Materialismo eliminativista e naturalismo

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UNIFESSPA

Tpicos Especiais em Psicologia IV: Introduo Filosofia da Mente

Aula 6:

Materialismo eliminacionista e naturalismo biolgico

Eliminativismo:
Definio geral

O eliminativismo uma teoria filosfica que combina o princpio da inexistncia de entidades e propriedades supostamente referidas por um dado vocabulrio com o princpio de que esse vocabulrio deve ser eliminado.

O materialismo eliminativista a tese radical de que o nosso entendimento de senso comum sobre a mente (a psicologia do senso comum, psicologia popular, ou folk psychology) est profundamente errado, e que alguns ou todos os estados mentais postulados por esse entendimento no existem.

Eliminativismo:
Definio geral

Para o materialista eliminativista, as correspondncias um-a-um no sero encontradas, e a estrutura psicolgica de nosso senso comum no pode obter uma reduo interterica, porque a estrutura psicolgica de nosso senso comum uma concepo falsa e radicalmente enganosa das causas do comportamento humano e da natureza da atividade cognitiva (Churchland, p. 79)

CHURCHLAND, P. M. Matria e conscincia. Uma introduo contempornea filosofia da mente. So Paulo: Editora UNESP, 1998.

Objees ao materialismo

Churchland (1981) afirma que a motivao para o materialismo eliminacionista a grande quantidade de objees ao fisicalismo focadas nos qualia e no problema da intencionalidadeIntencionalidade = contedo/significado dos estados mentais

Como estados mentais so intencionais (atitudes proposicionais), no podem ser reduzidos ou eliminados em favor de algo mentalIrredutibilidade do estado mental (Brentano)

Para que essas objees sejam dispersadas, preciso demonstrar que fazem parte de uma teoria falsa

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

Paralelos histricos

Churchland argumenta que o eliminativismo, como procedimento epistemolgico, tem casos histricos de eliminao pura e simples da ontologia de uma nova teoria mais antiga, em favor de uma teoria nova e superior (p. 79)

Calrico - fluido retido nos corpos responsvel pela temperaturaRelativo sucesso na explicao das trocas de calor, expanso trmica, derretimento, ebulio, &c

No sc. XIX, o calrico eliminado pela teoria cintico-corpuscular da matria e do calor maior sucesso explanatrio; dificuldades em demonstrar a existncia da substncia

Flogisto - substncia voltil que liberada na combusto ou na oxidao, ou que adicionada a uma substncia na fundioO flogisto revelou-se no uma descrio incompleta do que acontecia, mas sim uma descrio radicalmente incorreta.

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Antecedentes histricos

Holbach (1770) no h nenhuma dimenso da psicologia humana que corresponda nossa noo de senso comum de liberdade; portanto, o conceito livre arbtrio deve ser eliminado

Hume (1739) parte alguns metafsicos dessa espcie, arrisco-me, porm, a afirmar que os demais homens no so seno um feixe ou uma coleo de diferentes percepes () que se sucedem umas s outras com uma rapidez inconcebvel, e esto em perptuo fluxo e movimento

Antecedentes histricos

C. D. Broad (1925) The Mind and Its Place in Nature rejeio de um materialismo ingnuo que trata estados mentais como atributos que no se aplicam a algo no mundo (p. ex., comportamento)

Sellars (1965), Empiricism and the philosophy of mind - as nossas concepes do mental no podem ser derivadas do acesso direto ao funcionamento interno de nossas mentes, mas de um arcabouo terico primitivo que herdamos da cultura

Paul Feyerabend (1963), Mental events and the brain - As concepes da psicologia do senso comum so no-fsicas, e qualquer verso do materialismo tende a rejeit-las

Quine (1960), Word and Object: Seria o fisicalismo um repdio aos objetivos mentais, ou uma teoria sobre eles? [O fisicalismo] repudia os estados mentais da dor ou da raiva em favor de seus concomitantes fsicos, ou identifica o estado mental com um estado do organismo fsico?

Antecedentes histricos

O materialismo eliminativista representa uma tenso entre duas condies diferentes nas quais os conceitos mentais so descartados:

No existem estados mentais, s estados do crebro

Existem estados mentais, mas eles s so estados do crebro (e eventualmente iremos assumi-los como tal)

Rorty (1965), Mind-body identity, privacy, and categories - as sensaes no existem, e so to somente estados cerebrais

Reduo vs. eliminao

As teorias da identidade de Smart e Feigl assumem o processo de reduo interterica, com demonstrao de correspondncias pontuais entre os conceitos

O eliminativismo afirma que essas correspondncias so impossveis de encontrar, porque o vocabulrio da PSC descreve entidades fictcias

No entanto...

Lycan e Pappas (1972): em alguns sentidos (sentido b), no h diferena entre reducionismo e eliminativismoOU voc afirma que os conceitos da PSc no se referem a nada real e que os termos mentais so vazios

OU voc afirma que os termos mentais so de alguma forma redutveis a estados neurofisiolgicos ou computacionais do crebro

Savitt (1974): mudana terica ontologicamente radical (eliminativismo) ou ontologicamente conservadora (reducionismo)

A psicologia do senso comum como teoria

Tese de Sellars: utilizamos um arcabouo terico para explicar e prever o comportamento inteligente usamos uma TEORIA para ao utilizar um idioma mental (theory-theory)

uma teoria porque contm generalizaes (ou relaes tipo-lei, que descrevem relaes causais e contrafactuais e regularidades) e afirmaes tericas especficas, denotadas por termos psicolgicos como crena e dor

Como construtos tericos, os estados mentais no so diretamente observveis

A psicologia do senso comum como teoria

P. ex.: se uma pessoa deseja que X e acredita que a melhor forma de conseguir X fazer Y, ento essa pessoa tender a fazer Y

A PSC atribui propriedades a esses estados; p. ex., crenas apresentam propriedades causais (relaes com estados no mundo e outros estados mentais); crenas tem intencionalidade (expressam proposies)

A psicologia do senso comum como teoria

Churchland (1981) argumenta que assumirmos a PSC como teoria permite que unifiquemos os problemas mais importantes da filosofia da mente e da psicologia, incluindoA explicao e a previso do comportamento

Os significados de nossos termos para estados mentais

O problema das outras mentes

A introspeco

A intencionalidade dos estados mentais

O problema mente-corpo

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

Explanao e previso do comportamento

Todos somos capazes, em certa medida, de explicar e prever o comportamento de outras pessoas e animais de forma relativamente fcil

Essas explicaes e previses atribuem crenas e desejos aos outros

Explicaes e previses pressupem relaes tipo-lei, mas Churchland (1981) acredita que algumas relaes nomolgicas podem ser reconstrudas a partir das explicaes da PSC

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

O significado dos nossos termos mentais

Se a PSC uma teoria, a semntica dos nossos termos deve ser entendida da mesma forma como a semntica de quaisquer termos tericos

Churchland (1981): o significado de um termo terico derivado de uma rede nomolgica no qual ele figua

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

Intencionalidade

Desde Brentano, a intencionalidade marca um contraste fundamental com o que meramente fsico

Na perspectiva de Churchland (1981), a intencionalidade dos estados mentais no uma caracterstica misteriosa da natureza, mas uma caracterstica estrutural dos conceitos da psicologia do senso comum

Essas caractersticas estruturais revelam o quanto a PSC similar s teorias cientficas

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

Intencionalidade

P. ex.: comparemos as atitudes proposicionais (acredito que p) com atitudes numricas (tem massa n) (Churchland, 1981)

Ambas so expresses formadoras de predicadoNo caso numrico, substitutimos n por um nmero para formar um predicado

No caso proposicional, substituimos p por uma proposio para formar um predicado

Em ambos os casos, as relaes lgicas mantidas entre as atitudes so as mesmas mantidas entre seus contedos

Em ambos os casos podemos formar leis para quantificadores

A nica diferena entre a PSC e as teorias cientficas encontra-se no tipo de entidade abstrate que utilizam (proposies ao invs de nmeros)

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

A psicologia do senso comum como teoria e o problema mente-corpo

A questo do problema mente-corpo passa a ser como a ontologia de uma teoria relaciona-se com a ontologia de outra teoria?

As diferentes respostas refletem diferentes posies acerca da reduo da PSC neurocincia (Churchland, 1981)A teoria da identidade sustenta que haver uma reduo suave que preserva a ontologia da PSC

O dualismo afirma que no haver reduo, pois tratam-se de domnios diferentes

O funcionalismo sustenta que no haver reduo, porque a psicologia lida com um conjunto abstrato de relaes entre estados funcionais que podem ser realizados em diferentes meios

O eliminativismo afirma que a PSC no ser reduzida neurocincia, porque est radicalmente incorreta

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

Mudanas tericas eliminativas e redutivas

Savitt Mudanas tericas ontologicamente conservadoras ou radicais

Conservadora quando as entidades e postulados da teoria substituda so realocadas, com algum grau de reviso, na teoria substituinteConforme a teoria da luz foi gradualmente substituda pelo entendimento da radiao eletromagntica, nossas concepes foram dramaticamente transformadas; entretanto no dizemos que no h algo como a luz

Radical quando a reviso aponta a necessidade de eliminar um conceito falsoA transio da demonologia para a psicopatologia levou eliminao dos espritos malignos como entidades causadoras de transtornos mentais

Trs cenrios para a eliminao da psicologia do senso comum (Churchland, 1981)

Conexionismo

Chegaremos a uma teoria do crebro que consistente com a biologia evolutiva, e que nos prescreve, a cada momento, um estado complexo que pode ser descrito como um slido em um espao de fases n-dimensional

Qualquer sentena possvel ser como uma projeo unidimensional quela desse espao de fases

Antipodianos (Cenrio mais radical)

Partindo da hiptese de que nossa capacidade de utilizar a linguagem uma funo adquirida adicional do nossa maquinaria cognitiva, que organiza a experincia perceptual...

Idiomas como o portugus utilizam somente uma frao dessa maquinaria cognitiva

O conhecimento de como essa maquinaria funciona nos permitir inventar uma linguagem muito mais sofisticada, com sintaxe e semntica totalmente novas, fazendo com que a PSC desaparea

Fico cientfica

Descobrimos como diferentes partes do encfalo comunicam-se (p. ex., hemisfrios)

Com base nisso, inventamos mquinas que permitam que os crebros dos diferentes indivduos comuniquem-se diretamente entre si, sem a mediao da linguagem

CHURCHLAND, P. M. Eliminative materialism and the propositional attitudes. Journal of Philosophy 78, 67-90, 1981

Naturalismo externalista

Uma determinada assimetria paradoxal surgiu na histria do materialismo. As teorias de identidade tipo-tipo anteriores argumentavam que podamos nos livrar de estados mentais cartesianos e misteriosos porque tais estados no eram nada mais que estados fsicos (nada alm de estados fsicos); e defendiam isso com base na assuno de que se poderia mostrar que tipos de estados mentais seriam idnticos a tipos de estados fsicos, que obteramos uma correspondncia entre as asseres da neurobiologia e nossas noes convencionais, como a dor e a crena. J no caso do materialismo eliminativo, o que se considera como a justificativa da eliminao desses estados mentais exatamente o pretenso fracasso de qualquer correspondncia semelhante (Searle, pp. 73-74)

SEARLE, J. A redescoberta da mente. So Paulo: Martins Fontes, 1997

Naturalismo externalista e o problema da intencionalidade

Todo fenmeno mental caracterizado por aquilo que os escolsticos da Idade Mdia chamaram a inexistncia intencional (ou mental) de um objeto, e aquilo que podemos chamar, ainda que de forma no completamente no-ambgua, referncia a um contedo de direo, no sentido de para um objeto (que no deve aqui ser entendido como querendo dizer uma coisa), ou objetividade imanente. Todo o fenmeno mental inclui algo em si como objeto, embora nem todos o faam da mesma maneira. Na representao algo representado, no juzo algo afirmado ou negado, no amor amado, no dio odiado, no desejo desejado, e assim por diante. Esta "in-existncia" uma caracterstica exclusiva dos fenmenos mentais. Nenhum fenmeno fsico exibe nada parecido. Poderamos, portanto, definir os fenmenos mentais, dizendo que eles so aqueles fenmenos que contm um objeto intencionalmente dentro de si. (Brentano, 1874/1995)

BRENTANO, F. Psychology From an Empirical Standpoint. Londres: Routledge, 1995

Naturalismo externalista e o problema da intencionalidade

Naturalizar a intencionalidade explic-la em termos totalmente fsicos, no-mentais (reduo)

P. ex., funcionalismo busca explicar a intencionalidade a partir das relaes causais entre estmulos, respostas, e outros estados mentais

Entretanto, o contedo semntico (atitude proposicional/intencionalidade) no pode estar somente na mente, porque o que isso insuficiente para determinar como a linguagem se relaciona com a realidade (Searle, p. 75)

SEARLE, J. A redescoberta da mente. So Paulo: Martins Fontes, 1997

O externalismo de contedo

O externalismo um conjunto de posies na filosofia da mente que afirma que os estados mentais no so s resultado do que ocorre no sistema nervoso, mas tambm do que ocorre fora do sujeito

Diferentes verses; em um extremo, a mente possivelmente depende de fatores externos; em outro, a mente constituda ou idntica a processos parcial ou totalmente externos ao sistema nervoso

Externalismo de contedo: a Terra Gmea

A discusso tradicional acerca do externalismo centra-se nos aspectos semnticos das atitudes proposicionais

Putnam (1975), The Meaning of Meaning - externalismo semntico ou de contedo: alguns estados mentais apresentam contedos que podem ser capturados por clsulas que (acredito que a gua mida; acredito que Cunha culpado)

Experimento mental: suponha que existe, em algum lugar do universo, um planeta exatamente igual Terra em virtualmente todos os aspectos (Terra Gmea); l, h um Gmeo equivalente a cada pessoa e coisa na Terra. A nica diferena que a gua no existe na Terra Gmea, sendo substituda por um lquido idntico, mas quimicamente diferente. Alm disso, para esse experimento as pessoas da Terra e da Terra Gmea no conhecem a composio qumica desses lquidos

Quando um Terrqueo e seu equivalente na Terra Gmea utilizam o termo gua, querem dizer a mesma coisa?Certamente estaro no mesmo estado neurofisiolgico, mas a referncia diferente

Externalismo fenomenal

Extenso da viso externalista ao contedo fenomenal

Dretske: As experincias em si esto na cabea (por que mais fecharamos os olhos ou os ouvidos para extingui-las?), mas no preciso que nada na cabea (de fato, no momento em que temos essas experincias, nada fora cabea) tenha as qualidades que distinguimos nessas experinciasAinda que as experincias mantenham-se na cabea (i.e., sistema nervoso), o contedo fenomenal pode depender de algo alm

Lycan: os qualia no so estreitos (i.e., no fazem referncia somente a algo subjetivo, mas a algo no mundo)

Enactivismo e cognio incorporada

Alguns autores sublinham a ligao prxima entre processos cognitivos, corpo, e ambiente

Proto-externalistas (antecedentes): Gregory Bateson, James Gibson, Maurice Merleau-Ponty, Eleanor Rosch

A mente dependente de, ou idntica a, interaes entre o mundo e seus agentesKevin ORegan e Alva Noe: a mente constituda por contingncias sensrio-motoras (ocasies para agir de determinada forma, resultando na equiparao entre propriedades ambientais e corporais) entre o agente e o mundo

Gibson: affordances - possibilidades de ao sobre um objeto ou sobre o ambiente