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VIDA DE SANTA FLORA “VIE DE SAINTE FLEUR” CURÉ DE SAIN MERRY MONS. CHANOINE GALLAY du Clergé de Paris 1938 Tradução: MADRE HILDA BERND Religiosa da Congregação Santa Teresa de Jesus Porto Alegre 1980 Com a aprovação eclesiástica Vigário Geral de Cahors. França Cahors. 28/08/1938 Imprimatur – Cahors 02/09/1938

A Vida de Santa Flora

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Page 1: A Vida de Santa Flora

VIDA DE SANTA FLORA

“VIE DE SAINTE FLEUR” CURÉ DE SAIN MERRY

MONS. CHANOINE GALLAY du Clergé de Paris

1938

Tradução: MADRE HILDA BERND

Religiosa da Congregação Santa Teresa de Jesus

Porto Alegre

1980

Com a aprovação eclesiástica Vigário Geral de Cahors.

França Cahors. 28/08/1938

Imprimatur – Cahors 02/09/1938

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Porto Alegre, 12 de julho de 2010

A tradução da Vida de Santa Flora, do original datado de 1938, foi um

trabalho desenvolvido em 1980, pela Madre Hilda Bernd da congregação

Teresina de Porto Alegre. Esta freira inaugurou em 1977, na Paróquia Santa

Flora - situada na rua de mesmo nome, no Bairro cavalhada, em Porto Alegre -

o apostolado da Legião de Maria. Este texto traduzido sobre a vida de Santa

Flora foi apresentado ao apostolado sendo entregue à Irmã Legionária

Teresinha Souza, hoje vice-presidente do Praesidium da Paróquia, que o

entregou após a leitura, ao pároco da época, Pe. João Poletto.

O trabalho datilografado ficou guardado durante muitos anos vindo ao

conhecimento de toda a comunidade na festa de Santa Flora, realizada de 9 a

13 de junho, deste ano de 2010, pelo atual pároco, Pe. Armando Furlin. Para a

festa, a Legião de Maria, por meu intermédio, editou um pequeno vídeo que

ilustrou a vida de nossa padroeira. Para tanto, se fez necessário disponibilizar

o referido texto e a leitura da única referência bibliográfica que encontramos, e

que hoje, na paróquia é considerado um verdadeiro tesouro.

Com a intenção de garantir a perpetuação desta importante história e

divulgar mais informações sobre a vida de nossa padroeira com fácil acesso,

digitei o texto que ficará preservado nos arquivos de nossa paróquia sob a

guarda e responsabilidade do pároco que o disponibilizará da forma e meio que

considerar adequados.

Próprio de um trabalho de tradução e, em especial, de uma obra antiga,

o texto nos apresenta algumas características que dificultam a sua

compreensão fazendo-se necessário algumas alterações gramaticais e de

formatação. Contudo, encontrei algumas questões não me foram possível

solucionar como a falta de referências nas citações, bem como as referências

bibliográficas que estão incompletas. Não me foi possível também, fazer a

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confirmação dos nomes próprios apresentados que, às vezes, se mostram com

grafias diferentes.

Estas observações, no entanto não encobrem o brilho de tão importante

trabalho da saudosa Ir. Hilda que pela graça de Deus nos permitiu conhecer

mais a vida de nossa padroeira, garantindo a admiração e devoção dos

paroquianos e de mais cristãos que sabem valorizar a transcrição das obras de

Deus em vidas como a de Santa Flora.

Espero que o desejo de nossa tradutora, aqui apresentado e que esta

nova versão possam chegar às suas mãos e, principalmente ao seu coração.

Salve hoje e sempre Santa Flora!

Lia Conceição Mineiro de Souza Magalhães Legionária de Maria da Paróquia Santa Flora.

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“Ofereço ao Julinho, o fruto do meu trabalho de três meses. Que esta leitura eleve ao céu as almas dos leitores”.

Ir. Hilda Bernd

Porto Alegre, 17 de maio, de 1980.

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Santa Flora (da Ordem de São João de Jerusalém) nasceu em 1309.

Partiu desta vida mortal para a vida imortal com cerca de 38 anos de idade, no

ano de 1342, no mosteiro chamado Hospital, em Beaulieu.

Deus a honrou com muitos milagres na vida, na morte e depois desta.

Seu corpo é ali venerado com muita devoção, e sua festa é celebrada com

grande afluxo de povo no dia 11 de junho.

Conta-se que o nome de Sta. Flora lhe foi dado por ocasião de um

milagre, quando na sua grande caridade, levou pães aos pobres e, perguntada

pela Prior o que estava carregando, mostrou a ela rosas e flores.

A Ordem de São João de Jerusalém foi fundada nessa mesma cidade,

no Hospital dedicado a S. João Batista, fundado em 1048. Em 1099 os

cruzados conquistados Jerusalém; cavaleiros entram na Ordem. Fundam-se

conventos no sul da Itália e na França.

O hábito das religiosas era o seguinte: hábito vermelho com a cruz

branca sobre o peito e manto preto com a cruz dos joanistas.

Mais tarde, quando os cruzados perderam, Rodes, trocaram o hábito

vermelho pelo marrom, e o manto preto pelo amarelo, deixando ambas as

cruzes.

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ÍNDICE

Prefácio.................................................................................................. 07

1. A FLOR DA BELEZA MORAL ............................................................ 09

2. A FLOR DA LAREIRA FAMILIAR...................................................... 13

3. A FLOR DA IDADE MÉDIA................................................................. 18

4. A FLOR DO HOSPITAL DE BEAULIEU............................................ 24

5. A FLOR DO CALVÁRIO..................................................................... 31

6. A FLOR DO AMOR DIVINO............................................................... 35

7. A FLOR DO PARAÍSO....................................................................... 39

8. A FLOR DA IGREJA.......................................................................... 43

9. FLORESCEI EM BELEZA PARA FRUTIFICAR EM BONDADE....... 46

10. DESEJO SACERDOTAL................................................................. 51

11. GLÓRIA A DEUS NO MAIS ALTO DOS CÉUS............................... 53

12. LADAINHA DE SANTA FLORA....................................................... 56

BIBLIOGRAFIA....................................................................................... 69

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PREFÁCIO

Nós lemos nas Sagradas Escrituras estas encantadoras palavras: “Fazei

desabrochar vossa flor como o lírio e exalai vosso perfume”.

Os escritores sagrados, que sob a poesia das coisas criadas nos

revelaram esplendores reais das verdades sobrenaturais e se serviram,

freqüentemente, para melhor se fazer compreender, de símbolos comparações,

emblemas e de analogias, de imagens e de metáforas. A descrição da flor com

suas variedades e suas espécies, seus matizes e seu colorido sua

magnificência e seu brilho, voltam freqüentemente sob suas narrações.

A flor, não é ela, no reino vegetal o que há de mais encantador e mais

suave? Vede, dizia Nosso Senhor Jesus Cristo a seus Apóstolos, vede os lírios

do campo como eles crescem! Nada é tão belo nos campos como os prados

esmaltados de flores sob o calor acariciante do sol, vê-se e flor aparecer

pouco a pouco se matizar e espalhar seu perfume. A Flor é o sorriso de Deus!

Nosso Senhor Jesus Cristo, não é Ele a flor da Divindade? Ele é, em Belém a

flor em pleno campo, a flor do Eterno Amor!

Uma outra imagem empregada pelos autores sagrados é a do fruto.

Entretanto, dizia São Paulo aos romanos: “fostes libertados do pecado e vos

tornastes filhos de Deus, tendes agora, por fruto, vossa santificação. Os frutos

do Espírito Santo são, a justiça, caridade, alegria, paz, bem-aventurança, a

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bondade, a paciência e a doçura”, dizia então, o apóstolo aos primeiros

cristãos.

Da mesma forma que a árvore nas Campinas, na primavera se cobre de

flores enriquecidas e matizadas de variadas cores e muda pouco em frutos

dourados e saborosos, assim o discípulo de Cristo deve, na primavera da vida,

ornar sua lama dos encantos da virtude e produzir, `a medida que toma

consciência de suas responsabilidades, frutos abundantes de santidade.

Todos estes pensamentos o Soberano Pontífice Pio XI os resumia

admiravelmente nestes termos: “Florescei em beleza para frutificar em

bondade”. Estas palavras do Augusto Vigário de Jesus Cristo têm

surpreendente aplicação na nobre vida de Santa Flora, ilustre e simpática

Padroeira da piedosa Paróquia de Issendolus, na França. Flor do lar familiar do

Hospital de Beaulieu. Flor do Calvário e do amor divino, “ela floresceu em

beleza para frutificar em bondade”.

O grande naturalista Linneu dizia um dia: “Eu vi passar Deus numa flor”.

Estas palavras encontram uma realização superior na pessoa de nossa querida

Santa Flora. Flor viva, deliciosamente ornada dos dons da graça e santuário

amado da Santíssima Trindade, ela respondeu perfeitamente ao apelo de

Nosso Senhor Jesus Cristo: “Se alguém me ama e guarda minha Palavra, meu

Pai o amará e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada.”

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CAPÍTULO 1

A FLOR DA BELEZA MORAL

Santa Flora teve o insigne privilégio de nascer no seio de uma família

profundamente cristã.

Ela, por isso, agradecerá a Deus por toda a sua vida, considerando esta

graça como benefício supremo de Deus.

Seu pai chamado Pons de Corbie, sua mãe chamada Melhors, eram

todos dois religiosamente apegados a sua Fé cristã. Dez brancas flores

germinaram e desabrocharam nesse delicioso jardim sob o orvalho fecundante

das bênçãos divinas. Entre sete filhas, quatro foram religiosas da Ordem de

São João de Jerusalém e a honraram por suas virtudes.

Nascida em 1309, em Maurs, no Cantal, uma das mais belas regiões da

França, Flora cresceu no meio familiar rodeada de devotamento e dos

exemplos dos piedosos pais, ternamente amados.

A cidade de Maurs está magnificamente edificada a 260 metros de altura

sobre uma colina entre os vales de Rance e o riacho de Arcombes a pouca

distância do Departamento de Lot, sobre a estrada de Aurillac e Figeau. Seu

belo aspecto lembra Naím, a encantadora cidade da Palestina que no tempo de

Nosso Senhor Jesus Cristo levava o nome nobre de graça e beleza. A seus pés

estendem-se vastas pastagens e terrenos que os habitantes cultivam com

cuidado.

Construída sobre as alturas da cidade, a Igreja contemporânea de Santa

Flora é do século XIV. Ela possui obras de arte, no meio das quais estátuas

finamente esculpidas e painéis de madeiras notáveis.

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Em 1895, os habitantes de Maurs dedicaram à Santa Flora um sino cujo

bronze leva esculpida a piedosa súplica em língua latina “Santa Flora, gloriosa

filha da cidade de Maurs, rogai por nós.” O Vigário atual de Maurs, o cônego

Guirbaldie, fiel às tradições de seus predecessores conserva o culto de Santa

Flora. Este digno sacerdote celebra muito piedosamente sua festa cada ano, no

domingo que segue o dia 5 de outubro. A jornada começa por uma missa de

Comunhão e no fim da novena por uma Missa solene acompanhada de belos

cantos litúrgicos. Acaba-se a festa pela procissão com as relíquias da Santa

que se desenvolve com magnificência através de uma multidão religiosamente

recolhida e piedosa.

Em razão de seu nascimento em Maurs, a Santa é inscrita no catálogo

dos Santos de Cantal. Ela tem sua festa e seu ofício. O Bispo de Saint-Flours,

S.Excia. Mons. Lecoeur que é rodeado de veneração e da afeição de todos os

seus, se encontra feliz de ter entre os santos de sua diocese a Santa Flora e lhe

rende todos os anos muitas e fervorosas homenagens.

Estas crônicas designam como lugar do nascimento de Santa Flora, uma

casa da cidade, hoje pertencente à casa de Falvelly, outros lhe dão como berço

no território de Chaule, o castelo de Marle. Este castelo foi destruído pela

revolução. Uma gravura inserida nestas páginas representa suas crianças de

uma família de Chaule.Em baixo o castelo, em ruínas. A menina com seu franco

sorriso nos parece ser, como uma visão, a Santa Flora quando criança.

Os pais de Flora, dignos cristãos, possuíam no vale um vasto domínio

que eles cultivavam. Seu elogio se encontra formulado num trabalho premiado

pela Academia Francesa, intitulado: O Velho Quercy. O autor, o abade Sol,

arquivista muito erudito, bispo de Cahors, dotou a diocese de importantes

trabalhos. Encantado pelo esplendor de Quercy, depois de ter elogiado a Fé

religiosa de seus habitantes, ele escreve estas linhas:

“Quem não amará estas paisagens e os ricos vales de uma região onde se encontram, a cada passo, o lavrador traçando com o arado o campo, e a camponesa de cabelos esbranquiçados e longo manto azul guardando suas ovelhas? Toda esta brava gente laboriosa sabe de uma maneira enérgica, disputar sua vida numa terra ingrata.

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Evocar a graciosa fisionomia de Santa Flora, é recordar a lembrança de um grande mestre num quadro onde as cores mais ricas e mais variadas se apresentam nos traços de uma imortal e soberana beleza. Lá, em uma doce luz se refletem e se penetram, se fundem e se harmonizam todos os matizes da perfeição ideal das grandezas brilhantes e as qualidades e os dons sublimes da virtude escondida. Fazei reviver esta lembrança e vós descobrireis com enlevo os esplendores de um magnífico espetáculo.”

Mas antes de entrar na narração de alguns feitos da admirável vida de

Santa Flora, lembremo-nos da verdadeira noção de beleza. A beleza se revela

a nós como o reflexo de um espelho e dos esplendores das perfeições divinas.

Este esplendor tanto mais brilhante e tanto mais doce e gracioso, nos enleva,

nos cativa e nos fascina.

Quem tem, por exemplo, sentido uma viva impressão diante de um

bosque florido, estes carvalhos antigos, estas faias carregadas de folhagens ou

os pássaros cantando para São Francisco e trinando alegremente? Tanto é

verdade que o contato com a natureza que, segundo a expressão de um poeta

é a vizinhança com Deus, nos enleva e nos emociona.

São Francisco de Sales no seu Tratado do Amor de Deus nos Diz: “O

belo é aquilo cujo conhecimento nos satisfaz e nos agrada. O belo, é ainda, o

esplendor do verdadeiro.” Acrescente-se a ele: a beleza espiritual , moral e

sobrenatural torna sempre o olhar mais belo, o sorriso mais doce, o tom de voz

mais harmonioso, a fisionomia mais viva; mostra a elevação da alma superior a

tudo que deve ter fim. Quanto a beleza física, é um bem efêmero, o mais frágil

de todos. Semelhantes a certas flores que têm na manhã da vida um certo

brilho, depois, murcham, secam e desaparecem rapidamente. A beleza moral,

dizia o Padre Lacordaire “é a harmonia do belo e do verdadeiro em uma lama

confundindo um com o outro”. A beleza moral é feita no interior por pensamento

elevados e por palavras delicadas e amáveis no exterior. A beleza moral supõe

na sua plenitude o esplendor, a ordem e a harmonia. Esta beleza luminosa é

ainda, feita de lembranças refletidas daquilo que há de divino em nosso interior.

O Divino em nós e nos outros é a alma imortal, a graça e a amizade com Deus,

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é a dignidade e a santidade da criatura, imagem de Deus. Quem não ficou

preso de admiração diante das nobres fisionomias de santos sobre os quais se

refletem os pensamentos, os sentimentos e as emoções de suas almas

enamoradas da perfeição cristã? Quem não estremeceu nas profundidades de

seu coração contemplando religiosamente Aquele que a Sagrada Escritura

chama “O mais belo dos Filhos dos homens”?

Jesus é a suprema beleza, pois Ele é a irradiação da glória Divina, não

só seu reflexo, mas seu esplendor. Está em Jesus Cristo a beleza e a

harmonia do bem e da verdade no esplendor de sua plenitude. Jesus é belo no

seu aniquilamento, na sua Encarnação e no seu nascimento. Jesus é belo na

graça de sua infância. Jesus é belo na sua pobreza voluntária, na sua

obediência devotada ao Pai, na sua paciência admirável, na sua doçura

inalterável. Ele é belo na brancura de sua pureza, como na púrpura de se

Sacrifício. Ele é belo na retidão de seus julgamentos como na ternura de seu

amor. Ele é belo na eloqüência de seus discursos como no silêncio de sua

Paixão.

Que diremos agora, da beleza moral da SSma. Virgem? Em que êxtase

entra Miguel Ângelo diante da candura imaculada da Virgem? Ela é tão bela

que ninguém pode contemplá-la sem experimentar seu encanto. Que impressão

não sentiremos diante da incomparável beleza da Rainha de todos os Santos?

Certamente, diz Bossuet, era conveniente que a Humanidade de Cristo, por

causa de sua união com a Divindade, resplandecesse com todas as perfeições

da natureza, como da graça. Ele foi assim privilegiado com uma beleza, de

alguma forma divina. Maria é tão bela que os Anjos ficam em êxtase diante

dela. Que digo eu? O próprio Deus se encanta com a Beleza de Maria. Ele a

compara ao que há de mais gracioso na criação e a considera como a mais

bela flor do gênero humano e a perfeita imagem de seu Filho.

Santa Flora experimentou uma imensa satisfação ao contemplar este

sublime ideal de perfeição. Ela floresceu, pois em beleza para frutificar em

bondade.

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CAPÍTULO 2

FLORA, A FLOR DA LAREIRA FAMILIAR

A família cristã é um santuário onde nascem, crescem e desabrocham

corações, nobres e fortes, grandes e generosos. Nascida do sopro de Deus,

protegida e vivificada pela Igreja, a família guarda como um depósito sagrado o

tesouro dos princípios evangélicos. Ela guarda por si mesma a saúde do

mundo. Embalsamada pelo perfume da religião, santificada em sua origem pelo

sacramento que confere a graça e reabilitada por Nosso Senhor Jesus Cristo, a

família aparece sobre a terra em todo seu esplendor e majestade do ideal de

beleza que a graça confere.

No santuário familiar, Flora brilha com um vivo clarão e irradia as virtudes

de Nazaré e espalha os encantos maravilhosos de sua alma. Santa Flora tinha

o espírito aberto e cultivado sedenta de luz e de verdade, inimiga do erro e da

mentira. Além disso, ela estava dotada das vantagens da fortuna. Longe de se

prevalecer de tanto bem, ela os imola à glória de Deus e em proveito dos

pobres. De uma docilidade perfeita em consideração a seus pais, ela luta

energicamente contra o egoísmo natural e contra os defeitos inerentes à sua

idade.

Os primeiros anos de Flora passaram deliciosamente. Ah! – dizia ela

mais tarde – como passaram tão rapidamente estes anos ensolarados de minha

infância! Quão boa e suave impressão deixaram em minha alma!

Semelhante a São Francisco de Assis, a jovem experimentava uma

religiosa emoção na presença das maravilhas e dos mistérios da natureza.

Flora as celebrava em doces melodias e glorificava nelas o Divino artista. A

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Santa recolhia piedosamente as lições que cada estação lhe trazia: o outono

com sua melancolia; o inverno, com suas geadas, despertava em sua alma a

visão severa da passagem das coisas deste mundo e os graves ensinamentos

do velho Simeão Nun Dimittis; a primavera com suas promessas; e o verão com

suas riquezas reanimavam nela as esperanças da felicidade eterna.

Flora vivia feliz nesta terra amada de Quercy que seus antepassados

tinham fecundado com seus trabalhos, e sobre a qual eles tinham chamado as

melhores bênçãos de Deus. Admirável espetáculo que oferecia a seus olhos

límpidos e puros esta região privilegiada e querida do céu, enchia sua alma de

encantadora alegria. Com efeito, os belos dias inundados de sol, revelavam à

piedosa menina os campos esmaltados de flores e carregados de frutos a

vasta campina que se estendia coberta de messes douradas, de prados

ondulantes de frutos maduros e de carvalhos e faias de aspecto majestosos.

Vibrando de alegria, a Santa adorava Aquele que sendo o esplendor da

glória do Pai, o imprime de sua substância e sustenta todas as coisas por sua

poderosa Palavra. Santa Flora, cujos sentimentos eram tão harmoniosos e tão

elevados, possuía também toda a delicadeza de uma piedade verdadeira,

sincera e esclarecida do amor de Deus, de zelo por sua glória e devotamento

pelo próximo. A Santa estava animada de uma atividade sobrenatural por tudo

aquilo que se referisse aos interesses superiores da Religião. Este entusiasmo

sublime de sua alma dava aos seus sentimentos, às suas palavras e às suas

obras uma suavidade, um vigor e um remate que provocavam em seu redor a

simpatia, a admiração e a afeição.

Sempre atenta a dar prazer a Deus, Flora achava no cumprimento de

seus deveres uma fonte incomparável de felicidade. Ela experimentava por

Deus, não somente respeito, admiração, mas um completo abandono e uma

confiança muito filial. Era com estes sentimentos de inefável ternura que ela

dirigia a Deus a prece por excelência: “Pai Nosso que estais nos céus.” Depois

elevando sua alma a Santíssima Virgem ela dizia com amor de criança para

com sua mãe “Eu vos saúdo Maria cheia de graça”.

O primeiro encontro de sua alma com o Divino Mestre no Banquete

Eucarístico, foi dos mais doces e consoladores. Admitida muito cedo à Primeira

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Comunhão ela se preparou com muita piedade e recolhimento e se aplicou em

crescer em bondade moral. Voltava freqüentemente à Santa mesa para aí

beber as virtudes e graças necessárias à perfeição de sua alma. Auxiliada pelos

socorros divinos, ela realiza então, o programa de sua santificação que lhe

havia traçado seu diretor espiritual, o vigário da Maurs, homem de Deus,

piedoso e esclarecido. Sinceramente devotada à pessoa de Nosso Senhor

Jesus Cristo, Flora entrava frequentemente na igreja e se prostrava ao pé do

altar e adorava profundamente a Deus de toda a bondade que, por seu amor e

por amor à humanidade, reside no meio de seus filhos sob os véus

Eucarísticos. Como outrora em Betânia, Maria Madalena escutava as Palavras

do Mestre, Flora ouvia com fervor os ensinamentos de Jesus e se alimentava

com a SSma. Eucaristia que lhe aumentava seus sentimentos de amor, fé e

confiança em Jesus Cristo. Possuidora em alto grau do sentido das realidades

sobrenaturais, Flora assistia cada dia ao santo sacrifício da Missa e comungava

freqüentemente. Seu coração era um altar de onde subia incessantemente para

Deus o perfume de suas adorações de seus louvores e ações de graças. Os

habitantes de todas as regiões de Quercy não podiam encontrar a jovem santa

sem amá-la sem submeter-se á sua feliz ascendência que era de uma alma

radiante e pura. Flora conduzia a piedade às meninas de sua idade e lhes

inspirava o posto pelas virtudes e as animava na estrada da santidade. Arrasta-

nos ao vosso seguimento -pareciam lhe dizer suas companheiras, empregando

a linguagem da Sagrada escritura - e nós vos seguiremos ao perfume de

vossas virtudes. Sólida e forte a piedade de Flora foi como uma alavanca

poderosa que elevou muito alto as virtudes cristãs das jovens. Os fatos

narrados nestas páginas rendem um preito de testemunho à vida da Santa de

Quercy. Severa para si mesma, Flora era indulgente com os outros. Sua

piedade não impedia nenhum de seus deveres, não era importuna a nenhum

dos seus e respirava sempre a bondade, a doçura e a amabilidade. Sua

conversação era agradável simples e afável, mas acompanhada de uma certa

reserva que inspirava respeito. Amando, sobretudo falar em Deus, de seu reino

e de seu serviço, ela deixava sempre a impressão de uma menina piedosa,

devota e mortificada. Sua piedade era compassiva e condescendente.

Page 16: A Vida de Santa Flora

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Percebendo um pobre mendigo, ou sabendo que um doente estava sem

recursos, logo seu coração se afligia e se aplicava então a procurar socorro e

remédio e a palavra que deviam aliviar o infortúnio e curar seu sofrimento e

elevar sua coragem no padecer lembrando-lhe o Divino Crucificado.

Em resumo, Santa Flora era profundamente generosa, isto é, de sua

raça, segundo etimologia da palavra e de raça escolhida. Ela realizava em

plenitude todos os tesouros contidos nesta eminente qualidade. Segundo livro

da Sabedoria: “Ela manifestava em todas as circunstâncias a glória de sua

origem”. Ela tinha gravado em seu coração a palavra de São Pedro aos

primeiros Cristãos: “Vós sois a raça escolhida, o sacerdócio real, a nação santa

a fim de que anuncieis as virtudes dAquele que vos chamou das trevas à sua

admirável luz”. O cristão - dirá mais tarde Bossuet, fazendo eco às palavras do

apóstolo - nasceu do ferimento de Cristo, nasceu do amor de Deus. Eis a

explicação de tudo o que há de grande, de amor generoso na natureza.

Na medida que avançava em idade, Santa Flora tomava mais

consciência da grandeza de sua origem e da nobreza de sua raça e esplendor

de seu nome. Como mais tarde, Joana de Chantal, sob a recomendação de

São Francisco de Sales, ela agradecerá a Deus cem vezes ao dia em que ela

era filha de Deus.

Flora, a pequena Irmã Teresa do Menino Jesus, do século XIV

Surpreendente semelhança liga estas duas santas que transfiguradas

pelo radioso brilho das amáveis e sublimes virtudes foram, segundo a

expressão de São Paulo a jóia e a coroa de sua família, do Mosteiro e da Igreja.

Uma e outra nascem num lar profundamente cristão, rodeadas de afeição,

solicitude e de excelentes exemplos. Uma e outra têm uma infância piedosa e

cultivada mais tarde à sombra do Claustro de onde irradia a prece, a penitência

e a caridade. Uma e outra fazem entrar em sua vida religiosa o sofrimento que

resgata e expia a prece redentora que ganha e salva as almas, a santidade

enfim que satisfaz e glorifica a Deus.

Montalembert, nas últimas páginas de seu belo trabalho Os Monges do

Ocidente escreve “Mas qual é, pois, este amável e invisível companheiro, morto

Page 17: A Vida de Santa Flora

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num patíbulo há 18 séculos que assim atrai a si a juventude , a beleza e o amor

e que aparece às almas com um clarão luminoso que atrai, ao qual elas não

podem resistir. É um homem? Não, é Deus. Eis aí o grande segredo, a chave

deste sublime mistério”. Somente um Deus pode alcançar tal triunfo e merecer

tal abandono em suas mãos, tal confiança em sua Palavra. Este Jesus, cuja

divindade é sempre insultada e negada, aprova todos os dias, entre milhares de

outras provas pelos milagres de desinteresse, de coragem e de abandono o

que se chama VOCAÇÃO. Ele nos fez de si mesmo e este sacrifício que o

crucifica não é mais que a resposta de amor humano ao amor de um Deus que

se fez crucificar por amor de nós.

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CAPÍTULO 3

A FLOR DA IDADE MÉDIA

Nascida ao alvorecer do século XIV , a piedosa religiosa do Hospital de

Beaulieu foi uma das mais belas flores da Idade Média. Sob os quentes raios

desta era, a grandeza de justiça, de fé se abriu em sabedoria, devotamento e

santidade.

O século XIII acabava em beleza, depois de ter projetado no mundo

inteiro o vivo clarão de suas magníficas instituições, de suas admiráveis

fundações e de sua prodigiosa atividade. Ele foi o século de São Luiz, o rei

cristianíssimo de 1226 a 1270, governou a França com uma iminente

inteligência, um profundo amor a seus súditos e uma elevada perfeição cristã.

Foi em 1235, sob o reinado deste ilustre soberano é que foram

construídos os edifícios do Hospital de Beaulieu, onde se manifestaram as

virtudes da humilde religiosa hospitalar de São João de Jerusalém. Entretanto,

antes de falar mais detalhadamente de Flora, convém traçar um esboço do

meio histórico onde ela viveu, isto é, a era cristã, chamada Idade Média.

Na Idade Média, sob influência felicíssima do cristianismo, a sociedade

toma uma orientação nitidamente religiosa. Tal é a nota característica.

Profundamente impregnada do pensamento e do senso de Cristo, ela trabalha

com um generoso entusiasmo e realiza no seu ambiente um sublime ideal que

o Filho de Deus propôs à humanidade.

Alimentada excelentemente da admirável doutrina do Evangelho, ela se

aplica profundamente a marcar todas as suas instituições com o cunho e sinete

de Deus. Ele forma de qualquer maneira no coração do homem a eminente

virtude da caridade que apaga as discórdias, mantém a paz e fortifica a união.

Page 19: A Vida de Santa Flora

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Em todas as ocasiões ela lembra ao mundo a palavra de ordem do Mestre:

“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.

“Amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e todo o espírito e ao

próximo como a ti mesmo”. Este é o primeiro mandamento, mas o segundo é

semelhante: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”.

Elevada por tal ideal, uma sociedade devia desabrochar aos melhores

resultados.

Montalembert no Os Monges do Ocidente consagra belas páginas para o

estudo da Idade Média. A religião, diz ele, não era relegada a um canto da

sociedade ou murada com recinto fechado de seus templos ou da consciência

individual. Ao contrário, convidava tudo a amar a religião, a tudo declarar, a

tudo penetrar do espírito de vida e depois de ter assistido as fundações de um

edifício sobre uma base inquebrantável, a mão maternal da Igreja vinha ainda

coroar o cume de sua inteligência e de sua bondade. A lembrança da redenção

e a dívida contraída com Deus pelo homem resgatado no Calvário, a incluía a

tudo e se encontrava em todas as instituições, em todos os monumentos, em

todas as almas.

A vitória da caridade sobre o egoísmo, da humildade sobre o orgulho, do

espírito sobre a matéria e de tudo aquilo que eleva a natureza, sobretudo

aquilo que se encontra impuro, nela era freqüentemente combatido. Isto

assegurava outrora, o reino da liberdade da Idade Média. Era o caráter enérgico

dos homens e das instituições. Tudo aí respirava a sinceridade e santidade de

vida. Tudo aí era pleno de seiva, de força e de juventude. Um fermento

generoso e ardente. O bem aí toma parte superior pelos esforços e sacrifícios

prolongados de uma multidão de almas admiráveis.

É preciso concluir que a Idade Média é uma época de sombras e trevas?

Certamente que não. A virtude e a felicidade não estiveram sempre no mesmo

nível da Fé? Ao lado de um céu aberto havia sempre o inferno, dizia

Montalambert. Mas mesmo num quadro de mestre, as sombras realçam mais

vivamente as cores e suas belezas, assim na Idade Média, algumas fraquezas

históricas descobrem mais poderosamente o alto valor de seus homens e de

suas instituições.

Page 20: A Vida de Santa Flora

20

Jean Guiraud em sua História Parcial e História Verdadeira, denuncia a

falsa fé de certos escritores que levando ao extremo o desprezo da verdade

quiseram desconhecer as belezas da Idade Média. Estes homens são de

lamentar. De uma parte eles são privados das reais satisfações que dão à alma

enamorada um ideal de verdade e um dos mais atraentes espetáculos; e de

outra parte, eles ignoram as alegrias espirituais que experimentam os

historiadores íntegros oferecendo à contemplação de suas leituras as

magnificências de uma época particularmente gloriosa.

Numerosos historiadores não partilham de nossas crenças, entretanto

respeitam a verdade e rendem homenagens à grandiosidade das Instituições

da Idade Média, inspirada pela fé cristã e pelos imensos benefícios que elas

espalharam no mundo.

A vida material da Idade Média, a história o atesta, era próspera. Os

trabalhadores tinham mais satisfações e bem-estar que os de nossos dias. A

idade Média foi a era dos grandes Papas. Entre eles citaremos Gregório VII e

Alexandre III que firmaram os direitos da Igreja e reivindicaram sua

independência dos Estados. Inocêncio III foi um dos Papas mais ilustres da

Idade Média. Os historiadores param de admiração diante da figura desse

grande Papa.

Possuindo em alto grau todas as qualidades de um Chefe Supremo da

catolicidade, dotado de um perfeito conhecimento dos homens e de um

admirável talento par ao governo da Igreja, Inocêncio III acrescentava a suas

altas qualidades morais uma grande piedade e uma profunda humildade ao

lado de uma vasta ciência. Sobre seu augusto pontificado se realizou o mais

imponente dos Concílios Ecumênicos, o 4º Concílio de Latrão, em 1215.

Os padres do Concílio decidiram as cruzadas para libertar os lugares

santos. Depois, apareceram os decretos relativos às heresias dos tempos e da

disciplina. Estes últimos decretos são até hoje, a base do direito Eclesiástico.

Inocêncio III intervinha freqüentemente nos desentendimentos dos

soberanos para fazer reinar a paz e a concórdia. Foi sob seu reinado que Felipe

Augusto alcançou em 1214, a célebre vitória de Bouvines contra Otão que

queria, apesar da proibição do Papa, anexar as Duas Sicílias ao reino

Page 21: A Vida de Santa Flora

21

germânico. Esta vitória salvou a França e acrescentou visivelmente o poder

real.

No meio de tantas instituições da Idade Média mencionaremos a

Cavalaria que foi a consagração de uma parte da nobreza feudal e a defesa da

Igreja, dos pobres e dos oprimidos. Uma palavra resume o dever dos

cavaleiros: HONRA, ou ainda “Faze ainda que doa e venha o que vier”.

Guizot afirma em uma página de sua História que a cavalaria teve um

grande papel, o maior e o mais longo que se imagina no desenvolvimento moral

da França.

A Idade Média foi a era dos Grandes Santos. Foi com efeito, o

florescimento de santos, tais como: Santo Anselmo e São Bernardo, no século

XIII, São Luiz e São Tomáz de Aquino, São Francisco de Assis, São Domingos,

São Raimundo de Pena Fort, Santa Clara, Santa Elizabete, Santa Brígida,

Santa Catarina de Sena, Santa Gertrudes, Santa Juliana e Santa Flora de

Querçy.

A Idade Média foi a era das grandes ordens religiosas. Citaremos entre

elas Franciscanos; Dominicanos; Carmelitas; Agostinhos; Cisterciences;

Monges de Cluny; Ordens Mendicantes; Ordens Hospitalares; Ordens Militares;

Nossa Senhora das Mercês para resgate dos cativos; e a terceira Ordem de

São Francisco destinada aos deveres da vida ordinária com a vida religiosa. As

Ordens mendicantes prestaram à Igreja e à sociedade serviços inapreciáveis. O

Gênero da Cavalaria, moderna ao serviço de todas as nobres e santas causas

não possuíam outras almas além da pobreza, penitência e amor às almas.

Estes institutos era a expressão vivente do Evangelho. No meio delas

assinalamos as ordens Militares. Essas Ordens nasceram da mesma inspiração

das Ordens hospitalares da Caridade. Proteger os peregrinos da Terra Santa

contra os muçulmanos, tal era sua função. A primeira em ordem cronológica foi

a dos Cavaleiros de São João de Jerusalém.

Distinguiam-se aí três categorias de religiosos: os cavaleiros para defesa

armada dos peregrinos e de todos os cristãos; segundo, os Sacerdotes para

culto; terceiro, os irmãos e irmãs devotados ao serviço dos enfermos; e outros

ao serviço dos cavaleiros nas expedições militares. Pois como veremos, para o

Page 22: A Vida de Santa Flora

22

Hospital Beaulieu, uma congregação de religiosas foi fundada sob o mesmo

nome para o cuidado dos pobres e dos doentes.

A Idade Média foi a época das Corporações. Nesta época, os grupos de

trabalhadores colocavam seus trabalhos e seus interesses sob a garantia do

juramento religioso e sob a proteção dos Santos. A Corporação era uma

verdadeira família onde reinava a afeição, a concórdia e a paz.

A idade Média foi a Era dos grandes devotamentos e dos generosos

sacrifícios. Ao grito de DEUS O QUER, os Senhores e os povos cristãos se

lançavam em socorro de seus irmãos oprimidos na Palestina, rivalizando em

coragem para resgatar das mãos dos muçulmanos o Santo Sepulcro.

Sob o comando de Monfort, em 1212, realizou-se a batalha decisiva de

Muret que assegurou a vitória da fé contra a invasão de Islan.

A Idade Média foi a Era dos grandes teólogos. Foi na Idade Média que

Dante Aliguieri, célebre poeta italiano, elevou com a Divina Comédia, o edifício

grandioso da epopéia teológica. Foi a Súmula de S. Tomáz de Aquino,

chamado o Doutor Evangélico, o “Anjo das Escolas”. A Súmula é um código

completo de erudição filosófica e religiosa. Santo Tomáz foi e continua sendo o

grande luzeiro da Igreja Católica. Verdadeiro gênio, ele trata dos maiores

problemas religiosos com uma claridade junto a uma profundidade e uma

grande precisão nos termos, uma lógica rigorosa e uma exatidão perfeita da

doutrina cristã.

Entre tantos escritores, muitos mereceram serem particularmente

nomeados: Alberti, o Grande (1193 –1280),da Ordem dos irmãos Predicadores;

Jean Duns Scot (1266- 1308), da Ordem dos Frades Menores, doutor sutil,

assim nomeado devido à sagacidade de seu espírito; Roger Bacon (1214-

1294), da Ordem dos Frades Menores, chamado Doutor Maravilhoso que

avançou os séculos e foi um profeta científico das idades seguintes; São

Boaventura, da Ordem dos Frades Menores, chamado Doutor Seráfico;

Alexandre de Halés (1245), da Ordem dos Frades Menores de uma grande

reputação de saber, chamado Doutor Irrecusável.

A Idade Média foi a Era das grandes Catedrais revestindo o mundo com

o branco adorno das Igrejas destes maravilhosos edifícios que constituem o

Page 23: A Vida de Santa Flora

23

mais precioso tesouro de nosso patrimônio artístico. As Igrejas da Idade Média

com a elegância de suas colunas, a espessura de suas muralhas e a majestade

de suas cúpulas, a harmonia de suas linhas e o acabamento de seus detalhes e

com as obras-primas que eles encerram, merecem seguramente serem

classificadas entre as mais belas jóias da arquitetura mundial. Inclinamo-nos

com respeito diante do gênio que as concebeu e o talento que as executou e a

fé que as inspirou. Isto é a manifestação de uma civilização profundamente

cristã.

Estas Igrejas se apresentam a nós como a expressão religiosa da Idade

Média, esta foi a Era das Universidades, isto é a datar de Luiz, o Santo Rei da

França. Foi nessa época que fundaram as universidades. Os Soberanos

Pontífices favoreceram seu desenvolvimento e estabeleceram a seu lado

numerosos edifícios para colégios. No meio deles o mais célebre, o mais antigo,

o de Sorbonne, fundado em 1252, pelo Cônego Roberto Sorbon, da Catedral de

Paris e amigo de São Luiz. A Universidade de Paris, a mais antiga, a mais

sábia, a mais gloriosa das universidades da França teve seu berço na Igreja de

“Notredame” e Abadia de Santa Genoveva.

Page 24: A Vida de Santa Flora

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CAPÍTULO 4

A FLOR DO HOSPITAL DE BEAULIEU

Sob os raios ardentes da graça divina, a querida Santa na primavera da

vida espalhou em torno de si o delicioso perfume de suas virtudes familiares.

Seu coração era um desses lugares abençoados onde cresciam as flores e se

desenvolviam em frutos saborosos de suas delicadezas, Floresceu em beleza

para frutificar em bondade, esta foi a vida de Santa Flora.

Os pais da jovem preocupados com o seu futuro tinham formado a seu

respeito projetos de casamento. Mas logo que eles lhe participaram de seus

projetos, Flora lhes respondeu imediatamente: “Eu jamais procurarei outro

esposo, senão Jesus Cristo. Eu desejo me consagrar a seu serviço. Eu vos

peço, colocai-me em um Mosteiro onde eu possa responder ao chamado

divino”.

Os pais eram muito cristãos para se opor à realização de um voto tão

sublime. Eles se inclinaram, pois, a ceder, embora a separação lhe fosse muito

amarga. Eles favoreceram do melhor modo possível, a vocação de sua filha

bem amada.

Deus devia transportar essa flor para despontar em um de seus jardins

onde floresceria a santidade.

Quanto à afeição de Flora a seus pais, sempre foi crescendo. Ela não os

esquecia em suas preces e nada levou vantagem ao sentimento filial que lhes

demonstrou sempre, mas fez a renúncia total de viver com eles e de todas as

vaidades terrestres.

Foi no ano de 1358, sob o Pontificado de Bento XII (1334- 1342), que

Flora bateu às portas do Hospital de Beaulieu. Ela foi acolhida como uma jóia e

admitida nas filas das postulantes. Logo que entrou no Mosteiro, Flora se

Page 25: A Vida de Santa Flora

25

entregou totalmente à vida de prece, de penitência e de caridade que ela tinha

escolhido sob a inspiração do Altíssimo.

As origens do Hospital de Beaulieu são as mais nobres. Relembrá-las é

recordar as grandes lembranças que ficaram dessa época.

No século III, viviam muito cristãmente em seu castelo, Guibert de

Themines e sua esposa Aigline. Seu domínio compreendia as duas comunas

atuais de Issendolus e de Themines com seu povoado, e mais o território

chamado LePech-Vilange que compreendia o hospital Teulières e o moinho de

vento, isto é, o lugar e seus arredores imediatos ao mosteiro.

Muito desejosos de fazer uma boa obra, os piedosos castelães

alimentavam uma magnífica idéia: Erigir um hospital com sua capela, uma casa

de caridade onde os pobres, os doentes seriam cuidados, socorridos e

consolados, segundo o pensamento de fé do Evangelho. Foram esses

pensamentos que inspiraram os dignos castelães de Thémines a realizar esta

admirável fundação.

Todos os dias à porta de seu castelo desfilavam longos cortejos de

misérias humanas. Um vasto hospital servido por cristãos de coração dedicado

e desinteressado devia tomar neste lugar eminentes serviços de caridade. Um

outro motivo levou igualmente os generosos castelães pôr seu projeto em

execução: seria esse hospital edificado sobre uma estrada mito freqüentada

por peregrinos, que se tornavam numerosos ao correr dos anos, aos santuários

muito venerados tais como de Roma, Jerusalém, São Tiago da Compostela, e o

túmulo de Martim, RocAmado, O edifício projetado devia oferecer a esses

peregrinos o socorro de uma benevolente hospitalidade.

O Bispo do lugar, Pons d’Antejac, felicitou calorosamente os castelães,

os encorajou e abençoou seu belo projeto, cuja execução durou o período de

1235-1253.

Foi no reinado glorioso de São Luiz que se elevou o vasto e magnífico

edifício do Hospital de Beaulieu.

Os piedosos castelães agruparam em redor dele personagens ávidos de

espalhar o bem e a continuar a mais grandiosa obra de caridade.Durante

quinze anos, eles se dedicaram sem calcular despesas sem se cansar, eles se

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26

doaram sem enfraquecer no serviço dos pobres, dos doentes e peregrinos.

Nenhuma ambição terrestre se apoderou deles, afirmam as crônicas. Eles se

consagraram sem reservas ao cuidado dos humildes e dos doentes aspirando

unicamente reinar com Deus por ter tido piedade com seus pobres. Mas se o

coração dos castelães de Thémines e de seus colaboradores eram sempre

generosos, suas forças físicas enfraqueciam. Foi por isso que quiseram

assegurar o futuro dessa casa Evangélica. Os Senhores de Thémines fizeram

um apelo à Ordem de São João de Jerusalém que era hospitalar, para tomar

conta do hospital.

No dia 19 de julho de 1259 na Abadia de Eigene, Guibert de Thémines e

sua esposa Aigline assinaram um ato de doação em favor da Ordem de São

João de Jerusalém. A abnegação da qual os senhores de Thémines deram

prova, nestas circunstâncias manifestavam altamente em homenagem às suas

vistas sobrenaturais e seu perfeito desapego das riquezas do mundo e uma

profunda piedade cristã. Retirados em seu castelo ali viveram alguns anos

dando sempre o belo exemplo de sua vida cristã.

Quanto à Ordem Hospitalar de S. João de Jerusalém, recebeu com não

menos espírito de fé, o magnífico patrimônio da caridade que lhe foi legado tão

generosamente e honrou a seus doadores. Sob excelente administração da

Ordem de São João de Jerusalém, o Hospital Beaulieu viveu mais de cinco

séculos.

O mosteiro foi restaurado no século XVII por duas pessoas de qualidade:

tia e sobrinha, Dama Galiote de Vaillac que teve um priorato de 64 anos, e

Galiote de Sainte-Anne. Elas foram tanto uma quanto a outra, educadoras

maravilhosas e mestras perfeitas na vida religiosa plena de vida e de fervor, de

devotamento ao Hospital de Beaulieu que produziu durante muitos séculos os

mais assinalados serviços de caridade. Foi nesta ardorosa atmosfera de vida

religiosa que se desenvolveu piedosamente a vida de nossa santa. A prova de

postulantado terminou. Flora foi admitida ao Noviciado e vestiu o hábito das

Irmãs da Ordem de São João de Jerusalém. Sua alegria foi completa de

pertencer à Ordem que tinha como Padroeiro São João Batista, o precursor de

Cristo. Ela honrava igualmente em seu culto religioso a São Evangelista, o

Page 27: A Vida de Santa Flora

27

discípulo amado, o apóstolo da Ceia Eucarística. Muitas vezes, Flora meditou

esta passagem evangélica, penetrada de unção, piedade e de amor

considerando o discípulo amado repousando sobre o Coração do Mestre, sentir

as palpitações e segredos divinos e recolher as ternas efusões que brotariam

do coração de Cristo.

A propósito destas pequenas virtudes tão bem praticadas pela piedosa

noviça, São Francisco de Sales dirá mais tarde:

“Cada um quer ter virtudes brilhantes, a fim de que sejam vistas de longe e que sejam admiradas por todos. Muito poucos se apressam a colher os grãos que crescem ao pé da cruz. Não se faz quase caso destas pequenas condescendências aos desagradáveis humores do próximo e ao sofrimento oculto que causa uma mal humorada fisionomia, a este amor de abjeção que nos faz suportar uma preferência mal fundada e uma pessoa importuna e responder agradavelmente a quem nos repreende com agressividade”.

Tudo isso parece pequeno aos que não fazem caso de virtudes

pequenas aos que só admiram virtudes enérgicas revestidas de reputação.

Assim, sob os mais felizes auspícios começava Flora esta bela vida pela qual

tanto tinha sonhado em dias anteriores. Sob o véu religioso e o hábito de burel,

Flora conserva sempre a graça de sua fisionomia, seu doce sorriso e a

juventude de seu coração. Esquecendo os ruídos do mundo, por um incessante

diálogo com o Divino Mestre, ela se oferecia generosamente em holocausto

para conversão dos pecadores e se imolava à glória de Deus para suprir a

ingratidão dos homens pecadores.

Flora sentia vivamente que sua vocação a chamava a fazer uma obra

reparadora e indenizar Deus dos ultrajes que Ele recebia da parte dos homens.

Com este fim e por sua profunda devoção a Jesus Hóstia ela se esforçava para

render à Divina Majestade, tanta glória quanto o pecado lhe roubara. A grande

devoção de Flora foi o Santo Sacrifício da Missa. Ela tinha consciência do seu

valor infinito.

Aplicada a recolher piedosamente seus grandes pensamentos que tirava

da vida dos Santos, era como um perfume que lhe inundava a alma.

Contemplando com êxtase a perfeita unidade que agrupa à Missa a Igreja

Page 28: A Vida de Santa Flora

28

Triunfante, a militante e a padecente, ela percebia o brilhante esplendor da

inefável Doutrina do Corpo Místico de Cristo. A vida de Santa Flora sustentada

por uma imensa devoção à Eucaristia não podia ser mais que intensa vida

religiosa ardente se fecunda. Um santo - dizia o Padre Mateus - é um cálice

cheio de Jesus o qual ao encher-se em demasia transborda para o mundo.

Flora era esse cálice. Não havia mais que uma voz em todo o Mosteiro para

louvar altamente sua grande solicitude no serviço de Deus e dos enfermos.

Pela pureza e limpidez de sua alma, Flora era uma viva imagem dos anjos na

terra.

Santo Agostinho dizia que as virgens têm na carne qualquer coisa de

anjo, e que não é carne, é a sua alma transparente de limpidez, isto pode se

aplicar a Santa Flora. Seu noviciado foi para ela um período de preparação às

graves obrigações de sua profissão religiosa. Sem perder tempo ela pôs à obra

e fez rápidos progressos nas virtudes de seu santo estado. Obedecer, apagar-

se, ser esquecida e passar despercebida tal foi o sonho de Flora. Esforçar-se

cada dia para crescer em humildade, obediência e caridade tal foi sua grande

obra. Glorificar a Deus e trabalhar para o reino de Cristo por uma vida de prece,

de recolhimento, de trabalho e de penitência, de zelo e de devotamento, tal foi a

nobre ambição de sua alma.

No noviciado, Flora completa sua instrução religiosa por um estudo

profundo das Verdades da Fé. Ela gravou em seu coração estas palavras de

Nosso Senhor a seu Pai: “Pai Santo, a vida eterna consiste em conhecer um só

e verdadeiro Deus e conhecer Aquele que vós enviastes: Jesus Cristo.

Flora, por um trabalho assíduo encheu sua alma desta ciência divina.

Mas este estudo de Deus, de suas revelações, de sua Igreja, longe de ficar nela

em estado especulativo, provocou o desabrochamento de todas as faculdades

de sua alma. Isto foi o princípio de uma prece mais fervorosa, de um amor mais

intenso para com Deus.

Chegou, enfim a hora a hora tão esperada de sua profissão, Flora então,

possuía a ciência que se volta par ao amor. "Magnífica é a porção da herança

que me coube”, tal foi o grito de alegria e de reconhecimento que se escapou

de seu coração cheio de emoção ao anúncio que ela era chamada a este

Page 29: A Vida de Santa Flora

29

grande fervor. Pronunciar seus votos solenes que deviam prendê-la

irrevogavelmente ao serviço de Deus. Não era isto então, seu imenso desejo?

Para Flora, fazer profissão religiosa era tornar-se uma coisa santa, santa como

o tabernáculo, onde reside o Verbo Eterno, santa como o cálice sagrado onde

na Santa Missa fica o sangue de Cristo pelo Sacramento da Eucaristia.

O dia da profissão religiosa foi para Flora o dia mais feliz de sua vida. No

sentimento de sua felicidade, empregando a linguagem da Santa Escritura, ela

exclamou : “Deus das virtudes, como vossos Tabernáculos são amáveis!

Vossos altares, Senhor, eis único asilo que meu coração deseja. Vós sois o

Deus de minha alma, minha porção por toda a eternidade”.

O humilde hábito de sua Ordem que ela tinha alegremente recebido na

sua entrada ao Noviciado deveria sempre ser para sua alma religiosa o símbolo

amado das altas virtudes da pobreza, obediência e castidade que ela devia

perfeitamente praticar.

Santa Flora se pôs muito docilmente, sob a dependência da regra

religiosa que ela sempre estimou com muito respeito. A regra é o grande

instrumento da santidade porque aquele que a ela se submete, sabe em todas

as horas do dia qual é a Vontade de Deus. A regra chama constantemente aos

membros do Instituto, a lei da abnegação, do sacrifício e da imolação de si

mesmo. Ela persegue e combate o egoísmo, o amor próprio, a inconstância e a

negligência, a natureza com suas paixões. Ela não deixa nada e não abandona

a nenhum instante à fantasia, ao capricho, ao humor, à impressão do momento,

à ligeireza e a precipitação. Admirável mistura de doçura e de força a regra

desenvolve e faz crescer todas as virtudes. Ela fornece aos membros da família

religiosa os meios mais eficazes para lhes fazer adiantar e crescer em todas as

virtudes no serviço de Deus. A Regra é como um muro de defesa que preserva

os religiosos dos perigos e os coloca ao abrigo das surpresas do demônio. Esta

é a Regra que conserva em cada Instituto a sua fisionomia própria seus traços

característicos, seu carisma, seu espírito de família. Ela conserva o fervor e a

caridade, a disciplina e a edificação.

A Regra, diz um autor, é como um molde experimentado e aprovado ao

qual são colocados e provados os elementos diversos que se apresentam para

Page 30: A Vida de Santa Flora

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fazer parte do Instituto e de onde eles saem com a forma e a constituição

definitiva, as sombras e as cores especiais que lhes convém. No seu livro O

Cristo Ideal do Monge, Dom Columba Marmion, diz estas palavras:

“Obedecer é se elevar, porque reconhece uma só autoridade diante da qual todas as nações devem se abaixar em adoração. Servir a Deus é reinar, é se levantar acima de todos os contingentes humanos até o Ser Supremo e Soberano Deus, isto é verdadeiramente ser livre, ser forte, ser grande, porque não é escravo de nenhuma criatura por elevada que ela seja.”

Dom Marmion acrescenta, “não há mais que a fé, uma fé viva e ardente

que possa nos elevar a esse nível e aí nos manter”.

É nessa direção destes cumes altos e radiosos que se elevou

rapidamente a grande Santa de Quercy.

Page 31: A Vida de Santa Flora

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CAPITULO 5

A FLOR DO CALVÁRIO

Toda grandeza está incompleta se ela não está rematada com o

sofrimento ligado à virtude. Este acabamento de sua beleza, Deus queria dar à

sua piedosa serva. O sofrimento é a consagração sangrenta e costumeira de

toda eminente virtude. Ela é a participação ao sacrifício supremo de Nosso

Senhor Jesus Cristo, às suas expiações e à sua Redenção.

Santa Flora, pois devia entender no íntimo de sua alma as mesmas

palavras que o Anjo Rafael dirigiu a Tobias: “Porque vós sois agradáveis a

Deus é necessário que o sofrimento vos prove”.

Mons. Hulst em seu magnífico panegírico da bem aventurada Maria

Luisa de França, a religiosa carmelita de Saint-Denis e irmã de Luiz XV, disse

estas palavras: “É um mistério par anos a solidariedade que admite as almas

inocentes se substituírem aos culpados, na reparação de seus excessos”.

Toda religião cristã está fundada sobre esta economia redentora. A

virtude do sacrifício redentor ilumina as vítimas voluntárias que o amor insiste

em acabar nelas o que falta ao sofrimento do Verbo encarnado. Certamente a

Paixão de Cristo é superabundante, mas em vista do Dogma do Corpo Místico

de Cristo. Cristo vive em cada um de seus membros e remata em sua carne

seus próprios sofrimentos.

Três motivos, com efeito, obrigam os cristãos a fazer penitência: o

primeiro é a justiça face a Deus. A teologia nos ensina que o pecado exige em

justiça uma reparação. Esta reparação consiste em render a Deus, na medida

em que podermos, a honra e a glória da qual nós o privamos pelo pecado. Esta

reparação deve ser tanto mais extensa quanto maiores e numerosas forem as

faltas graves. O segundo motivo, resulta da nossa incorporação ao Cristo, esta

existe em efeito na comunidade de vida com Jesus Cristo e nós. “Eu sou a

vinha e vós os ramos”, dizia um dia Nosso Senhor a seus discípulos. Daqui é

Page 32: A Vida de Santa Flora

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fácil passar a concepção do Corpo Místico. Jesus é a cabeça deste Corpo e nós

somos os membros. O Apóstolo São Paulo, desenvolvendo de uma maneira

admirável esta sublime doutrina dizia aos seus habitantes de Corinto: “Vós sois

o Corpo de Cristo se um membro sofre todos os membros sofrem com ele, ou

se um membro é honrado, todos os senhores se regozijam com ele”.

Nosso Senhor Jesus Cristo, se bem que impecável, tomou sobre Si

como chefe do Corpo Místico, o peso e a responsabilidade das faltas de todos

os homens. Ele se oferece todos os dias como Hóstia de reparação. Sua vida

foi, segundo a expressão da Imitação de Cristo, cruz e martírio. Os Cristãos

para serem purificados têm o dever de se unir ao seu sacrifício, de participar de

sua paixão e de se conformar com sua Imagem. Nada falta à integridade do

sacrifício de Jesus Cristo porque sua paixão foi superabundante em méritos e

toda poderosa em eficácia. Mas, sendo o Divino Redentor chefe de uma Igreja

da qual somos membros uma harmonia se impõe entre o chefe da Igreja e seus

súditos, entre o Corpo e seus membros. “Eu completo em minha carne - diz São

Paulo - o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu Corpo que é a Igreja”. O

terceiro motivo de penitência é caridade, em respeito ao próximo. O Pecador

recebe o perdão de Deus e fica ainda a sofrer as penas mais ou menos longas,

segundo a gravidade de suas culpas.

Ora, a expiação nesta vida, segundo o sentir de todos os teólogos, é

mais fácil e mais fecundo. Os cristãos são todos os irmãos e solidários uns com

os outros. Expiar por seus irmãos, satisfazer por eles a fim de obter, seja em

conversação, seja sua perseverança, é melhor serviço que se possa fazer aos

outros.

Tertuliano, esse grande gênio do III século dizia: “A penitência é

felicidade e a beatitude do homem”. Longe de ser um paradoxo, esta frase é

uma alta verdade.

Todos os Santos, como Santa Flora, gozavam no meio de suas

penitências uma alegria profunda e uma paz inalterável junto a uma confiança

em Deus muito consoladora. Isto é um fato de experiência, pois ao entregar-se

à penitência e mortificação nos enchemos da alegria do Espírito Santo. Os

apóstolos superabundavam de gozo no meio de suas atribulações.

Page 33: A Vida de Santa Flora

33

O amor de Santa Flora por Nosso Senhor Jesus Cristo provocou sempre

nela, a respeito da cruz e do sofrimento, uma imensa generosidade,

considerando a morte de Jesus na cruz, o ponto culminante de sua vida e a

hora solene que Ele lança por terra Satanás, o mundo e o pecado. Santa Flora

caminhou piedosamente pela estrada do sacrifício. Chamada à honra de

colaborar e de participar da grande obra da Redenção, a Santa religiosa subiu

com esforço o áspero caminho do Calvário aceitando voluntariamente e mesmo

alegremente as tribulações exteriores e interiores.

Satanás, inimigo de toda santidade, devia com efeito, apresentar terríveis

e violentos assaltos contra este anjo de pureza e de piedade que era a Flor do

Hospital de Beaulieu, mas ele encontrou sempre uma alma invencível, como

uma fortaleza inexpugnável. Multiplicava seus ataques violentos à medida que

era vencido miseravelmente, então ele desencadeava sobre ela odiosos

artifícios. Ele sugeria dúvidas sobre sua vocação e representava a loucura dos

votos religiosos, animava a voltar ao mundo, onde lhe esperavam os

verdadeiros prazeres. Os ataques de Satanás hipocritamente conduzidos

fizeram cruelmente sofrer Santa Flora, mas longe de abalar sua coragem,

consolidaram sua confiança em Deus.

Uma grande prova foi para Santa Flora, a de causar a suas Irmãs

profunda aflição. Como elas não tinham a chave do mistério de suas lágrimas,

viam com tristeza e compaixão a sua piedosa companheira, antes tão alegre,

agora mergulhada num mar de sofrimentos.

Flora as ouvia implorando socorro da Virgem Maria dos Santos do

Paraíso, porém longe de se justificar e falar dos violentos ataques do demônio,

Flora calava oferecendo generosamente a Jesus Crucificado toda amargura de

sua dor.

Nosso Senhor teve piedade dela e a reconfortou com freqüentes

aparições. Durante três meses, dizem as crônicas do tempo, Jesus apareceu à

sua piedosa serva diante do parlatório do Mosteiro. A Igreja de Issendolus

possui um quadro em alto relevo que representa Jesus aparecendo à Santa

Flora. Coroado de espinhos curvado sob o peso da cruz que Ele sustenta em

Page 34: A Vida de Santa Flora

34

suas mãos, sua fisionomia amortecida, coberta de sangue, o Cristo sofredor fixa

com ternura seus olhos sobre sua piedozíssima e fiel serva.

Ajoelhada sobre a laje do claustro, Santa Flora contempla com enlevo a

sublime visão, enquanto ela escuta no fundo de sua alma a voz do Pai,

chamando-lhe com doçura que ela era predestinada a tornar-se conforme a

imagem de seu Filho. Eis em que termos Monsenhor Abadae Amadieu

descreve as visões da Santa:

“Diante do parlatório, à direita do claustro, onde um

Anjo está pintado na abóbada, durante três meses, Jesus

apareceu à piedosa Flora. Do lugar em que ela viesse, da

igreja, do dormitório ou do refeitório, ela via Jesus morto e a

fisionomia em lágrimas olhando para ela. As torturas da

Paixão suportadas por nós pecadores a penetravam”.

O ardor de sua piedade compadecente lhe dava impressão de levar em

seu coração Deus Crucificado, a ponto de sentir o braço da cruz a dilacerar e

transpassá-la de dor. Flora morreu consumida de amor. Não tendo conhecido

mais que um amor, nem mais que uma ciência, a do amor a Jesus, só de Jesus

crucificado. Ela foi uma vítima de amor em resgate dos pecadores. Quando

Flora experimentava o sofrimento e se achava nas trevas, ela dizia: “Eu sei que

Jesus me olha com um olhar cheio de amor. Isto me basta”.

O Calvário que subiu Santa Flora foi para ela uma grande escola de

amor compadecente. Sua vida consagrada a aliviar todos os miseráveis o prova

altamente.

Servindo-se das palavras que um poeta latino pôs sobre os lábios de

uma mulher sofredora de cruéis provas, Santa Flora podia dizer com toda

sinceridade: “Não ignorando o sofrimento eu aprendi a socorrer os

desgraçados”.

Page 35: A Vida de Santa Flora

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CAPÍTULO 6

A FLOR DO AMOR DIVINO

Nosso Senhor dizia um dia a seus discípulos: “Eu vim trazer fogo à terra

e o que quero eu senão que ele arda e os ilumine?”

Este fogo do amor de Deus que o Salvador tinha iluminado a alma de

Santa Flora, provocou nela uma chama ardente e brilhante. Ela desejava

vivamente que Deus fosse conhecido, amado e servido por todos os homens e

para isso trabalhava todos os dias pelo exemplo e boas obras. Repetia

diariamente com um novo fervor as sublimes palavras da oração dominical: “Pai

Nosso que estais no céu que Vossa vontade seja feita na terra como no céu”.

Ela conservava piedosamente em seu coração este amor a Deus que São

Francisco Sales chamava “amor de bem-aventurança”. Seu amor, contrário às

afeições egoístas, era centralizado em Jesus, do qual ela contemplava e

meditava sem jamais se cansar as suas incomparáveis grandezas e as infinitas

perfeições, as inefáveis delicadezas e as adoráveis misericórdias. Este

espetáculo soberanamente atraente, penetrava em sua alma como a mais

suave satisfação de prazer. Sobressaltava de alegria e prodigalizava a Deus os

mais sublimes louvores.

Ela traduzia seus sentimentos de piedade filial com sua alegria e suas

Irmãs estavam profundamente maravilhadas de sua atitude sempre bem

disposta e alegre.

Qual deve ser a extensão de nosso amor para com Deus que nos

prodigalizou tantos benefícios e tão insignes atos de bondade misericordiosa

semeou em nossa vida? São Bernardo responde nestes termos: “A medida de

amar a Deus é amá-Lo sem medida. Compreendeis - dizia ainda ele - que por

uma bondade toda gratuita, apesar de sua infinita grandeza , dignou-se amar-

nos, primeiro, a nós criaturas ruins e miseráveis, então vemos que nosso amor

por Ele não deve ter limites”. Tal era seguramente o amor de Santa Flora por

Page 36: A Vida de Santa Flora

36

Deus, um amor sem medida. Ele não era para ela um sentimento vago e

impreciso, mas um fogo ardente de energias.

Alimentada pela contemplação dos atributos de Deus, pela meditação e

oração, seu amor tornava-se cada dia mais vivo, mais terno, mais ativo.

“Elevai-vos vozes da natureza” - devia exclamar Santa Flora, como

outrora Santo Agostinho, diante dos esplendores da obra da criação – “elevai-

vos ecos sublimes de infinitas bênçãos, vozes eloqüentes de todos os seres,

elevai-vos até o trono de Deus! Aclamai e retumbai louvores místicos, santos e

brilhantes harmonias da criação, é ela a beleza substancial e a amabilidade

infinita!” É por ela que é preciso amor o Criador. O amor de complacência, pelo

qual Santa Flora se regozijava de ver Deus que ela amava, tão perfeito, tão

belo e tão bom. Ela se alegrava com um tão grande amor de condolência e de

compaixão. Afligia-se dolorosamente pelos ultrajes que o pecado faz a Deus.

Santa Flora partilhava plenamente dos sofrimentos de Nosso senhor Jesus

Cristo na sua paixão e morte na cruz.

Ao correr do ano 1347, ainda no Hospital Beaulieu cumpria sua missão,

com toda sua magnificência Flora caiu perigosamente doente. Durante vários

meses, presa de vivos sofrimentos, a Santa não se afastou jamais de sua

paciência, de sua doçura e de sua serenidade. Aceitando heroicamente os

males que a atormentavam rezava sem cessar e fixando seu olhar sobre Cristo

Crucificado, a Bem-aventurada se oferecia a Deus em holocausto pela

conversão dos infiéis, dos incrédulos e dos prevaricadores.

Dirigindo-se aos pecadores, o Padre Lacordaire dirá mais tarde estas

solenes palavras:

“Deus vos encheu de seus benefícios por toda eternidade e vós profanastes a graça. Ele vos deu como um vaso de ouro o vosso corpo todo puro e dessa obra prima saída de suas mãos amorosas Ele pôs uma luz viva, cujos raios têm afinidade com seu próprio brilho, mas vós, filhos ingratos, fugistes de seu amor gratuito desse amor que só pedia correspondência de vossa parte, mas vós concentrastes sobre vós mesmos, vós fechastes os vossos olhos para não ver e vossos ouvidos para não ouvir e não entender a voz de vosso Criador e Deus que vos amava...”

Page 37: A Vida de Santa Flora

37

Deus pensou ter feito ainda pouco pelos homens e desceu do céu, veio

às sombras deixadas pelo pecado. Ele veio colocar diante do homem sua

Pessoa, sua Palavra, seus Atos, sua Vida para resgatar totalmente a culpa do

homem e de toda a humanidade. Ele, o Filho de Deus feito homem, entrega-se

a seus inimigos e voluntariamente morre crucificado entre dois ladrões sob os

olhos dos homens que por suas próprias mãos O crucificam. Assim, movidas

por uma imensa caridade, almas da elite, entre as quais está Santa Flora,

elevam aos céus suas fervorosas preces e seus ardentes atos de adoração ao

Senhor e por seus atos de reparação e desagravo pedem perdão a Deus

lembrando as Palavras de Cristo na Cruz: “Pai perdoai-lhes, porque não sabem

o que fazem”. O Pai misericordioso, apesar da ingratidão de seus filhos, ouve a

prece dessas almas fervorosas e lhes concede suas graças.

Eis aqui um traço que relatam os cronistas do Hospital de Beaulieu.

“Perto do Mosteiro, vivia um homem de nome Guilherme, pecador escandaloso. Qual não foi o espanto do Padre Esmoler do Convento quando ele viu vir a ele, penitente e contrito, aquele que era a calamidade da cidade: - Por amor de Deus, Padre, quereis me ouvir em confissão? Parece-me que se eu disser meus pecados ao Padre, Deus me perdoará. O monge cheio de piedade acolheu com misericórdia o filho pródigo que até a sua morte edificou a comunidade por sua vida honesta e piedosa”.

No momento dessa conversão, Flora tinha sob seus olhos uma visão

maravilhosa que lhe representava toda alegria do céu pela conversão desse

pecador. Um anjo lhe disse: “hoje o pecador Guilherme confessou todos seus

pecados e foi absolvido e recebeu a graça de Deus, eis a causa da alegria no

céu”.

Do fundo de sua solidão amada, onde escondia suas virtudes

sobrenaturais, Flora expandia seu coração em inesgotáveis súplicas pelos

pecadores, semelhantes aos pára-raios que se encontram em cima dos

edifícios para preservá-los dos raios. Assim, as orações de Flora preservavam

as tempestades e desarmava a justiça soberana de Deus. Semelhante ainda,

às cidadelas construídas nas alturas para a segurança dos povos, assim o

Page 38: A Vida de Santa Flora

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coração de Santa Flora, verdadeira fortaleza espiritual que se dirigia, por assim

dizer, do homem revoltado para quebrar seu ódio, dobrar sua vontade e

transformar o seu interior e levá-lo para Deus. Semelhante, enfim à água que

descendo das montanhas se infiltra na terra e a fertiliza, os favores celestes

desciam da alma fervorosa de Flora para se espalhar em seguida sobre o

mundo, santificá-lo e ganhá-lo para Deus. Santa Flora realizava

verdadeiramente as palavras de São Paulo dirigida aos fiéis de Corinto: “A

caridade nos oprime para viver não para nós, mas para Cristo que morreu e

ressuscitou por nós”.

Page 39: A Vida de Santa Flora

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CAPÍTULO 7

A FLOR DO PARAÍSO

Flora olhava a terra como um lugar de exílio e aspirava com toda sua

alma para os bens eternos da Cidade de Deus. Contemplar a Deus face a face,

admirar a imensidade de sua beleza e bondade, a grandeza de todas as suas

imperfeições, amá-Lo e possuí-Lo sem temor de perdê-Lo, tal era a suprema

ambição de Santa Flora. Admitida a antever como São Paulo, as maravilhas

dessa deliciosa morada, ela não tinha termos para descrever essa morada. Ela

repetia como o Apóstolo: “A vista do homem jamais sentiu o que Deus tem

preparado para aqueles que O amam”.

- Como é magnífica essa glória! - dizia ela - Como é grande essa

felicidade! Quão maravilhoso esse amor!

Cheia de confiança total na Palavra do Mestre, de fé profunda na

existência de um Deus remunerador e de adesão firme aos ensinamentos da

Santa Igreja, a virtude da esperança era nela inquebrantávelvel. “Eu sei em

quem creio”, dizia ela como São Paulo. Ela gostava de repetir estas palavras

não menos consoladoras do apóstolo:

“Vós recebestes um espírito de adoração com o qual dizeis: ABBA –PAI. O Espírito Santo dá, ele mesmo, testemunho de que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e cordeiros de Cristo. Se, é verdade que sofremos com Cristo, nós seremos glorificados com Ele porque eu sinto que o sofrimento do tempo presente não tem proporção com a glória que deve ser manifestada em nós. A espera impaciente da criatura que aspira a manifestação de filhos de Deus”.

Tornando-se em seguida para Deus, Flora, com uma confiança mais viva

exclamava: - Senhor eu serei saciada só no momento em que aparecer a Vossa

Glória! Por este motivo a serva de Deus merece ser chamada A FLOR DO

PARAISO. As belas visões das quais ela foi tão felizmente favorecida o

justificam altamente.

Page 40: A Vida de Santa Flora

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Eu vos assinalarei algumas dentre elas: Santa Flora, no dia de Todos os

Santos, enquanto ela cantava o ofício com muito fervor e exaltava com

entusiasmo a glória dos eleitos entreviu rapidamente e admirou a alma plena de

delícias e esplendor da cidade celeste. Esta visão fez sobre ela uma viva

impressão, tão forte que ela jamais perdeu a lembrança daquela felicidade.

O céu se abriu novamente a seus olhos deslumbrados no dia da festa de

Santa Cecília. Flora percebeu no paraíso, uma Virgem de resplandecente

beleza, magnificamente ornada e rodeada de uma multidão de virgens que

enchiam o lugar santo de seus harmoniosos cantos.

- Quem é, pois, esta Virgem resplandecente entre todas? Perguntou

Flora ao anjo. Este respondeu-lhe – Ela se chama Cecília, ela é resplandecente

entre todas porque guardou sua fé, sua virgindade e foi mártir, por isso ela

goza aqui no céu de uma glória imperecível.

Santa Flora, em outra ocasião, viu em espírito, uma árvore celeste de

uma magnífica floração. Eis aqui que o cume que toca uma águia formava a

cruz com suas asas abertas. Ela percebeu entre suas garras um diamante de

um brilho luminoso onde se refletia a glória dos anjos e dos santos. - Contempla

e agradece a Deus, disse uma voz celeste. Ela obedeceu e diante das

maravilhas que se ofereciam a seus olhos encantados, ela expandiu sua alma

em vivas ações de graças.

Em uma outra visão não menos atraente, um anjo a transportou ao

paraíso e a conduziu no meio de tronos brilhantes de esplendor e lhe designou

um trono mais brilhante que os outros e disse-lhe: - Eis o trono que o senhor te

reserva para toda a eternidade. O êxtase terminou e Flora ficou por demais

emocionada. Ela teve ocasião de falar dessa visão a um santo religioso que

estava de passagem pelo mosteiro e recebeu esta resposta: - Esta visão pode

ser verdadeira e merece fé, sobretudo se uma segunda vez vier confirmá-la.

Três dias depois, a mesma visão apareceu a Santa Flora e diz-lhe: “Eis aqui o

trono disse o anjo, quando humildemente te declaraste indigna de sua glória,

por este motivo Deus quis aumentá-la. Tu estarás mais perto dEle – Eis aqui o

lugar por toda eternidade – Eis os Santos que partilharão contigo alegremente e

sem fim”.

Page 41: A Vida de Santa Flora

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Muito numerosas foram as graças de eleição que Nosso Senhor

prodigalizou paternalmente à sua piedosa serva. Santa Flora vivia numa

constante oração, o espírito Divino, em recompensa lhe mostrava as maravilhas

e as delícias desse lugar encantador.

Para a piedosa serva de Deus a Santa Eucaristia era o paraíso da terra.

Também tinha ela como um alto dom de Deus, uma ardente fé e devoção na

presença do Senhor na Santa Hóstia. Conta-se nas crônicas do tempo que um

Irmão Menor cantando um dia na Missa do convento de Fieux -distante do

Hospital Beaulieu, pelo menos umas três horas - o Sacerdote depois do Pai–

Nosso, tinha deposto sobre a patena as duas frações da Hóstia, tendo entre os

dedos a terceira fração para misturar no cálice do Sangue de Cristo, mas qual

foi a surpresa do Sacerdote, quando essa fração desapareceu de suas mãos.

Um anjo do Senhor a tinha tomado e levado em comunhão à Santa Flora.

Como o religioso se tornou perplexo, vindo ao mosteiro encontra-se com Santa

Flora e lhe conta o sucedido e ela lhe revelou o miraculoso e extraordinário

favor que recebera: Um anjo lhe trouxera a partícula consagrada que tirara das

mãos do sacerdote esse extraordinário favor que a ela fora beneficiada.

A Santa Eucaristia que ela recebia freqüentemente alimentava e

desenvolvia nela sem cessar, suas aspirações ao céu. Santa Flora entregou

piedosamente sua alma a Deus no dia 11 de junho de 1347.

Servindo-nos de uma magnífica comparação de Bossuet, nós podemos

aplicar a Santa Flora: Como o mais leve abalo destaca da árvore o fruto

maduro, e como uma chama se eleva e voa sozinho ao lugar de seu centro,

assim foi colhida a alma abençoada por ser repentinamente transportada ao

céu. Sua alma foi levada por uma multidão de desejos sagrados. Então, os

anjos fizeram ouvir um delicioso concerto cujas as notas harmoniosas

encantaram a todos os eleitos. Quem é essa que se levanta como uma fumaça

odorífera de uma composição de nardo de incenso?

Dia de natal exclama a morte de um santo. Dia de nascimento, com

efeito, é aquele em que o santo começa a viver plenamente. Assim aconteceu à

Santa Flora no dia de sua morte. Foi o dia de sua introdução gloriosa na celeste

pátria, o dia em que a Santíssima Trindade lhe revelou seus inefáveis

Page 42: A Vida de Santa Flora

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esplendores. Este foi o dia em que a Igreja militante contou com mais uma

santa no céu pelos seus méritos e favores divinos. Então se realizaram

magnificamente as palavras do Divino Missionário: “Se o grão de trigo caindo

na terra não morrer ele ficará estéril, mas se ele morrer produzirá muito fruto”.

Da câmara funerária da Santa exalou um perfume de lírios e rosas, sua

fisionomia serena e plácida nos parecia resplandecente com uma auréola de

luz.

Quantas lágrimas, soluços de pesar se espalhou por todo Mosteiro e fora

dele quando souberam da morte de Santa Flora. No Hospital a piedosa religiosa

fazia falta em toda parte, sempre estava pronta para ajudar a todos: suas

companheiras edificava por sua vida evangélica; aos moribundos confortava

pelas sublimes promessas de Deus infinitamente bom; aos pobres e aos

doentes ela alegrava com suas visitas de caridade, suas carícias agora

faltavam aos pequeninos e seu sorriso aos velhos e sua visita a todos. Mas,

uma grande consolação reinava em todos os corações: o paraíso não se povoa

em detrimento da terra. A religiosa agora, mais lembrada e chorada, estendeu

sobre aqueles que deixara, o manto de sua doce e piedosa proteção.

Quão bela é a geração dos corações castos com seu brilho! - escrevia

um autor inspirado do Livro da Sabedoria - sua memória é imortal em honra de

Deus e diante dos homens.

Page 43: A Vida de Santa Flora

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CAPITULO 8

A FLOR DA IGREJA

O sepulcro de Santa Flora foi, segundo a expressão de Isaías, um túmulo

glorioso. Foram recebidas graças, favores foram obtidos, milagres sem conta

foram aí realizados pela intercessão da santa muito venerada e querida do povo

católico. O seu túmulo tornou-se o centro de uma piedosa peregrinação.

Quantas aflições aí encontraram a paz, o alívio, o reconforto.

Santa Flora leva a sua fama além de Beaulieu até os confins do reino.

Havia treze anos que a Santa recebia todas essas honras quando Bertrnand

Cardillac, Bispo de Cahors, permitiu a exumação porque o povo não podia crer

na corrupção do corpo da Santa. Géraud lentillac, abade de Figeac, presidia o

levantamento do sepulcro. As estradas estavam sulcadas de peregrinos

cantando e rezando para a santa e invocando seus Anjos protetores. A cena foi

muito emocionante: Na aurora de 11 junho de 1360, grupos numerosos

rodearam o túmulo. Logo um silêncio profundo e religioso parou sobre a

multidão dos peregrinos. Repentinamente a pedra foi levantada, um perfume

suave desprendeu-se do túmulo e se espalhou sobre a multidão e se estendeu

até bem longe. O mesmo prodígio devia se reproduzir dez séculos depois, mais

tarde a 6 de setembro de 1910, o dia da translação das relíquias de Santa

Terezinha do Menino Jesus. Quando os operários levantaram a pedra que

fechava a entrada do sepulcro, um perfume suave e delicioso se espalhou das

profundezas do sepulcro.

Flora assinalou sua volta como a Santa de Lisieux, com numerosas

curas. Os Bispos de Cahors tiveram sempre grande devoção às preciosas

relíquias da Santa de Quercy. Mencionaremos, entre eles o Monsenhor de

Noailles que se tornou arcebispo de Paris e cardeal da Santa Igreja; Monsenhor

Lejai; Monsenhor Giray, de feliz memória; Monsenhor Moussaron, hoje chefe

venerável da Diocese. Quando Santa Flora recebeu as honras da canonização

suas relíquias foram levadas solenemente à Capela de Beaulieu. Mas rebentou

Page 44: A Vida de Santa Flora

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a revolução. Dias nefastos de 1792, a tempestade revolucionária se abateu

cruelmente em Beaulieu, centro de piedade e de devoção. Em 1793, os restos

mortais da querida Santa foram profanados e dispersos à exceção de alguns

que fiéis tiveram a felicidade de subtrair das barbaridades sacrílegas. O

convento foi saqueado e pilhado, arruinado. As religiosas foram obrigadas a

pedirem um abrigo nas Casas de Caridade. O vigário de Issendolus, Monsenhor

Sasmayoux, expulso de sua paróquia, foi exilado. Mons. Brassat, vigário, e

Mons. Surgier esmoler do convento sofreram a mesma sorte.

Os revolucionários tinham acendido uma fogueira pra destruir os restos

de Santa Flora, quebraram o relicário e jogaram os ossos ao fogo. A cabeça de

Santa Flora que tinha os cabelos atados por uma fita branca imaculada, parecia

tomar vida e fugir do fogo, isto foi em vão. Com o pé brutal, um revolucionário

tentou empurrá-la, mas não o conseguiu. Ela foi recolhida por um servente do

Hospital chamado Poulevière.

Angélica Brou, Irmã conversa do Hospital salvou os ossos da tíbia. À

tarde daquele horrível dia, ela se pôs em trajes camponeses e foi às ruínas do

Mosteiro. Diante do fogo extinto ela se prostrou como diante de um altar,

inspecionou com as mãos as cinzas mornas, tocou em uns ossos, os tomou,

beijou, escondeu e levou-os para sua casa.

À restauração do culto, a família da Angélica Brou foi felizmente levar ao

vigário de Issenfolis a venerável relíquia. Poulevière tinha salvo a cabeça

intacta. Ele a confiou às Irmãs da Visitação Sain Ceri.

Para satisfazer os pedidos de amigos, as Irmãs decidiram fracionar a

cabeça, a linda cabeça que parecia ainda viva. Poulevière não recebeu mais

que um fragmento que levou com muito respeito e guardou com muita devoção

e sagrada relíquia. Depois de sua morte os filhos venderam a casa, onde se

encontrava a preciosa relíquia, à família Decas. A família Decas era vizinha da

família Bergougnoux e doou a relíquia ao Mons. Abade Bergougnoux, vigário

de Molière.

Flora recebeu um culto popular. Sua santidade maravilhosa e fecunda

em milagre atraiu poderosamente as multidões.

Page 45: A Vida de Santa Flora

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Desde o princípio, a festa em honra de Santa Flora foi fixada em 11 de

junho para glorificar o aniversário de sua morte e pela exumação de seu corpo.

A festa foi por fim, fixada para o segundo domingo de outubro. A esta época os

trabalhos no campo eram menos pesados. A última festa tinha sido celebrada

no Hospital, na angústia, terror e no sobressalto no segundo domingo de

outubro de 1792. Depois da revolução, a primeira festa se desenvolveu na

Igreja paroquial no meio da alegria, do entusiasmo e do reconhecimento.

Uma novena de preparação foi instituída na chamada Semana de Santa

Flora. O Abade Lacarrière que escreveu sobre a vida da Santa, doou à capela

um magnífico altar de mármore.

Festas grandiosas reanimaram cada ano a lembrança e a devoção à

Santa Flora. A nave lateral norte da Igreja é dedicada à Santa Flora. O Arco

Triunfal do santuário, um quadro de madeira memorial das freqüentes visões

em que lhe aparecia Jesus Crucificado, provém da série de quadros que ornam

a Capela de Beaulieu suntuosamente reconstruída por Calliote, em 1645 e

1650. Outra herança é um cálice em vermelho. Em 1895, Mons. Abade Pons

vigário fez uma suscrição para um relicário vermelho. Este relicário tem forma

de um ostensório. Todos os dias da novena, a relíquia é exposta. A prece: Deus

que vos dignastes conduzir ao céu no dia 11 de junho de 1360 (lembra aqui o

dia da morte da Santa) possamos, nós também um dia, estarmos em sua

companhia louvando a Beatíssima Trindade com o coro dos Anjos e Santos.

Amém.

Page 46: A Vida de Santa Flora

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CAPÍTULO 9

FLORESCEI EM BELEZA PARA FRUTIFICAR EM BONDADE

Eis que vos dou um pequeno esboço da admirável vida de Santa Flora,

que por sua simplicidade, como por suas altas perfeições atingiu o cume

radioso do sublime.

Ao término destas modestas páginas, ainda me fica para por traduzir os

votos muito afetuosos que de todo seu coração a Santa faz para cada um

dentre vós. Temos na Epístola de São Paulo aos Hebreus o seguinte: “Ainda

que mortos, os Santos têm uma linguagem eloquente”. É por isso que Santa

Flora, vossa padroeira venerada e querida, não cessa de rezar por vós, nem se

cansa de vos exortar ao bem.

Parece-me ouvir Santa Flora vos chamar e comentar as recomendações

de Sua Santidade Pio XI, que ela mesma, muitos séculos antes tinha escolhido

no pensamento, mais ou menos para ser a divisa de sua vida: Florescei em beleza para frutificar em bondade.

Descobrindo a vossos olhos espantados os esplendores incomparáveis

da Cidade Celeste, da qual ela é uma das suas mais belas jóias, ela nos diz

agora com um tom de inefável ternura: “Olhai e admirai. A visão é admirável,

com efeito, é uma visão de amor”.

O Evangelista São João, exilado em Patmos, descreve no Apocalipse as

esplendorosas belezas:

“Um anjo me transportou em espírito sobre uma alta montanha e me mostrou a Cidade Santa Jerusalém, brilhante da glória de Deus. Eu ouvi uma voz forte que dizia: Eis o Tabernáculo de Deus com os homens. Ele habitará com eles e serão seu povo., Deus enxugará todas as lágrimas de seus olhos, e não haverá mais morte, nem luto, nem choro, nem dor porque os pecados desapareceram. A Igreja vos chamando nesta visão tem o grande cuidado de vos dizer: Vós sois os cidadãos, os santos membros da família de Deus, sois edificados sobre o fundamento dos Apóstolos e dos Profetas dos quais Jesus Cristo

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é a pedra angular. Serei eu mesmo vossa recompensa infinitamente grande , dizia Deus a seu servo Abraão. Deus fonte inesgotável de todos os bens, enche o coração dos eleitos de uma alegria inefável, pura, santa, completa, sem limites. Os santos gozarão na glória e os louvores a Deus estarão sempre em suas bocas! Extasiava-se Davi com o pensamento da felicidade eterna que Deus reserva a seus eleitos. Depois acrescentava: Senhor, eu serei saciado logo que apareça a vossa glória”.

O momento no qual a alma do justo penetra no céu, ela é, disse o P.

Lacordaire, transformada para sempre em uma luz que a rodeia e a envolve, a

penetra e lhe dá uma semelhança com Deus e lhe faz exclamar em êxtase –

Deus. Eis aqui Deus. – Deus, tal qual Ele é, amá-Lo com todos os sentimentos

da alma, louvá-Lo com todas as formas de sua gratidão e reconhecimento, tais

são as principais ocupações dos santos no céu.

Profeta Isaías e depois dele o Apóstolo São Paulo, falando das delícias

do céu asseguram que o coração do homem jamais sentiu coisa que lhe fosse

comparável.

Eu termino estas considerações sobre a felicidade dos santos pondo sob

vossos olhos uma das mais belas páginas de santo Agostinho que fez a não

duvidar as delícias de Santa Flora.

Em termos sublimes, o autor de Confissões lembra a conversa que teve

com sua mãe às margens de Ostia:

“Ao aproximar-se o dia que minha mãe devia sair desta vida, dia que vós conheceis e que ignoramos nós, ela chega sem dúvida, por uma disposição secreta de vossa providência em que nós nos encontramos sós. A providência Divina e eu”.

Apoiado em uma janela que dava para o jardim da casa em que nós habitávamos em Ostia e na qual longe dos ruídos do mundo, depois das fadigas de uma longa estrada, nós esperávamos o momento de embarcar. Sós, nossa conversação era inexprimível de doçura, esquecendo o passado para nos adiantar àquilo que estava diante de nós. Procurávamos entre nós, à luz desta Verdade que não é outra que Vós mesmo, a qual deveria ser a vida eterna dos santos: Que olho jamais viu, nem ouvidos jamais ouviu e que nossos corações não

Page 48: A Vida de Santa Flora

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podem compreender. Nós aspiramos com os lábios do coração as águas celestes correndo de vossa fonte. Fonte de vida que reside em vós, para nos saciar tanto quanto podemos, antes de nos elevar às considerações tão altas.

Como nossa conversa tinha nos conduzido a estas conclusões que os prazeres dos sentidos por grandes que eles possam ser, ainda que seja o brilho que os rodeia, longe de sustentar a comparação com a felicidade de outra vida, não merece mesmo uma lembrança, nem um impulso de amor nos arrebata para essa felicidade. Nós percorremos todas as coisas corporais e até mesmo o sol, a lua e as estrelas espalham sua luz sobre a terra. Depois nós elevamos mais alto o nosso pensamento, nossas palavras admirando a beleza das obras divinas....

...nós chegamos até a nossa alma, mas sem nos pararmos apressadas em chegar à região de inesgotáveis delícias, onde saciareis eternamente e a Israel com o alimento da verdade, onde a vida e a mesma sabedoria, que não se fez, mas que existiu por todo o sempre porque ela é eterna.

Enquanto nós falávamos e nos elevávamos a essa vida eterna por repentino transporte nosso coração parecia tocá-las um instante, mas nós suspirávamos de dor, aí deixando primícias de nosso espírito, descendo às limitações de nossa palavra que começa e acaba.

Se o Criador vinha a falar à nossa alma, não mais pela voz das criaturas, mas por ele mesmo, no momento em que o vôo rápido de nosso pensamento nos eleva até a Sabedoria Divina que é imutável acima de tudo. Se esse êxtase pudesse continuar, todas as outras visões se apagariam e nossa alma se sentiria arrastada, encantada, absorvida nessa inefável contemplação, de tal sorte que se a vida eterna fosse semelhante a esse clarão da inteligência que nos faz suspirar de amor, não sentira mais que o cumprimento destas palavras: ENTRAI NA ALEGRIA DE NOSSO SENHOR”.

Depois de ter feito contemplar o céu que é o alvo de todas as vossas aspirações, vossa Piedosa padroeira vos exorta a tornar-vos santos e apóstolos. SEDE SANTOS.

Nosso Senhor Jesus Cristo nos oferece, como a todos os santos,

alcançar na glória eterna uma bela herança.

Page 49: A Vida de Santa Flora

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Fruto dos labores de Santa Flora, de seus sacrifícios, de seus exemplos

e de suas virtudes, de suas preces e de suas vigílias, esta herança muito

preciosamente acumulada vos enriquecerá de tesouros espirituais de valor

incomparável. Entrai na possessão desse Patrimônio de honra e gozai dos bens

superiores que nos leve a realizar u dia o esplendor de vossos destinos eternos.

Santo Agostinho, que na Igreja era um Doutor incomparável, nos

descreve em suas Confissões uma outra visão que teve sobre sua vontade a

mais feliz e a mais eficaz influência. Solicitado, depois de muito tempo, pela

graça do Altíssimo pressionado em acabar com aquela vida pagã, mas detido

por obstáculos que lhe pareciam insuperáveis, ele ficou ainda escravo de si

mesmo, sem força e sem coragem. A santidade apresentou-se então a ele com

uma visão das mais admiráveis e das mais amáveis dirigindo-lhe urgentes

reprimendas. Ela lhe mostrou que um número quase infinito de eleitos e lhe

disse para excitar sua coragem e despertar sua confiança. “Contemplai e vede:

Não podeis vós o que aqueles e aquelas puderam?”. Esta voz doce e afetuosa

era a voz de Deus mesmo, Aquele, que segundo a expressão da Sagrada

Escritura converte os cedros e quebra os rochedos. Agostinho não pode resistir.

Logo se determinou a querer e a querer tão perfeitamente que nada mais devia

abalar seu coração.

Quereis, pois escutar a voz de vossa Padroeira venerada que tomando a

palavra do grande Apóstolo vos diz: A vontade de Deus é que sejais santos. Os

homens fazem muitas vezes da santidade idéias totalmente confusas, as

consideram inacessíveis à totalidade e como um apanágio de ínfima minoria.

Eles vêem através da auréola, prodígios, milagres, êxtases e revelações,

jejuns, austeridades. Imaginam ainda que os santos são sempre tristes e que

seus corações não se abrem jamais à alegria e à felicidade. Isto é um profundo

erro, porque o Espírito Santo nos assegura o contrário que: O coração do justo é uma festa contínua. Não há doçura mais misteriosa - diz Agnes de

Corce em seu belo livro intitulado “Um pobre que encontrou a alegria” - que

aquilo que se apresenta no fundo de um sacrifício. É o madeiro da cruz de

cristo que consola melhor os homens do que todas as árvores das florestas.

Page 50: A Vida de Santa Flora

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São Francisco de Sales na sua “Introdução à Vida devota”, afirma que a

santidade é compatível com todos os ofícios da vida civil, com todos os estados

e com todas as condições sociais.

Também o piedoso Bispo de Genebra ensina a fazer o que os outros

fazem, exceto o pecado, mas a fazer santamente e com os olhos fixos sobre o

ideal divino: Jesus de Belém, de Nazaré e do Calvário, para conformar sua vida

sobre o modelo da sua. As obras brilhantes extraordinárias dos santos podiam

bem ser os efeitos de sua santidade, mas eles jamais foram o fruto, nem a

medida de sua perfeição. Eles fizeram essas obras brilhantes porque eram

santos, mas eles jamais seriam santos só porque as fizeram. Eles poderiam ser

santos sem elas. Quantos predestinados agora felizes e pacíficos possuidores

da glória eterna não fizeram nada sobre a terra que lhes atraísse admiração,

nem que os distinguisse?

Deus - diz Santo Agostinho - tem prazer de santificar na obscuridade de

uma vida comum e de uma vida escondida e quando Ele os introduzir em seu

Reino Ele não diz: Entrai servidores fiéis porque fizestes grandes coisas, mas

porque fostes fiéis em pequenas coisas. A Santíssima Virgem Maria, a mais

santa das criaturas, por um desejo particular da providência, no Evangelho não

publicou nenhum milagre que ela tivesse feito em vida mortal. Os eleitos

recebem cada um a plenitude de graças, de acordo com seus méritos e suas

virtudes.

São Paulo, falando deste mistério, toma uma radiante comparação: As

estrelas diferem uma das outras pela sua claridade, mas se estas estrelas do

firmamento pudessem falar, nenhuma queixa cairia de abóboda celeste, onde

elas estão suspensas. Cada uma delas está contente no manto iluminado no

qual Deus as revestiu. Isto se dá mesmo com os astros vivos, os eleitos que se

saciam na fonte das claridades divinas. Todos gozando a mesma satisfação,

mas nem todos brilham da mesma glória. Eles são recompensados segundo

seus méritos. O mérito é o direito que eles têm de receber a recompensa

proporcionada às suas obras. Mas não vos esqueceis que se Deus vos dá de

graça o apelo à santidade, Ele conta com a vossa vontade. Para ser santo é

preciso querer.

Page 51: A Vida de Santa Flora

51

Pais de família, cumpri exatamente vossos deveres de religião, daí o

bom exemplo a vossos filhos, educai-os na crença de Deus. Os princípios

religiosos hoje, como sempre, são a mais bela herança que vós podeis deixar a

vossos filhos. Mães cristãs, vigiais sobre vossas famílias, vossos filhos, vossas

empregadas, sede modelo para vossos filhos. Ensinai-os, sobretudo, a fugir das

más companhias, dos divertimentos perigosos que geram a leviandade de

espírito e estragam o coração. Filhos, tendes por vossos pais este amor, este

respeito, esta submissão que vos prescreve a Fé religiosa e a natureza. Jovens

filhas, que a discrição e a modéstia sejam vossos mais belos ornamentos. Amai

os exercícios de piedade que farão de vós hoje, donzelas perfeitas, e amanhã,

senhoras fortemente presas a vossos deveres de estado. Sedes prudentes e

reservadas como Santa Flora, com os olhos fixos sobre a Santa Virgem Maria,

ideal de toda santidade. Gente jovem, vigiai com cuidado zeloso a fé de vosso

batismo. Amai-a, preservai-a, defendei-a, honrai-a pela nobreza de vossas

obras. Vede vosso modelo supremo na adorável pessoa de Nosso Senhor

Jesus Cristo. Que a grandeza de vosso ideal vos encoraje aos generosos

esforços. Caminhais, todos enfim, sobre as pegadas desses santos admiráveis

que refletem a imagem de Cristo. É imitando-os que se honra a Santa Igreja.

Contemplai vossa mãe, a Igreja católica e fazei todas as coisas segundo os

modelos que vos tem dado com a vida dos Santos. Que magnífico espetáculo

contemplar a vida de tantos santos e lembrai-vos que cristão quer dizer

OUTRO CRISTO. Sem a imolação de nosso Divino Salvador, ninguém seria

salvo. Ele nos chama, mas espera a nossa colaboração e boa vontade.

Destes heróis do cristianismo que amaram apaixonadamente a Cruz,

aprendei a fazer passar em vossa vida todas as energias de vossa fé cristã,

todo o esplendor de Cristo Jesus, quero dizer as claridades esplendorosas de

suas virtudes. Possam seus exemplos afirmar vossa perseverança e inflamar

vosso zelo. Santo Tomás de Aquino dizia: A perseverança é uma virtude pela

qual nós fazemos subsistir o bem em nós até que ele seja consumado. Ora,

esta é uma virtude que enfrenta dificuldades para permanecer no bem em linha

reta. Apenas - diz o autor de “Imitação de Cristo” - é livrar-se de uma aflição ou

tentação em que se cai noutra, não se é ainda saído de um combate, em

Page 52: A Vida de Santa Flora

52

seguida cai-se em muitos outros, os quais não esperávamos. Nós

compreendemos então, que esta vida é, onde não se encontra mais que

aflições de espíritos. Inimigos interiores e exteriores vos fazem parar no

caminho da perfeição. Vossos inimigos interiores são particularmente vossas

paixões que deveis sem descanso mortificá-las. Fiquem em guarda contra os

inimigos interiores de vossa perseverança, especialmente os maus exemplos

do mundo: a perversidade das publicações e depravação dos espetáculos.

Protegei constantemente vossa perseverança, pela lembrança dos santos;

vossa coragem para imitá-los; e vosso fervor para solicitar a graça de Deus.

Guardem bem isto que vós tendes e que ninguém roube a vossa coroa. Aquele

que perseverar até o fim será salvo!

“Sede apóstolo” - diz Bossuet em seu magnífico panegirico de Santa

Catarina de Alexandria. Disse ainda estas belas palavras: “A Verdade é um

bem comum, quem a possui deve a seus irmãos, conforme as ocasiões que

Deus permite”.

“Oh! Santa Verdade!” - exclama o santo orador. “Eu vos devo

testemunhar de três maneiras: por minhas palavras, pelo meu exemplo de vida

e pelo meu sangue, se isto for necessário”.

Cristãos, não basta testemunhar só de voz, é preciso que seja gravada

em nossos costumes pelas marcas efetivas de nossa afeição.

Mais outro testemunho são as obras que nós devemos à verdade, é o

testemunho do sangue porque a verdade é o próprio Deus. É preciso um

sacrifício completo para lhe render todo o culto que lhe é devido. Bossuet diz:

“O apostolado, com efeito, é a irradiação da santidade. Honrar o nome de Deus

não basta. O discípulo de Cristo deve fazer conhecer aos homens a Deus pela

santidade de seus exemplos e o ardor de seu zelo”.

Nós vivemos num século onde a fé dos fracos tem necessidade de ser

reanimada pelo exemplo das mais puras virtudes. Quantas vezes não vedes em

redor de vós almas incertas vacilantes que mal instruídas na religião são

negligentes em estudá-la por si mesmas e acham isto mais cômodo? Os frutos

que eles procuram e desejam receber estão em vossas mãos. Eles vêem em

vós almas retas, generosas, incapazes de sacrificar o dever pelo interesse,

Page 53: A Vida de Santa Flora

53

aplicadas sem descanso às obrigações de seu estado, justas para com todos,

caridosas com os desgraçados, de bom humor, sempre doces e disponíveis, de

uma comunicação fácil; sempre prontas a fazer serviços, e eles brevemente

serão ganhos para Cristo. Padre Graty fala desta multidão de pobres que

morrem de fome, pouco a pouco. Eles têm alguma coisa para se alimentar, mas

não é suficiente e acabam por desfalecer e morrer.

Esta é a imagem que se passa ao redor de vós na ordem espiritual. O

próximo tem cada dia alguma coisa para comer. Ele tem o pão da ciência, o pão

de certas afeições, mas insuficientes de verdade, pela insuficiência da vida

moral, pode-se dizer que ele more lentamente de fome de Deus.

“Não tendes dúvidas em relação às pessoas - diz São Paulo aos

Romanos. A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor

recíproco. Porque aquele que ama seu próximo cumpriu toda a Lei”. (P.13.8)

“Se não cumprirmos esta Lei do amor completamente, somos

devedores”, diz Santo Agostinho. O meio de descontar essa dívida é de se dar

o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo – ELE NOS AMOU E SE ENTREGOU

POR NÓS.

O Espírito que inspirou esta falange de santos elevados à Glória está

sempre vivo. Ele paira sobre a Igreja: Corpo Místico de Cristo, sobre vós, por

conseguinte, os filhos de Deus.

Não vos deixeis desconcertar pelas contradições e pelas provações da

vida e servir a Deus com uma fidelidade de amor todos os dias mais profundo,

mais afetuoso, mais devotado. Enfim, para realizar este magnífico programa de

vida cristã que Santa Flora vos traça: Consentir sempre em alimentar vossas

almas com a prece piedosa, com a assistência à Santa Missa, a Santa

Comunhão e a leitura meditada do Santo Evangelho. Rezai, a quantidade de

socorros divinos é que tem o maravilhoso poder de ajudar vossos esforços e de

ativar vossos progressos e assegurar vossa perseverança que se apresenta em

primeiro lugar, na PRECE. Dotada de privilégios insignes, revestida dos méritos

de Jesus Cristo e rica de suas mais belas promessas, a PRECE vos aparece

toda aureolada de um grandioso ornamento, vivificada por uma força superior,

igual ao de uma chama que sobe aos céus e dotada de um olhar mais

Page 54: A Vida de Santa Flora

54

penetrante que o da águia, ela se eleva com ardor para Deus, descobre nEle as

grandezas adoráveis de sua sublime majestade, os esplendores de sua

Claridade infinita e de suas Altas Perfeições.

Operando sua ascensão para o céu, a alma que reza, se alimenta de

suas iguarias, de suas bebidas invisíveis da qual S. Rafael, fiel companheiro de

Tobias, falava com enlevo e transporte. A alma que reza toma gosto, por assim

dizer, para adiantadamente gozar das delícias daquele peso imenso de glória

do qual São Paulo exaltava as eternas magnificências. A alma que reza aspira

as celestes correntes da fonte de vida que reside em Deus, para aí desalterar e

estancar sua sede de verdade, de luz e de felicidade. “Vinde, Senhor Jesus,

vinde”, exclama ela, como outrora São João escrevia do Apocalipse.

Colóquio íntimo da filha com seu Pai ternamente amado, linguagem

muito cordial do filho de família do lar paterno, a prece eleva com acentos tanto

alegres quanto dolorosos, segundo ela traduz os louvores de compaixão.

Humilde súplica da alma que penetrada de sua indulgência, a prece apóia sua

confiança sobre a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Em verdade vos

digo, se pedis alguma coisa a meu Pai, em meu nome Ele vos dará”.

Como a flor de nossos jardins, cujo cálice se abre na aurora, para

receber das alturas celestes a luz do orvalho, assim vossas almas cristãs se

voltam para Deus cada manhã para lhe dizer com sentimento de fervor e vivo

reconhecimento esta exclamação filial: Pai Nosso que estais nos céus... Que a

prece, em uma palavra, seja respiração de vossa alma e que ela absorva o

melhor de vosso tempo.

Enfim, para assegurar os frutos de vossa prece fazei algumas piedosas

reflexões de exame de consciência e de resolução. Comungai! O Profeta

Zacarias, muitos séculos antes da Instituição da Sagrada Eucaristia, publicava o

poder da Comunhão, quando ele exclamava: “Que há de melhor e de mais belo

senão o fermento dos eleitos e o vinho que gera virgens?”

Como não se admirar, pois, que este Augusto sacramento contém

realmente o Corpo e Sangue, a alma e a Divindade de Jesus Cristo, sob as

aparências de pão e vinho?

Page 55: A Vida de Santa Flora

55

Quando pela Eucaristia Nosso Senhor Jesus Cristo reside no Santuário

de nossa alma, vós deveis, segundo os conselhos de São Francisco de Sales,

reunir todas as vossas faculdades para que escutem e abracem seus interesses

e partilhem de seus sentimentos e obedeçam a seus mandamentos. “Comungai

seguidamente” - dizia São Francisco de Sales a Filotéia. “Crede-me, adorando

e recebendo a Beleza e a Pureza deste Divino sacramento, vos tornareis toda

bela e toda pura”.

O Santo Bispo escrevia a um homem que lhe interrogara sobre os frutos

da Eucaristia: “Segundo uma experiência de 23 anos consagrados ao ministério

das almas, eu poderia , se alguma sorte, dizer q eficácia do Sacramento da

Eucaristia. Ele fortifica a alma no bem, lhe inspira santos pensamentos e

afastamento do mal, a consola, a eleva, a edifica, por assim dizer, contanto que

ela receba com uma fé viva, um coração puro e uma alma recolhida.

Purificai frequentemente vossas almas no santo tribunal da Penitência e

vinde ajoelhar-vos à mesa da Comunhão para receber a adorável Eucaristia

que é o DOM supremo do amor de Nosso Senhor Jesus Cristo pelos homens.

Esta hóstia, pura, santa e imaculada, a flor divina do sacerdócio católico será

verdadeiramente para vós o precioso socorro que vos ajudará, segundo a

recomendação de Pio XI, a florescer em beleza para frutificar em bondade.

Amai a Vossa Missa. Mas como vos falar da Eucaristia, alimento de

vossas almas sem atrair vossas piedosas atenções sobre a imolação de Jesus

Cristo no santo altar?

A comunhão e a Santa Missa pedem não serem separadas porque elas

são a renovação e continuação da Última Ceia. Na Quinta-Feira Santa, a

comunhão foi totalmente unida à Consagração que é só e mesma fórmula.

Jesus Consagrou e convidou os discípulos a comungar : “Tomai e comei, isto é

o meu Corpo; Tomai e bebei, isto é o meu Sangue que será derramado por

vós”. A Missa é a imolação atual de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Sacrifício do

Calvário lembrado, renovado e aplicado. O Cristo Redentor instituiu um

sacrifício para perpetuar através dos séculos, a memória e os frutos de sua

oblação no Calvário. Sobre o altar se reproduz o mesmo sacrifício que no

Calvário. É o mesmo Pontífice, Jesus Cristo, que se oferece ao Pai pelas mãos

Page 56: A Vida de Santa Flora

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do Sacerdote, é a mesma vítima. Não dizeis alguma vez: Oh! Se eu estivesse

no Gólgota ao pé da cruz com a Santa Virgem e São João e as santas

mulheres!...Ora, na Missa, a fé nos ensina que Nosso Senhor Jesus Cristo está

realmente presente com os mesmos fins pelos quais Ele se ofereceu sobre a

Cruz. Prostrados aos pés de Jesus que se imola, uni vossos sentimentos de

amor de Jesus para com o Pai e para com os homens. Depois dizei a Deus,

como Jesus: “Pai, eis-me aqui para fazer a Vossa vontade”. A missa é uma

corrente de Adoração, de louvor, de ação de graças, de homenagens, de

reparação e de expiação que do altar, a Divina Vítima imolada, se eleva até

Deus Pai e uma outra corrente que desce de Deus sobre nós. Graças à prece

redentora do sacrifício, ela é transbordante de efusões divinas do Pai que ama

seus filhos.

Instado pelas solicitações da terra e do céu, Nosso Senhor Jesus Cristo

dá ao mundo apoio beneficente de sua poderosa intercessão. A petição da

Divina Vítima imolada sobre o altar, abrem-se os tesouros da misericórdia

infinita para dar aos filhos de Deus o bálsamo que cura, a consolação que

alivia, a luz que ilumina , os santos desejos que levam à generosidade, enfim,

os golpes da graça que forçam às últimas e impenetráveis barreiras do coração

endurecido.

A única coisa que eu reclamo em vós - dizia Santa Mônica a seu filho

Santo Agostinho – é que vos lembreis de mim dias antes de eu morrer e vos

lembreis diante do altar do Senhor na Santa Missa.

O Santo Cura D’Ars dizia: “

Se os homens conhecessem o preço da Santa Missa, ou antes, se eles tivessem uma fé viva, eles teriam mais zelo para assisti-la”.

“Quando nós queremos obter alguma coisa do bom Deus, nós oferecemos seu Filho bem amado com todos os méritos de sua paixão, de sua morte e Ele não poderá recusar. Sabei bem que no Santo Sacrifício da Missa vós não sois espectadores, mas atores, isto é, tomareis parte no drama com uma verdadeira função”.

O sacerdote antes do Prefácio torna-se para vós para vos lembrar que

não somente é sua a Missa, mas de vós todos.

Page 57: A Vida de Santa Flora

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Rezai, meus irmãos - diz ele - para que o meu sacrifício que também é

vosso, seja agradável a Deus Pai Todo Poderoso. Que a Missa, cujos frutos

são de um valor infinito seja para sempre o centro e o sol de vossa vida cristã.

Depois de ter religiosamente assistido à Missa e comungado, o discípulo

de Cristo se associa ao grande Mistério da Redenção suportando

valorosamente os sofrimentos, as adversidades, as provas, as contradições e

Deus lhe oferece uma cruz para levar. “Se alguém quer ser meu discípulo, disse

Nosso Senhor, tome a sua cruz e siga-me”. Quem a toma como Cristo, toma a

cruz por amor, por Ele, em união com Ele. Então, a virtude de sua cruz

comunicará a força, a paz e a alegria interior. “Lêde muitas vezes os Santos

Evangelhos. Oh! que admirável profundidade se encontra nas vossas

escrituras!” - exclama Santo Agostinho, nas suas confissões: “Sua aparência

agradável parece, antes para atrair as crianças que somos nós, mas que

profundidade! Oh! Meu Deus! Que espantosa profundidade. Não se pode lançar

os olhos sem estremecermos de terror, de respeito e frêmitos de amor”.

A leitura das Santas Escrituras é que foi o ponto de partida na conversão

de Santo Agostinho. Alma agitada, quebrantada por violentas tempestades ia e

vinha nos jardins da casa do Alípio, seu amigo, não podendo reter suas

lágrimas, quando repentinamente ele ouviu estas palavras “Toma e lê” .Tendo

pois retido o curso das lágrimas, ele tomou o manuscrito sagrado das Santas

Escrituras e leu estas palavras: “Revesti-vos de Nosso Senhor Jesus Cristo e

não procurareis ouvir os desejos da carne.”

“Eu não quis ler mais - disse ele - pois apenas tinha acabado de ler uma

vez estas poucas palavras que uma luz calma e serena se espalhou no meu

coração dissipando todas as trevas de minhas dúvidas”. Esta leitura foi para

Santo Agostinho o ponto de partida de sua conversão. Ora, todos os santos se

alimentaram da palavra de Deus e graças a ela, eles se elevaram a uma alta

perfeição. Eles vos apresentam os Santos Evangelhos e vos dizem: Tomai e lê.

O Papa Leão XIII de santa memória, em suas encíclicas dignas de

louvores, dirige elogios aos Papas da Igreja primitiva que recomendavam a

leitura das Santas Escrituras. Os Papas e os Monges do Ocidente chegaram a

um alto conhecimento de Deus e à glória pelo estudo assíduo e meditação da

Page 58: A Vida de Santa Flora

58

Bíblia e eles testemunham seu reconhecimento a Deus. Conhecendo a fundo

todas as riquezas das Santas escrituras não lhes esgotaram elogios,

principalmente pelos frutos que delas tiraram e que nós podemos tirar.

Em muitas passagens de suas obras, os Papas chamam simplesmente

de “Livro Santo”, precioso tesouro da doutrina celeste, eterna fonte de saúde.

Eles comparam a prados férteis e deliciosas fontes e jardins floridos nos quais

os fiéis do Senhor encontram forças admiráveis e um grande atrativo.

A Igreja, pela voz de seus Pontífices, nos exorte a ler os Santos

Evangelhos. Mas como devemos lê-los? O autor da Imitação de Cristo desde os

primeiros capítulos de sua admirável obra nos recomenda a leitura religiosa dos

Santos Evangelhos.

Façamos nosso principal estudo: meditar sobre a Vida de Jesus Cristo

Nosso Salvador, cuja doutrina é muito mais excelente do que a de todos os

Santos, e uma pessoa que tiver o verdadeiro espírito aí encontrará um maná

escondido. Mas a maior parte dos que ouvem muitas vezes o Evangelho ficam

pouco interessados, porque eles não têm o espírito de Jesus Cristo.

O autor de Imitação de Cristo acrescenta ainda esta recomendação:

Lêde humildemente, simplesmente e fielmente. Humildemente com esta

persuasão de que a graça de Deus vos fará penetrar em seu sentido.

Simplesmente, isto é, abrindo o coração e os olhos sobre as aplicações que

deveis fazer sobre o que estais lendo. Fielmente, isto é, com constância,

perseverança e assiduidade. Ele acrescenta enfim, para compreender e bem

aproveitar a Palavra de Cristo é preciso procurar formar nossa vida sobre o

modelo da Sua.

“Uma passagem do Evangelho percorrida com atenção - dizia um dia em

Notre Dame, o Pe. Janvier, eminente conferencista - aplaca as tempestades

interiores das quais nós somos vítimas, desperta bons sentimentos e o gosto do

bem. É lá que aprendemos a amar nosso Salvador, vendo o quanto Ele nos

amou. É lá que pais e mães deverão enriquecer as suas almas com os tesouros

que os Evangelhos contém e depois partilhar com as almas juvenis que lhe

foram confiadas”.

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Nas “Lembranças de Jovens” do Pe. Graty, nós lemos como durante dois

anos de estadia na Escola Politécnica, ele compensava sua alma ávida de

verdade substancial e viva, da inevitável seca pelas abstrações de álgebra e de

geometria:

“Eu comungava todos os domingos. Além disso, eu tinha uma sede e uma fome contínua de outro Corpo de Cristo que é a Sagrada Escritura, os Santos Evangelhos. O vigor divino do texto inspirado me reanimava. Eu estaria morto espiritualmente se fosse preciso viver somente de álgebra. Eu tomei a resolução corajosa e difícil de dividir, contra todo e regulamento e com toda possibilidade visível de meu dia em duas partes: Uma o estudo da escola Politécnica e a outra parte para me recolher, penetrar em minha alma, ler o Evangelho, meditar e escrever”.

Peregrinos de Santa Flora vós lereis, pois meditareis atentamente vosso

Evangelho aí vós vereis resplandecer a adorável e atraente fisionomia de

Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vós saboriareis, como tantos outros cristãos, suas Palavras de vida que

são sempre tão penetrantes como vibrantes e também transbordantes de luz e

de amor como nos dias em que elas vibraram na Montanha das Bem-

Aventuranças, sobre as margens de Genezaré, ou sob o pórtico do Templo de

Jerusalém. Nos seus Evangelhos N. S. Jesus Cristo vos falará sempre muito

afetuosamente. Ele espalhará sobre vós e em vós a chispa desse fogo divino

que Ele veio trazer à terra e do qual Ele quer vos abrasar, quero dizer, a

Caridade.

Podeis vós nisso conhecer toda a suavidade, a doçura e os proveitos

inestimáveis que tirareis dessa leitura. E não se necessita mais que fazer a

prova. Gostai e vêde como o Senhor é amável. As Multidões se oprimiam

outrora ao redor dEle. Porque - pois Nota o Evangelista - Porque saía de Jesus

uma virtude miraculosa e benfazeja. Ora, esta virtude é sempre a mesma: a

fonte inesgotável. E é na meditação dos Santos Evangelhos que se faz uma

nova e divina efusão. Colocai-vos com alegria nas fontes de nosso Divino

Salvador. Como outrora os discípulos de Emaús, à tarde da ressurreição, vós

podereis dizer com toda a verdade: “Não é que o nosso coração se inflamava

Page 60: A Vida de Santa Flora

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dentro de nós enquanto Ele falava no caminho e nos explicava as Santas

Escrituras?”

Em resumo: graças à leitura meditada dos Santos Evangelhos, vós não

tardareis em adquirir, segundo S. Paulo, “o Sentido de Cristo”, isto é, uma

perfeita conformidade de pensamentos, de sentimentos e de obras com o

Divino Mestre. Enfim, se vós tendes cuidado de pôr em prática os conselhos

que vos são afetuosamente dirigidos nestas páginas, a vós realizareis o grande

desejo de Pio XI: Vós florescerei em beleza para frutificardes em bondade.

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CAPÍTULO 10

DESEJO SACERDOTAL

“Que, sob a benevolente benção de Santa Flora, a verdade e a caridade, estes ricos diamantes tão magnificamente engastados na sua edificante vida religiosa, estejam sempre nas almas dos peregrinos da Santa de Quercy.

Que essas graças reinem em seus lares, que elas penetrem em suas famílias e que elas animem todas as suas obras.

Realizando então, a verdade e a caridade, segundo a expressão de S. Paulo, possam progredir naquele que é seu Chefe, N. S. Jesus Cristo, e chegar a seus cumes justamente chamados pelo Apóstolo “a medida de Cristo!”

Tal é o voto tão delicadamente expresso na primeira página da “Vida de

Santa Flora”, pelo Mons. Blanc, prelado de S. Santidade, do Cônego Dablanx e

de seus vigários gerais. Tal é igualmente, do piedoso inspirador destas linhas o

apóstolo dos peregrinos d’Issendolus, o pastor amado de sua paróquia, Abade

Gasqué. Tal é também, do autor deste modesto panegírico, feliz de misturar

seus sentimentos aos louvores dos Soberanos Pontífices, dos Bispos, dos

Prelados e dos sacerdotes devotados de Santa Flora que qual flor perfuma os

vales de Quercy.

Trabalhei, pois, ativamente em vossa santificação, piedosos peregrinos

de Santa Flora, e vós contribuireis com os apóstolos dos tempos presentes para

a recristianização do mundo.

O remédio fundamental para os males da sociedade contemporânea é o

que o Santo Papa Pio XI preconizava com força da Encíclica “Divinis

Redemptris”

Isto consiste numa renovação sincera da vida privada e pública, segundo

os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer a

Cristo.

Page 62: A Vida de Santa Flora

62

Quem, pois, meditar frequentemente estas palavras de N. S. Jesus

Cristo dirigidas a seus discípulos e que Ele dirige também a nós:

“Vós sois o sal da terra, Vós sois a luz do mundo Uma cidade situada na montanha Não pode ser encondida E não se acende uma lâmpada Para colocá-la sob o alqueire Mas sobre o candelabro para que ela esclareça toda casa.”

Que assim, vossa luz ilumine os homens, a fim de que eles vejam vossas boas

obras e glorifiquem o Pai que está nos céus.!

Maurs e Issendolus são duas cidades irmãs, uma foi o berço de Santa

Flora e a segunda o campo de ação de seu apostolado. Os habitantes de

Maurs, a quem o autor destas linhas envia toda sua simpatia, querem

considerar a vida de Santa Flora como também sendo dirigida aos habitantes

de Issendolus.

Ora, seu Bispo muito venerado, Mons. Lecoeur, se digne juntar suas

bênçãos às de Mons. Bispo de Cahors e desejar que estas páginas aumentem

a devoção à Santa Flora. Que ele queira aprovar os sentimentos muito

respeitosos do humilde autor da Vida de Santa Flora.

Page 63: A Vida de Santa Flora

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CAPÍTULO 11

GLÓRIA A DEUS NO MAIS ALTO DOS CÉUS

Os Cristãos da Idade Média, que os cronistas nos mostram

profundamente apegados a sua fé, tinham feito do cântico dos anjos no berço

do Menino Deus, um cântico solene de Glória e de alegria, de louvores e de

ação de graças. “Nós vos louvamos”, exclamam eles todos exaltados de um

santo entusiasmo: “nós vos adoramos, vos bendizemos, vos rendemos graças

por vossa infinita glória”.

Ao término destas páginas consagradas a glorificar a santa de Quercy,

voltamo-nos com reconhecimento para Deus, Autor de todos os dons e com

vivos sentimentos de fervor celebramos seus benefícios. “GLÓRIA A DEUS NO

MAIS ALTO DOS CÉUS!”

A honra dos santos não é tanto a sua honra, mas a de Deus por Si

mesmo. Exaltar as virtudes dos santos é render testemunho Àquele de onde

lhes vêm toda a força que os elevou à santidade. É glorificar particularmente a

Onipotência, a Grandeza e a Imensidade da caridade do Altíssimo.

Em face de todos os Santos tão dedicados na sua piedade e no seu

amor a Deus e ao devotamento ao próximo, sentimos nosso coração vibrar de

entusiasmo, gratidão e alegria.

Os santos emocionam profundamente os nossos corações, porque eles

são a Epifania do Senhor. Sua aparição no meio do mundo, a revelação de sua

admirável Encarnação e a manifestação de seu Divino Evangelho. “Os santos -

diz Mons. Hultus, em seu tríduo em honra a São Bernardo - são as fontes

supremas da sabedoria de Deus, para justificar sua Obra para estabelecer

equilíbrio moral no mundo, para vingar o próprio da esterilidade da graça

fecunda que não se aproveita e que diariamente desce do calvário sobre a

humanidade.

A vida dos santos é uma plena satisfação ao Coração de Cristo que pelo

Profeta Isaías convidava aproveitar de sua palavra, nestes termos:

Page 64: A Vida de Santa Flora

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“Como a chuva desce do céu e não retorna mais sem que ela tenha regado e fecundado a terra, não tenha coberto de verdura e que não tenha dado a semente ao semeador e o pão, o alimento do homem, assim a Palavra de Deus, que lhes transmito ela não volta a mim sem efeito, sem ter executado o que eu quis cumprir”.

Um santo é, pois, um imenso benefício da Divina Providência. É por isso

que, com os olhos fitos na grande Santa de Quercy que cumpriu sua missão

com uma sublime perfeição, nós podemos exclamar como São Paulo: “Graças

sejam dadas a Deus por este dom inefável”.

Enfim, agradecemos a Deus que fez germinar a santidade na terra de

França. O Soberano Pontífice gloriosamente reinando, na audiência da

santificação de Emilia Vialar, fundadora da Congregação Missionária de S. José

da Aparição exaltava com palavras elogiosas à santidade francesa.

Estas palavras do Vigário de Cristo pronunciadas em circunstâncias

muito solenes nos farão apreciar devidamente a missão cumprida pela pequena

Teresa, do Século XIV:

“Quanto a vós, meus caros filhos - dizia S. Santidade o Papa Pio XIII a seus numerosos ouvintes - ides reconquistar para França, levando de Roma um novo florão para sua coroa,já tão rica de santos e Beatos.

Com as cândidas virgens de Genoveva a Bernadette, com as mulheres de coração viril como Joana D’Arc e Joana Francisca de Chantal; com os místicos extasiados como Colette e Margarida Maria; com as grandes educadoras como Joana de Lestonnac e Madalena Sofia barat; a França tem tido sempre no meio de seus filhos e filhas missionários intrépidos. Depois de um século e meio a falange dessas mulheres apostólicas tomou um acréscimo no mundo pagão e todos sentiram seus efeitos. Ao desbravar regando com suor e muitas vezes com sangue a terra dos infiéis se juntou uma legião de auxiliares invisíveis, implorando nas sombras dos claustros, sob o hábito, o cilício para suplicar, abrasadas de amor de Deus, e inundadas de lágrimas, graças sobrenaturais, sem as quais todo apostolado seria vão”.

Page 65: A Vida de Santa Flora

65

Quando nosso predecessor de gloriosa memória proclamava uma

Carmelita de Lisieux, Padroeira dos missionários, não fez mais que levantar o

dedo como Teresa Martin, designando, ela mesma no céu, sua estrela, um

astro de primeira grandeza no centro do firmamento brilhantemente constelada.

Ide, caros peregrinos de França, repetir esta grande lição: A obra de Deus se

faz, antes de tudo pelas almas humildes ardentemente devotadas à sua Glória

e santamente arrojadas em sua empresa, confiantes na sua Providência no

meio de todas as dificuldades e decididas enfim a tudo sofrer, antes de

abandonar o posto que Deus lhes confiou. Dirijamos ao Altíssimo com o

magnífico: GLÓRIA A DEUS dos anjos de Belém esta sublime homenagem que

se elevava do coração de Davi, o profeta inspirado:

“QUE VOSSAS OBRAS VOS LOUVEM, Ó SENHOR!

QUE VOSSOS ELEITOS VOS BENDIGAM PORQUE VÓS

SOIS A GLÓRIA DE SUAS VIRTUDES, DE SUA FORÇA

E DE SUA SANTIDADE.

OH! DEUS, COMO SOIS ADMIRÁVEIS EM VOSSOS SANTOS!”

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CAPÍTULO 12

LADAINHA EM HONRA DE SANTA FLORA Virgem da Ordem de São João de Jerusalém do Hospital de BEAULIEU em

QUERCY – FRANÇA Senhor, tende Piedade de nós

Jesus Cristo, tende piedade de nós

Senhor, tende piedade de nós

Jesus Cristo, ouvi-nos

Jesus Cristo, atendei-nos

Deus pai dos céus, tende piedade de nós

Deus Filho, Redentor do Mundo, tende piedade de nós

Deus Espírito Santo, tende piedade de nós

Santíssima Trindade que sois um só Deus, tende piedade de nós

Santa Maria, rogai por nós

Santa Virgem das virgens, rogai por nós

São João Batista, rogai por nós

São Julião, Mártir de Cristo, rogai por nós

Santa Flora, rogai por nós

Criança cumulada das mais doces bênçãos, rogai por nós

Alegria de vossos pais, rogai por nós

Santuário de Inocência, rogai por nós

Perfume de Oração, rogai por nós

Esposa de Jesus Cristo, rogai por nós

Refúgio dos peregrinos, rogai por nós

Serva dos doentes, rogai por nós

Mãe dos pobres, rogai por nós

Marta pelo devotamento, rogai por nós

Madalena pela contemplação, rogai por nós

Ouro provado pelo crisol, rogai por nós

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Tabernáculo da cruz, rogai por nós

Vaso ornado de preciosas pedras, rogai por nós

Espelho de piedade, rogai por nós

Lírio de pureza, rogai por nós

Modelo de obediência, rogai por nós

Rosa de Caridade, rogai por nós

Poderosa em palavras e obras, rogai por nós

Ilustre taumaturga, rogai por nós

Virgem miraculosamente alimentada, rogai por nós

Pelo Corpo de Cristo, rogai por nós

Vós a quem foi revelado vossa glória eterna, rogai por nós

Vós que fostes revestida pelos anjos das vestimentas do céu, rogai por

nós

Heroína de santidade na tenra idade, rogai por nós

Bem-aventurada companheira do Cordeiro Divino, rogai por nós

Esplendor brilhante de uma nobre família, rogai por nós

Flor que embalsamou os vales de Quersy, rogai por nós

Glória da Milícia de São João, rogai por nós

Alegria da casa de Beaulieu, rogai por nós

Honra da Igreja de Cahors, rogai por nós

Protetora de Issendolus, rogai por nós

Ó nossa bem amada Santa Flora, rogai por nós

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, Perdoai-nos, Senhor

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, Ouvi-nos, Senhor

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende Piedade de

nós.

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ORAÇÃO

Ó Deus que vos dignastes conduzir ao céu vossa bem-aventurada

virgem santa Flora, nós vos pedimos pelos seus méritos e suas preces de

perdoar nossos pecados, nos defender nos perigos, nos livrar de nossos

inimigos visíveis e invisíveis e de nos fazer pensar muitas vezes nas coisas

celestes.

Por Nosso Senhor Jesus Cristo que convosco vive e reina na Unidade do

Espírito santo. Amém

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BIBLIOGRAFIA

1. Padres Bolandistas, Ata dos Santos

2. LACARRIÈRE, Abade Ciprien, Vida de santa Flora, 1865.

3. AMADIEU, Abade José; Santa Flora ou a Flor do Hospital de Beaulieu. 1923.

4. GALLAY, Vigário de Saint-merry, do Clero d Paris; Vida de Santa Flora,

1938.