UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG
INSTITUTO DE LETRAS E ARTES – ILA
ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS DO 6º SEMINÁRIO NACIONAL
DE LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Rio Grande/RS
ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS DO 6º SENALLP
Organizadora:
Kelli da Rosa Ribeiro
Rio Grande/RS
6º Seminário Nacional de Linguística e Ensino de Língua Portuguesa
Maio de 2017
Comissão científica
Profª. Drª. Alessandra Avila Martins
Profª. Drª. Dulce Cassol Tagliani
Profª. Drª. Kelli da Rosa Ribeiro
Profª. Drª. Luciana Pilatti Telles
Profª. Drª. Silvana Schwab do Nascimento
Profª. Drª. Tatiana Schwochow Pimpão
Editoração
Profª. Drª. Kelli da Rosa Ribeiro
Kamaia Rodrigues
Ivan de Oliveira da Silva
FICHA CATALOGRÁFICA
S471a Seminário Nacional de Linguística e Ensino de Língua Portuguesa
(6 : 2017 : Rio Grande)
Anais de textos completos do 6º Seminário Nacional de
Linguística e Ensino de Língua Portuguesa, 29 a 31 maio de 2017
[recurso eletrônico] / Organizadora Kelli da Rosa Ribeiro – Rio
Grande: Ed. da FURG, 2017.
652 p.
Modo de acesso: http://www.senallp.furg.br/
ISBN: 978-85-7566-527-5
1. Linguística 2. Língua portuguesa - Ensino I. Ribeiro, Kelli
da Rosa II. Título
CDU: 801
Catalogação na fonte: Bibliotecária Vanessa Dias Santiago – CRB10/1583
http://www.senallp.furg.br/http://www.senallp.furg.br/
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
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Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação
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Núcleo de Tecnologia da Informação
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INSTITUTO DE LETRAS E ARTES
Diretora
Profª. Drª. Elaine Nogueira
Vice-diretora
Profª. Drª. Roseli Aparecida da Silva Neri
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM LINGUÍSTICA E ENSINO
DE LÍNGUA PORTUGUESA
Coordenadora
Profª. Drª. Silvana Schwab do Nascimento
Vice-coordenadora
Profª. Drª. Kelli da Rosa Ribeiro
COORDENAÇÃO DO 6º SENALLP
Profª. Drª. Kelli da Rosa Ribeiro
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Palestrantes
Prof. Dr. Kanavillil Rajagopalan (UNICAMP)
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Ministrantes de Minicursos
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COMISSÃO ORGANIZADORA
Profª. Dra. Alessandra Avila Martins
Profª. Dra. Dulce Cassol Tagliani
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Sabrina da Rosa Gomes
Vitória Emanuely Kistt do Amaral
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Pedro Gustavo Moreira
Raissa Guerra Baumel
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Daniel Rosa Ramires
Fernanda Richter
Annabela Berudi Leal
Ademiro Silva da Paixão
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Katiuscia Medeiros Collares
Hayane Cassales Fernandes
Luísa dos Santos Monte
Joice Kelle Mülling Padilha
Ingrid Alves da Rocha Cunha
Jane Maria Souza de Lima
Mayara de Souza de Paiva
Kamaia Rodrigues
Lara Braz Domingues
Zarí Morais da Trindade
Franklin Furtado Ieck
Keller Matos Rocha
Rosane Jaehn Troina
Rose Meri Bazareli Vaz
SUMÁRIO
POSIÇÃO-SUJEITO: UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA DA
UFSM ............................................................................................................................................ 1
RELAÇÕES METAFÓRICAS NA INFERÊNCIA DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS EM
PORTUGUÊS COMO L2 ............................................................................................................. 9
O FUNCIONAMENTO DA NOÇÃO DE SUJEITO-CORPO NO DISCURSO DO E SOBRE O
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ..................................................................... 25
A LINGUÍSTICA DO TEXTO NA SALA DE AULA: OS OEPRADORES
ARGUMENTATIVOS NA PRODUÇÃO TEXTUAL .............................................................. 37
A ORELHA DE VAN GOGH, DE MOACYR SCLIAR, .......................................................... 48
E SUA TRADUÇÃO AO ESPANHOL, SEGUINDO AS NOÇÕES ........................................ 48
DAS NORMAS INICIAIS E OPERACIONAIS, DE GIDEON TOURY .................................. 48
ASPECTOS LINGUÍSTICOS E ENTONACIONAIS NA FALA DE HOMOSSEXUAIS ....... 60
O GÊNERO RESUMO COMO PRÁTICA DISCURSIVA NO MEIO ACADÊMICO ............ 72
A DISCIPLINA DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL “NEGÓCIOS E
COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL”: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DOS ESTUDOS DE
LETRAMENTO ACADÊMICO ................................................................................................. 86
COMPORTAMENTOS EM EXEMPLA DE LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: UMA QUESTÃO DE VALOR .................................................................... 107
REFLEXÕES SOBRE LITERATURA SURDA - IMPORTÂNCIA DA LITERATURA COMO
FERRAMENTA NO ENSINO DE ALUNOS SURDOS ADULTOS...................................... 118
LIVROS DE LITERATURA SURDA – ANALISE E COMPARAÇÃO DE DUAS OBRAS
SOBRE A MESMA TEMÁTICA ............................................................................................. 134
PROGRESSÃO E MANUTENÇÃO TEMÁTICA: DESENVOLVENDO A COMPREENSÃO
LEITORA ATRAVÉS DE UM JOGO VIRTUAL ................................................................... 142
ENUNCIAÇÃO, SUBJETIVIDADE E ARGUMENTAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O
ETHOS EM TEXTOS JORNALÍSTICOS ............................................................................... 155
O PAPEL DA TRANSGRESSÃO NO DISCURSO ................................................................ 168
O TEXTO/GÊNERO TEXTUAL COMO OBJETO DE ENSINO .......................................... 179
NAS AULAS DE LÍNGUA ...................................................................................................... 179
AUDIODESCRIÇÃO DIDÁTICA: INSTRUMENTALIZANDO O PROFESSOR PARA O
TRABALHO COM ALUNOS CEGOS NO ENSINO REGULAR.......................................... 190
USO DE FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS NO DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO E
DA PERCEPÇÃO DA PROGRESSÃO TEMÁTICA NO TEXTO ......................................... 204
COMPREENSÃO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS EM PORTUGUÊS COMO L2 E
SIMILARIDADE FORMAL ENTRE EIS. .............................................................................. 220
HISTÓRIA DA COLÔNIA DE FÉRIAS DOS SURDOS EM CAPÃO DA CANOA ............ 233
LÍNGUA, SUJEITO E HISTÓRIA ........................................................................................... 242
"UMA TÁTICA BOA PRA ISSO": UM ESQUETE CÔMICO-PRECONCEITUOSO SOBRE
COMO RESOLVER O PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL .......................... 249
EDUCAÇÃO SUPERIOR: TECNOLOGIA ALIADA AO ENSINO DA LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS ....................................................................................................... 262
ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA: RELATO DE UMA PRÁTICA DE ENSINO DE
LÍNGUA EM ESPAÇO (NÃO) ESCOLAR ............................................................................. 270
MULTIMÍDIAS E INTERAÇÃO: LIVRO DIGITAL COMO TECNOLOGIA DE APOIO À
APRENDIZAGEM NA GRADUAÇÃO .................................................................................. 287
OFICINA DE ESCRITA NAS AULAS DE PORTUGUÊS ATRAVÉS DO GÊNERO
CRÔNICA ................................................................................................................................. 298
QUANDO A PALAVRA ALHEIA SE TORNA A MINHA PALAVRA: REFLEXÕES SOBRE
ENUNCIADO E PROJETO DE DISCURSO NO GÊNERO RESPOSTA DE PROVA
DISSERTATIVA ...................................................................................................................... 308
JOGOS VIRTUAIS PARA ALUNOS DE 2º ANO INICIAL COM DIFICULDADES DE
COMPREENSÃO LEITORA ................................................................................................... 327
ATIVIDADE DE ESCRITA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO ENSINO BÁSICO ........... 338
MUITO ALÉM DO CENÁRIO: AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO ........ 348
AUTOANÁLISE INICIAL DAS INTERFERÊNCIAS HISPÂNICAS NA PRODUÇÃO E
PERCEPÇÃO DO PORTUGUÊS COMO L3 APRENDIDO INFORMALMENTE POR UMA
HISPANO-FALANTE: ALGUNS FENÔMENOS DO VOCALISMO E DO
CONSONANTISMO ................................................................................................................ 359
LETRAMENTO(S) NA ESFERA ACADÊMICA: ANÁLISE, PRODUÇÃO E ENSINO DE
GÊNEROS DISCURSIVOS ..................................................................................................... 370
PRODUÇÃO TEXTUAL NA UNIVERSIDADE: AS INTERAÇÕES EM TORNO DA
REESCRITA ............................................................................................................................. 379
LEITURA EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: LIMITES E POSSIBILIDADES ................ 389
CINELIBRAS: O CINEMA COMO DISPOSITIVO DE APRENDIZAGEM DA LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS NOS CURSOS DE ENGENHARIA DA UFPEL ........................ 403
A LINGUÍSTICA DO TEXTO E A PESQUISA-AÇÃO EM SALA DE AULA: A
SITUACIONALIDADE E OS ARTICULADORES DISCURSIVO-ARGUMENTATIVOS NA
PRODUÇÃO TEXTUAL DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ............................................. 415
MICROCRÔNICAS VERBO-VISUAIS E O ENGAJAMENTO DO LEITOR EM UM JOGO
LÚDICO DE NATUREZA lingüística ..................................................................................... 430
O DISCURSO NA ESFERA TECNOLÓGICA: A LÍNGUA EM MOVIMENTO ................. 446
BIBLIOTECAS ESCOLARES: POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS EM
ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE ARAGUAÍNA/TO .............................................................. 463
A INFORMATIVIDADE NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO ARGUMENTATIVO: A
ESCRITA ALICERÇADA PELA SEQUÊNCIA DIDÁTICA ................................................. 474
ETHOS, ENUNCIAÇÃO E LINGUÍSTICA TEXTUAL: ESBOÇO DE UMA IMAGEM
DISCURSIVA EM DUAS NOTÍCIAS ESPORTIVAS EM LINGUA PORTUGUESA E EM
LÍNGUA ESPANHOLA ........................................................................................................... 491
DIÁRIOS DE LEITURA COMPARTILHADA: UMA EXPERIÊNCIA DE
(RE)SIGNIFICAÇÃO LITERÁRIA EM GRUPOS DE FACEBOOK ..................................... 503
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE SILENCIAMENTO DA LÍNGUA MATERNA ............... 514
SUJEITO QUALIFICADO E DESQUALIFICADO PELA LÍNGUA: SENTIDOS DO
PORTUGUÊS CORRETO DO SENSO COMUM ................................................................... 523
O DESENVOLVIMENTO DA COMPREENSÃO LEITORA DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL POR MEIO DE SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS, COM APOIO EM
TECNOLOGIAS ....................................................................................................................... 532
TEXTO MULTIMODAL: SIGNIFICADO SIM, ENFEITE NÃO! ......................................... 560
O ARGUMENTO DE AUTORIDADE COMO RECURSO NA REDAÇÃO DO ENEM...... 568
PENSAR A LITERATURA, E PENSAR COM A LITERATURA ......................................... 582
SIMPÓSIO TEMÁTICO EM REFLEXÃO: ESTUDOS E DESCRIÇÕES DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO EM SINCRONIAS PASSADAS ...................................................................... 590
LINGUÍSTICA DO TEXTO E ESCOLA BÁSICA: POSSIBILIDADES PARA O ENSINO E
APRENDIZAGEM EM LÍNGUA MATERNA ....................................................................... 598
A RELAÇÃO DOS ELEMENTOS VISUAIS NO ESPAÇO URBANO E MACABÉA EM A
HORA DA ESTRELA DE CLARICE LISPECTOR .................................................................. 610
PEDAGOGIA CARTONERA: ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO DE PRODUÇÃO
TEXTUAL ................................................................................................................................ 621
TV INES: O PROTAGONISMO DA COMUNIDADE SURDA EM PRODUÇÕES
AUDIOVISUAIS NA INTERNET ........................................................................................... 639
1
POSIÇÃO-SUJEITO: UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE O CURSO DE
PEDAGOGIA DA UFSM
Adriele Delgado Dias (UFSM)
Introdução
Minha formação em Pedagogia, pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), instigou-me a buscar mais conhecimentos que se referem aos estudos da língua
e da linguagem, pois acredito que no curso de Pedagogia esta questão é pouco explorada.
Isso me fez pensar e repensar sobre o objetivo do curso, sendo ele um curso de licenciatura
que forma sujeitos “aptos” a trabalhar no ensino e aprendizagem da aquisição da língua e
da linguagem, no ler e escrever.
Sendo assim, partindo das minhas inquietudes como professora formada pela
UFSM, e, com o intuito de ampliar meus estudos para minha pesquisa de Mestrado, que
busca compreender como os estudos da língua e da linguagem se fazem presentes no
curso de Pedagogia da UFSM, é que se delineia este trabalho que tem por objetivo
compreender como o ementário da disciplina “Oralidade, Leitura e Escrita”, do Curso de
Pedagogia da UFSM, certifica o perfil de professor que está assentado no objetivo geral
desse curso. Dessa forma, escolhemos esta disciplina por observarmos que no seu
programa estão expostos temas referentes a questões especificamente linguísticas, como:
Sociolinguística, Psicolinguística e Linguística Aplicada.
Para então realizarmos a análise deste trabalho, utilizamos os pressupostos
teóricos da Análise de Discurso (AD) para permear os conceitos necessários na
compreensão desta pesquisa. Com isso, descrevemos as noções de discurso, ideologia,
sujeito, posição- sujeito e formações discursivas, baseado nos estudos de Michel Pêcheux
e Eni Orlandi.
2
A Análise de Discurso
A Análise de Discurso surgiu nos anos 60, na França, como campo teórico e
analítico fundada por Michel Pêcheux e, no Brasil, nos anos 80, postulada por Eni
Orlandi.
A AD se situa na relação entre o linguístico e o histórico, estabelecendo o discurso
como objeto de estudo que conjuga aspectos linguísticos com aspectos histórico-
ideológicos. Para tanto, Pêcheux começou questionar a concepção de língua como um
sistema, porque entende que a língua possui uma exterioridade, no qual os sujeitos a põem
em funcionamento, e, essa exterioridade dá passagem para se considerar a história da e
na língua como fato de discurso.
Para Orlandi (2005), a AD vai constituir-se como um lugar teórico propício ao
estudo a partir de três grandes áreas do conhecimento: a Linguística, a Psicanálise e o
Marxismo, pois somente assim é possível contemplar a significação do discurso. A autora
ainda salienta que a Análise de Discurso:
Concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade
natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a
permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do
homem e da realidade em que ele vive. (ORLANDI, 2005, p. 15)
Dessa forma, o entendimento de discurso está na noção de um objeto teórico
constituído por sentidos produzidos historicamente nas práticas sociais, pois ele configura
o lugar onde se pode observar a relação entre língua e ideologia. Sendo assim, o discurso
funciona como um lugar de mediação, pois é nele que os sentidos são produzidos.
E segundo Orlandi (2005, p. 21), “o discurso é efeito de sentidos entre locutores”,
em que constantemente a posição-sujeito é redefinida, nas práticas sociais, pelas
condições de produção do discurso. Com isso, entendemos que o sujeito não se desvincula
da ideologia, pois ele é um sujeito socializado, ou seja, ele discursiva de acordo com suas
marcas do social, do ideológico e do histórico, em que ora é assujeitado pela ideologia
que o domina, ora pelo seu próprio inconsciente.
Sendo assim, compreendemos que “a ideologia interpela os indivíduos em
sujeitos” (PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 167). Dessa forma, não existe um discurso sem
sujeito e nem sujeito sem ideologia, pois o sujeito sempre se inscreve em uma ideologia,
colocando suas posições no discurso.
Orlandi (2005) nos explicita que o sujeito só tem acesso a parte do que diz, sendo
atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário. Ele é sujeito à
3
língua e à história, pois é afetado por elas quando produz sentidos, e ele necessita disso,
pois se não produz sentidos, não se constitui como sujeito.
Sendo assim, a autora apresenta a ideia de “posição” que um sujeito discursivo
tem frente a outros, pois é o lugar que o sujeito ocupa que o coloca como sujeito de sua
fala. “É a posição que deve e pode ocupar todo indivíduo para ser sujeito do que diz”
(ORLANDI, 2005, p. 49). Ou seja:
O modo como o sujeito ocupa seu lugar, enquanto posição, não lhe é acessível,
ele não tem acesso direto à exterioridade (interdiscurso) que o constitui. Da
mesma maneira, a língua também não é transparente nem o mundo diretamente
apreensível quando se trata da significação pois o vivido dos sujeitos é
informado, constituído pela estrutura da ideologia. (PÊCHEUX, 1975 apud
ORLANDI, 2005, p. 49)
Com isso, os sujeitos são intercambiáveis, pois quando nos colocamos em uma
determinada posição, em determinada situação, há um sentido relativo à formação
discursiva em que nos inscrevemos.
Pois “não é uma forma de subjetividade mas um ‘lugar’ que ocupa para ser sujeito
do que diz” (ORLANDI, 2005, p. 49). E para isso, podemos dizer que um mesmo
indivíduo assume-se como diferentes sujeitos em diferentes formações discursivas. Por
exemplo, quando uma mulher fala da posição de mãe, questionando seu filho sobre o
horário de chegada em casa, o sentido do enunciado é construído a partir da posição de
mãe assumida.
O que compreendemos é que todos os enunciados fazem parte do discurso; um
sujeito pode ter uma posição social em cada momento, por exemplo, podemos ser
professora, filha, estudante, etc, de acordo com a situação em que estamos inseridos. E
segundo Courtine (1999),
[...] são posições de sujeito que regulam o próprio ato da enunciação: o
interdiscurso, sabe-se, fornece, sob a forma de citação, recitação ou
preconstruído, os objetos do discurso em que a enunciação se sustenta ao
mesmo tempo que organiza a identificação enunciativa (através do regramento
das marcas pessoais, dos tempos, dos aspectos, das modalidades...) constitutiva
da produção da formulação por um sujeito enunciador. (COURTINE, 1999, p.
20, grifos do autor)
A Análise de Discurso parte da ideia de que o sujeito não é fonte do sentido, mas
que se forma a partir de uma rede de memória acionada pelas formações discursivas que
representam no seu discurso diferentes posições-sujeito, ou seja, a formação discursiva,
como lugar da interpelação ideológica do sujeito, configura uma matriz de sentido.
4
Para tanto, Pêcheux e Fuchs (1997) afirmam que
É impossível identificar ideologia e discurso [...], mas que se deve conceber o
discursivo como um dos aspectos materiais do que chamamos de materialidade
ideológica. Dito de outro modo, a espécie discursiva pertence, assim
pensamos, ao gênero ideológico, o que é o mesmo que dizer que as formações
ideológicas [...] comportam necessariamente, como um de seus componentes,
uma ou várias formações discursivas interligadas que determinam o que pode
e deve ser dito [...] a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é, numa
certa relação de lugares no interior de um aparelho ideológico, e inscrita numa
relação de classes. (PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 166)
Com isso, tem-se que no discurso a ideologia se revela através de sua
materialidade ideológica, que, por sua vez, se materializa nas Formações Discursivas
(FDs), em que segundo Pêcheux (1997) o sujeito do discurso se inscreve por meio da
forma-sujeito de acordo com as posições e as condições de produção dadas. O autor, ainda
expõe que a forma-sujeito “tende a absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso,
isto é, ela simula o interdiscurso1 no intradiscurso2, de modo que o interdiscurso aparece
como o puro ‘já-dito’3 do intra-discurso, no qual ele se articula por ‘co-referência’ ”
(PÊCHEUX, 1997, p. 167, grifos do autor).
Nesse sentido, Orlandi (2005) apresenta duas observações referentes às FDs.
Primeiro que os sentidos derivam das formações discursivas que as palavras se inscrevem,
e segundo, que é pela identificação da FD que se podem compreender os diferentes
sentidos.
Pêcheux (1997), afirma que o lugar do sujeito não é vazio, mas preenchido pela
forma-sujeito de uma determinada FD, pois é pela forma-sujeito que um indivíduo se
inscreve em uma determinada formação discursiva, se identificando e constituindo como
sujeito.
O autor explica que formação discursiva é aquilo que, numa formação ideológica
dada, determina o que pode e deve ser dito. Assim as palavras recebem seu sentido da
formação discursiva na qual são produzidas, pois “os indivíduos são ‘interpelados’ em
sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que
representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes”
(PÊCHEUX, 1997, p. 161, grifos do autor).
1 Orlandi (2005, p. 32-33) expõe que “o interdiscurso – representada como um eixo vertical onde teríamos
todos os dizeres já ditos – e esquecidos – em uma estratificação que, em seu conjunto, representa o dizível”. 2 A mesma autora, explica o intradiscurso como um eixo horizontal, “que seria o eixo da formulação, isto
é, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas” (ORLANDI, 2005, p. 33). 3 Fala-se em “já-dito”, pois entendemos que todo o discurso é produzido por meio de discursos anteriores
de outro alguém.
5
Para tanto, Pêcheux e Fuchs (1997) afirmam que:
[...] uma formação discursiva existe historicamente no interior de determinadas
relações de classes; pode fornecer elementos que se integram em novas
formações discursivas, constituindo-se no interior de novas relações
ideológicas, que colocam em jogo novas formações ideológicas. (PÊCHEUX
e FUCHS, 1997, p. 167-168)
Isso significa que o funcionamento da ideologia com a interpelação dos indivíduos
em sujeitos ocorre por meio das formações ideológicas, fornecendo a cada sujeito a sua
realidade enquanto sistema de evidências e de significações que são percebidas, aceitas e
experimentadas.
Olhar Reflexivo
Partindo do interesse de investigar de que forma os estudos da língua e da
linguagem estão presentes no curso de Pedagogia da UFSM, e ainda, respondendo as
minhas inquietudes, é que se faz este trabalho, o qual buscamos analisar a posição de
sujeito na disciplina “Oralidade, Leitura e Escrita” do curso de Pedagogia da já referida
universidade, contrapondo com a posição de sujeito detalhada no objetivo geral do curso.
Para Foucault (2001) uma disciplina é determinada por um domínio de objetos,
conjuntos e métodos. Ou seja, uma disciplina é um conjunto de discursos que se constrói
em um campo de enunciação, com uma regulação e funcionamento específicos, pela
discursivização dos conhecimentos a partir de determinadas FDs. Esse espaço de
enunciação distribui os conhecimentos de um modo particular, e, essas configurações
específicas dos discursos em suas relações com outros discursos e com o conhecimento
irão incidir em relação à história e à memória das línguas, do saber sobre elas produzidas,
das instituições e do sujeito.
No curso de Pedagogia, várias são as disciplinas que prevê o conhecimento
linguístico. Mas para o momento, tomamos apenas uma disciplina, no qual fizemos um
recorte dos seus objetivos, pois esta trata sobre questões da aquisição da linguagem. Para
tanto, seguem abaixo as transcrições - fiéis às escrituras da ementa da disciplina e do site
do curso.
RECORTE 1- Objetivos da ementa da disciplina “Oralidade, Leitura e Escrita”:
• Analisar o processo de construção do conhecimento e as teorias que o embasam,
procurando estabelecer uma relação dialética entre desenvolvimento, ensino e
6
aprendizagem, que contribuam para a aquisição e desenvolvimento da linguagem
escrita e da leitura.
RECORTE 2- Objetivo geral do curso de Pedagogia da UFSM:
• O curso tem como objetivo geral formar professores/profissionais em nível
superior para a docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Os alunos são capacitados para atuar nas diferentes modalidades
de ensino e/ou nas demais áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos.
Nessa etapa, Orlandi explica que o analista é preparado para começar “a
vislumbrar a configuração das formações discursivas que estão dominando a prática
discursiva em questão” (ORLANDI, 2005, p. 78). De acordo com a autora, as formações
discursivas permitem compreender o processo de produção dos sentidos, estabelecendo
regularidades no funcionamento do discurso e determinando o que pode e deve ser dito.
Dessa forma, ainda segundo Orlandi (2005), o próximo passo requer relacionar as
formações discursivas com as formações ideológicas que rege essas relações. E em nossa
pesquisa identificamos saberes que se inscrevem em pelo menos duas formações
discursivas:
FD1: FD na qual se inscrevem sujeitos que adquirem conhecimentos teóricos
referentes à aquisição e desenvolvimento da linguagem e da escrita.
FD2: FD na qual se inscrevem sujeitos que são aptos e preparados para atuar como
professores.
Nesta análise, ao observarmos a ementa da disciplina “Oralidade, Leitura e
Escrita”, o que se torna sobressalente é a presença do verbo no infinitivo que introduz o
objetivo da mesma. Isso nos revelou a ausência do cunho de formação docente, já que de
acordo com o objetivo geral do curso de Pedagogia, este é um curso de licenciatura, que
forma professores aptos a trabalhar com o ensino e aprendizagem da leitura e escrita.
Na FD1 encontramos um sujeito que apenas conhece teorias, porém não está hábil
a transmiti-las atuando como profissional capacitado para tal, pois ele ainda é um
professor em formação.
7
Já na FD2 o que encontramos é um sujeito que se forma docente, capaz de atuar
como tal tanto na Educação Infantil, quanto nos Anos Iniciais de uma escola.
Dessa forma, ao analisarmos o objetivo do curso de Pedagogia da UFSM e a
ementa da disciplina “Oralidade, Leitura e Escrita”, consideramos que o sujeito
pressuposto no objetivo geral do curso é um sujeito-professor, pois se espera que o curso
forme profissionais docentes, aptos a atuar com tal. Já o sujeito que encontramos presente
no objetivo da disciplina é um sujeito que ocupa uma posição que apenas adquiri
informações e estuda conhecimentos teóricos referentes à aquisição da língua e da
linguagem, porém não é hábil a trabalhá-las de forma prática, ou seja, não as aplica como
professor em sala de aula.
Com isso, “o resultado da análise é uma interpretação” (MAZIÉRE, 2007, p. 25),
a qual podemos dizer que a posição de sujeito do objetivo do curso se difere da posição
de sujeito da ementa. Contudo, o que nos inquieta é como que um curso formador de
professores, não possui na ementa de suas disciplinas o mesmo objetivo geral que no do
curso. Obviamente, não queremos dizer que as disciplinas do curso de Pedagogia devam
estar todas baseadas na prática do professor, até porque sabemos da importância das
teorias para nossa formação, mas sim, que elas mantenham uma relação dialética com o
princípio docente do curso.
Apontamentos Finais
Este encaminhamento final, reflexivo da prática analítica deste trabalho, explica
o que tal análise representou para a analista. Com isso, analisamos e refletimos sobre as
posições de sujeito presentes no ementário da disciplina “Oralidade, Leitura e Escrita” do
Curso de Pedagogia da UFSM, assim como, do objetivo geral do Curso.
Portanto, ao partirmos do pressuposto de que o sujeito se constitui a partir de uma
formação ideológica é que compreendemos a posição-sujeito presentes na disciplina e no
curso. Ou seja, identificamos com esta análise diferentes sujeitos, em que o sujeito
presente no objetivo geral do curso difere do sujeito presente no ementário da disciplina.
Concordamos assim, com Orlandi (2012) que
[...] a particularidade do método em análise de discurso, também vista no que
significa entremeio4, é a de ser aberto, dinâmico (não positivista), não sendo
4 Para Orlandi (2012), “entremeio significa, sobretudo, não pensar nas relações hierarquizadas, ou
instrumentalizadas, ou aplicações. Trata-se da transversalidade de disciplinas pensadas como, segundo M.
Pêcheux (1969), empréstimos que se usam como metáforas, o nosso contexto científico” (ORLANDI, 2012,
p. 11, grifos da autora).
8
tomado como aplicação automática da teoria, mas como mediação entre teoria
e análise, na busca dos procedimentos próprios ao objeto que se analisa.
(ORLANDI, 2012, p. 12, grifos da autora)
O que concluímos, então, nesta análise foi uma posição-sujeito incômoda e
contraditória. Em que, no objetivo geral do Curso de Pedagogia identificamos um sujeito-
professor, que supõe um docente em formação, enquanto que no ementário da disciplina
identificamos um sujeito que apenas adquire informações, que conhece teorias que
embasam o processo de construção do conhecimento, referentes à aquisição da linguagem
escrita e da leitura, porém, estes conhecimentos não preveem possíveis aplicações no
fazer docente.
Nesse sentido, de acordo com Orlandi (2006), compreendemos que as diferentes
posições de sujeito representam as diferentes formações discursivas que atravessam a
história, pois “cada texto tem, assim, uma certa unidade discursiva com que ele se
inscreve em um tipo de discurso determinado” (ORLANDI, 2006, p. 60).
Portanto, a posição-sujeito existente no objetivo do curso possui uma formação
histórica e ideológica distinta da posição-sujeito existente no ementário da disciplina, já
que identificamos um sujeito-professor e um sujeito que apenas conhece teorias e não as
aplica.
Enfim, é importante ressaltar que este trabalho nos possibilitou vislumbrar outras
análises referentes ao Curso de Pedagogia, em que, como curso de licenciatura que
objetiva formar professores, necessita de alguns estudos mais avançados no que se refere
ao estudo da língua e da linguagem. Nesse sentido, o que queremos dizer é que para um
professor em formação é necessário saber como o processo de aquisição em linguagem
ocorre, pois ele deve saber atuar e intervir neste processo como um mediador do
conhecimento.
Referências
COURTINE, Jean J. O chapéu de Clémentis. In: Os múltiplos territórios da Análise do
Discurso/ Freda Indursky e Maria Cristina Leandro Ferreira, organizadoras. -- Porto
Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 1999.
FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso. 7ªed. São Paulo: Loyola, 2001.
MAZIÉRE, Francine. A análise do discurso: história e práticas; tradução Marcos
Marcionilo. – São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
9
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP:
Pontes Editores, 2005.
____Discurso e leitura. – 7.ed. - São Paulo: Cotez, 2006.
____Discurso em Análise: Sujeito, Sentido e Ideologia. Campinas, SP: Pontes Editores,
2012.
PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da Análise Automática do Discurso:
atualização e perspectivas (1975). In: Por uma Análise Automática do Discurso: uma
introdução à obra de Michel Pêcheux/ organizadores Françoise Gadet; Tony Hak;
tradutores Bethania S. Mariani... [et al.] -- 3. ed. -- Campinas, SP: Editora da Unicamp,
1997.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio; tradução
Eni Pulcinelli Orlandi [et al.] -- 3. ed. -- Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. UFSM- Pedagogia Diurno. Santa
Maria, 2016. Disponível em: http://w3.ufsm.br/ce/index.php/graduacao/pedagogia-
diurno. Acesso em: 01/03/2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. UFSM- Portal do Ementário. Santa
Maria, 2016. Disponível em: https://portal.ufsm.br/ementario/curso.html?idCurso=1061.
Acesso em: 01/03/2017.
RELAÇÕES METAFÓRICAS NA INFERÊNCIA DE EXPRESSÕES
IDIOMÁTICAS EM PORTUGUÊS COMO L2
Alessandra Baldo (UFPel)
Priscila Costa Machado (UFPel)
Introdução
A compreensão de como as expressões idiomáticas (EIs) são processadas têm sido
o foco de muitos estudos no âmbito da ciência linguística, como também em outras áreas
de conhecimento. Teorias para explicar esse processo são encontradas e desenvolvidas
tanto na linguística formal como na linguística gerativa, tanto na linguística cognitiva
como na linguística textual, sem considerar, aqui, áreas interdisciplinares.
O estudo pioneiro de Gibbs e O’Brian (1990) introduz, na linguística cognitiva, a
ideia de uma relação entre as EIs de uma língua e as metáforas conceptuais, conceito que
serve de pilar para a Teoria das Metáforas Conceptuais de Lakoff e Johnson (1980; 2003).
http://w3.ufsm.br/ce/index.php/graduacao/pedagogia-diurnohttp://w3.ufsm.br/ce/index.php/graduacao/pedagogia-diurnohttps://portal.ufsm.br/ementario/curso.html?idCurso=1061
10
Os autores sustentaram, a partir de uma série de experimentos a ser descrita na seção
seguinte, que, enquanto os participantes elaboraram imagens mentais díspares entre eles
para explicar as expressões literais, houve consistência das imagens referentes às
expressões idiomáticas, e que isso se devia à influência restritiva das metáforas
conceptuais. Mais recentemente, Kazemi et al (2013) também encontraram semelhanças
nas imagens mentais referentes a expressões idiomáticas por falantes persas, aprendizes
de farsi como L2. A descrição desses estudos está na seção seguinte, à qual segue uma
breve explicação sobre conceitos-chave da Teoria da Metáfora Conceptual de Lakoff e
Johnson (1980; 2013) utilizados nesta pesquisa.
Cabe notar que nos estudos de Gibbs e O’Brian e Kazemi mencionados no
parágrafo anterior, o instrumento principal de coleta de dados foram questionários, a fim
de ser possível uma classificação das imagens inferidas pelos sujeitos frente as expressões
idiomáticas sob análise. Diferentemente, no estudo aqui relatado foram utilizados
protocolos verbais, com o objetivo de obter descrições livres do processo inferencial dos
participantes frente a expressões idiomáticas desconhecidas na L2. O objetivo era
verificar se a mudança do método de coleta de dados resultaria em uma diferença nos
resultados encontrados com relação à presença subjacente de metáforas conceptuais em
expressões idiomáticas, quando em comparação com os achados dos estudos
supracitados. Para tanto, solicitou-se a dez estudantes de espanhol como L1, aprendizes
de português como L2, que descrevessem o seu processo inferencial de três expressões
idiomáticas relacionadas aos itens lexicais mãos, pés e dedos. É importante destacar que
nenhuma das três EIs possui equivalente em espanhol, o que deveria tornar, a princípio,
o processo de compreensão das EIs pelos sujeitos mais complexo. As descrições
ocorreram em sessões individuais e não houve delimitação de tempo, sendo gravadas e
posteriormente transcritas. A descrição completa da metodologia é exibida na quarta parte
do artigo.
Os dados são apresentados e analisados na quinta parte do artigo, enquanto as
considerações finais, na qual os resultados do estudo são avaliados à luz de trabalhos de
pesquisa de natureza semelhante, constituem a sexta e última parte do texto.
Estudos: compreensão de EIs pela linguística cognitiva
Iniciamos a sessão por Gibbs e O’Brian (op. cit.), e não somente por serem os
primeiros a investigarem a aplicabilidade da noção de metáforas conceptuais a expressões
convencionais de uma língua, mas também, e principalmente, pelo impacto do trabalho
11
dos autores no desencadeamento de uma mudança na compreensão, pelos linguistas
cognitivos, dos mecanismos subjacentes a essas expressões. Atualmente, qualquer
histórico sobre teorias relativas a expressões idiomáticas (EIs) inclui necessariamente as
noções de metáforas conceptuais e imagens mentais, conceitos-chave na pesquisa dos
autores.
Gibbs e O’Brian (op. cit) elaboraram três experimentos cujo objetivo comum era
investigar em que medida as imagens mentais de 25 expressões idiomáticas (EIs) em
língua inglesa criadas por 24 falantes nativos de inglês eram similares. As EIs foram
subdivididas igualmente em cinco temas: raiva, exercício de controle ou autoridade,
habilidade de manter segredo, insanidade e revelação. No primeiro experimento, os
sujeitos descreveram, via protocolos verbais, as imagens mentais associadas a cada uma
das expressões, e em seguida responderam a questões detalhadas sobre essas imagens,
relacionadas à causa, intencionalidade, modo, consequência, consequência negativa e
possibilidade de reversibilidade. Como resultado, os autores encontraram um nível
significativo de similaridade entre as imagens verbais criadas para as EIs, a despeito de
diferenças na composição lexical dessas.
O segundo e o terceiro experimento foram experimentos-controle. O segundo
visava a descartar a possibilidade de que a uniformidade das imagens mentais verificadas
no Experimento 1 tivesse ocorrido somente devido ao conhecimento prévio das EIs pelos
sujeitos. Os pesquisadores solicitaram a 24 falantes nativos de inglês – diferentes dos do
primeiro estudo – que criassem imagens mentais para paráfrases literais das definições
das EIs, respondendo às mesmas questões relativas a essas imagens empregadas no
experimento 1. Se esse fosse o caso, argumentaram os linguistas, os sujeitos criariam
imagens mentais semelhantes às do primeiro experimento. Contudo, e conforme
esperado, as imagens mentais nesse contexto foram bastante díspares entre os sujeitos,
mostrando que as imagens convencionais associadas com as EIs não eram somente
baseadas nos significados figurativos.
Já o terceiro experimento buscava descobrir se a consistência das imagens mentais
verificadas no experimento 1 não teria sido causada simplesmente porque as pessoas
costumam criar imagens mentais semelhantes para enunciados, sejam eles idiomáticos ou
não. Para verificar essa hipótese, os pesquisadores transformaram cada uma das EIs em
frases literais – modificando a última parte da expressão, como “spill the beans” para
“spill the peas” 5 – e solicitaram a outros diferentes 24 sujeitos que construíssem imagens
5 “Spill the beans” significa literalmente “derramar os feijões”, e, idiomaticamente, “revelar um
segredo”; “spill the peas” significa “derramar as ervilhas”, e não possui significado idiomático.
12
mentais para tais enunciados, respondendo na sequência a questões sobre essas imagens
– as mesmas dos experimentos 1 e 2. Novamente conforme previsto, houve pouca
consistência entre as imagens gerais dos sujeitos para os diferentes grupos de frases
literais, as quais não eram restringidas por metáforas conceptuais, resultado em contraste
direto com o obtido no Experimento 1.
O estudo de Kazemi et al (2013) é uma quase-replicação do experimento 1 de
Gibbs e O’Brian (op. cit.), com as seguintes diferenças: (i) os sujeitos eram falantes
nativos de farsi e estudantes de persa como L2, provenientes de diferentes regiões do Irã,
cada uma com seus dialetos característicos de Farsi; (ii) havia 20 expressões idiomáticas
em persa, subdividas em cinco grupos: raiva, correr riscos, insanidade, vaidade e
loquacidade. Essas diferenças metodológicas estavam relacionadas com os objetivos dos
pesquisadores, que eram verificar se os resultados sobre a consistência de imagens verbais
em expressões idiomáticas obtidos por Gibbs e O’Brian poderiam ser generalizados para
outras comunidades de fala, como também explorar se as pessoas em diferentes
sociedades, culturas e línguas compreenderiam as EIs do mesmo modo. Os autores, a
partir da aplicação da teoria das metáforas conceptuais, tiveram confirmadas as duas
questões de pesquisa.
Assim, frente às evidências obtidas pelos três experimentos, a conclusão geral dos
pesquisadores foi de que as EIs não são metáforas mortas e não possuem significados
predeterminados. Pelo contrário, eles argumentam que “o significado de muitas EIs são
determinados pelo conhecimento tácito dos falantes das metáforas conceptuais
subjacentes ao significado dessas frases figuradas”(p. 36).
Dado que, conforme se pode observar no parágrafo precedente, é necessário
conhecer os fundamentos da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) para compreender o
estudo aqui relatado, na seção seguinte apresentamos conceitos-chave da TMC que serão
empregados na análise dos dados, a ser apresentada posteriormente.
Linguística Cognitiva: Teoria da Metáfora Conceptual
A tese principal que sustenta a Teoria da Metáfora Conceptual de Lakoff e
Johnson (1980, 2003) é a compreensão de que a metáfora não é somente uma questão de
linguagem, mas sim de que os processos do pensamento são em grande parte metafóricos
– ou seja, o sistema conceptual humano é metaforicamente estruturado e definido. Assim,
o conceito dicionarizado de “metáfora” como um “tropo em que a significação natural de
13
uma palavra é substituída por outra, só aplicável por comparação subentendida”6 é
distinto do conceito de metáfora conceptual.
Em outras palavras, empregamos metáforas conceptuais em nossa linguagem
cotidiana porque essas refletem o modo como nossos pensamentos estão estruturados, e
essa estrutura é formada, em grande parte, pelas experiências que vivenciamos desde o
início da vida. Um dos exemplos clássicos dos autores para mostrar essa tese é a metáfora
conceptual “DISCUSSÃO é GUERRA”,7 da qual derivam enunciados correntes na
linguagem cotidiana, como “seus argumentos são indefensáveis; o candidato perdeu
muitos pontos após a discussão sobre violência urbana; nenhum dos debatedores aceitou
render-se ao ponto de vista do outro”. Nesse contexto, esclarecem os linguistas, a
explicação para a compreensão da metáfora conceptual não está no fato de “discussão”
ser parecido com “guerra’, mas sim no fato de DISCUSSÃO estar parcialmente
estruturado e compreendido em termos de GUERRA em nosso sistema conceptual.
(LAKOFF e JOHNSON, 2003, p. 5-7).
Um segundo conceito fundamental reavaliado pelos autores a partir da Teoria da
Metáfora Conceptual é o de metonímia, especialmente os casos de sinédoque, ou seja, os
que estabelecem relações “parte-todo”. Após diferenciarem os dois conceitos – enquanto
as metáforas consistem no uso de uma entidade em termos de outra, com a função
primeira de compreensão, as metonímias consistem no uso de uma entidade para fazer
referência a outra, com o objetivo primeiro de referências –, eles concluem que se trata,
portanto, de fenômenos distintos.
Essa conclusão, entretanto, não os impede de afirmarem que o recurso referencial
da metonímia também possui a função de compreensão, e, nesse sentido, funcionaria do
mesmo modo que a metáfora conceptual em termos de estruturação de pensamento e de
linguagem. Um dos exemplos empregados pelos linguistas para ilustrar essa noção é a
relação metonímica “A FACE (ROSTO/CARA)8 PELO TODO”, e suas manifestações
nos enunciados “Ela é só um rosto bonito” e “precisamos de novas caras por aqui”, em
que cada um faz referência a um aspecto diverso da parte que é representada pelo todo.
Em outras palavras, os autores argumentam que a escolha dos diferentes aspectos
das partes empregadas para representar o todo, na linguagem do dia a dia, é motivada
6 https://dicionariodoaurelio.com/metafora 7 As metáforas conceptuais são apresentadas através de um mapeamento estruturado, no qual as
letras maiúsculas representam DOMÍNIO-ALVO É DOMÍNIO-FONTE, os dois sendo, respectivamente,
“discussão” e “guerra”. 8 Por se tratar de tradução livre, a palavra “face” em inglês foi traduzida por “rosto” e “cara”, respectivamente, já que esses são os termos empregados nos enunciados em português correspondentes.
https://dicionariodoaurelio.com/metafora
14
pelo aspecto específico que desejamos salientar, o que significa que os conceitos
metonímicos estruturam não apenas a linguagem, mas também nosso pensamento,
atitudes e ações, sendo fundamentados em nossas experiências – exatamente como as
metáforas conceptuais. (LAKOFF e JOHNSON, 2003, p. 37-38)
Metodologia
Dez estudantes de português como L2, intercambistas em uma universidade do
Rio Grande do Sul, participaram voluntariamente do estudo. Todos eram falantes de
espanhol como L1: sete colombianos, um peruano, um chileno e um venezuelano. Para a
obtenção dos dados, foram selecionadas três expressões idiomáticas com as palavras
mãos, pés e dedos, com o objetivo de manter uma relação semântica entre elas: EI1: passar
a mão na cabeça; EI 2: ficar cheio de dedos; EI 3: ser uma mão na roda. As EIs foram
classificadas, de acordo com Laufer (2000), como pertencentes à categoria 4, ou seja, sem
correspondência com expressões idiomáticas na L1 dos aprendizes.
A coleta de dados se deu em sessões individuais, por meio de protocolos verbais
de pausa e retrospectivos, que consistem em solicitar que o sujeito verbalize o que está
pensando no momento em que busca realizar a tarefa solicitada (protocolo de pausa), e
logo após tê-la realizado (protocolo retrospectivo), o que possibilitou ao pesquisador
obter informações sobre os processos cognitivos empregados durante as inferências das
EIs (ERICSON e SIMON, 1993; CAMPS, 2003; AFFLERBACH e YOUNG,2009).
Todas as verbalizações foram gravadas em áudio, e os dados, posteriormente transcritos,
a fim de verificar a presença – ou não – de metáforas conceptuais semelhantes.
As EIs foram apresentadas aos sujeitos em uma folha, e solicitava-se aos
participantes que verbalizassem todo e qualquer processo cognitivo empregado na
tentativa de inferir seus significados, como analogia com EIs na L1 ou na L2, analogia
com imagens, inferência por palavra específica da EI, ou mesmo interpretação literal da
EI. Embora a maioria dos sujeitos buscasse, de algum modo, a atribuição de significado
às EIs, alguns deles não conseguiram fazer qualquer tipo de inferência, o que ficou
registrado como “desistência de realização de inferência” na análise de dados.
15
Apresentação e Análise de Dados
Os dados estão dispostos em tabelas, com o objetivo de facilitar a visualização.
Nas Tabelas de 1 a 3 encontram-se a síntese das respostas produzidas pelos sujeitos à
indagação sobre o significado das EIs.
Devido à simplificação dos protocolos dos sujeitos, empregamos o sinal de
reticências entre aspas – (...) – para indicar supressão da transcrição original. É importante
notar que a presença de um traço nas tabelas indica que o sujeito ou não elaborou qualquer
significado para a EI, ou tentou inicialmente inferir algum significado, mas desistiu.
Houve também casos em que os participantes pensaram em dois possíveis significados
para as EIs, sem definirem qual dos dois seria o mais apropriado, e nessas situações
consideramos ambas as definições. Um último esclarecimento é relativo às interferências
do pesquisador durante as entrevistas de coletas de dados, identificadas com um “P” nas
transcrições.
Após a análise das tabelas específicas, os dados relativos ao processo inferencial
das três EIs sob análise será disposto em uma única tabela, objetivando a uma discussão
global dos resultados encontrados.
Análise Individual das Expressões Idiomáticas: EIs e relações de sentido
EI 1: passar a mão na cabeça
Na Tabela 1 estão apresentados os conceitos aferidos à EI “passar a mão na
cabeça” pelos participantes. Dois, entre os dez sujeitos, não conseguiram atribuir qualquer
significado à EI. Entre os oito que o fizeram, foi possível verificar o seguinte padrão nas
respostas: seis deles relacionaram a expressão com os conceitos de preocupação e/ou
reflexão; dois deles, com carinho, e um deles, com surpresa. 9
Tabela 1: Conceitos e relações de sentido para a EI 1
Expressão “passar a mão na cabeça”
Sujeito
Inferência da EI Relações de sentido
Passar à mão na cabeça =
Suj. 1
-Como preocupação, talvez.
P: Preocupação? Por que tu pensa isso?
“Passar a mão na cabeça”.
Preocupação
9 É importante notar que o Sujeito 10 entende como aceitáveis tanto o conceito de carinho como de
preocupação.
16
P: Tu pensa no gesto?
-Sim (...) Como pensar bastante numa
situação.
Suj. 2 -Nunca escutei. Eu acho que pode ser fazer
carinho.
Carinho
Suj; 3 -Nunca escutei essa expressão aqui, mas eu
relaciono com o espanhol que usamos para
uma preocupação, quando algo está
ocorrendo. Algo está passando, “passar a
mão na cabeça”... mas não é falado, é mais
uma ação, uma ação. Mas também tem
pessoas que falam, para referir à
preocupação.
Preocupação
Suj. 4 -Eu nunca escutei, mas acho que é: quando
alguém fica preocupado, passa a mão na
cabeça.
Preocupação
Suj. 5 -Pode ser de adivinhação porque depois
que tu viu um fato acontecer tu fica
surpreso e passa a mão na cabeça.
Surpresa
Suj. 6 -É ter responsabilidade pelos teus atos (...)
É tentar fazer ele refletir sobre seus atos.
Responsabilidade, reflexão
Suj.7 -Ah, no, porque também quando eu quero
talvez me sentir minha cabeça ou quando
minha cabeça dói.
Pode ser quando estou preocupada. Ou
quando estou estressada. Não saberia dizer.
---------------
Suj. 8 --------------- ---------------
Suj. 9 -Passar a mão na cabeça eu acho que deve
ser pensar (...) meditar sobre alguma coisa,
algo assim. (...) Porque eu acho que se fala
essa expressão não significa o que é
literalmente, então passar a mão na cabeça
eu acho que deve ser..me soa mais tipo
Pensar, refletir
17
‘fica ai na tua cabeça, pensando’, ou
alguma coisa do tipo.
Suj. 10 -Fazer carinho. Eu entenderia como fazer
um carinho, passar a mão na cabeça (...) E
também penso assim de preocupação. Só
isso, mais não sei.
Carinho
e/ou
Preocupação
A relação entre a EI com os conceitos tanto de carinho, estabelecida pelos Sujeitos
2 e 10, como de surpresa, pelo sujeito 5, parecem ser originárias mais de uma
interpretação literal da expressão. Esse entendimento nos parece plausível na medida o
ato de passar a mão na cabeça de alguém é vinculado, na cultura ocidental, a um ato de
carinho. De modo semelhante, testemunhar algo que cause surpresa ser seguido pelo ato
de passar a mão na sua própria cabeça, que foi a interpretação do Sujeito 5, é uma imagem
fácil de ser construída, a partir de nossas vivências e experiências. Na continuação da
explicação oferecida pelo participante para a sua resposta, não parece restarem dúvidas
de que sua definição da EI seguiu esse raciocínio: “imaginei (que seria surpresa) porque
no espanhol pode ser quase igual – quer dizer, nos filmes e nos seriados as pessoas passam
a mão na cabeça por surpresa, admiração por causa de algum fato”. Não parece haver,
assim, estabelecimento de relação metafórica nas definições das EIs.
Situação diferente, entretanto, é verificada nas respostas dos seis sujeitos que
relacionaram a expressão à de preocupação e reflexão. Pela noção “TODO PELA
PARTE”, conforme concebida pela linguística cognitiva, temos aqui uma entidade,
“cabeça”, que é empregada para representar parte dela – ou seja, o local específico em
que se concentram as preocupações e reflexões.
Considerando que, dos nove processos inferenciais relativos à EI “passar a mão
na cabeça”, seis deles puderam ser agrupados em torno dos campos semânticos
relacionados “preocupação” e “reflexão”, os dados parecem apontam para a presença
significativa dessa relação metonímica pelos participantes.
EI 2: ficar cheio de dedos
Pela Tabela 2 é possível visualizar as relações metafóricas de sentido
estabelecidas pelos sujeitos para a EI 2: duas delas foram agrupadas na relação mais geral
de “possuir algo”, embora uma diga respeito a possuir opções, e outra a possuir coisas.
Em uma terceira resposta, aparece a ligação entre “estar cheio de dedos” e “ser julgado”,
já que, no entender do entrevistado, seriam os dedos de outras pessoas que estariam
18
apontando para você, de modo a julgá-lo por algo que você fez. Em uma quarta resposta,
tem-se a relação entre “muitos dedos” e “muita ajuda”. Além disso, um dos participantes
não conseguiu estabelecer qualquer sentido para a EI,
Enquanto não identificamos um padrão de relações de sentido nos protocolos
verbais relativos a essas inferências, os cinco processos inferenciais da EI restantes
apresentam uma semelhança entre si no que tange a relação entre “cheio de dedos” e
“cheio de tarefas”, conforme mostram os trechos selecionados das transcrições dos
protocolos na Tabela 2.
Tabela 2: Conceitos e relações de sentido para a EI 2
Expressão “Ficar cheio de dedos”
Sujeito
Conceito da EI Relações de sentido:
Ficar cheio de dedos =
Suj. 1 -Talvez ter muitas alternativas, muitas
opções.
P: Sim, e por que tu pensa isso?
-Não sei...
P: Talvez porque tu pode contar nos
dedos?
-Não sei, acho que sim.
Opção, alternativa
Suj. 2 -Nunca escutei. Talvez ter muitas coisas,
ter muitos presentes.
P: Por que tu pensa isso?
-Não sei, penso no meu aniversário e eu
cheia de presentes. É o que vem na cabeça.
P: Te vem essa ideia de quantidade?
-Sim.
Ter muitas coisas
Suj; 3 -A única coisa que me vem na cabeça...
“ficar cheio de dedos”... é como, por
exemplo, ficar cheio de tarefas, de
situações.
P: De tarefas?
-Sim, muitos compromissos, algo assim.
Ficar atarefado
Suj. 4 -Ficar com muitas coisas pra fazer, talvez. Ficar atarefado
19
P: E essa ideia de vem de onde?
-Da expressão, dedos podem ser tarefas...
P: Tipo, cada dedo é uma tarefa, para
numerar...?
-Sim!
Suj. 5 -Não sei, pode ser que tem muita ajuda de
muitas pessoas ou pode ser que também
tenha muitos dedos que não ajudam em
nada.
P: E por que essa ideia?
-Uma mão com muitos dedos e muitas
pessoas oferecendo os dedos para poder
ajudar.
Pessoas para ajudar
Suj. 6 -Essa ai eu não ouvi, talvez seja dedos
apontando para ti, ser julgado. (...) Eu fiz
uma coisa e todo mundo fica olhando, dedos
apontando.
Ser julgado
Suj.7 -Pode ser uma pessoa que quer fazer muitas
coisas?
..como a gente faz as coisas com as mãos,
estar cheio de dedos pode ter essa ideia de
fazer várias coisas?
-Sim.
Fazer tarefas
Suj. 8 -Ficar cheio de dedos...acho que uma pessoa
que faz muitas coisas. Ter a capacidade de
fazer muitas coisas no tempo, ser rápida.
Fazer tarefas
Suj. 9 - (...)Não sei essa...não sei.
P: Nem ideia?
-Nem ideia, não passa nada pela minha
cabeça.
---------------
Suj. 10 P: Nunca ouviu nada parecido?
-Não.. não sei, também poderia dar ideia de
fazer várias coisas, o fato de ter vários
dedos.
Fazer tarefas
20
Pela análise dos dados, parece plausível afirmar que a relação entre “cheio de
dedos” e “cheio de tarefas” tem origem no seguinte raciocínio estabelecido pelos
participantes: os dedos representavam tarefas a serem cumpridas, o que acarreta que
quanto mais dedos uma pessoa possui, mais tarefas ela tem a cumprir.
Com base nisso, a visualização da metáfora conceptual “TAREFAS são DEDOS”
parece apropriada, na medida em que temos “dedos” como domínio-fonte, e “tarefas”
como domínio-alvo. Ainda que, com relação à EI 1 “passar a mão na cabeça”, houve um
percentual menor de respostas semelhantes entre os sujeitos, essas foram, de qualquer
modo, a maioria: cinco inferências, de um total de nove, considerando que um dos sujeitos
não sugeriu qualquer significado para a EI.
EI 3: ser uma mão na roda
Entre as três expressões analisadas, foi na EI 3 que um padrão de relações de
sentido foi mais significativamente verificado. A análise dos dez protocolos verbais
mostrou que seis sujeitos relacionaram “mão na roda” com “ajuda”, por diferentes linhas
de raciocínio, dois relacionaram a “obstáculo”, e dois não conseguiram pensar em
possíveis significados para a EI, como pode ser verificado na Tabela 3 que segue.
Tabela 3: Conceitos e relações de sentido para a EI 3
Expressão “Ser uma mão na roda”
Sujeito
Conceito da EI Relações de sentido:
Ser uma mão na roda =
Suj. 1 -Acho que é uma pessoa que ajuda outras
pessoas. “Ser uma mão na roda”... Eu relaciono
roda com uma situação e a mão vai e ajuda.
P: É uma pessoa que ajuda?
-Sim, que ajuda numa situação.
Ajuda
Suj. 2 -Não sei tampouco.
P: Não conhece nada parecido?
-Não. E não imagino nada...
---------------
Suj; 3 -Acho que tem algo a ver com alguém que evita
avançar (...) perturba algum processo.
E: Sim, e por que esta ideia?
Obstáculo
21
-Porque na minha cabeça, o movimento da
roda, a mão interrompe este momento.
Suj. 4 -Não sei, não consigo pensar em nada...
E: Nenhuma imagem? Nada?
-Não...
---------------
Suj. 5 -Nunca ouvi. Uma mão na roda poderia ser uma
ajuda, porque a mão ajuda a roda a seguir
girando.
Ajuda
Suj. 6 -Ser parte de um grupo e nesse grupo tu ajuda,
tu contribui para que as coisas andem.
P: Por que essa ideia?
-Porque eu imagino uma roda gigante e um
monte de pessoas tentando empurrar a roda, os
amigos.
Ajuda
Suj.7 -Ser como uma mão na roda, pode ser como
ajudar alguém?
P: Ajudar? Por que tu pensa isso?
-...não sei, porque eu imagino uma roda e que
precisa funcionar, rodar. Então precisa de mãos
para funcionar.
Ajuda
Suj. 8 -Ser uma mão na roda… que não quer intervir
em alguma coisa? Que não quer fazer parte de
alguma coisa, intervir em alguma situação.
P: Por que tu pensa isso?
-A roda gira, faz movimento, ser uma mão na
roda é não querer que algo continue, ou intervir
em alguma coisa.
Obstáculo
Suj. 9 - (…) Não sei, eu associo, acho que pode ser a
pessoa que tem algum tipo de solução para
alguma coisa.
Solução, ajuda
Suj. 10 -Roda, não sei a que se refere.
P: A roda de um automóvel, a roda de uma
bicicleta.
-Pode ser uma roda de pessoas?
Ajuda
22
P: Poderia ser, tu pensa nisso?
-Não sei, para mim ser uma mão na roda seria
uma pessoa que te ajuda (...) que te salva, sei lá,
que está preocupada com você.
O primeiro aspecto que chama a atenção, na análise dos dados, é que a totalidade
das respostas relacionou a EI ou com a noção de ajuda ou com o seu oposto, a noção de
obstáculo. Nenhuma outra relação de sentido foi estabelecida. Além disso, das oito
relações de sentido estabelecidas, somente uma delas entendeu que a palavra roda dizia
respeito a uma “roda de pessoas”, as demais tendo interpretado o vocábulo a partir da
perspectiva de uma engrenagem dentro de um sistema maior, que precisa estar girando
para que tudo funcione bem.
Levando esses dados em consideração, e tendo o conceito de metáfora conceptual
da teoria de Lakoff e Johnson (op. cit.) em primeiro plano, podemos estabelecer a
metáfora “MÃO é AJUDA” e a metonímia “PARTE PELO TODO”, nas substituições
que os sujeitos fazem da palavra “roda” por “sistema”. Assim, da união dessas duas
metáforas, os sujeitos depreenderam tanto que colocar a mão na roda poderia significar
auxiliar, pois daria continuidade à atividade em desenvolvimento pelo sistema, fazendo
“girar a roda”, ou, de modo contrário, poderia representar um obstáculo, pois impediria a
continuidade dessa atividade, fazendo “parar a roda”.
Relação entre Expressões Idiomáticas, Relações de Sentido e Metáfora Conceptual
Como mencionado no início desta seção, a análise das relações de sentido das três
EIs são apresentadas na Tabela 4, a fim de facilitar a visualização dos resultados
encontrados. Além disso, as metáforas e metonímias conceptuais subjacentes às três EIs,
a partir das relações de sentido estabelecidas pelos participantes, também estão agrupadas
na mesma Tabela.
Tabela 4 - Análise das Relações de Sentido nas EIS 1, 2 e 3
Sujeitos EI1 EI2 EI3
Passar a mão na cabeça
=
Ficar cheio de dedos
=
Ser uma mão na
roda =
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1 Preocupação Ter opções,
alternativas
Ajuda
2 Carinho Ter muitas coisas ----------
3 Preocupação Ficar muito atarefado Obstáculo
4 Preocupação Ficar muito atarefado ----------
5 Surpresa Pessoas para ajudar Ajuda
6 Responsabilidade,
reflexão
Ser julgado Ajuda
7 ---------- Fazer várias tarefas Ajuda
8 ---------- Fazer várias tarefas Obstáculo
9 Pensar, refletir ________________ Solução, ajuda
10 Carinho
e/ou
Preocupação
Fazer várias tarefas Ajuda
TOTAL
(relações
de sentido)
6 – Preocupar-se, refletir
2 – Carinho
2 – Sem resposta
5 – Fazer várias
tarefas
1 – Ter ajuda para
realizar uma tarefa
2 – Ter opções,
coisas
1 – Ser julgado
1 – Sem resposta
6 – Ajuda
2 - Obstáculo
2 – Sem resposta
Metáforas
e
metonímias
conceptuais
observadas
“TODO pela PARTE”
(cabeça por preocupação
e/ou reflexão)
“TAREFAS são
DEDOS”
“MÃO é AJUDA”
“PARTE pelo
TODO” = (roda por
sistema)
Considerações Finais
Neste artigo, descrevemos os achados parciais de um projeto de pesquisa em
andamento que investiga os processos de compreensão de expressões idiomáticas (EIs)
por falantes de português como segunda língua tendo como base teórica a teoria das
metáforas conceptuais de Lakoff e Johnson (op. cit.). Primeiramente apresentamos os
24
processos inferenciais de dez falantes de espanhol como L1 frente a três EIs que não
possuíam equivalentes em sua língua materna, a fim de avaliar as relações de sentido por
eles estabelecidas, e, por fim, as possíveis metáforas conceptuais subjacentes a essas
relações de sentido.
O objetivo principal do estudo era avaliar em que medida a tese defendida por
Gibbs e O´Brian (op. cit.) de que as EIs são motivadas por metáforas conceptuais, não
cabendo, assim, a explicação de que seriam “metáforas mortas”, poderia ser ratificada.
Como mostramos na seção de apresentação e análise de dados, essa tese pôde ser somente
parcialmente confirmada, já que, conforme sintetizado na Tabela 4, mesmo tendo
encontrado um padrão de respostas inferenciais em todas as três EIs, houve também
processos inferenciais que levaram a metáforas conceptuais de natureza diversa.
É fundamental, de qualquer modo, considerar as diferenças metodológicas entre
o estudo aqui relatado e os experimentos de Gibbs e O’Brian (op. cit.), descritos em
detalhes no início deste texto. Nesse sentido, duas diferenças são essenciais: a seleção dos
participantes – enquanto no primeiro estudo tratava-se de falantes da mesma língua das
EIs, as quais já eram conhecidas por eles, nesse tratava-se de falantes de uma L2 cujas
EIs eram desconhecidas – e o método de coleta de dados – questionários semi-
estruturados nos experimentos dos autores americanos, e protocolos verbais nesse estudo.
Além disso, embora todos falassem a mesma L1, também é importante destacar
que os participantes deste estudo eram provenientes de diferentes regiões ou mesmo de
diferentes países em que a L1 era falada, o que certamente resultava em backgrounds
linguísticos diversos.
Consideradas essas diferenças, o fato de ter sido possível verificar uniformidade
na maior parte das respostas não parece um achado de pouca significância, ainda que essa
uniformidade não tenha sido total. Na verdade, o fato de termos encontrado metáforas (e
metonímias) conceptuais subjacentes aos processos inferenciais dos participantes por si
só já aponta para a pertinência da tese defendida por Gibbs e O’Brian (op. cit.), e ratificada
por Kazemi et al (op.cit.).
Um número maior de dados é necessário para podermos confirmar esses
resultados preliminares, naturalmente, e as próximas ações da pesquisa concentram-se em
entrevistas com mais participantes, incluindo também falantes cujas L1s não sejam
espanhol, a fim de verificar se esse padrão de respostas se mantém. Esperamos em breve
apresentar os novos resultados, com nova discussão, a fim de continuar contribuindo para
a compreensão desse fenômeno tão rico e complexo da linguagem como são as expressões
idiomáticas.
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Referências
AFFLERBACH, Peter; CHO, Byeong-Young. Responsive comprehension strategies in
new and traditional forms of reading. In: ISRAEL, Susan E; DUFFY, Gerald G. (eds).
Handbook of research on reading comprehension. Nova Iorque: Routledge, 2009.
CAMPS, Joaquim. Concurrent and retrospective verbal protocols as tools to better
understand the role of attention in second language tasks. International Journal of
Applied Linguistics. v. 13, 200.
ERICSSON, Anders K.; SIMON, Herbert A. Protocol analysis: verbal report as data.
MIT Press, Cambridge, MA, 1993.
_________; COLSTON. H. The cognitive psychological reality of image schemas and
their transformations . Cognitive Linguistics , 6 , 1995, p. 347 − 378 .
GIBBS, Raymond W.; O'BRIAN, Jennifer. Idioms and mental imagery: The
metaphorical motivation for idiomatic meaning. Cognition, 36, 1990.
KAZEMI, Seyyed Ali; ARAGHI, Seyyed Mahdi; BAHRAMY, Masoumeh. The Role of
Conceptual Metaphor in Idioms and Mental Imagery in Persian Speakers. International
Journal of Basic and Applied Linguistics, v. 2, n. 1, 2013.
LAKOFF, George. LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metaphors we Live by.
Chicago: Chicago University Press, 1980.
________. Metaphors we Live by. 2ª ed. Chicago: Chicago University Press, 2003.
LAUFER, Batia. Avoidance of Idioms in a Second Language: the effect of L1-L2 degree
of similarity. Studia Linguistica, v. 54, n. 2, 2000, p. 186-196.
O FUNCIONAMENTO DA NOÇÃO DE SUJEITO-CORPO NO DISCURSO DO
E SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Andressa Marchesan (UFSM)
Introdução
O presente trabalho é uma primeira investida no desenvolvimento do projeto de
dissertação de mestrado iniciado neste ano. O objetivo principal é propor uma reflexão
sobre a noção de sujeito tal como é trabalhada na Análise de Discurso peucheuxtiana em
26
suas relações com o corpo que representa o sujeito e que é representado nele e por ele.
Para tanto vamos nos propor investigar os funcionamentos da noção de “sujeito-corpo”
no discurso do e sobre o Estatuto da pessoa com deficiência, perguntando que corpo é
esse? O diferente no corpo e na constituição do sujeito? Como ele aparece ou não aparece
no discurso em estudo? Para tanto elegemos, como objeto de estudo o Estatuto da Pessoa
com Deficiência e buscaremos elementos dentro e fora do Estatuto para viabilizar nossas
análises, esses elementos poderão vir do próprio estatuto ou da mídia ou de outros
documentos legais/jurídicos.
Investigaremos os ditos e os não ditos, observando como se realizam os modos de
nomear o sujeito que tem um corpo no interior do discurso do Estatuto, ou seja, um
predomínio de nomeações e de ausências delas. Essas nomeações podem estar explícitas
ou implícitas, mas em nossa primeira leitura já se mostraram bem diferentes daquelas
presentes no Estatuto da criança e do adolescente e/ou no Estatuto do idoso. Nestes dois
documentos pudemos observar que as nomeações apresentam o corpo de forma explícita
e reiterada, enquanto que no Estatuto da pessoa com deficiência as nomeações não
aparecem ou quando aparecem apresentam-se de forma sutil e implícita.
É a Análise de Discurso (AD) de linha francesa fundada por Michel Pêcheux e
desenvolvida no Brasil a partir de Eni Orlandi que dá sustentação teórico-metodológica
para esse trabalho, pois se preocupa com o “funcionamento da linguagem, que põe em
relação sujeitos e sentidos afetados pela língua” (ORLANDI, 2015a, p. 19). A AD surge
no ano de 1969, na França, quando Michel Pêcheux propõe um novo olhar sobre a
linguagem, considerando o discurso como objeto de análise.
Ela se faz no entremeio da história, da linguística e da psicanálise. Sua
singularidade acontece ao pensar a relação da ideologia com a língua e pensar o sujeito,
enquanto um ser dotado de inconsciente e afetado pela ideologia. Ao fundar a AD, Michel
Pêcheux desloca a dicotomia língua/fala proposta por Saussure, para língua/discurso. A
AD também desconstrói o sujeito ideal proposto por Chomsky, pensa um sujeito que é
dotado de inconsciente e que sem a ideologia o interpelando não teria existência. Esse
sujeito não é ideal, assim como a língua que é um sistema sujeito a falhas e equívocos.
“Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (ORLANDI, 2015a, p. 15
apud PÊCHEUX, 1975). É através da “prática discursiva que o sujeito se manifesta
enquanto tal” (PETRI, 2004, p. 33). Algumas das noções que mobilizaremos durante a
elaboração da dissertação serão: sujeito, formações imaginárias, formações discursivas,
interpretação, discurso sobre e discurso de, também a história da palavra deficiência e a
delimitação e o percurso do corpo.
27
Sobre o sujeito e as formações discursivas
A primeira noção a ser definida é a noção de sujeito. Iniciamos com uma
afirmação de Orlandi (2015a) que rege essa noção: “o indivíduo é interpelado em sujeito
pela ideologia para que se produza o dizer” (p. 44). O sujeito é interpelado pela ideologia
e dotado de inconsciente. A ideologia “é a condição para a constituição do sujeito e dos
sentidos” (ORLANDI, 2015a, p. 44). Portanto, se não houver a ideologia, não há sujeito.
Além disso, os sujeitos são possibilidades de tomadas de posição. “Quando falo
a partir da posição de ‘mãe’, por exemplo, o que digo deriva seu sentido, em relação à
formação discursiva em que estou inscrevendo minhas palavras” (ORLANDI, 2015a, p.
47), em outro momento pode-se falar na posição de filha. Percebemos que a formação
discursiva determina o que pode e deve ser dito em uma dada posição sujeito.
O sujeito é “posição entre outras, subjetivando-se a medida mesmo que se projeta
de sua situação (lugar) no mundo para sua posição no discurso” (ORLANDI, 2002, p.
65). O sujeito é capaz de assumir diferentes posições dependendo da formação discursiva
na qual inscreve suas palavras, e assim, subjetiva-se ao se projetar em sua posição no
discurso, por exemplo, posso assumir a posição de acadêmica, filha, amiga, colega, etc.
É a formação discursiva que “regula o dizer das diferentes posições-sujeito que
nela convivem” (CAZARIN, 2004, p. 20). Por isso, a relevância desta noção que, segundo
Orlandi é “aquilo que numa formação ideológica dada - ou seja, a partir de uma posição
dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito”
(2015a, p. 41). É através da formação discursiva que o sujeito identifica-se mais ou menos
com os saberes advindos da formação ideológica que o domina tal como ela se apresenta
em saberes através do discurso.
“O sujeito não está no centro de si mesmo e tampouco é a fonte do sentido; e o
lugar onde está não tem centro, mas é uma estrutura” (FERREIRA, 2010, p. 8). O sujeito
está condicionado por uma estrutura, que tem como singularidade não ter suas fronteiras
fechadas e não ter seus territórios homogêneos (FERREIRA, 2010).
Com a AD o sujeito passa a produzir seu discurso, o sujeito o faz a partir de
determinadas posições sujeito ideológicas. Essa visão “individualizada”, entretanto, não
transforma esse sujeito em uma figura capaz de decidir livremente seu discurso, porque
se trata de um sujeito que é constituído socialmente. Todavia, por não ter consciência do
seu assujeitamento, o sujeito mantém a ilusão de ser plenamente responsável por seu
28
discurso (CAZARIN, 2004). O sujeito é descentrado, ou seja, ele não é fonte do sentido
que produz e é somente parte de um processo. Eni Orlandi explicita esse descentramento:
O sujeito da linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e
também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o
afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo
inconsciente e pela ideologia (ORLANDI, 2015a, p. 18).
A partir das palavras da autora podemos compreender que o sujeito, na AD, não é
livre para decidir seu discurso, pois ao produzi-lo, o faz a partir de determinadas posições-
sujeito, contudo mantém a ilusão de ser o dono do que diz devido a sua não consciência
de seu assujeitamento, ou seja, para o sujeito apaga-se o fato dele entrar nas práticas-
discursivas já existentes. Para constituir-se como sujeito, este deve se submeter à língua
e a história, para produzir sentidos.
Ao dizer o sujeito se inscreve na história e quando se inscreve na história, ele faz
transferência de sentidos. Se é sujeito através do assujeitamento à língua, na história. Ao
dizer se é afetado pelo simbólico. Ele submete-se a língua para se subjetivar, inserido em
sua experiência de mundo e determinado a dar sentido, significar-se “em um gesto, um
movimento sócio-historicamente situado, em que se reflete sua interpelação pela
ideologia” (ORLANDI, 2002, p. 68).
Os sentidos e os sujeitos não estão nem fixados eternamente, nem podem ser
quaisquer uns, porque é histórico é que muda e se mantém. A AD trabalha entre o possível
e o historicamente determinado. O sujeito capitalista é simultaneamente livre e submisso,
determinado pela exterioridade e determinador do que diz (ORLANDI, 2002). Os modos
de individuação do sujeito pelo Estado, que são estabelecidos pelas instituições e pelos
discursos, resultam em um sujeito com direitos e deveres.
A ideologia afeta o sujeito na estrutura e é nesta estrutura que o sujeito funciona.
Quando o sujeito é só individualizado, deixa-se de fora o simbólico, o histórico e a
ideologia, que são justamente as noções centrais que tornam possível a interpelação do
indivíduo em sujeito. O caráter do assujeitamento, o indivíduo assujeitar-se pelo
simbólico pela ideologia, e a possível resistência do sujeito aos modos que o Estado o
individualiza, esses momentos não estão separados, porém são distintos (ORLANDI,
2002).
Baseando-se em Petri (2004) iremos tratar da constituição do sujeito, que produz
um efeito de unidade, tendo como base uma ilusão necessária: o sujeito tem a ilusão de
ser a fonte do seu dizer e ele esquece que todo discurso é sustentado pelo já-dito, aquilo
que não se origina em nós, isso é caracterizado por Pêcheux e Fuchs (1997, p. 168) como
29
o “esquecimento nº 1”, e o sujeito tem a ilusão que domina e sabe exatamente o que diz
e de que controla os sentidos, isso se caracteriza como o “esquecimento nº 2”.
Os esquecimentos possibilitam a circulação do sujeito em um “espaço imaginário
que assegura ao sujeito falante seus deslocamentos no interior do reformulável”
(PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 178), ou seja, a circulação do sujeito nesse espaço
imaginário, que são os esquecimentos, é necessária, pois assegura seus deslocamentos no
interior do reformulável, sem que o sujeito se dê conta disso.
O sujeito sob o efeito dessas duas ilusões acredita que seu discurso está revelando
sua intenção particular de dizer algo, pois para ele seu discurso não representa uma
posição-sujeito inscrita em uma dada formação discursiva, que determina o que pode e
deve ser dito e o que convém ser dito em um dado discurso, e ele também acredita que
pode controlar o sentido, pois ele pertence a uma formação imaginária na qual se produz
uma imagem de si mesmo e do outro, seu interlocutor e “essa formação imaginária é que
lhe garante ‘a impressão de realidade’” (PETRI, 2004, p. 45).
A AD não trabalha com a noção psicológica de sujeito. Sob o modo do imaginário,
atravessado pela língua e pela história, o sujeito só tem acesso à parte do que ele diz, em
sua constituição ele é materialmente dividido: “ele é sujeito de e é sujeito à” (ORLANDI,
2015a, p. 46), sujeito de direitos e sujeito a deveres, é sujeito à língua e à história, pois
para constituir-se é afetado por ambas.
A delimitação do corpo
Além de trazer à baila as noções de sujeito e de formações discursivas,
apontaremos a delimitação do corpo. Este tem sido estudado e observado por diversas
áreas do conhecimento. A AD no Brasil vem preservando a relação entre linguagem,
história e ideologia e a concepção de um sujeito interpelado pela ideologia e afetado pelo
inconsciente. É por esse viés que “encontramos espaço para inscrever o corpo como um
objeto discursivo” (FERREIRA, 2013a, p. 77).
Baseando-se em Orlandi (2016), refletiremos sobre a relação entre sujeito e corpo,
pensando o corpo em sua materialidade significativa enquanto corpo de um sujeito e não
como corpo empírico. Em sua materialidade, os sujeitos textualizam seu corpo pela
maneira de como estão neles significados e se deslocam na sociedade e na história,
podemos ter corpos segregados, corpos legítimos, corpos integrados. A partir do que a
autora explicita poderíamos afirmar que o sujeito com deficiência tem o corpo segregado,
visto socialmente como “anormal”, “excluído” pelos considerados socialmente como
“normais”.
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O corpo do sujeito está ligado ao corpo social. O corpo não escapa à determinação
histórica e nem a interpelação ideológica do sujeito. O sujeito relaciona-se com o seu
corpo atravessado pelo discurso social que o significa. Não há como pensar o sujeito sem
o corpo e nem o corpo sem o sujeito e os sentidos.
Conforme Ferreira (2013a) é possível encontrar algumas referências ao corpo nas
obras de Michel Pêcheux, ainda que esparsamente. Pêcheux revela que não se deve negar
o desejo de aparência, a necessidade universal de um mundo “semanticamente normal,
isto é, normatizado, que começa com a relação de cada um com seu próprio corpo e seus
arredores imediatos” (2008, p. 34). Segundo Ferreira (2013b), essa necessidade da
normalidade surge a fim de responder aos apelos de uma sociedade capitalista estabilizada
que se fixa nesses parâmetros para obter sucesso. Assim como a língua e a ideologia
podem apresentar falhas, o corpo também pode apresentá-las. Na AD o corpo está
associado à noção de ideologia, pois mais do que um simples objeto teórico, o corpo é
um dispositivo de visualização, um modo de ver o sujeito, sua hi