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1933 A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR FUEL ADULTERATION AND THE PROTECTION OF RIGHTS OF CONSUMER Karoline Lins Câmara Marinho RESUMO Cada vez mais se tem deixado de defender interesses individuais para se defender os interesses de um grupo determinado ou indeterminado de indivíduos. Assim, tendo em vista os meios de defesa dos interesses transindividuais em juízo, que passaram a se desenvolver com a interveniência da Lei n.º 7.347, de 1985 que disciplina a Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078, de 1990, analisaremos minuciosamente como se dá a forma de defesa dos direitos do consumidor, especificamente, no que concerne à qualidade de combustíveis, desde o papel da Agência Nacional do Petróleo – ANP, nesse mister, até o papel do Ministério Público como defensor desses interesses difusos. A partir da edição da Lei n.º 9.847, de 1999, o abastecimento de combustíveis passou a representar mais do que um simples negócio privado, implicando dizer que quando se configura a adulteração dos combustíveis, justo é que sejam responsabilizados os agentes causadores dos danos ao consumidor e à sociedade. Ressalte-se, por fim, a relevância do tema em questão, tendo em vista que o petróleo tornou-se a mola propulsora do desenvolvimento. Necessário se faz, assim, medidas coercitivas primando pela defesa do consumidor, que é a peça chave para o crescimento da indústria, pois sem ele não há mercado. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTROLE DE QUALIDADE DE COMBUSTÍVEIS. ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABSTRACT Each time more if has left to defend individual interests to defend the interests of a determinate or indeterminate group of individuals. Thus, in view of the ways of defense to them interest transindividuals in judgment, that have been developed with the intervenience of the Law 7,347/85 that disciplines the Public Civil Action and of the Code of Defense of the Consuming, Law 8,078/90, we intend to analyze at great lenght how Is the form of defense of the consuming interests, specifically, In what concerns to the quality of fuel, since the function of the National Agency of the Oil (ANP) until the function of the Public Attornation as defender of those diffuse interests. From the Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E A PROTEÇÃO DOS …publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/... · 2010. 7. 29. · determinate or indeterminate group of individuals

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  • 1933

    A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

    FUEL ADULTERATION AND THE PROTECTION OF RIGHTS OF CONSUMER

    Karoline Lins Câmara Marinho

    RESUMO

    Cada vez mais se tem deixado de defender interesses individuais para se defender os interesses de um grupo determinado ou indeterminado de indivíduos. Assim, tendo em vista os meios de defesa dos interesses transindividuais em juízo, que passaram a se desenvolver com a interveniência da Lei n.º 7.347, de 1985 que disciplina a Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078, de 1990, analisaremos minuciosamente como se dá a forma de defesa dos direitos do consumidor, especificamente, no que concerne à qualidade de combustíveis, desde o papel da Agência Nacional do Petróleo – ANP, nesse mister, até o papel do Ministério Público como defensor desses interesses difusos. A partir da edição da Lei n.º 9.847, de 1999, o abastecimento de combustíveis passou a representar mais do que um simples negócio privado, implicando dizer que quando se configura a adulteração dos combustíveis, justo é que sejam responsabilizados os agentes causadores dos danos ao consumidor e à sociedade. Ressalte-se, por fim, a relevância do tema em questão, tendo em vista que o petróleo tornou-se a mola propulsora do desenvolvimento. Necessário se faz, assim, medidas coercitivas primando pela defesa do consumidor, que é a peça chave para o crescimento da indústria, pois sem ele não há mercado.

    PALAVRAS-CHAVES: DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTROLE DE QUALIDADE DE COMBUSTÍVEIS. ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL.

    ABSTRACT

    Each time more if has left to defend individual interests to defend the interests of a determinate or indeterminate group of individuals. Thus, in view of the ways of defense to them interest transindividuals in judgment, that have been developed with the intervenience of the Law 7,347/85 that disciplines the Public Civil Action and of the Code of Defense of the Consuming, Law 8,078/90, we intend to analyze at great lenght how Is the form of defense of the consuming interests, specifically, In what concerns to the quality of fuel, since the function of the National Agency of the Oil (ANP) until the function of the Public Attornation as defender of those diffuse interests. From the

    Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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    edition of Law 9,847/99, the fuel supplying started to represent more than one simple private business, therefore, when the adulteration of fuels is configured, fair it is that the agents who caused the damages to the consumer and to the society must respond. It is standed out, finally, the relevance of the subject in question, in view of that the oil became propeller spring of the development. Is necessary, by the way, coercitive ways in order to the defense of the consumer, who is the key part for the growth of the industry, therefore without it the market does not exist.

    KEYWORDS: RIGHT OF THE CONSUMER. QUALITY CONTROL OF FUELS. FUEL ADULTERATION. CIVIL LIABILITY.

    INTRODUÇÃO

    O presente estudo tem por objeto analisar, compreender e, ao final, rechaçar a utilização de práticas que se subsumem ao abuso de poder econômico no comércio varejista de combustíveis, por parte das grandes distribuidoras de petróleo, que sempre dominaram este mercado, por força de leis, atos administrativos e contratos que versam sobre a atividade.

    Pela abrangência do tema faz-se necessário uma perfeita delimitação do assunto, considerando, portanto, apenas a instigante problemática da adulteração de combustíveis, haja vista que tem se tornado uma prática corriqueira nesse mercado, sendo de bom alvitre ressaltar a importância da defesa dos direitos consumeristas.

    Abordar-se-á, portanto, o problema da adulteração de combustíveis, que assola o mercado petrolífero, e as formas de defesa dos destinatários dos produtos derivados de petróleo, identificando como pode se dar a tutela jurisdicional dos direitos do consumidor no âmbito da distribuição de combustíveis.

    Haverá ainda uma análise dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil, assim como as formas de reparação em virtude da má qualidade de combustíveis comercializada pelos postos revendedores.

    Nesse contexto, o presente trabalho desenvolve-se sob o prisma da defesa do consumidor frente às práticas abusivas dos postos revendedores, que, para driblar a concorrência e auferir vultosos lucros e vantagens mercadológicas, passam a adulterar combustíveis. Essas práticas, no mesmo passo em que diminuem os custos dos fornecedores, aumentando a margem de lucro, provocam expressivos danos aos consumidores.

    De tal forma, serão esmiuçadas as maneiras de defesa judicial dos direitos consumeristas no pertinente aos danos decorrentes da adulteração de combustíveis, demonstrando-se como se deve proceder nos casos em que tais adulterações se apresentam.

    Em suma, a questão que ora se põe é de extrema relevância para o aprimoramento das relações comerciais petrolíferas, mormente no que concerne à estrita observância dos interesses dos consumidores, bem como a exposição do tema na seara acadêmica, tendo

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    em vista que é com a pesquisa científica que podemos ajudar a solucionar os problemas do nosso país.

    Contudo, embora interessante, o tema é deveras extenso para o alcance deste trabalho, razão pela qual ressalta-se o seu caráter introdutório, apenas, objetivando iniciar uma discussão sobre o assunto.

    1 DIREITO DO CONSUMIDOR

    Podemos dizer que a revolução industrial e a tecnológica ocorrida no pós 2ª Guerra Mundial foram de suma relevância ao desenvolvimento da defesa do consumidor, já que ficou patente o intenso desequilíbrio entre as partes negociantes. O novo mercado que se configurava, baseado no “capitalismo selvagem”, deixou o consumidor em situação desvantajosa frente aos grandes agentes econômicos, o que ensejou transformações nesse sistema, visando o relativo equilíbrio entre aqueles e esses.

    Assim, diante da hipossuficiência do consumidor, passou o Estado a tutelar a proteção deste, fazendo nascer um novo ramo do Direito, que só veio a se consolidar, pelo menos em termos, no Brasil, com a Constituição de 1988 e com a Lei n.º 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.

    Saliente-se, nesse desiderato, que é cláusula pétrea o dever absoluto para o Estado de defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF), além de se tratar de princípio fundamental da ordem econômica (art. 170, V, CF).

    2 ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS

    Cada produto que compõe o abastecimento nacional de petróleo tem sua composição química própria e diferenciada, determinante de sua identificação. Estes produtos, como gasolina, óleo diesel, álcool e gás natural, têm suas especificações determinadas pela ANP e são próprios da frota de veículos a que se destinam. Podem ser importados ou produzidos no Brasil.

    A adulteração de combustíveis, fato bastante corriqueiro hoje em dia, mormente as constatações nos noticiários nacionais se dá como a mistura de substâncias diferentes ou acima das especificações permitidas, originando um produto de qualidade inferior. Exemplo: embora a água faça parte da mistura do álcool, em quantidade acima do permitido ele vira aguado (o chamado álcool molhado).

    A gasolina pode ser adulterada de vários modos, e os mais comuns são a adição de álcool fora da quantidade especificada ou a colocação de vários tipos de solventes como o tolueno, metanol, benzeno, ou outros, acima dos valores máximos permitidos. O importante é saber que, mesmo fazendo parte da gasolina, componentes em excesso também constituem a adulteração prejudicial ao consumidor.

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    Os donos de postos, ou mesmo distribuidoras, podem "lucrar" acrescentando outros elementos ao combustível, de tal forma que a quantidade real do produto vendido pode ser menor do que a demonstrada na bomba. Isso faz com que o custo do combustível seja mais baixo para o revendedor. Além disso, as empresas produtoras de solventes ou outros elementos adicionados ao combustível também lucram, pois acabam vendendo mais esses produtos do que o mercado realmente necessita.

    Tal problemática restou tão evidenciada que foi instalada na Câmara dos Deputados, no ano de 2003, a CPI dos combustíveis [1]que teve por fim a investigação das operações no setor de combustíveis com relação à sonegação fiscal e adulteração de combustíveis.

    Qualquer elemento fora das especificações estabelecidas em lei pode causar diversos danos ao motor e a outros componentes do veículo, mesmo quando eles são percebidos apenas em longo prazo, quando já se torna impossível demonstrar quando e como o dano foi causado. O mais comum é o dano pela acumulação de combustível adulterado, verificado somente depois de muitos abastecimentos. A adulteração também pode causar: rendimento insatisfatório do veículo, perda de potência do motor, aumento do consumo, aumento da contaminação do meio ambiente devido à emissão de poluentes e danos à saúde dos trabalhadores dos postos que manuseiam esses produtos, dentre outros.

    3 O PAPEL DA ANP NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

    A Constituição de 1988 trouxe em seu art. 5º a garantia de Defesa do Consumidor, o que ensejou a criação do Código de Defesa do Consumidor em 1990. Nessa perspectiva, insere-se o papel regulatório e fiscalizatório desempenhado pela Agência Nacional do Petróleo – ANP , conferido pela Lei do Petróleo (Lei n.º 9.478, de 1997), seja de maneira direta ou por meio de convênios com órgãos da administração pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

    O foco de atuação da ANP, saliente-se, no que pertine a defesa do consumidor, não ocorre de maneira individual, eis que ao traçar as normas mestras com o fim de cristalizar o mercado, a agência leva em consideração a coletividade de consumidores, o que pode significar quase que toda população brasileira, vez que, em grande parte esta, em razão da relevância do produto para a economia mundial, é consumidora direta ou indireta, mesmo porque o transporte de mercadorias e passageiros utiliza combustíveis derivados de Petróleo.

    Desta feita, a atuação da ANP não deve ser restrita à esfera dos consumidores atuais, mas também aos futuros, seja na garantia de suprimento posterior dos recursos petrolíferos existentes, seja na garantia de aproveitamento racional dos mesmos para a inclusão de novos consumidores ao mercado, no intuito de realçar o princípio do amplo acesso aos combustíveis tutelado pelo Estado brasileiro. Notemos assim, que a ANP age de maneira preventiva quando emite normas de regulação do mercado intentando traçar as condutas a serem seguidas pelos agentes econômicos em todos os setores da indústria petrolífera.

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    Quanto à fiscalização, que se dá como ação repressiva da ANP, pois que envolve a aplicação de sanções administrativas, destaque-se a Lei n.º 9.847/99, que trata da fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis realizado diretamente pela ANP ou mediante convênios. Em suma, ao institucionalizar a fiscalização efetiva dos postos de revenda de combustíveis, busca proteção eficaz dos interesses difusos do consumidor, que é, nessa perspectiva o seu fim maior.

    A agência ainda estabeleceu um Programa de Monitoramento da qualidade de combustíveis objetivando a avaliação da qualidade dos combustíveis comercializados no país e mapear os problemas de não-conformidade com as especificações dadas pela ANP, tendo como foco o consumidor final de combustíveis derivados de Petróleo e Gás Natural.

    Em tal monitoramento, o conjunto de Postos Revendedores é dividido em regiões com um número parecido de postos, em cada Estado, sendo estes monitorados a partir de sorteios realizados pela instituição contratada. É coletada, assim, pelo menos uma amostra do combustível que, sendo coletado, será analisado nos laboratórios da instituição contratada que será considerada conforme quando atender a todas as especificações da ANP.

    Destaque-se ainda a criação do Centro de Relações do Consumidor, com a Portaria n.º 111 de 2000, que possibilitou o contato direto entre o consumidor e a ANP. Esse centro possui como objetivos principais, segundo a portaria retro mencionada, o recebimento, audição e análise das demandas consumeristas, como reclamações, denúncias, críticas, sugestões, pedidos de informação, solicitações, elogios e agradecimentos; a orientação dos consumidores quanto a preços, qualidade e oferta dos produtos e serviços do setor de combustíveis; a identificação das tendências do mercado consumidor; a contribuição com a fiscalização da ANP; além do desenvolvimento de estudos e pesquisas concernentes à matéria ora em lume.

    Desta forma, o CRC desempenha importante papel de defesa do consumidor junto à ANP, sendo indispensável para a efetiva atuação da agência na opressão de práticas abusivas mercadológicas que atentem para a adulteração de combustíveis, tamanhos são os prejuízos advindos desses atos ilícitos tanto ao consumidor levado em consideração individualmente quanto a coletividade desses.

    Saliente-se, assim, que a atividade de fiscalização exercida pela ANP é de extrema relevância para a defesa dos interesses difusos dos consumidores de combustíveis. E os dados obtidos nesses procedimentos são imprescindíveis à averiguação das situações fáticas ensejadoras de sanção administrativa, e à fundamentação das medidas que se utilizará o Ministério Público, o que demonstra a grande importância dos convênios realizados entre Ministérios Públicos e Agência Nacional do Petróleo, que dinamizam a ação daqueles na defesa do consumidor.

    4 RESPONSABILIDADE PELA ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS

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    A Agência Nacional do Petróleo, ressalte-se, editou diversas normas a fim de prezar pela qualidade dos combustíveis comercializados, dentre as quais podemos destacar as portarias n.º 116/00, 202/99, 248/00, 309/01 dentre outras.

    Tais portarias tratam de dispositivos que proíbem ou obrigam os exploradores do mercado de Petróleo e Gás Natural a zelar tanto pela qualidade do produto, quanto dos serviços, além das condições laborais do estabelecimento comercial.

    Desta forma, vedado está ao revendedor a mistura de combustível, sendo-lhe obrigado garantir a qualidade dos combustíveis automotivos comercializados. Obriga-se ainda o revendedor a manter em perfeito estado os equipamentos medidores e tanques de armazenamento de sua propriedade, bem como zelar pela segurança das pessoas e de suas instalações, pela saúde de seus empregados e pela proteção ao meio ambiente, nos termos da portaria n.º 116/00.

    Este é só um exemplo de obrigação dos agentes envolvidos na comercialização de combustíveis, e a responsabilização se dará no caso de prejuízo ao consumidor em virtude do descumprimento de alguma dessas normas.

    Contudo, paira a dúvida, sobre quem seria o real responsável pelos danos advindos da adulteração do combustível. A Lei n.º 9.847, de 1999, que trata da fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, dispõe sobre a responsabilidade solidária entre fornecedores e transportadores, em seu artigo 18, afirmando que estes respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade, inclusive aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente da embalagem ou rotulagem, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor.

    No âmbito administrativo, a ANP se incumbe do papel de zelar pela qualidade dos combustíveis. Assim, uma infração prevista na lei supre mencionada dá margem a autuação, inclusive com a possibilidade de interdição do estabelecimento, por medida cautelar, e a abertura de processo administrativo, que ao final pode ensejar a aplicação de multas. A lacração de depósitos e bombas pela presença de produtos com qualidade comprometida perdura enquanto persistirem os motivos que levaram à interdição. Mas, uma vez comprovada por fiscal a retirada do produto fora de especificação, o estabelecimento volta a funcionar normalmente até a conclusão do processo administrativo.

    Este órgão não se atém unicamente aos limites do campo administrativo das infrações estabelecidas na Lei n.º 9.847, de 1999; como a fraude que está prevista no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 1990) e, ao lado do estelionato, figura no Código Penal (Lei n.º 2.848, de 1940), sendo ainda alvo da Lei n.º 8.176, de 1991 – que define os crimes contra a ordem econômica – e, mais recentemente, de legislações municipais, uma autuação gerada pela fiscalização da ANP pode acarretar ao agente ou agentes envolvidos uma série de processos, que podem correr paralelos, tramitando em diferentes instâncias.

    Outrossim, alguns vícios de qualidade – como os referentes a padrões de destilação e octanagem da gasolina, por exemplo, que podem ser decorrentes da adição de solventes – jamais poderão ser detectados no posto, mesmo com a execução dos

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    testes obrigatórios, dado que estes só conseguem indicar irregularidades relacionadas à cor e densidade dos produtos ao teor de álcool na gasolina. Tanto isso é verdade que a maior parte das autuações não é feita no momento da fiscalização. Diante disso, depreendemos que o revendedor pode ser excluído da responsabilização, quando a ação parte da iniciativa do órgão responsável pela fiscalização, como a ANP.

    No que concerne ao direito do consumidor, a responsabilização será vista sob um prisma diferente, uma vez que o consumidor, não munido dos instrumentos necessários à averiguação dos reais responsáveis, acionará todos os agentes envolvidos na cadeia de fornecimento do combustível. Para com o consumidor, o revendedor, ou seja, o posto prestador do serviço é o maior responsável, pois, caso não tenha sido sua culpa direta pela adulteração, foi negligente a ponto de não prezar pela qualidade do serviço oferecido, o que gerou prejuízos a sua clientela. Nesse sentido, devemos ressaltar que o revendedor, mesmo não envolvido diretamente no ato de adulteração responde perante o consumidor, em face do disposto na legislação aplicável.

    Nos termos do Código de Defesa do Consumidor nacional, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (Art. 12, CDC)

    Nessa esteira, destaque-se o disposto no artigo 18 do mesmo diploma legal, os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas (art. 18, CDC).

    Segundo o próprio código fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, assim como os entes despersonalizados que estejam envolvidos no desenvolvimento das atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

    Assim sendo, sempre que o CDC está se referindo a fornecedor ele não distingue os participantes que desenvolvem atividades de produção, distribuição ou revenda. Isto é, ele não distingue as fases da cadeia produtiva. Desta feita, caso o consumidor seja lesado em virtude da adulteração de combustíveis, o mesmo poderá acionar todos os envolvidos na cadeia de distribuição do produto que ele adquiriu.

    Em suma, podemos dizer que no âmbito administrativo, será averiguado o real responsável pela adulteração de combustíveis. A ANP poderá interpor ações judiciais contra os reais agentes causadores de tal dano, devendo o transportador ser responsabilizado pelos danos decorrentes de vício de qualidade, conforme o disposto na Lei n.º 9.847, de 1999. O distribuidor possui obrigações concernentes ao zelo pela

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    qualidade do produto que comercializa, assim como o transportador e o revendedor. Caso não observadas as normas atinentes a tais cuidados, mesmo não envolvidos no fato adulteração em si, os outros agentes da cadeia de fornecimento poderão ser acionados pelo simples dever de fazer algo que poderia evitar maiores transtornos.

    No que concerne à defesa do consumidor, o mesmo pode, individualmente, proceder à responsabilização do posto revendedor prestador do serviço, assim como exigir a solidariedade entre todos os envolvidos na comercialização do mesmo, desde o produtor, passando pelo distribuidor e pelo transportador.

    5 A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO QUANTO À ADULTERAÇÃO DOS COMBUSTÍVEIS

    No setor do mercado de combustíveis é patente a extrema vulnerabilidade do consumidor no mercado de massa, até mesmo reconhecida pelo legislador, pois o mesmo não possui condições técnicas de aferir, em exemplo, a qualidade do produto que está consumindo, confiando na boa qualidade do produto ou serviço prestado pelo fornecedor.

    Assim, é necessário que a ANP, como ente fiscalizatório e regulatório do mercado de combustíveis, intensifique as fiscalizações e imponha sanções de caráter administrativo para os infratores das suas normas. Contudo, somente tal punição não exime a responsabilidade penal ou civil do responsável pelos danos ocasionados aos direitos dos consumidores.

    Nessa sorte de idéias, é de fundamental importância os convênios formados entre ANP e Ministérios Públicos Estaduais para ungí-los de informações necessárias quando das proposições de Ações Civis Públicas e Penais na defesa dos interesses consumeristas.

    Como a função dos postos de revenda é promover o acesso do consumidor aos combustíveis, com vistas à garantia de fornecimento de petróleo em todo o território nacional (CF, art. 177, § 2º), o abastecimento nacional de combustíveis deve privilegiar a proteção consumerista e a livre concorrência, além do aproveitamento racional de combustíveis. Na competição naturalmente instalada, os distribuidores devem se enfrentar, propondo melhores preços, qualidade e oferta, isto é devem oferecer o máximo de comodidade aos consumidores.

    5.1 O Consumidor de Combustíveis

    Nos termos do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final, equiparando-se ao mesmo a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

    A partir de tal definição podemos traçar o que seja um consumidor de combustíveis. Ora, nos tempos hodiernos, raros são aqueles que não utilizam o posto de combustíveis como produto corriqueiro na economia familiar. Hoje em dia, a demanda

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    automobilística tem aumentado consideravelmente, e só tende a aumentar; por isso, o petróleo é o produto que mais interessa à economia global.

    É sabido que o petróleo, hoje em dia, é a mola propulsora do mundo globalizado; portanto, poderíamos afirmar, com razoável firmeza, que o Mundo é consumidor de petróleo. No entanto, para fins de responsabilização de um determinado estabelecimento comercializador de combustíveis, não poderíamos considerar como sujeito ativo dos direitos sobre a qualidade destes o mundo inteiro. É certo que os consumidores de combustíveis não estariam organizados como uma categoria determinada, por isso, os direitos atinentes à qualidade de combustíveis dizem respeito a direitos difusos e não a direitos coletivos, tendo em vista que estes dizem respeito a uma categoria determinada de destinatários. Ou seja, os direitos difusos relacionam-se a uma coletividade indeterminada de indivíduos, que, ligados por uma relação factual compartilham dos mesmos interesses.[2]

    Por isso, o desenvolver desse trabalho, e, principalmente, a sua conclusão, concerne, especialmente, aos interesses difusos do consumidor de combustíveis.

    O próprio conceito do Código de Defesa do Consumidor tem em vista o alcance de todas as vítimas de danos causados por defeitos do produto ou relativos à prestação de serviços, além de todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais.

    Nesse sentido, com base no exposto, podemos dizer que podem ser considerados consumidores do mercado de combustíveis, todas as pessoas que, mesmo não ligadas diretamente aos serviços prestados pelos postos que comercializam tal produto, são influenciadas pelas práticas comerciais afeitas a tal atividade.

    Assim, mesmo uma pessoa que more distante do centro comercial de uma dada cidade, que não possua automóveis ou não more próximo a qualquer posto de combustíveis e que, teoricamente, não tenha contato algum com tal produto é considerada consumidora deste mercado, mesmo porque os produtos comercializados e, todo o país, alimentos e peças de vestuário, dentre outros, são transportados por veículos abastecidos com derivados de petróleo.

    Para que melhor se compreenda tal raciocínio, tomemos por exemplo esta mesma pessoa que, ao atravessar uma avenida se depare com um automóvel abastecido com gasolina adulterada e o mesmo chegue a lhe atingir, causando-lhe danos, pois seu condutor não conseguiu frear o veículo ou realizar uma manobra para evitar o acidente. A situação é bastante hipotética, e seria até bem complicado de se comprovar que o dano se deu em virtude da adulteração do combustível, mas serve para que melhor se explique a abrangência da definição de consumidor de combustíveis, para que, assim definido, possa ser compensado pelos danos que, porventura venha a sofrer em razão da comercialização de combustíveis adulterados.

    Assim, infere-se que, caso se verifique o nexo de causalidade entre o dano e a adulteração de combustíveis, será responsabilizada a empresa que comercializou o mesmo, utilizando-se na ação cabível para tal responsabilização as normas aplicáveis às relações consumeristas.

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    No pensar de Hugo Nigro Mazzilli, mesmo a coletividade dispersa também pode ser considerada consumidora, como no caso de grupos de consumidores que comunguem interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Pela própria conceituação legal, consumidor não é apenas aquele que adquire o produto ou o serviço, mas também aquele que, mesmo não o tendo adquirido, dele faz uso, na qualidade de destinatário final.[3]

    Não é difícil se observar, após analisar o mercado atual de consumo, que o consumidor se encontra em nítida posição de desvantagem perante o fornecedor de produtos e serviços, uma vez que, grande parte das vezes não dispõe do conhecimento técnico que lhe permita, com absoluta segurança, constatar se o produto adquirido é ou não dotado das características que lhe são atribuídas.

    No caso do mercado de combustíveis, resta evidenciado que o consumidor dificilmente terá conhecimento sobre alguma das portarias da ANP acerca da manutenção da qualidade dos combustíveis, o que lhe deixa em desvantagem para com o revendedor do combustível.

    Desta forma, não tendo o comprador os conhecimentos específicos sobre o produto que está adquirindo, pode ser mais facilmente enganado quanto à sua utilidade e quanto às suas especificações. É muito difícil, como já foi dito, que o consumidor, ao se dirigir a um posto de combustíveis para abastecer seu automóvel se atenha às especificações da gasolina, até mesmo por confiar que o revendedor tomou todas as precauções devidas para comercializar o produto com atenção aos direitos básicos do consumidor.

    Paulo Valério Dal Pai Moraes, discorrendo sobre o tema, aduz que ocorre tal vulnerabilidade técnica quando o consumidor não detém conhecimentos sobre os meios utilizados para produzir produtos ou para conceber serviços, o que o torna presa fácil no mercado de consumo, pois, necessariamente, deve acreditar na boa-fé com que o fornecedor ‘deve estar agindo’.[4]

    Desta feita, quando adquire o produto, o consumidor se pauta na confiança nos serviços prestados pelo revendedor do combustível.

    Por sua vez, o Estado deve promover a defesa do consumidor, por meio de seus órgãos incumbidos de tal mister, realizando também árdua fiscalização do que chega ao consumidor como produto final.

    Ainda assim, ressalte-se, é dever do Estado a averiguação da adequação dos produtos às normas atinentes ao tema, mormente as normas de regulamentação editadas pela Agência Nacional do Petróleo. Não se olvide, nesse diapasão, da responsabilização do fornecedor que, comercializando combustíveis em desacordo com as especificações legais, cause danos aos seus consumidores.

    No sentido de proteção ao consumidor, o Diploma Legal Consumerista resguardou o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo como princípio norteador da Política Nacional das Relações de Consumo.

    Nesse desiderato, vemos que os interesses dos consumidores foram garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor, confrontando-os com o poder econômico dos

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    fornecedores, não significando um entrave à exploração da atividade petrolífera no âmbito da comercialização de combustíveis, especificamente, mas significa o balanceamento dos interesses em apreço, pois que a atividade comercial não deve ser delineada sob os auspícios dos interesses individuais, mas sim da responsabilidade social a que se destinam, como circuladora de bens e serviços para o bem maior, o da coletividade.

    Em atenção aos princípios fundamentais defendidos pela Constituição da República, mais especificamente, ao direito inserido no inciso XXXII, do artigo 5º, qual seja, o direito do consumidor, devem ser levados tais princípios prima facie em consideração, quando conflitados os princípios da livre iniciativa e da defesa do consumidor, ambos norteadores da atividade econômica, em vista do que já fora explanado.

    Assim, no que concerne à relação consumidor-revendedor de combustíveis, mister que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor, assim como a sua hipossuficiência técnica e nas mais das vezes financeira, tendo-se em mente a realização da justiça distributiva defendida por Aristóteles, em que se deve a cada desigual de acordo com suas desigualdades, no intuito de se buscar a equidade plena.

    5.2 Meios de defesa dos Direitos do Consumidor de Combustíveis

    Ao longo deste trabalho, foi visto que o consumidor de combustíveis, quando for lesado pelo fornecedor de tal produto, em relação à adulteração dos combustíveis que venha, porventura, danificar seu veículo, poderá ajuizar ação responsabilizando o revendedor-varejista pelos danos, visto que, perante o consumidor, o prestador de serviços imediato será este, mesmo que o mesmo não incorra em práticas comissivas de adulteração de combustíveis, podendo ainda acionar o restante da cadeia produtiva, vez que a responsabilidade é solidária e objetiva.

    Assim, caso o revendedor de combustíveis comercialize junto aos seus destinatários finais, combustível adulterado, e por sua omissão quanto ao controle da qualidade do seu produto venham a ser causados danos aos consumidores, responderá o mesmo por tais danos, uma vez que tem o dever de zelar pela qualidade dos combustíveis, conforme as especificações das normas já mencionadas ao longo deste trabalho.

    Portanto, tendo em vista que o consumidor individual, ao sofrer danos de ordem material ou moral em virtude da má-qualidade dos combustíveis adquiridos, terá a faculdade de defender seus direitos em juízo, conforme os ditames da lei processual em vigor, sendo o revendedor-varejista imediatamente responsável perante o consumidor, não impede que este acione toda a cadeia fornecedora solidariamente, como já dito, haja vista que o consumidor não está munido dos meios necessários, grande parte das vezes, para averiguar com precisão quem seria o real responsável pelo fato abusivo, sendo, portanto, objetiva a responsabilidade.

    Assim, feitos tais esclarecimentos acerca da ação para defesa dos direitos individuais do consumidor, nos ateremos, a partir de então a efetiva defesa dos interesses difusos do consumidor, já que se propõe o presente trabalho a fazê-lo, abordando as formas adequadas para sua tutela.

  • 1944

    5.2.1 Ação Civil Pública

    Originando-se a partir do no Bill of Peace do século XVII, que evoluiu para a class action ,do sistema norte-americano, a qual, por sua vez se baseia na equity, a ação coletiva pressupõe a existência de um número elevado de titulares de posições individuais de vantagem no plano substancial, possibilitando o tratamento processual unitário e simultâneo de todas elas, por intermédio da presença em juízo, de um único expoente da classe.[5]

    Sem esquecer da realidade do nosso país, o legislador brasileiro trouxe para o nosso ordenamento os esquemas do direito norte-americano, adaptando as class actions a um sistema de civil law, criando, primeiramente as ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, através da denominada lei da ação civil pública.[6]

    No entanto, não se fazia possível a reparação dos danos pessoalmente sofridos, uma vez que a lei se destinava à proteção de bens coletivos, indivisivelmente considerados, cabendo aos indivíduos diretamente prejudicados valer-se das ações pessoais reparatórias, através do procedimento civil regular.

    A lei 7.913 de 07 de dezembro de 1989, pela primeira vez tratou da condenação que deveria reverter aos investidores no mercado de valores imobiliários lesados na proporção do seu prejuízo, bem como cuidou da habilitação dos beneficiários para receberem a parcela que lhes coube, nascendo aí a primeira class action for damages do sistema brasileiro que foi consagrada definitivamente pelo Código de Defesa do Consumidor.

    A Lei da Ação Civil Pública, nº 7.347/85, trata da defesa de certos interesses difusos, sendo assim considerados os de caráter meta-individual que se baseiam sobre dados de fato, mutáveis, genéricos, acidentais. No que concerne à natureza jurídica da citada lei em que seu preâmbulo lhe confere a disciplina da ação civil pública de responsabilidade por danos, é de bom alvitre ressaltar a peculiaridade de tal ação. É pública, a ação disciplinada de que tratamos, não apenas porque proposta perante o Poder Público, representado pelo Judiciário, tampouco, em razão da titularidade ativa do Ministério Público, vez que, outros entes, públicos e privados, têm a permissão legal para exercerem, concorrentemente, a titularidade ativa do seu exercício, nos termos do art.5º da mencionada lei.

    Portanto, a ação é civil pública em virtude do objeto nela contido: a tutela de interesses difusos. Nesse sentido, ressalte-se a observação de Mancuso, para quem, os interesses versados na lei 7.347/85, não são, a rigor, públicos,e sim difusos, já que a contraposição verificada não se dá entre os co-legitimados, de um lado, e a Autoridade, do outro ( embora esta última, mormente por omissão culposa, possa figurar no pólo passivo );e sim, entre os próprios “titulares” dos interesses em conflito (v.g.,entidade ambientalista versus empresa de incorporação imobiliária que pretenda edificar em certa área de preservação ambiental), naquilo que a doutrina italiana vem chamando de conflittualitá massima. [7]

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    Assim, a lei da Ação Civil Pública cuida dos instrumentos processuais de defesa dos interesses difusos, mormente os direitos consumeristas. Essa tutela também se efetiva por força dos efeitos da sentença e do seu trânsito em julgado, que operam erga omnes, extrapolando assim, os limites da circunscrição da coletividade antes delimitada.

    Aqui, tratamos da defesa dos interesses dos consumidores de combustíveis, que, conforme dantes mencionado, encontram diversas dificuldades frente os fornecedores deste produto, por terem conhecimento técnico nessa área infinitamente inferior.

    Assim, quando da responsabilização por danos causados aos consumidores lesado pela adulteração de combustíveis, a lei não propõe a proteção do consumidor, individualmente considerado, e sim, na medida em que a lesão atinja uma coletividade ou um número indeterminado de pessoas, reunidas por circunstâncias de fato.

    5.2.2 Legitimação para ajuizar Ação Civil Pública

    Da análise do elenco de sujeitos públicos e privados a quem a Lei n.º 7.347/85 confere legitimação ativa para propor ação civil pública[8], conforme o art. 5º, temos que essa legitimação é concorrente e autônoma, posto que disjuntiva.

    A legitimação para agir foi ampliada não apenas para dar ensejo ao acesso às demandas essencialmente coletivas, mas também para permitir a tutela coletiva dos interesses ou direitos difusos e individuais homogêneos, ao ponto de permitir que entidades e órgãos da administração pública direta e indireta, mesmo sem personalidade jurídica, possam ter acesso à justiça.

    Contudo, não se chegou a prestigiar a pessoa física a legitimação para interpor ações coletivas, talvez pela insegurança gerada pela falta de norma expressa sobre a aferição, pelo juiz, da “representatividade adequada”(...), talvez para se manter um ponto de distanciamento em relação à legitimação para a ação popular. [9]

    Entretanto, destaque-se a função do Ministério Público no mister de defesa dos interesses do consumidor em sede de ação civil pública. O legislador considerou a indispensabilidade do Ministério Público nas ações civis públicas que, não sendo ele a parte ativa no processo, tornou obrigatória a sua intervenção como custos legis, segundo inteligência do §1º do art.5º da lei 7347/85.

    O interesse individual do consumidor é defendido em juízo por meio de legitimação ordinária, segundo a qual cada lesado, ainda que representado, defende o seu próprio interesse. Já o Ministério Público possui legitimação concorrente com outros entes ou entidades, tendo como fim precípuo a propositura de ações civis públicas ou coletivas para defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

    De fato, o interesse individual do consumidor deve ser defendido em juízo pelo próprio lesado, no entanto pode haver substitutos processuais, como Ministério Público, associações civis e outros legitimados à ação civil pública ou coletiva, que vão em busca dos interesses específicos do consumidor.

  • 1946

    O sentido disso se dá no fato de que os interesses individuais homogêneos não deixam de ser espécie de interesses coletivos, lato sensu. Justifica-se, assim, sua defesa exercida em processo coletivo, como que para assegurar mais eficaz acesso à justiça, evitar decisões contraditórias, obter economia processual etc. O Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo fundamentou a Súmula n.º 7 nos seguintes termos: “A legitimação que o Código do Consumidor confere ao ministério Público para a defesa dos interesses individuais homogêneos há de ser vista dentro da destinação institucional do Ministério Público, que sempre deve agir em defesa de interesses indisponíveis ou de interesses que, pela sua natureza ou abrangência, atinjam a sociedade como um todo.”[10]

    É patente que o Ministério Público, em função tanto de suas atribuições constitucionais, tanto pela independência funcional, quanto ainda pela natureza própria dos interesses em conflito, qual seja de direitos difusos, está em melhores condições de promover a ação civil pública, e assim o tem feito quanto a defesa de consumidores que são lesados em razão de adulteração de combustíveis.

    A ação civil pública, de forma geral, representa o meio processual mais eficaz para a defesa dos interesses difusos, mormente as ações administrativas da ANP e as ações individuais impetradas pelos consumidores lesados pelos estabelecimentos de revenda de combustíveis.

    Outrossim, a partir da apreciação do art. 6º do Diploma Processual Civil pátrio (Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973), acomodando-o à tutela dos interesses difusos, concluímos que a legitimação estabelecida no art. 5º da Lei 7.347/85, a Lei da Ação Civil Pública, é do tipo ordinário, porque daquela hermenêutica resulta que o Ministério Público, entes políticos, seus órgãos descentralizados e associações possuem poder de agir na justiça em nome próprio, com base no princípio da representatividade adequada[11], em que defendem interesses próprios fazendo-o num regime de co-legitimação ficando subsumidos no portador judicial os interesses transindividuais defendidos judicialmente.

    Compulsando a doutrina e a jurisprudência, constatamos que a pioneira ação civil pública na área do consumidor, baseada na lei n.º 7.347/85, deu-se na questão da adulteração de álcool, apurada pelo Ipem, tendo a Promotoria do Consumidor de Campinas ajuizado ação visando à imposição de obrigação de recolhimento das partidas de álcool adulterado, e de passar a obedecer aos índices metrologicamente fixados, sob pena de pagamento de multa por item apreendido fora das especificações; houve também casos de adulteração de gasolina em postos de serviços, mas com resolução no âmbito dos próprios inquéritos civis instaurados; de salientar-se que referidas fraudes deram-se exatamente ao ensejo do “plano cruzado”, em que era bastante comum o “batismo” de produtos para aumentar sua quantidade sem custos, ou sua “maquiagem” para justificar o aumento de preços.

    5.2.3 Ônus da Prova

    No âmbito da proteção consumerista, o Código de Defesa do Consumidor prevê que a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu

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    favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. (Art. 6º, VIII, CDC)

    Assim, uma vez reconhecida a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, necessário se faz a inversão do ônus da prova.

    Esse aspecto do ramo jurídico consumerista foi visto por críticos do código, como um agravamento da responsabilidade dos fornecedores em geral, contudo, esses não se deram conta que o código estava a adotar a responsabilidade objetiva, que consiste em regime ainda mais rigoroso do que o de mera inversão do ônus da prova. Como o consumidor não possui os meios necessários à averiguação do real responsável pelo fato da adulteração e, conseqüentemente, pelos danos ocorridos, justificável que, além de se inverter o ônus da prova, se estabelecesse a responsabilidade objetiva.

    Na verdade, são previstas no dispositivo retro mencionado, duas situações distintas, quais sejam a verossimilhança da alegação do consumidor e a hipossuficiência do consumidor. Na primeira situação, o que ocorre, a bem verdade, não é a inversão do ônus da prova, mas sim a utilização pelo aplicador do direito de sua experiência jurídica, aliada ao bom senso, para considerar produzida a prova. Na segunda situação, poderá ocorrer uma verdadeira inversão do ônus da prova, por tratar-se da hipossuficiência do consumidor.

    Não se trata de determinar a inversão do ônus da prova, saliente-se, no sentido de que o consumidor, ao não despender a quantia necessária à produção daquela, esteja protegido. Isso não é suficiente para protegê-lo. A proteção diz respeito também à vulnerabilidade técnica a que se submete o consumidor.

    Para ilustrar a explicação, tomemos por exemplo um conflito que diga respeito à adulteração de combustíveis. O consumidor, que teve o tanque de seu automóvel corroído por combustível adulterado, ao alegar que isso se deu em virtude da comercialização do combustível por dado estabelecimento, não teria conhecimento técnico para demonstrar como isso se deu. A só demonstração de que o veículo efetivamente apresenta corrosão no tanque de combustível poderá não ser suficiente para o estabelecimento do juízo da verossimilhança quanto à alegação do consumidor de que o dano se deu em razão do combustível adulterado.

    Assim, caso o consumidor fosse dotado de situação econômica capaz de suportar os custos da demanda, a interpretação restritiva da hipossuficiência mencionada obrigaria o mesmo a assumir o ônus da prova, e pelo exemplo que vimos acima, não está a hipossuficiência relacionada apenas ao poder aquisitivo do consumidor, mas sim ao seu conhecimento técnico.

    Assim, patente que a situação do revendedor é de vantagem, pois ele tem pleno conhecimento das especificações técnicas necessárias à manutenção da qualidade do combustível, sendo que a posição do consumidor é de manifesta vulnerabilidade, independentemente de sua situação econômica.

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    Desta forma, foi em função de situações como essa, enquadradas no conceito legal de hipossuficiência, que se estabeleceu o ônus da prova, para efetivar a defesa em juízo do consumidor.

    No que concerne ao momento da aplicação dessa regra, Kazuo Watanabe entende pelo julgamento da causa, e amparado pela lição de Cecília Matos, aduz que “no instante de sentenciar, apreciará o julgador a necessidade de utilizar-se das regras do ônus da prova, invertidas ou não(...). A partir destes argumentos discorda-se da posição dos autores que sustentam que a inversão deve se dar no recebimento da petição inicial, no despacho saneador ou, ainda durante a instrução, justificando esta posição com o argumento de que, do contrário, haveria ofensa à ampla defesa do fornecedor”.[12]

    Nesse sentido, apenas em seguida à instrução do feito é que estaria o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de non liquet[13], e se há necessidade de inversão do ônus da prova, uma vez que, o fazer antes disso seria o mesmo que prejulgar a causa, o que se configura inadmissível.

    Continua o citado doutrinador a defender a sua posição, afirmando ser a melhor solução a inversão do ônus da prova no momento do julgamento, como mesmo se pronunciou a Col. 9ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível n.º 255.461-2/6, rel. des. Aldo Magalhães, j. 6.4.95.[14]

    Desta feita, o entendimento esposado, como vimos, se dá no sentido de que o ônus da prova deve ser invertido no momento do julgamento pelo juiz, que é quando este está efetivamente munido com os elementos necessários a averiguação dos elementos suficientes ao seu convencimento. Só nesse momento, ele pode ponderar acerca da necessidade ou não da inversão do ônus da prova.

    Todavia, não se olvide, há posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da defesa da inversão do ônus da prova entre o ajuizamento da demanda e o despacho saneador, sob pena de se configurar prejuízo para a defesa do Réu. ( TJSP, Agr. Instr. nº 014.305-5/8, 4ª Câmara de Direito Público, rel. Des. José Geraldo de Jacobina Rabello, j. 5.9.96).

    Para Hugo Nigro Mazzilli, o momento de produção de prova é que é o adequado, e não o da prolação da sentença para a inversão do ônus da prova. Justifica o citado jurista, que se o juiz entender cabível a inversão do ônus da prova, deverá alertar o fornecedor, para que este tenha a oportunidade de desimcumbir-se do ônus probatório que lhe vem a ser cometido, e que isto deve ser determinado antes ou no máximo durante a instrução, pois na prolação da sentença, as provas teoricamente já estarão feitas e as partes seriam surpreendidas com a inversão.

    É certo que o CDC deixa a critério do juiz, quando verossímil a alegação ou hipossuficiente o consumidor, a inversão do ônus da prova. Contudo, não se trata de arbítrio ou discrição do juiz, e sim de decisão fruto de convencimento motivado.

    Além disso, saliente-se, tomando por base o argumento levantado por Kazuo Watanabe, teríamos que é no momento do julgamento que o juiz verifica as condições acerca da hipossuficiência do consumidor para então proceder à inversão do ônus da prova. Ora, se temos como princípio basilar e direito reconhecido pelo Código do Consumidor a vulnerabilidade do consumidor, e conseqüentemente, sua hipossuficiência, isso não

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    serviria de argumento para justificar a inversão do ônus da prova a critério do juiz somente no momento da prolação da sentença, uma vez que ela já estaria invertida automaticamente em razão do princípio de que todo consumidor é hipossuficiente frente ao fornecedor.

    Nesse pórtico, à guisa de conclusão, podemos inferir que o momento adequado para a inversão do ônus da prova é quando da instrução do feito, visto que aí é que as partes se empenharão no esforço de produzir provas para a consecução de seu objetivo, o ganho de causa, ficando assim certo que, sendo invertido o ônus da prova antes ou nessa ocasião não se poderá a parte ré, em demandas para defesa de interesses difusos de consumidores de combustíveis, alegar o cerceamento de defesa, em virtude do ônus de provar a sua não-responsabilidade pelos danos ao consumidor.

    Assim, no que tange à defesa dos direitos consumeristas pelo Ministério Público, temos que, mesmo este não sendo o consumidor, na defesa dos seus interesses, assume o mesmo a titularidade desses direitos, uma vez que é esse órgão o custos legis da sociedade, o guardião da ordem jurídica que deve buscar o bem da coletividade.

    Dessa forma, nas demandas atinentes a tutela de interesses difusos do consumidor, no que tange à adulteração de combustíveis, deverão os revendedores provar, exemplificadamente, para que não sejam responsabilizados pela adulteração, que o combustível adulterado não provém de suas instalações ou que efetuaram todas as medidas legais exigidas no sentido de manter o alto padrão de qualidade dos combustíveis que comercializa.

    Fica assim demonstrado que, em matéria de defesa em juízo dos interesses difusos dos consumidores, o Ministério Público, na defesa dos direitos desses, assume a condição de titular dos direitos consumeristas, devendo ser invertido o ônus da prova para a facilitação da defesa dos direitos do consumidor de combustíveis, que hoje em dia sofrem tanto com as práticas abusivas dos revendedores-varejistas.

    5.2.4 Indenização pelo dano difuso

    Restando evidenciada a adulteração de combustíveis, e tendo sido provocados danos aos consumidores ao vender gasolina comum fora das especificações determinadas na legislação em vigor, será ajuizada ação para a defesa desses direitos lesados.

    Além de violar as regras especificadas pela ANP e princípios consumeristas, os postos revendedores de combustíveis que comercializam esses produtos sem atender às determinações legais acerca do tema, também desrespeitam totalmente o princípio da boa-fé contratual que deve reger todas as relações entre consumidores e agentes econômicos, vez que os destinatários finais de seus produtos procuram os postos para abastecer seus veículos, confiando na lisura e na alta qualidade do combustível.

    Nesse sentido, demonstrada a lesão aos direitos difusos dos consumidores de combustíveis petrolíferos, e com a finalidade de coibir a continuidade de tal prática no mercado, faz-se necessária a adoção de medidas punitivas à empresa demandada.

  • 1950

    Assim, levando-se em consideração o disposto na Lei 7.347/85, a reparação cabível será uma indenização pelos danos causados aos interesses difusos dos consumidores, vez que, segundo o diploma, a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (Art. 3º).

    Nessa linha de raciocínio, também o CDC comunga nesse sentido, aduzindo ser direito básico do consumidor à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, consoante o artigo 6º, inciso VI.

    Tal reparação pecuniária tem em vista, não a compensação dos consumidores individuais, mas a reparação pelo dano difuso, cuja repercussão é inconteste diante da impossibilidade de identificar todos os consumidores que foram lesados diante da prática de adulteração perpetrada pelo posto revendedor que tenha comercializado combustível fora das especificações legais.

    Desta forma, a indenização paga em virtude da responsabilidade por práticas de adulteração de combustíveis não assume o caráter meramente ressarcitório, ou reparador, mas também o caráter preventivo, pois que, através da coerção de que há, efetivamente, a responsabilização pela adulteração, ocorre a inibição de tais práticas, além de impulsionar os revendedores-varejistas a se empenharem ao máximos na realização dos testes para controle de qualidade dos combustíveis no intuito de não terem que pagar a citada indenização caso se dê a prática da adulteração por outros agentes da cadeia envolvida na comercialização de tais produtos.

    A lei nº 9.847/99, que trata da fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, previsto na Lei 9.478/97, delineia os parâmetros para aferição do valor da indenização, verbi gratia, o art. 2º e 3º da lei.[15]

    Nesse desiderato, a multa será graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida, a condição econômica do infrator e os seus antecedentes, nos termos do art. 4º da mencionada lei. Entretanto, caso haja dificuldade em se estabelecer os requisitos norteadores da limitação do valor da multa, a indenização para o revendedor de combustíveis por desrespeito aos direitos difusos dos consumidores, independentemente das sanções administrativas ou penais cabíveis, pode ser a mesma cobrada, levando-se em conta, por analogia, os valores estabelecidos na Lei n.º9.847/99.

    Feitas tais considerações, importante, finalmente, ressaltar que o valor da indenização paga pelos infratores da legislação petrolífera será revertida para um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais dos quais participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados, nos termos do art. 13 da lei 7.347/85.[16]

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

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    No atual estágio econômico em que nos encontramos, podemos dizer que a economia mundial vem sofrendo importantes transformações decorrentes da mudança no paradigma técnico-econômico que rompe e revoluciona as antigas estruturas de produção e de consumo.

    Nos dias de hoje, em que novas estratégias estão sendo incorporadas às políticas de competitividade a cada dia, adaptar-se às novas condições, na velocidade das mudanças, além de atender bem ao mercado consumidor que cada vez mais se torna atento e instruído acerca dos seus direitos, garante a manutenção o mercado de combustíveis, pelo menos enquanto sejam constantes tais atualizações.

    Este trabalho permitiu reconhecer que muitas destas atualizações já estão sendo incorporadas e materializadas no setor de revenda de combustíveis do Brasil, embora ainda permaneçam aqueles que, utilizando-se da boa-fé e confiança depositada em si pelo mercado consumidor, tentam se apropriar, de forma indébita, das forças capitais a partir de práticas abusivas que causam danos aos seus destinatários finais.

    O setor petrolífero brasileiro, no decorrer de mais de uma década de transformações, passou de uma condição de oligopólio, protegido pelo monopólio da Petrobras nas demais atividades de indústria do Petróleo, atravessou um momento de concorrência selvagem e se imiscuiu, a final, em novo ambiente, com competição crescente, mas saudável, onde as forças do mercado, delimitadas pela ação do Estado, tendem a conduzir a benefícios crescentes para os consumidores.

    É verdade que muita coisa ainda deve ser feita para que tenhamos um setor de revenda de combustíveis maduro no Brasil. Contudo, com uma rápida olhada, através do nosso estudo, já podemos perceber as vantagens da concorrência e a disposição dos vários agentes em adotar políticas competitivas mais elaboradas e refinadas. Além disso, o esforço conjunto das forças estatais no sentido de proteger os consumidores tem contribuído para, coercitivamente, incutir na mente dos empresários a necessidade de se adotar medidas legais, respeitando os princípios básicos consumeristas, para que possam, assim, desenvolver seus negócios no mercado petrolífero.

    A partir da edição da Lei 9.847/99, o abastecimento de combustíveis passou a representar mais do que um simples negócio privado, o que exalta a sua função social, colocando-o à disposição dos interessados, enquanto considera a exploração econômica de produto de interesse nacional e necessário ao consumo do povo. Desta feita, foram colocados à disposição da sociedade diversos instrumentos capazes de dirimir os abusos realizados pelos envolvidos na cadeia de fornecimento de tal produto, primando pela qualidade de combustíveis, e, conseqüentemente, pela defesa do consumidor.

    O consumidor que abastece seu veículo com o combustível adulterado é a "vítima" imediata do fato, no entanto, todos nós perdemos, na medida em que são emitidos poluentes prejudiciais a saúde humana, fica comprometida a preservação do meio ambiente, além de gerar um clima de desconfiança entre os consumidores em relação às empresas do setor, gerando prejuízo não só para o consumidor individual e imediato, mas para também toda a sociedade.

    Desta forma, quando se configura a adulteração dos combustíveis, justo é que sejam responsabilizados os agentes causadores do dano, tanto ao consumidor,

  • 1952

    individualmente considerado, quanto à sociedade. Nesse sentido, pudemos verificar que, por vezes o revendedor não agiu diretamente para que se desse a adulteração, tendo cumprido todas as obrigações legais, não sendo responsabilizado administrativamente, uma vez que no âmbito administrativo impera o princípio da legalidade. No caso de cumpridos todos os requisitos impostos pela legislação, se averiguará, no âmbito administrativo, os reais responsáveis, os reais causadores do dano.

    Em contrapartida, no âmbito consumerista de defesa judicial, podemos dizer que não há possibilidade de o consumidor individual averiguar o real responsável pelo dano; e como o prestador do serviço imediato é o revendedor, mesmo que esse tenha cumprido todas as exigências normativas, responderá perante o consumidor, podendo ser solidariamente ou não.

    Nesse sentido, a responsabilidade pela adulteração, seja quanto ao consumidor individual ou quanto aos interesses difusos do consumidor, será objetiva, podendo ser acionada toda a cadeia de agentes fornecedores do produto em questão, o que implica dizer que, além de objetiva, é solidária e mesmo que o revendedor, que é o prestador de serviços imediato ao consumidor não esteja envolvido com a adulteração, poderá ser acionado sozinho, visto que, a olhos nus, é ele o responsável perante o destinatário final do produto que comercializa, podendo o mesmo interpor ação regressiva em desfavor dos demais agentes da cadeia de fornecimento.

    Assim, o Ministério Público, no exercício dos seus misteres, também é legitimado para realizar a defesa dos interesses do consumidor, no sentido de assegurar mais eficaz acesso à justiça, evitar decisões contraditórias ou obter economia processual.

    O Ministério Público, que atingiu após a Constituição Federal papel de verdadeiro ombudsman do povo, tem tido papel determinante na defesa dos interesses difusos do consumidor que antes não eram levados à sério, especialmente pelos grandes grupos econômico-financeiros que dominam o mercado de consumo.

    É necessário uma nova mentalidade, uma nova consciência de cidadania e de direitos que cada um tem e deve preservar. Com o amadurecimento dessa idéia e tendo em vista que nossa legislação já prevê instrumentos adequados, como a ação civil pública, para a sua defesa é que construiremos um país melhor, com igualdade de oportunidades, com respeito ao próximo e melhor qualidade de vida para todos.

    In fine, ressalte-se a relevância do tema em questão, tendo em vista que o petróleo não é mais um mero produto de comercialização privada, mas hodiernamente, tornou-se a mola propulsora do desenvolvimento. Necessário se faz, assim, medidas coercitivas a fim de limitar a circulação de tal produto, primando pela defesa do consumidor, que é a peça chave para o crescimento da indústria, pois sem consumidor não há mercado.

    REFERÊNCIAS

    ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.

  • 1953

    SOUSA, Severiano Alves de. Evolução da Atividade Econômica do Comércio Varejista de Combustíveis no Direito Brasileiro. Salvador, 1994.

    BORTOLAI, Edson Cosac. Da Defesa do Consumidor em Juízo. São Paulo: Malheiros, 2005.

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    FILOMENO, José Geraldo de Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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    GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código brasileiro de defesa do consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2005.

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    ______. Manual do Consumidor em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1996.

    MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Editora RT, 1995.

    MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004. MILARÉ, Edis. Tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva, 1984.

    ______. Ação Civil Pública: Lei 7.347/85. 2ª ed. São Paulo: RT, 2002.

    MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor. O princípio da vulnerabilidade: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. 1ª ed. Porto Alegre: Editora Síntese, 1999.

    ROSEMBERG, Leo, La carga de la prueba, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1956, tradução de Ernesto Krotoschin, Gian.

    WATANABE, Kazuo e outros. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1988.

  • 1954

    * Especialista em Direito Constitucional pela UFRN. Mestre em Direito Constitucional pela UFRN. Professora Substituta na UFRN.

    [1] Comissão Parlamentar de Inquérito com a finalidade de investigar operações no setor de combustíveis, relacionadas com a sonegação dos tributos, máfia, adulteração e suposta indústria de liminares. (CPI - COMBUSTÍVEIS). Conforme relatório final aprovado em 29 de outubro de 2003, disponível no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados no endereço: http://www2.camara.gov.br/comissoes/temporarias/cpi/encerradas.html/cpicomb/relatoriofinal.pdf

    [2] Mister colacionar a análise de José Augusto Delgado que, com propriedade, assentou que “hoje as fronteiras dos dois interesses estão definitivamente delimitadas, sendo difuso o interesse que abrange número indeterminado de pessoas unidas pelo mesmo fato, enquanto interesses coletivos seriam aqueles pertencentes a grupos ou categorias de pessoas determináveis, possuindo uma só base jurídica. Portanto, a indeterminidade seria a característica fundamental dos interesses difusos, e a determinidade aqueles interesses que envolvem os coletivos.” [2] apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004. p.85.

    [3] MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 149.

    [4] MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor. O princípio da vulnerabilidade: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. 1ª ed. Porto Alegre: Editora Síntese, 1999. P.44.

    [5] GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código brasileiro de defesa do consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2005. p. 854.

    [6] GRINOVER, Op. Cit. p. 862.

    [7] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do Consumidor em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 57.

    [8] A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia ,empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que :

    I. esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;

    II. inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético histórico, turístico e paisagístico.

  • 1955

    [9] WATANABE, Kazuo e outros. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1988. p. 788.

    [10] MAZZILI, Hugo Nigro.A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 159.

    [11] A representatividade adequada se dá, desta feita, quando um legitimado para agir, de acordo com regra expressa no ordenamento exerce seu direito de ação. Contudo, no Brasil essa regra não é contemplada expressamente no ordenamento, no que tange à interposição de ações civis públicas para defesa de direitos difusos, uma vez que se consideram legitimadas as associações regularmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam, em seus objetivos institucionais, a defesa dos bens e interesses cuja tutela jurisdicional se requer. WATANABE, Kazuo e outros. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1988. p. 788.

    [12] WATANABE, Op. Cit. p. 796.

    [13] Finda a instrução probatória e ainda que utilizados os poderes instrutórios do juiz e apreciada a prova segundo o sistema da persuasão racional, a certeza não poderá se firmar se o juiz permanecer em dúvida. Não poderá ele proclamar o non liquet, deixando de julgar com o argumento de que não formou sua convicção. Deve, então, socorrer-se das regras do ônus da prova, para determinar qual parte sofrerá a desvantagem por seu estado de dúvida, julgando procedente ou improcedente o pedido. ROSEMBERG, Leo, La carga de la prueba, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1956, tradução de Ernesto Krotoschin, Gian, In: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4986. Consultado em 20 de fevereiro de 2006.

    [14] preceito legal algum determina que o citado art. 6º, VIII, só pode ser aplicado quando o juiz, antes do início da instrução probatória, tenha decidido ser o caso de sua incidência.(...) se a inversão do ônus probatório, no caso do art. 6º, VIII, depende da verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, força é entender que o juiz não pode decidir antecipadamente a respeito, posto que as citadas circunstâncias fáticas ao menos na maioria dos casos dependem de elucidação probatória, não comportando, portanto, decisão antecipada ( Ap. Civ. nº 255.461-2/6, rel. des. Aldo Magalhães, j. 6.4.95). WATANABE, Op. Cit. p. 797.

    [15] Art. 2º. Os infratores das disposições desta lei e demais normas pertinentes ao exercício de atividades relativas à indústria do petróleo, ao abastecimento nacional de combustíveis, ao Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e ao Plano Anual de Estoques Estratégicos de combustíveis ficarão sujeitos às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil e penal cabíveis:

    I – multa. E prevendo a forma de cálculo da multa dispõe o artigo 3º da norma em comento:

  • 1956

    Art. 3º A pena de multa será aplicada na ocorrência das infrações e nos limites seguintes:

    (...)

    XI – comercializar petróleo, seus derivados básicos e produtos, gás natural e condensado, e álcool etílico combustível com vícios de qualidade ou quantidade, inclusive aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem ou rotulagem, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor:

    Multa – de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

    [16] A título conclusivo, colacionamos jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que trata de ação civil pública em desfavor de posto revendedor que comercializou combustíveis adulterados, havendo sido condenado a pagar indenização em favor do fundo a que se refere o art. 13 da LACP, o que ilustra o estudo realizado neste trabalho, vejamos: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MATÉRIA CONSUMERISTA. FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEL ADULTERADO. INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO. CONDENAÇÃO EM FAVOR DO FUNDO CRIADO PELO ART. 13 DA LACP. Em sede de apelo, defesa de prova a imputar error in iudicando configura, in casu, inovação a exigir dilação probatória, tendo-se os fatos imputados no preâmbulo da ação, isto é, prática de adulteração de combustível e respectiva comercialização pelo demandado, tidos como verdadeiros com base na confissão ficta, decorrente da revelia. Também não se beneficia o recorrente, independentemente de não-provado, da alegação de ser mero repassador do combustível, atribuindo a responsabilidade da adulteração a terceiro, porquanto incidente na hipótese a regra do art. 18 do CDC. É o apelante, outrossim, ilegitimado para postular em nome da coletividade eventuais prejuízos que a mesma estaria sofrendo com a diminuição da competitividade no ramo, prevalecendo a interdição e fechamento do estabelecimento, o que se impõe inclusive no confronto entre possíveis interesses individuais e os interesses difusos e coletivos em jogo. Condenação de pagamento de valores correspondentes a prejuízo sofrido pela coletividade difusa a serem arrecadados em favor do Fundo criado pelo art. 13 da LACP reclama, a uma, especificação destes prejuízos, remetendo-se exclusivamente para liquidação sua quantificação, e, segundo, pelo menos indícios de que forma se daria o retorno à comunidade, em vantagens econômicas ou de outra natureza, porquanto o Fundo não é mero arrecadador de receitas. Mera argumentação de questão que se resolve no plano de condição específica da ação em espécie não sustenta a condenação.

    RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível nº 70011645926. TJ-RS. 17º Câmara Cível. Fonte: site http://www.mp.rs.gov.br/consumidor/jurisprudencia/id3116.htm, consultado no dia 03 de abril de 2006).