10 Oralismo CT Bilinguismo Paula Botelho

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  • 5/9/2018 10 Oralismo CT Bilinguismo Paula Botelho

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    Promocao .

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    CEALE/FaE/UFMG

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    IPaula Botelho

    possibilidade, os surdos podem realizar aprendizados de fala ede leitura labial. Contudo, a grande maioria dos surdos nao falabem, nao faz boa leitura labial, nem tampouco participa comalguma naturalidade da interacao verbal. Ha uma discrepanciaentre os objetivos do metodo oral e os ganhos reais da maioriados surdos: minimo conhecimento da polissemia linguistica,frequente ausencia de reflexao sobre 0 proprio desempenhoverbal, intensa dificuldade na leitura labial, simulacao decompreensao durante a interacao com 0 ouvinte, alern degrandes dificuldades na leitura e na escrita. Apenas uma parcel ada totalidade de surdos apresenta habilidade de expressao erecepcao verbal razoavel, resultados estes obticlos as custas deuma rotina onerosa e frequenternente exaustiva, em quedeterminados fatores sao mantidos rigidarnente sob controle.Para que estes sujeitos, denominados surdos oralizados,permanecessem nas escolas regulares, por exemplo, tiveram, emvaries casos, acesso a privilegios advindos de esquemas queenvolviam cumplicidades, como 0 conhecimento antecipado dasprovas, segundo resultados de pesq uisa realizada I. E emboraestes sujeitos fossem oralizados, tinharn rnais apreensoesdurante a interacao verbal do que os surdos nao oralizados, setornando em muitas ocasi6es emudecidos, por temor de naoserem bem sucedidos.

    EDUCA

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    Segundo este modelo, a surdez e medicalizada, e 0fundamento e a obstinacao pela Iuta contra a deficiencia, sob apremissa de que ha deficit. Como consequencia, cria-se umcirculo de baixas expectati vas pedag6gicas, que se reflete emcurriculos minimos, no caso das escolas especiais. Quanto alingua de sinais, nao e permitida e muito menos utilizada noprocesso de ensino-aprendizagem, nos eventos comunicativosentre professor e aluno surdo.

    Outro aspecto que merece reflexao e 0 ensino dafonoarticulaciio, que no Oralismo ocupa posicao central. Afonoarticulacao e um dos elementos responsaveis pelainteligibilidade do discurso. Contudo, e apenas um doscomponentes do discurso, e talvez 0 que pareca rnais concreto emais facil de ser ensinado. A fonoarticulacao inclui todo umtrabalho de postura corporal, relaxamento muscular e controlede respiracao. Na maioria das vezes, 0 trabalho fonoarticulatoriose desenvolve ao Longo de varies anos. A fala e a repeticao estaosituados monologicamente neste processo, 0 que constitui umadistorcao. 0 valor parece residir fundamentalmente na esteticado falar. Pouca ou nenhuma enfase e dada tambern ao fato deque a linguagem e mediada por regras, e assim, muitofrequenternente, os surdos pouco aprendern sobre quando, comquem e como algo pode, ou nao, ser dito. Mas curiosamente, napratica dos educadores oralistas e observada LIma especie deotimismo e ilusao em relacao aos ganhos, em geral, dos surdos,em linguagem oral. Ha Lima desconsideracao dos resultadosreais obtidos na maioria dos casos. Tambern e ignorado 0 quedizem os surdos sobre a educacao que lhes vem sendo oferecida.Uma razao que explica a alienacao dos educadores em relacaoaos precarios resultados, e a pressuposicao, de base religiosa, deque adquirir a fala equivale a adquirir a condicao de ser humano.Uma das consequencias desta forma de pensar e que muitossurdos aprenderam a considerar a lingua oral a unica linguaIegitima, e a desprezar a lingua de sinais, sendo recente a

    retoma?a de sua apropriacao como um sistema Iegitimo, pelascomumdades surdas de todo 0 mundo.

    o modelo que se opoe ao clinico e 0 modelo cultural, ousocio-antropologico (SKLIAR, 1997(1), cujo objetivo eeducacional , e pretende proporcionar

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    numa classe regular nao pode oferecer. Certos proponentes destapolitic a de integracao alegarn que 0 usa do bimodalismo - uso defala concomitante ao uso de sinais da lingua de sinais - porprofessores e colegas ouvintes resolveria este problema.Contudo, nao e assim que ocorre, e as raz6es sao discutidas maisadiante, neste texto. A realidade evidencia que 0 aparecimentodas contradicoes tern sido reprimido.

    Uma segunda abordagem educacional, oferecida comosolucao para os precarios resultados dos surdos em linguagemoral, leitura e escrita, tambern tern sido proposta aos surdos, aComunicacao Total. Conforme FERRREIRA BRITO (1993),nao representa opcao antagonica ao Oralismo, senao urndisfarce, uma nova roupagem da mesma forma de pensar. ACornunicacao Total surge a partir da insatisfacao de educadoresamericanos com os resultados da maioria dos surdos emlinguagem oral, leitura e escri ta, por volta da decada de 70. Nosanos 80, a Cornunicacao Total chegou ao Brasil , difundindo-seem varies Estados.

    que se reduz a LIma montagern artificial I. Frequentemente aenunciacao se torna redundantc, literal ou absurda. 0 ditopopular, por exernplo, "quem vai ao ar, perde 0 lugar", emportugues sinalizado, nao poderia expressar 0 sentidopretendido, mesmo que se faca corresponder urn sinal a cadapalavra. Mesmo uma frase cotidiana, coloquial, como, porexemplo, "Estou morrendo de frio", em portugues sinalizadofaria supor que ha alguern a beira da morte em razao do clima.

    Os proponentes do bimoda1ismo consideram que estesistema facilita a cornunicacao porque reune duas possibilidades,fala e sinais, e assim beneficia surdos e ouvintes. No entanto, 0ponto de partida e a maior facilidade que este sistema representapara 0 ouvinte, comparativamente a comp1exidade exigida pelo

    . uso de lingua de sinais, que implica no desenvo1vimento dehabilidades e estrategias visuais, as quais pessoas ouvintes estaopouco ou nada acostumadas. Enfim, 0 bimodalismo pretenderesolver 0 problema do ouvinte, nem sempre disposto a alterarum comedo e estabelecido lugar. Sem esquecer que atraves deportugues sinalizado so e possivel enunciar de modo bastantesimples, conforme avalia BOTELHO (1998).

    o bimodalismo tambem tem como pressuposto que alingua de sinais e lacunar: propoe-se que 0 portugues sinalizadopreencha sua suposta incomp1etude.

    Apesar de ser praticado predominantemente pelo ouvinte,o bimodalismo tambem e uti1izado pOl'muitos surdos. Uma dasrazoes e que ha, frequenternente; assimilacao de preconceito emrelacao a lingua de sinais da parte de mui tos surdos, e 0 mesrnodiscurso do ouvinte a respeito de como sao os surdos e a surdez,

    Segundo esta proposta, todos os recursos sao importantese indispensaveis para promover uma 'comunicacao total'(CICCONE, 1996): fala, leitura labial, escrita, desenho,dramatizacao, lingua de sinais e alfabeto manual. 0 problemafundamental reside no fato de que a Cornunicacao Total prop6ee valoriza a utilizacao de pratica simultdnea, ou bimodalismo .Tambern denominada portugues sinalirado, consiste nautilizacao concomitante de fala e de sinais. A CornunicacaoTotal preconiza que nao importa como se diz, e sim 0 conteudoa ser transmitido. Esta alegacao e discutivel, porque como se dizimporta tanto quanto 0 que se diz. Ao lancar mao de sinais e defala ao mesmo tempo, deformacoes sao causadas na enunciacao,

    IE im portan te d estacar que p ortu gues sin alizad o nao co nstitu i 0 s orn ato rio d ed ,u as Iin gu as q ue fo rm am urna delas ou urna t er ce ir a. N ao e a ju stap osicao de11I1gua o ral e de lingua de sinais, e sirn, como foi indicado, lingua oral esinais.

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    o que, nos termos de ALLPORT (1962), representa aidentif icacdo com 0 opressor.

    Com relacao a leitura e a escrita, os problemas do surdoaumentaram, com 0 uso do bimodalismo. Contudo, algunsinsistem em afirmar que e possivel cornunicar e tambern leratraves do portugues sinalizado. Podemos admitir isto emapenas algumas circunstancias muito estritas: quando se trata detextos bem CUltOS e de pequena complexidade lexico-sintatico-semantica. Como um grande nurnero de professores usa, paraalfabetizar surdos, textos de cartilhas, ou textos montados pareles proprios, textos estes cuja tipologia se enquadra nacaracterizacao anterior, sao levados a julgar que 0 sujeito surdoesta lendo. Mas se aumenta a complexidade da enunciacao, 0que acontece, par exemplo, quando contamos urn caso, outrabalhamos com textos narratives, dissertativos, Iiterarios, etc,reais, acontecem varies problemas. Mas muito frequenternente,ha recusa das contradicoes.

    Assim, seja atraves do Oralismo ou da CornunicacaoTotal, a grande maioria dos surdos continua sub-escolarizada eiletrada.

    Em outra direcao 0 Bilinguismo surge, com a proposicaode inovar praticas de ensino e a maneira de conceberalfabetizacao, letramento e participacao social de pessoassurdas.

    A educacao bilfngue tem como ponto de partida aadmissiio do fracasso escolar dos surdos, atitude que rnudaradicalmente a educacao a ser oferecida, e considera que 0 surdotem 0 direito de ser educado atraves da lingua de sinais.

    Segundo 0 entendimento da educacao bilingue, os surdosque usam a lingua de sinais nao estao isolados, uma vez que saopessoas mais auto-confiantes e por essa razao rnais predispostasao aprendizado de outras Iinguas.

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    Um dos principais fundamentos do Bilinguismo e aparticipaciio igualitdria dos surdos nas escolas, dividindo 0controle, a adrninistracao e 0 ensino. Para a implantacao doBilinguismo, como se ve, e necessaria a mudanca depressupostos em relaciio aos surdos e it surder.

    A proposta bilingue considera a lingua de sinais a Iinguamaterna de pessoas surdas, e prop6e a exposicao do surdo a elao mais cedo possivel, de modo que possa desenvolver processoscognitivos como quaisquer sujeitos.

    Pressupoe tarnbern 0 usa de lingua de sinais para 0 ensinode todas as disciplinas. Proporcionada como primeira Iingua(LI), tambern existe como disciplina curricular, nos variesniveis escolares; os surdos aprendem, assirn, sobre a lingua desinais: a historia das Iinguas de sinais, linguistica de Iingua desinais, a irnportancia da Cornunidade Surda e assim por diante.

    A escola bilingue oportuniza 0 aprendizado de lingua desinais aos surdos em situacoes significativas, como jogos,brincadeiras e narrativas de estorias, atraves da interacao comoutros surdos adultos fluentes em Iingua de sinais. A linguaescrita e a lingua oral sao ensinadas como linguas estrangeiras(L2), e, sao, segundo 0 Bilinguismo, dependentes da aquisicaode Iingua de sinais. A cornpetencia neste campo forneceraelementos ao surdo que lhe possibilite cornparar e aprenderoutras Ilnguas, 0 que podera ser feito numa perspectiva decontraste entre os sistemas Iingtiisticos, atraves da qualdesenvolve habilidades Iinguisticas e metalinguisticas, e aprendea respeitar as diversidades existentes nas varias Iinguas.

    Em paises como Dinamarca e a Suecia, 0 Bilinguismo temapresentado resultados satisfatorios, formando sujeitos surdoseficientes no uso da lingua de sinais e competentes em Ieitura eescrita. Em alguns paises da America Latina, tarnbem foiimplantado 0 Bilinguismo, como na Venezuela, Argentina e

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    Uruguai. E recente a irnplantacao do Bilinguismo no Brasil, eem poucas escolas, como algumas do sul e sudeste do pais.

    Segundo WALLIN (1990), a adesao a educacao bilingiie edecorrente de urn processo de rnudanca com acoes continuadas,como 0 reconhecimento da lingua de sinais e 0 investimento naformacao de professores de surdos e em professores surdos. Apesquisa sobre a lingua de sinais tambern e um dos pilares domodelo bilingi.ie: contribui para afirmar 0 estatuto Iinguistico dalingua de sinais, e leva os surdos a compreeenderem estacondicao, possibilitando que eles deixem de usa-Ia somente nasassociacoes de surdos e nos patios das escolas.

    Outro pilar imprescindivel do modele bilingue e aparticipaciio da Comunidade Surda. Na Suecia, por exernplo, asassociacoes de surdos existem desde 1868, e em 1922 todas elasformararn a Associacao Naciona1. Existern, ha muito, canaistranquilos e seguros de cornunicacao entre as associacoes e aAssociacao Nacional. 0 cornite diretor e eleito a cada 3 anospel as 47 associacoes de surdos do pais, em um Congresso. AAssociacao Nacional Sueca e forte, mas nao corporativista, etem urn plano de acao para cada 10 anos. Estas condicoespropiciaram 0 nascimento de uma "consciencia surda": ossurdos passaram a entender a opressao sofrida atraves dadominacao pelo ouvinte atraves da imposicao da lingua oral e daeliminacao da lingua de sinais, e entenderam por que tamberneles proprios desvalorizavam a lingua de sinais. Organizaramcampanhas para mudar a perspectiva dos ouvintes em relacao alingua de sinais, e tambern a atitude dos proprios surdos. Taiscampanhas se iniciaram quando os surdos entenderam que erarnserias e intoleraveis as conseqiiencias do uso do suecosinalizado/bimodalisrno, que se opunha ~l lingua de sinais, e queinvadia a rnentalidade dos surdos. Na atualidade, a AssociacaoNacional tern Iugar assegurado na escolarizacao do surdo, e nadiscussao sobre as politic as educacionais nas escolas de surdos.

    Urn outro contexto fundamental do modelo bilingue riaSuecia e a cooperaciio das organizacoes de pais de surdos. Ospais chegaram a conclusao de que colocar as criancas surclas nasescolas regulares nao era apropriaclo. Entretanto, existiramrnuitas dificuldades no periodo de transicao. Houve muitasr~sistencias, e a Cornunicacao Total, com a praticabirnodal/sueco sinalizaclo, exerceu grande influencia durante urnb~rn. tempo tambern naquele pais. Nao foi tranquilo nem rapidoeliminar a adocao destas praticas, mas foi possivel.

    Concluinclo, a educacao a ser oferecida aos surdosnecessita trabalhar numa perspectiva de formar cidadaos, e naofonoarticuladores e leitores de iabios de palavras OtJ frasessimples. Depende da transforrnacao do etnocentrismo, dodesenvolvimento de atitudes positivas em relacao aos surdos e ~llingua de sinais, e da abolicao de praticas oralistas e deComunicacao Total.

    Enquanto nao se empreende a rnudanca, os surdos, os paise os proprios educadores sentem os efeitos desastrosos de tantarigidez, ao longo de tanto tempo. Ate quando isto ira se manter?

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    -Referencias BibliognificasALLPORT, Gordon W. La naturaleza deL prejuicio.

    Buenos Aires: Editorial Universitaria de BuenosAires, 1962.

    SKLIAR, Carlos. (Org). Educaciio e Exclusiio: Abordagenssocio-antropologicas em. educacdo especial. PortoAlegre: Mediacao, 1997 (a).

    La educacion de los sordos. Unareconstruccion historica, cognitiva y pedagogica. la oedicao. Mendoza: 1997 (b).OTELHO, Paula. A leitura, a escrita e a interaciiodiscursiva de sujeitos surdos: estigma, preconceito e

    formacoes imaginarias. Dissertacao de Mestrado.Faculdade de Educacao: Universidade Federal deMinas Gerais, 1998. WALLIN, Lars. 0 estudo da lingua de sinais na sociedade.ESPA