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A primeira Lei de Tobler e a Análise Espacial
Harvey J. Miller
Departamento de Geografia. Universidade de Utah
Tradução parcial por Vitor Vieira
Vasconcelos, Mestre em Geografia pela
Pontíficia Universidade Católica de
Minas Gerais. Abril de 2013.
A Primeira Lei de Tobler e a Análise Espacial (The First Tobler’s Law and Spatial Analysis). Miller, Harvey J. Annals of the Association of American
Geographers. Volume 94, n. 2, páginas 284–289, Junho de 2004. Trad. Vitor Vieira Vasconcelos, abril de 2013.
“Eu nunca pensei que outros os pudessem levar tão mais a
serio do que eu levei” – Albert Einstein, sobre suas teorias.
“Eu, invoco a primeira lei da Geografia: tudo está relacionado a tudo
mais, mas as coisas mais próximas estão mais relacionadas entre si do que as
coisas mais distantes” (Tobler 1970). Como poderia uma frase justificando
cálculos ponderados em uma rede simulação de crescimento urbano gerar um
ícone conhecido como a Primeira Lei de Tobler? Porque esta lei tem ressoado
tão fortemente na Geografia?
Pareceu razoável que, em 1970, Waldo Tobler poderia invocar uma
primeira lei da Geografia a partir da proposição de que coisas mais próximas
são mais relacionadas entre si. Ela tem perseverado, desde que “próximo” e
“relacionado” são conceitos úteis no núcleo de análise e modelos espaciais.
Mesmo após 2004, a Primeira Lei de Tobler ainda é útil, na medida em que a
ascensão da ciência e das tecnologias de Informação Geográfica possibilitou
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uma maior sofisticação quanto à medição e análise desses conceitos. Isso é
irônico, considerando que Tobler aparentemente invocou a lei, em parte, para
desculpar-se pelos lentos computadores daquele tempo.
Eu irei evitar a questão sobre se a Primeira Lei de Tobler seria de fato
uma lei, visto que a ciência aceita o conceito de leis empíricas, ou se seria
apenas a descrições de padrões e regularidades. Essas não são
necessariamente verdades imutáveis (Casti 1990, Swartz, 2001). Nós
certamente possuímos evidências amplas para amparar a Primeira Lei de
Tobler: Você talvez tenha notado, no seu caminho para o trabalho, esta manhã,
que o mundo é ordenado com respeito ao espaço. Leis científicas também não
são necessariamente causais, por exemplo, a Lei da Gravidade, de Newton,
não é uma explicação. Embora não seja causal, a Primeira Lei de Tobler é
coexistente com um elegante argumento processual: dominar o espaço requer
desprendimento de energia e recursos, algo que a natureza e os seres
humanos tentam minimizar (embora não exclusivamente, é claro). Eu aceito a
Primeira Lei de Tobler como regularidade razoável que geralmente é verdade.
As questões que irei examinar são os papeis centrais de “próximo” e
“relacionado” para a análise espacial e os crescentes níveis de sofisticação que
podemos alcançar ao medir e analisar esses conceitos. Eu também sugiro que
relações entre entidades próximas não implicam em uma simples e estéril
Geografia: complexos processos e estruturas geográficas podem emergir de
interações locais. De fato, a sensibilidade de fenômenos a interações locais
implica que nós devemos medir analisar cuidadosamente as relações entre
coisas próximas.
O que é “Relacionado”?
O que nós queremos expressar quando dizemos que duas entidades
geográficas são relacionadas? No mínimo, estamos reivindicando que existe
uma correlação positiva ou negativa entre essas entidades. Associação
espacial não implica necessariamente causalidade. Duas coisas que são
associadas podem estar envolvidas em um relacionamento causal, ou podem
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existir ai outras variáveis escondidas que causam a associação. Embora
correlação não seja causalidade, ela proporciona evidência de causalidade que
pode (e deveria) ser avaliada à luz da teoria e/ou outra evidência.
A Primeira Lei de Tobler está no cerne da Estatística de Autocorrelação
Espacial, ou seja, técnicas quantitativas para analisar correlações relativas a
relações de distância e conectividade. Embora a autocorrelação seja
frequentemente tratada como confusa (ou seja, algo a ser corrigido em
modelagem de expressão), ela é contendedora de informação, já que ela
revela associações espaciais entre entidades geográficas. Em 1970, técnicas
para medir e analisar autocorrelações espaciais eram simples, provendo
apenas um único, sucinto número para uma base de dados espaciais inteira,
indicando a intensidade total da associação espacial. Analistas espaciais agora
reconhecem que cada localização tem um grau intrínseco de singularidade
devido a sua situação relativa ao restante do sistema espacial. Similar à
autocorrelação espacial, a heterogeneidade espacial não é apenas uma
flutuação de parâmetros a ser corrigida, ela é portadora de informação, já que
revela tanto a intensidade quanto o padrão das associações espaciais.
Estatísticas espaciais desagregadas, tais como estatísticas de indicadores
locais de associação espacial (ILAE) (Anselin, 1995), a Estatística G (Gets e
Ord, 1992) e regressão geograficamente ponderada (Brunsdon, Fotheringham
e Charlton, 1996) capturam associações e heterogeneidades espaciais
simultaneamente. Essas técnicas geram informação abundante, que pode ser
usada tanto em análise exploratória quanto confirmatória, a fim de gerar e
testar hipóteses sobre relações espaciais. Seus requisitos e demandas de
dados em técnicas de geovisualização os fazem inimaginavelmente prioritários
para a ascensão dos amplamente disponíveis geodados digitais e SIG.
Outra técnica de análise espacial essencial, que se utiliza da Primeira
Lei de Tobler é a interpolação espacial, ou seja, as técnicas para gerar
variáveis perdidas ou escondidas no espaço geográfico. Algumas dessas
técnicas são muito sofisticadas em sua implementação da Primeira Lei de
Tobler. Por exemplos a kriggagem (krigging) trata a variável espacial sendo
interpolada como regionalizada, significando que ela varia continuamente
através do espaço, de acordo com um retardamento espacial ou distância em
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uma maneira parcialmente aleatória e parcialmente determinística. Isso admite
uma grande variedade de funções de distância e padrões de agrupamento. Ela
também permite ajustes externos baseados em informações qualitativas. Além
de sua flexibilidade, a kriggagem é também poderosa no sentido de que
existem técnicas bem estabelecidas para estimar parâmetros que minimizam o
erro de interpolação, se fornecidos dados amostrais e um modelo hipotético de
retardamento espacial. Essas medidas de erro são desagregadas
espacialmente e podem ser mapeadas e visualizadas, proporcionando um
registro detalhado da acurácia da interpolação ao longo do espaço (veja Lam
1983; Isaaks e Srivastava, 1989; Oliver e Webster, 1990).
Um tipo mais estreito de associação espacial é a interação espacial, ou
seja, o movimento de indivíduos, material ou informação entre duas
localizações geográficas. A interação espacial é estreitamente relacionada à
autocorrelação espacial: modelos de interação espacial são casos especiais de
um modelo geral de autocorrelação espacial (Getis, 1991). Similar à
autocorrelação espacial, técnicas avançadas para interação espacial e
modelagem de escolhas espaciais reconhecem a heterogeneidade espacial ou
efeitos de padrões em mapas. Esses efeitos permitem a indivíduos simplificar
seus problemas de escolhas espaciais por agrupamento ou agregação de
escolhas, frequentemente baseados na proximidade (Fatheringham, 1983;
Kanaraglou e Fergusson, 1996; Bht, Govindaranjan e Pulugurta, 1998).
Técnicas computacionais, tais como estimação de parâmetros baseados em
algoritmos genéticos e redes neurais artificiais, estão melhorando a robustez da
modelagem de interações espaciais, para dados com interferências e dados
não quantitativos (Doughetty, 1995; Diplock e Openshaw, 1996).
O que é “Próximo”?
A discussão na sessão anterior deixa o conceito de “próximo” tão vago e
indefinido quanto Waldo Tobler o deixou quando invocara a Primeira Lei de
Tobler. Esta seção, baseada em Miller e Wentz (2003), sugere que “próximo” é
central para a análise espacial. Ela também sugere que “próximo” é um
conceito mais poderoso e flexível do que é comumente apreciado.
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Como Gatrell (1983) ressalta em seu excelente livro “Distância e
Espaço”, geógrafos não têm uma pretensão solitária sobre o conceito de
“espaço”: nós podemos construir um espaço matemático pela definição de um
conjunto de objetos e relações entre todos os pares desses objetos. Essas
relações podem ser quantitativas ou qualitativas. De qualquer modo, como
geógrafos, não estamos realmente apenas interessados em um sub conjunto
de todos os espaços possíveis. Estamos interessados em geoespaços, ou
aqueles que podem ser significativamente representar fenômenos sobre ou
próximos à superfície da terra.
O que distingue geoespaços de outros espaços? Em geoespaços, os
objetos correspondem a localizações sobre a superfície da Terra. São definidos
conceitualmente como “’relações de caminhos mais curtos” definidas entre
todos os pares. Essas são as rotas de mínimo custo para movimentos físicos
ou interações virtuais entre objetos, onde “custo” é interpretado de maneira
geral. As relações de caminhos mais curtos determinam a medida e a análise
de atributos geográficos (Beguin e Thisee, 1979).
Na maior parte da literatura geográfica e da literatura relacionada,
“proximidade” é definida tipicamente baseando-se em um segmento de linha
reta conectando duas localizações, isto é, a distância Euclidiana para o par de
localização. Essa é apenas uma possibilidade. Existem um infinito número de
relações de caminhos mais curtos que obedecem as condições de simetria,
não negatividade e desigualdade triangular do espaço métrico (Love, Morries, e
Wesolowsky, 1988; Puu e Beckmann, 1999). Se não estamos desejando
abrandar esses requerimentos métricos de forma que apenas a condição de
desigualdade triangular seja mantida, o resultado é um espaço “quase métrico”.
Esse pode ainda permitir medições e análises espaciais (Huriot, Smith e Thisse
1989; Smith 1989).
Fenômenos geográficos que não aparentam ser consistentes com a
Primeira Lei de Tobler podem, de fato, estar seguindo relações de proximidade
não Euclidianas. Isso pode incluir processos de difusão geográficos como
propagação de doenças (Cliff e Hagget, 1998), movimentos e interações em
escalas urbanas, regionais e nacionais (Worboys, Mason e Lingham, 1998; Puu
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e Beckmann, 1999) e percepção humana do espaço geográfico (Montello,
1992). Waldo Tobler dedicou grande parte de sua carreira tentando nos
convencer que os geoespaços não euclidianos são também possuidores de
sentido, utilizando-se de transformações cartográficas e outras técnicas
engenhosas analíticas e de visualização (e.g. Tobler, 1976; 1976b; 1978; 1987;
1994).
Relações de proximidade não necessitam ser restritas ao espaço vazio.
Alguns fenômenos geográficos são condicionados por atributos geográficos
como terreno, cobertura da terra e congestionamento de tráfego. Para capturar
esses efeitos, nós podemos generalizar o conceito de distância para caminhos
de menor custo através do espaço geográfico (Angel e Hyman, 1976). Isso
requer tratar um atributo ou atributos espacialmente contínuos como campos
de custo que afetam o movimento ou a interação. Esse é um problema bem
estudado na análise espacial e na ciência da Informação Geográfica. Muitos
algoritmos computacionalmente manejáveis estão disponíveis para casos
especiais destes problemas gerais (e.g. Smith, Peng e Gahinet, 1989; De Berg
e Van Kreveld, 1997).
A Proximidade é um principio organizador central do geoespaço, mas
não é necessariamente uma função do espaço Euclidiano, métrico ou mesmo
vazio. Há um amplo leque de técnicas analíticas e computacionais para
representação e análise desses espaços – e não há razão, em princípio, para
que eles não devam ser parte de um conjunto de ferramentas padrão de SIG.
(...)