou Edgar.

    A tarde chegou ao fim e ele j tinha alcanado odespenhadeiro, enquanto todos os outros se ocupavamcom o jantar. Estava mais claro do que das outras vezes ede incio ele achou que talvez fosse por isso que as coisaspareciam estar diferentes.

    Colocou as mos na profunda superfcie vermelha emarrom sua frente. Depois prosseguiu escalando osprimeiros metros, prestando ateno caso algum apare-cesse inesperadamente. Com a dose extra de luz ele preci-sava ser mais cauteloso. Jogou-se no cho, deu dez passospara a esquerda e colocou as mos no despenhadeiro maisuma vez. Ficou parado olhando para a superfcie do pare-do, balanando a cabea e se perguntando o que poderia

    significar. A muralha parecia mais baixa do que h trssemanas; cerca de 5 centmetros. Todos os pontos de pe-gada de Edgaros locais onde tinha colocado as mos eos ps inmeras vezes estavam mais prximos docho.

    Ser que ele havia crescido tanto naquelas trs se-manas desde a ltima vez em que esteve ali? Edgar nunca

    tinha ouvido falar de algo assim. Esticou os braos, a-chando que talvez eles tivessem crescido, mas estavam

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    37/337

    como antes. Ainda assim, tinha certeza: os pontos de pe-gada estavam mais baixos do que j estiveram em toda suaa vida. Algo havia mudado.

    Preciso tentar dormir maisdisse Edgar, certode que deveria estar imaginando coisas. Tentou tirar dacabea qualquer pensamento que se referisse mudana eagitou os dedos sem parar dentro do bolso lateral da cala. Agarrou dois figos negros e a funda e torceu para noprecisar us-los.

    Edgar respirou fundo uma ltima vez, esfregou as

    mos e comeou a escalar. Assim que encontrou suas pe-gadas familiares novamente, sua mente se concentrou eele passou a se mover com agilidade pela superfcie darocha.

    Imaginou como o homem que deixara o livro po-deria ter sido. Se pudesse me ver agora, acho que me mandariapara a cama sem direito a pudim. Riu de sua prpria observa-o. Em toda sua vida, Edgar no conhecera os prazeresde um pudim de figo antes de dormir.

    Edgar olhou para cima e refletiu sobre a distnciaat as Terras Altas l no topo. Havia pensado nisto vrias vezes nos dias anteriores e tinha novamente conscinciade que faria a maior parte da subida na calada da noite,

    algo que nunca havia feito antes. Mas a hora de voltar jtinha passado e no ganharia nada duvidando de si mesmoagora.

    Depois de subir 90 metros, olhou para baixo pelaprimeira vez. A Terra Mdia descansava abaixo dele seu lar plano de pomares, pastos e pequenas aldeias. Seuma pessoa caminhasse junto borda da Terra Mdia, le-

    varia uma semana para dar a volta completa. Caminharprximo aos despenhadeiros das Terras Altas diminua

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    38/337

    esse tempo para alguns dias e a distncia entre as aldeiaspodia ser percorrida em metade de um dia ou at menos,num passo apertado. O Sr. Ratikan nunca dera a Edgar a

    oportunidade de explorar o mundo alm do pomar, entoo menino s sabia destas coisas atravs do que os outroslhe contavam.

    Enquanto segurava com firmeza, respirando o arfrio da noite que estava prestes a chegar, vislumbrou omundo alm da Terra Mdia. L embaixo a quilme-tros, parecia havia outra terra, um lugar vasto e som-

    brio. A Plancie, muito maior que a Terra Mdia, era umgrande e tenebroso mistrio que poucos compreendiam esobre o qual ningum falava. De onde Edgar estava, agar-rado s rochas, conseguia ver apenas uma pequena poroda Plancie. A vista tinha sido bem melhor na tarde emque conseguira se safar do pomar e se deitara bem namargem da Terra Mdia, onde uma superfcie de rochainclinada levava Plancie l embaixo. Ele colocou a ca-bea para fora da borda uma nica vez, e nunca mais. Po-deria haver pessoas vivendo numa terra to devastada? Ouser que havia outra coisaalgo que no fosse humano?Edgar no tinha certeza se queria mesmo saber.

    Edgar comeou a escalar novamente, desta vez

    com mais vigor. Tinha passado um longo dia no pomar eaparentemente poderia se cansar rpido. Mas Edgar pos-sua uma habilidade e resistncia extraordinrias. Era co-mo se o despenhadeiro tivesse sido colocado na horizon-tal e ele estivesse simplesmente engatinhando, to rpidoquanto seus ps e mos o carregassem. E ento, subita-mente, parou.

    Foi tomado por uma entranha sensao que come-ou nos ps e se espalhou por todo o corpo. Estava na

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    39/337

    metade do caminho at o topo, o mais alto a que j haviachegado, quando o despenhadeiro comeou a tremer emsuas mos. Edgar apertou a mo com mais fora e se per-

    guntou se cometera um erro desastroso ao tentar escalar oparedo at as Terras Altas. O tremor ganhou fora, des-pejando sobre Edgar pedaos de pedras e poeira.

    Edgar estava pendurado como um galho quebradonuma rvore ressecada. Ele escalava por lugares desco-nhecidos e a superfcie rochosa era apenas uma sombra medida que subia. Bem l embaixo, na Terra Mdia, as

    primeiras fogueiras da noite comeavam a queimar. Opouco que conseguia enxergar da subida vertical acimadele eram rochas ngremes com poucos pontos de pegada.

    Enquanto o odor lnguido da fumaa vinda dasfogueiras l embaixo flutuava ao seu redor, o p de Edgarescorregou, esfarelando pedrinhas pelo ar noturno. A pos-sibilidade de cair passou por sua cabea pela primeira vez. Arrepiando-se, Edgar comeou a duvidar se algum diavoltaria para casa.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    40/337

    CAPTULO

    5SAMUEL

    O tempo transcorrido entre o jantar e o anoitecer era de

    tranquilidade se voc fosse uma criana das Terras Altas,pois os pais eram bastante rgidos quanto a manter seusfilhos longe dos perigos dos despenhadeiros enquanto es-tavam sob a luz cinza e duradoura da noite. Mas Samuelera um garoto que morava na Casa do Poder um sun-tuoso complexo, cheio de ptios, corredores, escadas epassagens, perfeito para a explorao , e sua vida eradiferente.

    Samuel ficava extremamente feliz ao passar dias in-teiros s vezes semanas inteiras sem fazer outracoisa a no ser ler livros. Isto proporcionou ao meninoum tom de pele um tanto plido, como se estivesse sem-pre acabando de sair da padaria e seu rosto e braos tives-

    sem sido polvilhados com farinha. Samuel era to magri-cela quanto Edgar, mas por motivos completamente dife-rentes. Sua me trabalhava na cozinha da Casa do Poder eisto lhe dava acesso a montes de comida, mas o apetite deSamuel sempre fora escasso e seu interesse pela comida seconcentrava principalmente em tudo que tivesse um gostoadocicado.

    Sua me trabalhava noite e dia e normalmente sretornava para seu aposento, do lado de fora do ptio,

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    41/337

    quando j era muito tarde. Durante a noite, Samuel muitasvezes vagava pelos sagues da Casa do Poder quando secansava de ficar deitado em sua cama lendo. O andar

    principal da Casa do Poder parecia ser o lado de dentro eo lado de fora, tudo ao mesmo tempo. Alguns dos sa-gues estavam situados sob arcos que cercavam os ptios,onde trepadeiras se enrolavam infinitamente em pequenasrvores. A folhagem abundante dos ptios resvalava des-controladamente pelas paredes de pedra e pisos de rochasarredondadas, como se estivesse tentando partir tudo e

    assumir o controle. O lugar possua uma tranquilidade fo-ra do comum que fazia as pessoas desejarem falar aossussurros.

    s vezes, Samuel visitava sua me depois de pe-rambular pelos sagues e pedia uma guloseima ou umaxcara de ch, e normalmente ela respondia incumbindo-ode alguma tarefa. numa destas noites que encontramosSamuel, uma noite de caminhadas por corredores em quequalquer som capaz de produzir eco. Ele subiu a escada-ria estreita prxima ao seu quarto at chegar a uma portaque sempre estava trancada. Continuou de volta pelas es-cadas e pelos corredores at no aguentar mais prosseguirsem uma guloseima.

    Talvez ela me d um copo de leite com acarse eu oferecer ajudadisse Samuel em voz alta. Ouviu oeco de passos vindo em sua direo a uma longa distncia.No desejando falar com ningum, passou por uma arcadaarredondada e alcanou o ptio a cu aberto. Quandochegou cozinha, no tinha certeza se deveria entrar, pormedo de receber muito trabalho. Ento espiou pelo canto

    da porta o que sua me estava fazendo.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    42/337

    Ela era uma mulher frgil, mas encantadora de seolhar, embora Samuel tenha percebido, no momento emque a viu, que algo a perturbava. Corria de um armrio

    para outro procurando alguma coisa, com os cabelos es-curos soltando-se parcialmente de um coque que danavapela sala atrs dela enquanto ela se deslocava. E ento seusolhos avistaram Edgar escondido atrs da porta.

    Pediram figos e torradas no quarto principal disse ela, numa voz esbaforida. Sempre que a me de Sa-muel ficava aflita, uma mancha vermelha surgia embaixo

    de seu lbio e ficava ali por horas. Ela esfregou o sinalvermelho com nervosismo, procurando algo atrs da mesaonde executava a maior parte do trabalho.

    Por que eles tm que pedir coisas que sabemque no temos?ela continuou. No posso fazer osfigos surgirem do nada, e eles esto em falta h semanas.Mesmo assim continuam pedindo toda noite, apenas parame atormentar.

    A me de Samuel continuou esfregando a manchavermelha debaixo do lbio at que Samuel entrou e parouao seu lado.

    No vai desaparecer se voc continuar a esfre-g-la deste jeito.

    Samuel estava com um pouco de pena da me, mass um pouco, pois sabia o que viria a seguir.Voc subiria at l para dizer a eles que no te-

    mos figos, Samuel? Vou lhe dar algo que possa levar paraeles, algo doce. Faria isto por mim?

    A me de Samuel nem sempre foi to frgil. Houveum tempo em que ela desfrutava de uma posio superior

    na vida e demonstrava mais estabilidade, mas ento o paide Samuel faleceu num terrvel acidente. Quando isso a-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    43/337

    conteceu, sua fina carapaa externa de confiana foi aba-lada e ela pareceu se fragmentar em mil pedaos de umas vez. Seu trabalho na cozinha foi resultado da perda do

    pai de Samuel, pois ele fora um homem de grande impor-tncia antes do acidente. Sem sua autoridade, a me deSamuel foi relegada a uma vida de servido.

    Voc pode colocar algo doce na bandeja paramim tambm? perguntou Samuel. Sua me j estavaocupada preparando uma bandeja de torradas salpicadascom farinha de figo, junto a algumas xcaras e uma tigela

    de ch quente coberta.Eu arrumo alguma coisa para voc quando vol-

    tar. Apenas tenha cuidado para no deixar a bandeja cairou derramar algo no caminho disse, e entregou umabandeja redonda para Samuel com um olhar preocupado.

    Voc consegue levar? A bandeja no era muito grande ou pesada, mas

    Samuel suspirou mesmo assim quando a pegou de suasmos.

    Sim, me, consigo levar sem problema.Samuel atravessou o ptio e entrou na Casa do Po-

    der. O caminho que levava entrada era feito de umagrande quantidade de pedras. Havia aberturas ao longo do

    trajeto onde pequenas rvores brotavam do solo, com ostroncos cobertos por trepadeiras. O caminho acabava emuma arcada sem nenhuma porta. Do outro lado havia umasala redonda que levava a trs direes: um amplo saguo direita, outro esquerda e uma escadaria ngreme nocentro.

    Samuel levou a bandeja escada acima e, quando

    chegou ao topo, encontrou um homem com bochechas

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    44/337

    redondas e sobrancelhas cinzentas cerradas sua frente.No possua cabelo algum no alto da cabea.

    O que voc tem a, Samuel?

    Era Horcio, cujo trabalho era manter as pessoasdistantes do lorde Phineus quando ele no queria ser per-turbado. O lorde nuncaqueria ser perturbado, ento Hor-cio ficava quase permanentemente fixo em seu posto noalto da escada.

    Algumas guloseimas para o quarto principal respondeu Samuel.

    Horcio examinou de perto a bandeja e surrupiouuma das torradas.Voc pode passardisse, devorando a torrada

    com uma mordida e abrindo o brao num movimentomajestoso que o convidava ao quarto principal. Samuelsorriu, pois embora tivessem poucas oportunidades de sever, gostava de Horcio e de seus trejeitos teatrais.

    Samuel se apressou em meio tranquilidade do sa-guo superior, dirigindo-se enorme porta no fim do a-posento, ansioso por terminar sua tarefa e retornar para asobremesa que lhe fora prometida. Colocou a bandeja nocho e bateu na porta. Enquanto aguardava, a porta se a-briu e sir Philip se elevou sobre Samuel num roupo ver-

    melho como o que seu pai costumava usar. Sir Philip lan-ou um olhar penetrante para a bandeja no cho: Horcio roubou os figos de voc ou ainda es-

    tamos esperando uma produo maior do pomar?Ao se inclinar para pegar a bandeja, Samuel desejou

    no ter ido visitar sua me.Receio que ainda no haja figos, senhor. A co-

    lheita ainda est por vir.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    45/337

    As mos de Samuel tremiam enquanto segurava abandeja e as xcaras comearam a chacoalhar. Alm daporta, viu uma grande mesa dentro do quarto, atrs da

    qual estava sentado o lorde Phineus. Ele tambm vestiaum roupo vermelho, mais escuro que o de sir Philip ecom uma larga faixa negra adornando as mangas e o ca-puz.

    Deixe o garoto passar, sir Philip. No culpadele que tenhamos de esperar pelas coisas que desejamos.Uma colheita feita quando est pronta, no quando exi-

    gimos.Samuel hesitou diante da entrada. Havia um aspec-to sombrio em lorde Phineus e passou pela mente de Sa-muel largar a bandeja ali mesmo onde estava e correr devolta para seu quarto.

    Venha c, ento, vejamos o que voc tem a an-tes que, seja l o que for, fique gelado.

    Samuel se arrastou pelo quarto e colocou a bandejasobre a mesa. Olhou para a direita e percebeu que haviaoutro homem olhando atravs de uma das janelas onde astrepadeiras entravam, cobrindo algumas das paredes e pi-sos. Era sir Emerik, o ltimo dos trs homens que con-trolavam quase tudo nas Terras Altas e na Terra Mdia.

    No fazia muito tempo que seu prprio pai, sir William,fora o quarto destes homens poderosos. sua esquerda, Samuel notou uma coluna de pedra

    branca que tinha a mesma altura do menino. Em cima de-la havia a cabea de um homem esculpida em pedra.

    Vejo que est intrigado com a cabea de Meaddisse lorde Phineus. Samuel virou rapidamente o olhar

    para concentrar sua ateno em lorde Phineus.Estava apenas olhando.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    46/337

    Lorde Phineus sorriu e chamou o garoto para maisperto.

    um de meus artigos favoritos. Melhor no to-

    car. Sir Emerik atravessou a sala at a mesa e se incli-nou, cochichando algo para lorde Phineus numa voz quesoava como um papel sendo amassado. Lorde Phineusno parecia muito interessado. Distraidamente retirou atampa do ch e um sopro de vapor adocicado se espalhoupelo ar fresco do aposento.

    Ainda sentimos falta de seu pai no conselho dosancies disse sir Emerik com uma voz estridente quefez com que Samuel desejasse cobrir os ouvidos. Eleera muito inteligente, mas estamos nos esforando ao m-ximo para cuidar de tudo.

    Deixe-me fazer uma pergunta, Samuel disselorde Phineus, passando o brao por sobre a mesa e pe-gando uma torrada.Voc sente falta de ter seu pai porperto? Quero dizer, vocs dois eram prximos ou voc um desses garotos que mais ligado me?

    Samuel enrubesceu e ento abaixou a cabea. Que-ria apenas sair do quarto e correr de volta para a cozinhapara berrar com sua me por t-lo feito trazer a bandeja.

    Lorde Phineus colocou a torrada na mesa e esticou obrao na direo de Samuel. Colocou seu dedo embaixodo queixo do garoto, levantando-o, e Samuel tentou des-viar o olhar mas no conseguiu.

    Lorde Phineus tinha uma expresso cruel no rosto,como se magoasse intencionalmente o garoto ao mencio-nar seu pai.

    Seja um bom menino e pea sua me que metraga manteiga de figo com meu po pela manh, sim?

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    47/337

    Mas no h figos, lorde. Eu sei. Pea mesmo assim. Quando a vir pelo

    ptio, me divertirei com aquela mancha vermelha embaixo

    do lbio dela.Lorde Phineus pegou a torrada que tinha deixadode lado e a examinou, ponderando se queria com-la ouno.

    Pode ir, Samuel.Samuel se virou para sair e encontrou sir Philip pa-

    rado sua frente. Parou abruptamente e no olhou para

    cima. O roupo vermelho familiar era tudo o que Samuelpodia ver, fazendo-o desejar que seu pai estivesse l paraespantar toda a crueldade para fora do quarto.

    Deixe-o passar, Philip disse lorde Phineus.Muito em breve o colocaremos para trabalhar e tenhotoda a certeza de que podemos lhe delegar tarefas que irotransform-lo num homem.

    Quando Samuel chegou ao outro lado da porta,correu pelo saguo, passando por Horcio sem dizer umapalavra, e desceu as escadas apressadamente em direoao ptio.

    Quando parou de correr, Samuel estava completa-mente sem flego. Olhou para trs e viu o quanto estavalonge da Casa do Poder, agora j nos campos abertos queficam antes das bordas das Terras Altas. No foi uma cor-rida extremamente longa, mas Samuel no tinha o hbitode correr ou escalar.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    48/337

    Atravessou o campo at chegar a um prado degrama verde que alcanava seu peito, e seguiu caminhopor um matagal de rvores entrelaadas.

    Finalmente alcanou um lugar onde a grama davalugar terra e pedras, deixando as rvores para trs. Alipodia ver no escuro da noite que havia uma linha a partirda qual o cho se tornava negro: a borda das Terras Altas.Era um lugar perigoso. Um tropeo repentino ou um m-sero empurro por trs e aquele seria o fim de Samuel.

    Deitou-se no cho e pendurou a cabea para fora

    da borda das Terras Altas, perdido em memrias do pas-sado, um passado onde seu pai ainda estava vivo e suame era uma pessoa diferente. L embaixo avistou fo-gueiras e sentiu um aroma fraco, mas rico, de madeira efigos negros queimando. Estava acima do pomar e ao ladoda cachoeira mais prxima, que se encontrava a uma pe-quena distncia da Casa do Poder. Enquanto estava alideitado ficou imaginando o que o povo da Terra Mdiaprovavelmente fazia ao final de um dia de trabalho nopomar. Permaneceu na borda pensando por um bomtempo, at que ficou cansado e comeou a pegar no sono.Era algo perigoso de se fazer na borda do mundo.

    Samuel no sabia ao certo quanto tempo havia

    passado dormindo quando ouviu um rudo que o fez des-pertar pelo susto. De incio no conseguiu descobrir deonde vinha o barulho, mas, ao sentar-se e esfregar os o-lhos de sono, ele entendeu. Samuel inclinou a cabea len-tamente para alm da borda das Terras Altas, observandoa escurido abaixo. E l, para sua surpresa, avistou algonunca visto antes por algum das Terras Altas.

    Algum estava escalando o despenhadeiro.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    49/337

    CAPTULO

    6UM LIVRO DE COISAS SECRETAS

    As horas mais escuras da noite se aproximavam e Samuel

    comeou a se indagar se tinha apenas sonhado que algumescalava o despenhadeiro. Estava certo de que o que querque fosse, tinha braos e uma cabea, mas parecia menordo que deveria ser estando to perto. Talvez no fossemesmo uma pessoa, mas algum tipo de criatura vinda paraaprisionar criancinhas e empurr-las da borda para umacaverna em alguma parte do despenhadeiro l embaixo.

    Samuel deu uma espiada ansiosa por sobre o om-bro em direo Casa do Poder e se indagou se deveriaalertar a todos sobre uma possvel invaso. Mas, ento,Samuel ouviu um tossido e uma vozinha resmungandoalgo para si mesma, e ento virou-se para olhar a figuraque se aproximava.

    Percebeu que no era de forma alguma um mons-tro, mas um garoto. Um garoto.Aquilo poderia mesmo serverdade?

    Colocando-se de p, Samuel caminhou em silnciopela beira do despenhadeiro at ficar bem acima do garotoque subia, e depois se deitou novamente. Olhando porsobre a beirada, comeou a ponderar sobre suas opes.

    Certamente lorde Phineus e os outros na Casa do Podergostariam de ser informados sobre uma pessoa invadindo

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    50/337

    as Terras Altas. Talvez houvesse at uma recompensa peloempenho valoroso de Samuel.

    Mas Samuel ficou preocupado em abandonar o

    vulto que subia. Talvez j tivesse partido quando ele re-tornasse. Se isto acontecesse, lorde Phineus ficaria zanga-do. Quanto mais Samuel esperava, mais tinha certeza deque deveria ficar.

    Um garoto da minha idade subindo at as Terras Altas.Como pode?Samuel tateou seus prprios braos esquelti-cos e ficou com vergonha na verdade, com inveja

    do garoto que estava agora apenas 6 metros abaixo dele.Como podia um garoto escalar to alto e por que ar-riscava a prpria vida dessa maneira? Como se atrevia?

    Voc a! Estou te vendo escalar o despenhadei-ro! Samuel deixou escapar no tom de voz mais amea-ador que conseguiu projetar.

    Aps um breve momento de medo intenso, Edgarolhou para cima e viu a cabecinha de Samuel se esticandoalm da beira, pelo cu noturno. A voz certamente nopertencia a um adulto e o tamanho da cabea de Samuelera um estmulo consolador.

    Por que voc est aqui to tarde da noite? como se estivesse esperando por mim perguntou Ed-

    gar em um tom de voz amigvel.Samuel pensou por um instante, tentando descobrircomo responder pergunta. Que tipo de garoto era aque-le?

    Voc no pode simplesmente subir at aqui respondeu Samuel. No algo normal. E de qualquerjeito, proibido. Seus pais no lhe avisaram disto?

    Samuel estava com dificuldades para esconder suacuriosidade e, apesar de todas as suas tentativas de intimi-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    51/337

    dar o garoto a no invadir seu mundo, realmente desejavasaber mais sobre ele.

    Eu no tenho pais disse Edgar. Tinha che-

    gado a apenas alguns metros abaixo das Terras Altas e osdois garotos podiam agora ver um ao outro sob a luz fra-ca. Edgar sorriu e esticou a mo para cima at que Samuelpudesse agarr-la, mas em vez disso Samuel perdeu o e-quilbrio dos cotovelos e derrubou terra solta sobre a ca-bea de Edgar. Samuel no tinha percebido o quanto es-tava desconfiado deste estranho at que sua mo chegasse

    to perto. Fora educado para ver as pessoas l de baixocomo sujas e perigosas.Todo mundo nas Terras Altas tem esta educa-

    o?perguntou Edgar. Havia bom humor em sua voze isto acalmou Samuel, que voltava a espiar por sobre aborda do despenhadeiro.

    Venha c, ento continuou Edgar. Nopode me dar uma mozinha?

    Como se chama?Edgar.Transcorrido um momento em meio tranquilida-

    de da noite e os dois garotos desviavam o olhar apreensi- vamente, tentando adivinhar o que o outro estava pen-

    sando.Espero no me arrepender disto disse Samu-el, finalmente mudando de idia. Depois de uma boa dosede hesitao, ele estendeu o brao para baixo. Edgar pe-gou a mo de Samuel e a achou muito pequena e frgil.No havia fora alguma nela e Edgar teve certeza de queos dois acabariam caindo pelo despenhadeiro. Para alvio

    de Samuel, Edgar soltou sua mo e rapidamente escalousozinho a parte que restava do despenhadeiro. Chegando

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    52/337

    ao topo, ele se afastou da beira, permitindo a si mesmoum suspiro de alvio ao sentir terra firme sob os ps.

    Samuel compartilhou seu nome com Edgar, mas

    no conseguiu pensar em mais nada para dizer. Ento estas so as Terras Altas observouEdgar, inspirando profundamente o ar puro. Aqui emcima tem um cheiro bom.

    Edgar olhou ao redor e desejou poder enxergar onovo mundo ao qual acabara de chegar, mas encontrouapenas sombras de rvores a distncia.

    Moro num pomar como aquele disse Edgar,apontando para a silhueta de um grupo de rvores queconseguiu reconhecer no escuro.

    No um pomar, s um monte de rvores.Elas no produzem nada. Apenas ficam ali e escondem oque est atrs delas.

    O que est atrs delas? perguntou Edgar,com uma curiosidade tamanha que o fez seguir andandona direo do bosque.

    No! Pare! Voc vai ser visto... e eles no voficar felizes por voc ter vindo. Vai se meter em encrenca.

    Edgar voltou e se sentou perto de Samuel.Os dois garotos estavam na beira das Terras Altas e

    nenhum deles sabia o que dizer ou fazer. Sempre disserama Samuel que pessoas como Edgar s eram boas para umacoisa: atender s necessidades das Terras Altas. Quanto aEdgar, apenas sabia que o povo das Terras Altas contro-lava tudo em seu lar e que tomava tudo o que queria. Ed-gar tinha pouqussimo tempo, mas ainda no estava certose deveria confiar nesse garoto das Terras Altas. Os dois

    foram criados de modo a odiar um ao outro, embora nem

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    53/337

    ao menos tivessem tido a oportunidade de se encontrarat ento.

    Por que voc veio aqui? perguntou Samuel.

    No havia acusao alguma em sua voz, apenas uma curi-osidade genuna.Agora que estava finalmente sentado aps horas de

    uma dura escalada, Edgar percebeu o quanto estava can-sado e com fome. Era quase impossvel imaginar que embreve teria que descer tudo de volta e no sabia quandoteria chance de voltar.

    No sei se posso confiar em voc comeouEdgar. Mas tambm no tenho muito tempo. Precisovoltar para o pomar ou sentiro minha falta, e ento o Sr.Ratikan ir me castigar.

    Voc no est armado e nem parece uma amea-a para mim disse Samuel. No sei o que ganhariaentregando voc. Ningum precisa saber que nos vimos.

    Edgar notou a preocupao e a curiosidade de Sa-muel.

    No sei disse ele. Quero confiar em voc,mas acabei de conhec-lo.

    Samuel pensou por um momento antes de tentarmais uma vez convencer um garoto da Terra Mdia a con-

    fiar num garoto das Terras Altas.No o que voc est pensandodisse Samu-el. No gosto daqui, das Terras Altas. No quero falarpara ningum que voc veio, no percebe? Quero que sejanosso segredo.

    Edgar continuou a refletir sobre a questo. Poderiaser que esse garoto viesse a tra-lo no final, mas Edgar fo-

    ra at ali para que algum lesse o livro e tinha acabado de

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    54/337

    encontrar algum capaz de fazer isto algum que pare-cia digno de confiana.

    Com certa hesitao, Edgar contou a Samuel sobre

    o homem que achava que poderia ser seu pai, sobre osdiversos anos de escaladas solitrias e sobre o item queprocurava por anos sem conseguir encontrar (embora notenha dito exatamente o que era).

    Samuel ouviu com ateno a tudo que Edgar disse-ra antes de dar sua resposta.

    Ento voc passou toda sua vida burlando as

    regras escondido e colocando sua vida em perigo, tudoisto para encontrar esta coisa que algum deixou para vo-c?

    Edgar confirmou com a cabea, entusiasmado.Mas por que veio at aqui?perguntou Samu-

    el.Edgar no respondeu prontamente. Ser que podia

    realmente confiar neste magricela que no resistiria a umdia no pomar do Sr. Ratikan? No estava certo disso, massabia que tivera muita sorte por ter sido descoberto porum garoto de sua idade, em vez de um guarda. Decidiuque era um risco que estava pronto a assumir.

    Encontrei o que tinham deixado para mim

    revelou Edgar. Enfiou a mo no grande bolso costuradona frente de sua camisa, mas ento esperou mais um ins-tante.

    No precisa me mostrar se no quiser disseSamuel. Estava curioso, mas no queria afugentar Edgar.

    Se voc retornar, vou fingir que nunca o vi.Edgar tirou o livro do bolso e o segurou firme no

    ar da noite. Samuel ficou imediatamente encantado diantedo que viu. Adorava livros e este parecia diferente de to-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    55/337

    dos os outros que j tinha visto. No era como aquelesdas Terras Altas, que eram todos grandes, pesados e en-cadernados em capa dura. Este era pequeno e de couro.

    Parecia velho e desgastado.Onde voc conseguiu isto?perguntou Samu-el, com a voz deixando transparecer sua empolgao. Masquando tirou os olhos do livro e viu o rosto de Edgar, su-bitamente lembrou-se das regras.Voc no sabe lerdisse Samuel.

    Foi por isso que veio, para encontrar algum

    que pudesse ler para voc.Edgar no respondeu. Desviou o olhar para a escu-rido com uma expresso de mgoa no rosto.

    No motivo para se envergonhar disse Sa-muel.

    No culpa sua. Edgar estava hesitante.Voc no sabe quanta sorte tem em morar aqui

    em cima. Deve ser o paraso.No bem assimdisse Samuel. Hesitante, ele

    acrescentou em seguida: Vou contar um dos meus se-gredos a voc, e vai entender do que estou falando.

    Samuel apontou para algum lugar a distncia, abai-xo da linha do despenhadeiro.

    Ali embaixo, h cerca de um ano, meu pai caiuda borda. Desde ento minha me no mais a mesma Samuel esfregou uma mancha abaixo do lbio, sentindouma coceira sob a superfcie da pele. Agora passo boaparte do tempo no meu quarto, sozinho. No gosto desair.

    Este foi um momento importante para Edgar, pois

    ele percebeu algo sobre o qual nunca tinha pensado: eraum solitrio. Dormindo sozinho no pomar, protegendo

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    56/337

    seus segredos, mantendo-se longe das outras crianas.Sempre sentira alguma coisa, mas de alguma maneiranunca compreendeu do que se tratava. E havia algo mais.

    Edgar pela primeira vez entendeu que havia dois tipos desolido. Um acontecia porque voc o escolhia, e era bompor um tempo. O outro, por sua vez, escolhia voc, enunca era bom. Samuel vivia com o segundo tipo e Edgarficou triste por ele.

    Ainda assim, havia algo na histria de Samuel queno fazia sentido para Edgar. Ele ficou pensando se Sa-

    muel poderia estar tentando engan-lo.Estranhorefletiu Edgar.Samuel ficou surpreso com a palavra escolhida por

    Edgar para aquele momento. Achava mais trgico do queestranho que seu pai tivesse cado rumo morte.

    Todo mundo na Terra Mdia to compassivocomo voc? disse Samuel asperamente. Dava patadascom facilidade quando feriam seus sentimentos.

    que, bem, para ser sincero, esta histria e umpouco difcil de se acreditar.

    O que quer dizer?Quero dizer que se algum casse pelos cus at

    a Terra Mdia, eu provavelmente teria ficado sabendo.

    Todos comentam sobre os fatos uns com os outros. No o tipo de coisa que deixaria de circular.Isto pegou Samuel de surpresa e ele pensou sobre a

    questo por um momento. Ser que a histria poderia serfalsa? Quem inventaria uma narrativa to terrvel? Samuelno sabia o que dizer.

    Sinto muito pelo seu paidisse Edgar, tirando

    Samuel de seu estado de pasmo.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    57/337

    Samuel tentou afastar estes pensamentos novos eagitados de sua mente.

    Vamos dar uma olhada no livro?

    Desta vez Edgar no hesitou. Segurou o livro eSamuel o pegou. No temos muito tempo disse Edgar, en-

    quanto Samuel examinava a capa. Eu trabalho no po-mar do Sr. Ratikan, bem ali embaixo, e ele vai me procurarpela manh. Vai arrancar meu couro se no estiver l aoamanhecer. Edgar olhou cansado para a beira do des-

    penhadeiro. E ainda vou levar um bom tempo paradescer.Este um livro esquisito, Edgar.Por que diz isso? Ele parece diferente dos ou-

    tros livros que voc viu?Samuel tentou pensar em como explicar.

    O papel to fino e branco. Todos os livros nas Terras Altas tm pginas grossas e amareladas, e capasduras. Nunca vi nada assim nas Terras Altas. De onde serque veio?

    Samuel o abriu na primeira pgina e descobriu ldentro uma caligrafia to malfeita que era difcil identificaro que dizia.

    O que est escrito?No estou certorespondeu Samuel.Voc sabe ler, no sabe?Havia pnico na voz

    de Edgar. claro que sei ler! retrucou Samuel. Mas

    a caligrafia muito ruim e quase no h luz. Mal consigoidentificar as palavras na pgina.

    Samuel teve um pensamento hostil: Com quem este garoto da Terra Mdia pensa que est falando?, seguido por

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    58/337

    outro, mais nobre: Posso ter encontrado um amigo e no deviapensar assim dele.

    A primeira linha a nica que est escrita com

    clareza disse Samuel. Ela diz: Um livro de coisassecretaspara Edgar.Um arrepio de emoo e deleite subiu pela espinha

    de Edgar. O livro era para ele. Para ele. Estas palavras so-zinhas faziam valer por todo o trabalho que teve parachegar at ali.

    O que mais est escrito? S a primeira pgina

    voc consegue ler as primeiras pginas?Pelos vinte minutos seguintes, Samuel leu com a-teno as palavras na primeira pgina e tentou desespera-damente uni-las. Sua leitura vinha aos trancos e barrancose a espera pelas palavras que ainda estavam por vir deixavaEdgar maluco. Mas basicamente o que Samuel leu paraEdgar naquela noite se aproximava bastante do seguinte:

    Estou com pressa e preciso escrever rpido. Te-nho apenas esta noite para deixar para voc o que for possvel e escond-lo bem. No sei se algum dia este livro ser encontrado, mas trata-se de uma boa precauo e portanto irei escrev-lo. Usar o cesto para esconder este livro de coisas secretas at l em

    cima ser outro desafio, mas acredito que consigo faz-lo sem ser descoberto. Veremos.

    Edgar estou deixando isto para voc saben-do que a maior parte do que escrevo no poder sercompreendida, Se por algum milagre voc se depa-rar com esta mensagem, acredito que no ser ca- paz de l-la (a no ser que uma mudana inespe-

    rada acontea). Acho que voc ter 11 anos

    quando este livro ir surgir para voc, se que ele

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    59/337

    surgir. Minha esperana que voc o esconda at encontrar algum que o possa ler para voc. NOentregue este livro para ningum das Terras Altas sem ter certeza de que pode confiar nesta pessoa. E-

    xistem muitos naquela parte do mundo que seriam uma ameaa a voc.

    Meu nome Luther. Alguns me chamam de dr.Kincaid. Eu o trouxe aqui, Edgar. Falarei mais sobreisto se houver tempo apenas saiba que fiz o que julguei ser o melhor para voc.

    Aqui est a primeira coisa que deve saber,

    algo muito difcil de se explicar: Atherton no o que voc imagina. Tentarei lhe contar a verdade nas poucas pginas que se seguem...

    Ambos os garotos estavam sem palavras. Um ins-tante de silncio passou pela beirada das Terras Altas. Anoite fechada j havia cado durante a leitura das primeiras

    pginas e o ltimo vestgio de luz cinza j tinha ido em-bora. A escurido total tinha chegado e rapidamente Ed-gar se deu conta da hora.

    Tenho que ir embora.Tem certeza de que consegue descer durante a

    noite? Edgar se inclinou por sobre a beirada e viu querestavam apenas quatro ou cinco pontos alaranjados dasfogueiras remanescentes l embaixo. Fiquei aqui por muitotempo. Olhou de volta para Samuel e estendeu a mo.

    A alta noite vai durar apenas uma hora e depoisa luz ir lentamente retornar at a chegada da manh. Sedescer agora, acho que consigo chegar a tempo disseEdgar.Me d o livro.

    Samuel puxou o livro para perto do corpo e segu-rou com mais fora. Seria difcil larg-lo.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    60/337

    Por que no deixa o livro comigo? Posso des-cobrir o que est escrito e lhe contar tudo quando voltar.

    Edgar sabia que Samuel no poderia correr mais

    rpido que ele ou subjug-lo. No seria difcil arrancar olivro dele e partir.Samuel disse Edgar. Eu confio em voc.

    Sei que o livro disse que no deveria, mas confio. No que...

    Houve uma pausa constrangedora enquanto Edgartentava explicar.

    No posso deix-lo aqui, Samuel. Simplesmenteno posso. Esta a nica coisa no mundo que realmenteme pertence. Vamos ler juntos. Chegarei mais rpido daprxima vez, no mesmo lugar, e passaremos um bomtempo examinando-o.

    Samuel queria tanto guardar o livro consigo quequase saiu em disparada pelas rvores. Mas Edgar era paraele o que mais se havia aproximado de um amigo at en-to, e um amigo era algo de que realmente precisava. Sa-muel entregou o livro.

    Faremos o seguintedisse Edgar, colocando olivro no bolso da frente de sua camisa. Voc continuame ajudando a ler este livro de coisas secretas e eu tento

    descobrir o que aconteceu com seu pai. Se ele caiu pelocu, algum na Terra Mdia saber algo a respeito.Edgar estava alm da beira das Terras Altas, com os

    ps cegos procurando por pontos de pegada no escuro.Estava cansado e a viagem para baixo seria ainda mais pe-rigosa do que para cima, mas estava decidido e ansiosopara retornar ao pomar antes do amanhecer.

    Quando voc vai voltar? perguntou Samuel.Edgar olhou para cima uma ltima vez.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    61/337

    Vou precisar de algum tempo para descansar.Edgar pareceu refletir sobre quanto demoraria at que re-cuperasse a fora para outra escalada at as Terras Altas.

    Sete noites a partir de agora, quando irei voltar. Pro-cure por mim!E ento um pacto foi feito: Samuel ajudaria Edgar a

    ler seu livro e Edgar ajudaria Samuel a descobrir o queacontecera com seu pai. O fato de terem se encontradoseria um segredo dos dois.

    Alguns instantes depois de se despedirem, Samuel

    j no conseguia mais enxergar Edgar no despenhadeiro lembaixo. Queira cham-lo para dizer adeus mais umavez mas tinha medo de que o ouvissem. Voltou paraseu quarto e passou a noite acordado pensando em seunovo amigo, em seu pai e em todas as coisas estranhasque lera no livro beira do mundo.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    62/337

    CAPTULO

    7UMA ESPI COM UMA FUNDA

    A colorao cinza da noite havia passado e a luz da manh

    cobria o ar quando Edgar devolveu o livro de coisas se-cretas para seu esconderijo original, no caminho de voltapelo despenhadeiro. Nunca estivera to alto no penhascocom a luz do dia sobre si e por um momento permaneceucompletamente imvel, inspecionando o mundo que a-cordava abaixo dele.

    De onde estava agarrado muralha sem se mover,Edgar podia ver todos os lugares por onde passara em suacurta vida. Raramente tinha viajado alm do pomar, dapequena aldeia e dos pastos entre eles. Do alto, era umlenol magnfico de verde e dourado. J havia diversaspessoas se movendo de maneira confusa pela aldeia. Empouco tempo tudo estaria iluminado e o mundo estaria

    vivo e alerta. Edgar no tinha protetoresnem pais nemfamlia , e se o perigo chegasse no teria ningum maiscom quem contar alm de si prprio.

    Era difcil para ele imaginar uma encrenca pior doque ser pego luz do dia naquele lugar proibido.

    Edgar se virou para a muralha e comeou a se mo-ver novamente, devagar, mas de forma obstinada. Como

    uma gotcula dgua, deslizava tranquilamente e em siln-cio. Parecia fazer parte do despenhadeiro; uma pessoa te-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    63/337

    ria de olhar com muita ateno para perceber que ele dealguma maneira no fazia parte das rochas. Edgar e A-therton eram uma s coisa.

    Quando chegou ao cho, ele se moveu rapidamentepela vastido coberta de p at chegar s rvores distantes.Mas j era tarde e mesmo todo o seu esforo no foi ca-paz de impedir que chegasse ao pomar uma hora maistarde do que deveria para cuidar das mudas.

    Edgar rastejou silenciosamente em direo s rvo-res mais jovens, com os ramos fazendo um rudo en-

    quanto avanava e um sol a brilhar que tornava as folhasl em cima transparentes. Era um momento sereno do diano pomar. O ar estava frio, mas no congelando, e Edgarquase podia sentir seu hlito. Passou os dedos por galhose folhas enquanto andava e o som das folhas se agitando odeixou feliz.

    Por que voc no est cuidando das mudas?O momento tranquilo no pomar foi quebrado pela per-gunta impetuosa do Sr. Ratikan. Ele possua uma maneirairritante de surgir do nada quando menos se esperava. Ocabelo do Sr. Ratikan estava emaranhado e suas velhascalas amassadas como se tivesse pulado da cama diretopara o pomar.

    Eu te fiz uma pergunta, garoto ele disse, ba-lanando a bengala na direo das canelas de Edgar, queno se moveu, achando que um pouco de crueldade iriamelhorar o humor do Sr. Ratikan. No melhorou. Onde foi que se escondeu esta manh?perguntou.

    Edgar no sabia o que responder. No dormia oucomia h muito tempo e no conseguia pensar com clare-

    za.

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    64/337

    Tudo bem, se assim que voc quer disse oSr. Ratikan.No vai ganhar gua ou comida at me di-zer. E nem pense em mentir: andei investigando os arre-

    dores e sei onde voc no esteve. Quero saber onde foique esteve.O Sr. Ratikan cutucou o peito de Edgar com a

    bengala e quase o derrubou, mas o garoto permaneceu emsilncio. Edgar no conseguia pensar em mentira algumapara o despistar e certamente no poderia contar a verda-de ao Sr. Ratikan sobre onde estivera.

    Agora v cuidar daquelas mudas e no pare atterminar com o restante delas! Talvez um pouco de traba-lho duro e fome abram essa sua boca.

    Observando em silncio o Sr. Ratikan ir embora,curvando-se para desviar dos galhos mais baixos, Edgarpercebeu que o restante delas significava mais de cin-quenta mudas. Podar todas elas levaria at o fim da tarde,mesmo que trabalhasse rpido. Seria um longo dia, semgua ou comida.

    Edgar foi para o campo das mudas e comeou apodar a primeira de muitas arvorezinhas. Eram os bebs

    o futuro do pomar e eram s um pouco maioresque ele. A casca era fina como papel. Um sopro delicado

    sobre as pequenas folhas verdes faria todas danarem, masno as soltaria.As rvores tinham apenas um ano e cresceriam r-

    pido. Quando tivessem dois, produziriam uma safra defigos e quando tivessem trs produziriam outra conhe-cida como a colheita do terceiro ano e ento seriamcortadas e seu interior esvaziado para fazer farinha. As

    rvores eram um milagre de produo: figos, farinha, pa-

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    65/337

    pel, madeira para construir e queimar praticamente to-das as partes eram aproveitadas.

    Mas as rvores no pomar tambm tinham proble-

    mas. Consumiam enormes quantidades de gua, o quesignificava que a Terra Mdia poderia cultivar apenas u-mas poucas centenas por vez, deixando ainda menos guapara os habitantes da aldeia. Duzentas mudas, apenas cemrvores com dois anos (pois as mudas eram delicadas e ametade morria antes de chegar ao segundo ano) e maisuma centena de rvores com trs anos isto era tudo o

    que o pomar conseguia manter, de modo a ainda fornecergua para a aldeia. As melhores das rvores produziammenos de cem figos utilizveis por ano, enquanto muitasdas rvores frgeis no produziam coisa alguma alm deduras bolas negras.

    O maior perigo em relao s figueiras era deix-lasplantadas por mais do que algumas semanas depois dacolheita do terceiro ano. As folhas se tornavam txicas aotoque e a casca se transformava num musgo brilhante ealaranjado que secava e virava p. Se esta se espalhassepelo ar, muitos no pomar sofreriam com uma tosse ago-nizante que duraria semanas. Edgar suspeitava que esteera o motivo pelo qual o Sr. Ratikan era to rgido quanto

    ao cronograma da colheita de figos. Havia pouca chancepara erros.Edgar tentou trabalhar rpido o dia inteiro, s que

    mais de uma vez se encontrou dormindo em p onde es-tava. Ia de rvore em rvore, podando e aparando, com-pletamente perdido em seu prprio mundo enquanto odia lentamente passava at chegar a hora do jantar.

    Quando j se aproximava do fim da ltima fileira de mu-das, Edgar acordou de seu devaneio ao ouvir um estalo e

  • 8/3/2019 A Casa Do Poder (the House of Power) - Patrick Carman-Www.livrosGratis

    66/337

    sentir algo arremessado passar a um fio de seu cabelo.Abaixou e imediatamente pegou sua funda.

    Estou te vendo.

    Edgar virou-se e viu Isabel a uns dez passos de dis-tncia, pegando mais munio de uma bolsinha cheia defigos negros pendurada na cintura. Ela comeou a balan-ar a funda mais uma vez e Edgar congelou. Soltou umadas cordas num estalo e outro figo negro voou a algunscentmetros acima da cabea dele.

    Voc ficou maluca!gritou ele, remexendo em

    seu bolso lateral procura de sua prpria arma. Mas Isabelj tinha recarregado e girava outro figo negro sobre suacabea. Seus movimentos eram incrivelmente velozes.

    Segui voc depois do jantar na noite passada disse ela.Vi o que voc fez.

    No sei do que est falando disse Edgar,carregando sua funda.Abaixe esta coisa!

    Sei aonde voc foi e o que estava fazendo.Soltou a corda novamente com um estalo e desta

    vez o figo negro passou de raspo direta da cabea deEdgar.

    Eu sempre soube.Sempre soube?Seria verdade? E quando ela tinha fei-

    to a funda? Edgar no ac