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~ . . g C o n s trução S ocial do C u r r íc u lo F.GOODSON R F.GOODSON é P ro fe ss or naU n iv er si da de deWes t e rn O n tar i o (C an a d á) , para ~ de manter uma co l a bo ra çã o d oc en te r eg ul ar co m r i as univ er s id a de s r íc an as e e ur op eia s. A utor de renom e mund ial , te m publi ca do t ex t os de r ê n cia no dom ínio a h istóri a do c urr íc ul o , d as po l í t icas e du c a ti va s , do s . ursos de vi d a d os p ro fe s sores e das meto d o l og i as qu a lit a ti va s . D e nt r e as s ua s  mais co n hecidas , a l g um as das q u a is e sc r it as o u co o rd e n a d as e m co - a ut o ria , acam - se : S ch oo l S ub j e c ts a nd C urricu l um Change  983) , Dejin ing the r ic ul um : H i st or ie s and E tb n og ra p hi es  98 4 ) , Socia l Histo r i e s o f the - n da r y C u r ri c ul u m : S u b je c ts for S t ud y  985) , I n ter na tiona l P e rspec t i oe s in i icu l um History  98 7 ), The M aking o f Curricu l um  988 ) , B iog rapby  i tity  S c h oo l in g : B p is o d es in E d u ca t io n a l Resear ch  99 1) , Co m p u t e rs , s r oo m s , a n d C u l tu r e :S t ud i es i n th e UseofComputers for C l assro om L e arning 1 1),StudyingT eac b ers  Li v es  9 9 2) , H is t o r y, C o n t ex t , a n d Q ua li ta ti ve M et h o ds I J e S tu dy o f E du ca t i on  992), S c h oo l in g a n d C ur ri cu l um : St u d ie s in S o c i a l s t ruction  994) e Teac h er s  Pr o f essiona l Lives 996) es e nt e li vro const itu i u ma se l e cç ão o ri gi n a l , f e it a pe l o pr óp r io a utor , d e al g u n s se u s t e xto s ma i s re p rese n ta t ivos. Co m base nu m a a b o rd ag e m hi s tóric a , I v o r F. ds o n a pr es en ta u m a v is ão p es s o al s ob re os d e b a t es c ur r icul a r es ao long o do 1 0 X X . O rg an iza da e m seis ca p í tu l os , es t a ob r a ava n ça re fl exões m u ito i nt e- : nt es so b re um con ju nto a l arga d o d e te mátic as : O ) A hi s t ór i a so cial d as di s ci - I S escolares ; (2) Disc i p l i n as esco l ares : p a d r õ es d e es tabilid a d e; (3) Di sc iplinas l a r e s: p ad rõ es de mu d an ç a ; ( 4) H is t ória d e um a di sc iplin a esco lar: as C i ê n c i a s ; ) co n tex t o das inve n ções c ultu ra i s : aprend i z a gem e cu r r í c ul o; (6) S ob re afor m a c ul ar : n o t as re l ativas a u ma teo ri a d o curr í c ul o. Espe r a-se qu e s t e li v r o p e rmita : o n tac t o a is e st r ei t o d o públ ic o p ortug u ês, n omeada m e n te d os profe ssores e es t a nt es p ro f is si o n a i s d a e du cação, com á r ea s d e t ra b a lh o e d e pes qu i sa qu e se . e l ev a d o m u i t o es timu lantes. o apo i a d a pe l o M ini stério d a E du cação/I n s titut o d e In o v a ção B ducaci o n a l , no quadr o nema d e in ce n tivos à qu a lid a d e d a e du caçã o .  _ n p  ~l rf\m l n  l ( ] ll P p n ~ tn ~  I T ~  l C, . . •. ; n . .I 1 ~. . •. .. ; . . . . . . .  . . . .. . , . . -. ......... _~ _ _ .  J  _  ~ ---. J  -  : r  ~  ; IV O R F G O O D SO N  Constr u çã o S ocia l do C u r r íc u lo 1  J ~ ~ E D U C A . C U RRíCU L O

1construcao Social Do Curriculo

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    AConstruo Social do CurrculoIF. GOODSON

    R F.GOODSON Professor na Universidade de Western Ontario (Canad), para~ de manter uma colaborao docente regular com vrias universidadesrcanas e europeias. Autor de renome mundial, tem publicado textos derncia no domnio da histria do currculo, das polticas educativas, dos.ursos de vida dos professores e das metodologias qualitativas. Dentre as suasIS mais conhecidas, algumas das quais escritas ou coordenadas em co-autoria,acam-se: School Subjects and Curriculum Change (983), Dejining thericulum: Histories and Etbnographies (984), Social Histories of the-ndary Curriculum: Subjects for Study (985), International Perspectioes iniiculum History (987), The Making of Curriculum (988), Biograpby;itity & Schooling: Bpisodes in Educational Research (991), Computers,srooms, and Culture:Studies in the Useof Computers for Classroom Learning11),StudyingTeacbers'Lives (992), History, Context, and Qualitative MethodsIJe Study of Education (992), Schooling and Curriculum: Studies in Socialstruction (994) e Teachers'Professional Lives (996)

    esente livro constitui uma seleco original, feita pelo prprio autor, de algunsseus textos mais representativos. Com base numa abordagem histrica, Ivor F.dson apresenta uma viso pessoal sobre os debates curriculares ao longo do10 XX. Organizada em seis captulos, esta obra avana reflexes muito inte-:ntes sobre um conjunto alargado de temticas: O) A histria social das disci-IS escolares; (2) Disciplinas escolares: padres de estabilidade; (3) Disciplinaslares: padres de mudana; (4) Histria de uma disciplina escolar: as Cincias;) contexto das invenes culturais: aprendizagem e currculo; (6) Sobre a formacular: notas relativas a uma teoria do currculo. Espera-se que este livro permita:ontacto mais estreito do pblico portugus, nomeadamente dos professores eestantes profissionais da educao, com reas de trabalho e de pesquisa que se.elevado muito estimulantes.

    o apoiada pelo Ministrio da Educao/Instituto de Inovao Bducacional, no quadronema de incentivos qualidade da educao.

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    IVOR F.GOODSON

    A Construo Socialdo Currculo

    1

  • Biblioteca Nacional - Catalogao na Publicao

    Goodson, Ivor F.

    A Construo Social do Currculo.- (Educa. Currculo: 3)ISBN 972-8036-175

    CDU 371.2

    EDUCAFaculdade de Psicologia e de Cincias da Educao

    Universidade de LisboaAlameda da Universidade

    1600 LisboaTe!. 793 4554Fax. 793 34 08

    A Construo Social do Currculo

    Educa e autor, 1997

    Traduo de Maria Joo Carvalho

    Capa e arranjo grfico de Rogrio PeringaColeco Educa , Currculo

    Janeiro de 1997

    Impresso: IAG - Artes Grficas, Lda.

    Depsito legal:105012/96

    ISBN: 972-8036175

    suMRIo

    Nota de Apresentao .

    I/'-AHistria Social das Disciplinas Escolares .

    .(.Disciplinas Escolares: Padres de Estabilidade .

    ,vDisciplinas Escolares: Padres de Mudana .

    ~H' ,. d D" li E 1 A CA istona e uma ISClpma sco ar: s iencias .

    o Contexto das Invenes Culturais:Aprendizagem e Currculo .

    1

    Sobre a Forma Curricular:Notas Relativas a uma Teoria do Currculo .

    Referncias Bibliogrficas .

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    43

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  • NOTADEAPRESENTAO

    .Uma histria do currculo no deveria estar centrada numa preocupao epistemol-gica com a verdade ou validade do conhecimento. Tambm no deveria tomar comoeixo de anlise as preocupaes pedaggicas actuais (nem as passadas), assim comono deveria ser celebratria ou evolucionista. Tambm deveria tentar fugir da orienta-o da historiografia tradicional centrada nas ideias dos grandes educadores e pedago-gos. Uma histria do currculo tem que ser uma histria social do currculo, centradanuma epistemologia social do conhecimento escolar, preocupada com os determinan-tes sociais e polticos do conhecimento educacionalmente organizado. Uma histria docurrculo, enfim, no pode deixar de tentar descobrir quais conhecimentos, valores ehabilidades eram considerados como verdadeiros e legtimos numa determinadapoca, assim como no pode deixar de tentar determinar de que forma essa validade elegitimidade foram estabelecdass.

    As palavras anteriores - escritas por Tomaz Tadeu da Silva'" na apresen-tao da edio brasileira do livro de Ivor Goodson, Currculo: Teoria eHistria - traduzem bem o sentido das abordagens propostas por este autor.Na verdade, continuando a seguir a linha de reflexo de Tomaz Tadeu da Silva, possvel identificar alguns pontos essenciais na anlise histrica do currcu-lo, tal como ela se tem organizado nos ltimos anos.

    Em primeiro lugar, importante que a histria do currculo nos ajude aver o conhecimento escolar como um artefacto social e histrico sujeito amudanas e flutuaes, e no como uma realidade fixa e atemporal. Por outro

    (J) Cf. SILVA,Tomaz Tadeu (1996). Identidades terminais - As transformaes na poltica da pedagogia ena pedagogia da poltica. Petrpolis: Vozes, pp. 77-82.

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    lado, necessrio reconhecer que o objectivo central da histria do currculono descrever como se estruturava o conhecimento escolar no passado, masantes compreender como que uma determinada -construo social- foi trazi-da at ao presente influenciando as nossas prticas e concepes do ensino.Uma histria do currculo tambm no pode cair na armadilha de olhar parao processo de seleco e de organizao do conhecimento escolar como umprocesso -natural- e -nocente-, atravs do qual acadmicos, cientistas e educa-dores -desnteressados- e -imparciais- determinariam, por deduo lgica e filo-sfica, aquilo que mais conveniente ensinar s crianas e aos jovens. Nestesentido, importante desconstruir o processo de fabricao do currculo, deforma a mostrar as opes e os interesses que esto subjacentes a uma deter-minada configurao do plano de estudos e das disciplinas escolares. A hist-ria do currculo no se pode basear apenas nos textos formais, tendo deinvestigar tambm as dinmicas informais e relacionais, que definem modosdistintos de aplicar na prtica as deliberaes legais. por isso que a capaci-dade de dar visibilidade a narrativas e actores menos conhecidos um dosdesafios principais da nova historiografia. Finalmente, preciso sublinhar adimenso social, uma vez que o currculo est concebido para ter efeito sobreas pessoas, produzindo processos de seleco, de incluso/excluso e de legi-timao de certos grupos e ideias'".

    Grande parte destas preocupaes esto presentes nos textos includosneste livro de Ivor Goodson, que aborda essencialmente os aspectos histricosda construo do currculo. Trata-se de uma seleco original, feita pelo pr-prio autor, com o objectivo de fornecer um panorama dos estudos realizadosnesta rea, da qual um dos autores de referncia, juntamente com especia-listas como Herbert Kliebard, Michael Apple ou Thomas Popkewitz.

    O primeiro captulo, A histria social das disciplinas escolares, faz umponto da situao sobre os estudos histricos em torno do currculo.Aps sublinhar a ideia do currculo como construo social, Ivor.Goodson compara as polticas actuais de definio de um -ncleo cur-ricular mnimo com orientaes educacionais tomadas no princpio dosculo XX. O conceito de disciplinas escolares vrias vezes mobiliza-do - -fortaleza inexpugnvel-, chamar-Ihes- Herbert Kliebard - comoelemento de referncia para os alunos e para a estruturao do ensino.A partir de anlises centradas na sociologia do conhecimento escolar,

    (2) Este pargrafo uma transcrio (adaptada) do texto de Tomaz Tadeu da Silva, citado na nota anterior.

    NOTA DE APRESENTAO 11

    Ivor Goodson aborda o papel dos diversos grupos sociais na definioconflitual do currculo, desmistificando assim a ideia de um currculo-aternporal-, que preexistiria aos processos sociais que conduzem suaemergncia, consolidao e difuso.

    O segundo captulo, Disciplinas escolares: padres de estabilidade, reve-la a construo histrica de um -deterrnnado- modelo escolar, que ins-creveu, ao longo dos ltimos sculos, certas permanncias estruturais naorganizao do ensino e do currculo. A argumentao de Ivor Goodsonbaseia-se na ideia de que o sistema foi concebido para assegurar a esta-bilidade e para dissimular as relaes de poder que sustentam o con-junto das aces curriculares. A este propsito, refere-se consagraosimblica das disciplinas escolares, nomeadamente no ensino secund-rio, como o princpio mais bem sucedido na histria do currculo. Aparte final do captulo dedicada anlise do -novo- currculo nacionalbritnico, entendido como um reforo das disciplinas escolares e dasaprendizagens acadmicas -bsicas-. Ivor Goodson menciona os trs Rs(sreading, writing, reckoning-) - o nosso ler, escrever e contar - que defi-nem as tendncias conservadoras em educao ao longo do sculo XX,sublinhando que esta ideologia est subjacente imposio do -curr-culo nacional- na Gr-Bretanha. Ensaiando uma curiosa analogia, apre-senta os novos trs Rs (reabilitao, reinveno e reconstituio). quetm vindo a reintroduzir as disciplinas escolares como referncia exclu-siva das polticas e das prticas de desenvolvimento curricular. Ao reve-lar este conjunto de 'padres de estabilidade, Ivor Goodson procuradesconstruir um certo pensamento simplista e tornar mais complexas asabordagens do currculo e do seu papel no ensino e na aprendizagem.

    O terceiro captulo, Disciplinas escolares: padres de mudana, insere--se na linha do precedente, sublinhando desta vez a mudana em vezda estabilidade. Ivor Goodson continua a sua reflexo referindo os inte-resses (cientficos, polticos, profissionais) que sustentam as disciplinasescolares e mostrando de que forma eles do origem a diferentes con-figuraes curriculares. Atravs de uma anlise da interveno do Estadona educao, demonstra como a legitimao de certas disciplinas esco-lares e perspectivas curriculares resultado do trabalho de um conjun-to alargado de grupos sociais. A este propsito, sugere que asdisciplinas escolares possuem umvalor de moeda no mercado da iden-tidade social, o que lhes assegura um sistema que contm elementosimportantes de estabilizao e de conservao, mas tambm factores

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    que agem no sentido de evolues e adaptaes constantes. O jogoentre as foras pr-estabilidade e pr-mudana consagra padres emodelos que autorizam novas compreenses da ausncia/presena decertas disciplinas escolares no currculo dos ensinos bsico e secund-rio.

    O quarto captulo, Histria de uma disciplina escolar: as Cincias, ilus-tra, atravs da evoluo do ensino cientfico, algumas das ideias e refle-xes expostas anteriormente. Argumenta-se, no essencial, que a histriadas disciplinas escolares deve ser contada como a histria das forassociais que as trouxeram para o currculo. Assim, na parte inicial docaptulo, Ivor Goodson analisa a mudana de padres do ensino, quepassou de uma perspectiva centrada na cincia das coisas comuns (maistil e pertinente para a educao das classes trabalhadoras) para umalgica baseada numa cincia laboratorial pura (mais adequada for-mao das elites sociais). O autor relaciona esta mudana com tensese conflitos polticos, mas tambm com a prpria evoluo cientfica aca-dmica e universitria, mostrando de que forma o currculo do ensinosecundrio , em grande medida, determinado por estas foras "exterio-res. A parte final do captulo dedicada ao ensino da Biologia, queapenas se imps em pleno sculo XX, surgindo a reflexo apoiada,essencialmente, nos casos da Gr-Bretanha e dos Estados Unidos daAmrica. Ivor Goodson revela a existncia de duas tradies principais- uma de cariz utilitrio e outra mais preocupada com os aspectos aca-dmicos -, concluindo que a consolidao curricular da disciplina deCincias foi conseguida atravs da sua promoo como cincia exacta,experimental e rigorosa. Pelo caminho perdeu-se, no entanto, uma visomais global da Biologia, integrada no vasto campo disciplinar dasCincias.

    O quinto captulo, O contexto das inovaes curriculares: aprendizageme currculo, debrua-se sobre a organizao do ensino por "turmasesobre o processo histrico de desenvolvimento da "escola de massas.Num e noutro caso, refere-se a interveno de foras sociais, polticas,econmicas e religiosas que foram dando corpo aos modelos actuais deensino e de aco pedaggica. Ivor Goodson aborda, em especial, opapel desempenhado pelo Estado, na transio do sculo XIX para osculo XX, na imposio de uma determinada viso da escola, em sin-tonia com os projectos de consolidao das naes. Neste sentido,detm-se na anlise da pedagogia, do currculo e da avaliao enquan-

    NOTA DE APRESENTAO 13

    to entrada tripla que permite compreender o papel desempenhado peloEstado na arena da educao. Ao identificar os mecanismos de diferen-ciao do ensino, nomeadamente entre as viasclssicas(acadmicas)e as "vias vocacionais- (profissionalizantes), Ivor Goodson sublinha avariedade de objectivos que se encontram por detrs da retrica da"escola de massase do "ensino pblico.A concluso do captulo apon-ta para a necessidade de abrir a caixa negra do currculo de forma aque seja possvel captar a complexidade e as implicaes polticas ine-rentes organizao do ensino.

    O sexto captulo, Sobre a forma curricular: notas relativas a uma teoriado currculo, ensaia algumas reflexes conclusivas, a partir de umareelaborao das ideias apresentadas anteriormente. Ivor Goodson insis-te na perspectiva do currculo como uma construo social, interro-gando--se sobre a razo que nos leva, frequentemente, a trat-Io comoum "dado atemporal-. Atravs de uma referncia a trabalhos de sociolo-gia do conhecimento, analisa a questo das relaes internas do currculo,isto , da forma curricular. Tendo como argumento central a frase esco-lhida para subttulo, A cabea mais do que as mos, explica um conjun-to de polticas e de prticas de desenvolvimento curricular que tiveramlugar em Inglaterra e que conduziram a uma diferenciao externa, emais tarde interna, das vias de ensino. Numa sntese final, prope umafigura com quatro entradas' que definem distintas combinaes curricu-lares. A concluso do captulo refere que a forma acadmica do curr-culo (c,acabea mais do que as mos-) foi historicamente favorecida,primeiro de modo explcito e, posteriormente, atravs da internalizaode uma diferenciao que encobriu eficazmente os processos de repro-duo social atravs da escola. As ltimas palavras dirigem-se neces-sidade de examinar o currculo por dentro, contribuindo assim para umamelhor compreenso do processo interno de estabilidade e de mudan-a curriculares.

    O conceito de currculo muito recente na cultura educacional portu-guesa. Apesar de ter sido utilizado antes dos anos oitenta, por esta altura quese vulgariza, nomeadamente na sequncia da chamada "reforma curricular-. Hduas razes principais que explicam a traduo deste termo para a realidadeportuguesa: a primeira prende-se com a importncia crescente do universoanglo-saxnico na definio dos modos de pensar, das categorias de anlise edas linguagens a utilizar no contexto da educao e das cincias da educao;a segunda relaciona-se com conflitos e lutas de poder no interior da comuni-

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    dade educacional e cientfica, no sentido de instaurar (legitimar) certas cor-rentes e tendncias de investigao e de aco pedaggica.

    A forma como a expresso currculo mobilizada, descontextualizada dasua prpria histria enquanto conceito educacional, revela bem as ambiguida-des que esto subjacentes sua importao para Portugal: por vezes, procura-se abranger com esta designao o conjunto dos problemas do ensino e dapedagogia (utilizao corrente junto de certos crculos norte-americanos);outras vezes, parece que o conceito serve, sobretudo, para substituir a ideia dedidctica ou, pelo menos, de didctica geral (utilizao prxima das tradiesgerrnnicas); finalmente, verifica-se, aqui e ali, que o termo empregue emvez de metodologia e/ou de metodologia geral (utilizao mais frequente noespao francfono). O importante reconhecer que a mobilizao deste con-ceito no inocente e que ele tende a legitimar certos grupos e tendncias emdesfavor de outros. Neste sentido, ele deve ser visto como parte dos jogos deinteresses que definem o trabalho acadmico e os processos de legitimaodas diversas correntes cientficas.

    A este propsito, possvel alinhar uma reflexo idntica que sugeri-da por Yves Bertrand e [ean Houssaye sobre os conceitos de didctica e depedagogia, na qual explicam que esta querela no mais do que uma novaforma da luta -clssica- entre saberes disciplinares (legitimados, agora, por viada didctica) e saberes pedaggicos:

    No donnio da pedagogia e da didctica, a polmica das palavras e a defesa dos terri-trios institucionais, muito em especial no campo da formao de professores, esto naordem do dia em Frana. ( ...) Tradicionalmente, os defensores dos saberes recusaram asquestes ditas pedaggicas, tendo reduzido a formao de professores unicamente dimenso dos saberes disciplinares. (...) Mas, hoje dia, recorre-se aos especialistas emdidctica, sublinhando, no entanto, que se trata de algo novo e diferente da pedagogia.( ...) uma falsa dicotomia, pois didctica epedagogia so uma e a mesma coisa, desig-nam a mesma realidade?'.

    Hoje em dia, o conceito de currculo imps-se no lxico das Cincias daEducao e difcil escrever sobre questes pedaggicas sem o utilizar poruma ou por outra razo. Mas importante que o faamos com uma conscin-cia crtica e histrica. O livro de Ivor Goodson pode ajudar-nos a melhor com-preender os desafios do trabalho de construo social do currculo.

    (3) BERTRAND,Yves & HOUSSAYE,jean (1995) . Didactique et Pdagogie: l'illusion de Ia ditfrence-. LesSciences de l'ducation - Pour l'Ere Nouvelle, 1/1995, pp. 7-23.

    NOTA DE APRESENTAO 15

    Em Portugal, tem havido uma renovao importante dos estudos histri-cos em educao. No entanto, raras tm sido as investigaes que incidemdirectamente sobre as questes do currculo. A escola sempre foi vista comoum lugar de cultura: primeiro, numa acepo idealizada de transmisso deconhecimentos e de valores ditos universais;mais tarde, numa perspectivacrtica de incu1cao ideolgica e de reproduo social. Num e noutro caso,ignorou-se o trabalho interno de produo de uma cultura escolar, que no independente das lutas e dos conflitos sociais, mas que tem especificidadesprprias que no podem ,ser olhadas apenas pelo prisma das sobredetermina-es do mundo exterior. E neste plano que os estudos sobre o currculo adqui-rem toda a sua dimenso, o que obriga a adoptar perspectivas tericas emetodolgicas que no tm sido sistematicamente utilizadas pela comunidadehistrico-educacional portuguesa.

    A realizao de estudos histricos sobre o currculo ou sobre as discipli-nas escolares, tal como tm sido desenvolvidos nos Estados Unidos da Amricapor Herbert Kliebard'? e em Frana pela equipa de Pierre Caspard'", podeconstituir um passo decisivo para a renovao historiogrfica no nosso pas.Neste sentido, preciso desconstruir a parte do ensino que mais apareceenvolta numa ideologia de naturalidade (e/ou de inevitabilidade), isto , ocurrculo. Na verdade, enquanto construo social, o currculo foi concebidopara surgir como um elemento natural,de tal modo que no sujeito aoescrutnio do pensamento e da crtica. O mesmo se passa com o modelo esco-lar que consagra o currculo existente. Mas trata-se, num e noutro caso, de dis-cursos que constroem as nossas possibilidades (e impossibilidades) e quemarcam, sempre, a predominncia de certos pontos de vista (e interesses)sobre pontos de vista (e interesses) concorrentes.

    Na esteira de Thomas Popkewtz", preciso reconhecer que o presenteno apenas a nossa experincia ou as nossas prticas imediatas. A nossaconscincia histrica passa pelo reconhecimento de que o passado parte donosso discurso de todos os dias, estruturando o que pode ser dito e as possi-bilidades e desafios do tempo presente. nesta perspectiva que podem serlidas, igualmente, as questes da alquimia curricular, isto , da transformao

    (4) Cf., por exemplo: KUEBARD, Herbert (1995). Tbe struggle for lhe American curriculum, 1893-1958.New York & London: Routledge, 2' edio.

    (5) Cf., por exemplo, alguns dos nmeros recentes da revista Histoire de l'ducation.(6) POPKEWITZ, Thomas (1987). Tbe formation of school subjecis: Tbe struggle for creating an American

    institution. London: Falmer Press.

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    de um conhecimento situado no seu espao cientfico de referncia em conhe-cimento situado no espao social da escola,

    Para a anlise deste conjunto de questes, a obra de Ivor Goodson essencial. Ao longo dos ltimos quinze anos, ele tem-se imposto como umautor de referncia, em particular nos domnios da histria do currculo, daspolticas educativas, dos percursos de vida dos professores e das metodologiasqualitativas, Dentre as suas obras mais conhecidas, algumas das quais escritasou coordenadas em co-autoria, destacam-se: School Subjects and CurriculumChange (983), Defining the Curriculum: Histories and Ethnographies (1984),Social Histories of the Secondary Curriculum. Subjects for Study (985),International Perspectives in Curriculum History (987), The Making ofCurriculum (1988), Biography, Identity & Schooling: Episodes in EducationalResearch (991), Computers, Classrooms, and Culture: Studies in the Use ofComputers for Classroom Learning (991), Studying Teachers' Lives (1992),History, Context, and Qualitative Methods in the Study of Education (992),Schooling and Curriculum: Studies in Social Construction (994) e Teachers'Professional Lives (996).

    Estamos perante trabalhos acadmicos de grande relevncia, cuja leiturapode ajudar a compreender melhor alguns dos dilemas educativos actuais. Olivro que agora se apresenta ao pblico portugus representa uma parcelapequena deste labor cientfico. Mas se ele deixar a vontade de ir procura deoutros textos do autor, ter sido atingido o nosso propsito principal.

    Oeiras, 15 de Agosto de 1996

    Antnio Nvoa

    A HISTRIASOCIALDASDISCIPLINASESCOLARES

    Estudar as disciplinas escolares: Porqu?

    O currculo escolar um artefacto sociall..concebido para realizar deter-minados objectivos humanos ~cficos.~, at data, na maior parte dasanalises educativas, o currculo escrito - manifestao extrema de construessociais - tem sido tratado como um dado. Por outro lado, no pode deixar delevantar alguns problemas o facto de ter sido tratado como um dado neutro,que se encontra integrado numa situao, essa sim, significativa e complexa.No entanto, no decurso do nosso prprio percurso escolar, tnhamos conscin-cia de gostar de certas disciplinas, temticas e lies. Aprendamos facilmentee de bom grado algumas disciplinas, enquanto rejeitvamos outras. Por vezes,a explicao residia no professor, no horrio ou na sala (ou mesmo em nsprprios), mas frequentemente o que estava em causa era a forma ou o con-tedo do prprio currculo. Alm destas respostas individualistas, h tambmreaces colectivas em relao ao currculo e, quando os padres so explici-tados, percebe-se que o currculo escolar est longe de ser um factor neutro. Anossa prpria construo social encontra-se no cerne do processo atravs doqual procedemos educao dos nossos filhos. Contudo, apesar de certosesforos dos socilogos, em especial dos socilogos do conhecimento, poucose tem feito para estudar em profundidade a histria social do currculo.

    Quando se aceita que o currculo uma fonte essencial para o estudo his-trico, surgem uma srie de novos problemas, pois o currculo- um concei-to ilusrio e multifacetado. Trata-se, num certo sentido, de um conceito-escorregado-, na medida em que se define, redefine e negoceia numa srie

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    de nveis e de arenas, sendo muito difcil identificar os seus pontos crticos.Por outro lado, o campo difere substancialmente em funo das estruturas epadres locais ou nacionais. por isso que se torna to problemtico deter-minar as bases em que assenta o nosso trabalho.

    Uma grande parte dos estudos mais importantes sobre o currculo, sobreo currculo como construo social, teve lugar nos anos sessenta e no inciodos anos setenta. Tratou-se de um perodo de mudana e de instabilidade emtodo o mundo ocidental, particularmente no mundo da educao, em geral, eno mundo do currculo, em especial. Nessa altura, o desabrochar da investi-gao curricular numa abordagem crtica foi encorajador e sintomtico. O apa-recimento de um campo de estudos sobre o currculo como construo socialconstituiu uma realidade nova e de grande significado. Mas este movimentoteve tambm o seu reverso, nomeadamente no que se refere a dois aspectosque se revelam importantes medida que comeamos a redefinir a nossa abor-dagem da escola e do currculo.

    Em primeiro lugar, vrios investigadores colocaram-se na perspectiva deque a educao devia ser reformada, -revolucionada-, de que os mapas daaprendizagem deviam ser desenhados de novo. Em segundo lugar, esta inves-tigao ocorreu num perodo de grande intensidade dos movimentos de refor-ma curricular, que procuravam revolucionar os currculos escolares. Assimsendo, era improvvel que estes investigadores se quisessem debruar sobreas reas de estabilidade que existentes no currculo escolar.

    Nos anos sessenta, poder-se-ia caracterizar a reforma curricular como umaespcie de torrente. Por toda a parte as ondas criavam turbulncia e activi-dade, mas, na verdade, limitaram-se a engolir algumas ilhotas, enquanto asmassas terrestres mais importantes no foram praticamente afectadas e as mon-tanhas (o terreno elevado-) permaneceram completamente intactas. Agora, medida que a mar recua rapidamente, o terreno elevado visto como umasilhueta austera. A nossa anlise da reforma curricular devia permitir-nos, pelomenos, reconhecer que no mundo do currculo no h apenas terreno eleva-do, mas tambm terreno normal.

    No novo horizonte destaca-se, mais do que nunca, a disciplina escolar,sobretudo as disciplinas bsicasou tradicionais.Por todo o mundo ociden-tal h apelos, e indcios claros, para o regresso s aprendizagens bsicas, parauma revalorizao das disciplinas tradicionais. Em Inglaterra, por exemplo, onovo Currculo Nacional define uma gama de disciplinas a serem ensinadascomo currculo nuclearem todas as escolas. Estas disciplinas tm uma estra-nha semelhana com a lista das disciplinas do ensino secundrio aprovada em1904, o que merece o seguinte comentrio do Times Educational Supplement:Aprimeira coisa a dizer sobre todo este exerccio que pe em causa oiten-

    A HISTRIA SOCIAL DAS DISCIPLINAS ESCOLARES 19

    ta anos de histria educacional da Inglaterra (e do Pas de Gales). uma situa-o em que voltar atrs significa avanar.

    Nos primeiros anos do sculo XIX foram criadas as primeiras escolassecundrias estatais. O seu currculo era apresentado pelo National Board ofEducation, sob a orientao meticulosa de Sir Robert Morant:

    o curso deve fornecer instruo em Lngua Inglesa e Literatura, pelo menos numaoutra Lngua para alm do Ingls, em Geografia, em Histria, em Matemtica, emCincias e em Desenho, prestar a devida ateno aos Trabalhos Manuais e EducaoFsica e, nas escolas de raparigas, aos Lavores.No devem ser atribudas menos do que:4,5 horas por semana ao Ingls, Geografia e Histria; 3,5 horas Lngua estrangeiraescolhida (ou 6 horas quando fossem escolhidas duas Lnguas estrangeiras); 7,5 horass Cincias e Matemtica, sendo que devem ser consagradas pelo menos 3 horas sCincias.

    Mas, ao olhar para o novo Currculo Nacional, aprovado em 1987, desco-brimos que:

    .0 horrio de 8-10 disciplinas, que o documento de discusso apresenta, tem uma preo-cupao acadmica, como Sir Robert Morant nunca teria imaginado. (TimesEducatumal Supplement, 31/7/1987).

    Do mesmo modo, ao analisar a histria do currculo do ensino secund-rio nos Estados Unidos da Amrica, Herbert Kliebard salienta a importncia dasdisciplinas escolares tradicionais,apesar das vagas de reforma curricular quetiveram lugar em perodos mais ou menos remotos. Kliebard caracteriza as dis-ciplinas escolares, no mbito do currculo do ensino secundrio norte-ameri-cano entre 1893 e 1953, como a fortaleza inexpugnvel (1986, p. 269).

    Mas, voltemos conceptualizao do currculo como fonte de estudo, noobstante a dificuldade da sua definio, mesmo nos tempos actuais que lheconferem uma nova centralidade, no quadro de um regresso s aprendizagensbsicas. Nos anos sessenta e setenta, os estudos crticos do currculo comoconstruo social apontavam para a sala de aula como o local da sua negocia-o e concretizao. A sala de aula era o centro da aco-, a arena de resis-tncia.Segundo esta perspectiva, o currculo era o que se passava na sala deaula. A definio de currculo escrito, pr-activo - a perspectiva a partir do ter-reno elevado e das montanhas - encontrava-se sujeita a redefinies ao nvelda sala de aula, e era muitas vezes irrelevante.

    Este ponto de vista insustentvel nos dias de hoje. verdade que o ter-reno elevado do currculo escrito est sujeito a renegociao a nveis inferio-res, nomeadamente na sala de aula. Mas consider-Ia irrelevante, como nosanos sessenta, no faz qualquer sentido. Parece-me que a ideia de que o ter-

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    reno elevado importante est a ganhar uma aceitao cada vez maior. Noterreno elevado o que bsico e tradicional reconstitudo e reinventado.O estatuto, que assumimos como um dado, do conhecimento escolar , assim,reinventado e reafirmado. No se trata apenas de uma manobra poltica ouretrica, pois esta reafirmao afecta o discurso sobre a educao e relaciona--se com os parmetros da prtica. Penso que, hoje em dia, seria uma insen-satez ignorar a importncia central do controlo e definio do currculo escrito.Num sentido significativo, o currculo escrito o testemunho pblico e visveldas raciona.li.ladesescolhida~retrica Iegitimadora das prticas escolar~.

    Na Inglaterra e no Pas de Gales o currculo escrito promulga e sustentadeterminadas intenes bsicas ao nvel educativo, na medida em que sooperacionalizadas em estruturas e instituies. Dito de outro modo: o currcu-lo escrito define as racionalidades e a retrica da disciplina, constituindo onico aspecto tangvel de uma padronizao de recursos (financeiros, avaliati-vos, materiais, etc.). Nesta simbiose, como se o currculo escrito servisse deguia retrica legitimadora das prticas escolares, uma vez que concretiza-do atravs de padres de afectao de recursos, de atribuio de estatuto e dedistribuio de carreiras. Em suma, o currculo escrito proporciona-nos um tes-temunho, uma fonte documental, um mapa varivel do terreno: tambm umdos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da educao.

    O que importa salientar que o currculo escrito - nomeadamente o planode estudos, as orientaes programticas ou os manuais das disciplinas - tem,neste caso, um significado simblico mas tambm um significado prtico.Simblico, porque determinadas intenes educativas so, deste modo, publi-camente comunicadas e legitimadas. Prtico, porque estas convenes escritastraduzem-se em distribuio de recursos e em benefcios do ponto de vista dacarreira.

    O estudo do currculo escrito deveria proporcionar uma srie de conheci-mentos sobre o ensino. Mas, preciso salientar que este estudo deve estarrelacionado com investigaes sobre os processos educativos, os textos esco-lares e a histria da pedagogia. Porque a educao composta pela matriz arti-culada destes e de outros ingredientes vitais. Quanto ao ensino, e ao currculoem particular, as questes centrais so Quem fica com o qu? e O que queelesfazem com isso?

    A definio do currculo faz parte desta histria. E isto no significa afir-mar uma relao directa entre a definio pr-activa do currculo escrito e asua realizao interactiva na sala de aula. Significa, sim, afirmar que o currcu-lo escrito fixa frequentemente parmetros importantes para a prtica da sala deaula (nem sempre, nem em todas as ocasies, nem em todas as salas de aula,mas frequentemente). Em primeiro lugar, o estudo do currculo escrito facilita

    A HISTRIA SOCIAL DAS DISCIPLINAS ESCOLARES 21

    a compreenso do modo como as influncias e interesses activos intervm nonvel pr-activo. Em segundo lugar, esta compreenso promove o nossoconhecimento relativamente aos valores e objectivos representados na educa-o e ao modo como a definio pr-activa, no obstante as variaes indivi-duais e locais, pode fixar parmetros para a realizao e negociaointeractivas na sala de aula e na escola.

    Perspectivas para o estudo das disciplinas escolares

    Com o desenvolvimento dos sistemas estatais de ensino, a disciplina esco-lar tornou-se o principal ponto de referncia para um nmero crescente dealunos. Como consequncia, o trabalho acadmico organizou-se em torno dasdisciplinas. Foster Watson, pioneiro neste campo, afirmava que:

    Devido ao rpido desenvolvimento de um sistema de escolas secundrias distritais emunicipais, em Inglaterra e no Pas de Gales, observa-se, nos nossos dias, um interesseespecial pelo lugar e funo das disciplinas "modernas nas escolas secundrias (1909,p. vii).

    Esta racionalidade antecipa, de algum modo, as ideias dos futuros soci-logos do conhecimento na medida em que:

    J tempo de os factos histricos relacionados com as origens das disciplinas moder-nas em Inglaterra serem conhecidos, e serem conhecidos em relao histria das for-as sociais que as introduziram no currculo educacional (Watson, 1909, p. viii).

    Nos cinquenta anos seguintes, poucos investigadores seguiram FosterWatson, procurando relacionar as disciplinas escolares com as "foras sociaisque as introduziram no currculo educacional.

    No entanto, nos anos sessenta, surgiu, por parte dos socilogos e muitoem especial dos socilogos do conhecimento, um novo mpeto face investi-gao das disciplinas escolares. Em 1968, Frank Musgrove exortava os investi-gadores educacionais a "examinarem as disciplinas, tanto na escola como nopas em geral, enquanto conjunto de sistemas sociais alicerados em redes deComunicao, recursos materiais e ideologias (1968, p. 101). No que diz res-peito s "redes de comunicao, Esland afirmou posteriormente que a inves-tigao deveria incidir, em parte, na perspectiva disciplinar do professor.

    O conhecimento com que um professor pensa "preencher" a sua disciplina detidoem comum com membros de uma comunidade de apoio que, colectivamente, abordamos seus paradigmas e critrios de utilidade, a forma como so legitimados nos cursos

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    de formao e nas declaraes "oficiais". Dir-se-ia que os professores, devido nature-za dispersa das suas comunidades epistmicas, sentem a incerteza conceptual que vemda falta de outros significantes que podem confirmar a plausibilidade. Esto, assim,extremamente dependentes de publicaes especializadas e, em menor grau, de con-ferncias, que confirmem a sua realidade 0971, p. 79).

    Esland e Dale desenvolveram, posteriormente, este interesse pelos profes-sores nas comunidades disciplinares:

    Os professores, como porta-vozes das comunidades disciplinares, esto envolvidosnuma organizao elaborada do conhecimento. A comunidade tem uma histria e, atra-vs dela, um corpo de conhecimentos respeitado.Tem regras para reconhecer assuntos"inoportunos" ou "ilegtimos", e formas de evitar a contaminao cognitiva. Ter umafilosofia e um conjunto de autoridades, que do uma grande legitimao s actividadesque so aceitveis para a comunidade. A alguns membros atribudo o poder de pres-tar "declaraes oficiais" - por exemplo, directores de revistas, presidentes, respons-veis pedaggicos e inspectores. Eles so importantes como "outros significantes" queprovidenciam modelos para os membros mais novos ou indecisos, no que diz respeito adequao das suas crenas e comportamentos 0973, pp. 70-71).

    Esland esteve sempre especialmente preocupado com a realizao de umainvestigao que clarificasse o papel dos grupos profissionais na construosocial das disciplinas escolares. Esses grupos podem ser considerados comomediadores das forassociais" referidas por Foster Watson:

    Asassociaes de professores por disciplinas podem ser, teoricamente, representadascomo segmentos e movimentos sociais envolvidos na negociao de novas alianas eracionalidades, medida que as construes da realidade detida colectivamente setransformam. Assim, aplicadas s identidades profissionais dos professores numa esco-la, seria possvel revelar as regularidades e mudanas conceptuais que so geradas atra-vs dos membros de comunidades disciplinares especficas, medida em que somanifestadas em manuais escolares, em planos de estudo, em publicaes especializa-das, em relatrios de conferncias, etc.

    Tendo em conta a importncia das perspectivas histricas, Esland acres-centou que as disciplinas podem ser apresentadas como carreiras que sodependentes dos correlativos scio-estruturais e scio-psicolgicos dos mem-bros de comunidades epistrnicas- (1971, p. 107).

    A relao entre o contedo do ensino, a educao e as questes de podere controlo foi elucidada, em 1961, por Raymond Williams. Na sua obra LongRevolution faz a seguinte observao:

    "No se trata somente do modo como a educao est organizada, expressando cons-ciente e inconscientemente a organizao de uma cultura e de uma sociedade: o que

    23A HISTRIA SOCIAL DAS DISCIPllNAS ESCOlARES

    se pensava ser uma simples distribuio constitui, na verdade, uma modelao real comobjectivos sociais especficos. Trata-se tambm do facto de que o contedo da educa-o, que est sujeito a uma filiao histrica clara, representa determinados elementosbsicos da cultura, consciente e inconscientemente. O que se considera ser "uma edu-cao" , de facto, um conjunto especfico de nfases e omisses 0975, p. 146).

    Poder-se-ia juntar aqui a noo de Williams de contedo da educao",pois a batalha pelo contedo do currculo, embora por vezes visvel, , emmuitos sentidos, menos importante do que o controlo sobre as formas subja-centes.

    Michael Young procurou seguir a relao entre conhecimento escolar econtrolo social e f-Io de modo a focar o contedo e a forma:

    Os que esto em posies de poder tentaro definir o que se dever entender comoconhecimento, o grau de acessibilidade ao conhecimento de diferentes grupos e quaisas relaes aceites entre as distintas reas de conhecimento e entre os que a elas tmacesso e as tornam disponveis. 0971, p. 52).

    A sua preocupao com a forma das disciplinas escolares de elevado esta-tuto centrou-se nos princpios organizadores- que identificou como sendo abase do currculo acadmico:

    Soeles a alfabetizao, atravs da nfase dada escrita como oposio apresenta-o orale ao individualismo (ou afastamento do trabalho de grupo ou cooperao),que se centra no modo como o trabalho acadmico avaliado e que constitui umacaracterstica tanto do "processo" de aprendizagem como da forma como o "produto" apresentado; a abstraco do conhecimento e sua estruturao e compartimentaliza-o, independentemente do conhecimento do aluno; e, por fim, e relacionado com aanterior, est a desconexo dos currculos acadmicos, que se refere dimenso emque estes esto "em conflito" com a vida e a experincia dirias (Young, 1971, p. 38).

    Esta tnica posta na forma do conhecimento escolar no deveria, porm,excluir preocupaes como a de Williams com a construo social de conte-dos especficos. O ponto principal a reter o da fora correlacionada da formae do contedo, que deveria estar no centro do nosso estudo das disciplinasescolares. O estudo da forma e do contedo da disciplina deveria, alm disso,ser colocado numa perspectiva histrica.

    De facto, no seu ltimo trabalho, Young reconhece a determinao umpouco esttica da sua escrita em Knowledge and Control e afirma que o tra-balho histrico deveria ser um ingrediente essencial do estudo do conheci-mento escolar. Escreveu sobre a necessidade de compreender a emergncia epersistncia histricas de convenes especficas (as disciplinas escolares, porexemplo)". Quando estamos limitados na nossa compreenso histrica dos

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    problemas contemporneos da educao, estamos tambm limitados quanto compreenso das questes da poltica e do controlo. Por isso, Young concluique: Umaforma crucial de reformular e transcender os limites em que traba-lhamos ver... como esses limites no esto predefinidos, mas so, sim, pro-duzidos atravs das aces e interesses conflituais dos homens na histria(1977, pp. 248-249).

    Estudo da histria social das disciplinas escolares

    o importante trabalho empreendido pelos socilogos do conhecimento nadefinio de programas de pesquisa sobre o conhecimento escolar conduziu valorizao da investigao histrica. O estudo das disciplinas escolares abreuma nova fase. O trabalho inicial levado a cabo pelos precursores do incio dosculo XX avanou elementos fundamentais; os socilogos do conhecimentodesempenharam, em seguida, um papel vital ao recuperarem e reafirmarem avalidade deste projecto intelectual; porm, no decurso do processo, deixou dese prestar a ateno devida s circunstncias histricas e empricas. Agora, atarefa a realizar passa pelo reexame do papel dos mtodos histricos no estu-do do currculo e pela articulao de um modo de estudo que estimule a nossacompreenso relativamente histria social do currculo escolar e s discipli-nas escolares em particular.

    Em School Subjects and Curriculum Change, debrucei-me sobre a histriade trs disciplinas: geografia, biologia e estudos ambientais (Goodson, 1983).Cada uma destas disciplinas seguia um perfil evolucionrio semelhante e estetrabalho inicial permitiu o desenvolvimento de uma srie de hipteses sobre omodo como o estatuto, os recursos e a estruturao das disciplinas escolaresempurram o conhecimento da disciplina escolar em direces especficas: emdireco do que eu chamo a tradio acadmica-. Na esteira deste trabalho,foi lanada uma nova srie de estudos em histria do currculo. No primeirovolume, Social Histories of the Secondary Curriculum (Goodson, 1985), o tra-balho abrange uma vasta gama de disciplinas: Grego e Latim (Stray, English),cincias (Waring), economia domstica (Purvis), educao religiosa (Bell),estudos sociais (Franklin e Whitty) e lnguas vivas (Radford). Estes estudosreflectem um interesse crescente pela histria do currculo e, alm de elucida-rem sobre a mudana simblica do conhecimento escolar para a tradio aca-dmica, levantam questes essenciais relativamente a explicaes passadas epresentes das disciplinas escolares, numa perspectiva sociolgica ou filosfica.Um outro trabalho da mesma srie debruou-se em pormenor sobre discipli-nas especficas: em 1985, McCulloch, Layton e Jenkins publicaram o livro

    A HISTRIA SOCIAl DAS DISCIPLINAS ESCOLARES 25

    Technological Revolution? Esta obra examina a poltica do currculo escolarcientfico e tecnolgico em Inglaterra e no Pas de Gales desde a Ir GuerraMundial. Um trabalho posterior de Brian Woolnough (1988) aborda a histriado ensino da fsica nas escolas, no perodo de 1960 a 1985. Uma outra rea detrabalho emergente a histria da matemtica escolar: o livro de Cooper,Renegotiating Secondary School Mathematics (1985), tem como tema o desti-no de uma srie de tradies na Matemtica e articula um modelo para a rede-finio do conhecimento da disciplina escolar; entretanto, o livro de BobMoon, The New Maths- Cumculum Controversy (1986), incide sobre aMatemtica em Inglaterra e nos Estados Unidos da Amrica e apresenta um tra-balho muito interessante sobre a disseminao dos manuais escolares.

    A investigao em curso na Amrica comea, tambm, a focar a evoluodo currculo escolar numa perspectiva histrica. O influente livro de HerbertKliebard, The Struggle for the American Curriculum 1893-1958 (1986), distin-gue uma srie de tradies dominantes no currculo escolar. Este autor chegatambm concluso intrigante de que, no final do perodo em questo, a dis-ciplina escolar tradicional manteve-se uma "fortaleza inexpugnvel. Mas o tra-balho de Kliebard no nos leva ao detalhe da vida escolar. Quanto a esteaspecto, a obra de Barry Franklin, Building the American Community (1986),fornece-nos conhecimentos preciosos. Aqui, podemos observar a negociaovital de ideias curriculares, o terreno do trabalho de Kliebard, no quadro dasua implementao como prtica escolar. Alm disso, um conjunto de docu-mentos compilados por Tom Popkewitz (1987) abordam os aspectos histricosde uma gama de disciplinas: educao pr-escolar (Bloch), arte (Freedman),leitura e escrita (Monagha e Saul), biologia (Rosenthal e Bybee), matemtica(Stanc), estudos sociais (Lybhel), educao especial (Franklin e Sleeter), cur-rculo socialista (Teitelbaum) e um estudo do manual escolar de RuggsCKliebarde Wegner).

    No Canad, a histria do currculo foi lanada como campo de estudosdeVido ao trabalho pioneiro de George Tomkins, A Common Countenance(1986), que examinou os padres de estabilidade e de mudana curricularesnuma srie de disciplinas ao longo dos dois ltimos sculos. Esta obra esti-mulou uma vasta gama de novos e importantes trabalhos sobre histria curri-cular. Por exemplo, o estudo muito estimulante de Gaskell sobre a histria dafsicaescolar, que um dos textos integrados num livro recente, InternationalPerspectives in Curriculum History, que procura reunir alguns dos mais signi-ficativos contributos produzidos em diferentes pases sobre a histria curricu-lar.Alm dos trabalhos j mencionados de Stanic, Moon, Franklin, McCulloch,Ball e Gaskell, esto ainda includos trs artigos: Victorian School Science deBodson; Science Education de Louis Smith; English on the Norwegian Common

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    School de Gundem; e Tbe Deoelopment of Senior School Geography in WestAustralia de Marsh (Goodson, 1988).

    Outros trabalhos comearam a debruar-se sobre temas mais vastos. Olivro de Peter Cunningham (1988), por exemplo, analisa a mudana curricularocorrida nas escolas primrias da Gr-Bretanha desde 1945. O livro de P.w.Musgrave, Whose Knowledge (1988), um estudo de caso da VictoriaUniversity Examinations Board entre 1964 e 1979.Nestes ltimos textos, o tra-balho histrico permite esclarecer a mudana de contedo curricular para con-tedo examinvel, principalmente no que diz respeito compreenso domodo como o estatuto e os recursos so afectados no seio da escola.

    As orientaes futuras para o estudo das disciplinas escolares e do curr-culo apontam para uma abordagem mais ampla. A linha de base do trabalhoexposto apenas o incio de uma tarefa mais elaborada e complexa. impor-tante avanar no sentido de examinar a relao entre o contedo e a forma dadiscip~i.~;co!.?~e anllis~r a2..~.t.~sJl~J?r,~t~ca e..?~,~P!

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    capacidade crescente para mobilizar recursos sociais para objectivos organiza-conais- (1983, p. 86). A este respeito, [ohn Meyer faz uma distino entre cate-gorias institucionais e organizacionais.

    O institucional remete para uma "ideologia cultural" e confrontado com o organi-zacional, isto , protegido dentro de estruturas nicas e tangveis como as escolas e assalas de aula.As categorias institucionais incluem nveis de ensino (como o primrio),tipos de escola (como a unificada), funes educacionais (como a de reitor) e tpicoscurriculares (como a leitura, a Reforma ou a Matemtica). Em cada um destes casos, aforma organizacional criada e mantida pelos professores (e por outros actores) con-frontada com uma categoria institucional, significativa para um pblico (ou pblicos)mais vasto (Reid, 1984, p. 68).

    As categorias institucionais que Meyer define so a principal moeda nomercado educacional. Neste mercado, so necessrias tipificaes sociais iden-tificveis e padronizveis: para os alunos, porque esto a construir carreirasescolares ligadas a certos objectivos profissionais e sociais; para os professo-res, porque desejam assegurar o futuro dos seus alunos e alcanar boas car-reiras e estatutos profissionais para eles prprios. A misso dos espaosdisciplinares liga-se ao mercado na procura dessas retricas que iro assegu-rar categorias identificveis, credveis para a opinio pblica. Para Reid:

    "Asretricas bem sucedidas so realidades. Embora os professores e os gestores esco-lares tenham de estar atentos para que as disjunes entre as prticas e as convicesno aumentem de forma a poderem pr em causa a credibilidade da educao, certoque o mais importante para o sucesso das disciplinas escolares no a entrega de"bens" que podem ser publicamente avaliados, mas sim o desenvolvimento e manu-teno de retricas legtimas que do apoio automtico a uma actividade correcta-mente classificada.A escolha de classificaes apropriadas e a associao destas, naopinio pblica, com retricas plausveis de justificao podem ser vistas como a mis-so principal daqueles que trabalham para modernizar ou defender as disciplinas docurrculo 0984, p. 75).

    Segundo este ponto de vista, a funo social do ensino fixa parmetros,perspectivas e incentivos claros para os actores envolvidos na construo dasdisciplinas escolares. A nossa investigao sobre as actividades desses actoresclassifica-as como: actividades individuais ou colectivas, com carreirase "mis-ses dependentes de fontes externas para a obteno de recursos e de apoioideolgico. O interJace entre os actores disciplinares "internos e as suas rela-es externas mediado pela procura de recursos e de apoio ideolgico. Adependncia de recursos tem duas faces: conhecida como uma limitao sestratgias de aco, mas tambm pode ser vista como um modo de promo-ver e facilitar verses e vises particulares das disciplinas escolares.

    DISCIPLINAS ESCOlARES: PADRES DE ESTABILIDADE 29

    A grande fora de Meyer e Rowan na caracterizao do ensino, e da sualigao a uma anlise da distribuio de recursos, passa pela demonstrao deque o estudo curricular tanto pode focar aspectos de estabilidade e conserva-o como aspectos de conflito e mudana. Isto proporciona um antdoto paraos perigos do internalismo e do entendimento do currculo como um dado, janteriormente mencionados; proporciona tambm uma resposta ao trabalhode Steven Luke, que, aps criticar as concepes de poder -undimensonais-ou pluralistas que focam somente o conflito, afirma que o uso de poder maiseficaz e insidioso " o de prevenir que o conflito surja logo partida.

    Estudo da estabilidade curricular

    Os assuntos internos e as relaes externas da mudana curricular deve-riam ser aspectos inter-relacionados em qualquer anlise de reforma educacio-nal. Quando o interno e o externo esto em conflito (ou dessincronizados) amudana tende a ser gradual ou efmera. Uma vez que a harmonizao simul-tnea difcil, a estabilidade ou conservao curricular comum. O que acon-tece muitas vezes uma divergncia entre as categorias institucionais- deMeyer e as

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    ver tpicos acessveis ao maior nmero possvel de alunos, esto novamente a aumen-tar as exigncias em termos de contedos e a pr em causa estilos inovadores de ensi-no 0984, p. 73).

    Este episdio exemplifica essencialmente uma situao em que os assun-tos internos e as relaes externas no esto em harmonia ou, mais concreta-mente, so divergentes. As mudanas organizacionais foram assimimplementadas, mas as categorias institucionais, dependentes de grupos deapoio externos, mostraram-se resistentes mudana. muito improvvel quea mudana organizacional, sem um apoio ou acompanhamento ao nvel insti-tucional (isto , com significado para grupos mais vastos), venha a ter efeitosa longo prazo.

    Essencialmente, aquilo que necessrio para compreender a estabilidadee mudana curriculares so formas de anlise que procuram examinar osassuntos internos em paralelo com as relaes externas, como um modo dedesenvolver pontos de vista sobre a mudana organizacional e sobre asmudanas em categorias institucionais mais amplas. Esta anlise ultrapassa aforma um pouco internalista de grande parte das pesquisas curriculares. Trata--se de prticas de pesquisa que desenvolvem frequentemente analogias mdi-cas e, por isso, Miles referiu-se sade organizacional- das escolas. Notrabalho de Hoyles (1969), a mudana curricular no pega.. devido a umaespcie de rejeio de tecidos por parte de escolas que no tm sade orga-nizacional. A tnica foi posta na constituio e funcionamento interno da esco-la como um corpo discreto e auto-regulador.

    Webster argumentou convincentemente contra esta analogia mdica aodesenvolver alguns dos pontos de vista de Robert Nisbet, que nos exortam aconcentrar a ateno em aspectos mais vastos da mudana e da conservaoculturais. Incita-nos a apreciar os mecanismos de estabilidade e persistncia nasociedade, osimples poder do conservantismo na vida social: o poder do cos-tume, da tradio, do hbito e da mera inrcia.. (Webster, 1971, pp. 204-205).Tal como Webster observa:

    Segundo o ponto de vista de Nisbet, enganmo-nos muitas vezes quando pensamosque se est a dar uma mudana social radical, porque no nos apercebemos da distin-o significativa... entre reajustamento ou afastamento individual numa estrutura social(cujos efeitos, embora possivelmente cumulativos, nunca so suficientes para alterar aestrutura de uma sociedade ou instituio para postulados culturais bsicos) e a maisfundamental, embora enigmtica, mudana de estrutura, tipo, padro ou paradigma(1971, pp. 204-205).

    Por esta razo, Nisbet afirma que so raros os momentos histricos emque, como consequncia de uma crise, e qualquer tipo de ateno dada a essa

    DISCIPLINAS ESCOIARES: PADRES DE ESTABILIDADE 31

    crise por parte de uma elite ou de um indivduo, o resultado seja um modo devida genuinamente novo . Geralmente, a consequncia acaba por ser umaespcie de sobrevivncia da crise e, consequentemente, um regresso ao fami-liar e ao tradicional u (1971, p. 206). Penso que qualquer estudioso da mudan-a e inovao curriculares reconheceria este resultado. A mudanaorganizacional tem de ser acompanhada por uma mudana da categoria insti-tucional (e pelo aparecimento de novas prticas institucionalizadas), de modoa assegurar a mudana fundamental ..de Nisbet. Mas o estabelecimento de umanova categoria institucional, e de prticas institucionalizadas associadas, acar-reta as sementes de novos padres de tradio e inrcia. Em suma, a mudan-a fundamental exige a inveno de (novas) tradies ...

    McKinney e Westbury estabeleceram a natureza sistmica da mudana cur-ricular, num estudo pioneiro sobre a estabilidade e a mudana nas escolaspblicas de Gary (Indiana), no perodo entre 1940-1970.

    Osdiscursos intelectuais que se pensa, num dado perodo, terem um valor cultural ouinstrumental para os jovens, tomam-se, na escola, disciplinas que, por sua vez, provi-denciam a organizao intelectual e os veculos que os professores empregam paraensinar sistematicamente os seus conhecimentos a milhes de alunos, durante os dozeanos, ou mais, em que esto na escola. Os professores deixam as escolas, mas os alunospermanecem - a existncia de um programa organizado de formas rotineiras quepossibilita o facto de um professor retomar a matria onde o outro deixou, quer sejano meio do ano, ou no final do ano. a existncia destas instituies sociais, com o seucarcter conhecido, que toma possvel os esforos comuns de um sistema escolar - for-mao dos professores, elaborao de textos e exames, construo de equipamento eedificios, etc. Por outras palavras, as disciplinas e as formas de ensino que as rodeiamso estruturas que especificam as condies e os contextos de sentido em que o ensi-no ter lugar, e constituem os espaos e os meios de colaborao institucional dasagncias educativas para o progresso do seu trabalho (1975, pp. 8-9).

    A disciplina escolar como sistema e prtica institucionalizada proporciona,assim, uma estrutura para a aco. Mas a disciplina em si faz parte de umaestrutura mais ampla que incorpora e define os objectivos e possibilidadessociais do ensino. Porque a definio da disciplina escolar como discurso ret-rica, contedo, forma organizacional e prtica institucionalizada faz parte dasprticas de distribuio e de reproduo social.

    preciso, por isso, comear a olhar para a disciplina como um bloco nummosaico cuidadosamente construdo durante os quatrocentos anos (ou mais)que demorou a delinear os sistemas educativos estatais. S a poderemoscomear a entender o papel da disciplina escolar no que diz respeito a objec-tivos sociais mais amplos: objectivos esses que muitas vezes se relacionamintimamente com os misteriosos mecanismos de estabilidade e persistncia na

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    sociedade mencionados anteriormente. A disciplina escolar , assim, um dosprismas atravs dos quais poderemos vislumbrar a estrutura do ensino estatal.Parece, no entanto, um terreno particularmente valioso para a pesquisa, umavez que a disciplina se situa na interseco das foras internas e externas quemencionmos: alm disso, as aces do Estado em matria educacional somuitas vezes incaracteristicamente visveis em alturas de reorganizao disci-plinar (por exemplo, no caso presente do currculo nacional britnico ou nodebate actual sobre o currculo australiano).

    De certa forma, a disciplina escolar permanece como um arqutipo dadiviso e fragmentao do conhecimento nas nossas sociedades.Enclausurados dentro de cada -mcro-oscplina, os debates mais vastossobre os objectivos sociais do ensino tendem a ser travados de forma isola-da e segmentada (e, sem dvida, sedimentada) entre os diferentes nveisinternos e externos e entre os domnios pblicos e privados do discurso. Aharmonizao atravs dos nveis e domnios uma busca ilusria: a estabili-dade e a conservao continuam, assim, a ser o resultado mais provvel daestruturao do ensino, no qual as disciplinas constituem um ingrediente cru-cial.

    Alguns investigadores afirmaram recentemente que o sistema foi constru-do, desde os seus primrdios, para assegurar a estabilidade e para mistificar edissimular as relaes de poder que sustentam todas as aces curriculares.Por exemplo, referindo-se ao caso da Alemanha em particular e da Europa emgeral, Haft e Hopmann afirmaram que:

    Associedades como a nossa so sociedades de classes, organizadas de forma a pro-porcionar uma distribuio desigual dos recursos necessrios ao modo de vida de cadaum e, portanto, s suas perspectivas educativas. Uma vez que tais recursos no podemser aumentados sem mais nem menos, qualquer deciso sobre a sua distribuio signi-fica tirar a um e dar a outro. Consequentemente, a luta social est tanto na agendanacional como na agenda internacional. Os problemas surgem sempre que os derrota-dos recusam ceder. Assim,do ponto de vista das foras dominantes na luta pela distri-buio, necessrio organizar a distribuio de forma a assegurar um consensomaioritrio - ou, na pior de hipteses, de forma a que no levante resistncias signifi-cativas.O mesmo se aplica aco curricular estatal: a distribuio do conhecimento est asse-gurada socialmente, desde que seja aceite como uma regra - ou, pelo menos, desde queno seja seriamente posta em causa, por mais desigual que possa ser 0990, p. 159).

    E, alm disso, que:

    ,

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    A estruturao do ensino em disciplinas representa, simultaneamente, umafragmentao e uma internalizao das lutas pela estatizao da educao.Fragmentao, porque os conflitos surgem de uma srie de disciplinas com-partimentalizadas; internalizao, porque, actualmente, os conflitos surgemno s dentro da escola, mas tambm dentro dos limites da disciplina. Dar pri-mazia disciplina escolar na atribuio de recursos ao ensino significa, assim,financiar e promover uma reduo particular do discurso possvel sobre o ensi-no.

    A consagrao simblica das disciplinas como a base dos currculos doensino secundrio , talvez, o princpio mais bem sucedido na histria daaco curricular. No entanto, como tivemos oportunidade de observar, no um esquema neutro, burocrtico ou racional/educacional, mas sim um esque-ma perfeito para a conservao e a estabilidade, permanecendo para frustrareficazmente quaisquer outras iniciativas globais de reforma. As inovaes nosentido da unificao, tais como as sugeridas por Dewey, tm poucas hipte-ses de serem implementadas a longo prazo. Nos termos de Nisbet elas per-manecem, inevitavelmente, num mundo estruturado disciplinarmente, onde amudana fundamental dos reajustamentos ou desvios individuais quaseimpossvel.

    As novas iniciativas de aco curricular devem ser examinadas neste nvelde aco simblica. Um modelo de ensino disciplinar e segmentado actua parasilenciar ou marginalizar eficazmente modelos alternativos. Todavia, muitasvezes o significado simblico da centralizao disciplinar desconhecido emmuitos debates sobre as novas iniciativas. No debate sobre o currculo nacio-nal britnico tem havido um silncio ensurdecedor quanto a este aspecto daspropostas.

    Reinscrevendo o tradicional:O currculo nacional britnico

    Todas as novas iniciativas disciplinares so palco de um intenso debatesobre os objectivos e os parmetros do ensino. Mas, ao no questionarem aestrutura, os intervenientes no debate aceitam uma iniciativa que, como acosimblica, far com que a estabilidade e a conservao se tornem mais subtise duradouras. Esta a questo-chave: travam-se debates interminveis sobreobjectivos e parmetros curriculares, mas so debates fragmentados e interna-lizados dentro de limites que tornam qualquer mudana de fundo praticamenteimpossvel.

    DISCIPLINAS ESCOLARES: PADRES DE ESTABILIDADE 35

    Umaestrutura curricular fragmentada permite que novos conceitos sejam adoptados,pelo menos parcialmente, desde que as margens entre as disciplinas no estejam irre-conhecveis.A autorizao para abandonar a suposta estrutura da administrao disci-plinar no de modo algum facilmente obtida e est sempre confmada a reasdisciplinares intimamente relacionadas. A "coligao" que constitui uma determinadadisciplina tem que ser enfraquecida a partir de dentro. por isso que o esforo inglspara desenvolver uma abordagem integrada do ensino cientfico s teve sucesso quan-do foi apoiado por uma combinao de incentivos e uma escassez signficativa de pro-fessores de Cincias ... Estabelecer a abordagem integrada como forma regular doensino cientfico, parece bastante impossvel, a no ser que surjam programas adequa-dos, tanto a nvel administrativo como a nvel educativo (o que ser difcil, devido diviso social das disciplinas).O facto de as abordagens integradas no serem teis em sistemas compartmentaliza-dos no signfica, porm, que tenham de existir diferentes conceitos curriculares emcada compartimento. O oposto verdadeiro. Os limites do sistema como um todoreduzem o grau de mudana que um simples esforo pode conseguir. Nos sistemascompartimentalizados no se deixou acessvel nenhum nvel no qual o desenvolvi-mento curricular pudesse ser organizado como um esforo de construo social denovas estruturas e lgicas de distribuio do conhecimento. Porque as dependnciase as ideias dominantes no podem ser desafiadas em geral.Assim, se existir um con-ceito curricular predominante com que o sistema como um todo possa contar, issotem de ser aceite como a regra do jogo em cada compartimento (isto , as mudanasdevem respeitar o limite de variao que lhes imposto) (Haft & Hopmann, 1990,p. 167).

    Nos ltimos anos, o debate sobre o currculo escolar tem reafirmado ereconstitudo os padres de tradio e estabilidade que estiveram obscurecidosdevido aos esforos de reforma dos finais dos anos sessenta e princpios dosanos setenta. No horizonte apresenta-se, mais do que nunca, um reforo dasdisciplinas escolares, das "aprendizagens bsicas. Tradicionalmente, o reforodas aprendizagens bsicasconsistia em conceder uma ateno privilegiada aostrs Rs - ler, escrever e contar (reading, writing, reckoning). Nos anos oitenta, justo dizer que aqueles que detm o poder curricular seguiram uma nova ver-so dos trs Rs - reabilitao, reinveno e reconstituio. Frequentemente, aestratgia de reabilitao das disciplinas escolares nos anos oitenta passa pelaafirmao de que o bom ensino , de facto, o bom ensino disciplinar. Isto cor-responde a lanar um vu sobre toda a experincia dos anos sessenta, a tentaresquecer a razo por que muitas reformas curriculares foram desenvolvidaspara encontrar antdotos para as falhas e insuficincias observadas no ensinodisciplinar convencional. Neste sentido, a estratgia de reabilitao funda-mentalmente no histrica, mas, paradoxalmente, tambm uma lembrana dopoder dos vestgiosdo passado para sobreviver, reviver e reproduzir.

    Em Inglaterra, a reinveno das disciplinas tradicionais teve incio em1969 com a publicao da primeira coleco dos Black Papers (Cox & Dyson,

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    1969; Cox & Boyson, 1975). Os autores desta coleco afirmavam que os pro-fessores tinham sido demasiado influenciados pelas teorias progressistas daeducao, tais como a integrao das disciplinas e prticas de ensino basea-das na pesquisa e na descoberta. Isto teve como consequncia uma negli-gncia do ensino de conhecimentos bsicos e disciplinares e conduziu a umareduo dos padres de aproveitamento do aluno e a um aumento da indis-ciplina na escola; atravs deste raciocnio, a disciplina escolar (acadmica)era posta em paralelo com a disciplina moral e social (comportamental). Areabilitao da disciplina escolar garantiu o restabelecimento da disciplinanestas duas perspectivas. Os Black Papers foram adaptados pelos polticos,que os foram integrando nos seus discursos e projectos. Em 1979, por exem-plo, na sequncia de uma pesquisa realizada em vrias escolas secundriasde Inglaterra e do Pas de Gales, as autoridades chamaram a ateno para oque julgavam ser a prova de uma correspondncia insuficiente entre as qua-lificaes e a experincia dos professores e o trabalho que estavam a reali-zar. Posteriormente, numa outra pesquisa, descobriram que o ensinoministrado por professores que tinham estudado as disciplinas que ensina-vam como disciplinas principais na sua formao inicial se encontrava maisdirectamente associado a padres elevados de trabalho (Her Majesty'sInspectorate, 1983).

    Estas percepes serviram de base ao panfleto do Ministrio de Educao,Teaching Quality, no qual se listavam os critrios a seguir na organizao doscursos de formao inicial de professores. Os primeiros critrios impunham oseguinte requisito: a formao universitria e a formao profissional de todosos professores qualificados deve incluir, pelo menos, dois anos dedicados aestudos disciplinares ao nvel do superior. Atravs deste requisito reconhecer--se-ia "a necessidade, por parte dos professores, de conhecimentos disciplina-res, se quissessem ter a confiana e a capacidade para entusiasmarem osalunos e para responderem sua curiosidade nos diferentes campos discipli-nares (Department of Education and Science, 1983).

    Esta ltima frase curiosamente circular. bvio que, se os alunos esco-lhem disciplinas, ento provvel que os professores necessitem de conheci-mentos disciplinares. Mas isto serve para impedir um debate sobre quandodeveriam escolher as disciplinas como um processo educacional. Em vez disso,temos como escolha um fait accompli prtico. De facto, os alunos no tmoutra hiptese seno aceitar "os domnios disciplinares que escolheram-, A rea-bilitao poltica das disciplinas por ditame poltico apresentada como umaescolha do aluno.

    Em Teaching Quality volta-se questo da correspondncia entre as qua-lificaes dos professores e o seu trabalho com os alunos; verificamos que "o

    DISCIPLINAS ESCOLARES, PADRES DE ESTABILIDADE 37

    Governo atribui uma maior prioridade melhoria da adaptao entre asqualificaes dos professores e as suas tarefas como uma forma de melho-rar a qualidade da educao. Os critrios para esta adaptao baseiam-senuma clara crena no padro hierrquico e sequencial da aprendizagem dis-ciplinar.

    Todo o ensino disciplinar especializado, no decurso do ensino secund-rio, requer professores cujo estudo da disciplina em questo se situe num nveladequado ao ensino superior, represente uma parte substancial do perodo deformao superior e se situe num nvel elevado de competncia.

    O incio da especializao disciplinar evidencia-se melhor quando ana-lisada a questo do trabalho no disciplinar nas escolas. Muitos aspectos dotrabalho escolar ocorrem fora (ou ao lado) do trabalho disciplinar - estudosdo processo escolar mostraram como o trabalho auxiliar e teraputica integra-do surge, porque os alunos no tm aproveitamento nas disciplinas tradicio-nais. Longe de aceitar a disciplina como um veculo educacional com severoslimites, se a inteno a de educar todos os alunos, o documento publicadopor Her Majesty's Inspectorate procura reabilitar as disciplinas mesmo nosdomnios que surgem, frequentemente, da "dispersodisciplinar:

    "o ensino secundrio no totalmente disciplinar, e a formao inicial e as qualifica-es no podem proporcionar uma preparao adequada para todo o trabalho nasescolas secundrias. Por exemplo, os professores envolvidos em orientao escolar outrabalho teraputico ou em cursos colectivos de preparao vocacional, e aqueles queso responsveis por dar resposta s "necessidades educativas especiais", necessitam deempreender estas tarefas no s com base nas qualificaes iniciais, mas tambm apsterem experimentado ensinar uma disciplina especializada e, preferencialmente, apsuma formao ps-experincia. O trabalho deste tipo e o ensino interdisciplinar sogeralmente mais bem partilhados entre professores com muitas qualificaes e conhe-cimentos especializados e adequados CRer Majesty's lnspectorate, 1983, ponto 3.40).

    A reabilitao das disciplinas escolares tornou-se a base da opinio doGoverno sobre o currculo escolar. Em muitos aspectos, o apoio estrutural egovernamental dado s disciplinas escolares, enquanto esquema estruturantedo ensino secundrio, est a atingir nveis inauditos. Hargreaves considerouque "ao que parece, mais do que em qualquer outra altura, a disciplina esco-lar dever assumir uma importncia primordial na preparao estrutural e naresponsabilidade curricular dos professores do ensino secundrio. Mas estapoltica preferencial segue em paralelo com uma importante mudana no esti-lo da poltica educativa, pois, como afirma Hargreaves, essa inteno porparte das autoridades no significa uma simples distribuio de conselhosvagos:

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    .Mais concretamente, num estilo de inspeco e interveno poltica centralizada coma qual ns, na Gr-Bretanha, nos estamos a familiarizar cada vez mais nos anos oitenta,esta apoiada por fortes e preciosas declaraes que procuram basear no sucesso dis-ciplinar os critrios de aprovao (ou no) dos cursos de formao de professores, erealizar cinco inspeces anuais em escolas secundrias seleccionadas, com vista aassegurar que o sucesso disciplinar est a progrida nessas escolas e se reflicta nopadro das colocaes de professores. (Hargreaves, 1984).

    A questo de um crescente controlo centralizado tambm levantadanuma publicao oficial recente sobre Education 8 to 12 in Combined andMiddle Schools (Department of Education and Science, 1985). Uma vez mais, areabilitao das disciplinas escolares repetida numa seco sobre a necessi-dade de -aumentar o conhecimento disciplinar dos professores". Rowland con-siderou o documento como sendo parte de uma tentativa para trazer um graude controlo centralizado para a educao: o documento Education 8 to 12pode muito bem ser interpretado pelos professores como um meio de proporuma abordagem mais esquematizada da aprendizagem, em que a ateno secentra ainda mais firmemente sobre a matria disciplinar do que sobre a crian-a. E este autor acrescenta, algo enigmaticamente, que todas as evidnciasapontam para a necessidade de seguir na direco oposta" (Rowland, 1987,p. 90). As suas reservas sobre os efeitos de reabilitar disciplinas escolares solargamente partilhadas. Um outro investigador observou que um dos efeitos daestratgia sero de reforar a cultura existente no ensino secundrio e, assim,impedir a inovao pedaggica e curricular na frente escolar" (Hargreaves,1984)

    As vrias iniciativas e relatrios governamentais britnicos, realizadosdesde 1976, tm mostrado uma tendncia consistente de regresso s aprendi-zagens bsicas", de readopo das disciplinas tradicionais". Este projectogovernamental, que abrange tanto a administrao trabalhista como a admi-nistrao conservadora, culminou no novo"Currculo Nacional, definido numdocumento intitulado National Curriculum 5-16 (o Currculo Nacional entre os5 e os 16 anos). Este documento foi seguido, de imediato, pela Lei Educativade 1987, a qual define determinados elementos curriculares comuns que deve-ro ser dados aos alunos que frequentam a escolaridade obrigatria.

    Apesar de ter sido apresentado como uma iniciativa poltica inovadora, nodeixa de ser curioso observar uma notvel continuidade histrica em relaoaos Regulamentos de 1904. A amnsia histrica permite que a reconstruo cur-ricular seja apresentada como uma revoluo curricular, tal como Orwell obser-vou: oque controla o passado, controla o futuro" (ver Goodson, 1989),

    As semelhanas pem em dvida a retrica de umanova e importante ini-ciativa" tomada pelo Governo e apontam para algumas continuidades histri-

    DISCIPllNAS ESCOLARES: PADRES DE ESTABlllDADE 39

    cas nos objectivos e prioridades sociais e polticas. Os Regulamentos de 1904incluam o currculo oferecido historicamente clientela das escolas secund-rias pertencentes s classes mdias, em oposio ao currculo que estava a serdesenvolvido nas escolas comunais e que visava principalmente as classes tra-balhadoras: um segmento da nao estava a ser favorecido custa do outro.Em meados do sculo XX, impulsos mais igualitrios ocasionaram a criaodas escolas unificadas, nas quais crianas de todas as classes sociais estavamreunidas sob o mesmo tecto. Isto, por sua vez, conduziu a uma srie de refor-mas curriculares, que procuraram redefinir e desafiar a hegemonia do currcu-lo das viasclssicas"do ensino.

    Procurando pr em causa e alterar estas reformas e intenes, a Direitapoltica defendeu a reabilitao das disciplinas tradicionais".O currculo nacio-nal pode ser visto como uma vitria das foras e intenes que representamestes grupos polticos. Uma determinada viso e certos grupos especficos so,assim, reintegrados, favorecidos e legislados como sendo o todo nacional".

    As continuidades histricas evidentes no Currculo Nacional mereceramuma srie de comentrios. Por exemplo, Moon e Mortimore, ao escreveremsobre o Currculo Nacional, fizeram a seguinte observao:

    Alegislao, e o muito criticado documento de consulta que a precedeu, apresentamo currculo em termos bastante restritos. Assim, o currculo primrio foi apresentadocomo se no fosse mais do que uma preparao pr-secundria (como a pior espciede escola preparatria"). Todos os aspectos positivos do ensino primrio britnicoforam ignorados.Por sua vez, o currculo secundrio parece estar baseado no currculo de uma "via cls-sica" de ensino, tpica dos anos sessenta. No nossa inteno contradizer as discipli-nas includas, mas acreditamos que esse currculo omite muita coisa. As tecnologias deinformao, a electrnica, a estatstica, a educao pessoal, social e profissional foramomitidas. E,no entanto, algum duvida que estas sero as reas que iro ter mportn-cia na vida futura de muitos alunos? (1989, pp. 11-12).

    Mas o contedo das disciplinas do currculo nacional continua a ser otema de incessantes debates e controvrsias. O ponto principal a reter o deque um currculo nacional disciplina, controla e reduz o discurso sobre osobjectivos sociais da educao. Uma resposta comum ao argumento de queo currculo nacional representa estabilidade e controlo curriculares aseguinte: -Oh, no!, voc no compreende, as disciplinas esto a ser refor-muladas e alteradas". Mas os debates sobre os objectivos da educao sofragmentados pelo currculo nacional e contidos e internalizados no mbitode cada discurso disciplinar. Quaisquer outras discusses gerais sobre osobjectivos sociais do ensino encontram-se, assim, impedidas e efectivamen-te frustradas.

    lill!

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    As iniciativas de reforma curricular dos anos sessenta e setenta deixaram--se permear por debates mais alargados e, podero mesmo dizer os optimis-tas, reduziram a predominncia do currculo disciplinar. O que certo, noentanto, que os anos oitenta assistiram a uma reconstituio substancial docurrculo disciplinar sob o pretexto de uma nova iniciativa de reforma educa-cional. Leslie Siskin, por exemplo, tem vindo a estudar os grupos disciplinaresdas escolas secundrias norte-americanas. Ela afirma que:

    Mudanas recentes na poltica do sistema educacional e na demografia do corpodocente esto a convergir de um modo tal que podero alterar e acentuar o papel dogrupo disciplinar. Ao sugerir novas modalidades de certificao, por exemplo, o gover-no federal est a privilegiar o conhecimento disciplinar sobre a formao pedaggica.As comisses estatais de certificao esto a seguir uma conduta semelhante, ao exigi-rem a especializao numa determinada disciplina especializada. O corpo docente uni-versitrio est a formar "alianas" com os seus "parceiros" disciplinares nas escolassecundrias, com vista a partilhar tempo, conhecimentos e legitimidade. Os pesquisa-dores e os reformadores esto a reformular conhecimentos pedaggicos como disci-plinares e a alargar a categoria disciplinar especializada em graus elementares. Osreitores, rotineiramente encarregados da superviso e avaliao de um grupo generi-camente categorizado como "professores", vem-se agora (e so vistos) como notendo conhecimentos para dirigir os "especialistas". E os prprios professores esto amudar.A sua identificao com as reas disciplinares est a ser reforada, medida queadquirem as credenciais educacionais que certificam tais conhecimentos: a percenta-gem dos professores do ensino secundrio que detm pelo menos uma especializaouniversitria na disciplina que lhes foi atribuda aumentou aproximadamente de 60%em 1962 para 80% em 1986 (1989, pp. 3-4).

    Este acto de reconstituir e reafirmar a centralidade do conhecimento dis-ciplinar est a ser seguido de forma sistemtica nos Estados Unidos daAmrica:

    Surgiu uma excepo regra geral do laissezjaire educacional: pela primeira vezdecidiu-se estabelecer critrios para o que as crianas americanas devero saber nosvrios nveis de ensino das vrias disciplinas e elaborar exames nacionais para desco-brir se o sabem.Faltaro pelo menos quatro anos at que esses exames atinjam as salas de aula, mas aideia em si j est a levantar problemas. Os exames nacionais podem conduzir a umcurrculo nacional de facto. (Norris, 1990, p. 7).

    Concluso

    Estudos histricos da estabilidade e da mudana curriculares fornecemvaliosos pontos de vista sobre os parmetros e os objectivos do ensino. O estu-

    DISCIPI1NAS ESCOIARES: PADRES DE ESTABII1DADE 41

    do das disciplinas escolares constitui um prisma particularmente importantepara este tipo de investigao. O trabalho histrico alerta-nos, em particular,para o modo como o debate incessante sobre o currculo por vezes reduzi-do a um debate sobre a questo e a centralizao disciplinares. Esta reduodo discurso naturalmente mais visvel aps perodos de maior abertura comoaconteceu nos anos trinta e nos anos sessenta; nestes dois perodos, categoriasou temas curriculares mais gerais foram apoiados ou defendidos, como porexemplo os Estudos Sociais nos anos trinta.

    Ao analisar o papel da "disciplina,especialmente da disciplina "bsica"ou"tradicional,nos discursos e nas retricas legitimadoras, compreendemos fre-quentemente as foras da "estabilidade e persistncia. Alm disso, -nos facul-tado um ponto de partida para que possamos examinar as possibilidadescontemporneas de aco, desde a reproduo at transformao.

    IIIIIJ