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Revista Brasileira de Estudos Políticos | Belo Horizonte | n. 119 | pp. 291-326 | jul./dez. 2019

DOI: 10.9732/P.0034-7191.2019V119P291

Da reforma à revolução: a contribuição da reforma protestante à teoria da soberania popular

From reformation to revolution: the xvi cen-tury’s reformation contribution to the theory of people’s sovereignity

Marcelo Campos Galuppo1

Resumo: O desenvolvimento da doutrina desenvol-vida pelos Reformadores do século XVI é importante para compreendermos o fundamento do problema da legitimidade do poder civil, de seus limites e do con-trole que a vontade popular exerce sobre ele. Partindo de uma posição de total submissão em Lutero, até se chegar a uma posição de incentivo à desobediência de leis injustas em John Knox, em um curto espaço de trinta e cinco anos, o fundamento teológico do poder foi reelaborado para comportar as transformações pro-fundas por que passava a sociedade, com a passagem da soberania monárquica para a soberania popular e com a emergência de limites racionais à vontade do governante.

1 DoutoremFilosofiadoDireitopelaUFMG(1998).ProfessordaFaculdadedeDireitodaUniversidadeFederaldeMinasGerais.ProfessordaFaculdadeMineiradeDireitodaPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais.

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Palavras-chave:CristianismoeDireito;DesobediênciaCivil;EstadodeDireito;FilosofiadoDireito–História

Abstract: Thedevelopment of theXVICentury`sReformationDoctrine isvery important inorder tounderstandthegroundingofthelegitimacyofCivilPower, of its limits and of the control that popular will exercise on it. Departing from Lutheran position, of total submission to the Sovereign, to the incentive tocivildisobediencebyJohnKnox(injustthirtyfiveyears),thetheologicalfoundationofCivilPowerwascompletely reëlaborated to accommodate thedeeptransformationsinsociety,namelythechangingfrommonarchicsovereigntytopopularsovereigntyandtherising of rational limits to the ruler’s will.

Keywords:LawandChristianity;CivilDisobedience;RuleofLaw;PhilosophyofLaw-History

1. Da reforma à revolução: O dever de obediência às autoridades Os textos do apóstolo Paulo sempre foram motivo de

grande divergência entre cristãos. Textos sobre a submissão das mulheres aos homens2 e sobre a pecaminosidade da homossexualidade3 sempre intrigaram, incomodaram e opuseramfiéisemgruposdiferentes.Omesmoocorrecoma questão da autoridade civil. Devem os cristãos submeter-se ao poder civil, qualquer que seja ele, e quaisquer que forem suasordens,ouoscristãos,porfiliarem-senãoapenasaoreino “deste mundo”4, mas também ao reino instaurado por JesusCristo, devemescolher a quenormas e a quegovernantes obedecer?

2 EpístoladePauloaosEfésios,capítulo5,versículos22eseguintes.3 PrimeiraEpístoladePauloaosCoríntios,capítulo5,versículos9e10.4 EvangelhodeJoão,capítulo18,versículo36.

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No caso da autoridade civil, a crux interpretorum é apresentadaporPaulono capítulo 13daEpístola aosRomanos:

Seja todo homem submisso às autoridades que exercem o poder, pois não há autoridade a não ser por Deus e as que existem são estabelecidas por ele. Assim, aquele que se opõe à autoridade se revolta contra a ordem querida por Deus, e os rebeldes atrairão a condenaçãosobresimesmos.Comefeito,osmagistradosnãosãotemíveisquandosefazobem,masquandosefazomal.Queresnão terde temeraautoridade?Fazeobeme receberáso seuselogios, pois ela está a serviço de Deus para te incitar ao bem. Massefazesomal,entãoteme.Poisnãoéemvãoqueelatrazaespada: castigando, está a serviço de Deus para manifestar a sua cólera para com o malfeitor. Por isso é necessário submeter-se, não portemordacólera,mastambémpormotivodeconsciência.Esteé também o motivo pelo qual pagais impostos: os que os recebem sãoencarregadosporDeusdesededicaremaesteofício.Daiacadaum o que lhe é devido: o imposto, as taxas, o temor, o respeito, a cada um o que lhe deveis5.

Essa orientação não é exclusivamente paulina,havendoumequivalentepetrinoemsuaprimeiraepístola:“Sede submissos a qualquer instituição humana por causa do Senhor: quer ao rei, porque é o soberano, quer aos governadores, delegados por ele para punir os malfeitores e louvar as pessoas de bem6”. Não se trata, portando, de uma idiossincrasia de Paulo, ou de um viés autoritário e elitista deste apóstolo, mas de uma orientação consistente da doutrina apostólica em geral. Também não se pode partir de um pressuposto exclusivamente historicista para

5 PAULO(Apóstolo).EpístolaaosRomanos.InBÍBLIASAGRADA.Tradução Ecumênica da Bíblia.SãoPaulo:Loyola,1994.P.2195(capítulo13,versículos1a07).Todasascitaçõesdasescriturasserãofeitasapartirdessatradução,empreendimentoconjuntodeCatólicosRomanos,ProtestanteseJudeus.

6 PEDRO (Apóstolo). PrimeiraEpístoladePedro. In BÍBLIASAGRADA.Tradução Ecumênica da Bíblia. SãoPaulo:Loyola, 1994.P. 2386 (capítulo2,versículos13e14)

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seafirmarqueoensinodePaulooudePedroseriaoensinode homens históricos para homens históricos, que não se aplicariamforadocontextoemqueelefoiproduzido,poistoda a possibilidade de um conhecimento teológico reside noreconhecimentodequeotextobíblicoéinspirado(porDeus)e,portanto,universalmenteválido7.

O problema da autoridade civil foi enfrentado pelos reformadores ao longodo séculoXVI: entre 1517e 1588,muito se escreveu sobre a questão da obediência aos magistrados, e a evolução do pensamento desses pensadores permite-nos compreender sua contribuição para a discussão acerca da titularidade e limitação da soberania.

1.1 Lutero

UmdosprimeirostextossobreotemafoiescritoporLutero, em1523:Da autoridade secular: até que ponto se lhe deve obediência.Quandopublicou o texto, Lutero já foraexcomungado pela Bula Decet Romanum Pontificem (de1521)eadietadeWormsjálevaraàseparaçãoformaledefinitivaentreaIgrejaCatólicaeaIgrejaLuterana8. A essa altura, os anabatistas já empreenderam sua reforma radical, Thomas Müntzer já escrevera inúmeros tratados9 e aGuerradosCamponesesnaSuábia10 já se prenunciava.

7 BARTH,Karl.The epistle to the Romans.Oxford:OxfordUniversity,1968.P.1.

8 LINDBERG,Carter.História da Reforma.RiodeJaneiro:ThomasNelson,2017.9 Porumaquestãometodológica,aReformadeMüntzerfoideixadadelado

nestetrabalho,jáquenãoobteveoalcanceenemdeixouolegado(emtermosdeconstituiçãodeIgrejasmundiaisqueperdurassematéoséculoXXI)dasreformasLuteranaeCalvinista.

10 A guerra da Suábia levaria Lutero a escrever o tratado Contra as hordas salteadoras e assassinas de camponeses,em1525,noqualrecomendariaànobreza,baseada na autoridade que as escrituras lhe conferiam, que “apunhal[asse],

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É no Da autoridade secular que uma das doutrinas fundamentaisdoluteranismoseapresentapelaprimeiravezedomodomaisperfeitopossível:adoutrinadosdois reinos. Para Lutero, o cristão vive sob o governo de dois reinos, sendo preciso obedecer a ambos. O primeiro reino seria o reino espiritual, a que pertencem apenas os cristãos e que governaria as almas. O segundo reino, o temporal, governaria oscorposeosbens,eaelepertenceriamtodosossúditosdeumEstado11. A ordem, promovida pela atribuição de funções diferentes a cada um dos reinos, corrompe-se quando os príncipesarvoram-se“aexercerdomínioespiritualsobreasalmas, enquanto os outros [os religiosos] querem governar secularmente”12.O textoapresentaportantoumacríticaàpretensão do Kaiser de impor uma fé aos luteranos e, ao mesmotempo,umacríticaàpretensãodaIgrejaCatólicadejulgareimporpenasfísicasaosalemães.

Para que o argumento do texto de Lutero funcione, ele precisa basear-se no reconhecimento da legitimidade da autoridade civil, e portanto nodever de os súditosobedecerem-na com seus corpos e seus bens. Por isso Lutero afirmaque“ocristãosesubmetedebomgradoaoregimedaespada:pagaimpostos,honraaautoridade,auxiliaefaztudooquepodeequeéútilparaaautoridade,afimdequesejam preservados seu poder, honra e temor”13.Essedever

bat[esse], estrangul[asse] quempuder”dentre os revoltosos (LUTERO,Martinho.Contraashordassalteadoraseassassinasdoscamponeses.In: BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.172).

11 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.89

12 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.107.

13 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeve

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de obediência vai além do reconhecimento da legitimidade do poder secular, e exige do cristão que ele colabore com o governante de maneira ativa e positiva. A obediência cristã não é mera resignação, mas essencialmente ágape, serviço. Por isso Lutero ordena a todos cristãos: “Ao veres que há faltadecarrasco,agentepolicial,juiz,senhoroupríncipeetejulgares apto, deverias oferecer e candidatar-se para que, de formaalguma,aautoridadetãonecessáriasejadesprezada,enfraquecida ou desapareça”14.

A questão mais controversa abordada por Lutero no tratado é como devemos comportar-nos diante de ordens flagrantementeinjustasemitidasporumaautoridadecivilque se converteu em tirano. Para responde-la, Lutero invoca ocasodacidadedeMeissen,emqueosgovernantescatólicosexigiram que os habitantes entregassem à autoridade os exemplaresdoNovoTestamentopor ele traduzido epublicado um ano antes. A resposta de Lutero para esse problema é a seguinte:

Seus súditosdevemprocederda seguinte forma: nãodevementregar nem uma folhinha, nenhuma letra sequer, sob pena de perderemasalvaçãoeterna(...).Poroutrolado,devemtolerarquese ordene revistar-lhes as casas e levar livros e bens pela força. Ao mal não se deve resistir, mas tolerá-lo. No entanto, não se deve aprova-lo nem colaborar com ele ou seguir e obedecer-lhe sequer com um passo ou com um dedo15.

Odeverde obediênciado súdito incide sobre seucorpo,nãosobresuaalma.Portanto,éumdireitodosúdito

obediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.92.

14 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.94.

15 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.109.

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resistir a toda ordem do governante que coloque em risco sua salvaçãoeterna.Essaresistênciasignifica,porém,apenasodescumprimentodalei,comaconsciênciadeque,aofazê-lo,osúditoainfringeeportantopassaaserummalfeitoraosolhos da autoridade e, consequentemente, deve suportar, sobre seus bens e sobre seu corpo, as penas que o tirano lhe aplicar. Podemos, pois, eximirmo-nos legitimamente de cumprir a ordem exarada pelo tirano, mas não de suportar sua espada. Posso descumprir algumas leis injustas, cujo cumprimento implicaria minha danação eterna, desde que esteja disposto a suportar as consequências no reino temporal desse descumprimento. Pois o governo do corpo pertence ao governante, e o cristão pode opor-se ao tirano em sua alma, masnãocomseucorpo.Emhipótesealgumaocristãoestáautorizadoadefender-se,sejadeummalfeitor,sejadeumtirano: “nenhum cristão deve tomar e invocar a espada para si e sua causa”16.

1.2 Calvino

UmaprimeiraleituradasInstitutas nos leva a pensarmos que a reforma calvinista tomou o mesmo rumo da reforma luterana na questão do dever de obediência à autoridade civil.NaredaçãolatinadefinitivadasInstitutas, de155917, Calvinoescrevequeéumdeverdocristãosubmeter-seaogoverno civil.

Avisão deCalvino sobre o governo civil émaisinstitucional e constitutiva que a visão de Lutero. Lutero

16 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.101.

17 CalvinopublicoutrêsediçõesdasInstitutas,comreformulaçõessucessivas.Aprimeira,de1536,emLatim,quandoaindaresidianaFrança,asegunda,emfrancês,de1541,eaTerceira,definitiva,emlatim,aquiconsultada,de1559.

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acreditava que o governo civil e o poder da espada que lhe é inerente só existiriam por causa do pecado e da maldade, como um mecanismo para combate-los: Deus submeteu a todos “à espada, a fimde que, ainda que o queiram,não possam praticar sua maldade e, caso a [pratiquem], nãoopossam fazer sem temor e empaz e felicidade”18. ParaCalvino,diferentementedeLutero,oEstadoexistirianão apenas para combater o mal, mas também para instituir providencialmente a ordem necessária ao bom funcionamento de qualquer sociedade humana:

Reis e magistrados exercem sobre a terra a sua autoridade, não por conta da perversidade humana, mas por provida e santa ordenação deDeus, aquempareceubemconduzir assimogovernodoshomens.Poiséelequesefazpresenteepresideaformulaçãodasleisearetaadministraçãodajustiça.(...)Todaautoridadeéumaordenaçãodivinae(...)nãohápoderalgumquenãotenhasidoestabelecidoporDeus(Rm13.1,2).Aocontrário,ospríncipessãoministrosdeDeusparahonraràquelesquefazemobem,eparacastigar aos que agem mal19.

Enquanto Lutero acredita que um (bom) cristãolesadoporumparticular (comoumcomerciante ouumladrão)deveria eximir-sede recorrer aoEstadopara serrecompensado, pois “quem ama a seus inimigos e é perfeito, abandona a lei, não tendo necessidade dela para pedir olho por olho”20,Calvinoacreditaquenãosóocristãonãopecaaorecorrer ao magistrado para se recompor de algum agravo, masexerceseudevercomocristãoaofazê-lo,pois

18 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.89.

19 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.878.(item4docap.XXdolivroIV).

20 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeveobediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.100.

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Dado que Paulo declara abertamente que o magistrado é ministro deDeusparaobem(Rm13.4),devemosconcluirqueéavontadedeDeusqueasuaautoridadeeauxílionosdefendametutelemcontra a maldade e a injustiça dos maus, de modo que possamos viver em paz sob a sua proteção. Em vãoDeus ter-nos-iaconstituídojuízesparanostutelarcasonãofosselícitousardessebenefício;daísesegue,evidentemente,quepodemosrecorreraomagistrado sem cometer pecado21.

Essa disposição diante da autoridade civil quea reconhece comoministro de Deus leva Calvino aaparentemente rechaçar nas Institutas qualquer direito de o súditorevoltar-se,insurgir-seoumesmoapenasresistiraopoder secular:

seaquelesque,porvontadedeDeus,vivemsobpríncipes,dosquais são súditos naturais, transferemopoder a si própriosmediante a revolta, digo que semelhante tentativa deve ser considerada não somente absurdo, mas deplorável e danosa aventura22.

A autoridade, tal como instituída naEpístola de Romanos, é absoluta, e por isso nem contra o governante tirânicoosúditotemodireitoderebelar-se:

ApalavradeDeus (...) nos fará obedecer, não somente aospríncipesquecumpremoseudeveremandato,masatodososque ocupam uma posição eminente, embora não façam o que a sua posição exige. Porque o Senhor declara que os magistrados foram constituídosparaaconservaçãodogênerohumano,e,emboralhesimponhalimitesdefinidos,declaranoentantoque,sendoquemforem,receberamogovernodiretamenteDele.(...)Aossúditoscompete que tributem à má autoridade a mesma reverência que rendem a um bom rei23.

21 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.891.(item17docap.XXdolivroIV).

22 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.882.(item8docap.XXdolivroIV).

23 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.Tomo

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No entanto, e aqui começa a evolução do pensamento reformado,Calvinojáestabeleciaumaexceçãoaessaregra:“Se as autoridades ordenam algo contra o mandamento de Deus, devemos desconsiderá-la completamente, seja quem for o mandante”24.Esseseuentendimentoiráseaprofundarprogressivamente e, ao redigir no final de sua vida o comentárioaoversículo29docapítulo5o do livro dos Atos dos Apóstolos25,Calvinoafirmouque

Deus estabelece homens com poder sobre nós de tal forma que ele aindapreservesuaprópriaautoridadeseguraeíntegra.Portanto,devemos obedecer aos governantes apenas na medida em que não sequebremoscomandosdeDeus.(...)Seummagistradorealizasua tarefa como deve, um homem diria em vão que tal magistrado écontrárioaDeus.(...)MasnamedidaemqueosgovernantesnosafastamdaobediênciaaDeus,porquedesafiamaDeuscomcoragemsacrílega,seuorgulhodeveserabatido,paraqueDeus(seimponha)sobretodaautoridade26.

A partir de então, Calvino começa a expressartimidamente a ideia de que reservas materiais ao poder do governantes podem limitar e excepcionar seu poder formal. Decertaforma,comoveremosmaisabaixo,ofatodeCalvinoter escrito a primeira edição das Institutas ainda na França edeoscomentáriosseremobradofinaldesuavida,jáemGenebra,édecisivoparaessamudançadeentendimento,refletindosuasexperiênciaspolíticaspassadas.

A grande novidade das Institutas em relação a Lutero, no entanto, é o desenvolvimento da doutrina dos magistrados

II(livrosIIIeIV).P.897.(item25docap.XXdolivroIV).24 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.Tomo

II(livrosIIIeIV).P.902.(item32docap.XXdolivroIV).25 “ÉprecisoobedecerantesaDeusdoqueaoshomens”.LUCAS(São).Atos

dos Apóstolos. InBÍBLIASAGRADA.Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola,1994.P.2112.(capítulo5,versículo29).

26 CALVIN,John.TheCommentariesofM.JohnCalvinupontheActesoftheApostles. In: _____. Calvin s Commentaries. GrandRapids:Baker,2005.VolXVIII[parteII],p.214-5.

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menores.Calvinoafirmaque

embora a punição de uma autoridade desordenada seja ato de vingança de Deus, não devemos concluir que ela nos tenha sidoconfiadaesejalícitoexercê-la.Refiro-mesempreapessoasparticulares. Porque, se em nossos dias existirem magistrados instituídosparaatuteladopovoeparaconteraexcessivalicençaeacobiçadossoberanos(...),aestaspessoas,queestãoinvestidasde autoridade, não posso de modo algum proibir, segundo as exigênciasdeseuofício,quefaçamoposiçãoeresistamàexcessivalicençados reis,pois,deixandode fazê-lo, trairãoaodeverdeproteger a liberdade do povo27.

De modo algum o povo possui o poder de punir, destituir ou mesmo opor-se ao governante, pois apenas os magistradosdetêmpodercivilnecessárioparafazê-lo.MasaEpístoladeRomanosdizquetodososmagistrados,enãoapenas os soberanos, detêm poder civil, e ainda que o povo não possa opor-se ao governante, outros magistrados podem fazê-lo.Essadoutrina,quepassouaserconhecidacomoadoutrinadosmagistradosmenores (ou lesser magistrates), exercerá um papel decisivo no curso da Reforma.

1.3 A Confissão de MagdeburgAindaqueCalvinotenhaexpostoaideiaantesdeos

luteranos fazerem-no,éapartirdosdiscípulosdeLuteroque a doutrina dos lesser magistrates se desenvolverá e se tornará conhecida.

Em1521,LuteroforacondenadonoÉditodeWorms,que decorreu de sua recusa de rejeitar seus escritos e ensinos naDietadeWorms.Em1530,Luteroapresentaumadefesaconsolidada de suas convicções na Dieta de Augsburg e alertaaospríncipesluteranossobreapossibilidadedeumareaçãomilitarporpartedoKaiserCarlosV. Isso levouà

27 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.901.(item31docap.XXdolivroIV).

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constituiçãodaLigadeEsmalcalda,

formadapelosPríncipe FilipedeHesse e peloPríncipe JoãoFrederico I da Saxônia, os dois governantes protestantes mais poderosos naquele momento. A liga era uma aliança religiosa de defesa, na qual os membros comprometiam-se a defenderem-se reciprocamente,casoseusterritóriosfossematacadosporCarlosV28.

Em1546,CarlosVcomeçasuaofensivamilitarcontraosPríncipesProtestantes,eem24deabrildoanoseguinte,nabatalhadeMuhlberg,elecapturaoPríncipeFilipedeHesseeoPríncipeJoãoFredericodaSaxônia29,osprincipaislíderesluteranos entre a nobreza. Fortalecido, oKaiserpublicaem15demaiode1548oInterim de Augsburg, documento imperialquerestaurouafécatólica(excetocomrelaçãoaocasamento do clero e à eucaristia com dois elementos, tal comopreconizaraLutero)30.

Aprincipal resistência à ofensivamilitardeCarlosVeaoInterimdeAugsburgfoidacidadedeMagdeburg,teologicamente liderada por um pastor luterano chamado Nicholas von Amsdorff. Juntamente com outros oito colegas pastores,Amsdorff redigiunodia 13de abrilde 1550 aConfissão e defesa dos pastores e outros ministros da Igreja de Magdeburg31.Emoutubrode1550,CarlosVcomeçavaocerco

28 GRANT,George.Historical Setting. In: AMSDORFF,Nicholasvon.The Magdeburg Confession. Trad.MatthewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.XXX.

29 GRANT,George.Historical Setting. In: AMSDORFF,Nicholasvon.The Magdeburg Confession. Trad.MatthewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.XXXI.

30 GRANT,George.Historical Setting. In: AMSDORFF,Nicholasvon.The Magdeburg Confession. Trad.MatthewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.XXXI.

31 GRANT,George.Historical Setting. In: AMSDORFF,Nicholasvon.The Magdeburg Confession. Trad.MatthewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.XXXII.

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deMagdeburg.Quandoocercoterminou,comoinsucessodoKaiser,Maurícioda Saxônia atacouCarlosV e o fezretirar-se para a Itália. O imperador se viu obrigado a assinar a Paz de Passau, emagostode1552,garantindo liberdadereligiosa aos reformadores.Essadecisão foi estabilizadana Paz de Augsburg,em25desetembrode155532,quefixoua doutrina cuius regio, eius religio (dequem for a região,dele será a religião, ou seja, o povo teria a religião de seu governante). Finalmente os luteranoshaviamvencido33: Cadapríncipeseriaoresponsávelpordeterminarareligiãodos moradores de seu principado.

Notextodaconfissão,Amsdorffretomouosargumentossobre a separação dos dois reinos apresentados por Lutero em Da autoridade Secular,afirmando,noentanto,queCarlosVestaria“excedendooslimitesdeseudomínioeestendendo-oaodomíniodeCristo”34.Mas aConfissão não se limita a afirmarumaviolaçãodafronteiraentreosdoisreinos.Osfundamentos apresentados por Amsdorff e seus colegas na Confissão indicamumaradicalizaçãodasideiasdequeopoderdogovernantenascedealgumaformalimitado.Comodiz a confissão, “quandoosmagistrados (...) levamseuspoderes além da verdadeira piedade e correção, a obediência não lhes é devida, segundo a palavra de Deus”35.

32 GRANT,George.HistoricalPostscript.In: AMSDORFF,Nicholasvon.The Magdeburg Confession.Trad.MatthewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.92.

33 Umavitóriaprovisória,quelevariaàGuerradosTrintaAnos,cujofimtraria,conjuntamente,ofimdadoutrinacujus regio, ejus religio,radicalizandoaindamais a liberdade religiosa instaurada pela Reforma Protestante: A partir da PazdeVestfália(1648),anemoimperador,nemmaisospríncipes,poderiamdeterminarareligiãodeseussúditos.

34 AMSDORFF,Nicholasvonet alii. The Magdeburg Confession.Trad.MathewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.53.

35 AMSDORFF,Nicholasvonet alii. The Magdeburg Confession.Trad.MathewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.42.

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Ainda que os cidadãos não possam opor-se ao tirano, os “magistrados piedosos não apenas são aptos, mas inclusive possuemaobrigaçãoderesistir-lhesenquantoforemcapazesdefazê-lo”36. Os magistrados menores, como por exemplo os príncipeseleitores,podemopor-seaomagistradosoberano(oKaiser)porquesãotambémmagistrados,eaEpístoladePauloaosRomanosnãodistingueentreelesaodizerquecompeteaosmagistradosadministrarajustiçaezelarpelobemestardeseussúditos.Essamudançadeentendimentofoi decisiva para o próprio sucesso da Reforma Protestante:

Sabe-sequeaConfissãodeMagdeburgeaposiçãotomadaporesseshomensimpactaramJohnKnox,queconduziuareformanaEscócia,eTheodoreBeza,quefoiosucessordeCalvino.Ambosiriam desenvolver a doutrina dos magistrados menores sobre o quefoiescrito[naConfissão].SenãofossepelaaçãodoshabitantesdeMagdeburg, toda aReformapoderia ter sido apenasumacentelha no radar da história37.

1.4 Theodore de BezaCom amorte deCalvino, em 1564, seu discípulo

TheodoredeBezaassumealiderançadogovernodaIgrejaReformada deGenebra.Após omassacre daNoite deSãoBartolomeunaFrança,em24deagostode1572,Bezaescreve aquele que é provavelmente o mais importante tratadoteológico-políticodoprotestantismodoséculoXVI:o Direito dos Magistrados sobre seus súditos,de1574.Aqui,ateologiapolíticareformadasetornarámais teoriapolíticado que teologia38, e se afastará decisivamente da oposição

36 AMSDORFF,Nicholasvonet alii. The Magdeburg Confession.Trad.MathewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.55.

37 GRANT,George.HistoricalPostscript.In: AMSDORFF,Nicholasvon.The Magdeburg Confession.Trad.MatthewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.91.

38 Diferentemente de seus predecessores, muitos de seus argumentos são

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deLuteroedatimidezdeCalvinosobreotema.ComodisseJulianFranklin,Bezadesenvolveaquiloqueseencontrava,namelhordashipóteses,apenasimplícitonaquelesautores,masqueaíjáseprenunciava:

LuteroeCalvinogeralmenteopõem-seaqualquercoisaquenãofosseumaresistênciapassivanoespíritodaIgrejaPrimitiva.Noentanto, uma contracorrente pode ser percebida no pensamento deles, que sempre esteve latente na Reforma e que se tornou públicaentrealgunsdeseusamigosmaispróximoseassociados.39

Beza inicia seu texto dizendo que somente somosobrigados a obedecer incondicionalmente a Deus:

Príncipes,também,deveriamimplicitamenteserobedecidos,sefossemsempreavozdoscomandosdeDeus.Masumavezqueo oposto ocorre muito frequentemente, uma exceção se impõe à obediência,quandoseuscomandosforemirreligiososouiníquos40.

AdistinçãoqueBezarealizaentrecomandosirreligiososecomandos iníquos41 é importante para nossos objetivos. EnquantooscomandosirreligiosossãoaquelesqueferemaprimeiratábuadodecálogodeMoisés(osquatrodeverespara comDeus), os comandos iníquos são aqueles queferema segunda tábuada lei (os seisdeverespara comoshomens).EssadistinçãolevaráBezaadeixardeapelarapenasàsupostaheresiaouidolatriaparajustificarqualquer

estritamentepolíticos (inclusiveo argumento centraldo tratado), enãoteológicosou,muitomenos,bíblicos.

39 FRANKLIN, JulianH. Introduction. IN: ______. (ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.30.

40 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.101.

41 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.101.

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resistênciaaotirano.Emseulugar,Bezainvocaráodeverde o magistrado promover o bem comum, cuja violação constitui-se no fundamento da resistência.

Beza afirma que não é lícito ao povo resistir aogovernantelegítimo42. O termo legítimo precisa ser melhor explicado:Bezanãopropõenenhumcritériomaterialparase avaliar a legitimidade do poder, mas apenas um critério formal; legítimo é o governante comcujopoder opovoassentiunopassado.Esse assentimentopode serdireto(comono casoda aclamação) ou, o que émais comum,atravésdafixaçãodeumcritérioformalparasedeterminarquem assumiria o poder no futuro (por exemplo, umalinhagemdesucessãoaotrono).Ogovernantequenãofosselegitimadodiretaouformalmenteseriailegítimo,eopovopoderia resistir-lhe.

Épossívelqueumgovernante(formalmente)legítimosecorrompa(materialmente,ouseja,ordenandoaquiloqueéerrado),masqueaindaassimpermaneçasendoformalmentelegítimo,razãopelaqualelenãopodeserdesobedecidopelopovo em nenhuma circunstância:

a não ser no caso de um chamado especial de Deus43, do qual não tratarei aqui, ele não pode, por sua própria iniciativa, responder à força com a força, mas deve ou autoexilar-se ou suportar o jugo comconfiançaemDeus44.

42 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.105.

43 A ideia de um “chamado especial de Deus” provavelmente refere-se àquilo que,naconcepçãodeWeber,identifica-secomaemergênciadeumlídercarismático.Essaideiaserátratadamaisabaixo.

44 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.108.

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Por outro lado, se o povo não pode apresentar resistência ao governante legítimo que viole os dezmandamentos, o magistrado menor pode e deve agir para resistir-lhe45,umavezqueasEscriturasnãodiferenciamentreo magistrado soberano e os magistrados menores, devendo “oferecer resistência à flagrante tirania e salvaguardar aqueles sob sua proteção,”46 atéqueumpoder legítimo,superior aogovernante tirânico, comoosEstadosGerais,decida a questão.

Ainda que a argumentação de Beza seja política,como veremos mais à frente, ele acrescenta um exemplo bíblicoacercadodireitodeomagistradomenorresistiraotirano: Davi resistiu a Saul quando esse enlouqueceu, e tal resistência foi aprovada por Deus.

Beza,porfim,acrescentaalgoinusitado,que,decertaforma, jáestava implícitonopensamentodeCalvino:Aolongodo tempo,Deus levantou homens do povo (nãomagistrados)parafazeremjustiçacomsuasprópriasmãosepuniremosgovernantes irreligiososou iníquos.Aindaque o ato de um cidadão que tira a vida de um rei seja um crime e um pecado, de modo algum esse dado pode ser entendido fora da vontade soberana, da presciência e da predeterminação de Deus47: A ideia da soberania absoluta deDeus,presentetantonopensamentodeCalvinoquantodeBeza, impedequequalquereventosejapensadocomo

45 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.102.

46 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.112.

47 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.131.

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nãoordenadoporele.Poressarazão,mesmoumarevoluçãoouumregicídiodevemserpensados comoqueridosporDeus, ainda que isso não exima, por exemplo, a culpa do conspiradorouhomicida,equenãosignifiquetambémqueosoberanoerainíquoouirreligioso(poispodetersidomortopara se disciplinar o povo, substituindo-o por outro ainda maisiníquoouirreligioso).Masissosignificaquetambémarevolução,adesobediênciaeotiranicídiorepresentam,dealgummodo,avontadedeDeus.ComodisseCalvino,Deus

porvezes(...)suscitaalgumdeseusservosparavingaratiraniade quem injustamente os domina, livrando da calamidade um povooprimido;porvezes,paraomesmofim,suscitaofurordoshomens que cogitam uma coisa e executam outra48.

1.5 John Knox

A proposta mais radical dentre os reformadores do séculoXVIqueinvestigamosfoiadeJohnKnox,discípulodeCalvinoresponsávelporlevarareformaparaaEscócia,fundando a Igreja Presbiteriana.

Em1555e1556,KnoxvisitouaEscóciae,depoisdepregar em várias igrejas, rapidamente o protestantismo deorientação calvinista espalhou-sepor aquelepaís.Porcausa disso, os bispos católicos escoceses intimaram-no a comparecer perante uma reunião de teólogos católicos. Tendo emvistaocrescentesucessodeKnox,elafoicancelada.ComoKnoxeseusapoiadoresjáseencontravamemEdimburgopara o evento, ele decidiu pregar nesta cidade no dia em que esseoriginalmenteocorreria,15demaiode1556.Apedidodosnobresescoceses,KnoxredigeumacartaaMariaIda

48 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.900.(item30docap.XXdolivroIV).

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Inglaterra, rainha católicaquegovernoude 1553 a 1558,solicitando que fosse concedida a liberdade aos pastores protestantes para pregarem e que sua doutrina fosse ouvida porpessoas capazesde julgá-la.DepoisqueKnoxpartiuparaGenebra,osbisposcatólicosreuniram-senovamentee julgaram-no à revelia, condenando-o. Knox então escreve maisduascartas,aprimeiradestinadaànobreza,solicitandoque anulasse a decisão dos bispos, e a segunda destinada ao povo, solicitando que não permitisse que os nobres se omitissem de seu dever de indicar pastores para o povo e deprotege-los.Esses trêsdocumentos forampublicadosem1558,ereceberamrespectivamenteonomedeCarta à rainha viúva, regente da Escócia; Apelação da sentença proferida pelos bispos e pelo clero dirigida à nobreza e aos estados gerais da Escócia e,finalmente,Carta dirigida à comunidade da Escócia49.

Nesses documentos, Knox irá defender três ideias realmente revolucionárias: 1)Knoxafirmaráqueopodereclesiástico e espiritual está submetido ao poder civil e temporal;2)Knoxdefenderáa ideiadequeopovopodeexigirdosmagistradoscivisquecombatamatirania;3)Knoxafirmaráque,casoosmagistrados(nocaso,anobreza)nãodefendam o povo contra os tiranos, esse mesmo povo pode tomar em suas mãos a defesa contra a tirania.

Na Apelação da sentença proferida pelos bispos e pelo Clero, de1558,dirigidaaosnobres,Knoxafirmaque

É dever de todo homem, em sua vocação, mas predominantemente danobreza,queacompartilhacomseusreis,conterereprimiraloucuraeraivacega[dosiníquos].Oque,seanobrezanãoofizer,nemseempenharporfazê-lo(...)provocaairadeDeuscontrasi mesma e contra todo o reino no qual abusa da autoridade que recebeudeDeusparamanterasvirtudesereprimirovício(...)

49 REED,Kevin(ed.)Editor`sNote.In: KNOX, John. Selected Writings: Public Epistles,treatisesandExpositionstotheyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.438.

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Deusnãoisentaránemanobrezanemopovo50.

ExatamenteporqueairadeDeusrecaisobretodooreino(como,emIsraeleemJudá,airadeDeusrecaíasobretodoopovo,enãoapenassobreosreispecaminosos),opovopode tomar a justiça em suas mãos e punir os magistrados que se isentaremdodeverdepunirosperversos (aindaqueosperversossejamoutrosmagistrados):“Apuniçãodaidolatria não pertence apenas aos reis, mas a todo o povo”51, poisasalvaçãoeasaúdedopovo(salus publica) não compete apenas aos magistrados, mas também ao próprio povo52.

Essaposição será aindamais radicalizadanaCarta dirigida à comunidade da Escócia. Nela, Knox escreverá ao povo que

Apesar de eles serem apenas súditos, eles podem requererlegalmente de seus superiores (sejam reis, sejam senhores,governanteseautoridades)queforneçampregadoreshabilitados(...). E se neste ponto os superiores forem negligentes, oupretenderem manter tiranos em sua tirania, muito justamente o povo pode fornecer ele mesmo tais pregadores para si próprio”53. (546)

O povo tem o direito de exigir do rei que o defenda

50 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.507.

51 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.514

52 KNOX,John.LetterAddressedtotheCommonaltyofScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.548.

53 KNOX,John.LetterAddressedtotheCommonaltyofScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.546.

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contra toda injustiça, iniquidade e irreligião. Se o rei não o fizer,opovotemodireitodeexigirdanobrezaqueodefendacontraorei.Seanobrezanãoofizer,opovotemodireitodetomaraespadaemsuasprópriasmãosefazê-loporque,senãoofizer,airadeDeusrecairánãoapenassobreotirano,oiníquo,odefensordairreligião,oreiouosnobres,massobre todo o reino e, portanto, sobre o próprio povo. O povo é então responsável pelo seu próprio bem-estar.

2. Um novo conceito de soberania

HáumagrandedistânciaentreLuteroeKnox,entreo resignar-se diante da tirania com obediência absoluta ao poder formalmente instituído e o avaliar o poder edecidirobedecê-loouopor-seaele.Comoépossívelqueem tão pouco tempo, não mais do que trinta e cinco anos, os reformadores tenham mudado de maneira tão radical o seu entendimento? A resposta para esta questão está na mudança operada no próprio conceito de soberania, de seus fundamentos e origem e de seus limites.

Para verificarmos como isso ocorreu, além de investigarmosaprópriamudançadoconceito(dasoberaniadoreiàsoberaniapopular),precisamosinvestigaroproblemada relação entre o poder espiritual e o poder temporal e o problema do papel que se atribuiu de forma crescente ao poderfundamentadordarazão.

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2.1 Da separação entre o reino temporal e o reino espiritual à submissão do reino espiritual ao temporal

UmadasdoutrinascentraisdaReformaProtestanteéadoutrinaluteranadosacerdóciouniversaldosfiéis,que,apesardeseapresentaremsuaformadefinitivaapenasnoCativeiro Babilônico da Igreja, de1521, começa a se apresentar e a se estruturar já no Apelo à Nobreza Alemã acerca da situação cristã, publicado poucos meses antes de Cativeiro. Neste texto, Luteroafirmouque“todosnóssomosconsagradossacerdotespor meio do batismo”54(Apelo,12),equeoministroreligiosodifere-sedofielapenaspeloexercício(temporário)deumcargo55.Essadoutrina temumaconsequência importantepara o modo como se concebe a relação entre Direito e Religião: a diferença entre os ministros dessas duas esferas éapenasdoexercíciodopoder,enãodenatureza.

Osacerdóciouniversaldosfiéisestánabasedadoutrinados dois reinos de Lutero, pois “todos os cristãos pertencem ao estamento espiritual, e não há nenhuma diferença entre eles anão serdeofício”56, e “não há nenhuma diferença básicaverdadeiraentreleigosepadres,príncipesebispos,entrereligiososeseculares,anãosercomrelaçãoaoofícioe ao trabalho”57 .

54 LUTHER,Martin.TotheChristianNobilityoftheGermanNation.In:______. Three Treatises. Philadelphia:Fortress,1970.P.12.

55 LUTHER,Martin.TotheChristianNobilityoftheGermanNation.In:______. Three Treatises. Philadelphia:Fortress,1970.P.14.

56 LUTHER,Martin.TotheChristianNobilityoftheGermanNation.In:______. Three Treatises. Philadelphia:Fortress,1970.P.12.

57 LUTHER,Martin.TotheChristianNobilityoftheGermanNation.In:______. Three Treatises. Philadelphia:Fortress,1970.P.14.

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Se adiferença entre oshomensnão édenatureza,masde exercíciode cargos, se adiferençaentrebisposepríncipesnãoédenatureza,masdefunçõesdistintas,entãoessa distinção de funções dá origem a dois reinos, que se sobrepõem espacialmente mas que se distinguem por suas funções: o reino espiritual e o reino temporal. Se os dois reinos possuem funções distintas, apesar de se superporem espacialmente, é preciso separá-los quanto às funções, aos cargos e ao poder de cada um deles. Por isso, “nenhum assuntotemporaldeveseratribuídoaRoma,mastodosessescasos[darelaçãodossúditosdeumEstadocomopodercivil]devem ser deixados à autoridade temporal, como os próprios romanistas prescrevem em sua lei canônica, que eles próprios não observam”58. A consequência disso é a não submissão deumreino(espiritualetemporal)aooutro,comoafirmaopróprio Lutero: “Ao papa não deve ser concedida autoridade sobreoImperador,anãoserparaungí-loecoroá-lodiantedo altar, mas apenas como um bispo coroa um rei”59.

EssaposiçãoclássicadeLuteroémuitodiferentedaposição dos autores calvinistas, em especial de John Knox, para quem todo poder60 sesubmete,emúltima instância,aopodercivil.Esseargumentoécentralemseustextos,jáque ele pretende que os magistrados civis anulem a decisão dosBisposCatólicosqueocondenara.Comoeleafirma,“élegítimoqueosprofetasdeDeusapelemdeumasentençaejulgamentodaigrejavisívelaoconhecimentodomagistrado

58 LUTHER,Martin.TotheChristianNobilityoftheGermanNation.In:______. Three Treatises. Philadelphia:Fortress,1970.P.48.

59 LUTHER,Martin.TotheChristianNobilityoftheGermanNation.In:______. Three Treatises. Philadelphia:Fortress,1970.P.53.

60 Ainda que Deus não esteja submetido ao poder civil, o poder exercido pela Igrejavisível,enquantoinstituição,éexercidoporhomens,estandosujeita,portanto, às falhas humanas, e por isso, ainda que seja um poder espiritual, também está sujeita ao controle pelo poder civil.

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temporal, a quem Deus ordenou que ouvisse a causa deles e os defendesse da tirania”61. Knox apresenta dois exemplos dissonaBíblia:oprofetaJeremiasrecorreaospríncipesdeIsraeldacondenação(denaturezareligiosa)queossacerdoteslhe haviam imposto62, e é por eles absolvido. Do mesmo modo, o apóstoloPaulo recorre aCésarda condenaçãoque os sacerdotes de Israel lhe impuseram63. Seguindo o ensinamentodeCrisóstomo,Knox afirmaqueDeusnãoisentou “qualquer pessoa da obediência e sujeição ao poder civil”64,nemmesmoosministrosdopoderespiritual,razãopela qual não há independência entre os dois reinos, mas submissão do reino espiritual, no que concerne à igreja visível,aoreinotemporal,pois

Se Aarão e seus filhos [detentores do poder espiritual] se submetiamaMoisés[detentordopodertemporal],detalformaquenãofaziamnadaanãoseroqueeleordenasse,quemousariaser tãoousadoe afirmarqueopoder civil não temnenhumacompetência em matéria de religião65?

61 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.478.

62 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.479.

63 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.483.

64 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.522

65 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof

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Essa novamaneira de se conceber a relação entrepoder temporal e poder espiritual será essencial para os rumosqueasecularização,entendidacomo“diferenciaçãoeespecializaçãoprogressiva”,mastambémcomo“princípiodelegitimação”66, tomou no mundo ocidental contemporâneo.

2.2 A razão como fundamento do direito

Todos os reformadores apontarão a existência de limites racionais ao conteúdodosmandados edas leis exaradaspelosgovernantes.Esses limites foramestabelecidosporDeus,epodemserconhecidosnanatureza.JáLutero,porexemplo,afirmavaque“odireitoescritodeveriaficarsujeitoàrazão,poissurgiudela,queéafontedetodoodireito.Nãodeveria fazer a fontedependerdos arroiozinhos67 e aprisionararazãocomletras”68.

A Confissão de Magdeburg fornece três argumentos que indicam o dever de os mandados do governante serem fundamentadosnarazão.Emprimeirolugar,omagistradoé ordenado por Deus e, por isso, quando não segue sua lei, que funciona como um limite e como fonte de legitimação material, não é mais uma ordenança de Deus, mas do demônio69.OsegundoargumentoafirmaqueCristoseparouo reino temporal e o reino espiritual, mas submeteu ambos aopoderepré-desígniodeDeus.Quandoomagistradonegaisso, afastando-se do que Deus deseja para seu povo, está

1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.495.66 MARRAMAO,Giacomo.Poder e secularização: As categorias do tempo. São

Paulo:UniversidadeEstadualPaulista,1995.P.3167 A tradição e os costumes.68 LUTERO,Martinho.Da autoridade secular:Atéqueponto se lhedeve

obediência. In:BONI,LuisAlbertode(org.).Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino .Petrópolis:Vozes,2000.P.123.

69 AMSDORFF,Nicholasvonet alii. The Magdeburg Confession.Trad.MathewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.59.

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sujeitoàvingança, realizadapormeiodemãoshumanasescolhidasporDeusparaessefim70. O terceiro argumento dizqueemGênesis,capítulo9,aquelequederramarsanguehumano, terá seu sangue derramado71.CrerqueDeusnãonosautorizaanosrebelarmoscontraomaueatiraniaseriacrerqueDeusautorizaoprópriomau,poisDeussemprepuniu osmaus governantes,muitas vezesdiretamente,muitasvezespormãosdeoutroshomens.

Calvinotambémacreditaqueexistamlimitesmateriaisao poder domagistrado, que se revelampela razão72. Essa ideia influenciaráos calvinistasque lhe sucederam,comoBezaeKnox.ParaBeza,quandoossúditostêmsuaconsciênciaperturbadapornão compreenderema razãode ser de uma norma aparentemente injusta, eles podem (edevem,dizBeza)exigirqueosoberano lhesapresentearazão(oua“equidade”,parausarsuaterminologia)daobediência73.Knox tambémafirmaque a razão, e não avontade apenas, é o fundamento da obediência, e portanto a faltaderazãopodemotivarefundamentaradesobediênciadossúditos74.

70 AMSDORFF,Nicholasvonet alii. The Magdeburg Confession.Trad.MathewColvin.NorthCharleston:CreateSpace,2012.P.65.

71 Note que essa lei foi estabelecida antes da lei mosaica, que era uma lei que se aplicariaapenasaopovoquefazumpactocomDeus,ouseja,aosJudeus.Alei que exige que o sangue derramado seja aplacado com o derramamento do sangue do criminoso, que integra o que se chama de Lei de Noé, é, portanto, uma lei que vale universalmente.

72 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.897.(item25docap.XXdolivroIV).

73 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.101.

74 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.505.

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AvisãopositivaqueCalvinoeoscalvinistastêmacercadoEstado,emcontraposiçãoàvisãoclássicaluterana,paraquemoEstado éummalnecessário, implicaumanovaconcepçãoacercadoqueéopodercivil.Estenãoé,paraCalvinoeseusseguidores(eaindamaisparaestes),apenasa violência75,poisarazãopoderevelaroqueéocertoasefazer.Opoder,então,passaaserconformadopelarazão,epassa a ser um mecanismo da construção do reino de Deus na Terra. Por isso, entre os reformadores há a convicção de que a autoridade não se sustenta apenas na vontade do soberano.Osoberanoincapazdeapresentarrazõesparasuasordens perde o substrato do fundamento de seu poder, pois suavontadeseidentificacomcaprichose,segundoKnox,deve ser desobedecida.

2.3 Soberania popular, contrato social e (des)obediência

OtextodeBezarevelaque,paraalémdeargumentosbíblico-teológicos,aalteraçãodaorientaçãodosreformadoresacerca da autoridade civil não pode se ser compreendida semanalisarmosaalteraçãodateoriapolíticaoperadapelafilosofiamoderna.

OpontodepartidadeBezaéqueopoderdogovernantenão é na sua origem natural, mas fruto do consentimento dadopelossúditos,e,portanto,deumcontrato.Portanto,muito mais do que teológico, ou mesmo moral, seu poder possuiumanaturezapolítica:

Começoapontandoqueospovosnãoseoriginamnosgovernantes;que os povos, tenham eles escolhidos serem governados por um únicopríncipeouporumgrupodenotáveis eleitos, sãomais

75 Seopodercivilfosseapenasaviolência,nãoseriapossívelseoporaele.

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antigosqueosgovernantes;e,seguindoisso,queaspessoasnãosão criadas para os governantes, mas ao contrário os governantes (sãocriados)paraaspessoas76.

Podemos falar da existência de um protocontratualismo emBeza:comoaorigemdopoderdoreiéoconsentimentodossúditos,éumcontrato(entendidonãocomoumahipóteseregulativa, como será interpretado pelos contratualistas do séculoXVIIeXVIII,mascomoumeventoreal,histórico)queexplicaadistribuiçãodopoderemumadadasociedade.Essecontrato, no entanto, é um contrato sem qualquer reserva, e portantoumaveztransferidoopoderdopovoaosoberano,nãomaisépossíveloexercíciodequalquercontroleporpartedo povo sobre seu poder. Se esse poder se corrompe, o povo nãopodeaprincípioinvocarumacláusularebus sic stantibus epretenderqueopoderdoreinãosejamaislegítimo.Pensarocontrárioseriaautorizarqueopovoabandonasseocontratoeretornasseàsituaçãoanterior,caóticaepoucocivilizada,onde a maldade particular imperava, o que seria ainda pior doquesuportaroreiinjusto,masformalmentelegítimo:

Umgovernantequefoireconhecidopeloseupovopodeabusarde seudomínio e ainda reter suaautoridade sobreos súditosprivados, porque a obrigação de obedecê-lo foi publicamente contratada pelo consentimento comum e não pode ser desfeita ou anulada pela vontade dos particulares. Se não fosse assim, problemasinfinitosaindapioresqueaprópriatiraniaocorreriam,e milhares de tiranos surgiriam sob o pretexto de se extinguir um77.

HánoentantoduasexceçõesparaaindissolubilidadedocontratoquedáorigemaoEstado:Aprimeiratrata-se

76 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.104.

77 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.109.

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do caso do governante usurpador, que toma o governo ilegitimamente, pois “aqueles que, por força e fraude, usurparam o poder que não lhes pertence por direito não são reislegítimos”78.Comoopovonãopossuinenhumvínculocontratual com o usurpador, ele não lhe deve obediência. Nesse caso,

Ocidadãoprivadodeveapelar aomagistrado legítimode talformaqueoinimigopúblicopossaserrepelidopelaautoridadepública(...).Masseosmagistrados,porconivênciaouqualqueroutra causa, falharem em seu dever, então cada cidadão privado podeexercersuaforçaparadefenderasinstituiçõeslegítimasdeseupaís79.

Emsegundolugar,nemtodososcomandosqueridospelosoberano(formalmente)legítimosãodefatoautorizados.SegundoBeza, a equidade,ou seja,o justonatural, éumlimiteparaoconteúdodoscomandosdosoberano,porqueseria absurdo pressupor-se que o povo daria o consentimento para fazerde alguémgovernante se isso representasse asupressão de sua liberdade e de seus direitos80. Deve ser desacreditada, portanto, a ideia corrente de que “a vontade doreisejasempresuficienteparaossúditos,umavezqueissonãosefundanemnarazão,nemnousoestabelecidodasmonarquias”81. Se a vontade é o que explica a transferência

78 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.105.

79 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.107.

80 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.109.

81 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.132.

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fáticadopoderdopovoparaogovernante,éarazãoqueautoriza o povo legitimamente a transferir, pela vontade, o poder aogovernante. E se opovonãopode lançarmãode armas para destituir o mau governante legitimamente investido de seu poder, ele pode recorrer aos magistrados menoresparaqueessesolivremdotirano.E

Apesar de os magistrados estarem sob [o poder de] o soberano, no sentido de receberem ordens dele, serem instalados nos cargos e aprovados por ele, eles se submetem não propriamente aosoberano,masàsoberania.Eisporque,quandoomagistradosoberano morre, eles no entanto permanecem no cargo, assim comoasoberaniaemsimesmapermaneceintacta.(...)éportantoevidentequeháumaobrigaçãomútuaentreosreiseosoficiaisdo reino, que o governo do reino não está exclusivamente nas mãos do rei, mas apenas a .parcela soberana do poder está em suasmãos,quecadaoficialtemumapartedopoderligadaaoseupostoegrau,equehácondições(paraoexercíciodopoder)bemdefinidastantoparaosoberanoquantoparaosoficiais82.

EsseargumentotambéméapresentadoporKnox,paraquem a função dos magistrados não é servir ao rei, mas servi-lo(comoummeio)para(ofimdesealcançar)aglóriadeDeuseapreservaçãodacomunidade.DizerqueafunçãodosmagistradoséserviraoreiparaaglóriadeDeussignificaqueexistemlimitesreveladospelarazãoacercadoconteúdodeseupoder,edizerquesuafunçãoépreservaracomunidadesignificaqueexistemlimitesformaisaoexercíciodopoderpelomagistradoqueserealizamnavontadedopovoqueotorna magistrado83.Porisso,afirmarqueDeussempreordena

82 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.111.

83 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.504.

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obedecermos ao magistrado, em especial ao soberano, seria umablasfêmiaequivalenteadizerqueDeusordenacoisasiníquas84.

Bezaentendequeocontratoquetransfereopoderdopovoparaosoberanoserealizapormeiodosestadosgerais,e que

em todos os acordos baseados apenas no consentimento das partes contratantes, a obrigação pode ser rompida por aqueles que possuemumarazãosuficiente–doqueseseguequeaquelesquepossuemodireitodefazerumrei,tambémpossuemodireitodedepô-lo, [... e que esse direito torna-se aplicável quando] existir algumaocasião [...]emqueaobrigaçãoanula-seasimesma–quandohouveumaflagranteviolaçãodascondiçõesessenciaisem função da qual a obrigação foi contratada 85.

Se o povo não possui o direito de invocar a cláusula rebus sic stantibus para cassar o poder do tirano, os estados gerais,noentanto,podemfazê-lo.Umaprovadissoéquemesmoopapaestásubmetidoaoconcílio,quepodedepô-lo,comofezoconcíliodeConstançaem1417,paraporfimao Grande Cisma86.

Oproblemadocontrato,porsuavez,levaaoproblemadasubmissãodogovernanteàlei.BezaobservainicialmentequenuncahouveumreinaBíbliaquenãofossecorruptoou tirânico87, e que mesmo o grande rei Davi providenciou

84 KNOX,John.TheAppellationfromtheSentencePronouncedbytheBishopsandClergy:AddressedtotheNobilityandEstatesodScotland.In: ______. Selected Writings: PublicEpistles, treatisesandExpositions to theyearof1559.Dallas:Presbyterianheritage,1995.P.505.

85 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.124.

86 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.129.

87 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).

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umplanoparatiraravidadeseufielservoUriasparaqueDavipudesseseuniràviúva,Bate-Seba.Osreissãoassimprovavelmenteporquenelesavontadesuplantaarazão88. A vontade deveria ser sempre a vontade do povo que o constitui,revela-oarazão,masoreiacabasuplantandoessavontadepelasuaprópriavontade.Aúnicaformadeseevitarque o rei se corrompa pela sua vontade é submetendo-o à lei.Bezaafirma,portanto,oprimadodaleinogovernonão-tirânico:

Dizerqueosoberanonãoestejasubmetidoàleiécertamenteumamáximafalsadeaduladoresdetestáveis,nãodeumsúditolealaseupríncipe.Aocontrário,nãoháumaúnicaleiaqueogovernantenãoestejaligadonacondiçãodeseugoverno,umavezqueelejurouseroprotetoreopreservadordetodas(asleis)89.

Essaé,portanto,aprimeiraestratégiaparasecombatera tirania: compreender o poder do rei como originado por um contrato que o obriga a submeter-se à própria lei. A segunda estratégia para controlar o poder é dividi-lo entre o magistrado soberano e os magistrados menores. EssadoutrinaapareceupelaprimeiraveznaConfissão de Magdeburg.EssadivisãodopoderédefendidanaConfissão tantoporumargumentodedireitoprivado (o contratode vassalagem entre o rei e os nobres, que divide o poder daquele comesses)quantoporumargumentodedireitopúblico(anecessidadedesecompreenderoimpériocomoumafederaçãocentrípeta,formadapelauniãodosdiversosdomíniosdosmagistradosmenores).Opoder,portanto,

Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.116.

88 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.117.

89 BEZA,Theodore.RightoftheMagistrates.IN: FRANKLIN,JulianH.(ED.).Constitutionalism And Resistance In The Sixteenth Century: ThreeTreatisesbyHotman,Beza,&Mornay.NewYork:Pegasus,1969.P.113.

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é dividido e partilhado entre o soberano e os magistrados menores,eéissoqueautorizasuaresistênciaàtirania.

Essaideiajáeracompartilhada,emumcertosentido,porCalvino,paraquem,seaaristocraciaseriaidealmentea melhor forma de governo, e a monarquia seria a pior de suas formas, na prática é a democracia a melhor forma de governo, porque implica a maior divisão do poder pelo maior númerodepessoas,afastando-seassimainfluêncianefastada vontade individual sobre o poder:

é verdade que um rei, ou outra pessoa investida de autoridade única,facilmentecaianatirania;éfáciltambémqueosnobresseconluiamparacriarumgovernoinjusto;maisfrequenteaindasãoassedições,quandoopovoassumeopoder.Comparando[as]trêsformasdegovernos,serápreferívelqueopoderestejanasmãosdaqueles que sabem governar mantendo a liberdade do povo, visto que raramente se constata, sendo quase um milagre, que os reis consigam controlar a sua vontade sem jamais se afastarem dajustiçaedaretidão.(...)Porisso,nafaltadehomensaptos,etambém por causa do pecado, a forma de autoridade mais segura costuma ser adeumgoverno constituídoporpessoasque seajudammutuamenteeseadmoestamnoexercíciodoseudever;e se alguém se exalta mais do que é justo, muitos são os censores e mestres que coibirão esse desregramento90.

Isso significa que amudança na atitudediante daautoridade civil corresponde a uma alteração do próprio conceito de soberania, entendido antes como um atributo pessoal do rei e, já em meados do século XVI, como soberania popular. Não é coincidência, portanto, que possamos estabelecer uma gradação que vai de Lutero a Knox, passando porCalvinoeBeza.QuantomaispopulareraoprocessodeReforma, mais a compreensão dos limites da autoridade civilseaproximavamdasoberaniapopular.EenquantoaReforma, na Alemanha, foi um movimento de nobres, e não

90 CALVINO,João.A Instituição da religião cristã. SãoPaulo:UNESP,2009.TomoII(livrosIIIeIV).P.881.(item8docap.XXdolivroIV).

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de quaisquer nobres, mas dos nobres da mais alta estirpe, os PríncipesEleitores,aReformanaEscóciafoiempreendidapelo povo91.DaíanecessidadedeKnox,diferentementedoque ocorre com Lutero, que escreve sempre aos nobres, de escreveraopovo.Edaísuareivindicaçãodequeopovo,origem,emúltimainstância,dasoberania,pudessetomarem suas próprias mãos o combate à tirania.

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Marcelo Campos GaluppoE-mail: marcelogaluppo@uol.com.br

Recebido em 06/12/2018

Aprovado em 09/05/2019

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