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16362913 Atencao Primaria Barbara Starfield

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  • Ttulo original: Primary Care: balancing health needs, services, and technologyPublicado anteriormente por: 1998 by Oxford University Press, Inc. New York,N.Y. USA. Edio inglesa; e 2001 por MASSON, S.A., Fundac Jordi Gol iGurina, Societat Catalana de Medicina Familiar i Comunitria. Edio espanhola.UNESCO 2002 Edio brasileiraA edio brasileira foi publicada pelo Escritrio da UNESCO no Brasil eMinistrio da Sade

    A autora responsvel pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bemcomo pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nemcomprometem aOrganizao. As indicaes de nomes e a apresentao domaterial ao longodeste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO arespeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades,nem tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

  • Starfield, BarbaraAteno primria: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    / Brbara Starfield. Braslia : UNESCO, Ministrio da Sade, 2002.726p.

    ISBN: 85-87853-72-4

    Ttulo original: Primary Care: balancing health needs, services, and technology.

    1.Medicina Familiar 2.Medicina Preventiva 3. Educao e Sade 4. Serviosde Sade 5. Promoo da Sade 6. Tecnologia I. UNESCO III. Ttulo

    CDD 610

    Organizao das Naes Unidaspara a Educao, a Cincia e a Cultura

    Representao no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,

    Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar.70070-914 Braslia DF Brasil

    Tel.: (55 61) 321-3525Fax: (55 61) 322-4261

    E-mail: [email protected]

    MINISTRIODASADESecretaria de Polticas de SadeDepartamento de Ateno Bsica

    UNESCO Brasil

    Conselho EditorialJorgeWertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdamaOuaneClio da Cunha

    Comit para a rea de Educao para a SadeMaurcio Gomes Pereira

    Cristina RaposoAlessandra Schneider

    Traduo: Fidelity TranslationsReviso: Eduardo Percio (DPE Studio)Reviso tcnica: Ananyr Porto FajardoAssistente Editorial: LarissaVieira LeiteDiagramao: Fernando BrandoProjeto Grfico: Edson Fogaa

    UNESCO, 2002

    MINISTRIODASADESecretaria de Polticas de SadeDepartamento de Ateno Bsica

    Esplanada dos Ministrios, Bl. G, 7 andar, sala 71870058-900 Braslia - DFTel.: (61) 315-2797Fax: (61) 226-4340

    E-mails: [email protected]@saude.gov.br

  • AGRADECIMENTOS

    Muitas pessoas contriburam de muitas maneiras para estaanlise da importncia da ateno primria dentro dos sistemasde sade. De longe, as melhores contribuies tm sido de meuscolaboradores e amigos que pensaram profundamente a respeitodo assunto da ateno primria no contexto dos sistemas de sade.Estou em dvida, especialmente, com Juan Grvas e MercedesPerez Fernandez, cuja amizade e colaborao constantes melevaram a novas formas de pensar e questionar. Seu auxlio emrelao BBC (Bibliogrfico CESCA), uma inestimvel bibliografiainternacional anotada mensalmente, responsvel por minhaconscincia e apreciao de um conjunto maior de informaesdo que de outra forma seria o caso.

    Minha exposio inicial aos escritos de Kerr L. White e,posteriormente, a oportunidade de trabalhar como membro dafaculdade em seu departamento, foram certamente influentes emmeu pensamento a respeito da ateno primria, um termo que noexistiria seno pela introduo feita por Kerr no incio dos anos 60.Seus escritos foram os primeiros a fazer um sentido real para mim,uma jovem mdica lutando para entender o que eu estava fazendo.O desafio de Kerr ao sistema de ateno de sade para converterdados em informaes, ento em inteligncia e a seguir em sabedoria,so to pertinentes hoje quanto o eram 40 anos atrs.

    Agradeo tambm a meus colaboradores especiais no JohnsHopkins, os quais continuam a tornar a colaborao em pesquisaverdadeiramente emocionante. Jonathan Weiner, Don Steinwachs,Chris Forrest e Anne Riley me vm especificamente mente devidoao nosso trabalho em conjunto sobre assuntos relacionados ateno primria, medidas de case-mix e a avaliao da condiode sade de crianas e adolescentes.

  • Tambm sou grata Margorie Bowman, que me ajudouconsideravelmente com os esboos clnicos, e Karen Rappaport.

    Nada suficiente para falar a respeito do enorme desejo demeus colaboradores internacionais em dividir informaes e idias suas contribuies especiais esto notificadas, com gratido, noCaptulo 15.

    Como sempre, minha famlia merece uma meno especial.Minha maravilhosa me, Eva Starfield, tomou o papel deinterlocutora e editora no oficial do meu livro depois da mortede meu maravilhoso pai. Meu marido, Neil Holtzman, por terservido como tbua de salvao oficial, apesar dos desconfortosde ter de conviver com a irritabilidade que acompanha qualquerempenho intenso, como escrever um livro. Agradeo especialmentea Rob e April, Jon e Beth, Susan e Steven por me oferecerem tantodiverso emocional como intelectual na forma de cinco netosincrveis e Dbora, por ser ela mesma.

    Finalmente, sinto uma gratido extrema por minha assistenteRuth Hurd, que nem piscou nas interminveis alteraes, quepermaneceu perfeitamente calma atravs do que pareceu seremcentenas de rascunhos, e cujo auxlio foi simplesmente inestimvel.

  • SUMRIO

    Prefcio .................................................................................................................. 9

    Apresentao ...................................................................................................... 13

    Abstract ............................................................................................................... 15

    I. ATENO PRIMRIA E SADE1. Ateno primria e sua relao com a sade .............................. 192. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria ................ 433. Morbidade na Ateno Primria .................................................... 71

    II. PRTICA DE ATENO PRIMRIA4. Descrevendo a Ateno Primria ................................................. 1015. Profissionais de Ateno Primria, subespecialistase outros profissionais no-mdicos ............................................. 133

    6. Ateno Primria no contexto dos sistemas de sade............ 177

    III. RESPONSABILIDADE NA ATENO PRIMRIA7. Acessibilidade e Primeiro Contato: A Porta ......................... 2078. Cadastro de pacientes e ateno orientada para opaciente ao longo do tempo ......................................................... 247

    9. Interao profissional-paciente ..................................................... 29110. Integralidade da ateno: quem deveria oferecer o que ........ 31311. Coordenao da ateno: juntando tudo ................................... 365

    IV. PACIENTES E POPULAES12. Qualidade dos servios de ateno primria:

    uma viso clnica ................................................................................ 41913. Avaliao da Ateno Primria: uma viso da populao ..... 48114. Sade pblica e Ateno Primria orientada para

    a comunidade ..................................................................................... 533

  • 8ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    V. POLTICA DE SADE E ATENO PRIMRIA15. Sistemas de Ateno Primria em naes ocidentais

    industrializadas ................................................................................... 56516. Sistemas de informao para a Ateno Primria ................... 59717. Necessidades de pesquisa em Ateno Primria ...................... 63118. Polticas de sade para alcanar efetividade e eqidade ......... 665

    Eplogo .............................................................................................................. 697

    Apndice: instrumento para avaliao de sistemas deAteno Primria em sade infantil ........................................................... 699

    ndice Remissivo ............................................................................................. 717

  • 9PREFCIO

    Nos seis anos desde que a obra Primary Care: Concept,Evaluation, and Policy [Ateno Primria: Conceito, Avaliao ePoltica] foi publicada, o mundo dos servios de sade passou porinmeras mudanas. A reforma da ateno sade caracterizaquase todos os pases, mesmo aqueles com sistemas de sadeestveis h dcadas. Uma grande parte do mpeto para a reformaorigina-se dos custos sempre crescentes da ateno, decorrentesdo envelhecimento da populao, melhor sobrevivncia de doentescrnicos como resultado de tratamentos mdicos aprimorados, eo crescente papel de tecnologias caras no diagnstico e manejo dadoena. Poucos pases podem absorver os custos crescentes semuma sria considerao de alternativas. Devido s preocupaescompartilhadas entre os pases e a centralidade da ateno primriadentro deles, h uma convergncia de interesses sobre a naturezada ateno primria e seu papel dentro dos sistemas de sade.Assim, este l ivro recorre fortemente ao conhecimento eexperincias de uma ampla variedade de pases.

    O livro tem a inteno de ajudar os leitores a entenderem opapel da ateno primria como um foco de organizao dossistemas de sade, oferecer evidncias cientficas disponveis sobresua utilidade e ajudar no seu desenvolvimento e crescimento.Entretanto, as crescentes ameaas qualidade da ateno e ascrescentes iniqidades sociais que ameaam piorar ainda mais asdisparidades entre as populaes socialmente favorecidas e associalmente desfavorecidas traz uma nova urgncia ao tpico daefetividade e eqidade dos servios de sade e o papel da atenoprimria em melhor-las.

    Em sua forma mais altamente desenvolvida, a ateno primria a porta de entrada no sistema de servios de sade e o locus de

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    responsabilidade pela ateno aos pacientes e populaes no decorrerdo tempo. Existe ainda a crena predominante de que a essncia daateno primria fundamentalmente simples. Nada pode estar maislonge da verdade, e este livro testemunha destes desafios.

    O livro possui cinco sees principais: Ateno Primria eSade; Prtica de Ateno Primria; Responsabilidade na AtenoPrimria; Pacientes e Populaes; e Poltica de Sade e AtenoPrimria.

    Ateno Primria e sade. Trs captulos abordam arelao entre a ateno primria e a sade, traam ohistrico do desenvolvimento da ateno primria comoum conceito e estabelecem o fundamento para opensamento a respeito de como as contribuies daateno primria tm sido e podem ser avaliadas.

    Prtica de Ateno Primria. Trs captulos descrevemas caractersticas da prtica da ateno primria e os tiposde profissionais de sade e examinam a ateno primriacomo um componente dos sistemas de servios de sade.

    Responsabilidade na Ateno Primria. Cinco captulosabordam a medio e a avaliao dos componentesessenciais da ateno primria. Quatro descrevem aimportncia de cada uma das principais caractersticas daateno primria, as abordagens para avaliar sua obtenoe suas importantes implicaes polticas; outro explora aimportncia das interaes paciente-profissional de sadena ateno primria.

    Pacientes e populaes. Trs captulos exploram a inter-relao das abordagens centradas no paciente e centradasna populao para alcanar uma ateno primria de altaqualidade, efetiva e eqitativa.

    Poltica de Sade e Ateno Primria. Os ltimos quatrocaptulos examinam vrios sistemas de ateno primriaem naes industrializadas ocidentais, a importncia dossistemas de informao na ateno primria, as

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    necessidades de pesquisa que podem ser adotadas comouma estratgia nacional e ser realizadas por organizaesde pesquisa ou pesquisadores individuais e uma agendade poltica para atingir uma maior eficcia e eqidade.

    O livro para aquelas pessoas desafiadas pelo pensamentocrtico a respeito do que a ateno primria, o que deveria ser equal a sua contribuio para a melhora da sade. Isto inclui muitosmdicos que a praticam, educadores que a ensinam, pesquisadoresque a estudam e avaliam, pacientes que a utilizam e desejamentend-la, e formuladores de poltica interessados em melhor-la. O livro tenta servir a cinco pblicos: profissionais de sade deateno primria que querem entender o que fazem e por que ofazem; educadores de profissionais de sade de ateno primriaque desejam uma base para pensar a respeito de suas abordagenspara a aprendizagem; pesquisadores que podem encontrarestruturas, conceitos e dicas para direcionar seu trabalho;formuladores de poltica que se beneficiariam de uma melhorapreciao das dificuldades e desafios da ateno primria e desua importncia; e os consumidores dos servios de sade, os quaispodem achar til entender e interpretar suas prprias experincias.

    O livro anterior foi escrito s vsperas da eminente reformada ateno sade nos Estados Unidos, na esperana de trazermaior interesse ateno primria queles esforos. Portanto, osexemplos usados foram, em sua maioria, desse pas. Agora a situaomudou; quase todos os pases esto lutando com suas prpriasreformas e os princpios so aplicados em todos os lugares. Osresultados de estudos em outros pases, escritos principalmente emlngua inglesa, so agora incorporados a este livro em uma extensomuito maior. Como a literatura que trata da ateno primria ainda esparsa, muitos dos captulos neste livro incorporam achadosmencionados no livro anterior, juntamente com as evidncias queforam adicionadas durante a dcada de 90. Assim, o livro servecomo uma fonte de informaes acumuladas referentes aodesenvolvimento e avaliao da ateno primria no sculo XX.

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    O livro amplamente direcionado para a ateno fornecidapelos mdicos. Isso no sugere que outros profissionais,especialmente enfermeiros, tenham pouca responsabilidade naateno primria. Ao contrrio, a tese baseada na suposio,geralmente considerada precisa para as naes industrializadas,que o mdico que tem a responsabilidade de enxergar a totalidadeda ateno primria. Outros profissionais podem assumirresponsabilidade por alguns de seus aspectos, mesmo por algunsdos mais centrais, mas o mdico que deve supervisionar todosos seus aspectos. O reconhecimento da importncia de outros tiposde profissionais vem na forma do uso da palavra profissional desade ao longo do livro. A expresso profissional de sade, emvez de mdico, usada sempre que a funo especfica sobconsiderao algumas vezes seja, ou possa ser, assumida por umprofissional que no seja mdico. Embora a capacitao especialdos mdicos de ateno primria os torne especialistas em suarea de prtica, o livro adota a designao mais convencional deprofissionais de sade no ligados ateno primria comoespecialistas ou subespecialistas. Os leitores devem entenderque isto meramente simblico, uma vez que os mdicos deateno primria so, na verdade, especialistas em ateno primria.

    A ateno primria complexa. Seus desafios exigiroesforos conjuntos na pesquisa e na traduo sistemtica doconhecimento em polticas. Embora a ateno primria tenha setornado cada vez mais reconhecida como um aspecto crtico dossistemas de sade, ela ainda sofre de uma falta de apreciao desuas caractersticas e contribuies, sendo que suas funes estosob constante ameaa de serem banalizadas no zelo de economizarem servios de sade. Uma ateno primria forte essencial paraum sistema de sade forte. Se este livro transmitir isso aos leitores,ter atingido seus objetivos.

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    APRESENTAO

    longa a tradio de colaborao entre o Ministrio da Sadee a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia ea Cultura UNESCO. Essa cooperao tcnica tem objetivado,desde o incio das atividades de sua Representao no Brasil, aformulao e operacionalizao de polticas pblicas capazes deestimular o desenvolvimento humano e a qualidade de vida.

    O presente livro, resultado dessa colaborao institucional, temimportncia mpar para a estratgia brasileira de organizao daateno bsica e, em especial, para o Programa de Sade da Famlia.

    Desde a promulgao da Constituio de 1988, o Brasil temvivido uma reforma sanitria sem precedentes, no sentido daconstruo de um Sistema nico de Sade universal, integral eequnime. A adoo, no incio da dcada de 90, da estratgia deSade da Famlia e sua evoluo, agregando importantes atorespolticos e tcnicos e demonstrando seu potencial transformador,faz com que hoje ela se apresente como uma proposta para aorganizao dos sistemas municipais de sade, viabilizando ocumprimento dos princpios do SUS.

    A expanso do Programa de Sade da Famlia alcanou maisde um tero da populao brasileira, e tem mostrado que a formabrasileira de organizao do sistema de sade, a partir da atenobsica, possui caractersticas similares s propostas formuladaspela autora em seu livro. Entretanto, destacam-se particularidadescomo a riqueza da contribuio do trabalho dos AgentesComunitrios de Sade, o pressuposto do trabalhomultiprofissional nas equipes, o vnculo entre equipe, populaoe territrio, e o estimulo participao da comunidade.

    Esta obra, da Professora Barbara Starfield, uma perfeitaexpresso da sua criativa e inteligente capacidade de avaliar e

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    Barjas NegriMinistro da Sade

    Jorge WertheinDiretor da UNESCO no Brasil

    entender a ateno primria dentro dos sistemas de sade. Ajuda-nos a dimensionar a complexidade que a ateno primriaexperimenta, na medida em que deve adequar-se s mudanas noperfil epidemiolgico da populao, aos crescentes avanos tecno-cientficos e s necessidades cambiantes da populao, alm dereafirmar a eqidade como um dos princpios ticos maisimportantes de qualquer sistema ou poltica de sade.

    Editar este livro em portugus e distribu-lo aos profissionaisque fazem ateno bsica em nosso pas, aos educadores, aosinvestigadores, aos gestores e usurios um marco na construodo Sistema nico de Sade no Brasil.

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    ABSTRACT

    In Primary Care: Balancing Health Needs, Services and Technology,Barbara Starfield presents evidence of the positive impact ofprimary care on the health of populations and provides innovativemethods to evaluate the attainment and contribution of primarycare systems and practitioners. This volume is a valuable extensionof the authors 1992 book on primary care, underscoring twoadditional areas: the role of primary care in facilitating equity inhealth services, and the emerging overlap between clinical medicineand public health. As primary care increasingly informs healthcare decision-making throughout the world, this updated editionis critical for the future trajectory of health policy.

  • IIIIIAteno Primria e Sade

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    1. ATENO PRIMRIA E SUA RELAOCOM A SADE

    ... o fracasso em reconhecer que os resultados deobservaes especializadas so, quando muito, apenasverdades parciais, que precisam ser corrigidas com fatosobtidos por estudo mais amplo.... No existe membro mais perigoso da nossa profissodo que aqueles nela nascidos, os especialistas.

    Osler, 1892

    Todo sistema de servios de sade possui duas metas principais.A primeira otimizar a sade da populao por meio do emprego doestado mais avanado do conhecimento sobre a causa dasenfermidades, manejo das doenas e maximizao da sade. A segundameta, e igualmente importante, minimizar as disparidades entresubgrupos populacionais, de modo que determinados grupos noestejam em desvantagem sistemtica em relao ao seu acesso aosservios de sade e ao alcance de um timo nvel de sade.

    Em reconhecimento s crescentes iniqidades sociais e de sadeem quase todos os pases, a Organizao Mundial da Sade adotouum conjunto de princpios para construir a base da ateno primriados servios de sade. Conhecida como a Carta de Lubliana, ela propeque os sistemas de ateno de sade deveriam ser:

    dirigidos por valores de dignidade humana, eqidade,solidariedade e tica profissional;

    direcionados para a proteo e promoo da sade; centrados nas pessoas, permitindo que os cidadosinf luenciem os servios de sade e assumam aresponsabilidade por sua prpria sade;

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    focados na qualidade, incluindo a relao custo-efetividade;

    baseados em financiamento sustentvel, para permitir acobertura universal e o acesso eqitativo; e

    direcionados para a ateno primria.A Comunidade Europia adotou esses princpios em 1996,

    eles tm como base uma longa tradio de luta em direo eqidadee solidariedade na maioria das naes europias (BMJ, 1996).Infelizmente nem todas as naes concordam com estes princpios.

    Conforme o conhecimento se acumula, os profissionaistendem a, cada vez mais, se subespecializar para lidar com o volumede novas informaes e administr-lo. Portanto, em quase todosos pases, vemos as profisses da rea de sade ficarem maisfragmentadas, com um crescente estreitamento de interesses ecompetncias e um enfoque sobre enfermidades ou tipos deenfermidades especficas em vez de sobre a sade geral das pessoase comunidades. Em alguns pases, h mais subespecialistas do queespecialistas em ateno primria. A ateno especializadageralmente exige mais recursos do que a ateno bsica porque enfatizado o desenvolvimento e o uso de tecnologia cara paramanter viva a pessoa enferma em vez de dar nfase aos programasde preveno de enfermidades ou reduo do desconforto causadopelas doenas mais comuns, que no ameaam a vida. Emboraseja possvel que a tendncia especializao baseada noconhecimento mais atual oferea uma ateno altamente eficaz adoenas individuais, improvvel que produza uma ateno bsicaaltamente efetiva. Por que isso acontece? A especializaodirecionada ao tratamento da enfermidade no pode maximizar asade porque a preveno da enfermidade e a promoo de umtimo funcionamento transcendem as enfermidades especficas erequerendo uma perspectiva mais ampla do que a que pode seralcanada pelo especialista na enfermidade. A ateno mdicaeficaz no est limitada ao tratamento da enfermidade em si; deveconsiderar o contexto no qual a doena ocorre e no qual o pacientevive. Alm disso, raramente as enfermidades raramente existem

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    1. Ateno Primria e sua relao com a sade

    de forma isolada, especialmente quando apresentadas ao longodo tempo. Assim, os especialistas em enfermidades podem oferecera ateno mais apropriada para as enfermidades especficas dentrode sua rea de competncia especial, mas um profissional deateno primria deve integrar a ateno para a variedade deproblemas de sade que os indivduos apresentam com o tempo.

    Um sistema de sade orientado para a subespecializaopossui outro problema: ele ameaa os objetivos de eqidade.Nenhuma sociedade possui recursos ilimitados para fornecerservios de sade. A ateno subespecializada mais cara do quea ateno primria e, portanto, menos acessvel para os indivduoscom menos recursos poderem pagar por ela. Alm disso, os recursosnecessrios para a ateno altamente tcnica orientada para aenfermidade competem com aqueles exigidos para oferecerservios bsicos, especialmente para as pessoas que no podempagar por eles.

    Ao contrrio, a ateno primria envolve o manejo depacientes que, geralmente, tm mltiplos diagnsticos e queixasconfusas que no podem ser encaixadas em diagnsticosconhecidos e a oferta de tratamentos que melhorem a qualidadeglobal da vida e de seu funcionamento. A regio europia daOrganizao Mundial da Sade props que a sade fosse definidacomo a medida em que um indivduo ou grupo capaz, por umlado, de realizar aspiraes e satisfazer necessidades e, por outro,de lidar com o meio ambiente. A sade , portanto, vista como umrecurso para a vida diria, no o objetivo dela; abranger os recursossociais e pessoais, bem como as capacidades fsicas, um conceitopositivo.

    A sade possui muitos tipos de determinantes (Fig. 1.1)A estrutura gentica altamente influente, tendo evoludo pormilhes de anos, e determina os limites dentro do que os serviosde sade podem alcanar na melhora da sade. A estrutura genticacontinua a evoluir, e a condio de amanh, em termos de potencialpara a sade, dever, provavelmente, ser diferente do que hoje.Cada vez mais este o caso, j que os cientistas esto aprendendo

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    a mexer nos genes para alterar estados de sade. Alm disso, atecnologia moderna torna cada vez mais possvel interferir com aexpresso gentica por meios como modificao do meio ambiente,alterao de comportamento e o uso de determinados tipos deateno mdica. Os outros determinantes da sade ambientesocial e fsico, comportamentos individuais e servios de sade(prtica mdica) superpostos estrutura gentica (gentipo) somostrados na Figura 1.1. Conforme indicado nesta figura, a sadede um indivduo ou uma populao determinada por suacombinao gentica, mas grandemente modificado pelo ambientesocial e fsico, por comportamentos que so cultural ou socialmentedeterminados e pela natureza da ateno sade oferecida.

    Figura 1.1Figura 1.1Figura 1.1Figura 1.1Figura 1.1Determinantes do estado de sade.

    Fonte: Starfield (1973).

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    1. Ateno Primria e sua relao com a sade

    A Figura 1.2 mostra a provvel rota para estes importantesdeterminantes, de acordo com o conhecimento atual. A cadeia decausas complexa. Ela envolve fatores antecedentes, como ocontexto ambiental, as condies sociais e as relaes sociais, eos fatores de risco gentico. Alguns destes fatores operamdiretamente (como gua contaminada ou fatores de risco segurana em casa) e alguns indiretamente por meio de fatores demediao envolvendo comportamento, estresses sociais e acesso ateno mdica. Todos os riscos interagem de vrias formas(muitas delas desconhecidas) em seu efeito sobre a sade.

    Esta viso dos determinantes de sade refere-se tanto aoindivduo como aos indivduos. Ou seja, o estado de sade deuma populao determinado pelos mesmos fatores que agem nonvel ecolgico (populao), em vez do nvel individual. Assim, acondio de sade de uma comunidade determinada pelascaractersticas ambientais daquela comunidade, as caractersticascomportamentais de sua populao e o senso de conexo e degraus de coeso social na comunidade. O mesmo ocorre para ascondies sociais, como nveis de renda e riqueza na populao, onvel geral de educao na comunidade e as caractersticas deoportunidades de trabalho disponveis para seus membros.

    Na maioria das naes industrializadas h diferenassistemticas na falta de sade entre comunidades, comconcentraes mais elevadas entre os socialmente desfavorecidos,independente da medida da morbidade (mortalidade, morbidadeobjetivamente verificada, sade auto-avaliada, presena delimitaes decorrentes de enfermidades crnicas ou simplesmentea presena de enfermidades crnicas). Muitos estudos demonstraramque a morbidade se concentra mais entre os socialmentedesfavorecidos, e este o caso em todos os pases em que ela foiestudada. Entretanto, as disparidades variam de pas para pas, sendomuito pior em alguns (como nos Estados Unidos) do que em outros(como os Pases Baixos) (Wagstaff e Van Doorslaer, 1993).Utilizando a mortalidade de homens entre 35 e 64 anos de idadecomo indicador de sade, Kunst (1997) encontrou disparidades

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    ATENOPRIM

    RIA

    :equilbrioentrenecessidadesdesade,serviosetecnologia

    Adaptado de Starfield (1990)

    Figura 1.2Figura 1.2Figura 1.2Figura 1.2Figura 1.2Determinantes de sade e doena.

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    1. Ateno Primria e sua relao com a sade

    socioeconmicas persistentes e at mesmo crescentes na sade entreas dcadas de 70 e 80 em vrias naes industrializadas, mas aausncia de consistncia nas diferentes causas de mortalidade levou-o a concluir que os fatores ligados ao estilo de vida, como o tabagismoe a ingesto de lcool, provavelmente tambm desempenhem umpapel na explicao das diferenas entre os pases. Em seu relatrio,ele reconheceu de forma explcita que estes fatores ligados ao estilode vida podem ser fortemente influenciados por diferenas sociaise econmicas antecedentes entre os indivduos e a comunidade,como foi previsto pelos modelos de determinantes de saderepresentados na Figura 1.2.

    Uma maior riqueza nacional no garante as condiessocioeconmicas que produzem um alto nvel de sade. OsEstados Unidos, por exemplo, esto entre os pases mais ricos,mas sua populao no colhe os benefcios disso em termos deuma melhor sade. A falta de uma relao consistente entre vriosaspectos do estado de sade e a riqueza global do pas est bemdocumentada. Por exemplo, existem diferenas substanciais nasobrevivncia de crianas entre pases com nveis similares deriqueza global e a sobrevivncia similar em alguns pases com nveismuito diferentes de sade. Dentro do grupo de naes com umProduto Interno Bruto (PIB) de mais de 20.000 dlares americanosper capita, a variao nas taxas de sobrevivncia para crianas abaixode 5 anos de idade varia de aproximadamente 990 por 1.000 nosEstados Unidos a 995 por 1.000 na Finlndia, Sucia e Islndia.Entre as naes com um PIB entre 1.000 e 2.000 dlaresamericanos per capita, a variao de menos de 900 por 1.000 naSuazilndia e Papua-Nova Guin a 990 por 1.000 em Cuba, quetem a mesma taxa de sobrevivncia infantil que os Estados Unidoscom um PIB vinte vezes maior.

    Os pases tambm diferem amplamente na diferena de rendaentre indivduos pobres e ricos dentro de cada pas. Os Estudosde Renda de Luxemburgo demonstram a disparidade na rendafamiliar, depois de pagos os impostos, entre crianas cujas famliasso mais pobres do que 90% dos lares no pas e aquelas nos 10%

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    mais ricos da populao, dentro de cada uma das 18 naesindustrializadas do ocidente. A renda familiar dos 10% de crianasmais ricas mais do que seis vezes maior do que a dos 10% maispobres nos Estados Unidos de longe a mais socialmente inquaentre os pases. A diferena de aproximadamente quatro vezesna Itlia, Canad e Austrlia. de trs a quatro vezes no ReinoUnido, Frana, Alemanha e Sua, mas menor do que trs vezesna Finlndia, nos Pases Baixos, na Sucia e na ustria. Este omesmo caso quando todas as pessoas, no apenas as crianas, solevadas em considerao; os Estados Unidos so, de longe, os maisinquos, sendo a Finlndia, a Sucia e os Pases Baixos os menosinquos. Entretanto, as iniqidades so piores para todos osindivduos do que apenas para as crianas no caso da Frana,ustria, Noruega, Dinamarca, Sucia e Finlndia, sugerindo queestes pases fazem um esforo especial para oferecer suportessociais para as crianas desfavorecidas, mas no tanto para osadultos. Em contraste, as iniqidades so piores para as crianasdo que para todos os indivduos nos Estados Unidos, Itlia, Canade Alemanha (Rainwater and Smeeding, 1995; Smeeding, 1996).

    Conforme foi observado acima, a sade est diretamenteassociada vantagem social em termos absolutos. Quanto maisrecursos sociais de indivduos e comunidades, maior a probabilidadede uma sade melhor. Alm disso, a privao social relativa, maisdo que a absoluta, tambm est associada a uma sade pior. Ouseja, quanto maiores as disparidades na riqueza em qualquerpopulao, maior as disparidades na sade. Isso foi demonstradopor vrias abordagens para avaliao. Wagstaff e Van Doorslaer(1993) usaram dados de levantamentos populacionais em que foipedido s pessoas que descrevessem sua sade. Quanto maior adesigualdade de renda dentro dos pases, maior a desigualdade nasade. As diferenas na extenso das disparidades de renda,conforme medidas pelo percentual de renda depois de pagos osimpostos e do recebimento de benefcios para os 70% menosfavorecidos da populao, esto relacionadas diferena naexpectativa de vida. Quanto menor a disparidade de renda, ou seja,

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    1. Ateno Primria e sua relao com a sade

    quanto mais eqitativa a distribuio de renda na populao, maislonga a expectativa mdia de vida, mesmo quando os nveis mdiosde renda no pas so similares (Wilkinson, 1992, 1996, 1997).

    Foi demonstrado haver a mesma relao dentro dos pases epara outros indicadores de sade. Por exemplo, dados dos 50estados dos EUA mostram uma relao bastante notvel entre osndices de desigualdade de renda no estado e a mortalidadeajustada idade, mortalidade infantil, mortalidade por doenacardaca, mortalidade por vrios tipos de cncer, mortes por todasas doenas infecciosas combinadas e por tuberculose, alm de porpneumonia e bronquite, separadamente, e homicdios. Os achadospersistiram mesmo quando as diferenas nas taxas de tabagismoforam consideradas (Kennedy et al., 1996). Em outro estudo,utilizando uma medida diferente de desigualdade de renda, osachados foram os mesmos. Alm disso, foi descoberto que umamaior desigualdade de renda estava associada a uma porcentagemmaior de crianas nascidas vivas pesando menos de 2.500 gramase taxas maiores de incapacitao entre a populao (Kaplan et al.,1996). Ou seja, quanto maior a desigualdade de renda, maiores astaxas de problemas relacionados sade, sem levar em conta amedida especfica da desigualdade de renda.

    Os servios de sade, na qualidade de um dos determinantesdiretos, podem ter um papel na melhora da sade, mesmo em facedas notveis iniqidades na distribuio de riquezas. Como o nvelglobal de gastos em servios de sade no est uniformementeassociado a melhores nveis de sade, qualquer efeito dos serviosde sade deve ser uma conseqncia de caractersticas especficasdestes servios de sade. Com base apenas na teoria, provvelque a obteno de efetividade e eqidade exija que o sistema desade tenha uma forte orientao de ateno primria.

    Para que a ateno primria otimize a sade, ela deve enfocara sade das pessoas na constelao dos outros determinantes desade, ou seja, no meio social e fsico no qual as pessoas vivem etrabalham, em vez de enfocar apenas sua enfermidade individual.As unidades de ateno primria obtm a eqidade fornecendo

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    ateno no nvel mais apropriado; assim, isso libera recursos quepodem ser usados para diminuir as disparidades na sade entre ossegmentos mais e menos necessitados da populao.

    A ateno primria aquele nvel de um sistema de serviode sade que oferece a entrada no sistema para todas as novasnecessidades e problemas, fornece ateno sobre a pessoa (nodirecionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, forneceateno para todas as condies, exceto as muito incomuns ouraras, e coordena ou integra a ateno fornecida em algum outrolugar ou por terceiros. Assim, definida como um conjunto defunes que, combinadas, so exclusivas da ateno primria. Aateno primria tambm compartilha caractersticas com outrosnveis dos sistemas de sade: responsabilidade pelo acesso,qualidade e custos; ateno preveno, bem como ao tratamentoe reabilitao; e trabalho em equipe. A ateno primria no um conjunto de tarefas ou atividades clnicas exclusivas;virtualmente, todos os tipos de atividades clnicas (comodiagnstico, preveno, exames e vrias estratgias para omonitoramento clnico) so caractersticas de todos os nveis deateno. Em vez disso, a ateno primria uma abordagem queforma a base e determina o trabalho de todos os outros nveis dossistemas de sade. A ateno primria aborda os problemas maiscomuns na comunidade, oferecendo servios de preveno, curae reabilitao para maximizar a sade e o bem-estar. Ela integra aateno quando h mais de um problema de sade e lida com ocontexto no qual a doena existe e influencia a resposta das pessoasa seus problemas de sade. a ateno que organiza e racionalizao uso de todos os recursos, tanto bsicos como especializados,direcionados para a promoo, manuteno e melhora da sade.

    Vuori (1985) sugeriu quatro formas de visualizar a atenoprimria: como um conjunto de atividades, como um nvel daateno, como uma estratgia para organizar a ateno sade ecomo uma filosofia que permeia a ateno sade. J que existempoucas atividades que sejam exclusivas da ateno primria, a

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    primeira abordagem inadequada. Os nveis de ateno, asestratgias para organizao da ateno sade e uma filosofiaesto inter-relacionados, sendo que a definio de ateno primriautilizada neste livro capta suas inter-relaes.

    A ateno primria difere da ateno por consulta, de curtadurao (ateno secundria) e do manejo da enfermidade a longoprazo (ateno terciria) por vrias caractersticas. A ateno primrialida com os problemas mais comuns e menos definidos, geralmenteem unidades comunitrias como consultrios, centros de sade,escolas e lares. Os pacientes tm acesso direto a uma fonte adequadade ateno que continuada ao longo do tempo, para diversosproblemas e que inclui a necessidade de servios preventivos.

    Comparada Medicina subespecializada, a ateno primria menos intensiva, tanto em capital como em trabalho, e menoshierrquica em sua organizao. Portanto, inerentemente maisadaptvel e capaz de responder s necessidades sociais de sadeem mudana. Na ateno especializada, os pacientes tipicamenteso encaminhados por um outro mdico que j explorou a naturezado problema do paciente e iniciou um trabalho de diagnsticopreliminar. O processo de diagnstico resulta em uma definioprecisa de fisiopatologia; as intervenes so basicamenteorientadas para este processo fisiopatolgico. Na atenoprimria, ao contrrio, geralmente, o paciente conhecido pelomdico, sendo que, a entrada no sistema dada pelo paciente,freqentemente com queixas muito pouco especficas e vagas. Aprincipal tarefa a elucidao do problema do paciente e aobteno de informaes que levem a um diagnstico e escolhado manejo mais apropriado. Mdicos da ateno primria, quandocomparados com especialistas, lidam com uma variedade maisampla de problemas, tanto com pacientes individuais como coma populao com a qual trabalham. Como esto mais prximosdo ambiente do paciente do que os especialistas, esto em umaposio melhor para avaliar o papel dos mltiplos e interativosdeterminantes da doena e da sade.

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    CONTEXTOHISTRICO DA ATENO PRIMRIA

    Em 1920, oito anos aps a instituio do seguro nacional desade naGr-Bretanha, foi divulgado um texto oficial (LordDawsonof Penn, 1920) tratando da organizao do sistema de servios desade. Distinguia trs nveis principais de servios de sade: centrosde sade primrios, centros de sade secundrios e hospitais-escola.Foram propostos vnculos formais entre os trs nveis e foram descritasas funes de cada um. Esta formulao foi a base para o conceito deregionalizao: um sistema de organizao de servios planejado pararesponder aos vrios nveis de necessidade de servios mdicos dapopulao. Este arranjo terico forneceu, posteriormente, a base paraa reorganizao dos servios de sade em muitos pases, os quaisagora possuem nveis claramente definidos de ateno, cada um comum setor de atenomdica primria identificvel e em funcionamento.

    Em 1977, em sua trigsima reunio anual, a Assemblia Mundialde Sade decidiu unanimemente que a principal meta social dosgovernos participantes deveria ser a obteno por parte de todos oscidados domundo de umnvel de sade no ano 2000 que lhes permitirlevar vida social e economicamente produtiva. Hoje conhecida comoSade para Todos no Ano 2000, esta declarao desencadeou umasrie de atividades que tiveram um grande impacto sobre o pensamentoa respeito da ateno primria. Os princpios foram enunciados emuma conferncia realizada em Alma Ata e trataram do tpico daateno primria sade. O consenso l alcanado foi confirmadopela Assemblia Mundial de Sade em sua reunio subseqente, emmaio de 1979. A ateno primria sade foi definida como:

    Ateno essencial sade baseada em tecnologia e mtodos prticos, cientificamentecomprovados e socialmente aceitveis, tornados universalmente acessveis aindivduos e famlias na comunidade por meios aceitveis para eles e a um custoque tanto a comunidade como o pas possa arcar em cada estgio de seudesenvolvimento, um esprito de autoconfiana e autodeterminao. parte integraldo sistema de sade do pas, do qual funo central, sendo o enfoque principaldo desenvolvimento social e econmico global da comunidade. o primeiro nvel

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    de contato dos indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacional desade, levando a ateno sade o mais prximo possvel do local onde aspessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo deateno continuada sade. (Organizao Mundial da Sade, 1978)

    A ateno primria sade foi reconhecida como uma porointegral, permanente e onipresente do sistema formal de ateno sade em todos os pases, no sendo apenas uma coisa a mais(Basch, 1990). A conferncia de Alma Ata especificou ainda maisque os componentes fundamentais da ateno primria sadeeram educao em sade; saneamento ambiental, especialmentede guas e alimentos; programas de sade materno-infantis,inclusive imunizaes e planejamento familiar; preveno dedoenas endmicas locais; tratamento adequado de doenas eleses comuns; fornecimento de medicamentos essenciais;promoo de boa nutrio; e medicina tradicional.

    Embora estes conceitos de ateno primria sade tenhamsido pensados para serem aplicados em todos os pases, hdiscordncias a respeito da extenso na qual eles so aplicveis nasnaes industrializadas, bem como a respeito dos impedimentos sua aplicao (Kaprio, 1979). O conceito de ateno primria sade,em sua nfase sobre a proximidade com as pessoas, parece estranhoem pases com sistemas de sade baseados na tecnologia, naespecializao, na supremacia do hospital e no currculo das escolasde Medicina que esto sob o controle de especialistas que trabalhamem hospitais. Alm disso, o princpio de que a ateno sade deveser relacionada s necessidades no facilmente entendido em pasescom sistemas de sade bem estabelecidos, mas sem nenhum sistemade informao para documentar sistematicamente as necessidadesde sade ou avaliar o impacto dos servios de sade sobre eles. Aorientao para a comunidade tem pouca base histrica nos sistemasde sade da maioria dos pases industrializados.

    Entretanto, alguns pases reorganizaram seus servios desade para consolidar os aspectos mdicos e de sade da atenoprimria. Por exemplo, os novos mdicos de famlia, em Cuba,

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    residem onde trabalham. So, portanto, membros da comunidade qual servem e em seu benefcio que atuam como agentes demudana, quando existem circunstncias ambientais ou sociais quenecessitam de melhoria (Gilpin, 1991). Esta integrao dos serviosmdicos convencionais com servios sociais e ambientais se encaixano modelo previsto em Alma Ata.

    Muitas das metas especficas definidas em Alma Ata j foramalcanadas em pases industrializados (Vuori, 1984). A maioria destespases pode ressaltar com orgulho seus programas de longa duraopara a maior parte das atividades: fornecimento de alimentos,fornecimento de gua potvel, sade materno-infantil, imunizaes econtrole de doenas endmicas, tratamento bsico de problemas desade e fornecimento de medicamentos essenciais. Quando a atenoprimria em sade vista como servios acessveis, muitos destespases podem, com justia, assegurar que alcanaram as metas devido disponibilidade de servios de ateno mdica. Apenas quando asnaes encaram a ateno primria sade como uma estratgia paraintegrar todos os aspectos dos servios de sade que ela se tornaigualmente aplicvel como uma meta em naes industrializadas. Estaviso requer que um sistema de ateno sade seja organizado paraenfatizar a justia e a eqidade social, a auto-responsabilidade, asolidariedade internacional e a aceitao de um conceito amplo desade (Vuori, 1984).

    As mudanas necessrias para converter a ateno mdicaprimria convencional nas naes industrializadas em uma atenoprimria sade mais ampla, conforme a definio elaborada emAlma Ata, esto descritas na Tabela 1.1. Todas as orientaes demudanas fazem parte das metas de ateno primria de acordocom a concepo neste livro, o qual utiliza o termo ateno primriapara denotar a ateno mdica primria convencional lutando paraalcanar os objetivos da ateno primria sade. A inteno sugerir que, ao aumentar a orientao dos servios de atenoprimria em direo resposta das necessidades, tanto dascomunidades como dos indivduos que buscam ateno, a atenomdica primria convencional se aproximar da viso de atenoprimria sade de Alma Ata e em direo a uma maior eqidade.

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    Tabela 1.1Tabela 1.1Tabela 1.1Tabela 1.1Tabela 1.1Da ateno mdica primria ateno primria sade

    Adaptado de Vuori (1985)

    ATENO PRIMRIA COMO UM ENFOQUE DEINTERESSE POLTICO

    Em muitas partes do mundo, os benefcios da atenoprimria foram adotados pela f. Conforme foi observado acima,o Relatrio Dawson, de 1920, apresentou uma estruturaorganizacional baseada em diferentes nveis de ateno, sendo amais bsica o centro de ateno primria sade, apoiado por umnvel secundrio, consistindo de especialistas que forneciamateno por consultas que, por sua vez, era apoiado por um nveltercirio baseado em hospitais-escola para ateno s doenas maisincomuns e complicadas. A Declarao de Alma Ata, de 1978,codificou a santidade da ateno primria sade como umprincpio para todos os sistemas de sade do mundo.

    Foi apenas recentemente, entretanto, que evidncias empricasdos benefcios da ateno primria foram procuradas e encontradas.

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    Comparaes internacionaisNem todos os pases organizaram seus sistemas de sade

    em torno de uma forte base de ateno primria. O imperativotecnolgico do sculo XX tem sido responsvel por uma tendncia especializao e inferioridade do generalista, sendo esteimperativo mais forte em alguns pases do que em outros. Em quemedida estas diferenas na orientao da ateno primria estoassociadas a uma sade melhor, custos mais baixos e satisfaodas pessoas com seu sistema de sade? Uma comparao entre 12naes industrializadas ocidentais diferentes indica que os pasescom uma orientao mais forte para ateno primria, na verdade,possuem maior probabilidade de ter melhores nveis de sade ecustos mais baixos (Starfield, 1994).

    Foi desenvolvida uma classificao para a fora da orientaode ateno primria utilizando cinco caractersticas do sistema desade que se pensava estarem associadas a uma forte atenoprimria e seis caractersticas das unidades de sade que refletemuma forte ateno primria. As cinco caractersticas do sistemaforam a medida na qual os profissionais e instalaes de sadeestavam regulados de modo que estivessem geograficamentedistribudos aproximadamente de acordo com o grau denecessidade; o tipo de mdico designado como mdico de atenoprimria; os honorrios profissionais dos mdicos de atenoprimria em relao a outros especialistas; o nmero de mdicosde ateno primria em relao a outros especialistas; e a extensoda cobertura de seguro para os servios de sade.

    As seis caractersticas das unidades de sade foram aextenso na qual as pessoas buscam o primeiro atendimento comseu mdico de ateno primria antes de ir a qualquer outro lugar;a fora das relaes entre as pessoas e seu mdico de atenoprimria; a medida em que a unidade de ateno primria tratoude necessidades comuns, independente de seu tipo; o grau decoordenao entre a ateno primria e outros servios de sade;a orientao familiar da ateno primria; e a orientaocomunitria da ateno primria.

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    Cada pas recebeu uma pontuao de 0, 1 ou 2, dependendoda presena e fora das caractersticas. Os pases foram, ento,classificados por sua pontuao mdia para as 11 caractersticas.As medidas de sade e de gastos consistiam do seguinte:

    1. Classificao das taxas para 14 indicadores de sadeobtidos por mtodos comparveis e de uma nica fontede dados. Os indicadores incluam mortalidade neonatal;mortalidade ps-neonatal; mortalidade infantil (neonatale ps-neonatal combinadas); expectativa de vida na idadede 1 ano (para eliminar a contribuio da mortalidadeinfantil) e nas idades de 20, 65 e 80 anos, para homens emulheres, separadamente; taxas de morte ajustadas poridade; e anos de vida potencial perdidos antes de 65 anoscomo resultado de problemas prevenveis. Tambmincluram uma medida de morbidade: porcentagem debaixo peso no nascimento.

    2. Classificao para gastos totais de sistemas de sade per capita,expresso pela paridade do poder de compra. Como o casocom as outras classificaes, a classificao melhor 1.

    3. Classificaes para a satisfao de cada populao comseu sistema de sade, obtida por uma pesquisa por telefoneem que as pessoas classificaram o sistema de sade deseu pas de acordo com a extenso em que necessitava demelhoras. A classificao foi baseada na diferena entrea porcentagem da amostra de populao relatando queseriam necessrias mudanas importantes e a porcentagemque dizia que seu sistema necessitava apenas de mudanasmenores para torn-lo melhor.

    4. Classificaes para gastos por pessoa para medicamentosprescritos pela paridade do poder de compra, sendoconferido grau 1 ao pas com os menores custos demedicamento prescrito.

    A Figura 1.3 mostra que, quanto mais forte o sistema de atenoprimria do pas, melhor a classificao para os impactos combinados.A Figura 1.4 mostra as classificaes para a fora da ateno primria

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    em um eixo e a classificao para gastos de ateno sade totais, percapita, no outro eixo, sendo conferido grau 1 para o pas com o maisbaixo custo total. Os grficos tornam claro que os pases com atenoprimria mais forte lidam melhor com resultados e custos.

    Figura 1.3Figura 1.3Figura 1.3Figura 1.3Figura 1.3Relao entre a fora da ateno primria e os resultados combinados.

    Outras trs facetas importantes desta comparao soimportantes. Primeiro, as pontuaes para as caractersticas dosistema e para as caractersticas da unidade de sade estavamaltamente relacionadas, ou seja, pases nos quais as polticas desade conduziam ateno primria eram os pases em que ascaractersticas das unidades de sade tambm refletiam uma forteateno primria (Fig. 1.5). Segundo, as vantagens decorrentes deuma forte ateno primria foram maiores para grupos jovens, ouseja, durante a primeira infncia e a fase escolar, em relao vida adulta (Starfield, 1993). Terceiro, o grupo de pases comsistemas de sade que tentam distribuir recursos de acordo com anecessidade em vez da demanda (o mercado) alcanam melhoresnveis de sade do que outros pases (Starfield, 1993).

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    1. Ateno Primria e sua relao com a sade

    Figura 1.4Figura 1.4Figura 1.4Figura 1.4Figura 1.4Relao entre a fora da ateno primria e os gastos totais

    com ateno sade

    Figura 1.5Figura 1.5Figura 1.5Figura 1.5Figura 1.5Relao entre as polticas do sistema de sade e as caractersticas da

    prtica relacionada ateno primria

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    Outras avaliaes do impacto da ateno primriaAs primeiras destas avaliaes mediram o impacto da

    ateno primria por meio do exame de diversas medidas deresultado em reas mais e menos bem servidas de mdicos deateno primria e especialistas.

    Utilizando dados de todos os condados dentro dos estadoscontinentais dos Estados Unidos para 1978-1982, Farmer ecolaboradores (1991) foram os primeiros a demonstrar taxas demortalidade especficas para a idade consistentemente maisbaixas em condados com propores mais altas de mdicos deateno primria para a populao. Embora as taxas de pobreza(mas no reas rurais, porcentagem de lares chefiados pormulheres, porcentagem da populao com menos de 12 anos deescolaridade ou porcentagem de minoria) tambm tivessem sidoconsistentemente relacionadas s taxas de mortalidade, aproporo de mdicos de ateno primria para a populao teveum efeito independente.

    Shi (1994) estendeu esta abordagem ao examinar o efeitodos mdicos de ateno primria por coeficiente da populaosobre as chances de vida (taxas de mortalidade total, taxas demortalidade por doena cardaca, taxas de mortalidade porcncer, expectativa mdia de vida ao nascer, mortalidade neonatale baixo peso no parto) das propores de mdicos de atenoprimria por populao, proporo de especialistas por coeficienteda populao, class i f icao estadual dos indicadoressocioeconmicos (taxa de desemprego, nvel de escolaridade,ndice de poluio, renda per capita) e as classificaes estaduaisdos indicadores de estilo de vida (taxas de negligncia no uso decinto de segurana, obesidade e tabagismo). A Tabela 1.2 resumeos achados, os quais mostram que, quanto mais mdicos deateno primria por populao e quanto menor o nmero deoutros especialistas por populao, melhores as chances de vida,independente do efeito de outros fatores de influncia, como arenda per capita.

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    Shea e colaboradores (1992) utilizaram uma abordagem decaso-controle para examinar o impacto de ter um mdico de atenoprimria. Homens que apareceram em um pronto atendimentonuma grande rea metropolitana foram caracterizados comoportadores de complicaes de hipertenso ou portadores de outrosproblemas enquanto, ocasionalmente tambm apresentamhipertenso, que era no complicada. A probabilidade de queaqueles homens cuja hipertenso foi a causa de sua consultativessem uma fonte regular de ateno primria foi menor do queos homens cuja hipertenso tinha sido um achado casual. Apresena de uma fonte de ateno primria foi a diferena maismarcante entre os dois grupos at mesmo mais importante doque a cobertura do seguro.

    Welch e colaboradores (1993) examinaram declaraes paraservios fornecidos a indivduos com mais de 65 anos de idadeem todos os Estados Unidos para explorar as razes para a variaogeogrfica nos gastos com mdicos. Embora os gastos noestivessem relacionados ao nmero total de mdicos por populao,

    Tabela 1.2Tabela 1.2Tabela 1.2Tabela 1.2Tabela 1.2Principais determinantes de resultado (mortalidade geral, mortalidade pordoena cardaca, mortalidade por cncer, mortalidade neonatal, durao

    da vida, baixo peso ao nascer) em 50 Estados dos EUA

    Observao: Todas as variveis so ecolgicas, no individuais.Fonte: Shi (1994)

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    eles eram menores em reas com uma proporo maior de mdicosde ateno primria, mesmo aps o controle dos efeitos adicionaisdas taxas de admisso em hospitais e altas taxas de pagamento.Os achados deste estudo foram ainda mais refinados por intermdioda demonstrao de que uma oferta maior de mdicos de famlia einternistas generalistas estava significativamente associada a custosmais baixos para os servios mdicos, mesmo aps o controle parao efeito de diversas variveis sociodemogrficas e de oferta dosistema de sade. Em comparao, quanto maior o fornecimentode especialistas em ateno no-primria mais elevados os gastos.

    Avaliaes mais recentes dos benefcios da ateno primriaabordavam mais diretamente as caractersticas da prpria atenoprimria em vez do tipo de profissional de sade quepresumivelmente a fornecia. J que requerem um entendimentodas caractersticas especficas da ateno primria e dos mtodospara avali-los, eles so discutidos mais frente no Captulo 13.

    REFERNCIAS

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    A ateno primria, conforme foi definida no Captulo 1,oferece o suporte filosfico para a organizao de um sistema deservios de sade. Mas as definies gerais no ajudam quando atarefa determinar se um dado sistema merece a descrio deateno primria. necessrio que sejamos mais especficos.

    Historicamente, a ateno primria tem sido definida pelotipo de mdico que a exerce; mesmo atualmente comum queseja caracterizada como aquele atendimento oferecido por clnicosgerais (ou mdicos de faml ia) . O problema com estacaracterizao que a norma para a ateno primria transforma-se naquela que descreve as unidades de medicina de famlia. Comoisto pode variar de lugar para lugar e de pas para pas, necessriauma melhor alternativa para especificar suas funes.

    A ateno primria pode ser distinguida de outros tipos deateno pelas caractersticas clnicas dos pacientes e seus problemas.Estas caractersticas incluem a variedade de diagnsticos ouproblemas observados, um componente identificvel dedicado preveno das doenas e uma alta proporo de pacientes que jsejam conhecidos na unidade de sade.

    Comumente pensado que os profissionais de sade da atenoprimria possam ser diferenciados daqueles da ateno secundria eterciria pela variedade dos problemas encontrados. Sobre a totalidadedos problemas, os subespecialistas podem ter uma maior variedadede diagnsticos, j que a maioria dos problemas muito raros pode serencontrada na ateno especializada e no na ateno primria.Esperava-se que os profissionais de sade da ateno primria

    2. UMA ESTRUTURA PARA A MEDIODA ATENO PRIMRIA

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    possussem uma maior variedade dos diagnsticos mais comuns,supunha-se por exemplo, aqueles que abrangem 50% das consultas,j que seria esperado que os subespecialistas atendessemprincipalmente pacientes com um subgrupo destes diagnsticoscomuns que tm complicaes que no podem ser tratadas pormdicos de ateno primria. Alm disso, os subespecialistas, pordefinio, limitam-se apenas a determinados tipos de diagnsticos e,portanto, tratariam de uma variao menor de diagnsticos. Assim,profissionais de sade da ateno primria deveriam observar umavariedade maior de tipos de diagnsticos, pelo menos entre seusdiagnsticos mais freqentes, do que os subespecialistas.

    Outra forma de avaliar a variedade de diagnsticos ou avariedade de problemas apresentados examinar a porcentagem detodos os diagnsticos que contriburam para os 50 diagnsticos maiscomuns; esta porcentagem deveria ser menor na unidade de atenoprimria do que na unidade subespecializada, j que se imaginavaque as unidades de ateno primria teriam uma variedade maior.

    Como a ateno primria o ponto de primeiro contatodentro do sistema de ateno sade, seus profissionais deveriamencontrar uma srie muito mais ampla de problemas apresentadosdo que no caso da ateno subespecializada. Quando estesproblemas apresentados so catalogados, um nmero muito maiordeles deveria abranger qualquer porcentagem determinada de todosos problemas na ateno primria do que na ateno especializada.

    Tambm podemos supor que nas unidades de atenoprimria haja uma maior porcentagem de consultas classificadascomo relacionadas preveno.

    As unidades de ateno primria deveriam envolver umaproporo maior de pacientes que recebem ateno continuada doque aqueles que chegam pela primeira vez, sendo que a descrio daunidade de ateno primria e da subespecializada deveria demonstrara diferena. Uma caracterstica relacionada que deveria distinguir aateno primria uma maior familiaridade dos profissionais deateno primria tanto com o paciente como com seus problemas.Seria esperado que tanto os mdicos de ateno primria quanto os

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    subespecialistas examinassem pacientes novos e pacientes antigos,pacientes com problemas antigos. Os profissionais de sade da atenoprimria devem examinar mais pacientes antigos com problemasnovos porque eles so responsveis pela ateno ao paciente nodecorrer do tempo, sem considerar qual o problema em particular.

    Esta abordagem descritiva (emprica) para caracterizar aateno mdica foi melhor resumida por White (1973), quedistinguiu a ateno primria, secundria e terciria pela naturezados problemas de sade, pelo local da prestao do atendimento,pelo padro de encaminhamento, pela durao da responsabilidade,pelas fontes de informao, pelo uso de tecnologia, pela orientaodo interesse e pela necessidade de treinamento. A Tabela 2.1apresenta sua estrutura. Conforme a tabela indica, as distinesentre os nveis de ateno so feitas de acordo com o grau dediferena para cada uma das 23 caractersticas.

    Estas abordagens, embora geralmente teis para o propsitode ilustrar a singularidade da ateno primria, no oferecem umabase apropriada para o estabelecimento de metas para obteno deum alto nvel de desempenho dos servios de ateno primria.Abordagens mais novas para avaliao da obteno de uma melhorateno primria mudam de uma abordagem de contedo e orientadapara tarefas para uma abordagem que considera o que a atenoprimria deveria estar fornecendo no contexto das caractersticasdos sistemas de servio de sade. Esta seo mostra que as funesmais importantes da ateno primria podem ser medidas de umaforma que oferea uma base para o estabelecimento de metas eaperfeioamento contnuo em sua realizao.

    Todas as avaliaes exigem padres a partir dos quais odesempenho possa ser medido, seja de acordo com uma metapreestabelecida, seja atravs da comparao de um sistema (ouestabelecimento) em relao a outro (Parker et al., 1976). Estecaptulo oferece uma estrutura terica para o estabelecimentodestes padres. Os captulos subseqentes mostram como estaestrutura pode ser usada para avaliar cada uma das principaiscaractersticas da ateno primria.

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    Tentativas para definir a ateno primria por suas funesdatam do incio da dcada de 70. A ateno primria , agora,amplamente aceita como a oferta da Medicina ao primeiro contato; asuposio de responsabilidade longitudinal pelo paciente semconsiderar a presena ou ausncia de doena; e a integrao deaspectos fsicos, psicolgicos e sociais de sade aos limites dacapacitao da equipe de sade. Tal descrio foi proposta noRelatrio Millis (1966) e condiz com as principais caractersticas daateno primria: primeiro contato, longitudinalidade, abrangncia ecoordenao (ou integrao) (Alpert e Charney, 1974; Parker, 1974).

    Tabela 2.1Tabela 2.1Tabela 2.1Tabela 2.1Tabela 2.1Contedo relativo da ateno primria e de outras formas de ateno

    O = no caracterstico+ a ++++ = cada vez mais caractersticoAdaptado de White (1973)

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    Um comit do Institute of Medicine [Instituto de Medicina](1978) sugeriu uma abordagem para avaliar a ateno primria,listando os atributos da ateno primria como acessibilidade,integralidade, coordenao, continuidade e responsabilidade. Destescinco atributos, apenas a integralidade foi realmente definida(capacidade da equipe de ateno primria em lidar com os problemasemergentes na populao qual serve). A responsabilidade foireconhecida como uma caracterstica no exclusiva da atenoprimria, embora essencial a ela. O comit reconheceu que a atenoprimria no poderia ser avaliada por caractersticas descritivas comoa localizao da ateno, o campo de treinamento do profissional oupela oferta de um conjunto particular de servios. Mas estabeleceuque os profissionais que treinam homens e mulheres para atenoprimria devem acostumar seus estudantes a um ambiente de prticaque atenda ou exceda os padres da ateno primria, especificadosna forma de respostas positivas a um conjunto de 21 questesreferentes a seus cinco atributos. Sete questes foram dedicadas acessibilidade, seis integralidade, quatro coordenao, trs continuidade e uma responsabilidade.

    Os resultados dos esforos deste comit foram um marcoimportante na tentativa de delinear um mtodo normativo para medira obteno da ateno primria. Entretanto, a lista de questesapresenta limites. Em primeiro lugar, a maioria dos indicadores nalista poderia ser atributos da ateno secundria ou terciria, alm daateno primria; estes incluem a oportunidade para os pacientesmarcarem consultas; a avaliao da cultura, dos antecedentes, dacondio socioeconmica e circunstncias de vida do paciente; adisponibilidade para internar pacientes em hospitais, asilos ou clnicasde recuperao; a oferta de informaes simples e compreensveissobre taxas; a aceitao de pacientes sem considerar sua raa, religioou etnia; pronturios de sade acessveis e facilmente localizveis;oferta de um resumo dos registros do paciente a outrosmdicos quandonecessrio; e a garantia de responsabilidade por alertar as autoridadescompetentes se o problema de um paciente revelar ser uma ameaa sade que possa afetar a outrem.

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    Em segundo lugar, muitos dos indicadores exigem um nvelmuito alto de desempenho e no permitem nenhumavariabilidade, sendo, portanto, difceis de atingir. Um exemplo a exigncia de que 90% das solicitaes adequadas paraconsultas de rotina, como exames preventivos, sejam atendidasdentro de uma semana.

    Em terceiro lugar, muitos dos indicadores representam acapacidade potencial de oferecer um servio, em vez de suarealizao concreta. Alguns exemplos so: a oferta de pessoal quepossa lidar com pacientes com barreiras especiais de linguagem(em vez da existncia concreta de tais servios para aqueles quedeles precisam), a disponibilidade dos profissionais para internarpacientes em outras instituies (em vez do grau em que podemfaz-lo) e a disposio da unidade de sade para lidar com a grandemaioria dos problemas dos pacientes (em vez da demonstrao deque a unidade realmente realiza isso).

    Uma alternativa ao mtodo de avaliao da ateno primriasugerido pelo Instituto de Medicina avaliar o nvel real de alcancede resultados em vez do potencial de obteno do primeiro contato,da longitudinalidade, da integralidade e da coordenao. Ospadres para avaliar a adequao estariam baseados no grau demelhoria de uma poca para outra ou pela comparao de umsistema em relao a outro, em vez de faz-lo em comparaocom um padro absoluto arbitrrio. Assim como a lista do Institutode Medicina, a abordagem facilita a auto-avaliao de clnicas ouunidades de sade, bem como a avaliao por uma instituioexterna, para determinar o grau com que o estabelecimento ou osistema de servios de sade oferece ateno primria que respondaaos padres aceitos ou que, pelo menos, alcance um nvel dedesempenho mais alto do que outros.

    Para isso, os critrios do Instituto de Medicina foramadaptados por Smith e Buesching (1986) para verificar o grau emque a ateno primria era atingida. Perguntaram a uma amostracasual de pessoas sobre caractersticas selecionadas de seuatendimento; das respostas resultou um escore de ateno primria.

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    O acesso foi verificado por respostas a afirmativas comoeu poderia telefonar para meu mdico hoje por estar com dorno peito e receber uma resposta imediata e se eu entrasse emcontato com meu mdico com um problema de sade que nofosse uma emergncia, ele me examinaria dentro de um perodorazovel de tempo.

    A continuidade foi expressa em respostas como meu mdicome v para exames regulares mesmo se eu no tenho uma doenaespecfica e meu mdico me oferece tratamentos confiveis deacompanhamento para a doena.

    A integralidade foi julgada por respostas como meu mdicocuida da maioria dos meus problemas mdicos e meu mdico temum excelente conhecimento sobre toda minha medicao atual.

    As respostas sobre coordenao incluram se eu precisarde um exame laboratorial ou de radiografias, meu mdico explicaos resultados para mim e se vrios mdicos esto envolvidos nomeu tratamento, meu mdico organiza-o.

    Uma caracterstica adicional, a ateno personalizada, foiavaliada por meio de respostas como meu mdico tem um excelenteconhecimento sobre o tipo de trabalho que eu fao e posso discutirum problema pessoal, familiar ou emocional com meu mdico. Asatisfao com a ateno estava altamente associada ao escorederivado da combinao das respostas para estes atributos; tambmforam associados altos escores de ateno primria a pacientes queestiveram doentes menos dias e que ficaram menos dias em casadevido doena, depois que fatores que pudessem gerar confuso,como percepo do estado de sade e problemas de sade relatados,fossem levados em considerao. Entretanto, a especialidade domdico pessoal no foi associada ao escore de ateno primria ecerca de 25% da amostra da comunidade indicaram umsubespecialista como seu mdico pessoal.

    Um relatrio mais recente sobre ateno primria do Institutode Medicina definiu-a como a oferta de servios de ateno sade integrados e acessveis por meio de clnicos que sejamresponsveis por atender a uma grande maioria de necessidades

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    pessoais de ateno sade, desenvolvendo uma parceria constantecom os pacientes e trabalhando no contexto da famlia e dacomunidade. (Donaldson et al., 1996). Reconhecendo que ostermos nesta definio podem estar abertos a diferentesinterpretaes, o relatrio especificou, ainda, cada um doscomponentes da definio, como segue:Integrado: integral (tratando qualquer problema de sade em qualquer

    estgio do ciclo de vida do paciente); coordenada (assegurandoa oferta de uma combinao de servios e informaes desade que atendem s necessidades de um paciente e quetambm envolva a ligao entre estes servios); continuada(ateno ao longo do tempo por um nico indivduo ou equipede indivduos e comunicao efetiva e oportuna).

    Acessvel: de fcil abordagem e eliminao de barreiras geogrficas,administrativas, financeiras, culturais e de linguagem.

    Servios de Ateno Sade: servios oferecidos por profissionaisde ateno sade diretamente ou de acordo com suaorientao com o propsito de promover, manter ourestaurar a sade.

    Clnico: um indivduo que utiliza o conhecimento cientfico e temautoridade para orientar a prestao de servios da equipede sade aos pacientes.

    Responsvel: responsvel pela abordagem de uma grande maioriadas necessidades pessoais de sade.

    Maioria das necessidades pessoais de sade: os clnicos recebem todosos problemas trazidos pelos pacientes (sem restries porproblema ou sistema do organismo) e so treinados paradiagnosticar e manejar uma grande maioria destes problemasquando for adequado.

    Necessidades pessoais de ateno sade: questes fsicas, mentais,emocionais e sociais que envolvem o funcionamento de umindivduo.

    Parceria constante: relao estabelecida ao longo do tempo entrepaciente e clnico com a expectativa mtua de continuidadeno decorrer do mesmo.

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    Paciente: indivduo que interage com um clnico devido a umadoena ou para promoo da sade e preveno de doenas.

    Contexto da famlia e da comunidade: entendimento das condies devida do paciente, da dinmica familiar e dos antecedentesculturais referentes comunidade na qual o paciente vive.Esta definio de ateno primria no incluiu explicitamente

    a ateno ao primeiro contato, embora o relatrio, como partede uma seo sobre integralidade, reconhea que a atenoprimria a via comum e preferida dentro do sistema de ateno sade (Donaldson et al., 1996, pg. 38). Alm disso, ela similar definio anterior do Instituto de Medicina ao incluir algumascaractersticas que tambm pertencem a outros nveis dos sistemasde sade. Por exemplo, a responsabilidade se aplica no apenas ateno primria, mas tambm ao sistema do qual a atenoprimria uma parte. esperado que os especialistas que aceitama responsabilidade pelo manejo continuado de pacientes comproblemas raros ou incomumente complexos mantenham parceriaconstante. Alm disso, muitos dos conceitos mencionados nadefinio esto abertos a vrias interpretaes. No perodo deapenas um ano depois do surgimento do relatrio, dois gruposdistintos de pesquisadores (Flocke, 1997; Franks et al., 1997)fizeram referncia definio ao justificarem suas abordagens paramedio da ateno primria; estas abordagens eram bastantediferentes. Alm disso, a expresso a maioria das necessidadespessoais de ateno sade ambgua e aberta interpretaode que se refira maioria dos problemas listados em compndioscomo a Classificao Internacional de Doenas (ver Captulo 16).Ou seja, a maioria (no sentido do relatrio) diz respeito apenasa indivduos especficos e no s necessidades da populao. Paraas populaes, o conceito de ter todas as necessidades comunsatendidas a mais relevante.

    Esta definio mais recente do Instituto de Medicina tambm especialmente notvel em seu enfoque sobre os pacientesindividuais em vez da organizao de servios de sade paraatender s necessidades da populao. A prxima seo deste

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    captulo enfatiza a importncia de enfocar a ateno primria dentrodo contexto de um sistema de sade que trata explicitamente dasfunes duais para atender tanto s necessidades das comunidadescomo s daqueles indivduos que buscam atendimento por simesmos (pacientes).

    ATENO PRIMRIA A PARTIR DO PONTO DEVISTA DO SISTEMA DE ATENO SADE

    A Canadian Medical Assoc iat ion [Associao MdicaCanadense] considera, explicitamente, a ateno primria como oponto de entrada para o sistema de ateno sade, estando inter-relacionada aos outros componentes do sistema. Define a atenoprimria como consistindo de avaliao de um paciente aoprimeiro contato e a oferta de ateno continuada para uma amplavariedade de questes de sade, alm de incluir a abordagem deproblemas de sade, preveno e promoo de sade; e apoiocontinuado, com intervenes familiar e comunitria, quandonecessrio. Difere, assim, do relatrio do Instituto de Medicinaao distinguir a ateno ao primeiro contato como uma funocrucial e ao incluir intervenes comunitrias na definio dasfunes (Canadian Medical Association, 1994).

    A Charter for General Practice/Family Medicine in Europe [Cartapara Clnica Geral/Medicina de Famlia na Europa], desenvolvidapor um grupo de trabalho da regio europia da OrganizaoMundial da Sade (1994), reconhece, explicitamente, o papel daateno primria como um sistema de ateno que ofereceatendimento acessvel e aceitvel para os pacientes; assegura adistribuio eqitativa de recursos de sade; integra e coordenaservios curativos, paliativos, preventivos e promotores de sade;controla, de forma racional, a tecnologia da ateno secundria eos medicamentos; e aumenta a relao custo-efetividade dosservios por meio de 12 caractersticas:

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    1. Geral: no restrita a faixas etrias ou tipos deproblemas ou condies

    2. Acessvel: em relao ao tempo, lugar, financiamentoe cultura

    3. Integrada: curativa, reabilitador, promotora de sadee preventiva de enfermidades

    4. Continuada: longitudinalidade ao longo de perodossubstanciais de vida

    5. Equipe: o mdico parte de um grupo multidisciplinar6. Holstica: perspectivas fsicas, psicolgicas e sociais

    dos indivduos, das famlias e das comunidades7. Pessoal : ateno centrada na pessoa e no na

    enfermidade8. Orientada para a famlia: problemas compreendidos no

    contexto da famlia e da rede social9. Orientada para a comunidade: contexto de vida na

    comunidade local; conscincia de necessidades desade na comunidade; colaborao com outros setorespara desencadear mudanas positivas de sade

    10. Coordenada: coordenao de toda a orientao e apoioque a pessoa recebe

    11. Confidencial12. Defensora: defensora do paciente em questes de

    sade sempre e em relao a todos os outrosprovedores de ateno sade.

    Reconhece, ainda, que determinadas condies estruturais,melhoras organizacionais e questes de desenvolvimentoprofissional devem ser consideradas na oferta de ateno primriade alta qualidade. As condies estruturais incluam a claradefinio de uma unidade de sade em que os membros dapopulao tivessem o direito de optar e mudar a escolha deprofissionais de ateno primria, a capacidade de colocar umaunidade de sade na comunidade em que sua populao reside,ateno ao primeiro contato em que o acesso a especialistas

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    dado por meio do profissional de sade de ateno primria e umsistema de remunerao equilibrado para oferecer toda avariedade de servios necessrios para a populao.

    Tanto a viso de ateno primria centrada na populaocomo na pessoa oferecem uma base para um sistema normativode medio das funes de ateno primria dentro de um sistemade servios de sade. Alm disso, introduz a necessidade de levarem conta tanto a estrutura de sistemas de sade como oscomportamentos que refletem a funo, seja a partir do ponto devista da populao, seja do indivduo.

    A Figura 2.1 especifica os componentes importantes dosistema de sade de acordo com seu tipo: estrutura, processo eresultado (Donabedian, 1966). As caractersticas individuaisdentro de cada componente diferem de lugar para lugar e de pocapara poca, mas cada sistema de servios de sade possui umaestrutura (ou capacidade) que consiste das caractersticas quepossibilitam que oferea servios, os processos (ou desempenho)que envolvem tanto aes por parte dos profissionais de sadeno sistema como as aes das populaes e dos pacientes, e oresultado refletido em vrios aspectos do estado de sade. Estescomponentes interagem com o comportamento individual e sodeterminados tanto por ele como pelo ambiente social, poltico,econmico e fsico em que o sistema de servios de sade existe.

    As pginas seguintes descrevem uma abordagem paramedio da ateno primria com base em determinadasestruturas e processos ou, como so mais comumente designados,capacidade e desempenho dentro do sistema de servios desade. Esta abordagem para medir a ateno primria presumeque os atributos estruturais estejam em seu devido lugar paraque importantes atividades possam ser realizadas. Tambmpresume a importncia de aval iar o desempenho dessasatividades. Assim, medir os aspectos principais envolve amedio de uma caracterstica comportamental e da caractersticaestrutural da qual ela depende.

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    Vamos examinar, por sua vez, a capacidade e o desempenhodo sistema de servios de sade para estabelecer o estgio paraescolha destas caractersticas, que so as mais importantes naateno primria. O prximo captulo considerar os resultados,no contexto de uma discusso de medio do estado de sade.

    CAPACIDADE DE UM SISTEMA DE SERVIOSDE SADE

    A capacidade do sistema de servios de sade o quepropicia a prestao destes servios. Seus elementos capacitadoresconsistem dos recursos necessrios para oferecer os servios.Conforme mostrado na Figura 2.1, existem, pelo menos, dezcomponentes estruturais principais:

    Figura 2.1Figura 2.1Figura 2.1Figura 2.1Figura 2.1O sistema de servios de sade

    Fonte: Starfield (1992).

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    Pessoal: inclui todos os envolvidos na prestao do servio e suaeducao e treinamento.

    Instalaes e equipamentos: inclui os prdios (por exemplo, hospitais,c l n icas ou centros de sade, e consultr ios) e oscomponentes fsicos das instalaes, incluindo elementoscomo instr umental laborator ia l e tecnologia paradiagnstico ou tratamento.

    Gerenciamento e comodidades: inclui caractersticas dos servios queno aquelas diretamente relacionadas ateno clnica. Porexemplo, os resultados de exames laboratoriais soregistrados de forma moderna? Os pacientes so tratadoscom cortesia e respeito?

    Variedade de servios oferecidos pelas instalaes: esta gama de serviospode variar de um pas para outro e de comunidade paracomunidade, mas cada unidade toma decises a respeitodo tipo de servios que estar disponvel ou no. Avariedade de servios oferecidos uma consideraoimportante para a natureza da ateno primria e discutidaem maiores detalhes no Captulo 10.

    Or ganizao de ser v i os : o pessoal trabalha em grupos ouindividualmente? Quais os mecanismos para assegurar aconfiabilidade e quem responsvel por oferecer osdiferentes aspectos da ateno?

    Mecanismos para oferecer continuidade da ateno: estes mecanismosso especialmente importantes na ateno primria, porquesem eles no haveria maneira de lidar com problemas queexigem mais do que uma consulta ou exigem transfernciade informaes. Geralmente, a continuidade oferecida naforma de profissionais ou equipes de profissionais queservem como primeiro contato para o paciente, mas, svezes, o nico mecanismo de continuidade alguma formade pronturio mdico. A continuidade considerada maisdetalhadamente no Captulo 11.

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    Mecanismos para oferecer acesso ao atendimento: no tem sentido possuirpessoal, instalaes e equipamentos se no puderem serutilizados por pessoas que deles necessitem. Existemdiversos tipos de acessibilidade: acessibilidade em relaoao tempo (ou seja, o horrio de disponibil idade),acessibilidade geogrfica (adequao de transporte edistncia a ser percorrida) e acessibilidade psicossocial(existem barreiras de linguagem ou culturais comunicaoentre os funcionrios, nas instalaes, e os pacientes?). Aacessibilidade e sua importncia especial na ateno primriaso consideradas em maiores detalhes no Captulo 7.

    Arranjos para financiamento: qual o mtodo de pagamento dosservios e como a equipe remunerada por seu trabalho?Dentre todos os aspectos estruturais, este o mais provvelde ser diferente de pas para pas e, portanto, de grandeinteresse para estudos comparativos entre naes.

    Delineamento da populao eletiva para receber os servios: cada unidadedo sistema de servios de sade deveria ser capaz de definira comunidade qual serve e conhecer suas caractersticasimportantes em termos sociodemogrficos e de sade.Membros da populao deveriam ser capazes de identificarsua fonte de ateno e estar conscientes da responsabilidadedesta pela oferta dos servios requeridos. Este aspectoestrutural um outro elemento crucial na ateno primria,especialmente em relao ao aspecto conhecido comolongitudinalidade. Este elemento discutido com maisprofundidade no Captulo 8.

    Administrao do sistema de sade: sistemas de sade diferem emsua responsabilidade em relao queles aos quais servem.Freqentemente no envolvem a populao em decisessobre a maneira pela qual os servios so organizados ouoferecidos. s vezes, conselhos comunitrios servem comoconselho consultivo. Raramente a responsabilidade pelatomada de deciso compartilhada ou assumida porcomits comunitrios.

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    ATENO PRIMRIA: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia

    As abordagens para a administrao variam desde aquelescom menos poder (capacidade de ser ouvido) aos com mais poder(capacidade de controlar a organizao). A variao consiste detrs tipos principais: controle, escolha e persuaso moral/legal(Saltman, 1994). O controle poltico, no qual as pessoas tmautoridade sobre os oramentos e alocao de recursos, a formamais direta de administrao; tambm condiz com a tomada dedeciso coletiva, democrtica. A escolha, como uma formaalternativa de administrao, um mtodo muito mais indiretobaseado no princpio de que permitir s pessoas que escolhamonde e de quem desejam receber seus servios encorajar acompetio, e assim, por omisso, a responsabilidade seralcanada. Levando o princpio da escolha sua concluso lgica,o financiamento dos servios permitiria s pessoas buscarematendimento por prestadores de servios de sade alternativos ereceberem reembolso como se tivessem sido atendidas porprofissionais mdicos convencionais. (Este o caso nos PasesBaixos, onde o sistema de seguro reembolsar acupuntura e outrasterapias alternativas, e na Alemanha, onde a terapia nos spas reembolsvel.) O terceiro mecanismo de administrao maisindireto e representado pelos sistemas de reparao legal e socialpor servios inadequados ou prejudiciais. As pesquisas desatisfao para determinar como as pessoas se sentem a respeitode seus servios funcionam por persuaso moral, a medida maisindireta de controle porque as pessoas no tm capacidade demudar aspectos dos servios que so considerados inadequados.

    DESEMPENHO DE UM SISTEMA DE SERVIOSDE SADE

    Os processos de um sistema de servios de sade so as aesque constituem a oferta e o recebimento de servios. Assim, existemdois componentes: aqueles que representam atividades por parte de

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    2. Uma estrutura para a medio da Ateno Primria

    quem oferece ateno e aqueles que representam atividades dapopulao. Os provedores devem, primeiro, reconhecer asnecessidades que existem tanto na comunidade como nos pacientesindividuais. Este aspecto conhecido como reconhecimento de umproblema (ou de necessidades) e uma considerao particularmenteimportante em relao ateno primria. O problema pode ser umsintoma, um sinal, um exame laboratorial anormal, um item anteriormas relevante no histrico do paciente ou da comunidade ounecessidade de um procedimento preventivo indicado. Oreconhecimento do problema subentende conscincia da existnciade situaes que exijam ateno num contexto de sade. Apsreconhecer o problema, geralmente, o profissional de sade formulaum diagnstico ou um entendimento do problema quando umdiagnstico no for possvel. Isto necessrio para chegar ao passoseguinte no processo de ateno: a instituio de uma estratgiaadequada para tratamento ou manejo. Subseqentemente, deve ser feitoum arranjo para reavaliao do problema para determinar se seureconhecimento original, seu diagnstico e seu tratamento foramadequados. A esta altura, o processo de ateno inicia um novociclo de monitoramento e acompanhamento, com vigilncia dosproblemas tal qual existem agora.

    Os processos de ateno que refletem como as pessoasinteragem com o sistema de ateno tambm so importantes. Emprimeiro lugar, as pessoas decidem se e quando usar o sistema deateno sade. Se realmente utilizarem-no, chegam a umacompreenso sobre o que este servio lhes oferece e, ento,decidem quo satisfeitos esto com seu atendimento e se aceitaroas recomendaes ou orientaes dos profissionais de sade. Emseguida, decidem sobre o quanto querem participar do processo.Podem decidir realizar as recomendaes ou modific-las damaneira c